MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

51

description

Discurso e Imagem em Movimento: o corpo horrorífico do vampiro no trailerAutor: Prof. Nilton Milanez

Transcript of MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

Page 1: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer
Page 2: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer
Page 3: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

DISCURSO E IMAGEMEM MOVIMENTO

o corpo horrorífico do vampiro no trailer

Page 4: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

Coordenação EditorialLlbedisco/UESB

Laboratório de Estudos do Discurso c do CorpoGrudiocorpo/CNPq

Grupo de Estudos sobre o Discurso e o CorpoEditora CJaraluz®

Conselho EditorialProf. Dr, Oeudemar A1vesFernandcs (UFU)Prof. Dr. Franscisco Paulo da Silva (UERN)

Profs, Dra. Isadora Valencisé Gregolin (UFSCAR)Profa, Ora. Kária Menezes (UFG)

Profa. Dra. Maria do Rosário Gregolin (UNESp)Prof. Dr. Pedro Navarro (UEM)

Profa. Dra. Vanice Sargentini (UFSCAR)

RevisãoJaciane Marrins Ferreirajanaina de Jesus Santos

João Marcos Mateus Kogawa

Design da capaCecilia Barros-Cairo

Editoração EletrônicaAna Cristina Navais Menezcs

DRT-BA 1613

Nilton Milanez

DISCURSO E IMAGEMEM MOVIMENTO

o corpo horrorífico do vampiro no trailer

daraluzEDITtlftA

~~.Labcdisco - Ucsb

Page 5: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

Picha Catalogrilica eIabonda pela Seção de TmIliInenlD da Informaçioda BibIicmca - Pro( AchiIIc Busi - lnstituID de Oênciaa Matemáticas e deComputação - ICMC/USP.

M637d Mibncz, NiltonDiscuno e imagem em movimento: o corpo horrorífico

do vunpiro no trailerl Ni!ton MiImez. - São Carlos: CWaluz,2011.

ISBN 978-85-88638-60-0

1. Discursa 2. Imagem 3. Corpo. 4. Vampiro. 5.Trailttl.1itulo.

À minha irmã Nara, pelo nosso tempono velho sofá vermelho com os olhostremendo de medo, pelo nosso tempo nosofá novo com os olhos famintos de futuro.

Page 6: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

[...] é impensável que pretendamos aindahoje separá-Ias [as palavras] das imagens -imagens fixas e imagens em movimento - eque não consagremos ao funcionamentodas imagens e à sua relação com o discurso amesma atenção minuciosa que dispensamosaos enunciados verbais. (COURTINE,2008a, p. 17)

Page 7: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

suMÁRIo

Prefácio 11

Contornos 19

Imagens, vampiros e discurso 23

Por que horror? 29

Imagem e(m) movimento e corpo 35

A ordem discursiva da imagem em movimento:o trailer .41

Aurora dos vampiros: corpo, horror e soberania .51

o Crepúsculo dos vampiros: corpo, horrore contradição 65

Monstro, Corpo e normalização no discurso 81

To be continued 87

Referências 91

Page 8: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

PREFÁCIO

A maior parte dos monstros é mon.fIrNosa com simetria, adislo'fão das partes parece ter-se feito com ordem.

Buffon

Este prefácio não quer ser tão-somente umprefácio, um discurso introdutor apenas ou umapanhado de ideias que resumem o que contém umlivro. O livro que prefacio me incitou ao diálogo. Essemovimento se deveu à criticidade e à criatividade deenfoque do estudo nele contido, estudo esse queaponta objetivamente para um determinado fim,que ao mesmo tempo instiga e possibilita múltiplasperspectivas de interpretação. O corpus, por exemplo,são dois trailers de horror, mas a abordagem dessecorpus, pela perspectiva que nos concede NiltonMilanez, conduz-nos a pensar não somente sobreos dois enunciados filmicos, mas sobre enunciadosoutros que se planteiam sob diversas materialidadese possibilidades discursivas,

Como disse Carlos Drummond de Andrade,em "O lutador": "Palavra, palavra,! [...]! se medesafias,! aceito o combate." Aceitei, vamos a ele!

Page 9: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

12 Nilton Milanez

E aqui vão os olhos de uma pesquisadora daliteratura fantástica, literatura essa que engloba, deforma muito pontual, a literatura de horror. Pelasnossas pesquisas, verificamos que tal literatura dehorror, bem como o cinema que envolve esse tipo deabordagem, abarca paradoxalmente sempre umpúblicomuito vasto e um grupo de críticos muito apequenadoe preconceituoso em relação ao gênero. Nesse sentidoé que o presente livro cumpre a importante tarefa deabrir um campo de investigação e diálogo sobre o tema,possibilitando ao leitor uma análise dos dois trailers queformam o corpus do livro, bem como uma interpretaçãoda nossa época, em que a noção de imortalidade.constitui-se como premissa para se entender o homem.

Quais são os pontos de regularidade e dedispersão entre discursos que enfocam o mesmoobjeto, sendo um datado de 1931 e outro de 2008? Oautor do livro nos revela tais pontos e nos convocaa olhar na direção de discursos outros, de discursosque engendram a nossa cultura. Esse olhar do autordeve-se especialmente à sua perspectiva norteada pelaAnálise do Discurso. Em sua trajetória acadêmica, aAnálise do Discurso foi escolhida como tendênciateórica para investigar as "aventuras" da imagem docorpo nas malhas da história e da memória.

Discurso c Imagem em Movimento 13

Seu percurso de trabalho com a imagem porintermédio dos dispositivos teóricos da Análise doDiscurso encaminhou-se do trabalho com as imagensfixas para as imagens em movimento, especialmenteas filmicas. Os trabalhos com a imagem fixa, nocampo da Análise do Discurso, são mais regulares;já aqueles relacionados às imagens em"movimento,mais escassos. A trajetória de pesquisa do autordo livro com as imagens em movimento dataespecialmente da época em que fundou na UESB- Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia -o Grupo de Estudos sobre o Discurso e o Corpo,atividade de pesquisa essa que deu origem à criaçãodo Labedisco - Laboratório de Estudos do Discursoe do Corpo - em 2009. E, desde esse período, osestudos do autor se encaminharam no sentido deuma problematização em torno de como o corpovem sendo lido e ressignificado nas descontinuidadesda história. Nesse percurso de trabalho com o corpoe com as imagens filmicas, que faz parte, hoje, deseu projeto de pós-doutoramento apoiado peloCNPq, o autor do livro encontrou, no meio do seucampo teórico-crítico, o gênero horror, que, comojá argumentamos, insere-se em um espaço periféricodos estudos acadêmicos.

Page 10: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

14 Nilron Milanez

A perspectiva teonca do autor abarca asformulações de Michel Foucault acerca do corpo,das espacialidades ocupadas pelos corpos, da ordemdos discursos e das construções dos poderes.Aprendemos com Michel Foucault, e vemos pelosexemplos fornecidos por Milanez, que a ordem dodiscurso não nos admite enunciar ou selecionarqualquer palavra ou imagem em qualquer momentoou espaço; e que a seleção depende de um conjuntomovido por hierarquizações e classificações. Ouseja, que toda imagem ou discurso posto emfuncionamento, em sua singularidade, sugere-nos,em seus ditos e interditos, o porquê de sua existência.Outro dispositivo teórico fundamental para asargumentações erigidas pelo autor é a noção deintericonicidade proposta por Jean Jacques Courtinee posta em circulação nos estudos da Análise doDiscurso do Brasil pelo autor deste livro.

O estudo proposto no livro elege como meta,~omo já anunciamos, dois trailers filmicos, o deDrâada (1931), de Tod Browning, e o de Crepúsculo(2008), de Catherine Hardwicke. Esses dois trailersabordam' a figura do vampiro de forma a bordar oscontornos de como a figura de um monstro, o

Discurso e Imagem em Movimento 15

vampiro, aparece ressignificada, em nossos tempos,de acordo com as emergências de um sistema deregularidades e de dispersões.

Pelaanálisedas imagens dos trailers, entendemosque há estabilidades de sentidos gerados pela figurado vampiro, já que a permanência de sua presença nasredes de preferência do público devem-se a fatoresque não estão do lado do disforme, mas da tentativada forma perfeita, que é a um só tempo impossível eproibida: a forma do infinito, do nunca acabado, daeternidade.

De um lado a noção de eternidade que nosvem da leitura desse monstro, nas margens dahistória e no centro da atenção do público e, deoutro, a irrupção de uma nova imagem de vampiro, ode Catherine Hárdwicke, que tem em sua construçãonovos delineamentos impostos pelas condições deprodução das imagens e personagens do "mal" hoje.Das trevas ao azul, cor essa que sugere eternidade etambém a representação dos seres celestiais. Com ainterpretação do vampiro contemporâneo, desenha-se a ideia de que hoje, conforme fica muito claropela análise de Crepúsculo, esse monstro passa afigurativizar a normalização das anormalidades. Ovampiro, nessa perspectiva, passa a representar a

Page 11: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

16 Nilton Milanez

importância da reflexão sobre as diversidades, poisele rompe com o binarismo excluído X incluído, malX bem; ele passa a ser o excluído que é (ou deve ser)incluído. A inclusão segue a ordem do enunciável noséculo XXI. A cada época, o vampiro figurativiza-se,assim, por intermédio das redes de enunciabilidadesque Ihes dão seu sentido; alimentam-se do tempo eda cultura que encontram em seu entorno. E a cadanova forma que assume, o vampiro parece recriar-se.O velho assume formas que atestam que "o novonão está no que é dito, mas no acontecimento desua volta".'

Gelder', ao estudar a ressignificação dosvampiros, a partir de sua emergência em variadasépocas, explica que a representação desses seresrelaciona-se tanto a questões extemporais, que estãoalém de uma cultura específica, quanto a questõespróprias da cultura referente ao seu surgimento.

Não é por acaso, como nos mostra o autor, queirrompam imagens filmicas constantes de vampirosem nossa atualidade. Por que a figura do vampiro sefaz tão presente, hoje, em diversos gêneros e espécies

1 FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga de AlmeidaSampaio. 5.ed. São Paulo: Loyola, 1999, p. 26.2 GELDER, K Reading tbe oampire. London/ New York: Routledge,1994.

Discurso e Imagem em Movimento 17

artísticas, como em filmes, romances, contos, novelasgráficas, novelas televisivas? A resposta poderia virde Lovecraft': '~ emoção mais forte e mais antigado homem é o medo, e a espécie mais forte e maisantiga do medo é o medo do desconhecido". Mas arelação com o medo atesta o caráter extemporal dovampiro. Já a sua relação com a cultura dos fins doséculo XX e início do século XXI pode ser explicada,como aponta exemplarmente Milanez, "espelha asansiedades e desejos de nossa época em relação àlongevidade e o temor extremo da morte".

Percebemos, com o estudo aqui desenvolvido,que a aparente ilogicidade e assimetria dos monstrosremete a uma simetria; que a aparente construçãodo disforme é ditada por uma ordem do discurso,por uma forma de delinear posturas e códigos quenorteiam nosso cotidiano.

Os capítulos do livro são construídos de modocoeso, com a problematização do tema central - otrailer filmico de horror protagonizado por vampiros- por intermédio de várias perspectivas a elerelacionadas e fundamentais para sua compreensão:as noções de imagem em movimento, de práticas

1 LOVECRAFf, H. P. o horror sobrenatural na literatura. Trad. JoãoGuilhermeLinke. Rio de Janeiro: Livraria Francisco AIves, 1987, p.1.

Page 12: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

18 NiIton MiIanez

discursivas, de horror e de corpo. Portanto, comoum caleidoscópio, o livro oferece várias maneirasde perceber um mesmo objeto. O resultado é umestudo verticalizado sobre o assunto e intensamentefértil, uma vez que fornece caminhos para novosestudos sobre o tema. Como leitora, saio do livrona certeza de voltar a ele mais vezes, instigada poralguma de suas lentes caleidoscópicas.

Marisa Martins Garna-KahIilUbcrlândia, dezembro de 2010

CONTORNOS

A problematização do arcabouço teórico daAnálise do Discurso e sua relação com a imagemtem me inquietado desde há muito tempo. De fato,essa discussão nasceu de minha fecunda participaçãono Geada/CNPq - Grupo de Estudos de Análise doDiscurso de Araraquara, liderado pela Profa. RosárioGregolin, durante os anos de 2000 a 2007. Mas, desdeos anos 1990 o grupo já investigava as imagens fixascomo objeto do discurso, tomando os diálogos entreMichel Pêcheux e MicheI Foucault, tendo comoresultado o livro Filigranas do Discurso: as vozes dahistória (GREGOUN, 2(00). Portanto, durante seteanos de tessituras teóricas pude observar, participare desenvolver questões em torno da imagem fixa namídia impressa, sobretudo, no que diz respeito aocorpo (MILANEZ, 2001, 2007a).

Ao ingressar na UESB - UniversidadeEstadual do Sudoeste da Bahia, em 2007, criei oGrudiocorpo/CNPq - Grupo de Estudos sobreo Discurso e o Corpo, formando uma pequena

Page 13: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

20 Nilton Milanez

e intensa equipe de jovens pesquisadores, cujotrabalho resultou na criação do Labedisco/UESB -Laboratório de Estudos do Discurso e do Corpo,em 2009. Durante esse período, as investigaçõesse estenderam da imagem fixa para a imagemem movimento, tomando fôlego por meio dainvestigação da materialidade filmica e sua produçãode sentidos, considerando o referencial da Análise doDiscurso da maneira como a praticamos no Brasil,com a especificidade do trabalho arqueológico deMicheI Foucault.

Este breve estudo do qual vou me ocupar aquimarca o encontro da convergência de dois lugares: odo corpo como uma construção discursiva, trabalhoque tenho percorrido com afinco (MILANEZ,2001,2004,2005,2006,2007~2oo7b,2oo7c,2oo9~2009b, 2010a, 2011a), e o do horror, vertente que,ao meu ver, irrompe dos atravessamentos, ranhurase estrangulamentos do corpo como objeto dodiscurso. Essas discussões foram sendo elaboradasem um canteiro sobre o qual tenho me dedicadorecentemente a parrir de palestras, aulas, cursos eoficinas de leitura, dentro do projeto de pesquisaintitulado "Materialidades do Corpo e do Horror",desenvolvido na UESB, no quadro dos trabalhosdo Labedisco/Grudiocorpo e do projeto de pós-

Discurso e Imagem em Movimento 21

doutoramento "Discursos filmicos do corpo e dohorror", na Sorbonne Nouvelle, Paris 3, em 2010-2011, possibilitado com o apoio do CNPq.

Proponho, aqui, então, o desenvolvimentode alguns elementos fundamentais para o trabalhocom imagem em movimento dentro dos estudos deAnálise do Discurso. Para tanto, tomarei dois trailersde filmes no âmbito do horror, Drácula (1931), deTod Browning e Crepúsculo (2008), de CatherineHardwicke. Em torno desses trailers, discutirei umaordem discursiva para a imagem em movimento ea constituição da noção de horror dada a partir dasmaterialidades do corpo dos vampiros apresentadosnos trailers. Assim, apresentarei condições deenunciação do fio discursivo entre discurso/trailer/horror/ corpo para verificar a emergência ereaparecimento do vampiro no cinema nos últimosCInCOanos.

Acredito, assim, que essas discussões apontampara a possibilidade de novos objetos de análise, que .acabará, por fim, exigindo de nós analistas novasferramentas para a realização de nossas escavaçõesdiscursivas.

Page 14: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

IMAGENS, VAMPIROS E DISCURSO

Ao longe, sem espaço certo, o vento sopraaté ficar cada vez mais intenso. Aparece, então, umcemitério cinzento tomado pela neblina. De costas,uma moça, de cabelos negros, ondulados, na alturados ombros, entrando no cemitério. De frente, vemosseu rosto extremamente branco: os olhos ausentesseguem um ponto fixo entre cruzes e tumbas. Seucorpo autômato anda cegamente enquanto o ventosacode sua camisola comprida, fina e branca demangas longas esvoaçantes. Ela obedece à voz querepete, sussurrando: ''Venha, venha".

Entre o kitsch e o medo, passei grande partede minha infància na frente da televisão, falo aqui,em especial, das sextas-feiras, depois das 10 danoite, quando, sentado em um sofá vermelho aolado de minha irmã Nara, via os "filmes de medo",como chamávamos os filmes de horror da Record,naquela época.

À primeira vista, pode parecer que estoufalando publicamente de uma experiência individual,sinalizada por minhas lembranças televisivas

Page 15: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

Nilton MiJanez

no seio da vida cotidiana, entrelaçadas a relaçõesafetivas do meu universo familiar e doméstico. Mas,esse momento singular de minha existência estáarticulado e marcado por acontecimentos, que sãocompartilhados por uma geração de meados dosanos 1970. Isso evidencia, assim, o ritmo de viver e otempo histórico de uma comunidade específica, quevem à tona por meio da rememoração de lembranças,dando vazão a uma história de massa da 1V brasileira,de vidas estilhaçadas no auge da Ditadura. Por isso,acredito que essas breves imagens, até mesmofictícias, talvez, sobre os filmes que assistia, fazemparte de uma memória comum a todos nós, mesmoque tenhamos vivido ou não naquela época. Querodizer com isso que nossas lembranças são semprecoletivas, porque para encontrarem eco precisamestar inseri das em uma rede de acontecimentos queas despertem.

No caso desse breve estudo, em particular,foi pensar sobre filmes de vampiros que me arrastouaté um passado de menino. Sob essa perspectiva,os sOllVenirs desse meu passado foram traçados pelahistória de outros momentos, o momento de agorano qual os filmes de vampiros aparecem em tãogrande número e com uma circulação espantosa,característica de nossa época. Preciso, então, deixar

Discurso e Imagem em Movimento 25

falar Halbwachs (2006, p. 30), quando diz que"Nossas lembranças permanecem coletivas e nos sãolembradas por outros, ainda que se trate de eventosem que somente nós estivemos envolvidos e objetosque somente nós vimos. Isto acontece porque jamaisestsmos sós." O célebre historiador recita, portanto,fundamentos que são a base para a heterogeneidadedo discurso, composto por tantos sujeitos elugares quanto forem o número de lembranças,(re)compostas por meio do funcionamento de umacontecimento, ou seja, a atualidade de uma memória,como nos mostrou Pêchcux (2002), dando-nos apossibilidade de pensar a produção e circuJação deimagens armazenadas e (rc)criadas pelo sujeito emsuas relações com a história. Como compreender emmeio a isso tudo o que chamamos de discurso?

"O discurso não deve ser tomado como", nosdiz Foucault (2001a, P. 123), aquilo que dizemos oua maneira como dizemos, uma vez que entendemosque o discurso está naquilo que não dizemos, masque configura nossos gestos, atitudes, delineianossa maneira de ser, estabelecendo modos decomportamento e rcgulamentações no espaço e notempo. O discurso não é algo que pode ser tomadocomo uma definição em uma estrutura como "odiscurso é", mas que se constitui por meio

Page 16: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

26

de um conjunto de procedimentos de controleque atravessam as relações sociais e históricas. Aexperiência dessas relações é vivida pelo sujeito, quetoma o discurso como a constituição de um lugarno qual poderá enfrenw a si mesmo, tomando odiscurso um campo de batalha para a formatação deum afrontamento de si para si, na busca da verdadeque o compõe em relação ao sujeito, que ocupa umlugar especffico em um tempo determinado. Assim,adversário de si mesmo, o sujeito vai travar com odiscurso a luta para conhecer aquilo que faz com queele seja quem ele é.

Na leitura de Judith Revel (2005, p. 37) "Odiscurso, designa, em geral, para Foucault, umconjunto de enunciados que podem pertencer acampos diferentes, mas que obedecem, apesar detudo, a regras de funcionamento comuns". Vejamosisso por meio das questões propostas no título destelivro.

Há um encadeamento no título marcado pelo"e"; fazendo a ponte entre "discurso" e "imagemem movimento". Esse "e", muito mais do que ligarum conceito a outro, marca uma perspectiva teóricae indica um tipo de estteitamento de laços entredois conjuntos de conhecimentos, que possuemfunções especificas, mas que passam a fazer parte

DiIcuno e Imagem em Movimento 27

do mesmo espaço de correlações no momento caíque aparecem na capa do livro. Assim, aquilo deque se fala do lugar do "discurso" e da "imagemem movimento" constituem enunciados, pois elespodem ser entendidos dentro de um conjunto deleis, que a eles nomeiam, designam e descrevem, afim de afirmar ou negar este tipo de entrelaçamento.

Nesse caso, busco reafirmar os laços entreesses dois campos diferentes. Apesar de chegarematé nós por meio de domínios distintos, em sentidoamplo, respectivamente, das letras e das artes,possuem um lugar comum, largamente o dos estudosda linguagem, que vigiam seu funcionamento quantoao respeito de suas regras no seio da ciência. Porisso, ao retomar Foucault, Revel (205, p. 37) nos dizque "essas regras [...] reproduzem um certo númerode cisões historicamente determinadas", pois oscanteiros do conhecimento indicados se submetema procedimentos organizacionais epistemológicos,sociais e históricos, que coordenam o jogo dosintercâmbios entre um e outro, controlando o que sepode dizer a respeito deles.

Olhar para os vampiros é um dos modos dese lançar a essa batalha no interior do discurso, quetem como designação compreender porque se fala.se pensa e se sente de determinada maneira no que

Page 17: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

28

conceme aos filmes de horror, As concepções queacreditamos ter sobre as impressões de um filme dehorror são. na verdade, conhecimentos formados aolongo da história, adquiridos por nós e reorganizadosde acordo com nossa maneira de viver, seguindo asmodulações do tempo e da época em que vivemos.Vendo dessa forma, os vampiros são formações,que contam a maneira de como agíamos ontem eestabelece a forma de constituição de quem somoshoje.

POR QUE HORROR?

A escolha da temática do horror para estadiscussão não parte apenas de um desejo e gostopessoal pelo assunto, mas se refere à observação deuma onda crescente de produções com elementosnarrativos fantásticos e de horror que começam adar dicas sobre a emergência e forte reinserção dosobrenatural, forças ocultas ou superpoderes e demonstros como vampiros, demônios e fantasmaspresentes na rnídia televisiva e cinematográfica.Nos anos 2000 a produção abrange as telenovelasbrasileiras O beijo do Vtl1IIfJiro, de 2002, exibida pela redeGlobo; Os fllllfanles - Caminhos do Corllfão, de 2008, na'IV Record; numerosas séries norte-americanas dosúltimos cinco anos como SlIjJernafllraJ, com inícioem 2006, da Warner; Heroes, também iniciada em2006, da NBC; Fringe, desde 2008, na Fox; T17IeBlooJ,da HBO e a recente The Vampire Diaries, da Warner,ambas de 2009; e a série de filmes CrepIÍSCllIo,de 2008;LIa Nova, de 2009; e Eclipse, de 2010. Ressalto, ainda,os inúmeros livros dessa ordem que invadiramas livrarias na última década, a se iniciar com o

Page 18: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

30

mundo fantástico criado, na Inglaterra, por Rowlingnas aventuras de Harry Potter e da intensificação,no Brasil, de filmes com elementos narrativos dehorror, como O Coronel e o LobisOllll1ll, de 2005, UIIILobisomem na.Alllaz6nia, também de 2005,AmJifl, 1111I

espírito baixoll e1I1",;m, de 2006, Fioa Ç(}IIIigOesta noik, de2006, O Samifago Maçabro, ainda de 2006, Corpo, de2007, En&arnl1fio do Demônio, de 2008, FiJmtjobia, de2009, entre outros, produzidos na segunda metadeda primeira década de nosso século.

Os fantasmas, que assustain uma sociedade,certamente, enunciam ordens sociais e ideológicassobre as quais elas se fundam. A possibilidade decirculação e emergência das imagens do horrornão é por acaso. O respaldo para o acolhimentohistórico de tal vertente. encontra-se, acredito,nas necessidades, anseios e temores do sujeitocontemporâneo. Esses tipos de sentimento não sãode motivações metafisicas, mas fazem parte de ummovimento histórico do cotidiano do nosso presente,que brota de uma prática, muito mais do que de umaestética. Não vejo o horror, tampouco, como umgênero, mas como um lugar de produção de discursodo qual fazem parte uma coleção de figuras distintasbaseadas em tabus dos quais estamos proibidos defalar. Para a pesquisadora Brigid Cherry (2009),

DiIaano e •••••••• em Movimento 31

poderiamos pensar O horror como um guarda-chuva que engloba várias e diferentes categorias defilme de horror. todas ligadas por uma unidade: suacapacidade de horrorizar. Esse posicionamento deCherry me leva a pensar sobre o que nos horroriza,em que circunstâncias, quais são os sujeitos e asquestões ali envolvidas.

Os sujeitos de hoje estruturam, a partir dohorrorífico, uma mutação de seus olhares para omundo, tomando técnicas, regras e funcionamentosque estio estritamente ligadas ao corpo no seu planobiológico, como explica Noêl Carrol (1990), em seuPhiJosop*, oJ horror or paroJoxes oJ lhe heart, quando omedo provoca uma agitação fisica e uma mudançaemocional, que pode ser verificada pelo aumentodo batimento cardíaco, a aceleração da respiraçãoe o sentimento de arrepio com pelos eriçados oua célebre imagem de medo com alguém com oscabelos em pé, ideias que derivam da palavra horrmem latim.

Ainda, tenho bastante simpatia pela discussãode Jack Morgan (2002), em seu BioJogy oJ horror,que vê a possibilidade de se pensar uma biologiado horror conccmente à relação da fisica1idade esuas dimensões com o estranho, o sobrenatural e ohorrorífico, ao tomar a vida orgânica como quadro

Page 19: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

32 NiIton Mihnez

de expressão de imagens demoníacas e macabras.Esses elementos partem da vida do dia-a-dia comoos horrores sobre o corpo na dor. na morte, noseu ~esmembramento, em patologias clínicas, quefuncionam como artefatos do horror. anunciandoaspectos repulsivos e desestabilizadores de nossacondição como humanos.

Nessa perspectiva, o corpo. no plano físico,deveria significar qualidade de vida, intensificaçãodos prazeres e o prolongamento da longevidade;no plano simbólico, constituiria relações de força,poder e sucesso. Porém, a desorganização dessaordem conduz à natureza própria do horror: opavor da degradação do corpo e o desmantdamentode seu arsenal simbólico de poder. A produção dehorror na mídia, na literatura e no cinema se toma,portanto, um registro de nossas mudanças políticase sociais. Para Fred Botting (2008), que reflete, emseu ümi/s of horror: ttchnologies, body, gothic, sobreas fronteiras e manifestações do horror em seusaspectos psicológicos, efeitos fisicos e distúrbiosideoló~cos. o elemento horrífico é como um tipo defantasia que conduz à realidade.um universo repletode fantasmas. morte e escuridão.

Dessa maneira, se produzem, de um lado,discursos de exclusão e intolerância, baseados na

Discurso e Imagem em Movimento 33

representação da desordem instaurada por monstros,demônios e vampiros; de outro, determina-se umaordem a ser seguida, mostrando em negativo comodevemos ser e nos portar socialmente.

O questionamento que permeia, portanto,a investida teórica no campo do horror e seuintrincamento com o corpo faz-me voltar paraa problematização de Foucault (2000a, p. 57) aoperguntar "quem fala?" para compreender "ostatus dos indivíduos que têm - e apenas eles - odireito regulamentar ou tradicional, juridicamentedefinido ou espontaneamente aceito, de proferirsemelhante discurso", posicionamento que mepermite transmutar fatos da teoria do maravilhosodo sobrenatural e, portanto, do horror para um~teoria do discurso.

Nesse sentido, tal posicionamento me guiarána decifração das instituições, valores, julgamentos,modelosdecorpo,vestimentas,gestos,queressignificama condição do corpo monstruoso e suas relações comos horrores da vida no processo de encadeamentonarrativoda imagem em movimento.

Esse questionamento nos possibilita refletirsobre o lugar no qual se formam certos discursosna medida em que descreve o conjunto de falantese tipo de linguagem usada no suporte que acolhe a

Page 20: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

34 Nilton Milanez

imagem em movimento, como, também, verificarquais marcas que o status de um sujeito e o modo deseus traços se relacionam com sua sociedade nessarede.

Enfim, a partir do horror, poderemos definirposições do sujeito no tocante aos domínios e objetosItOS quais eles se referem, sejam eles outros sujeitosou lugares institucionais, em um nível interindividualou coletivo.

IMAGEM E(M) MOVIMENTOE CORPO

Múltiplas são as formas que acolhem asimagens em movimento hoje em dia. Gostaria decitar, primeiro, as breves e cotidianas produçõesaudiovisuais registradas por câmeras de celulares. Deum lado, esse tipo de suporte conta com ferramentasacessíveis ao sujeito comum, sem conhecimentosou estudos específicos sobre imagens moventes,apreendidas em sua imediaticidade pela leitura demanual ou no próprio intercâmbio entre usuários.

As leis que regem as normas de gerenciamentodo aparelho se democratizam e são reelaboradas pelossujeitos-usuários. De outro lado, junto à norma daprodução desse tipo deimageticidade, estabelece-se umstatus para o seu produtor, o de diretor do instantâneo,traço de autoridade efêmero que torna o sujeitocomum em realizador de pequenas grandes obrasde um momento da existência. Desloca-se o sujeitodoméstico ao encontro das linhas que o separaria dosgrandes diretores de cinema. O cotidiano retomadoe repetido, ao invés de homogeneizar as situações

Page 21: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

36 Nilton Milanez

dos sujeitos nas relações do dia-a-dia, apresenta-lhe figurinos variados, lugares impensados, ângulosdesconexos, planos revisitados, luzes incidentais,enfim, produções particulares cuja singularidademarca o movimento de instantes fugazes.

Em um primeiro momento, a imagem registrao movimento dos corpos, numa sucessão de cenassem a vigilância de um espetáculo calculado. Atela mínima do celular encontra sua dinamicidade.O corpo filmado mostra seu movimento. Mas,lembremos que o ftlm-maker também se movimenta,olhos fixos na pequena tela, ouvidos atentos e asmãos que conduzem à construção do cenário e de seupersonagem. Imagens em movimento na produçãoda cena cotidiana e na movimentação do seu (re)criador. Em um segundo momento, ao assistirmosa produção audiovisual, poderíamos dizer que a telacontinua dinâmica e que o corpo dos telespectadoresse mantém imóvel. Entretanto, até mesmo o corpo-espectador está em movimento.

Não podemos negar que as imagens quevemos passam tanto fora quanto dentro de nós: a)elas circulam e se movimentam em uma exterioridadepresente, ao mesmo tempo, em um instantâneodiante de nossos olhos, como também no processoda escritae construção da nossa História;b) elasmexem

Discurso e Imagem em Movimento 37

e (re)mexem a imobilidade móvel de nossos corpos,que, parados, se revolucionam em percepções esensações interiores, fazendo ressurgir em nós outrasimagens, que formam uma cadeia de deslocamentos~a movimentação de sentidos. O corpo é "I...] umtipOde órgão vivo para as imagens [...]" (BELTING,2004, p.77), por isso em movimentação constantesem cessar; c) o corpo, portanto, é o centro fulcralda produção das imagens, que não podem existirpor si só e necessitam do corpo como o medium paraseu armazenamento, produção e transformação.Transformação, enquanto deslocamento entre e apartir de lugares, pressupõe o inevitável: mover-se.

Tais considerações nos conduzem à noçãode que o corpo é uma "rnídia viva" (BELTING,2006), pois a imagem é movimento, o movimento éa imagem exterior de nós e interior em nós. Exteriorporque faz parte de uma cultura visual e não podeser compreendida fora dela. Interior porque elasupõe uma memória visual do sujeito. Exterior einterior intercambiadamente, porque a exterioridadehistórica constitui a interioridade do sujeito que, porsua vez, (re)forma a história. A imagem, portanto,tem seu eco em movimento, ao mesmo tempo, paradentro e fora de nosso corpo.

Page 22: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

38 Nilton Milanez

Em termos discursivos, podemos pensara interdiscursividade como' mola propulsora naconstrução do sujeito e de sua história, mas aindafaltará compreender o lugar de liberdade do sujeitocomo produtor, intérprete e suporte das imagens danossa cultura. Essa arquitetura entre corpo e imagemalavanca a estrutura da noção de intericonicidade,desenhada por Jean-Jacques Courtine (apudMILANEZ, 2006, p. 168):

[...] a intericonicidade supõe as relações dasimagens exteriores ao sujeito como quandouma imagem pode ser inscrita em umasérie de imagens, uma genealogia como oenunciado em uma rede de formulação,segundo Foucault. Mas isso supõe tambémlevar em consideração todos os catálogosde memória da imagem do indivíduo.De todas as memórias. Podem até ser ossonhos [...]

Há, portanto, na noção de intericonicidadea retomada da ideia de imagem como movimento,se considerarmos, por exemplo, as produções deimagens nos sonhos, que se dão a ver à maneira deuma produção audiovisual, seja em preto e branco outechnicolor, seja como na sonhada tela-visão do futuro,

Discurso e Imagem em Movimento 39

tátil-visual, olfato-visual: o sonho tomado comomedium para percepções e sensações das materialidadesda vida. Sendo assim, a ampliação da imagem abarcaa criação, hoje, de uma ficção científica, elaborandoa possibilidade de memória das imagens comorepetição do que chamamos de real. Mas, retomandoo fio da meada, podemos ver a agitação das imagenscomo o ''[. ..] resultado de uma simbolização pessoalou coletiva [...]." (BELTING, 2004, p. 18)

Sinto-me, por isso, impelido a repetir Courtinedizendo que olhar para a imagem sob o efeito daintericonicidade é de uma arqueologia do imagináriohumano, construída não sobre a cristalizaçãohomogeneizante de uma imagem única, mas sobre omovimento dos deslocamentos, sucessão, interposições,apagamentos, reestruturações de imagens que existemsob a batuta da regência dos movimentos nem sempreharmônicos da história.

Assim, estabeleci um percurso no qual ocorpo está no centro da produção da imagem, que secaracteriza por sua enumeração e/ ou (des)ordenaçãoem séries, cujas ondulações são os sinais do que sepode denominar de movimento das imagens parauma arqueologia do sujeito em movimento, em suasdelimitações, inversões e deslocamentos (pêcheux,1990).

Page 23: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

40 Nilton Milanez

Os dorrúnios visuais culturais clamam pordiferentes olhares e se abrem .para vias excepcionaissem perder de vista seu elemento primordial: osujeito na sua relação com o outro da história, aqueledo meu lado, do seu lado, do lado de lá e o Outro,constitutivo, do inconsciente, compondo um quadrodo sujeito no interior de si mesmo, de si para si, ena exterioridade com sua história, de si para umaalteridade, por meio de imagens mutantes.

A ORDEM DISCURSIVA DA IMAGEMEM MOVIMENTO: O IRAILER

Nos traços dessa investigação sobre umaordem discursiva da imagem em movimento,proponho nos atermos a um lugar de importanteprodução de sentidos, sinalizados pela singularidadedo traifercinematográfico.Muitos poucos trabalhos sededicam ao trailer na área de estudos de filmes, comotambém me parece um elemento ainda em formaçãono campo da Análise do Discurso em relação aimagens em movimento.

Os trabalhos que versam na área de estudosfílmicos compreendem esse suporte ora comouma fonte histórica e textual de informação nainvestigação da indústria fílmica, tomando o trailercomo parte da produção e promoção de marketing dofilme, construindo a partir deles produtos de venda ea formação de um público específico aOHNSTON,2009), ora como objeto textual e retórico de umconjunto de imagens, cuja seleção e combinaçãoprivilegiam a atração da atenção dos espectadores,desdobrando-se em estudos de recepção, por meio

Page 24: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

42 Nilton Milanez

da construção de uma .narrativa coerente, cujoobjetivo é a projeção em salas de cinema, visando olançamento do filme (KERNAN, 2004).

Não obstante, pesquisadores como LisaKernan e Keith Johnston concordam com asingularidade das técnicas e estratégias usadas naconstrução de um trailer; dando-lhe a posição deuma obra particular em relação ao filme do qual fazreferência, porém distancio-me de ambos ao darum tratamento discursivo para a singularidade dostrai/ers, ou seja, verificar "[...] que singular existênciaé esta que vem à tona no que se diz e em nenhumaoutra parte?" (FOUCAULT, 2000a, p. 32), quandome refiro aos trailers cinematográficos.

A questão da singularidade do trailer comouma obra em si, à parte do próprio filme do qualse originou, traz seus sinais. atrelados à distânciado tempo que separa a circulação do trailer e olançamento do filme. Já mesmo numa buscaapressada noyoutube, podemos observar que o trailerlegendado de Crepúsculo, cujo lançamento do filme noBrasil se deu em 19 de dezembro de 2008, circulavana internet desde meados de outubro.

Encontrei, ainda, o mesmo vídeo semlegenda com data de postagem do mês de marçodo ano de lançamento, dez meses antes da estréia

Discurso e Imagem em Movimento 43

do filme. Não busco, aqui, uma datação da históriados trailers veiculados na web, no entanto, essadelimitação de tempo é relevante, pois ela promoveuma configuração para o trailer que será dada aofilme somente a partir de seu lançamento. Querodizer, com isso, que o trailer do filme Crepúsculo, porsi só, constitui uma narratividade única e singular,despertando sentidos e construindo uma narrativaem termos diferentes do filme que divulga, no queconcerne ao tempo, ao suporte de veiculação e àsnoções discursivas que engendra.

Mas, isso bastaria para que se compreendesseesse trailersob a lente do discurso? Quais ferramentasseriam necessárias mobilizar para colocá-lo na rededo discurso? Parto, aqui, de algumas considerações,obviamente não exaustivas nem esgotadas em si,a serem consideradas quando de um estudo sobreo trailer em uma perspectiva discursiva, que tomacomo base a sua incontestável imediaticidade, acondensação de planos e a economia linguística eimagética. Esses elementos delineiam um tipo deedição de imagens, cuja montagem se torna umde seus primeiros elementos significativos para acompreensão e produção dos sentidos que (re)cria.Nesse sentido, elenco quatro considerações iniciais.

Page 25: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

44 Nilton Milanez

Primeiro, não poderia referir-me à edição deum trailer somente como uma técnica: certamente,mais como estratégia, a ela lhe cabe um dos maisimportantes mecanismos de produção de controledo discurso, a seleção e hierarquização das cenasescolhidas para compor a narrativa visual. Dessafeita cenas são escolhidas outras descartadas. Essecritério de seleção conta com um procedimentode exclusão bastante significativo para a produçãodiscursiva do trailer.

Os planos interditados de um trailer emrelação ao filme constituem sentido tanto quantoaqueles que o compõem. Minha questão se centra,portanto, efetivamente, nas leis que regem o discursodo trailere que compõe suas formas de delimitação.A ordem do discurso (FOUCAULT,- 2000b) nãonos permite dizer, falar ou se comportar em umdeterminado lugar de qualquer maneira. Não é,então, qualquer imagem ql,le pode ser selecionadana produção do trailer. É o tipo de delimitação dascenas do filme que está em jogo, arregimentandouma hierarquização, classificação e categorizaçãode planos que produzirão determinados sentidosem detrimento de outros.

Discurso e Imagem em Movimento 45

E isso é que, ao meu ver, significa compreendero trailer em sua singularidade, uma vez que, assim,se determina o que propiciou sua existência,compreendendo-se as formas de enunciaçãoexcluídas. Esse modo de olhar para o trailer oferece-nos a possibilidade de estabelecer correlações entre assequências escolhidas, no caso, apriori, o próprio filmeque parafraseia, e, por essa condição e tentativa deparáfrase, inaugura um lugar antes impensado, porisso, singular.

Segundo, associada a essa rede, portanto,a organização das cenas em uma sequência designificações se dá por meio de uma sintaxeorganizacional baseada em um tipo de enumeraçãoespecífico. As cenas se ligam sob a égide de parâmetrosque nos fazem perguntar que relações existem entreelas e "[...] porque essa enumeração e não outra?"(FOUCAULT, 2000b, p. 49). Ou ainda, pensemoscomo Nietzsche (2003, p. 45), supondo "[...] quealguém se oçupe com Demócrito, então, a perguntasempre fica para mim na ponta da língua. Por quenão Heráclito? Ou Filon? Ou Bacon?". Tal geometriadiscursiva entre Nietzsche e Foucault (MILANEZ& SANTOS, 201Ob) indica posicionamentos quedemonstram uma preocupação com o encadeamentoimagético no fio de uma sequência narrativa

Page 26: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

46 Nilton Milanez

visual, apontando um lugar para o qual devemosnos debruçar, destacando ·0 que tornou possíveldeterminado encadeamento, quais os conjuntos derelação que ela faz aparecer e quais objetos de saber elaindicará, quais as significações para o agrupamento decertos planos ou, às vezes, planos que se opõem ou seseparam, produzindo ruptura na enunciação filmica.

A organização de um trailer, portanto, deve preveruma análise do sistema que determina sua repartição,seus modos de revezamento, reposição e substituição,posicionamentos metodológicos que criarão umaunidade discursivapara o trailer,compreendida ao mesmotempo por meio de seus recortes para o estabelecimentode fronteiras com múltiplos discursos, visando formasde permanência de novos sentidos. Essas atitudesdiscursivas garantirão a individualização da produçãofilmicado trailer.

. Assim, o traiier se torna um lugar dedeslocamentos de sentido, discursividades quebrotam da repetição, do esquecimento, da inversão;da transformação, do apagamento e produçãode conhecimentos de discursos que não estavam:previstos no filme ao qual o trai," faz referên .justamente pelo fato de o filme não ser o lugarorigem dos discursos do trailer.

Discurso e Imagem em Movimento47

Terceiro, nessa teia de fitas, vamos nosdefrontar, então, com uma contradição constitutivado discurso: o trai," como unidade discursiva produzuma continuidade lógica formal, mas que é geradapor uma descontinuidade da edição de cenas dofilme que prediz. Esse jogo entre continuidade edescontinuidade é paradoxal, porém constitutivo danoção de descontinuidade histórica para a construçãodos discursos.

De um lado, essa dobra discursiva rontinllllm/desrontimllim é um tipo de ferramenta e também deobjeto discursivo, determina um campo de discursoe, assim, torna cada um desses domínios únicos. Deoutro, essa existência discursiva somente é possívelquando é colocada em comparaçã%posição/aglutinação com outros domínios cinematográficosno interior dessa estrutura como também em suarelação exterior a outras obras cinematográficas, auma primeira vista, construindo um arcabouço deconhecimento que se dá a ver na volta da leitura que otrai'" faz de \lDl tilme.

Tomo aqui as palavras de Navarro (2010, p.84), que reconhece o saber como "[...] um processonunca finito", que ''(. ..] desenvolve-se não numcontínuo evolutivo, mas numa descontinuidadehistórica, pois está fadado a deslocamentos e

Page 27: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

48

transformações que a história lhe impõe."A tensãoincessante entre continuidade e descontinuidade,portanto, nos leva a pensar sobre a dispersão naqual a história se inscreve dentro da demarcação doconjunto enunciativo que forma o trailer a partir deum afluente de questões.

Se o discurso do trailer é demarcado peladispersão de planos, que pode ser vista não somenno escopo do filme do qual fala, mas também alhuem outros filmes, telas, livros e cenas do cotidiano trailer pode ser encarado em sua estreiteza comacontecimento, no qual nem a língua, nem as imagnem as técnicas cinematográficos podem aliesgotar. Quero dizer que a continuidade nos plógicos de um trailer não produz uma continuihistórica ou de sentidos: ao contrário, elas incia justaposição, correlação e intercâmbio de técnie perspectivas organizacionais na edição docriando modalidades de enunciação reveladorasposição do olhar de um sujeito, autorizadasseu tempo, o lugar que ocupa e as condiçõpossibilidades históricas da qual faz parte.

Quarto, a história do horror no cinemaligada, para Cherry (2009) aos desenvolvimeninovações tecnológicas no filme. Isso nos 1

Discurso e Imagem em Movimento49

questionar como um filme é realizado a partir dasferr~entas ~emáticas disponíveis aos produtores.Por ISSO, conJugada à história do horror está ahistória de seus efeitos especiais ou, tomando aspal~vras ~e Jacques Ranciêre (2003, p.14), em Ledestm des IlIIages, a um "jogo de operações." Portantoo que está em destaque é um dispositivo de técnicas:que podem nos servir de guia como materialidadesprodutoras de sentido, a saber, os efeitos especiais,de luz, sonoros, movimentos de câmera e o trabalhode edição.

Essas poucas materialidades filmicas utilizadasem narrativas cinematográficas servem para nosmostrar a importância do estudo da ferramentatécnica cinematográfica, que será encarada comoprodutora de uma existência material no seio de umarede di~cursiva, produzindo uma heterogeneidadee sentidos a partir das técnicas e estratégias quelocam os corpos monstruosos em evidência.

Esse dispositivo de técnicas constrói o ambiente. ual, indicando o caminho que nossos olhos devem

. 'r, controlando o nosso olhar e estabelecendo por~o do que está visto aquilo que está sendo dito, oua, uma semiologia para o audiovisual, orçamentadate o visível e o dizível.

Page 28: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

50 NiIton MiIanez

Para uma breve 6nalização deste tópico, pudeobservar que a produção de controle do discurso,sua seleção e hierarquização estão na ordem deuma sintaxe organizacional do trailer; cuja tessiturafunciona como um pêndulo de relógio que vai docontínuo ao descontínuo até se perder o lugar de umou de outro, formando um lugar outro e único.

Nisso tudo, o lugar sobre o qual deve incidir onosso olhar é para as materialidades e deslocamentosque aparecem desse jogo pendular, mostrandodispersões de cenas que, em seu encadeamentosingular, produzirão sentidos não-ditos antes emseus respectivos filmes.

Enfim, sob essa perspectiva, começamosum trabalho discursivo sobre o (des)encontrode imagens que são sugadas, readequadas,redirecionadas em diferentes posições e sentidos.Haveria, afinal, uma razão para isso tudo senão odesejo de encontrar no próprio corpo do sujeitonovas formas de vida e relação com seus objetos?Parece-me que essas aventuras teóricas sempreapontam para o mesmo lugar: o incesto do sujeitocom seu objeto para compreender a embriaguezdas verdade. (MILANEZ, 2007a) que estão sempreali metaforizadas, opacizadas por um dizer ansiosode interpretação.

AURORA DOS VAMPIROS: CORPO,HORROR E SOBERANIA

Tomo como ponto de repartida a constituiçãodo vampiro no clássico trailer de D:áalla, a ~ daedição do primeiro filme norte-amencano sononz~osobre vampiro, dirigido em 1931, por. Tod Br~wtng,cristalizando um lugar para o vampiro no cinemamundial por meio da representação do ator BelaLugosi, cuja imagem se tomou um ícone para filmesde vampiros, servindo de decalque para a subsequentecinematogra6a desse gênero.

Em uma das outras pontas da linha dessediscurso reabilito o trailer de Crepúsculo (Tlllilight,em inglês), cujo objeto tomado aqui para análisefoi postado no youtube em 10 de outubro de 2008,trazendo os adolescentescos personagens BellaSwan e Edward Cullen para as telas, moça e rapazde imagens modelares de beleza e de m~ralidadede nosso estremecedor início de século. Ainda quese diga dos motivos visuais e ~~áticos em ~ornodo horrí6co-romântico-expresslorusta do trailer deDráculo, enquadrando-o em tipo de escola, ou da

Page 29: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

52 Nilron MiIanez

contemporaneidade do trailerde CreplÍsCllIo, relevandoseu valor econômico, atribuindo-lhe diretor e textosnão seriam esses elementos que individualizariam ~material filmico-discursivo, considerações acessóriasno que se refere ao trabalho com a unidade discursivasobre a qual esses traiiers se constroem.

Mais significativo para o estudo discursivo é a~~ação inicial das personagens marcadas pelaIdentificação de seus nomes. Temos a formação de umlugar discursivo que se funda na tradição alicerçadano nome DráCllIa, que remonta aos seus modos finose aristocráticos, apesar de sombrio, como podemosver nas primeiras quatro cenas desse trailer, emcontraposição aos populares nomes compostos deduas partes e bastante comuns, que colocam Bella eEdward na vida do cotidiano de sujeitos como todosnós. A ruptura entre a tradição e o popular entoa,portanto, um tipo de deslizamento que imprime aosobrenatural do trailer de CreplÍsCllIo um fato corrente,possível de acontecimento, perto da vida de cada diae, por isso, naturalizado, diferentemente do efeito dedistanciamento produzido em Drácula.

Nessa esteira, os dois trailers se aproximame trazem no primeiro conjunto de ajuste de seus~lanos, configurações que colocam em destaque aSIntaxe

Diocuno. Imagem em Movimento 53

organizacional da apresentação dos personagensprincipais. Essa apresentação tecerá em uma rede derelações alguns dos elementos que se espalham e sedispersam ao longo do trailer. Vou me centrar, então,na primeira sequência de planos, que constituem ofio narrativo-visual engatilhador para cada um dostrailers selecionados. Para tanto, pergunto como seconstitui o vampiro a partir da estrutura sintática dotrailer em Drácula?

oconjunto deplanos de DráaIIa,que constrói umaprimeira apresenmçãovisual do personagem,coloca em evidênciatipos diferentes de

materialidades como recursos para se produzirsentidos. Nesse momento do trailer, parece que amaterialidade da língua escrita e oral sobrepuja, decerto modo, o caráter da imagem em movimento.Estamos, portanto, diante de uma linguagem mista,que mescla um tipo de leitura ao qual o leitor/espectador já está acostumado, mostrando que o"novo", aqui, aparece como uma reconfiguração doescrito, na verdade, materialidade Iinguística em

iln!tllthe annalsof livingHORROR.

primeiroquatro

Page 30: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

54 NiIton MiIanez

movimento, dada a ver em forma de imagem. Oconjunto de palavras do primeiro plano aparece emum único bloco, sob o mesmo movimento de umaplaca que se encontrava abaixada e que se levantarepentinamente para que todos possam lê-Ia. Ndaestá escrito In ali tbe annals ofliving HORROR ...

Esse enunciado linguístico, portanto, maisdo que chamar à atenção para sua materialidadeescrita, convence-nos do teor da letra como~agem. A letra descomposta ou descon6guradae um alerta para a decomposição de uma estruturasocial dada, cuja desordenação é uma unidadedistintiva na narratividade do horror, palavra querealmente gravamos ao ver as imagens da letrana tela, materializada na produção HORRORcom letras maiúsculas, diferenciada das demaisminúsculas. Vemos, assim, como um elemento dito'a priori, linguístico se con6gura como imagem emmovimento, criando efeitos que guiam a leitura dotelespectador na construção do que compreendemoscomo horrorí6co.

Temos, ainda, a cena abaixo da imagem daspalavras para observar, na qual podemos ver umcaixão cuja tampa se levanta, fazendo o mesmomovimento do aparecimento do conjunto depalavras. Pensando as relações de justaposições,

0iIcun0 e Imagem em Movimcn.o 55

observo aí o encadeamento de um dispositivo decontrole de leitura que nos leva a uma produçãodiscursiva em tomo do sentido de horror. A ideia dofrangalhamento do pé das letras se associa ao caixãoque se abre, paradoxo que produz horror, visto quenão se espera esse tipo de movimento de dentro parafora quando se trata da abertura de um caixão.

O estranho se constrói na subversão da ordemde morte e vida, no sentido que se refere a animadoe inanimado. Esse laço de sintaxe organizacional, nointerior da primeira cena e na sua exterioridade comnossas próprias experiências coletivas, viabiliza umtipo de hierarquia elevada a um lugar de destaquesobre o nosso saber a respeito da morte.

O suspense,dessa forma, senarrativiza e o horrorse dá a ver na presençade uma materialidadecorporal discursiva: amão que se deixa ver aose colocar para fora docaixão. Nesse lugar, amão não é somente parte do corpo humano, mas éunidade discursiva uma vez que se coloca em rede etraz sentidos que desorganizam a fórmula do racional.

Page 31: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

Nilton Mil""".56

Metonímia para o corpo, a mão saindo do caixãoquebra com os valores de nosso 'conhecimento sobrea morte. A mão que sai do caixão ressignifica, assim,o corpo fúnebre que revive, tipo de seleção visual queestá determinando sentidos por meio de hierarquia ecategorização de uma parte do corpo humano.

Assim, num breve momento, síntese daconstrução da cena, em um relance, a mão dovampiro fecha esse plano em um corte abruptopara outra cena. Da mesma maneira, a mão comoíndice e traço morfológico corporal e discursivo, faztransparecer a unidade de uma lei, apontando paraum campo de visibilidade determinado pelo corpo,enunciando uma maneira de ver e de levar a ver o quese quer que se veja, forma de controle do discurso(MILANEZ,2011a).

Resumindo, a mão enuncia a presença davida sobre a morte, fato sobrenatural que enceta asfronteiras do horror e, também, indica para ondedevemos olhar: a tomada a seguir, deixando a dizerque algo está por vir, novamente no mesmo nível decategoria das reticências que colocam em suspensoo enunciado linguistico em HORROR. .., ligandonovamente à materialidade discursivo-corpórea,representada na mão, a imagem da materialidadelinguístico-imagética.

57Discurso e Imagem em Movimento

Notemos, por fim, que os encadeamentosde elementos estruturais da composição do vídeo,quando fazem frigir a relação entre os enunciados, éque produzem sentidos.

Como indicaram a mão e as reticências, somoslançados para o próximo plano, que traz novamenteletras e imagens, ambas em movimento. O efeitode entrada das letras vai da esquerda para direita -deslizamento horizontal em completude à imagemlinguística e em consonância com a horizontalidadeda indicação de leitura pela mão no plano anterior - ede cima para baixo - acompanhando o movimentoda câmera, com um plano de conjunto, na qual trêsmoças, em uma cave, caminham em direção à lente dacâmera (a nós?).

Atentemos àmateria1idade 1inguísticaem movimento que dizONE NAME standsout as the epitmne o{EVIU. As letras emmaiúsculas evidenciamo que o teiespectadordeve apreender, ONE NAME, cujo intrincamento sedá diretamente com outra palavra,EVIU, estabelecendouma relação de estreiteza entre o nome e o mal EVIU

Page 32: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

58 Nilton Milanez

se encontra no mesmo nível paradigmático que a palavraHORROR, no plano anterior, linkando um nome. àmaldade como lugar de horror.

Essa série combinatória produz o suspensedo trailer na apresentação do personagem Drácula,antecipando a constituição da noção de sujeito queo envolve, como a formação de um objeto centradona morte, visto anteriormente, que se estende,nessa continuidade do vídeo, às moças que ali seapresentam.

As roupas com que duas das moças seencontram vestidas se confundem com a configuraçãodas. letras, sentidos entrelaçados por meio dasondulações e da cor branca das letras. Novamente,corpo e letra se amalgamam na construção dossentidos: os vestidos brancos, invólucros corporais,não somente se confundem com as letras, mas derivamdelas um sentido para EVIL!, construído a partirda frieza do branco em contraposição à cave escura,corpos que andam automatamente (sem alma?),como que seguindo a um comando sobrenatural, ideiaproduzida no encadeamento entre os planos.

Ressalto, ainda, que o fato de apresentarmulheres e não outro gênero nesse estado deinobservância e alienação revela um olhar vulnerávelsobre a mulher, compreendida como um lugar da

Discuno e Imagem em Movimento 59

existência na qual a ausência de domínio de si pormeio de desvairamento, - como demonstrou Freud,um pouco mais de uma década antes da época dofilme, com o estudo de Anna sobre a histeria, - podeser a condição de possibilidade para o aparecimentodessa seleção e lugar dado para a mulher. Enfim, umdiscurso social do olhar superior do homem sobrea mulher que circula na história, ratificado por umdiscurso da ciência.

Ditos tais pressupostos, construída talsequência dessa maneira e não de outra, chegamos aotão anunciado personagem: Drácula. A identificaçãodo nome não é mais dada pela imagem das letras,mas pela imagem do som da fala do personagem quedesvela sua identidade, dizendo pausadamente "1'111

DrOCllfd'.A ruptura que o som da fala causa em relação

à mudez das imagens anteriores produz um efeito desentido de presença e atualidade, como se dissesse"estou aqui, eu existo", não sou somente fruto desua imaginação ou da leitura das imagens que vocêfez até aqui. A produção do efeito sonoro na fala deDrácula é, portanto, uma materialidade fundamentalnessa cadeia discursiva, pois ela enuncia a verdade deum dizer sobre o antinatural e o impossível: o mortoestá vivo e ele fala.

Page 33: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

60

Discurso e Imagem em Movimento 61

Nilton Milanez Essas estratégias recheiam a técnica dochiaroscuro, que promove um jogo de sombras paracriar um ambiente lúgubre, no qual o rosto se tomoua marca de identificação, não havendo a necessidadede outros sinais para tal.

O jogo de luz entre claro e escuro ratificaposições quanto ao seu lugar na aristocracia,presentes no apagamento de sua capa, extensãodo ambiente que ocupa, domínio simbólico queinvade o espaço do outro. Seu colarinho e cabeloscuidadosamente alinhados, forte traço distintivo deuma antiga aristocracia, também colabora com aconstrução de uma imagem de soberania, ou seja,aquele que, como o rei, tem o direito sobre a vida ea morte.

Além disso, a soberania aparece ainda emseus poderes sobrenaturais ao controlar a natureza,fazendo-se reviver dos mortos como vimos noprimeiro plano. Há, uma vez mais, outra pista dessasuperioridade sobrenatural, sua soberania sexual,demonstrada em seu poder de controle sobre a mentee corpo das mulheres no segundo plano.

Essa série de características em cascataé possível por meio do papel da câmera comoprodutora de materialidades. A câmera estática

Como, então, se materializa essa discursividadena personagem que vemos na tela? Como a vemos eque estratégias a constituem como Orácula, lugar domal e do horror?

A tomada parece inicialmente bastantesimples, porém, o jogo discursivo é a convergênciade uma série de materialidades. Consideremos aprodução cinematográfica em preto e branco, nãosomente como marca da história 'do cinema dessetempo, mas o efeito especial organizado em tornodo rosto de Orácula.

O ambiente emtorno dele é mantido noescuro, confundindo-se com o negro de suacapa. O alto colarinhobranco projeta o rosto dovampiro, que é delineadopor seus cabelos negros, dando destaque à face queserá lida, por isso, como lívida e pálida. A grande vela,que é sustentada pela mão direita, não é nada maisque um acessório para criar a ilusão de que somenteela está iluminando o rosto de Orácula, quando talperspectiva não daria conta da iluminação do rosto edo terreno atrás de sua cabeça.

Page 34: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

62 Nilton Milanez

privilegia o plano americano, apresentando somenteDrácula neste quadro, destacando elementos quelhe atribuem esse lugar de celebridade e veneração,firmamentos de sua soberania sobre o outro.

O quarto e último plano que observareidesse trailer aqui é uma síntese intensificadora dasmaterialidades analisadas. Funcionando mais comoum elemento de repetição, esse quadro reforça olugar construído para o vampiro e parece trazer umlugar a mais a ser preenchido. De um lado, o corpoque tem sido mostrado por meio de sua mão e do seurosto em geral, agora coloca, particularmente, emprimeiro plano, seu dorso, evidenciando seus olhos,sobre os quais a iluminação incide, destacando-os emostrando-nos que os olhos são a "janela da alma".

. O lado da alma viria na forma da materialidacleda imagem da língua novamente. Sobre a figura dvampiro temos a entrada das imagens "DRACULA"em maiúsculas, sobreposta ao seu rosto. No péletras temos a sugestão de caninos, que não aparecemna boca do vampiro, mantendo seu ar sóbriohumano, que esconderia a animalização da formaseus dentes.

Discurso e Imagem em Movimento 63

Apresentados sob forma de adição deínformação, mas não apenas um detalhe, talvezo detalhe primordial revelador da personagem,"DRACULA", cujo nome vem entre aspas, dá,assim, nome ao filme, desvelando a verdade que nãose dá a ver ao se olhar para a personagem: as presasque singularizam a sua transgressão.

Nessa dispersão de materialidadesdescontínuas,a economia das imagens parece cumprir seu papel,apresentar homem e animal em uma mesma pessoa.No entanto, o uso de planos fixos, às vezes maislonge para planos de conjunto, às vezes mais pertopara planos médios, mantém-se na mesma posição,produzindo, ao contrário, um sentindo diferente.

Próximo da lente, em primeiro plano, ovampiro parece nos encarar e a lente da câmera nãoseria mais somente o instrumento pelo qual vemos

Page 35: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

64Nilton Milanez

o filme, mas assumiria o lugar de nosso próprioolho, provocando a ilusão de estarmos cara a caracom DrácuIa. Dois corpos diferentes frente a frente,dicotomia de dois lugares que parecem não poderassumir a mesma posição.

Mas, as posições são intercambiáveis, movenres,fluídas e constitutivamente determinadas pelacontradição. Enfim, colocado em pedestal, longe edistante de todos, constrói-se para o vampiro uma figurada solidão, que aqui não deve ser entendido como umser solitário, mas um sujeito com características únicas,cuja univocidade infla o jogo entre normal e anormal,desestabilizando as fronteiras das normas socialmenteestabelecidas.

Dessa maneira, o vampiro é uma imagem aomesmo tempo da ordem e da desordem, trazendoposições de resistência, face às leis da natureza, dasociedade e da intimidade, criando novas normas eregulamentações por meio de sua monstruosidade.

o CREPÚSCULO DOS VAMPIR<,?S:CORPO, HORROR E CONTRADlÇAO

Acredito que a composição de ~ quadrodiscursivo sobre o trailer de Drâcuia alinh~ um

, ro de posições sobre a monstruosidade,certo nume ., .marcada pela construção de um uruverso gotlCO,no qual a morte é o motor da trama, colocandoa mulher como objeto, ditando normas para ohumano e para o animal, demarcando os limites dosobrenatural como soberania dentro de um lugarsocial, evidenciando partes do corpo como formasde identificação e materialização do horror so~ aégide de uma (des)ordem do discurso sobre a vida,que ainda resta sempre a se revelar. As linhas dessecarretel vão se desenrolar e provocar deslocamentosbastante sensíveis no trailer de Crepúsculo.

Visto que me dediquei, acredito, ~astante,, álise das materialidades no trailer antenor, voua an ialidadfocalizar, agora, não tanto o detalhe da mat~n ,e,mas o prolongamento dos discursos do trailer Draculaem Crepúsculo, trazendo os contornos que moldam

Page 36: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

66 Nilton Milanez

a noção foucaultiana de contradição, permitindo aprodução de certas verdades emergir do discurso.

Estou mais interessado, nesse momento,em mostrar como as margens do primeiro trailerpovoam o terreno arenoso do trailer de Crepúsculopor meio de águas que forçam o avanço deatualidades, que se formaram a partir de planos deum passado cinematográfico, mostrando, segundoFoucault (2000a), diferentes tipos de contradição,compreendendo os lugares em que podemosdernarcâ-lo e estabelecendo as funções que exercem.

Obviamente, não perderei de vista oencadeamento da sintaxe organizacional deCrepúsculo, que aponta para o estremecimentodo terreno discursivo que fez irromper outrassingularidades para o vampiro do tempo de hoje,forma constitutiva de um sujeito que será comuma todos nós desse primeiro decênio dos anos 2000.

Esse percurso sinuoso que segui foi com ointuito de indicar que o discurso emerge do interiorda própria contradição, visto que, para Foucault(2oooa, p. 173), ''A contradição funciona, então,ao longo do discurso, como o princípio de suahistoricidade". Isso quer dizer que não estamosfalando de aparências a serem transpostas ouprincípios ocultos que precisam ser revelados, falo

Discurso e Imagem. em Movimento 67

da descrição de "diferentes espaços de dissensão"(FOUCAULT, zooos, p. 179) que assinalam oexercício de certas materialidades na história.

Nesse sentido, vou trabalhar em torno dascenas mais repetidas e de maior circulação sobre ofilme, selecionadas para o trailer. Refiro-me aos planosnos quais Bella é salva por Edward, impedindo queela seja esmagada entre dois carros. Vamos ao trailer.

O primeiroplano com o qualnos deparamos éum plano geral dapaisagem de umrio que corre entrea cadeia de duasmontanhas, enquanto o movimento da cena é dadopelo correr das nuvens para dentro da tela como seseguisse o curso do rio.

Na verdade, a amplitude desse tipo de planome pareceu uma boa oportunidade para fixar o azulna imensidão como um tipo de materialidade quecomporta a alusão ao caráter celestial de Edward, ovampiro.

Esse espaço, portanto, caracteriza umadissensão em relação aos aspectos que modelam a

Page 37: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

68 Nilton Milanez

ideia de vampiro, contradizendo os lugares fúnebrese sombrios que encontramos no trailer de DrtÚllla.Essa contradição cria o efeito de aventura sugeridopor um plano geral cobrindo a paisagem, estruturadasob os auspícios de brumas paradisíacas, a partir dadiscrepância entre o celestial e o caráter demoníacoesperado para um filme de vampiro.

Em seguida, temos um blackollt e aparece umcartão sobre o qual se dá a ver o dia do lançamento dofilme ON NOVEMBER 21, também em tons azuis,descrevendo o aparecimento do filme não somenteem uma data, tempo, específico, mas nos entornosde um espaço mítico, no qual o céu e suas nuvensmoventes são traços de uma divindade que está porser anunciada, sob duas maneiras: a expectativa queo trailer lança sobre um filme divulgado por tantotempo antes de sua estréia e o universo celeste edivino do qual farão parte Bella e Edward, deixandode lado a oposição bem e mal para estabelecer umacontradição.

Discurso e Imagem em Movimento 69

Logo após o desaparecimento da data e apermanência do blackollt, há um corte para a cenaseguinte, na qual vemos Bella em plano geral,dirigindo-se para sua pick-1IjJ Chev:olet,? 953vermelha. Agrega-se, assim, outra cor a tonalidadeazul que acompanha a cena. .

O vermelho da pick-1IjJ nasce da profundidadeda tela em tons avermelhados, mas apagados p.construção dos prédios à direita, pipocando paroutros tons de carros vermelhos até chegar ao dcl3.No fim da cena, podemos ainda ver e alat'anjadJ:l~sua mochila, quando a cena se desfaz em um f~·- Esse tipo de materialidade indica, aqui, queaquela situação não está finalizada e que pe~mane~em suspenso, não sabemos o que acontecera .d~polS.Atentemos, portanto, aos efeitos de contradiçao nosentido da associação do azul e do vermelho e naapresentação do trailer protagonizada por Bella.

Diferentemente do trailer de DrtÚllla,a mocinha da história é que toma o lugar deprotagonista, aparecendo em primeiro lu~ar, antesmesmo do vampiro. Isso indica a formaçao de umpar romântico, o que constituirá a própria relação dodiscurso entre sobrenatural e normalidade.

Retomando ao universo mítico apresentadona primeira cena, sou tentado a pensar nas dicotornias

Page 38: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

NiItonMilanez70

entre azul e vermelho, mas logo me dou conta queao invés de se separarem, o divino posto no azul seráampliado pela sedução e, em seu sentido mais piegas,o sangue e o amor postos no vermelho.

Como pudemos notar, as cores vermelhoe azul têm como função demarcar a contradiçãoda aliança entre os dois seres, elas na os separamou excluem, mas os aproximam, formalizando aestrutura de, diferentes condições de enunciação.Essa relação entre o par bela moça e, não maishomem-demônio, mas homem-sofredor-salvadorse confunde com uma ideia de unidade. SegundoFoucault (2000a, p. 172), ''A contradição é a ilusãode uma unidade que se oculta ou que é ocultada", o.que oos ajuda a refletir sobre a união do casal.

A unidade na relação entre Bella e Edwardé uma ilusão necessária para que se encompasseo caráter humano de um e inumano de outro, oapagamento ou ocultação desses traços é que faz anarratividade avançar. Além disso, o ocultamentonão se dá somente no âmbito da narrativa, mas napossibilidade de uma impossibilidade em colocarjuntos QS diferentes.

Esse espaço discrepante da relação humanacabe bem hoje dentro das políticas de inclusão,

Diacuno e Imagem em Movimento 71

respondendo direto ao que é politicamente correto.Aqui, não há um julgamento, mas um apontamentopara a condição de possibilidade para o aparecimentode um discurso amoroso, segundo os parâmetroselencados.

E novamente o Iraikr anuncia NOTHINGsetu. BE THE SAME, materia\idade lin-guísticaque é o viês do deslocamento dos sentidos, propondoo surgimento de um acontecimento, no qual aameaça de uma grande mudança atesta a presençada transformação como lugar de horror. O elementohorrífico se apresenta no plano a seguir, na qual umatomada breve nos revela Edward que observa Bella.O plano passa do rosto de Edward para o rosto deBe1la. Nele, os tons azulados em suas roupas, e portoda a sequência, incentiva a lividez do rosto e o lilásdos lábios, nela, o alaranjado e o vermelho da mochilaenfatizam o vermelho dos lábios.

Page 39: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

72 Nilton MiIanez

Dá-se, assim, o encontro que movimentarátoda a narratividade do trailer; trazido à tona por meioda intericonicidade dos ecos culturais que arrastamconosco o antigo casal shakespeariano, impedido dese amar devido a suas origens distintas. Estamos,então, em face de objetos que pedem para seremdescritos e novamente criam um efeito de unidadeocultado pela contradição que apresentou.

Branco, vermelho e azul mais do que.metaforizarem o interior das personagens, juntas,.produzem um lugar de fala sócio-histórico, cujaíntericonícidade nos remete às cores da bandeiranorte-americana: Bella e Edward serão literalmenteos namoradinhos da América. Ainda vale ressàltarque esse 'espaço de dissensão reproduz o discurso deque os Estados Unidos são o lugar, da democracia,da liberdade, da possibilidade de escolha, enfim, há-areafirmação de um discurso do american dream, agoraampliado e revisado para atender os fins dos sujeitosdos anos 2000.

Reafirmando valores e retomando discursosnorte-americanos que sempre buscam se revitalizar,

. tenho a acrescentar três sinais de demarcação sobre aconstituição desse discurso, todos centrados na cenado salvamento de BelJa. Edward vai à proteção de

Discurso e Imagem em Movimento 73

Bella, coloca-se sobre elaao lado de sua Chevy 1953e, com a mão, impede queo outro carro a esmague.Primeiro, destaco aquia intericonicidade dotom abóbora (que temostomado aqui comumentecomo vermelho) do carro deBella com a abóbora, cor deabóbora, da "carruagem deCinderela", que aparece comoum dos inúmeros exemplos,aqui, ao lado, possíveis deserem encontrados já emuma primeira busca no Googleimagens. -.

Ora, Cinderela não usa mais uma carruagem'de abóboras, mas tem um carro no tom abóbora.Conto e filme se superpõem em um prolongamento,que por identificação constituem traços para nóscomo sujeitos, indicando ainda o lugar da mulhercomo aquele da espera por seu príncipe (des)encantado, o homem especial, com caracteristicasúnicas.

Page 40: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

74 Nilton Milanez

Segundo, essa ideia do príncipe (des)encantado é reafirmada na intericonicidade dascores (vermelho e azul já apresentadas) mais a açãodo salvamento, que traz memórias inesquecíveis dascenas de S uperman, como na imagem capturada deum vídeo facilmente encontrado noyoutube, salvandoo mundo do perigo e, em especial, sua Louis Laneou, ainda, O homem aranha, vestido com trajes damesma cor, sempre no encalço do mal e na proteçãode sua bela amada. Intericonicidades situadas nocoração do super-herói, metáfora da lei e da ordem,que garante o direito de ir e vir de todos, ou seja, umimaginário sobre a prática juridica norte-americana:superpoderes, superproteção, lei e amor.

Terceiro, querochamar a atenção paraa mão de Edward, nahora em que arrebatasua amada da morte.Curtas tomadasmostram um volante

de automóvel e uma van desgovemada, cujo efeitosonoro de derrapamento dos pneus alude ao inevitável,já expresso no rosto de Bella, cujo corpo encontra-seescorado sobre o capô de sua Chevy. Edward olhaBellanos olhos, Bellaolha para a mão de Edward, que

Discuno e Imagem em Movimento 75

empurrou O carro na alturada porta, amassando-a.

Seu olhar deespanto, portanto, recainesse momento sobre amão de Edward, que nos é

dada em forma de detalhe por um dose. Novamenteduas outras intericonicidades podem ser consideradas.

Primeira, a mão de Edward que toca o carroestá em intericonicidade com a mão de Superman,ambos agindo em prol de suas eleitas.

Segundo, o movimento das mãos dos doisheróis ao tocar, respectivamente carro e avião,dentro da produção de séries de imagens em nossacultura, nos traz à lembrança o contato dos dedosentre o criador e a criatura, imortalizada pelaimagem de Michelângelo na Capela Sistina. Essasintericonicidades propõem uma imagem míticados personagens e imprime-lhes um lugar celestial,marcado pela sobrenaturalidade do encontrodo poder divino, representado em sua forçaextraordinária, com o sujeito comum. Isso mais umavez coloca Edward no lugar de Deus, enxotando olugar demoníaco criado pela mão que sai do caixãono primeiro plano de Dráada.

Page 41: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

76 Niltoa Milanez

Terceiro, o carro antigo de Bella seria somenteum estilo de vida ou indica uma condição social? Emencadeamento com a discursivização de Cinderela,B.ella, a moça pobre receberá uma recompensa,ditada pela memória do discurso religioso: "Bem-ave~turados os pobres de espírito, porque deles éo remo, do.s céus." (Mat. 5:3), no qual vulgarmentea referência para "os pobres" são os indivíduosmaterialmente desprovidos.

Assim, a associação de Bella a seu carroacendem imagens cujo processo de intericonicidadeleva-nos ao texto verbal, deslizando um enunciadodo ..campo imagético para uma imagem textualbíblica, mostrando-nos que o céu de Bella não seráo mesmo de Cinderela, que pôde desfrutar dasvantagens mate:iais e sexuais de seu príncipe. Bella,a ~~er de hoje, tem a eternidade a seus pés, masesta ainda presa a ?utro discurso machista, aqueledo ~oeta que pediu desculpa às feias, porque opar3.1soem Crepúsculo parece também estar reservadosomente para as belas e jovens.

Dessa maneira, a posição da mulher tanto emDrâada quanto em Crepúsculo não parece se alterar:elas estão sob o controle de poderes sobrenaturaismas Bella, em contradição com as mulheres-zumbi~em Drácula, é aquela que faz escolhas e gere sua

Discurso e Imagem em Movimento77

própria vida, apesar de manter a ideia de fragilidadee necessidade de proteção, reforçando a memória dodiscurso das mulheres nos contos de fadas.

Será esse tipo de contradição, constitutivo àmodalidade dos sujeitos, do frágil ao superpoderoso,do efêmero ao eterno, do feio ao belo, que formataráa posição de novas subjetividades, fazendo aparecerenunciações outras, dentro do domínio das relações

humanas.Observamos, portanto, regularidades

e deslocamentos importantes entre Drácu/a ecrepúsculo, ao mesmo tempo em que evidenciam ospoderes sobrenaturais dos vampiros. É essa mesmaforça que os diferencia: em um, a morte é o lugarcomum, em outro, a busca e continuidade da vida éa razão da contradição da nossa existência.

Esse deslocamento alicerça o 60 central danoção do horror, calcado no maior tabu de todosos tempos, pois a morte se tornou objeto de temor,asco e interdição, possibilitando a contradição comotraço elementar na construção de nossas subjetividades,quero dizer, no interre1acionamento do sujeito paraconsigo próprio e para com os outros,

Certamente, o discurso religioso, notada-mente presente nas imagens que discuti, aparecereconfigurado na constituição das subjetividades

Page 42: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

78 NiJton Milanez

dadas pelo intercâmbio entre os sujeitos. Estoufalando agora da memória do discurso sobre omandamento ''Não matarás", que foi deslocado dobojo do cristianismo para uma relação de construçãodo sujeito discursivo.

No caso de Bella e Edward, o impedimento desua morte não somente atende a esse mandamento,mas o amplia, elevando-o, de um lado ao cuidadocom o outro, mas, sobretudo, ao cuidado consigopróprio. Colada à noção de ''Não Matarás", odeslocamento de sentido produz uma noção de"Não morrerás", arregimentada na condição dopróprio vampiro.

Tomando os pressupostos de Foucault(2oo0b, p. 178), esse deslocamento de um enunciadopara outro "[ ...] coloca a questão da tradução possívelde um grupo de enunciados em outros, do pontode vista de coerência que poderia articulá-los, de suaintegração em um espaço mais geral." O discursoque se dá a ver, portanto, se forma sob a rede de WIJ,;

imperativo não apenas para viver, mas para viver oquanto puder, eternamente.

Nesse sentido, a morte se constitui comelemento de horror que, por isso, deve ser evitadopor todos. Essa é uma evidência que determinacondições de possibilidade dos discursos dos

Discurso e Imagem em Movimento 79

de horror nesse decênio, sobretudo, dos vampiros,possibilidade de tradução a partir do grupo deenunciados estabelecidos nos trailers apresentados.

Em outras palavras, o vampiro se ressignificaao lançar ao espaço de práticas cotidianas incessantesde revitalização, visando manter o corpo em um nívelque se considera hoje saudável, usando-se técnicasde controle do envelhecimento (MILANEZ, 2004),propagando o discurso da clínica como fonte da vida(MILANEZ, 2007c) e pedagogia das normas sociaise controle dos prazeres (MILANEZ, 2oo9a).

Resumindo, a cinematograflzação do vampiroespe1ha as ansiedades e desejos de nossa época emrelação à longevidade e o temor extremo da morte.

Nos anos 2000, nossos heróis não morrem maisde overdose, como dizia Cazuza. Na verdade, eles nemmorrem. Isso nos revela não uma oposição entre vidae morte, mas coloca-nos no âmbito da contradição,que reorganiza o campo discursivo, revelando "[...] oprimado de uma contradição que tem seu modelo naafirmação e na negação simultânea de uma única emesma proposição." (FOUCAULT, 2000a, p. 179)

Nesse caso, refiro-me a um nível particular deuma regra de formação da construção do vampirocomo um novo objeto: o nascimento de um avatar.O vampiro materializado em Edward, longe de

Page 43: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

80 Nilton Milanez

apresentar sua monstruosidade no corpo, ofereceseu corpo como remédio e cura para o adestramentoda vida de seus telespectadores. Como exemplode domínio e senhor de si, atrai todos os olharespara sua aparência que, ao invés de ser sombria oulúgubre, revela o branqueamento dos anjos, azuis detão brancos.

O corpo que tem a vida eterna possui uma corespecífica. Não mais a morte, mas a monstruosidadeda vida é elemento de veneração e adoração. Nocrepúsculo surge o Idolo decadente que renasce parasempre, é a presença do maligno virado no avessoe, como disse Nietzsche (1976, p.7), "Há maisídolos que realidades no mundo". Hoje, os ídolossão recuperados e eles aparecem nos momentos dasmaiores crises. A virtualidade do avatar é a ordemdo discurso daquilo que precisamos ser, horror àvida perene, horror ao envelhecimento do corpo,horror à precariedade de nossas vidas. Esses são oscontornos enunciativos que introduzem mais umanova verdade para a construção da idealidade dediscursos necessários, que marcam a transfiguraçãodo sujeito e o exercício das funções discursivaspara que ele não se perca na escansão de discursosinfinitos, tentando se encontrar na contradição dasmaterialidades que o compõem.

MONSTRO, CORPO ENORMALIZAÇÃO NO DISCURSO

A monstruosidade é um tipo de silhuetaque entrelaça o grotesco ao sujeito, em um jogono qual a imagem corporal acaba sendo o lugar deobservação e materialidades de desejos e formas desaber. O monstro e sua monstruosidade peculiar,qualquer que seja ela, engloba, segundo Courtine(2002, p.9), o desencantamento do estranho, ou seja, fazemergir aquilo que foge à ordem dada como naturaldas coisas, transgredindo as leis e a normalização deuma dada produção histórica.

A monstruosidade se torna, dessa maneira,uma forma de resistência a limites sociais e suasmoralidades, criando uma aura de veneração para omonstro. Por um lado, o monstro é aquele que podeo que não podemos, força os limites das regras,transforma seu corpo para atender seus desejos,transmuta-se em outro, submete a ordem social queoprime a um terI?o individual. Por outro, o monstroé o sinal da falta de controle de si, entregue a seusdesejos e prazeres íntimos, é a marca dos sentidos do

Page 44: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

82

excesso, o exagero das sensações e dos sentimentosem um mundo marcado pelo cálculo de si.

Nasce, assim, o monstro que habita ocontexto de uma referência às leis, o que o coloca,para Foucault, dentro de uma noção jurídica,mais precisamente uma noção jurídico-biológica.Segundo Foucault (2001b, p. 69) o monstro constituí''[ ...] em sua existência mesma e em sua forma, nãoapenas uma violação das leis da sociedade, mas umaviolação das leis da natureza."

O monstro se projeta como horrorí6co,pois combina o impossível com o proibido. Seráseu corpo, primeiramente, anatômico, entrelaçado,depois, a seu corpo metafórico, que o lançará forado padrão estabelecido historicamente, retomadopelos domínios médicos, jurídicos, pedagógicos,religiosos, filosóficos, midiáticos e literários. Naverdade, o monstro é a base para uma "sociedadede normalização" (FOUCAULT, 2001b, p. 46),para a qual. a disciplina corporal e moral deve estaradequada às técnicas em favor das experiências davida (MILANEZ, 2009b) que, visam, no final detudo, o corpo utilitário, domesticado para o trabalho.

O olhar sobre o monstro evidentemente setransforma, como nos mostrou Courtine (2008b)com seu estudo em O corpo anormal, face à mutação

Discurso e Imagem em Movimento 83

das sensibilidades diante da exibição desse corpotomado como anormal. Há, portanto, um conjuntode dispositivos materiais, que desenham o monstroem sua compleição física, muitas vezes, refletindo nocorpo exterior a imagem do sujeito interior.

Basta olharmos para a maneira como foiconstituído o lugar de Drácula, neste ensaio,designado como a materialização do mal, dasubmissão do outro, da força sobrenatural para ocontrole do outro, sendo rejeitado e colocado àsmargens do desregramento e da loucura, enquantoEdward, em Crepúsculo, ainda na mesma posiçãode vampiro, ocupa lugar diferenciado em relação aDrácula, pois está humanizado ao lado do sujeitocomum e divide com ele as mesmas aflições econflitos.

Os corpos de um e de outro se destacam emsuas monstruosidades: no caso de Drácula, o lugardo sobrenatural é ocupado pelo dark sitie da alma dovampiro, cujas materialidades podem ser observadasem seus gestos finos, calculados e ameaçadores,olhos hipnotizantes, moldura da roupa que adorna ocorpo e formato do cabelo que emoldura o rosto sãointericonicidades para o morcego e sua fantasiosasede de sangue na destruição do corpo do outro; jáEdward tem seu corpo construído por uma palidez

Page 45: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

84 Nilton MiIancz

romântica que encanta, sua partitura corporalcorresponde ao modelo impresso pela mídia comosendo o padrão de beleza a ser alcançado, sua forçanão corresponde a sua estrutura física, mas é dotamanho de seu desejo em salvar sua amada.

Ora, os dois personagens são vampiros, maso olhar que lançamos para eles é diferente, porquetambém já não somos os mesmo de 70 anos atrás.A história de nossas sensibilidades mudou. Aceitare incluir todas as formas de diferenças hoje é ogrito de ordem. Por que teria um vampiro que serexcluído do convívio social somente por não sermortal? As diferenças entre condições de existênciareforçam as identidades e ao invés de segregá-Ias tomam-nas como formas de intercâmbione~essárias para a inclusão de novas identidades.Isso se faz por meio da exibição de nov~s corpos,que são, portanto, espetacularizados. A medidaque o que é dado como monstruoso e anormalse torna um voyeurismo de massa, como o casodos vampiros que inundaram recentemente nossastelas sua visão assídua e rotineira começa não maisa ap~ntar para a desordem e a desintegração social,mas passa a ensinar a norma.. A disciplina de Edward, seu papel de salvaddeslocado do demoníaco para a divindade, revoluci

Discurso c Imagem em Movimento 85

os paradigmas de certo e errado, trocando os lugaresde deus e do diabo, revertendo sua ordem. Omonstro, nesse percurso, normaliza a anormalidade eserve aos preceitos, que novamente irão desembocarno estabelecimento da ordem familiar e social. Atransgressão da morte serve a uma normalização davida. O contexto que inícialmente parecia transgressorse converte em disciplina e temperança para aconstrução de um sujeito harmônico e equilibrado.

Acredito que fica claro, portanto, que omonstro e seu corpo acabam servindo, enfim, comomodelo de transgressão para retomar ao seu pontode controle com as amarras da normalização. Enfim,o monstro constrói-se sobre uma ironia da disciplina,que nos diz: "Ouse, ultrapasse as fronteiras, mas serápunido pela intemperança de seus costumes com avolta à normalidade". Isso quer dizer, novamente,que o discurso se repete, sua ordem é implacávele que a liberdade do sujeito. é um lugar sombrio,desconhecido e que resta ainda a ser dito por muitotempo.

Page 46: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

TO BE CONTINUED

Ao final da enxurrada de tantos apontamentosque venho repetindo aqui na ansiedade decompreendê-los para poder avançar, coloco-me entreuma sonífera ilha, que me faz sintonizar memóriade palavras, intericonicidades e o arquipélago dasdiferenças, na qual pequenos pontos de terrasse sobressaem do fundo do mar, irrupção desubjetividades que não se contentam com o mesmo.

As questões que envolvem o discurso eseus jogos com a imagem e(m) movimento, seuscontras saltos determinados pelos corpos, seus laçoscom o horror, dentro do trailer como um suporteespecífico, descrevem apenas a agitação de novosobjetos que galgam jogos de cortes, rupturas einterrupções. Acredito ser esse o movimento doanalista do discurso: tomar da observação daspráticas do cotidiano os elementos que nos fazempensar sobre a história e o nosso lugar dentro dela.Nesse quadro discursivo, o que interessa é pensar ossistemas de relação possíveis entre uma série e outra,para compreender que novas séries dali se instauram.

Page 47: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

88 Nilton Milanez

o discurso se reconfigura na medida emque pensamos a imagem em movimento alicerçadaem parâmetros como o corpo e o horror. Exige-seo confronto com novas formas de materialidade,específicas do suporte que as carrega, e entendamosaqui suporte tanto quanto o corpo e o medi um pormeio do qual ela é produzida, armazenada e colocadaem circulação. O vampiro e sua monstruosidade nocorpo e na tela, portanto, apresentaram modalidadespara que fosse possível refletir sobre os fenômenos deruptura que eles provocam.

Identidades? Diferenças? Resistências?Normalizações? As ciências em suas pontualidadesapresentam deslocamentos de lugares e discursospossíveisdentro de determinadas linhasde pensamento,produzindo o efeito de que a orquestração daqueletrabalho seja a compleição de uma vertente ou areformatação de um objeto. Mas para mim, acimade edições epistemológicas particulares, está o pontoregular de toda e qualquer reflexão: o sujeito, paracompreendermos como nos constituimos, pormeio de que formas, quais processos, de que lugaresfalamos, quais posicionamentos assumimos, a quetipo de encadeamentos nos lançamos. Ou seja,estamos sempre girando em torno da questão do

Discurso e Imagem em Movimento 89

sujeito e seus modos de transfiguração na sociedadeao longo da história.

Escrever é "maçada", como já disse FernandoPessoa uma vez sobre a leitura. Por isso, nesseepílogo, não gostaria de me alongar mais e tomarnovamente outros pontos elencados aqui nestetrabalho, como guisa de conclusão. De outro modo,quero dizer que com esta discussão inauguro,formalmente, o desenvolvimento de um estudosobre corpo e horror, tomando a especificidade deum objeto, que neste trabalho é o trailer, mas que seestende à investigação da imagem em movimento.Sem dúvida, essa é uma questão para a qual devemosatentar no interior da Análise do Discurso noBrasil, para possibilitar o avanço das teorias, face àemergência de tantos novos objetos que permeiamo nosso cotidiano.

Isso introduz o analista do discurso nacachoeira dos novos acontecimentos, que clamampor novas teorizações discursivas para dar conta denovas velhas materialidades. Sem horror, portanto,caminhemos para novos rumos.

Page 48: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

REFERÊNCIAS

BELTING, H. Pour une antropologie des images.Paris: Gallirnard, 2004.

BELTING, H. ''Imagem, mídia e corpo. Umanova abordagem à iconologia". In: Revista Ghreb.Revista de Comunicação, Cultura e Teoria da Mídia.Número 8, 2006. Disponível em http://revista.cisc.org.br/ghrebh8/. Acesso em 01 de setembro de2010.

BOTTING, F. Limits of horror. Techonology,bodies, gothic. Manchester University Press:Manchester and New York, 2008.

CARROLL, N. The philosophy of horror. OrParadoxes of lhe beart. New York: Routledge, 1990.

COURTINE, J.-J. "Discursos sólidos, discursos líquidos:a mutação das discursividades contemporâneas". In:SARGENTINI, v,; GREGOLlN, M R (Org). Análisedo discurso: heranças, métodos e objetos. São Carlos:Editora Claraluz,2008a.P. 11-19.

Page 49: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

92 Referências

___ o "O corpo anormal". In: CORBIN, A.;COURTINE, J.-J.; VIGARELLO, G. História docorpo. As mutações do olhar (o século XX). Trad.e rev. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Rio deJaneiro: Vozes, zooai, p. 253-340.

___ o "Le désenchan/emenl des monstres". In :MARTIN, E. Histoires de Monstres. JéromeMillion: Paris, 2002, p. 7-27.

CHERRY, B. Horror. USA/Canada: RoutledgeLondon and New York, 2009.

FOUCAULT, M. "Le discours ne doil pas étre priscomme... " In . Dits et Écrits II (1976-1988).Direction de Daniel Defert et François Ewald.Paris: Quarto-Gallimard; zoou, pp. 123-124.

. Os anormais. Trad. Eduardo Brandão.---São Paulo: Martins Fontes, 2001 b.

___ o Arqueologia do saber. Trad. bras.Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária,2000a.

___ o A Ordem do Discurso. Trad. bras. LauraFraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola,2000b.

93

GREGOUN, M. R V. Filigranas do Discurso.As vozes da história. Araraquara: FCL/ LaboratórioEditorial/ UNESP; São Paulo: Cultura AcadêmicaEditora, 2000.

HALBWACHS, M. A memória coletiva. Trad. bras.Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006.

JOHNSTON, K M. Coming soon. Film trailers andlhe seUing of Hof!ywood /echnolngy. United States ofAmerica, North Carolina: Macfarland & Company,2009.

KERNAN, L. Coming attractions. &aiJing americanmovi e trailers. United States of America: University ofTexas Press, 2004.

MILANEZ, N. "Materialidades da Paixão". In:SARGENTINI, V.; CURCINO, L.; PIOVEZANI,C. (orgs.) Discurso, semiologia e história. SãoCarlos: Editora Claraluz, 2011a (no prelo).

___ .. "O nó discursivo entre corpo e imagem.Intericonicidade e brasilidade" In: TFOUNI, LedaVerdiani; CHIARETTI, Paula; MONTE-SERRAT,Dionéia Motta (orgs.). A Análise do Discurso esuas Interfaces. São Carlos: Editora Pedra e João,2011b (no prelo).

Page 50: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

94 Referências

___ o "Pistas e traços do corpo suspeito. Jailton,o estuprador de Itambé". In: GREGOLIN, M. R.v.; KOGAWA,). M. (orgs.). Análise do discurso esemiologia: reflexões contemporâneas. TrilhasLinguísticas, Araraquara: Cultura Acadêmica, 2010a(no prelo).

MILANEZ, N.; SANTOS,).). "Geometria discursivaentre Nietzsche e Foucault", In: MILANEZ, N.;GASPAR, N. R. (orgs.) A (des)ordem do discurso.São Paulo: Editora Contexto, 2010b, p. 39-55.

"Corpo cheiroso, corpo gostoso.Unidades corporais do sujeito no discurso". In:Acta Scientiarum. Language and Culture.Universidade Estadual de Maringá, v. 31, n. 2.Maringá: Eduem, 2009a, p. 215-222.

___ o ''A possessão da subjetividade". In:SANTOS,). B. C. (org.). Sujeito e subjetividades:discursividades contemporâneas. Uberlândia:EDUFU, 2009b, p. 281-300.

___ . As aventuras do corpo: dos modos desubjetivação às memórias de si em revista impressa.Tese de Doutorado. Universidade Estadual Júlio deMesquita Filho - UNESP. Faculdade de Ciências eLetras/ Araraquara, 2007a.

Referências 9S

___ o "Toda vez que minto constroem verdades.Sobre corpos e poderes". In: Linguagem - Estudose Pesquisa/Curso de Letras da UniversidadeFederal de Goiás - Campus de Catalão-GO, Vols.10-11 (2006-2007), 2007b, p.167-179.

___ o "Os sintomas do discurso. Sujeito, corpoe clínica na mídia". In: Comunicação, Midiae Consumo/Escola Superior de Propaganda eMarketing, v. 4, n. 11 (novembro de 2007) - SãoPaulo: ESPM, 2oo7c, p. 49-64.

___ 'o "O corpo é um arquipélago. Memória,intericonicidade e identidade". In: NAVARRO, P.(org.) Estudos do Texto e do Discurso. Mapeandoconceitos e métodos. São Carlos, Claraluz, 2006, p.153-179.

___ o ''A disciplinaridade dos corpos em revista".In: Sargentini, v, NAVARRO, Pedro. (orgs.). M.Foucault e os domínios da linguagem. Discurso,poder, subjetividade. São Carlos: Claraluz, 2004, p.183-200.

___ o Corpos escritos. Discurso, revista esujeitos contemporâneos. Dissertação de Mestrado.Universidade Estadual Júlio de Mesquita' Filho -UNESP. Faculdade de Ciências e Letras/ Araraquara,2001.

Page 51: MILANEZ, N - Discurso e Imagem em Movimento_ o corpo horrorífico do vampiro no trailer

96. Referências

NAVARRO, P. "Uma definição da ordem discursivamidiática". ln: MILANEZ, N.; GASPAR, N. R.(orgs). A (des)ordem do discurso. São Paulo:Editora Contexto, 2010, p.79-93.

MORGAN,]. The biology ofhorror. Gothic Literatureand Film. Southern lllinois University: Illinois, 2002.NlETZSCHE, F. Segunda consideraçãointempestiva. Da utilidade e desvantagem dahistória para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará,2003.

___ o Crepúsculo dos ídolos. Ou a filosofia agolpes de martelo. Trad. bras Edson Bini e MárcioPugliesi. São Paulo: Hemus, 1976.

PÊCHEUX, M. O Discurso. Estrutura ouacontecimento. Trad. bras. de Eni P. Orlandi.Campinas: Pontes, 2002.

___ o "Delimitações, Inversões e Deslocamentos", Trad.de José Horta Nunes. ln: Cadernos de EstudosLinguístico} (19). Campinas: Unicamp, 1990.

-RANCIÉRE, j. Le destin des images. Paris: LaFabrique Éditions, 2003.