Milton Santos

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MILTON SANTOS Segundo Milton Santos, o espaço deve ser considerado como uma totalidade. Entretanto, através de análises, deve ser possível dividi-lo em partes e reconstituí-lo depois. Esta divisão deve ser operada segundo uma variedade de critérios, entre os quais estão os elementos do espaço. Os elementos do espaço, por sua vez, seriam os homens, as firmas, as instituições , o meio ecológico e as infra- estruturas. Os homens são elementos do espaço, seja na qualidade de fornecedores de trabalho, seja na de candidatos a isso. As firmas têm como função a produção de bens, serviços e idéias. As instituições produzem normas, ordens e legitimações. O meio ecológico seria o conjunto de complexos territoriais que constituem a base física do trabalho humano. Finalmente, as infra-estruturas são o trabalho humano materializado e geografizado na forma de casas, plantações, caminhos, etc. A enumeração das funções dos elementos do espaço mostra que eles são, de certa forma, intercambiáveis e redutíveis uns aos outros. Ao mesmo tempo que os elementos do espaço se tornam mais intercambiáveis, as relações entre eles se tornam também mais íntimas e muito mais extensas. Dessa maneira, a noção de espaço como uma totalidade se impõe de maneira mais evidente. Na medida em e que função é ação, a interação supõe interdependência funcional entre os elementos. Através do estudo das interações, recuperamos a totalidade social, isto é, o espaço como um todo e, igualmente, a sociedade como um todo. Pois cada ação não constitui um dado independente, mas um resultado do próprio processo social. Segundo Milton Santos elementos do espaço estão submetidos a variações quantitativas e qualitativas. Desse modo os elementos do espaço devem ser considerados como variáveis. A cada momento histórico cada elemento muda seu papel e sua posição no sistema temporal e no sistema espacial e, a cada

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MILTON SANTOS

Segundo Milton Santos, o espaço deve ser considerado como uma totalidade. Entretanto, através de análises, deve ser possível dividi-lo em partes e reconstituí-lo depois. Esta divisão deve ser operada segundo uma variedade de critérios, entre os quais estão os elementos do espaço.

Os elementos do espaço, por sua vez, seriam os homens, as firmas, as instituições, o meio ecológico e as infra-estruturas. Os homens são elementos do espaço, seja na qualidade de fornecedores de trabalho, seja na de candidatos a isso. As firmas têm como função a produçãode bens, serviços e idéias. As instituições produzem normas, ordens e legitimações. O meio ecológico seria o conjunto de complexos territoriais que constituem a base física do trabalho humano. Finalmente, as infra-estruturas são o trabalho humano materializado e geografizado na forma de casas, plantações, caminhos, etc.

A enumeração das funções dos elementos do espaço mostra que eles são, de certa forma, intercambiáveis e redutíveis uns aos outros. Ao mesmo tempo que os elementos do espaço se tornam mais intercambiáveis, as relações entre eles se tornam também mais íntimas e muitomais extensas. Dessa maneira, a noção de espaço como uma totalidade se impõe de maneira mais evidente.

Na medida em e que função é ação, a interação supõe interdependência funcional entre os elementos. Através do estudo das interações, recuperamos a totalidade social, isto é, o espaço como um todo e, igualmente, a sociedade como um todo. Pois cada ação não constituium dado independente, mas um resultado do próprio processo social.

Segundo Milton Santos elementos do espaço estão submetidos a variações quantitativas e qualitativas. Desse modo os elementos do espaço devem ser considerados como variáveis. A cada momento histórico cada elemento muda seu papel e sua posição no sistema temporal e no sistema espacial e, a cada momento, o valor de cada qual deve ser tomado da suarelação com os demais elementos e com o todo. Isso significa que eles variam e mudam seu valor segundo o movimento da História.

Se esse valor lhes vêm das qualidades novas que adquirem, ele também representa uma quantidade. Mas a expressão real de cada quantidade é dada como um resultado das necessidades sociais e de sua gradação em um dado momento. Por isso mesmo, a quantificação correspondente a cada elemento não pode ser feita de forma apriorística. Neste caso a quantificação só pode se dar a posteriori. Isso é tanto mais verdadeiro porquecada elemento do espaço tem um valor diferente segundo o lugar em que se encontra.

Dessa forma, cada lugar atribui a cada elemento constituinte do espaço um valor particular. Em um mesmo lugar, cada elemento está sempre variando de valor, porque cada elemento do espaço entra em relação com os demais, e essas relações são em

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grande parte ditadas pelascondições do lugar. Sua evolução conjunta num lugar ganha características próprias, ainda que subordinadas ao movimento do todo, isto é, do conjunto dos lugares. O valor da variável não é função dela própria, mas do seu papel no interior de um conjunto. Quando este muda de significação, de conteúdo, de regras ou leis, também muda o valor de cada variável.

Somente através do movimento conjunto é que podemos corretamente valorizar cada parte e analisá-la, para, em seguida, reconhecer concretamente esse todo.

Em cada época os elementos ou variáveis são portadores de uma tecnologia especifica e uma certa combinação de componentes do capital e do trabalho.

As técnicas são também variáveis, porque elas mudam através do tempo. Só aparentemente elas formam um contínuo. Se, nominalmente suas funções são as mesmas, a sua eficiência, todavia, não é a mesma. Em função das técnicas utilizadas e dos diversos componentes de capital mobilizados, pode-se falar de uma idade dos elementos ou de uma idade dasvariáveis. Desse modo, cada variável teria uma idade diferente. O seu grau de modernidade só pode ser aferido dentro do sistema como um todo, seja do sistema local, em certos casos, seja do sistema nacional, e ainda, para outros, do sistema internacional.

Outro fator importante a ser considerado é que as variáveis ou elementos estão ligados entre si por uma organização. A organização se definiria como o conjunto de normas que regem as relações de cada variável com as demais, dentro e fora de uma área. Em sua qualidade denormas, isto é, de regulamento, externa, pois, ao movimento espontâneo, sua duração efetiva não é a mesma que a da sua potencialidade funcional. A organização existe, exatamente, para prolongar a vigência de uma dada função, de maneira a lhe atribuir uma continuidade e regularidade que sejam favoráveis aos detentores do controle da organização. Isso se dá através de diversos instrumentos de efeito compensatório que, em face da evolução própria dos conjuntos locais de variáveis, exercem um papel de regulador, de modo a privilegiar umcerto número de agentes sociais.

Milton Santos considera que, em função de suas relações, os elementos do espaço formam um sistema. Tal sistema é comandado pelo modo de produção dominante nas suas manifestações à escala do espaço em questão.

Pode-se também falar na existência de subsistemas, formados pelos elementos dos modos de produção particulares. O sistema é comandado por regras próprias ao modo de produção dominante em sua adaptação ao meio local. Estaremos, então, diante de um sistema menor ou correspondente a um subespaço e de um sistema maior que o abrange, correspondente a um subespaço e de um sistema maior que o abrange, correspondente ao espaço. Cada sistema funciona em relação ao sistema maior como um elemento, enquanto ele próprio é, em si mesmo, um sistema. Caso o subsistema a que referimos seja desdobrado em subsistemas, a mesma relação se repete, cada um dos subsistemas aparecendo como um elemento seu, ao mesmo tempo em que é também um sistema, se se consideram as suas próprias subdivisõespossíveis. E cada sistema ou subsistema é formado de variáveis que, todas, dispõem de

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força própria na estruturação do espaço, mas cuja ação é de fato combinada com a ação das demais variáveis.

Assim, concluímos que o espaço é um sistema complexo, um sistema de estruturas, submetido em sua evolução à evolução das suas próprias estruturas. Cada estrutura evolui quando o espaço total evolui e, por sua vez, a evolução de cada estrutura em particular afeta aevolução da totalidade.

As estruturas e os sistemas espaciais evoluem segundo três princípios: a ação externa, o intercambio entre os sistemas e a evolução interna, particular de cada parte ou elemento do sistema tomado isoladamente.

Através da noção de sistema, analisamos os elementos, seus predicados e as relações entre tais elementos e tais predicados. Quando a preocupação é com as estruturas, sabemos que se essa noção de predicado é aliada a cada elemento, sabemos, antes, que sua real definição depende sempre de uma estrutura mais ampla, na qual aquela se insere.

SANTOS, Milton. Espaço e Método. Editora AMPUB Comercial Ltda. 1985

Ao usar este artigo, mantenha os links e faça referência ao autor:Análise Do Espaço E Seus Elementos Na Perspectiva De Milton Santos publicado 27/04/2007 por Daniel Gouveia de Mello Martins em http://www.webartigos.com

Fonte: http://www.webartigos.com/articles/1563/1/Analise-Do-Espaco-E-Seus-Elementos-Na-Perspectiva-De-Milton-Santos/pagina1.html#ixzz1POnlm1Af

Como geógrafo, arrisco abaixo uma contribuição ao pensamento geográfico, uma compilação de alguns conceitos que julgo importantes ao entendimento da Geografia atual, primeiro resultado da minha pesquisa de monografia, que por enquanto não digo do que se trata pra não perder o mistério...

Porque de todas as ciências que existe, foi por ela que me apaixonei... Já nada podia fazer quando sua perspectiva espacial apontava nos processos elementos que acalmaram minha alma por responder grande parte das minha indagações - uma ode à Geografia.

....

Espaço – Reunir os elementos que caracterizam o Espaço Geográfico não é uma tarefa tão simples. De forma resumida, pra esse exercício de caracterização dos conceitos é válido ressaltar que o Espaço é um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações. O espaço é constituído através das relações sociais, do trabalho, e assim, o espaço é social. Pode-se entender o Espaço como a Natureza modificada pelo homem através do tempo. O Espaço é condição, meio e produto – condição para realização das ações, o meio por onde se dão os processos e o produto desse resultado. O Espaço é o palco das ações humanas, de realização do homem, construído através do tempo. A medida que o homem produz, ele produz espaço. Este deve ser entendido em sua totalidade que se realizam sobre suas categorias do estudo do espaço que são, estrutura, processo, função e forma. Assim, segundo Milton Santos, “O espaço deve ser considerado como um conjunto de relações realizadas através de funções e de formas que se apresentam como testemunho de uma história escrita pro processos do passado e do presente. O espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações que se manifestam através do processo e funções”. O espaço é, assim, “um verdadeiro campo de forças cuja aceleração é desigual”.

Estrutura, Processo, Função, Forma – O espaço, como afirmado acima, deve ser entendido na sua totalidade e dentro dessa perspectiva conforme Milton Santos (2002) ensina “O Ser é a sociedade total; o tempo são os processos, e a função e a forma são a existência”. De tal maneira que a Estrutura é o todo, as relações estabelecidas pela sociedade permitem sua estrutura, e estas relações são construídas através do tempo. O Processo é associado ao tempo, ou seja, o tempo é representado pela quantidade

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de processos realizadas em unidade de tempo. Ao se referir ao tempo não se deseja remeter apenas à divisão do dia em unidades, seja hora, segundo, ou minuto, mas um conceito que mais se relaciona aos processos, devido à técnica e então à velocidade e à acumulo de capital. Função e Forma estão relacionados a existência, diz Santos, porque são os elementos mais intimamente relacionados aos elementos que animam as categorias do Espaço, as Infra-Estrutura, Instituições, Meio-Ecológico, Firmas, Homem. Pois seriam estes elementos que impõe a funcionalidade ao espaço e também a forma, através da manipulação das técnicas em função das suas necessidades.

Infra-Estrutura, Instituições, Meio-Ecológico, Firmas, Homem – O espaço geográfico, objeto de estudo da Geografia, deve ser “considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e de outro, a vida que os preenche e os anima” (Santos1996, p.26). São estes, então, os elementos que dão vida às categorias do Espaço, que as animam. Através das necessidades criadas a partir destes elementos as técnicas existentes, a estrutura, e os processos, as funções e as formas no Espaço são redefinidos. São estes, a causa dos processos, do modo de produção, da estrutura, da forma e da função.

Tempo – A noção de tempo no estudo geográfico também não é algo simples de se definir porque envolve a relação de diversas variáveis. Em princípio pode-se tomar o tempo como medida fundamental na produção do espaço. Pois este não se realiza fora do tempo. Segundo Milton Santos (2000) o tempo “não é um conceito absoluto, mas relativo, ele não é resultado de uma percepção individual, trata-se de um tempo concreto”. E ainda “as relações entre os períodos históricos e a organização espacial também devem ser analisadas; elas nos revelarão uma sucessão de sistemas espaciais na qual o valor de cada lugar está sempre mudando no corre da história”. A noção do tempo, então é inseparável da idéia de sistema. Assim, o conceito de tempo no estudo geográfico é uma noção relativa aos processos, aos processos ao longo da história e à condição de realização dos processos.

Totalidade – Assim como o tempo, a totalidade se constitui numa das categorias fundamentais do espaço. Santos (2000) afirma, “a noção de totalidade é inseparável da noção de estrutura”, sendo a totalidade, totalidade social e as estruturas correspondentes, estruturas sociais. Enquanto a totalidade espacial deve ser tratada em termos de subestruturas, dos lugares e subespaços, ou mesmo as regiões. A importância de se ter em mente a totalidade é, de no estudo do espaço não se limitar simplesmente a seus fragmentos, porque daí se perderia a real compreensão do espaço. Contudo, como a noção da totalidade universalizante é impossível de se realizar, a escala viável da totalidade dá um lugar particular à estrutura interna, permitindo o não afastamento da realidade concreta, ou seja, a realidade dialética.

Território – O território é uma porção do espaço definido por uma relação de poder. O poder que mais comumente se pensa é no poder político, mas não necessariamente. Assim, o território é uma área delimitada, segundo Milton Santos “imutável em seus limites” por uma relação de poder “coercitivas”, que “determina os tipos de relação entre as classes sociais e as formas de ocupação do território”.

Lugar – O lugar é o resultado de ações multilaterais que se realizam em tempos desiguais sobre cada um e em todos os pontos da superfície terrestre. Assim que uma teoria que deseje explicar as localizações específicas deve levar em conta as ações do presente e do passado, locais e extralocais. O lugar assegura assim a unidade do contínuo e do descontínuo, o que a um tempo possibilita sua evolução e também lhe assegura uma estrutura concreta inconfundível. De modo que enquanto no espaço, num determinado ponto no tempo as variáveis são assincrônicas, no lugar, ou em cada lugar, as variáveis funcionam sincronicamente. Cada lugar é, a cada momento, um sistema espacial, seja qual for a “idade” dos seus elementos e a ordem que se instalarem. O lugar é assim, antes de tudo, uma porção da face da terra identificada por um nome. Um lugar pode ser representado por um grupo de “objetos materiais”.

Paisagem – Um ponto de partida para o entendimento da paisagem pode ser a compreensão de que “o espaço é igual à paisagem mais a vida nela existente; é a sociedade encaixada na paisagem, a vida que palpita conjuntamente com a materialidade” (Santos, 1996,p.73). Assim, a paisagem pode ser entendida como um conjunto de estruturas naturais e sociais de um determinado lugar no qual desenvolvem uma intensa interatividade, seja entre os elementos naturais, entre as relações humanas e desses com a natureza. Pode-se afirmar que paisagem é tudo aquilo que percebemos com nossos sentidos, mas principalmente, relaciona-se mais

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comumente com a idéia de “visualização da paisagem”. De tal forma que podem-se distinguir paisagem natural e paisagem humanizada, paisagem cultural, que pode ser dividida em paisagem rural e urbana; elementos naturais e elementos sociais da paisagem;

Região – O conceito de região ainda não é unânime para todos os geógrafos, mas pode-se recorrer à idéia de que essa noção se relaciona muito mais com as ligações inter-regionais do que com tipos de fronteira, ou separação. Segundo Hasbaert (2002) “Embora as diferenciações continuem a definir as regiões, estas diferenças, hoje, são muito melhor identificadas pela análise das inter-conexões do que das oposições”. Ressaltando a intensidade da diferenciação intra-regional, incluindo a constatação de descontinuidades internas. Para Milton Santos (2008) a região deixa de ser um produto da solidariedade orgânica localmente tecida, para tornar-se resultante da solidariedade organizacional. Para Cassiano C. Amorim, a identidade territorial “é elemento importante na definição das regionalizações”. Historicamente produzidas e politicamente recortadas, hoje entendemos que as regionalizações, os recortes regionais “são recortes onde a manifestação do poder político encontra espaços para territorializar-se, o que promove um ordenamento do território usado, à medida que estes recortes acabam por ser espaços de implantação de projetos baseados em políticas públicas”

Referencia Bibliográfica

AMORIM, Cassiano C. “Discutindo o conceito de região”. Revista on-line Estação Científica, v. 4, p. 1-19, 2007.

SANTOS, Milton. A Urbanizaçao Brasileira. São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4.ed. 2.reimpr. – São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo, SP: Nobel, 1985.

SANTOS, Milton. Metamorfose do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1996.

SANTOS, Milton. Por Uma Geografia Nova: Da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.

SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do Pensamento Único à consciência universal. 5°ed. – Rio de Janeiro, RJ: Record, 2001.

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O Conceito de Paisagem

 

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          “Uma região produtora de algodão, de café ou trigo. Uma paisagem urbana

ou uma cidade de tipo europeu ou de tipo

americano. Um centro urbano de negócios e as

diferentes periferias urbanas. Tudo isto são

paisagens, formas mais ou menos duráveis. O seu

traço comum é ser a combinação de objetos

naturais e de objetos fabricados, isto é, objetos

sociais, e ser o resultado da acumulação da atividade de muitas gerações.

         Em realidade, a paisagem compreende dois elementos: .

1 – Os objetos naturais, que não são obra do homem nem jamais foram tocados por ele.

2 – Os objetos sociais, testemunhas do trabalho humano, no passado como no presente.

         A paisagem não tem nada de fixo, de imóvel. Cada vez que a sociedade

passa por um processo de mudança, as relações sociais e políticas também

mudam, em ritmos e intensidades variados. A

mesma coisa acontece em relação ao espaço e à

paisagem que se transforma para se adaptar às

novas necessidades da sociedade.

          As alterações por que passa a paisagem são apenas parciais. De um lado,

alguns dos seus elementos não mudam – pelo menos em aparência – enquanto a

sociedade evolui. São testemunhas do passado. Por outro lado, muitas mudanças

sociais não provocam necessariamente ou automaticamente modificações na

paisagem.

          Considerada em um ponto determinado no tempo, uma paisagem

representa diferentes momentos do desenvolvimento da sociedade. A paisagem

é resultado de uma acumulação de tempos. Para cada lugar, cada porção do

espaço de tempo, na mesma velocidade ou na mesma direção.

          A paisagem, assim como o espaço, altera-se continuamente para poder

acompanhar as transformações da sociedade. A forma é alterada, renovada,

suprimida, para dar lugar a uma outra forma que atenda às necessidades novas

da estrutura social. ‘A história é um processo sem fim, mas os objetos mudam e

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dão uma geografia diferente a cada momento da história’ dizia Kant, o filósofo e

geógrafo.”

 . http://www.geomundo.com.br/geografia-30179.htm

não se dá, contudo, por igual: a superfície da Terra apresenta uma natureza primitiva e uma segunda natureza que oferecem atrativos diferenciados para o capital, que procura os lugares onde a sua remuneração é maior. E note-se que o valor de um lugar para o capital pode mudar com o tempo. c) O Estado capitalista tem progressivamente investido mais e mais, contribuindo para a organização do espaço. Este crescente papel do Estado na organização espacial está ligado às necessidades de socialização dos custos necessários à acumulação do grande capital. A este não compensa mais investir em ferrovias, sistemas de energia, habitação popular etc., ou seja, em atividades pouco remuneradoras. Por outro lado, o investimento feito pelo Estado nestes setores pouco rentáveis barateia os custos dos investimentos do capital nos lucrativos. O Estado, em muitos casos, torna-se empresário, diversificando seus investimentos. Esta função que passa a desempenhar interessa ao grande capital, inserindo-se na dinâmica de acumulação capitalista, apesar do discurso de alguns economistas burgueses, segundo o qual, desta maneira, o Estado desvirtua o seu papel. Como se este fosse uma instituição neutra, a-histórica, acima das classes sociais e dos interesses dominantes. d) Ao lado do grande capital, existe ainda aquele que não se ampliou, não se diversificou, nem foi absorvido pelo primeiro. Está presente em todos os setores, e muitas vezes vive à sua sombra, sob a sua dependência, efetivada por subcontratos ou fornecendo matérias-primas e bens intermediários, ou ainda viabilizando o grande capital, no papel de distribuidor varejista. Insere-se, portanto, no processo de acumulação capitalista. Aí encaixa-se também o denominado setor informal.

O grande capital, o Estado e o pequeno capital, cada um destes agentes da organização espacial possui uma estratégia de ação que lhe é aparentemente específica, e que inclui uma dimensão espacial.

A grande corporação capitalista pode, primeiramente, tomar decisões de investimento em um ou outro setor e/ou lugar a partir de estudos de viabilidade técnica que o pequeno capitalista não está capacitado a fazer. Por outro lado, a grande corporação possui uma escala interna de operações de ordem tal que prescinde da presença de outras atividades. As restrições locacionais que a afetam são mínimas. Podem criar ou induzir à criação de uma série de vantagens na sua própria escala ou investir no poder de pressão junto ao Estado: quantos prefeitos, deputados, senadores e ministros não estão, nos países capitalistas, direta ou indiretamente vinculados a uma ou mais corporações?

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Sendo assim, a grande corporação pode implantar um estabelecimento fabril de porte considerável em uma pequena cidade, fechando ou não um outro localizado em área metropolitana. Pode ainda criar um enclave em localidades despovoadas ou desprovidas de infra-estrutura, fixando, além da fábrica, um núcleo urbano onde tudo está sob seu controle: as habitações, os serviços de educação e saúde, a polícia etc. São os casos de João Monlevade, criada pela Companhia Siderúrgica Belga-Mineira, em Minas Gerais, de Carajás, pelo "projeto" Carajás ou de Monte Dourado, pelo Jarí, as duas no Pará. Nestas cidades, a grande corporação disporá de uma força de trabalho cativa e sob controle.

Ela pode, ainda, dispersar a fabricação das partes componentes de um produto final em vários países, de modo a minimizar possíveis problemas de nacionalização. A grande corporação espalha a sua força de trabalho em cidades próximas ao parque fabril. Neste caso, a intenção é dificultar possíveis

natureza familiar, que não se utilizam do crédito nem -movimentam recursos vultosos. Em vários casos, empregam como matéria-prima produtos usados e não cumprem ou não têm nenhuma formalidade, quer administrativa, quer vinculada ao mercado (atividades informais). Santos13 as denomina circuito inferior da economia, em oposição às formais, pertencentes ao superior, ou seja, o circuito moderno.

Estas atividades do circuito inferior não são independentes das outras, mas um meio através do qual o processo de acumulação capitalista pode incluir um setor que não é atrativo para a grande empresa. Além do mais, garante determinado nível de subsistência para uma população aparentemente marginalizada que não teria emprego fixo nas atividades modernas. Os biscateiros, os ambulantes, as diversas oficinas de reparação semi- clandestinas e as pequenas unidades de produção de sucedâneos de produtos conhecidos são formas do circuito inferior.

Santos argumenta que, em áreas rurais pobres, a esfera de influência dos pequenos centros urbanos é constituída sobretudo pela atuação das atividades do circuito inferior: o poder aquisitivo desta população não permite o consumo de produtos do circuito superior. As feiras do nordeste, forma de mercado periódico, são exemplos típicos das atividades informais.

Por ter a sua ação vinculada sobretudo às necessidades de acumulação do capital e à conseqüente reprodução social, o Estado age espacialmente de modo desigual, à semelhança da grande corporação. Beneficia certas frações do capital: faz-se presente através de empreiteiras, algumas delas transformadas em grandes empresas. A abertura de estradas, o seu asfaltamento, a cobrança e a transferência espacialmente desigual de impostos, as leis de uso do solo geradoras do zoneamento urbano são, entre outros exemplos, o modo de o Estado capitalista interferir. A par desta performance, o Estado possui uma organização espacial de seus aparelhos repressivo e ideológico: as comarcas, a organização espacial do aparato militar e policial, os distritos educacionais e suas jurisdições e a localização periférica das universidades federais fazem parte dela. Por outro lado, os monumentos aos vencedores das lutas sociais, ao

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lado do esquecimento total dos vencidos, constituem marcas da ação do Estado na organização espacial.

Temos, portanto, dentro dela, uma dimensão econômica extremamente complexa, uma jurídico-política e uma ideológica. Estas três dimensões entre cruzam-se e completam-se. Isto porque a organização espacial é um reflexo e uma condição da sociedade. Organização espacial: reflexo social

Produto da ação humana ao longo do tempo, a organização espacial é um reflexo social, "conseqüência do trabalho e da divisão do trabalho", conforme aponta Lefebvre14. É o resultado do trabalho social que transforma diferencialmente a natureza primitiva, criando formas espaciais diversas sobre a superfície da Terra.

Como o trabalho social e a sua divisão dão-se em um determinado tipo de sociedade com certo nível de desenvolvimento das forças produtivas e um modo dominante de suas relações, a organização espacial resultante refletirá estas características básicas da sociedade. Refletirá o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção. E como estas últimas vão traduzir-se em classes sociais e seus conflitos, a organização espacial as espelhará.

Assim, a existência de estabelecimentos industriais, constituídos de edifícios onde se produz, depósitos, pátios de carga e descarga e áreas para futuras expansões, configura uma organização espacial em escala micro que só aparece a partir do capitalismo. Do mesmo modo que um conjunto dos mesmos, uns ao lado dos outros, separados por vias de tráfego pesado e ruas de uso exclusivo das fábricas que ali se situam, tendo ainda nas proximidades bairros operários. Considerando-se outra escala territorial, o mesmo se pode dizer de um conjunto de cidades industriais próximas umas das outras, como ocorre na área de Campinas, no Estado de São Paulo, ou no vale do Ruhr, na Alemanha.

Semelhantemente, a organização espacial de uma propriedade rural no meio-oeste americano do início do século XX difere daquela dos dias de hoje. Um certo grau de autarcia e um menor nível tecnológico implicavam a existência de mais variedade nos cultivos e na criação de animais, bem como em usos distintos das suas edificações. José Lins do Rego, ao romancear a história da organização sócio- espacial da zona da mata paraibana nos romances Menino de engenho, Bangüê, Fogo mortoe Usina, entre outros, mostra muito bem como se deram as mudanças de organização espacial a partir das relações de produção - do escravo ao "morador de condição" e ao assalariado - e do desenvolvimento tecnológico - do engenho bangüê à pequena e à grande usina. A cada momento, refletia os dois aspectos. O bangüê, a casa-grande, a senzala, os "partidos" de cana, os cultivos de subsistência e a própria dimensão espacial do estabelecimento produtor de açúcar refletem um estágio da organização da sociedade local. Os amplos canaviais, a imponente usina com sua alta chaminé,

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as linhas férreas cortando o canavial, a ausência de cultivos de subsistência e a presença de antigos bangüês, agora de fogo morto, caracterizam outro estágio.

Fosse José Lins do Rego vivo, certamente prosseguiria o "ciclo da cana" reportando-se, entre outros aspectos, à ocupação canavieira nos tabuleiros, áreas de solos arenosos porém planos, que somente após a década de 60, à custa de enorme investimento tecnológico compensado pelos altos preços do açúcar no mercado internacional, foram incorporados à organização espacial canavieira. Reportar-se-ia ainda às dificuldades, devido aos tratores e à maquinaria pesada, de se utilizar as até então ricas e valorizadas várzeas constituídas de solos argilosos – o massapê -, solos pesados que se transformam em impiedosos lamaçais durante a época das chuvas, o "inverno".

Buch-Hanson e Nielsen apresentam, por outro lado, três modelos que descrevem sucintamente a organização de três sociedades. A figura6a refere- se à sociedade feudal posterior ao século X, quando se verifica um renascimento do fenômeno urbano. Trata-se de uma organização espacial constituída de células fechadas, pouco articuladas entre si. Cada uma delas apresenta condições de satisfazer à quase totalidade das necessidades de vida da grande maioria da população. No centro localiza-se um burgo, que tem em torno de si um território com aldeias rurais. A economia aldeã era praticamente autárcica, de subsistência, com um mínimo de excedentes, comercializados no burgo com a produção dos artesãos. As ligações entre os burgos, por sua vez, eram extremamente limitadas: não há trocas entre centros semelhantes. Esse padrão celular deve-se ao pequeno desenvolvimento das forças produtivas e à pequena divisão social e territorial do trabalho, tornando os horizontes espaciais extremamente reduzidos.

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A figura6b, por sua vez, refere-se à organização espacial da sociedade colonial. Surgida a partir do século XV com a expansão mercantilista européia, caracteriza-se, entre outros aspectos, pela primazia de uma cidade portuária, ponto de escoamento de produtos valorizados na Europa e nos Estados Unidos e de importação de produtos industrializados e sua redistribuição para a hinterlândia. É, também, o centro de controle político e militar da colônia. A rede de cidades e as vias de circulação assumem um padrão dendrítico, à semelhança de um sistema fluvial, em cuja extremidade encontra-se a cidade portuária. Vários países da Ásia, África e América Latina apresentam uma organização espacial semelhante a essa descrita pelo modelo.

Finalmente, a figura 6c reporta-se à sociedade capitalista avançada. Como se pode ver, sua organização espacial é mais complexa. Complexidade que se refere aos numerosos centros urbanos e suas hinterlândias e à densa rede que os articula entre si. Esta organização espacial reflete a intrincada divisão social e territorial do trabalho e a

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conseqüente natureza complementar das atividades de cada lugar. Ao contrário da sociedade colonial, a capitalista avançada está organizada para si mesma, dotada de um poderoso mercado que implica sólidas relações internas e externas. Deste modo, como dizem Buch-Hanson e Nielsen, cada sociedade tem a sua própria geografia, a sua própria organização espacial. Mas o seu caráter de reflexo social não diz respeito apenas ao presente. A organização espacial acumula formas herdadas do passado. Elas tiveram

olugar, conforme já discutido, é recortado afetivamente, e emerge da experiência sendoassim um “mundo ordenado e com significado” (Tuan, 1983, p. 65). O lugar é fechado,íntimo e humanizado (Tuan, 1983, p. 61); já o espaço seria qualquer porção da superfícieterrestre, ampla, desconhecida, temida ou rejeitada e provocaria a sensação de medo,14Anuário do Instituto de Geociências - UFRJ Volume 21 / 1998sendo totalmente desprovido de valores e de qualquer ligação afetiva. Neste contexto,

o lugar está contido no espaço.

Para Milton Santos (1988, p. 34) “quanto mais os lugares se mundializam, mais setornam singulares e específicos, isto é, únicos”. Esta seria uma resultante direta da“especialização desenfreada dos elementos do espaço – homens, firmas, instituições,meio ambiente”, assim como da “dissociação sempre crescente dos processos esubprocessos necessários a uma maior acumulação de capital, da multiplicação das ações

que fazem do espaço um campo de forças multidirecionais e multicomplexas (...)”.

Santos (1988, p. 35) – “já não se pode falar de contradição entre uniqueness eglobalidade. Ambos se completam e se explicam mutuamente. O lugar é um ponto domundo onde se realizam algumas das possibilidades deste último. O lugar é parte do

mundo e desempenha um papel em sua história (...)”.

SANTOS, M. 1988. Metamorfose do Espaço Habitado. São Paulo. Hucitec.124p