Minhas vacas não emprenham! Quem é o culpado?

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30 Minhas vacas não emprenham! Quem é o culpado? A primeira pergunta na pecuária leiteira sempre foi: Como fazer para minha vaca produzir lei- te? A resposta é simples e clara: Ela precisa emprenhar e, depois, parir!, pois uma vaca vazia e seca, no próximo ano não vai produzir leite. Mas, comumente a resposta mais escutada pelos produ- tores é que precisam aumentar a dieta, melhorar o conforto, aplicar medicamentos, incluir programas de melhoramento animal, etc. Essas indicações vão, sim, ter resultados expressivos na produção leiteira, mas a reprodução é o assunto que mais preocupa os produtores e pouco é falado. A falha desta importan- te etapa do manejo das vacas leiteiras, o controle re- produtivo, leva a sérios problemas em todo sistema de produção. Muito já se falou e estudou sobre por que as vacas não emprenham. Temos várias linhas de es- tudos e pensamentos, mas as variáveis das causas deste enorme problema são inúmeras. Os pesquisa- dores e técnicos ainda não chegaram a uma fórmula para resolver todos os problemas reprodutivos. Na pecuária leiteira esta ainda é a maior causa de prejuí- zos e descarte de animais. Quando fazemos a pergunta: Por que minhas vacas não emprenham?, a primeira resposta em pro- priedades que usam a Inseminação Artificial (IA) é: A culpa é do sêmen!. Em fazendas que usam mon- ta natural a culpa é do touro, e para quem usa IATF a culpa é do protocolo, do implante, do hormônio e por aí vai. E tem também a culpa do inseminador! Um culpado fácil, quando o resultado não é positi- vo. Sempre querem achar um culpado, mas nunca olham direto para o problema e para dentro do pro- blema: as vacas. A brucelose, a neosporose (transmitida por contato com fezes de cães) a rinotraqueíte infecciosa bovina (IBR), a diarreia viral bovina (BVD), a leptospi- rose e a campilobacteriose genital bovina (transmiti- da pelo coito, por touros infectados) são exemplos de doenças reprodutivas que derrubam drasticamen- te os números e índices reprodutivos nos rebanhos bovinos tanto de leite quanto de corte. Henrique Rocha Médico Veterinário, Jurado da Girolando e Gerente de Produto Leite C.R.I.

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O gerente de produto leite da C.,R. I. Genética Henrique Vieira Rocha em entrevista a revista O Girolando na edição de setembro/outubro de 2012 fala sobre as falhas da importante etapa do manejo das vacas leiteiras, o controle reprodutivo.

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Minhas vacas não

emprenham! Quem é o culpado?

A primeira pergunta na pecuária leiteira sempre

foi: Como fazer para minha vaca produzir lei-

te? A resposta é simples e clara: Ela precisa

emprenhar e, depois, parir!, pois uma vaca vazia e

seca, no próximo ano não vai produzir leite. Mas,

comumente a resposta mais escutada pelos produ-

tores é que precisam aumentar a dieta, melhorar o

conforto, aplicar medicamentos, incluir programas

de melhoramento animal, etc. Essas indicações vão,

sim, ter resultados expressivos na produção leiteira,

mas a reprodução é o assunto que mais preocupa os

produtores e pouco é falado. A falha desta importan-

te etapa do manejo das vacas leiteiras, o controle re-

produtivo, leva a sérios problemas em todo sistema

de produção.

Muito já se falou e estudou sobre por que as

vacas não emprenham. Temos várias linhas de es-

tudos e pensamentos, mas as variáveis das causas

deste enorme problema são inúmeras. Os pesquisa-

dores e técnicos ainda não chegaram a uma fórmula

para resolver todos os problemas reprodutivos. Na

pecuária leiteira esta ainda é a maior causa de prejuí-

zos e descarte de animais.

Quando fazemos a pergunta: Por que minhas

vacas não emprenham?, a primeira resposta em pro-

priedades que usam a Inseminação Artificial (IA) é:

A culpa é do sêmen!. Em fazendas que usam mon-

ta natural a culpa é do touro, e para quem usa IATF

a culpa é do protocolo, do implante, do hormônio e

por aí vai. E tem também a culpa do inseminador!

Um culpado fácil, quando o resultado não é positi-

vo. Sempre querem achar um culpado, mas nunca

olham direto para o problema e para dentro do pro-

blema: as vacas.

A brucelose, a neosporose (transmitida por

contato com fezes de cães) a rinotraqueíte infecciosa

bovina (IBR), a diarreia viral bovina (BVD), a leptospi-

rose e a campilobacteriose genital bovina (transmiti-

da pelo coito, por touros infectados) são exemplos

de doenças reprodutivas que derrubam drasticamen-

te os números e índices reprodutivos nos rebanhos

bovinos tanto de leite quanto de corte.

Henrique RochaMédico Veterinário, Jurado da Girolando

e Gerente de Produto Leite C.R.I.

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Os prejuízos causados por

essas doenças podem ser calcu-

lados em tempo e dinheiro. Nas

vacas de leite esta falha irá refletir

no DEL (Dias Em Lactação), pois

quando a vaca não emprenha

aumenta a quantidade de tempo

de serviço, esta janela entre um

parto e outro aumenta e, conse-

quentemente, a produção total de

leite diminui pelo longo período

de lactação. Já nas vacas de cor-

te o prejuízo se deve ao aumento

do intervalo entre partos, ou seja,

a fêmea deixa de produzir um be-

zerro por ano, e quanto mais essa

fêmea demorar para emprenhar

após o parto, maior é o intervalo

entre partos e maiores são os prejuízos.

Existem estudos que quantificam os prejuízos

que uma propriedade de leite tem, de acordo com o

intervalo entre partos no rebanho. Por exemplo, num

intervalo entre partos de 425 dias os prejuízos podem

chegar a US$ 1,37 por vaca por dia.

Podemos notar que os sintomas das doenças

reprodutivas são basicamente os mesmos: repetição

de cio, morte embrionária, fetos mumificados, aborto

e nascimento de terneiros fracos e inviáveis. Assim,

pela simples observação dos sintomas é impossível

determinar qual das doenças está afetando o reba-

nho e somente através de exame laboratorial pode-

mos saber qual delas é responsável pelos prejuízos.

Agora podemos passar para outro culpado:

erro na detecção de cio. Este, sim, é de imensa pre-

ocupação entre os produtores e colaboradores da

pecuária leiteira. O erro na observação visual do cio,

pelo inseminador, e o mau manuseio do sêmen são

a causa de 70% a 80% dos casos de insucesso na

fertilização das matrizes.

A detecção correta do cio é importante para

reduzir o intervalo entre partos, e também para deter-

minar o momento correto da inseminação. A detec-

ção incorreta do cio resulta em inseminação de vacas

que não estão em cio ou na inseminação em momen-

to inadequado para a concepção. Van Eerdenburg et

al. (2002) relataram que quando a ovulação ocorre

48 horas após a inseminação apenas 15% das vacas

concebem, e quando ocorre até 24 horas, 52% das

vacas concebem. E, ainda, Reimers et al. (1985) re-

portaram que 5,1% das vacas não estão em cio quan-

do são inseminadas, e que essa porcentagem pode

variar de 0 a 60%, dependendo do rebanho anali-

sado. Isso pode ser devido a inseminação realizada

cedo demais, tarde demais ou detecção incorreta.

Uma das possíveis causas das falhas de de-

tecção de cio pode ser a introdução de ferramentas

auxiliares de detecção que podem deixar as pessoas

responsáveis por ela menos atentas. A manutenção

Henrique Rocha alerta para cuidados com dietas para evitar problemas reprodutivos

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do bom conhecimento dos sintomas de cio, e a ob-

servação o mais frequente possível e por um período

adequado (30 a 60 minutos) são fundamentais para a

boa eficiência de detecção de cio.

Cios silenciosos ou ovulação silenciosa são

problemas comumente associados com falha de

detecção de cio em vacas de leite de alta produção

(Shipka, 2000). A ausência do comportamento de cio

antes da primeira ovulação pós-parto é atribuída à

exposição a alta concentração plasmática de estra-

diol no final da gestação que deixa o hipotálamo num

estado refratário ao estradiol (Allrich, 1994).

Manifestações de cio são menores devido a

doenças, problemas nas pernas e pés, casco ou a ou-

tros fatores estressantes. Fatores ambientais (estres-

se térmico) podem influenciar o número de montas

durante o período de cio, e também decrescem a du-

ração e a intensidade dele. Vacas alojadas em piso de

concreto também mostram menor intensidade de cio

do que vacas mantidas a pasto. Resumindo, são mui-

tos os fatores que influenciam a rotina da observação

de cio, o que a torna muitas vezes falha, levando à

baixa taxa de detecção de cio, menor taxa de animais

inseminados, menor taxa de prenhez, maior intervalo

entre partos e maior DEL.

Mais um culpado: a temperatura ambiente, o

estresse calórico nas vacas. O estresse calórico (EC)

é um dos fatores que mais tem contribuído para re-

duzir a fertilidade nas vacas de altas produções lei-

teiras durante os meses de verão, causando severas

perdas econômicas em quase 60% do rebanho leitei-

ro mundial (Wolfenson et al., 2000; De Rensis et al.)

Durante os períodos sazonais de EC, a fertili-

dade declina, como resultado de menores taxas de

concepção (Thatcher & Collier, 1986) e menores ta-

xas de detecção de cio (Rodtian et al., 1996; Thatcher

& Collier, 1986; Her et al., 1988). Na Flórida, as taxas

de concepção de vacas em lactação caem de 48%

em março, para 18% em julho, e não se recuperam

até novembro (Badinga et al., 1985).

Um grande culpado é a nutrição. Muito se co-

menta sobre o tanto que a nutrição reflete na repro-

dução, pela falta de uma nutrição bem feita ou mes-

mo pelo excesso nutricional. Dietas com alto teor

energético e protéico para vacas de altas lactações

levam a sérios problemas reprodutivos. Outra fase

crítica são as doenças metabólicas do peri e pós-par-

to, todas acarretando em não prenhez.

No BEN (balanço energético negativo) há per-

da excessiva de gordura corporal, aumento da taxa

de AGNEs (ácido graxo não esterificado), o que resul-

ta em esteatose hepática, afetando a função hepática,

o que, por sua vez, afeta a fertilidade, pela toxicidade

de AGNEs nos ovários.

(Wiltbank et al., 2001) demonstraram que va-

cas leiteiras secas produziam número significante-

mente maior de embriões de qualidade extra, do que

as vacas em lactação.

A qualidade dos embriões de vacas leiteiras

modernas é significativamente inferior do que as va-

cas secas e novilhas, com embriões mais escuros e

contendo 50% mais lipídeos intracelulares se compa-

rados as outras vacas, levando a uma menor taxa de

concepção. (Leroy et al., 2005).

Outro grande culpado é o próprio touro. Isto

mesmo, o touro! Existem diferentes taxas de fertili-

dade de um touro para outro. Ou seja, existem touros

que emprenham mais que os outros. Esta taxa, hoje

em dia, é medida pelo Departamento de Agricultura

Americano, o Usda. Eles trabalham avaliando a con-

cepção e fertilidade de todos os touros registrados

e montam o índice de SCR (Sire Conception Rate).

Quanto maior o SCR do touro maior é a sua fertili-

dade e maior é a taxa de prenhez das vacas. Hoje

já se estudam alguns genes responsáveis pela ferti-

lidade do touro, existem haplótipos que definem se

um touro carrega o gene da fertilidade ou da baixa

fertilidade ou até mesmo genes que causam subfer-

tilidade. Então, devemos nos preocupar muito com a

fertilidade e índice de SCR dos touros.

Sempre recomendo trabalhar com um técni-

co capacitado para reprodução, médico veterinário

que esteja acompanhando de perto todo o manejo

reprodutivo do rebanho e assistindo a propriedade

frequentemente.

Depois desta demonstração das principais

causas e culpados de suas vacas não emprenharem,

se nada for feito e se suas vacas continuarem sem

emprenhar, pode ter certeza de que temos mais um

culpado, e o maior de todos: você!

A detecção correta do cio é importante para reduzir o intervalo entre partos, e também para determinar o mo-mento correto da inseminação.