MINISTÉRIO DA SAÚDE -...

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3 3 Educação/ Conhecimento/Ação MINISTÉRIO DA SAÚDE MINISTÉRIO DA SAÚDE MINISTÉRIO DA SAÚDE MINISTÉRIO DA SAÚDE MINISTÉRIO DA SAÚDE 2 a edição revista e ampliada edição revista e ampliada edição revista e ampliada edição revista e ampliada edição revista e ampliada Brasília – DF Brasília – DF Brasília – DF Brasília – DF Brasília – DF 2003 2003 2003 2003 2003

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F o r m a ç ã oP e d a g ó g i c aem EducaçãoProfissional naÁrea de Saúde:E n f e r m a g e m

F o r m a ç ã oP e d a g ó g i c aem EducaçãoProfissional naÁrea de Saúde:E n f e r m a g e m

Educação/Conhecimento/Ação

MINISTÉRIO DA SAÚDEMINISTÉRIO DA SAÚDEMINISTÉRIO DA SAÚDEMINISTÉRIO DA SAÚDEMINISTÉRIO DA SAÚDE

22222aaaaa edição revista e ampliada edição revista e ampliada edição revista e ampliada edição revista e ampliada edição revista e ampliada

Brasília – DFBrasília – DFBrasília – DFBrasília – DFBrasília – DF20032003200320032003

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Catalogação na fonte – Editora MS

© 2001. Ministério da Saúde.Todos os direitos desta edição reservados à Fundação Oswaldo Cruz.

Série F. Comunicação e Educação em Saúde

Tiragem: 2.ª edição revista e ampliada – 2003 – 4.000 exemplares

Elaboração, distribuição e informações:MINISTÉRIO DA SAÚDESecretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na SaúdeDepartamento de Gestão da Educação na SaúdeProjeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de EnfermagemEsplanada dos Ministérios, bloco G, edifício sede, 7º andar, sala 733CEP: 70058-900, Brasília – DFTel.: (61) 315 2993

Fundação Oswaldo CruzPresidente: Paulo Marchiori BussDiretor da Escola Nacional de Saúde Pública: Jorge Antonio Zepeda Bermudez

Curso de Formação Pedagógica em educação Profissional na Área da Saúde: EnfermagemCoordenação – PROFAE: Valéria Morgana Penzin GoulartCoordenação – FIOCRUZ: Antonio Ivo de Carvalho

Colaboradores: Milta Neide Freire Barron Torrez, Lilia Romero de Barros, Carmen Perrota, Maria Inês doRego Monteiro Bomfim, Elaci Barreto, Helena David, Gisele Luisa Apolinário, Zenilda Folly

Capa e projeto gráfico: Carlota Rios e Letícia MagalhãesEditoração eletrônica: Paulo Sérgio Carvalhal SantosIlustrações: Flavio AlmeidaRevisores: Alda Lessa Bastos, Ângela Dias, Maria Leonor de Macedo Soares Leal, Mônica CaminitiRon-Réin e Nina Ulup

Impresso no Brasil/ Printed in Brazil

Ficha Catalográfica

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.Departamento de Gestão daEducação na Saúde. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem. Fundação Oswaldo Cruz.

Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: enfermagem: núcleo contextual: educação,conhecimento, ação 3 / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.Departamento deGestão da Educação na Saúde, Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem, FundaçãoOswaldo Cruz; Francisco José da Silveira Lobo Neto (Coord.), Adonia Antunes Prado, Dalcy Angelo Fontanive, PercivalTavares da Silva. – 2. ed. rev. e ampliada. – Brasília: Ministério da Saúde, 2002.

92 p.: il. – (Série F. Comunicação e Educação em Saúde)

ISBN 85-334-0691-6

1. Educação Profissionalizante. 2. Auxiliares de Enfermagem. I. Brasil. Ministério da Saúde. II. Brasil. Secretaria deGestão do Trabalho e da Educação na Saúde.Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Projeto de Profissionalizaçãodos Trabalhadores da Área de Enfermagem. III. Fundação Oswaldo Cruz. IV. Lobo Neto, Francisco José da Silveira. V.Prado, Adonia Antunes. VI. Fontanive, Dalcy Angelo. VII. Silva, Percival Tavares da. VIII. Título. IX. Série.

NLM WY 18.8

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F o r m a ç ã oP e d a g ó g i c aem EducaçãoProfissional naÁrea de Saúde:E n f e r m a g e m

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Educação/Conhecimento/Ação

MINISTÉRIO DA SAÚDEMINISTÉRIO DA SAÚDEMINISTÉRIO DA SAÚDEMINISTÉRIO DA SAÚDEMINISTÉRIO DA SAÚDESecretaria de Gestão do TSecretaria de Gestão do TSecretaria de Gestão do TSecretaria de Gestão do TSecretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúderabalho e da Educação na Saúderabalho e da Educação na Saúderabalho e da Educação na Saúderabalho e da Educação na Saúde

Departamento de Gestão da Educação na SaúdeDepartamento de Gestão da Educação na SaúdeDepartamento de Gestão da Educação na SaúdeDepartamento de Gestão da Educação na SaúdeDepartamento de Gestão da Educação na SaúdePPPPProjeto de Projeto de Projeto de Projeto de Projeto de Profissionalização dos Trofissionalização dos Trofissionalização dos Trofissionalização dos Trofissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagemrabalhadores da Área de Enfermagemrabalhadores da Área de Enfermagemrabalhadores da Área de Enfermagemrabalhadores da Área de Enfermagem

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Brasília – DFBrasília – DFBrasília – DFBrasília – DFBrasília – DF20032003200320032003

Série FSérie FSérie FSérie FSérie F. Comunicação e Educação em Saúde. Comunicação e Educação em Saúde. Comunicação e Educação em Saúde. Comunicação e Educação em Saúde. Comunicação e Educação em Saúde

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Autores

Núcleo ContextualFrancisco José da Silveira Lobo Neto – Coordenador do NúcleoMódulos 1, 2, 3 e 4

Adonia Antunes PradoMódulos 1, 2, 3 e 4

Dalcy Angelo FontaniveMódulos 1, 2, 3 e 4

Percival Tavares da SilvaMódulos 1, 2, 3 e 4

Núcleo EstruturalMaria Esther Provenzano – Coordenadora do Núcleo

Carlos Alberto Gouvêa CoelhoMódulo 5

Maria Inês do Rego Monteiro BomfimMódulo 6

Alice Ribeiro Casimiro LopesMódulo 7

Maria Esther ProvenzanoNelly de Mendonça MoulinMódulo 8

Núcleo IntegradorMilta Neide Freire Barron Torrez – Coordenadora do NúcleoMódulos 9, 10 e 11

Maria Regina Araujo Reicherte PimentelMódulos 9, 10 e 11

Regina Aurora Trino RomanoMódulos 9, 10 e11

Valéria Morgana Penzin GoulartMódulos 9, 10 e 11

ColaboradoresCláudia Mara de Melo TavaresElaci BarretoHelena Maria Scherlowski Leal DavidIzabel Cruz

Guia do AlunoCarmen Perrotta – CoordenadoraMaria Inês do Rego Monteiro BomfimMilta Neide Freire Barron Torrez

Livro do TutorMaria Inês do Rego Monteiro Bomfim – CoordenadoraCarmen PerrottaMilta Neide Freire Barron Torrez

Coordenação geral da 2a ediçãoCarmen Perrotta

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Educação

Módulo Módulo Módulo Módulo

Educação/Sociedade/

Cultura

Educação/Conhecimento/

Ação

Educação/Trabalho/Profissão

Módulo Módulo Módulo Módulo

Propostapedagógica:o campo da

ação

Propostapedagógica:as bases da

ação

Propostapedagógica:o plano da

ação

Propostapedagógica:avaliando

a ação

Módulo Módulo Módulo

Planejando umaprática

pedagógicasignificativa

em Enfermagem

Imergindo naprática

pedagógica emEnfermagem

Vivenciando umaação docenteautônoma e

significativa naeducaçãoprofissional

em Enfermagem

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Sumário

Apresentação do Módulo 3 9

Tema 1 – Conhecimento: olhares epistemológicos 11

Tema 2 – Conhecimento e ação 37

Tema 3 – Sujeito social e aprendizagem 55

Textos complementares 74

Síntese 83

Atividade de Avaliação do Módulo 85

Bibliografia de referência 86

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Conhecimento: olhares epistemológicos

Apresentação do Módulo 3 –Educação/Conhecimento/Ação

Depois de, no Módulo 1, percorrer situações diferenciadas de suaexperiência de vida e de prática profissional, procurando identificarmanifestações de processos educativos, você reavivou as bases históricas daeducação brasileira, tendo desenvolvido, dessa forma, sua capacidade de refletircriticamente sobre a educação. Em seguida, no Módulo 2, pôde identificar ascaracterísticas da sociedade contemporânea e os desafios que ela apresenta àeducação, e refletir criticamente sobre as Políticas Públicas de Educação e deSaúde, como responsabilidade de cidadania.

Agora você vai iniciar seus estudos no terceiro módulo do NúcleoContextual.

Este módulo foi concebido para ajudá-lo(la) a compreender a produçãodo conhecimento como elemento fundamental no desenvolvimento de todoo fazer humano, em particular da prática pedagógica.

No desenvolvimento dos estudos e das atividades deste módulo, vocêdeverá construir as seguintes competências:!!!!! Compreender a influência das correntes epistemológicas na concepção da

educação e em suas práticas, identificando, sob a caracterização de diversos“olhares”, diferentes formas de conhecer e conceber a existência humanae a realidade social;

!!!!! Reconhecer a necessidade de fundamentar as práticas de saúde e deeducação em “olhares” que, respeitando a diversidade, promovam a açãotransformadora;

!!!!! Interessar-se por discutir coletivamente questões que desafiam o fazerpedagógico e o fazer em saúde no enfrentamento das condições dedesigualdade social, a exemplo da pobreza e da violência, contribuindopara a definição de diretrizes de ação no âmbito das instituições em queatua;

!!!!! Diferenciar concepções de desenvolvimento humano e aprendizagem,identificando-as em práticas pedagógicas e da atenção à saúde;

!!!!! Refletir sobre a relação pedagógica solidária e cooperativa na produçãodo conhecimento, considerando o docente e o aluno como sujeitos sociaisque interagem no processo educativo.

Conhecimento: olhares epistemológicos

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Para estimulá-lo nesse sentido, os conteúdos do módulo foramorganizados em três temas, assim descritos:

Tema 1 – Conhecimento: olhares epistemológicos

Oferece elementos para a compreensão do processo de produção eapropriação do conhecimento, caracterizando as principais concepções, desdeo essencialismo, passando pelo racionalismo e o pensamento dialético, até ascorrentes do pensamento complexo e incerto.

Tema 2 – Conhecimento e ação

Desenvolve uma análise introdutória ao conceito de ação e atividadeem sua relação com a consciência e a liberdade, refletindo a respeito da açãodo homem e das implicações de sua responsabilidade em relação a si mesmo,aos outros e ao mundo. A seguir, exemplificando a relação conhecimento eação nos campos da Saúde e da Educação, mostra a necessidade de que o agirnesses campos considere a diversidade dos grupos e a realidade de exclusãosocial.

Tema 3 – Sujeito social e aprendizagem

Procura esclarecer aspectos do ser humano como sujeito social que sedesenvolve e aprende, trazendo subsídios para entender a aprendizagem emuma abordagem interacionista. Considerando professor e aluno como sujeitosdo processo educativo, propõe uma relação pedagógica fundamentada nacooperação e construção partilhada do conhecimento.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

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Conhecimento: olhares epistemológicos

TEMA 1TEMA 1TEMA 1TEMA 1TEMA 1

Conhecimento: olhares epistemológicos

O meu olhar é nítido como um girassol.Tenho o costume de andar pelas estradasOlhando para a direita e para a esquerda,E de vez em quando olhando para trás...E o que vejo a cada momentoÉ aquilo que nunca antes eu tinha visto,E eu sei dar por isso muito bem...Sei ter o pasmo essencialQue tem uma criança se, ao nascer,Reparasse que nascera deveras...Sinto-me nascido a cada momentoPara a eterna novidade do Mundo...

Fernando Pessoa [Alberto Caeiro]O guardador de rebanhos

Nunca digam – isso é natural!Diante dos acontecimentos de cada dia.Numa época em que reina a confusão,Em que corre o sangue,Em que o arbítrio tem força de lei,Em que a humanidade se desumaniza...Não digam nunca: isso é natural!A fim de que nada passe por ser natural!

Bertolt Brecht

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3 Educação/Conhecimento/Ação

A professora de “Filosofia com Crianças”, numa turma de primeira série doensino fundamental, trabalhava habilidades cognitivas com seus alunos. Dentreeles, Marina, uma criança de 10 anos de idade com síndrome de Down. E, àprimeira pergunta da professora, “que objetos aqui sobre a mesa podemosdeixar juntos, pois são da mesma família, são semelhantes, se combinam?”,uma criança articulando logicamente disse: “A caixa e o sapato. Caixa desapato.” “Muito bem”, assentiu a professora. E continua o exercício. Mudandoo enfoque, a professora pergunta “que objetos aqui sobre a mesa não podemficar juntos pois são diferentes, não se combinam?” E após falas dos alunos,ela se dirige a Marina, perguntando “e aí, Marina, que objetos aqui sobre amesa não podem ficar juntos, pois não se combinam?” Marina, pensando,murmura: “não, não, não c o m b i n a”. E a professora insiste, “o queé que não combina, Marina?” Responde a aluna: “a, a, a, caixa.” “Marina,a caixa não combina com quê?” pede a professora. E Marina diz: “caixa,sapato”. A turma, ansiosa, acompanha o diálogo, pensando: “Marina nãoconseguiu articular o pensamento”. Mas a professora insiste, “caixa e sapatosnão se articulam por quê, Marina?” E, mais que de imediato, Marina responde:“Caixa pequena, sapato grande?” Marina, para espanto da turma, no exercíciodo seu pensar, conseguira desnaturalizar o olhar. A turma, como quenaturalizando o corriqueiro, não conseguira perceber além do aparente. Marinatinha razão. De fato, a caixa era menor do que o sapato.

Envolvidos na rotina do dia-a-dia, assim como os alunos de “FilosofiaCom Crianças” mencionados no texto acima, tendemos a naturalizar nossoolhar sobre as coisas, a natureza, a cultura e a existência humana.

Usando de uma metáfora, podemos dizer que, esquecidos do “pasmoessencial”, já não nos damos conta de que, embora possam estar, “sapato ecaixa” não estão necessariamente associados.

Da mesma forma, esquecidos do “pasmo essencial”, do “espanto” queproblematiza tudo o que se nos apresenta, tendemos a cair no senso comumque vê como natural a associação entre “conhecimento e verdade”,“conhecimento e liberdade”, “ciência e bem-estar social, qualidade de vida”,etc.

Ora, mais do que nunca, a história contemporânea tem negado a possívele desejável (tantas vezes proclamada!) relação existente entre conhecimento,ciência, verdade, bem-estar social, liberdade e qualidade de vida. Bastaatentarmos ao nosso redor, para constatar que o conhecimento pode estar – emuitas vezes tem estado – associado à maior capacidade de dominação, deexploração, de destruição, seja da natureza, seja do próprio homem.

Esta reflexão traz alguns questionamentos, que nos apresentam à temáticadeste módulo de estudo.

Dentre outros, destacamos:

!!!!! por que tendemos a ver com naturalidade a relação entre conhecimento everdade, liberdade, bem-estar social, qualidade de vida? Qual a origemdesta tendência à naturalização? É natural ou fruto de condiçõessocioeconômicas?

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Conhecimento: olhares epistemológicos

!!!!! se fruto de condições históricas dadas, as costumeiras explicações filosóficase científicas sobre os processos do conhecimento humano, o sentido dascoisas, da natureza e da própria existência humana serão as mais adequadas?

!!!!! se não, quais as outras explicações e associações possíveis? Alguma dessasexplicações consegue esgotar o sentido pleno da realidade natural e humana?

!!!!! finalmente, cabe a cada um de nós perguntar-se a si mesmo: qual explicação,que concepção de homem, de mundo, de ciência, está orientando nossocotidiano e nossa prática profissional?

Estas perguntas fundamentais para todos nós, especialmente os professores-educadores, nos colocam no campo da epistemologia, que trataremos a seguir.

Desde que tomou consciência de si próprio, o ser humano sentiu-sedesafiado a dar um sentido às coisas, a explicar a existência da natureza e daprópria humanidade.

Uma das primeiras formas (nem por isso inferior) de responder a essedesafio foi a criação do mito. O mito é a expressão de uma primeira tentativada consciência humana de entender as coisas; representa para o homem umaexplicação valiosa e satisfatória de dar sentido à própria existência; uma primeiraconstrução humana, lógica e subjetiva, para pôr ordem na realidade, percebidaem aparente desordem. Trata-se de uma explicação a partir da “lógica sensível”da qual o pensamento ocidental foi gradualmente se afastando.

Numa extensão do mito, surge a forma religiosa de explicar a origem danatureza e da humanidade. A religião introduz maior nitidez, maiorcompreensibilidade às coisas e ao agir humano, ao atribuir a um Deus – ouvários deuses – pessoal e inteligente, a criação e o governo do universo.

No entanto, essas explicações míticas e religiosas são consideradaspré-filosóficas, pois a consciência, para explicar as coisas, recorre a entidadessobrenaturais, a forças superiores e personalizadas.

A filosofia surge na Grécia Antiga, por volta do século VI a.C., quando ohomem busca explicar, dar um sentido às coisas a partir de sua própria capacidade racional.É quando a consciência humana assume plenamente a razão lógica, identificando-a como logos (= discurso) e passa a entender que toda a realidade é possuída eordenada por esse mesmo logos, que está no ser humano e o faz consciente.

Cabe chamar a atenção para o fato de que Filosofia e Ciência nascemsem qualquer distinção entre si, como uma única e mesma coisa, pensamentoque acompanhou o homem desde a Grécia Clássica até a Modernidade, porvolta dos séculos XVI-XVII d.C. Platão (427-348 a.C.), filósofo grego clássico,por exemplo, na sua obra República, usa indistintamente o termo grego epistemepara designar Ciência e Filosofia. Mesmo quando irrompe a Modernidade,significativamente, filósofos e cientistas são chamados indistintamente “sábios”.

Epistemologia Epistemologia Epistemologia Epistemologia Epistemologia – formada devocábulos gregos [epistéme =ciência e lógos = discurso], nãoé um termo antigo. Seu uso noscampos filosófico e científico seinicia no século XIX. O seusignificado mais geral é o deteoria do conhecimento ou teoriada ciência. Mas não há acordosobre seu significado maisespecífico. Os mais tradicionaisassumem-na como umadisciplina especial no campo dafilosofia, que estuda criticamenteos princípios, as hipóteses e osresultados das diversas ciências,determinando a origem lógicadas ciências, seu valor e seualcance objetivo. Outrosconsideram a epistemologiacomo um discurso que encontrana filosofia seus princípios e naciência o seu objeto. Oimportante é saber que, hoje emdia, uma teoria do conhecimento,lida mais com o conhecimentocomo processo do que com oconhecimento como fato jápronto e acabado (Japiassu,1975, p.19-22).

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Tanto a designação filósofoquanto sofista nos remetem aotermo grego sofía, que significasabedoria.

Os pensadores originários ou pré-socráticos são os primeiros filósofos a usara especulação racional para tentar compreender a realidade que se apresentaaos homens. Inicialmente, refletem sobre a ordem natural, a physis (de gregophyein = emergir, nascer, crescer, fazer nascer, fazer crescer), que designa tudoo que brota, cresce, surge, vem a ser. Refletiam buscando o princípio enquantofundamento, aquilo de que todas as coisas são derivadas, ele próprio não sendoderivado nem deduzido de nada; refletiam buscando a verdadeira naturezadas coisas e do universo.

Posteriormente, a partir do século V a.C., passam a pensar sobre aordem humana (os gregos usavam a palavra nómos para designar a ordemhumana, daí autonomia = ordem que se estabelece por decisão própria; heteronomia= ordem que é imposta por outros; anomia = ausência de ordem).

Concluíram os sábios, chamados sofistas, que a ordem humana não é“natural”, mas produto das relações humanas. Passam, assim, a fundamentar aordem humana no arbítrio dos homens.

Dentre esses pensadores originários, destacamos Heráclito de Éfeso(544- 484 a.C.) e Parmênides de Eléia (540-470 a.C.), que se opunham quanto àexplicação racional dada à realidade.

Heráclito busca compreender o real e toma, como ponto de partida, ofenômeno da mudança, e ressalta nos seres existentes o seu vir-a-ser, a suacontradição e multiplicidade. Como aspectos fundamentais de sua doutrinapodemos destacar:

!!!!! há uma unidade fundamental em todas as coisas;

!!!!! todas as coisas estão em movimento;

!!!!! o movimento se processa através de contrários;

!!!!! o fogo é gerador do processo cósmico;

!!!!! o logos é compreendido como inteligência divina que governa o real;

!!!!! a sabedoria humana liga-se ao logos;

!!!!! o conhecimento sensível é enganador e deve ser superado pela razão.

Como se pode depreender, um dos aspectos mais destacados de seupensamento é o fato das coisas não permanecerem sempre iguais e fixas(impermanência das coisas). Heráclito vê o mundo como um fluxo incessante,onde só permanece estável e inalterável o logos (que também significa, além dediscurso, palavra e lei) que dirige a inevitável transformação de todas as coisas.

Segundo ele, tudo muda sem cessar e o que temos diante de nós emdado momento é diferente do que foi há pouco e será depois: “nunca nosbanhamos duas vezes no mesmo rio”, pois, na segunda vez, já não somos osmesmos, e também o rio terá mudado.

Portanto, para ele não há ser estático.

A dinamicidade da realidade pode ser representada na metáfora dofogo, forma visível da instabilidade, símbolo da eterna agitação do devir, “ofogo eterno e vivo, que ora se acende e ora se apaga”.

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Conhecimento: olhares epistemológicos

Para Heráclito, o ser é múltiplo por estar constituído de oposiçõesinternas. O que mantém o fluxo do movimento é a luta dos contrários, pois “aguerra é o pai de todos, rei de todos”. E é da luta que nasce a harmonia, comosíntese dos contrários.

Ao contrário de Heráclito, Parmênides afirma a unidade e a imobilidade doser. “O que é, é. O que não é, não é”. O que não é não pode vir a ser porqueo movimento não existe. Para ele, o princípio fundante e ordenador da realidadeé o ser imóvel, imutável, eterno, esférico, limitado, homogêneo.

Só o ser racional é real, pois só ele é inteligível, isto é, pode ser entendido.No poema Sobre a Natureza, Parmênides diz que a deusa Razão lhe

revelara três possíveis caminhos (vias) de investigação: a via da Verdade (do“que é”); a via do impraticável (do “que não é”); e a via da opinião (do “que ée do que não é”).

Para ele é absurdo e impensável considerar que “uma coisa possa ser enão ser ao mesmo tempo”: este é o caminho da opinião, fruto da sensação. Àcontradição Parmênides opõe o princípio segundo o qual “o ser é” e o “nãoser não é”. Mais tarde, os lógicos, seguindo Aristóteles, chamarão a este princípiode princípio de identidade, base de toda construção metafísica posterior.

Parmênides explica o movimento das coisas que nascem e morrem,mudam de lugar e se expõem em infinita multiplicidade, afirmando que omovimento existe apenas no mundo sensível e a percepção pelos sentidos é ilusória.Só o mundo inteligível é verdadeiro, pois está submetido ao princípio que hojechamamos de identidade ou de não-contradição.

Uma das conseqüências dessa teoria é a identidade entre o ser e o pensar. Ouseja, as coisas que existem fora de mim são idênticas ao meu pensamento e oque eu não conseguir pensar não pode ser na realidade.

Posteriormente, Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), porcaminhos diversos, tentam reformular e conciliar essas duas grandes tendênciasfilosóficas: a do imobilismo de Parmênides e a do mobilismo universal deHeráclito.

Mas deixam clara sua opção pelo imobilismo, negando afundamentação de qualquer pensamento advindo do movimento. Para eles,a Filosofia como ciência (episteme), isto é, como conhecimento universal enecessário, distingue-se da opinião (doxa), que varia de acordo com assituações, os sujeitos e as mutações da realidade. Desde então até o séculoXIX, o pensamento ocidental mantém-se refém do imobilismo. bafada, aintuição de Heráclito só será recuperada por Hegel nos inícios do séculoXIX d.C.

Princípio Princípio Princípio Princípio Princípio é um bom exemplode palavra que usamos comdiversos significados em nossalinguagem comum. É importanteter clareza sobre o conceito deprincípio, seu significado nocontexto da reflexão filosófica queestamos trabalhando.Consulte o dicionário e registreem seu Diário de Estudo essasdiferenças.

MobilismoMobilismoMobilismoMobilismoMobilismo – doutrina segundoa qual a realidade está emcontínua mudança, em que nadaé fixo, determinado. O real é pornatureza dinâmico, e suaessência é o movimento.Heráclito é o principalrepresentante dessa corrente.

IntuiçãoIntuiçãoIntuiçãoIntuiçãoIntuição – forma de contatodireto da mente com o real, capazde captar sua essênca de modoevidente, não necessitando dedemonstração. Intuição empírica:conhecimento imedato daesperiência, seja externa (intuiçãosensível: dados dos sentidos,como cores, odores, sabores etc.),seja interna (intuição psicológica).Intuição racional: percepção derelações e apreensão dos primeirosprincípios. É considerada a basedo conhecimento discursivo. Oconceito também indicacompreensão global e instan-tânea de um fato ou pessoa,baseada em capacidade especialde discernimento (a intuiçãofeminina, a intuição do médico emdignosticar etc.). É usado, alémdisso, no caso de sentimentosúbito de descoberta de umcaminho para a solução de umproblema. Opõe-se a dedução,a conceito.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Lógica formal e lógica dialética

Segundo Aristóteles, a garantia de um saber verdadeiro está napossibilidade de sua demonstração a partir de outro conhecimento jádemonstrado como tal.

No entanto, esse processo seria levado ao infinito, impossibilitando aciência, se o homem não pudesse perceber como imediatamente evidentesalgumas verdades que, por isso mesmo, dispensam demonstração e sãochamadas de axiomas.

A verdade axiomática fundamental da Filosofia, ainda segundo Aristóteles,é o princípio da não-contradição ou da identidade. Expressa-se nestes termos:

É impossível que o mesmo atributo pertença e não pertença ao mesmo tempoao mesmo sujeito, e na mesma relação. (...) Eis portanto o mais firme de todosos princípios. (...) Não é possível, com efeito, conceber alguma vez que amesma coisa seja e não seja, como alguns acreditam que Heráclito disse(Aristóteles, Metafísica).

Dito de outra forma: A = A, isto é, todo ser é igual a si mesmo. Istosignifica que duas proposições contraditórias não podem ser verdadeiras eque não é possível afirmar e negar simultaneamente a mesma coisa.

Numa outra linha, seguindo Heráclito, o pensamento contemporâneoexpressa uma nova lógica, a lógica dialética que se apóia justamente no princípioda contradição. Usando das palavras do próprio Aristóteles, diríamos que a lógicadialética assim se expressa: é possível “que o mesmo atributo pertença e não pertença aomesmo tempo ao mesmo sujeito, e na mesma relação”. Dito de outra maneira: é possívelque algo seja, ao mesmo tempo e sobre o mesmo aspecto, igual e diferente de si mesmo.

Exemplificando: em nosso dia-a-dia, seguindo a lógica formal, a do princípioda não-contradição, diríamos, por exemplo: “Este corpo ou está vivo ou está morto”.A conjunção “ou” expressa uma visão estática, petrificada, a excluir um dos termosno jogo do “ou, ou”. Assim como o famoso argumento – “Todos os homens sãoracionais. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é racional” – não há qualquerconhecimento novo, mas uma simples dedução de conhecimentos dados,petrificados. É o princípio que norteia o pensamento de Parmênides e seguidores.

Para captar o sentido da lógica dialética, a do princípio da contradição,sugerimos, como exercício, que você se volte a si mesmo e pense em comovocê era quando criança: constituição física, idéias, relações estabelecidas comas pessoas e a natureza. Pensou? Agora, dando um salto no tempo, pense emvocê hoje. Mudou alguma coisa em você? E agora, dando asas à imaginação,pense em como você será amanhã. Imaginou?

Após este exercício, podemos dizer que “você é e não é a mesma pessoa.”Sandice? Não. Sabe por quê? É evidente que você é a mesma pessoa quenasce, cresce, se torna adulta e caminha para a velhice. No entanto, podemosdizer que não é a mesma pessoa, pois nesse espaço de tempo você vem setransformando. Um antigo amigo que, porventura, encontre você hoje e queiraolhá-lo com os olhos do passado, poderá espantar-se. Afinal, você continua aser o José, a Maria, seja lá quem for, mas também está mudado. Você é e não éao mesmo tempo. Ora, esta é uma forma dialética de nos olhar.

Axioma Axioma Axioma Axioma Axioma – proposição evidentepor si mesma, formulada e aceitasem necessidade de explicaçãoou demonstração. Ex.: o todo émaior do que as partes.

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Conhecimento: olhares epistemológicos

Continuando a exemplificar, temos as frases: “vivemos e morremos aomesmo tempo”; “viver é caminhar para a morte”; “o ocaso do dia é onascimento da noite”. Trata-se, na verdade, de outra maneira de olhar a realidade,de olhá-la na sua dinamicidade, em seu movimento. A conjunção “e” capta arealidade na sua contradição e inclui os termos.

Assim, podemos dizer que, no Ocidente, há quatro modos fundamentaisde pensar, quatro olhares, quatro abordagens filosóficas/científicas da realidade.

A partir desses enfoques, afirmando-os ou negando-os, os pensadoresocidentais vão desenvolver perspectivas diferentes de aplicar sua atividaderacional. São quatro ângulos sob os quais se busca apreender os sentidos dascoisas, do ser:!!!!! a perspectiva essencialista,

!!!!! a perspectiva racional-científica,

!!!!! a perspectiva dialética e

!!!!! a perspectiva incerta.

No entanto, como um raio que na noite escura ilumina e esconde apaisagem, cada um desses modos de pensar mostra e esconde, desvela e vela osentido das coisas, do ser.

Como Aristóteles (Metafísica, IV), podemos dizer: “o ser se diz de muitosmodos, mas nenhum modo diz o ser”. Isto é, nenhum desses modos, olhares, consegueesgotar, dizer o pleno sentido do ser.

Assim, cada uma dessas perspectivas enquanto concepções de homem,de mundo e de conhecimento, vai, historicamente, exercer influências significativassobre a existência humana, e, em particular, sobre a idéia e a prática de educaçãoem nossa sociedade ocidental cristã.

Passemos a detalhar cada um desses olhares. Mas, antes, vamos discutirum pouco a necessidade desse estudo.

Por que precisamos estar trabalhando estas correntes de pensamentosobre o conhecimento humano, se algumas delas são antigas e foram superadaspor outras que vieram depois? Para que nos serve isso?

Analisamos, no Módulo 2, uma certa tendência a reduzir a educação àcomunicação de informações e o quanto isto pode representar de“encobrimento” da realidade. Tudo indica que nosso objetivo neste Curso éconstruir um exercício profissional de enfermeiros-docentes. Para além,portanto, de qualquer reducionismo que nos faça instrutores de práticasoperacionais no campo da enfermagem, queremos ser formadores deprofissionais competentes, sujeitos sociais – como seus alunos – de um projetode ação transformadora.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Ora, para uma atuação assim, não basta informar-se sobre o conhecido.O projeto pedagógico é um projeto de busca de conhecimento. Logo,preocupar-se com a teoria do conhecimento e suas manifestações diferentesno pensamento humano, por mais difícil e complexo que seja, não é um enfeiteou erudição. É uma necessidade na conquista de autonomia pensante; logo,docente. Portanto, é também uma necessidade na busca de uma autêntica atitudede respeito à autonomia discente.

Somos professores e educadores na medida em que – mesmo quandorepetimos lições de outros – estamos trazendo nossa própria leitura eoferecendo-a para a leitura crítica e autônoma de nossos alunos. Por isso nãopodemos cair na armadilha de dispensar a reflexão fundamentada sobre oconhecimento, fundamento da ação (o que será assunto do próximo temadeste módulo).

O olhar essencialista

O modo essencialista de pensar, também chamado metafísico, nasce coma filosofia, por volta do século VI a.C., e mantém-se hegemônico até o séculoXVI d.C., quando irrompe o modo moderno de pensar, o científico.

É, historicamente, o primeiro a se constituir.A preocupação fundamental dos filósofos (sábios) nesse período é

conhecer, através da especulação racional, a essência das coisas (ser – seres),chegar à verdade em si, assumindo-se que a razão humana é capaz de atingir,conhecer, o núcleo imutável de todas as coisas, de todos os seres, de saber oque de fato são em si mesmos.

São representantes clássicos desse modo de pensar os filósofos gregosParmênides, Sócrates, Platão e Aristóteles, dentre outros. Na era cristã e IdadeMédia, temos Santo Agostinho (354-430 d.C.), cristianizando o pensamentode Platão, e Santo Tomás de Aquino (1227-1274 d.C.), cristianizando opensamento de Aristóteles.

A metafísica usa do método formal, do princípio da identidade, que ignoraou desconhece a realidade do movimento e da transformação. Privilegia orepouso e o idêntico, em prejuízo do movimento e da transformação. Para ometafísico, o homem é essencialmente imutável. Fundamentalmente:

!!!!! desconsidera sistematicamente os contrários e a transformação;

!!!!! define as coisas “em definitivo”;

!!!!! separa o homem de seu meio, a sociedade;

!!!!! separa a matéria bruta da matéria viva e do pensamento;

!!!!! isola os fenômenos sociais uns dos outros;

!!!!! vê a natureza, essencialmente, como um estado de repouso e imobilidade,de estagnação e imutabilidade;

!!!!! acredita que a sociedade, por ser o que ela é (ou, até mesmo, por refletirum plano divino eterno), não muda e não pode mudar em profundidade;

Em sua formação acadêmica,você teve oportunidade deestudar a história do pensamentohumano? Quando issoaconteceu? Que impressões vocêguarda desse estudo?E agora? Como você estápercebendo a utilidade dafilosofia neste Curso?É preciso desde logo esclarecerque não se espera de você aerudição do conhecimento dascorrentes filosóficas, a citaçãodos pensadores e de suasteorias... Importa que você, aoestudar este tema, livre dequalquer exigência nesse sentido,possa dedicar-se a refletir sobreas diferentes possibilidades decompreender a realidade e denela agir.

MetafísicaMetafísicaMetafísicaMetafísicaMetafísica – é a parte dafilosofia que estuda o “serenquanto ser”, isto é, o serindependentemente de suasdeterminações particulares;estudo do ser absoluto e dosprincípios primeiros.

Método Método Método Método Método – conjunto deprocedimentos rac ionais ,baseados em regras, que visama at ing i r um obje t i vodeterminado. Por exemplo, naciência, o estabelecimento e ademonstração de uma verdadecientífica. Pode ser entendidocomo o caminho pelo qual sechegou a determinado resul-tado, um programa que regulaantecipadamente uma seqüênciade operações a executar e queassinala certos erros a evitar, comvistas a atingir um resultadodeterminado ou, ainda, comoprocesso técnico de cálculo oude experimentação.

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Conhecimento: olhares epistemológicos

!!!!! quando admite a mudança, ela é reduzida à repetição: as coisas percorremsempre a mesma trajetória;

!!!!! menospreza o poder inovador da contradição.

O conhecimento acontece, segundo esse modo de pensar, porque arazão humana é capaz de apreender a realidade naturalmente, chegar à essênciadas coisas. Estas são apreendidas, seja por um processo de pura intuição intelectual,designado de Idéia por Platão, seja por iluminação divina, como acreditavaAgostinho, seja ainda por um processo de abstração a partir da experiência sensível,como defendiam Aristóteles e Tomás de Aquino.

Com essa doutrina metafísica, alicerce da própria civilização ocidental,os filósofos imaginaram ter encontrado a presença constante por detrás dasmudanças, a estabilidade eterna por detrás do fluxo do devir, a permanênciainteligível por detrás da inconstância inquietante dos dados sensíveis.

Assim, no jogo do homem com o mundo, esqueceram-se do“estranhamento”. A abertura ao ser, que caracterizava o mundo grego e quepossibilitou a emergência da própria metafísica, foi substituída pelo fundamentoseguro da idéia e da substância.

O sonho metafísico é, assim, o sonho da permanência, da estabilidade,do eter no pr esente . Busca-se nas coisas apenas o que tem aconsistência – ilusória – do inteligível, o que pode ser representado,controlado, dominado pela razão; deixam-se de lado as qualidadessensíveis (cor, som, sabor, odor, etc.), as experiências cor póreas, asrelações sociais, as determinações sociais, os eventos contingentes dahistória. Tudo isto é visto como secundário, acidental e, de certomodo, indigno de ser pensado, na medida em que não tem a fixidez,a limpidez e a solidez da idéia e da substância. O homem de qualquerépoca e lugar é um animal racional – esta é a sua essência imutávele universal – capaz de apreender a ordem cósmica pelo intelecto e deadaptar-se a ela pelo agir. Os princípios metafísicos são sempre osmesmos; o que muda é a aplicação deles às situações contingentes dahistória. A metafísica representa, assim, o anseio de ultrapassar(meta) a natureza (physis), em sua fragilidade e inconstância, nabusca do que está além do tempo, do que repousa em si mesmo e nãoprecisa de nada mais para existir, cujos protótipos são a Idéia(sobretudo a Idéia de Bem) e o Deus aristotélico (ato puro, motorimóvel, pensamento eterno de si mesmo) (Andrade,1994, p.30-57).

Do mesmo modo, a ação humana perfeita é aquela que se desenvolvede acordo com essa essência. Assim, o critério de educação, justiça, bondadede nossas ações está na sua conformação à essência de nossa própria natureza.

EssênciaEssênciaEssênciaEssênciaEssência – é aquilo que faz comque uma coisa seja o que é enão outra coisa; é o conjunto dedeterminações que definem umobjeto de pensamento, conjuntodos constitutivos básicos. Porexemplo, a essência de mesa é oque faz com que algo seja umamesa e não outra coisa, deixandode lado as característicassecundárias e acidentais comocor, tamanho, estilo etc.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

O olhar moderno

A era moderna se caracterizará por desenvolver uma concepção naqual a natureza física (cosmocentrismo) e o homem (antropocentrismo)ocuparão o centro.

Os filósofos modernos criticam as pretensões do pensar metafísico dechegar à essência das coisas, se é que elas existem. Substituindo o projetometafísico pelo projeto da ciência, defendem que a única atitude adequada é ade dedicar-se ao conhecimento dos fenômenos.

Rejeitando a tutela da fé, analisam o efetivo poder da razão natural.Chegam à conclusão de que só podemos conhecer com os recursos destaúltima.

Só podemos ter certeza da verdade de nossos conhecimentos em duassituações bem distintas:a) quando conhecemos por intuição intelectual, isto é, através da nossa própria

atividade de consciência enquanto atividade intelectual;

b) quando conhecemos o mundo dos fenômenos, transmitido pelas intuições,impressões sensíveis.

Nesse sentido, essa epistemologia racionalista vai servir de instrumentotanto para uma postura filosófica, quanto científica moderna. Duas linhas desubjetivismo – que colocam a ênfase na razão, no sujeito que conhece – vãodesenvolver-se: o racionalismo idealista e o racionalismo empirista.

O racionalismo idealista

Para o racionalismo idealista, o único critério da certeza do conhecimentoé o da evidência racional. Embora preocupado com questões epistemológicas, àsvezes, retorna à metafísica idealista.

Seu expoente máximo é René Descartes (1596-1650), filósofo francês,considerado o pai da filosofia moderna, o arauto do mundo técnico-científicoem que vivemos. Ele busca a fundamentação da atividade do conhecimento.

Descartes vive num momento de crise sem precedentes para ahumanidade. À semelhança de nosso tempo, o homem daquela época, às portasda Modernidade, encontra-se desorientado, pois as “verdades” de fé, nas quaisaté então se apoiara, já não possuem a solidez anterior, já não respondem àsnecessidades do momento. E as “verdades” filosóficas não conseguiam maisdar conta dos novos desafios colocados pela realidade.

O ceticismo – doutrina filosófica segundo a qual o espíritohumano nada pode conhecer com certeza – toma conta da vidaintelectual de seu tempo. Expressões dessa filosofia da dúvida sãoErasmo de Roterdã (1469-1536) e Michel Montaigne (1533-1592).

Incomodado com essa posição, Descartes decide empreender umainvestigação para ver se é possível chegar a uma primeira certeza e, com isso,negar o ceticismo na raiz: bastaria uma só verdade irretorquível para negá-lo!

Para isso, decide usar das mesmas armas dos céticos, a dúvida; mas,diferentemente deles, usa a dúvida como método – dúvida metódica – isto é,

Subjetivismo – Subjetivismo – Subjetivismo – Subjetivismo – Subjetivismo – tendência aconsiderar todas as coisassegundo um ponto de vistasubjetivo e pessoal. Concepçãofilosófica que privilegia o sujeito,na relação de conhecimento emparticular e na experiência emgeral, em detrimento do objeto.O subjetivismo é uma forma deidealismo e considera a realidadereduzida ao sujeito pensante e asuas idéias e representações, oua fenômenos sem nenhumarealidade substancial, sendoimpossível à consciênciaalcançar a objetividade.

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Conhecimento: olhares epistemológicos

como um recurso para tentar chegar a uma primeira certeza, a uma verdadeindubitável.

Para isso, decide desfazer-se de todas as opiniões que recebera em suajuventude “e começar tudo de novo desde os fundamentos”, visando “estabelecer algo defirme e constante nas ciências” (Descartes, Meditações).

Assim, mais uma vez, a filosofia ocidental buscava um fundamentoseguro para a verdade. O inconstante devia ser exorcizado.

Na obra Discurso do método, Descartes mostra seu caminho até a verdadesólida do “penso, logo existo” e os critérios utilizados.

A grande novidade introduzida por ele está no fato de que estefundamento não é mais buscado no mundo exterior (natureza ou Deus), masno interior do próprio homem, na consciência, no sujeito, no ato de pensar,expresso pela palavra latina cogito (= eu penso, cuja pronúncia é “cógito”). Paratanto ele se apóia no inatismo, concepção segundo a qual algumas idéias sãoinatas, ou seja, não dependem de nenhuma experiência anterior, surgindo coma própria estruturação da consciência. Dessa forma, o racionalismo cartesianoexplica o conhecimento a partir da existência, no indivíduo, de idéias inatas, quese originam, em última instância, de Deus.

Descartes substitui, então, a antiga substancialidade pela subjetividade.Funda a orientação idealista da epistemologia, colocando no próprio sujeito areferência básica da validade do conhecimento.

Admitindo ter encontrado o critério seguro para se orientar no caminhoda verdade – ou seja, idéias claras e distintas –, Descartes rejeita e afasta dohorizonte da Ciência e da Filosofia tudo o que é confuso e obscuro, o que nãose diferencia dos outros com nitidez, isto é, o que não pode ser controladopelo sujeito pensante.

A Razão cartesiana, que é a razão moderna, submete a seus critériosredutores os dados da sensação e da imaginação, assim como a vida afetiva em suatotalidade. Dessa forma, Descartes revela-nos o mundo moderno da ciência eda técnica, estranho ao mundo da vida.

Resumidamente, podemos dizer que, se por um lado o racionalismoidealista, isto é, a filosofia moderna, garante a verdade para o sujeito, por outrofecha a razão em seu próprio interior.

O racionalismo empirista

Por sua vez, o racionalismo empirista abre a consciência para o mundo,mas escraviza a razão às impressões sensíveis.

De acordo com esse caminho, o científico moderno, o únicoconhecimento possível e válido é aquele que se tem por intermédio das idéias

Substancialidade – Substancialidade – Substancialidade – Substancialidade – Substancialidade – caracterís-tica do que é uma substância,isto é, a realidade de algo comosuporte de seus atributos equalidades; qualidade do que ésubstancial, essencial, funda-mental.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

formadas a partir das impressões sensíveis. O empirismo pretende dar umaexplicação do conhecimento a partir da experiência, eliminando assim a noçãode idéia inata, considerada obscura e problemática. Para os empiristas, todo onosso conhecimento provém da percepção do mundo externo ou do exameda atividade de nossa própria mente, que é uma “folha em branco” ou uma“tábula rasa”. Os principais representantes do empirismo são Francis Bacon(1561-1626), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), GeorgeBerkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776).

O empirismo desenvolveu-se, inicialmente, na Inglaterra, podendo serconsiderado o pensamento representativo da burguesia inglesa, que, a partirdo século XVII, passou a deter não só o poder econômico, mas tambémpolítico, através da monarquia parlamentar, fato que marca o nascimento doliberalismo.

Esse movimento vai desenvolver o método científico, o novo saber.Segundo ele, embora seja impossível à razão alcançar a essência das coisas,pode atingir os fenômenos das mesmas, ou seja, sua manifestação empírica.Para tanto, físicos como Nicolau Copérnico (1473-1593), Galileo Galilei(1564-1642), Kepler (1571-1630) e Isaac Newton (1642-1707) adotam ummétodo simultaneamente matemático e experimental.

A construção do método científico na Modernidade faz-se a partir doprincípio do determinismo, segundo o qual tudo que existe está sujeito à rígidarelação mecânica de causa e efeito. E a ciência só é, só se torna possível, porqueo conhecimento da relação necessária entre causa e efeito – isto é, dosdeterminismos naturais – permite a descoberta das leis da natureza, a partirdas quais são feitas previsões e desenvolvidas as técnicas. Nesse sentido, conheceré relacionar. Relacionar é estabelecer um nexo causal. Estabelecer um nexo causalé determinar as identidades e diferenças entre os seres. Conhecer é conhecer amecânica de funcionamento dos seres para poder intervir na realidade, nanatureza.

A formulação de Francis Bacon de que “saber é poder” expressa muitobem a passagem da ciência especulativa, própria do olhar essencialista, para aativa moderna. Diz Bacon: Ciência e poder do homem coincidem, uma vez que, sendo acausa ignorada, frusta-se o efeito. Pois a natureza não se vence, senão quando se lhe obedece. Eo que à contemplação apresenta-se como causa é a regra na prática (Bacon, III aforismo,In Novum Organum).

Esse olhar racionalista moderno é sobretudo mecânico. O corpo humano, porexemplo, é visto como uma máquina composta de muitas peças. Conhecê-lo é conhecersua mecânica, seu funcionamento. Descartes formula com clareza essa maneira de pensaro corpo na idéia-máquina: O corpo de um homem vivo é como um relógio ou um outro autômato (porexemplo, uma máquina que se move sozinha), que contém em si mesmo o princípio corpóreo dos movimentospara os quais foi projetado, juntamente com todos os requisitos para agir (Descartes, Passions de l’âme).

Assim, tanto para os idealistas cartesianos como para os empiristas, nãohá garantias de que estejamos conhecendo de fato a realidade em si mesma,como pretendiam os metafísicos. O que conhecemos são idéias, representaçõesdessa realidade que recebemos em nossa consciência.

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Conhecimento: olhares epistemológicos

A própria ciência, que se apóia nos pontos de partida do empirismo,não deixa de ser um conhecimento “construído” pelo sujeito. Ela se propõe aconhecer apenas os fenômenos, nunca as essências das coisas. Mas o que é o fenômeno?É a coisa tal qual se dá à percepção do sujeito. Só que a abordagem do cientistase utiliza de instrumentos que aperfeiçoam e sofisticam os órgãos dos sentidosdos homens, ampliando significativamente seu alcance. Ademais, a razão constróiestruturas formais, sobretudo matemáticas, que servem de esquemas lógicospara construir essa representação da realidade. É por isso que o método científicoé um conjunto de procedimentos experimentais e matemáticos.

Dessa forma, as duas perspectivas epistemológicas da era moderna– a idealista e a empirista –, apesar de suas diferenças, têm em comum ofato de só se apoiarem nas “luzes” naturais da razão, que, na realidade, sópodem “iluminar” o objeto na medida em que ele é montado no âmbitoda consciência. A partir do “penso, logo existo” de Descartes, o indivíduopassa a ser a base do novo quadro teórico, do novo sistema de pensamento.Nele, a subjetividade é o termo dominante na relação sujeito–objeto,enquanto conhecimento.

O criticismo kantiano

Mantendo-se fiel ao pensar subjetivista moderno, o filósofo alemãoImmanuel Kant (1724-1804), por meio de seu criticismo, tenta unificar esses doiscaminhos. A atitude crítica é um fenômeno dessa época do Esclarecimento(Iluminismo), que, para se manter, precisa reconhecer os limites da razão. Pessoacrítica é a que tem posições independentes e refletidas, é capaz de pensar por siprópria e não aceita como verdadeiro o simplesmente estabelecido por outroscomo tal, mas só após o exame livre e fundamentado. O programa iluministafunda-se na idéia de que à razão é atribuída a função de iluminar o homem, paralibertá-lo das trevas, das superstições opressoras, dos mitos enganosos, etc.

Kant, buscando superar a oposição, a dicotomia entre os racionalismosidealista e empirista, desenvolve uma teoria de conhecimento que integraaspectos de ambos. Para ele, o conhecimento pressupõe a existência de formaslógicas anteriores à experiência sensível, mas que só exercem alguma função seaplicadas sobre conteúdos empíricos fornecidos pela última. Isto é, as visõesunilaterais – seja do idealismo para o qual a razão só pode conhecer comcerteza as idéias de que já dispõe, as idéias inatas, seja do empirismo, que vê naexperiência sensível a única fonte de conhecimento – são insuficientes paraexplicar o conhecimento segundo Kant.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Mas a síntese kantiana também se desdobra, deixando uma duplaherança:!!!!! uma delas, por intermédio do pensamento de J. G. Fichte (1762-1814),

F. C. Schelling (1775-1854) e G. W. F. Hegel (1770-1831), volta à metafísicaidealista, pois prioriza novamente o sujeito e a intuição intelectual;

!!!!! a outra, priorizando o objeto e a experiência sensível, desenvolve-se comouma justificativa epistemológica da ciência, sobretudo com o positivismode Augusto Comte (1789-1854).

No século XIX, o ideal de cientificidade moderna e positiva, da NovaCiência da Natureza, fundada por Descartes, Newton, Bacon e especialmenteGalileu, é estendido também aos assuntos referentes ao homem. O objetivo éanalisar e compreender também os fenômenos do mundo social, psicológico,econômico, etc.

Por um lado, esse empréstimo originou o positivismo do século XIX e,especialmente, no século XX, o empirismo lógico do Círculo de Viena. Poroutro, associado às reflexões filosóficas do Idealismo Alemão, tal empréstimooriginou o pensamento crítico-dialético: tendência humanista que busca ométodo específico das ciências humanas (veja adiante, O olhar dialético).

Isto é, a razão das ciências humanas desenvolveu-se a partir das ciênciasnaturais e ramificou-se em variadas epistemologias que têm em comum acrença numa realidade exterior, à qual se poderia ter acesso racionalmente, ouseja, pelo uso correto da razão. A primeira regra para esse uso correto é “nãose deixar levar pelas primeiras aparências”.

Uma questão de fortes disputas no meio acadêmico tem sido justamenteem torno do caminho mais adequado para se ter acesso à realidade em ciênciashumanas: consegue-se fazê-lo graças aos rigores do quantitativismo e daobservação neutra e repetitiva, como defende a tradição positivista? Ou atravésdo adequado emprego da dialética, como defende a tradição crítica?

Essas duas epistemologias, embora competindo entre si, possuem pontosem comum:1. opõem-se ao senso comum e desconfiam dos olhares menos atentos sobre

o mundo;

2. cada uma delas quer para si o privilégio de ser a mais verdadeira, tanto noque concerne às respectivas lógicas internas, quanto às suascorrespondências e proximidades às verdades externas que possam existir;

3. aceitam tacitamente a existência de um sujeito transcendental, cujaracionalidade é algo como um reflexo de uma Razão transcendental etotalizante;

4. vêem o progresso como resultado necessário de um desenvolvimentomais ou menos teleológico da História;

5. entendem a consciência como um estado a que se pode chegar pelo usocorreto da razão;

6. concebem a linguagem como instrumento capaz de descrever o mundoe, de certa forma, representá-lo.

Empirismo lógico – Empirismo lógico – Empirismo lógico – Empirismo lógico – Empirismo lógico – tambémchamado de fisicalismo,positivismo lógico ou neoposi-tivismo. A idéia central é a de quea linguagem da física constituium paradigma para todas asciências, naturais e humanas(dentre estas últimas, sobre tudoa psicologia), estabelecendo apossibilidade de se chegar a umaciência unificada.

TTTTTeleológico – eleológico – eleológico – eleológico – eleológico – caracteriza-se porsua relação com a finalidade, quederiva seu sentido dos fins que odefinem.

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Conhecimento: olhares epistemológicos

Segundo essas epistemologias, chegamos a conhecer a realidade graçasa olhares mais minuciosos ou menos distorcidos:!!!!! de acordo com a lógica positivista, chega-se à minúcia pela análise quantitativa

ou detalhada ou, de preferência, pela análise quantitativa que buscadescritores tanto mais genéricos quanto mais exatos forem;

!!!!! a preocupação com a distorção está no centro da lógica dialética; daí seuconceito de ideologia como ilusão ou falsa consciência.

Em ambos os casos, toma-se como dada uma “realidade real” à qualteríamos acesso de modo pouco nítido (positivismo) ou um tanto distorcido(dialética). Só pelo uso correto da razão, da razão científica, da Ciência, o homemalcançaria as verdades do mundo.

O otimismo cientificista subjacente a essas epistemologias indica que, commais e melhores informações (positivismo) ou superadas as falsas consciências(dialética), o homem chegaria à realidade, à verdade, tal qual ela é.

Dessa forma, o homem moderno reforça a perda da dimensão domistério, do espanto filosófico diante do ordinário. Quer a tudo dominar coma razão, submetendo a realidade à funcionalidade e à utilidade. Expulsa opictórico, o imprevisto, o espontâneo do cenário. Impõe à realidade arepresentação fictícia de um imenso e complexo mecanismo, perfeitamentecontrolável pela ciência e manipulável pela técnica.

Assim, quando surgem as primeiras teorias da Psicologia e da Sociologia,elas vêm marcadas pela influência positivista que pretende reduzir as ciênciashumanas às ciências da natureza. O behaviorismo de Watson, “a tecnologia docomportamento” de Skinner, os diferentes funcionalismos e estruturalismosconstituem alguns exemplos significativos.

A ciência e seus artefatos tecnológicos, sem qualquer dúvida, sãoconquistas relevantes para a humanidade. O perigo está em torná-la absolutacomo o caminho da verdade, como a única forma autorizada e digna deconhecimento.

A história contemporânea tem revelado que a ciência e a técnica não sãosinônimos de desenvolvimento, paz, liberdade e felicidade. Mais ciência etecnologia, quando não submetidos a valores éticos e humanos, têm significadoa potencialização da exploração, manipulação, marginalização e dominação.

Como se vê, a imobilização do ser na representação, iniciada por Platãoe Aristóteles, alcança sua plenitude no pensar moderno. Tudo é visto no horizontedo manipulável, do instrumentalizável, do objetivável e do representável.

Behaviorismo –Behaviorismo –Behaviorismo –Behaviorismo –Behaviorismo – método dapsicologia experimental queconsiste em fazer um estudocientífico do homem e do animal,limitando-se à investigação deseus comportamentos comoresposta a um estímulo externo,sem nenhuma referência àconsciência. Trata-se, pois, deum método que consisteessencialmente em observarestímulos e comportamentos e emextrair daí as leis que os reúnem.

Estruturalismo –Estruturalismo –Estruturalismo –Estruturalismo –Estruturalismo – doutrinafilosófica que considera a noçãode estrutura fundamental comoconceito teórico e metodológico.Concepção metodológica emdiversas ciências (lingüísticas,antropologia, psicologia, etc.)que tem como procedimento adeterminação e a análise deestruturas. Estuda, assim, asrelações em si mesmas,ordenando-as em sistemacoerente.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

A ciência moderna, como observa Marcuse (1968, p.107ss.), estáprofundamente comprometida com um projeto histórico de dominação. O olharauto-suficiente, da certeza da verdade, que se apresenta como objetivo e neutro nabusca do conhecimento, constitui-se no mais grave legado da ciência positiva àhumanidade. O senso comum que se reverencia diante da “certeza científica” abreportas à objetivação e manipulação da natureza e do próprio homem.

Esperar o inesperado, deixar-se surpreender pela novidade das coisas,colher, no espanto ou na admiração, o fluir sedutor da natureza, em seumostrar-se e velar-se, em seu exibir-se para melhor ocultar-se, era aatitude que caracterizava a maneira grega de interpretar a verdade doser como des-velamento. Já o medieval experimentava a natureza ... e nafé celebrava a dependência de tudo o que é a “uma estranha ausência”. Ohomem moderno, porém, pretendendo emancipar-se de uma tal dependência,substituiu a fé na revelação pela certeza da representação. Quer dizer,na busca de sua autonomia frente à tutela divina, sentiu a necessidade deprojetar diante de si um mundo à medida de sua pretensão, um mundocapaz de oferecer-lhe a ilusão da segurança, da liberdade e daautoconfiança, um mundo que tivesse as dimensões reduzidas de um quadro,de uma imagem, de uma representação plenamente inteligível e manipulável,um mundo que coubesse na cômoda e reconfortante bitola do sujeito (orepresentante) e do objeto (o representado). Para o homem moderno,portanto, “o ente não é apenas o que está presente, mas o que, narepresentação, é colocado em face, é posto defronte, é lançado como objeto”(Heidegger, apud Andrade, 1994, p.43s).

O olhar dialético

O que é, exatamente por ser tal como é, não vai ficar como está.Bertolt Brecht

Durante o século XIX, Ciência e Filosofia adquirem plena autonomia.Nesse período há um fecundo desdobramento da ciência e o surgimento denovas perspectivas filosóficas que lançam as raízes da filosofia contemporânea.

No âmbito da ciência, conforme Severino (1994), três aspectos sedestacam:!!!!! grande desenvolvimento das ciências naturais, sobretudo das ciências

físico-químicas;

!!!!! as ciências biológicas adquirem uma dimensão histórica em função dadescoberta do caráter evolutivo da vida;

!!!!! formam-se as ciências humanas (Psicologia, Sociologia, Economia, Política,História, Antropologia, Geografia, etc.) pela extensão do uso do métodocientífico aos diversos aspectos da vida dos homens (p.63).

No âmbito da filosofia, continua Severino, multiplicam-se as novasorientações:!!!!! na linha do subjetivismo, surge a fenomenologia (Husserl, Scheler); a genealogia

(Nietzsche);

Como você vai avançando emsua reflexão crítica?

Ao analisar os diferentes olharesepistemológicos, que indagaçõessurgiram em você?

Se julgar necessário, faça umquadro-resumo, comparando astrês mais importantes manifes-tações do que chamamos, nocampo epistemológico, de “olharmoderno”.

Fenomenologia – Fenomenologia – Fenomenologia – Fenomenologia – Fenomenologia – correntefilosófica que buscavaestabelecer um método defundamentação da ciência e deconstituição da Filosofia comociência rigorosa. O projetofenomenológico define-se comouma volta aos fenômenos. Oconceito de intencionalidadeocupa um lugar central nadoutrina, definindo a própriaconsciência como intencional,voltada para o mundo.

Genealogia – Genealogia – Genealogia – Genealogia – Genealogia – em sentidocorrente, designa o estudo e adefinição da origem de certasidéias. O conceito aparece naFilosofia com a obra de Nietzschecomo uma forma crítica quequestiona a origem dos valoresmorais e das categorias filosóficasque os mascaram a serviço deinteresses particulares.

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Conhecimento: olhares epistemológicos

!!!!! procurando unir a dialética hegeliana com o naturalismo, a sociologia e aeconomia, surge o marxismo (Feuerbach, Marx e Engels);

!!!!! buscando explorar a psicologia e o naturalismo, surge a psicanálise (Freud,Jung).

Nesse novo contexto, o olhar metafísico (essencialista) e o naturalistaexclusivamente científico, nos moldes positivistas e de raiz iluminista (luz da razãoa iluminar a realidade e a humanidade), revelaram-se insuficientes para explicare dar sentido à realidade.

Por isso, desde o século XIX até o momento presente, há um esforçopara instaurar um novo modo de pensar. Este se traduz como um pensar quebusca integrar os aspectos válidos dos olhares anteriores, numa síntese queavance e enriqueça ainda mais a compreensão da realidade.

Esse novo modo de pensar, que se caracteriza pela retomada, negaçãoe superação do olhar metafísico e científico, é o olhar dialético. Seu elementofundamental está no princípio básico de que a compreensão do real e oconhecimento que dele temos são radicalmente históricos. Isto é, entende que arealidade não está dada, mas vai-se constituindo.

Três grandes descobertas científicas, a partir do século XVIII,contribuem para essa passagem da concepção estática do mundo – quepodia ser explicado apenas pelo movimento local, circular, e cujo modelopor excelência é o relógio – para a concepção dinâmica:!!!!! a descoberta da célula, que evidencia a complexa unidade estrutural de todos

os órgãos animais e vegetais;

!!!!! a descoberta da lei da conservação e transformação da energia: nada se perde, tudose transforma;

!!!!! a descoberta da evolução das espécies por Charles Darwin.

Essas descobertas mostram que o mundo é transformação, que não háqualquer coisa acabada, mas um complexo de processos no qual tudo só éestável na aparência. Por isso, era urgente formular um modo de pensar quedesse conta do novo e do irracional.

Coube ao filósofo alemão G. W. F. Hegel (1770-1831) essa tarefa deredimensionar todo o pensamento ocidental, que até então estivera refémda lógica formalista da não-contradição. Para tanto, ele recuperaidealisticamente a lógica contraditória de Heráclito. Karl Marx, colocandoesse método sobre bases reais, vai aplicá-lo à realidade concreta das relaçõessócio-político-econômicas: a práxis.

A seguir veremos como se formula esse novo olhar epistemológico.

Naturalismo – Naturalismo – Naturalismo – Naturalismo – Naturalismo – concepçãofilosófica que não admite aexistência de nada que sejaexterior à natureza, reduzindo arealidade ao mundo natural e anossa experiência dele.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

A dialética idealista de Hegel

Criticando as tradições racionalistas e iluministas de olhar a realidadesem bases históricas, como foi feito pelo subjetivismo kantiano, Hegel vaiformular o modo dialético de pensar a realidade. Para ele, a consciência seconstitui historicamente por meio de um tríplice e contínuo processocontraditório de interação.

A partir dessa perspectiva lógica da contradição, Hegel concebe suafilosofia que valoriza a história, a evolução, a transformação.

O real, no seu conjunto, e todas as coisas, em particular, só existem,segundo ele, num processo de contínua mudança e, o que é mais importante,trata-se de uma evolução por contradição: o processo dialético.

As coisas vão evoluindo, vão mudando, porque contêm no seu interiora própria negação; cada uma é, portanto, ao mesmo tempo, igual a si mesmae ao seu contrário. São atravessadas por um conflito interno, a luta dos contrários,que as faz mudar, num processo de contínua afirmação, negação e superação.Para Hegel, a contradição é o motor de evolução do real: toda afirmação (tese)aparece como momento provisório, pois se confronta necessariamente comsua negação (antítese), que o impele a se transformar no seu contrário. Por suavez, a síntese constitui-se em nova afirmação (tese), que vai ser negada (antítese)e superada numa nova síntese. E assim, indefinidamente.

A partir dessa concepção dialética da realidade, Hegel repensa, reenquadratoda a história da humanidade, que não seria nada mais do que o processo demanifestação do espírito, da consciência, rumo ao Espírito Absoluto: desde acerteza sensível até o Saber Absoluto, o Espírito Absoluto. Aliás, o título desua principal obra, Fenomenologia do Espírito, traduz muito bem seu pensamento:a palavra fenomenologia quer dizer descrição daquilo que aparece, ou a ciência que temcomo objetivo ou projeto essa descrição, uma vez que fenômeno é manifestação de umarealidade (Abbagnano, 1970, p.415-417).

Segundo Hegel, ser e pensar são uma única e mesma realidade, pois háuma identidade radical entre realidade e racionalidade. A razão, a idéia, é aprópria realidade, é o mundo em evolução. Diz ele: o racional é real e o real éracional.

Tudo o que existe é uma manifestação da idéia que está evoluindo rumoao Espírito. A natureza física, assim como a sociedade humana, são apenasfiguras do Espírito. A totalidade do real, num primeiro momento, é a Idéia(tese); num segundo momento, é a Natureza (antítese), negação da Idéia; numterceiro momento, é o Espírito (síntese), negação/retomada/superação da Idéiae da Natureza.

Nesse sentido, a filosofia hegeliana é caracterizada como idealista, pois, segundo ele,é o ideal que explica o real; a mudança no mundo das idéias é a própria mudança na históriae no mundo.

A consciência finita se afirma como certeza sensível (tese), que por suavez é negada pela percepção (antítese) e é superada/retomada enquantoentendimento (síntese). E assim ao infinito, rumo ao Absoluto.

O mesmo caminho pode ser aplicado à história da humanidade.Tomemos, a título de exemplo, qualquer grande civilização ou império como

Etimologicamente, dialética vemdo grego dia, que expressa aidéia de “dualidade”, “troca”, elektikós, “apto à palavra”,“capaz de falar”. É a mesma raizde logos (“palavra”, “razão”) e,portanto, assemelha-se aoconceito de diálogo. No diálogohá mais de uma opinião, hádualidade de razões. Dialética étambém um método e umafilosofia.

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Conhecimento: olhares epistemológicos

afirmação: a Grécia clássica que se afirma em seu apogeu (tese), é negada pelodeclínio (antítese) e superada/mantida no domínio macedônico (síntese). Odomínio macedônico (tese) que, por sua vez, decresce (antítese) e é superado/mantido como Império Romano (síntese), e assim,sucessivamente, chegamosaos dias atuais e apontamos para o futuro rumo ao Absoluto.

Além da noção de contradição como dinamizadora do real, outra categoriafundamental para entender a dialética é a de totalidade, pela qual o todo predominasobre as partes que o constituem. Isto significa que as coisas estão em constanterelação recíproca e nenhum fenômeno da natureza ou do homem pode sercompreendido isoladamente.

A dialética materialista – a Filosofia da Práxis

Com Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), a dialéticaadquire um status filosófico (o materialismo dialético) e científico (o materialismohistórico).

A base do pensamento marxista é o modo de pensar histórico inauguradopor Hegel. Embora discordando do seu olhar metafísico, idealista, Marxaproveita sua lógica dialética. Mas vai aplicá-la tão-somente ao mundo darealidade histórica concreta, ou seja, à natureza e, sobretudo, à sociedade.

De acordo com Marx, a dialética (hegeliana) apóia-se sobre a cabeça; basta repô-la sobre seus pés para lhe dar uma fisionomia racional. Isto é, trata-se de colocá-lasobre seus pés, pois o determinante fundamental da realidade é o mundomaterial e não o pensamento: O modo de produção da vida material condiciona odesenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homensque determina o seu ser, é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência(Marx, 1983 p.14).

Assim, enquanto Hegel localiza, de forma idealista, o movimentocontraditório na lógica, Marx o localiza no seio da própria coisa, fenômeno,matéria ou pensamento.

Nesse sentido, a dialética em Marx não é apenas um método para sechegar à verdade; é sobretudo uma concepção do homem, da sociedade e darelação homem-mundo. Surge, pois, entre homens reais, em condições históricase sociais reais. E, historicamente, as mudanças ocorrem em função dascontradições surgidas a partir dos antagonismos das classes no processo daprodução social.

Para Marx, a dialética é inerente à realidade natural e social, realidade queevolui por contradição. Isto é, são os conflitos internos dos objetos e dassituações que provocam dialeticamente mudanças na realidade histórica concreta,tanto ao nível da ordem natural quanto da ordem social.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Estaremos aprofundando aquestão do trabalho e da práxisno Módulo 4Módulo 4Módulo 4Módulo 4Módulo 4.

O trabalho é visto como práxis, enquanto atividade humana queincorpora o homem no seu todo, pensamento (cabeça) e ação (mãos). Aoagir, o homem transforma a natureza e a sociedade e, ao provocar essastransformações, ele também é transformado. E isso se estende, a partir datríade dialética, ao infinito. Nesse processo, sujeito e objeto se determinam, seconstituem mutuamente.

Assim, o homem é um ser que existe intervindo no mundo,modificando-o e, ao fazê-lo, modifica a si mesmo. Essa atividade temuma origem: o trabalho, atividade de autocriação do homem. Pelo trabalhoo homem se fez e ainda se faz.

Reconhecendo a centralidade do trabalho na realidade humana,Marx vai rever toda a história da humanidade a partir da visão dostrabalhadores.

Para ele, era preciso superar a unilateralidade do idealismo e domaterialismo e pensar simultaneamente a atividade e a corporeidade do sujeito,reconhecendo-lhe todo o poder material de intervir no mundo.

Práxis – nos ensina Konder – é a atividade concreta pela qual os sujeitoshumanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, parapoderem alterá-la, transformando-se a si mesmos. É a ação que, para seaprofundar de maneira mais conseqüente, precisa da reflexão, doautoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta odesafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática(Konder, 1992, p.115).

A práxis compreende, diz Kosik, além do momento laborativo, também omomento existencial. Ela se manifesta tanto na atividade objetiva do homem,que transforma a natureza e marca com sentido humano os materiais naturais,como na formação da subjetividade humana, na qual os momentos existenciais,como a angústia, a náusea, o medo, a alegria, o riso, a esperança, etc., não seapresentam como “experiência” passiva, mas como parte da luta peloreconhecimento, isto é, do processo de realização da liberdade humana(Kosik,1989, p.204).

Destacamos como princípios, pressupostos básicos, que norteiam oolhar dialético:!!!!! o princípio da totalidade, que afirma tudo estar se relacionando e se

condicionando reciprocamente;

!!!!! o princípio do movimento, que considera todas as coisas em movimento, emtransformação;

!!!!! o princípio da mudança qualitativa, segundo o qual, após um acúmuloquantitativo, se dá o salto qualitativo: por exemplo, gradativamente umavila poderá transformar-se numa grande cidade;

!!!!! o princípio da contradição, que se manifesta no interior de todas as coisas,como forças opostas em coexistência, tendendo simultaneamente à unidadee à oposição: unidade e luta dos contrários.

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Conhecimento: olhares epistemológicos

Esses princípios são fruto de um lento amadurecimento e do própriodesenvolvimento das ciências modernas. Em Marx, por exemplo, surgem apósuma exaustiva análise científica do modo de produção.

Práxis e teoria estão interligadas, interdependentes. A teoria é um momentonecessário da práxis; e essa necessidade não é um luxo: é uma característicaque distingue a práxis das atividades meramente repetitivas, cegas, mecânicas,“abstratas”. Adolfo Sánchez Vázquez formulou com clareza a distinção:“Toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis”. A práxis é aatividade que, para se tornar mais humana, precisa ser realizada por umsujeito mais livre e mais consciente. Quer dizer: é a atividade que precisa dateoria (Konder, 1992, p.116).

Marx investe contra as interpretações que, em nome do materialismo,apresentam o ser humano como “produto do meio” ou como “produto daeducação”: A doutrina materialista da produção de efeitos transformadores pelas circunstânciase pela educação esquece que os seres humanos transformam as circunstâncias e que os próprioseducadores precisam ser educados (Marx, 1974, p.57).

Nesse sentido, aquele que enfrenta o desafio de mudar o mundo, emparticular os educadores, enfrenta também o desafio de promover a própriatransformação. Por isso, Marx continua escrevendo na Terceira tese sobre Feuerbach:A coincidência da modificação das circunstâncias com a mudança da própria atividade humana,ou a autotransformação, só pode ser compreendida e racionalmente entendida como práxisrevolucionária (Ibidem).

Por outro lado, criticando todo e qualquer pensamento desvinculado daprática social real dos homens, Marx volta-se contra a filosofia idealista,particularmente a alemã, de então, muito influenciada pelo hegelianismo.

Tendo como referência a filosofia da práxis, afirma que a atividade reflexiva,o conhecimento, o trabalho teórico dos homens não têm por finalidade apenasespecular sobre os sentidos das coisas, mas justamente fundamentar sua açãoconcreta com vistas a organizar a vida social. Para ele, a atividade consciente sóse justifica se for realmente crítica, ou seja, capaz de apreender a realidade semcair na alienação e sem ser envolvida pela ideologia.

Segundo Marx, a alienação fundamental é aquela que ocorre na práticado trabalho, no sistema capitalista, onde o proletariado é separado dos meiose dos produtos de sua atividade produtiva, com sua obra sendo apropriadapelo outro, o proprietário do capital, o capitalista.

A alienação também ocorre na atividade subjetiva, quando o homemdeixa de pensar por si mesmo e passa a pensar por outro. É o que ocorre noplano ideológico, quando o indivíduo assume, como representante de sua classesocial, idéias de outra classe, em geral, dominante. Ocorre, assim, alienação daconsciência e dominação ideológica.

IdeologiaIdeologiaIdeologiaIdeologiaIdeologia – é um conjunto derepresentações ideais (conceitos,valores) elaborado e difundidopor grupos particularesdominantes no todo dasociedade, como se essas idéiasexpressassem a verdade dasituação de todos os indivíduos.No entanto, elas representamunicamente o ponto de vista e ointeresse do grupo socialdominante, mascarando eocultando a verdadeira reali-dade social, impedindo assimque os dominados se desalieneme reivindiquem seus própriosdireitos (Severino, 1994, p.137).

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Vimos pois, até aqui, que o olhar dialético se constitui numa síntesesuperadora dos olhares metafísico e científico positivista. Trata-se de umaconcepção do real e do pensamento que avança em relação àqueles, não sópor negação mas também por recuperação de seus aspectos criativos e superaçãodos aspectos regressivos.

Ao colocar em pauta o caráter contraditório do pensamento e do real,a abordagem dialética supera os impasses e as parcialidades (unilateralidades)dos olhares metafísico e científico. Torna possíveis a evolução, a criação donovo, a historicidade, a prática subjetivada dos homens. Assim, problemas atéentão intransponíveis como, por exemplo, a oposição sujeito/objeto noconhecimento são superados na perspectiva dialética. Nesta, ambos seconstituem e dependem da realidade histórica:

Assim, o sujeito (o homem como ser subjetivo, consciente, capaz de reflexão)dá-se conta de que, embora condicione a posição do objeto (parte de verdadedas filosofias subjetivistas), não se constitui integralmente (parte de verdadedas filosofias positivista e realista); o objetivo, por sua vez, por mais autônomoque seja, não mais se impõe dogmaticamente ao sujeito como pura positividadeempírica ou como entidade metafísica (erro das filosofias positivista e realista).O sujeito se reconhece no fluxo da contingência do existir natural e social,reino do objeto (verdade do naturalismo e do positivismo) que, de seu lado, sótem sentido para um sujeito (verdade da filosofia subjetivista) que é, na realidade,um sujeito coletivo. (...)

Por outro lado, o real se constitui da totalidade do universo, totalidade estaque vai se realizando num processo histórico, do qual cada momento é resultantede múltiplas determinações (naturais, sociais, culturais). O processo históricode constituição do real segue “leis” que não se situam nem no plano dadeterminação metafísica nem no plano da necessidade científica e nem se formalizamais na linearidade da lógica formal regida pelo princípio da identidade. (...)Do mesmo modo, o homem também é uma entidade natural histórica,determinado pelas condições objetivas de sua existência, mas, ao mesmo tempo,cria a sua história ao atuar sobre as condições objetivas, transformando-aspor meio de sua práxis. (...) Igualmente, dada essa sua condição, o seu agirnão pode mais guiar-se apenas por valores essencialistas puramente metafísicosnem por valores puramente técnico-funcionais. O fundamento ético de suaprática é necessariamente político, uma vez que toda ação humana está envolvidacom as relações de poder que atravessam o contexto social da existênciahumana (Severino, 1994, p.138ss).

Cabe ainda chamar a atenção para os avanços que a concepção filosóficada práxis alcança com Antonio Gramsci (1891-1931), pensador marxistaitaliano. Gramsci, fixando-se primordialmente na reflexão da superestruturasocial, traz uma grande contribuição para o entendimento da ordem social epolítica, em particular da educação. Você vai conhecer mais sobre as propostasde Gramsci na educação nos Módulos 4 e 5.

Superestrutura – Superestrutura – Superestrutura – Superestrutura – Superestrutura – conjunto dasinstituições e processos políticos,jurídicos e sociais (arte, religião,filosofia) que, segundo Marx,corresponde a determinadaestrutura econômica ou infra-estrutura.

Relendo o que se apresentousobre o pensamento dialético nosenfoques de Hegel e de Marx,identifique os pontos principaisque distinguem a dialética deMarx daquela de Hegel. Comorecurso de estudo, use, se julgarinteressante, iluminadores detexto, de cores diferentes (duas),para assinalar essa distinção.Em que esse exercício lhedesafiou na compreensão daatividade humana e da realidadesocial?

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Conhecimento: olhares epistemológicos

O olhar incerto

O pensar contemporâneo tem-se caracterizado por uma multiplicidadede correntes científicas e filosóficas. Esta característica, expressão do esgotamentodo modelo iluminista de pensar, torna difícil, senão impossível, enquadrar opensamento contemporâneo em um modelo de conhecimento.

Num primeiro momento, o ocaso da racionalidade iluministamanifesta-se como crise dos paradigmas. Paradigmas competitivos, comoo positivista e o marxista, estariam se revelando insuficientes para aabordagem científica e filosófica da realidade.

Essa crise, que ainda tem como referência a noção de modelo,manifesta-se na pergunta: qual é o modelo, o paradigma científico, maisadequado para se conhecer a realidade?

Num segundo momento, no entanto, é a própria noção de modelo deconhecimento que entra em crise.

Frente aos avanços e descaminhos da ciência, torna-se geral a desconfiançasobre o valor do conhecimento: é a crise de paradigmas, manifesta na pergunta:existirá modelo, paradigma de conhecimento? (Plastino, 1995, p.30-47).

Nosso tempo, nesse sentido, tem sido fecundo para a ciência. Novosdesafios são colocados à competência explicativa das teorias, hipóteses,premissas e leis fundadoras do pensamento científico moderno. A relatividadede Einstein, a microfísica, a termodinâmica, a microbiologia têm ampliado ouniverso das indagações dos cientistas. Cada vez mais eles se vêemconfrontados com novas verdades e com incertezas sobre verdades há muitoestabelecidas.

Assim, se a era moderna nasce de uma revolução intelectual que desafiaos pressupostos da filosofia e da ciência medievais, o desenvolvimento daperspectiva contemporânea começa com uma revolução semelhante que desafiao poder explicativo das categorias modernas, do projeto iluminista.

Podemos destacar, dentre as novas teorias que têm despertado o interessedos educadores, os chamados paradigmas holonômicos, também chamado o pensarpós-moderno.

Nessa perspectiva podemos incluir as reflexões de Edgar Morin,pensador francês contemporâneo. Ele critica o paradigma científico clássico,que não consegue dar conta da complexidade da partícula subatômica, darealidade cósmica e dos progressos da microbiologia.

Para ele, enfrentar a complexidade do real significa: confrontar-se comos paradoxos da ordem/desordem, da parte/todo, do singular/geral;incorporar o acaso e o particular como componentes da análise científica ecolocar-se diante do tempo e do fenômeno, integrando a natureza singular eevolutiva do mundo à sua natureza acidental e factual. (Castro, 1998). Na obra

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Le paradigme perdu: la nature humaine (O paradigma perdido: a natureza humana),criticando a razão produtivista e a racionalização modernas, Morin propõe umalógica do vivente.

Os paradigmas holonômicos, ainda mal definidos, sustentam um princípiounificador do saber, do conhecimento em torno do homem, valorizando oseu cotidiano, o seu vivido, o pessoal, a singularidade, o entorno, o acaso eoutras categorias como: decisão, projeto, ruído, ambigüidade, finitude, escolha,síntese, vínculo e totalidade (cf. Gadotti, 1995, p.305).

Para os defensores desses novos paradigmas, os modelos clássicos,positivista e marxista, lidariam com categorias redutoras da realidade. Ao contrário,os paradigmas holonômicos pretendem restaurar a totalidade do sujeito individual, valorizandoa sua iniciativa, a sua criatividade, valorizando o micro, a complementaridade, a convergência(Gadotti, 1995, p.305).

Estes – os holistas – sustentam que só o imaginário, a utopia e aimaginação são fatores instituintes da sociedade. Recusam uma ordem queaniquile o desejo, a paixão, o olhar, a escuta. Ressaltam que estas categorias nãosão novas, mas que hoje têm mais aceitação que no passado recente.

A denominação olhar incerto – que não constitui um sistema – refere-semais a uma atitude ou, até mesmo, movimento pós-moderno (cuja análise foifeita no Módulo 2). Chamando nossa atenção para a complexidade da realidade,para as múltiplas perspectivas de abordagem do real, questiona nossaprepotência racional de chegar a um único conhecimento possível, questiona aconcepção “ingênua” de que o conhecimento e a ciência são sinais de evoluçãonatural da humanidade.

Entre os elementos reveladores da pós-modernidade está a invasão da tecnologiaeletrônica, da automação, e da informação, que causa certa perda de identidadenos indivíduos. A pós-modernidade se caracteriza também pela crise deparadigmas. Faltam referenciais... O pós-moderno surge exatamente comouma crítica à modernidade, diante da desilusão causada por uma racionalizaçãoque levou o homem moderno à tragédia das guerras e da desumanização(Gadotti, 1995, p.309).

O que distingue a nossa época (é) a incerteza em que nos encontramos quanto àpossibilidade de pensar nossos objetivos. O mal-estar dos docentes provém, em parte daí: eles jánão sabem qual é a finalidade da sua atividade. (F. Lyotard, in Kechikian, 1993, p.50).

Desse olhar incerto, a grande lição é que devemos aprender a viverna incerteza e na insegurança, pois nosso conhecimento nasce da dúvida ealimenta-se de incertezas.

Depois desse estudo, você deve estar perguntando-se: “por que todoesse trabalho até agora? Não seria mais fácil e objetivo ir direto ao assunto, aomelhor olhar epistemológico?”

“Em termos!” Responderíamos.Como já vimos, esses olhares não são mais do que perspectivas que, ao

mesmo tempo, nos aproximam e nos distanciam da realidade, abordagens deconhecimentos filosóficos e científicos que nos desvelam e escondem a verdadedo ser.

PPPPParadigmas holonômicos aradigmas holonômicos aradigmas holonômicos aradigmas holonômicos aradigmas holonômicos –etimologicamente, holos, emgrego, significa todo e os novosparadigmas procuram centrar-sena totalidade.

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Conhecimento: olhares epistemológicos

Contudo, isso não nos quer jogar no relativismo. Antes, quer nos “desiludir”(isto é, tirar nossas ilusões), abalar nossas “certezas”, nossas pretensas segurançasepistemológicas de que é possível nos apropriarmos, em definitivo e na suatotalidade, da verdade através do conhecimento, seja ele científico ou filosófico.

Como Sócrates diz “sei que nada sei de tudo aquilo que sei”, o sábiocontemporâneo é humilde, porque sabe que o conhecimento por ele adquiridoé mais uma possibilidade de abordagem da realidade, que se nos apresentacom uma disponibilidade inesgotável.

Nesse sentido, nossa tarefa aqui é a de ajudar você a resgatar o núcleo debom senso (que não deve ser confundido com senso comum) existente em cadauma dessas abordagens históricas, para que possa elaborar uma compreensãoprópria, coerente, crítica, criativa e – sobretudo – aberta da realidade.

Essas considerações nos ajudam a adquirir consciência de que, por maisadequado que seja o nosso olhar à realidade, sempre deixará “na sombra”algumas regiões. Além de nos escapar alguma coisa nos dados da observação,nosso olhar sempre se dirige a determinadas regiões da realidade e, como tal,tem fronteiras, interfaces com outros olhares.

Os olhares epistemológicos em educação

Qual ciência? Que concepções de homem, de sociedade, de mundo, deconhecimento vão fundamentar a nossa prática pedagógica, vão conduzir onosso fazer educativo?

Ao falarmos de Educação, nossa primeira referência é uma prática social,que se qualifica como concreta possibilidade de cooperação no processo demudança e de transformação da sociedade. Neste sentido, é uma práticanecessariamente refletida criticamente. Uma segunda referência se impõe: aprática social educativa instaura sua reflexão segundo critérios científicos. Maisdo que uma Ciência da Educação, temos Ciências da Educação, isto é: conjuntode campos do conhecimento científico humano e social que formam a base dareflexão crítica sobre a prática educativa.

As ciências alcançam conhecimentos sempre aproximados e passíveis deaperfeiçoamento e de reformulação (...) “A verdade, em ciência, afigura-sesempre parcial e provisória (da Costa, apud Mazzotti,1998, p. 32), poisvivemos num mundo de múltiplas realidades” (Grenz, 1997, p.72).

A educação é fundamentalmente práxis. A educação, porque é práxis, seencontra com as ciências no confronto teórico-prático do projeto “sonhado”,no confronto da imaginação téorica/técnica com a concretude e a resistênciada ação educativa. O fazer educativo e sua fundamentação teórica estão sempreinconclusos.

Relativismo – Relativismo – Relativismo – Relativismo – Relativismo – doutrina queconsidera todo conhecimentorelativo como dependente defatores contextuais, variando deacordo com as circunstâncias,sendo impossível estabelecer-seum conhecimento absoluto euma certeza definitiva. Em umsentido ético, trata-se deconcepção que considera todosos valores morais como relativosa uma determinada cultura e auma determinada época,podendo, portanto, variar noespaço e no tempo, nãopossuindo fundamentos abso-lutos nem caráter universal. Orelativismo científico é a atitudedaquele que considera que, nasciências, não existe verdadedefinitiva, que deve haver umaapropriação progressiva, umaconstrução inteligível do mundosempre aproximativa.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

A ação educativa exige empenho do educador, pois é a sua realidadeque vai moldando a ação. Verdadeiro educador é aquele que se empenha nesseprocesso na busca de contínua aprendizagem e sistematização teórico-prática.

O jogo dialético do ato educativo concretiza-se na realidade que resistemoldando a ação do educador, e nesta ação que se impõe à realidade. Oresultado inconcluso é a síntese dessa ação educativa, desejo do educador,confrontada à resistência da realidade.

A pedagogia não existe previamente como receita a se aplicar ao atoeducativo, mas faz-se, constitui-se em práxis educativa, fundamentada nareflexão crítica e portanto científica.

Nesse sentido, os avanços epistemológicos têm levado à definição dapedagogia como específica prática social, campo de aplicação das ciênciashumanas e sociais. O objeto/problema destas é a educação enquanto práticasocial. Teoria e prática interpenetram-se, supõem-se, criam critérios de ação nacontinuidade do aprofundamento da relação fazer/pensar.

Outras leituras

! Sobre a epistemologia ou teoria do conhecimento, recomendamos aleitura de:DELEUZE, Gilles ; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? Riode Janeiro: Editora 34, 1992.GARCIA, MORENTE, Manuel. Fundamentos de Filosofia: liçõespreliminares. 8ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 1980.

! As obras de referência contribuem na elucidação de conceitos. Nestesentido, recomendamos: JAPIASSU, Hilton; MARCONDES, Danilo.Dicionário básico de Filosofia. 3a ed. Rio de Janeiro: Jorge ZaharEditor, 1999.

! Para uma leitura mais descontraída, apresenta-se O mundo de Sofia:romance da História da Filosofia, de Jostein Gaarder, livro publicado,no Brasil, em 1995, pela Companhia das Letras, de São Paulo.Professor de filosofia no ensino secundário, o autor, nascido emOslo, começou a dedicar-se à literatura infanto-juvenil, obtendo, comessa obra, consagração internacional.

Ao terminar o estudo deste tema,reflita com você mesmo(a),respondendo a essas questões:

!Qual a importância da teoriado conhecimento? Comoenfermeiro-docente em que meajuda reconhecer a possibilidadede diferentes interpretações/concepções a respeito dohomem, da realidade social, daciência e da técnica, da história,etc.?!Que dificuldades (e facili-dades) se apresentaram nacompreensão do texto? Por quê?!Que sugestões eu possoencaminhar aos autores comrelação ao tratamento do tema?E que perguntas eu tenho a fazer?

Lembre que este Curso dispõe deum site na Internet. Consulte, arespeito, o Guia do Aluno.Comunique-se, também, com seututor.

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Conhecimento e ação

TEMA 2TEMA 2TEMA 2TEMA 2TEMA 2

Conhecimento e ação

Tostão, ex-jogador de futebol e hoje médico, comentava em sua crônicaesportiva:

Independentemente da posição que o jogador ocupa em campo, para ser umcraque é necessário, antes de tudo, ter uma boa visão do conjunto e, principalmente,antevisão da jogada. Um grande goleiro ou um excepcional atacante precisasaber, antes dos outros, onde a bola vai chegar.

É evidente que não basta ter essas qualidades para ser um excepcional jogador.É preciso executar bem os fundamentos de sua posição: passe, desarme, drible,finalização e outros.

Para ser um bom bandeirinha e marcar corretamente o impedimento, é necessárioenxergar ao mesmo tempo o jogador que vai dar e o que vai receber o passe.

Essa capacidade não é apenas técnica, mas também biológica.

O olho dos homens e dos outros animais não funciona como uma câmara querecebe e transmite as imagens, como se pensava.

Ele também calcula e é capaz de prever a trajetória e a posição futura de umobjeto em movimento.

A visão periférica é diferente em cada pessoa. Ela pode ser avaliada por meiode testes e aprimorada com treinamentos especiais.

Não é somente pelo olhar, mas também pelo olho que se conhece o craque(Folha de São Paulo, 19/12/99).

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Orientados por um olhar epistemológico (científico-filosófico), nossodesempenho, em qualquer área de ação, dependerá em muito da nossa “acuidadevisual”.

Precisamos aprimorar nosso olho para sermos capazes de calcular, prevero caminhar e a trajetória futura da nossa realidade pessoal e social, para nelaintervir adequadamente.

Estamos assim, a partir de agora, envolvendo-nos com a ação.A partir de agora? Como? Até este momento o que vem acontecendo

aqui? Desde o primeiro instante deste Curso estamos tratando de ações, relações,interações, participações. Cada um de vocês leu, releu, estudou, escreveu,respondeu, registrou, abriu e fechou o Diário de Estudo, foi ao encontro dotutor...

Podemos dizer que sabemos o que é ação: nós a entendemos – porqueestamos sempre vivenciando alguma – como uma atividade ou seu resultado.Mas a rigor não conseguimos defini-la.

Tudo o que se pense em usar para definir ação ou atividade ou ato traz emsi o sentido de ação / atividade / ato; inclusive a tentativa de definir ação é já, emsi mesma, uma ação, uma atividade, um ato.

Ora, a definição é a indicação completa e ordenada do conteúdo deum conceito, do significado de uma palavra. Essa indicação, portanto, deve serprecisa (seu enunciado só serve para o que está sendo definido), clara (seustermos e conceitos são conhecidos), simples (não apresenta termos que nãosejam os necessários) e, sobretudo, não pode conter o termo ou conceito queestá sendo definido.

A ação concretiza-se através de atividades, que reúnem um conjunto deações, e o que podemos fazer para entender melhor a ação é descrevê-laprocurando distinguir tipos de atividades.!!!!! Uma primeira distinção importante é saber que há ações autônomas e ações

impostas. As autônomas são as que se caracterizam pela consciência e pelavontade; são atos ou estados ativos do eu, autodeterminações do eu, dotadode vontade que, entre outras coisas, tem consciência de si mesmo e do objeto(Brandenstein, 1977, p.51).

!!!!! Uma segunda distinção – feita por Aristóteles – aponta três tipos deatividades fundamentais, tendo presentes seus objetivos:!!!!! a atividade teorética tem como finalidade conhecer algum fato acontecido

previamente, assim como a percepção externa dos sentidos (mundoexterior), a percepção interna (mundo interior) e o pensamento dirigidoao conhecimento;

!!!!! a atividade poiética tem como finalidade formar, fazer, confeccionar umaobra; incluem-se aqui tanto as atividades de artesanato como asatividades técnicas (no sentido de técne, que envolve sempre um processocriativo, como o do artista na confecção de sua obra);

!!!!! a atividade prática tem finalidade em si mesma, no “fazer bem feito”, naeupraxía; as atividades práticas podem ser físicas ou espirituais e tendema um estado de “conquista de capacidade de...”, portanto de poder.

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Conhecimento e ação

Assim como são uma constante de nosso viver, as ações constituem-seem objeto de julgamento. Principalmente as ações postas nas atividades práticas.

Usualmente entendemos como boa uma ação que tenha um valorintrínseco, por si mesma, um valor definitivo e final. E, portanto, independentedo valor utilitário. Nenhuma das ações que se manifestam nas atividades queconduzem a um crime perfeito é uma boa ação, mesmo que o resultado tenhasido um êxito total.

Ao trazer essas reflexões, o que se quer é mostrar as bases em que aintenção, o querer, o exercício da liberdade consciente estão presentes em nossoagir, em nosso fazer.

Essa consciência intencionada e livre é que faz a dignidade humana daação. E porque esta se torna humana, está aberta à interação com o outro– também consciente e livre. As atividades e ações coletivas, então, não sedefinem pela mecânica da justaposição, mas pela dinâmica da integração solidáriaou, até mesmo, do conflito de contrários. Sempre conscientes, em busca demais conscientização. Sempre livres, em busca de mais liberdade.

E, justamente porque as atividades são teoréticas, poiéticas e práticas, éimportante que, no agir cotidiano, a eupraxía, o “fazer bem feito”, não seja umasimples e vaga intenção, mas um valor “ontológico”, isto é, próprio do ser daação prática.

Assim, certas ações são, em um sentido mais profundo, dotadas deêxito em si mesmas, isto é: estão bem feitas e, por isso, são úteis e têm êxito;esse ser proporcionado à ação é um valor ontológico interno da mesma noterreno moral prático, e não apenas uma conduta superficial de um mero “querofazer algo bem feito”. Pensar assim conduz a um entendimento mais profundo da ação ede seu significado total para a vida (Brandenstein, 1977, p.51).

É no agir que o ser humano produz a própria existência. Um agir quedá seqüência a atividades que não estão completamente sob seu domínio, comotodo o dinamismo das atividades funcionais. Mas também um agir quepotencializa essas atividades, exercitando-as na conquista de seu desenvolvimentopleno ou bloqueando-as na renúncia da plenitude de suas manifestações vitais.Um agir voltado para as alianças da integração de ações, no qual o sentido dainteração é a conquista de objetivos e interesses comuns, em plano micro oumacrossocial. Realizada por pessoa ou grupo humano (classe social, comunidadeou grupo social), a ação implica alteração das coisas e do ambiente, num fazerde construção, transformação ou invenção, sempre em busca de situaçõesfavoráveis de existência.

Um agir que, desde sempre, adquire as características de um trabalho,palavra quase tão presente quanto ação. Termo, também, de múltiplas ediferenciadas significações.

EupraxíaEupraxíaEupraxíaEupraxíaEupraxía – – – – – indica o comportar-sebem, isto é, adequada e ordena-damente ou segundo as leis.Xenofonte (séc. V a.C.),historiador e ensaísta grego,discípulo de Sócrates, designacom essa palavra o ideal moralde seu mestre.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

É esse agir de quem produz a existência que nos leva a concretizar aanálise, com exemplo nos dois campos fundamentais para a vida humana emque estamos atuando: saúde e educação.

A ação no campo da Saúde

Como profissional da área de Saúde, certamente você pode exemplificarde muitas maneiras o “fazer humano” como prática comprometida com acriação e recriação das condições de vida.

Aqui usaremos, como momento de reflexão, um artigo sobrecompartilhamento de saberes nas ações de saúde, publicado no no 21,nov/dez.2001, da revista TEMA, da ENSP/FIOCRUZ.

O diálogo deve ser aberto e problematizadorO diálogo deve ser aberto e problematizadorO diálogo deve ser aberto e problematizadorO diálogo deve ser aberto e problematizadorO diálogo deve ser aberto e problematizadorAna Beatriz de Noronha

No Brasil, como no mundo, grande parte da população sempreviveu muito distante daquilo que podemos chamar de condições adequadasde vida e saúde. Como mudar essa situação? Para muitos profissionais quetrabalham na área, a única alternativa viável seria a substituição de ummodelo de atenção à saúde – que considera prioritariamente os aspectosbiológicos do processo saúde/doença, privilegia o caráter curativo damedicina e só se mantém atrelado a uma dispendiosa estrutura dediagnóstico – por um novo modelo que, trabalhando segundo os princípiosde universidade, eqüidade, integralidade, descentralização e participaçãosocial, busque compreender os aspectos sócio-econômicos e culturais queafetam as condições de vida da população e, conseqüentemente, a suasaúde.

Isso foi estabelecido na Constituição Brasileira de 1988, com a criaçãodo Sistema Único de Saúde (SUS), que adotou um novo modelo assistencialpara a organização das ações de saúde. Essa mudança precisa, no entanto,ser complementada pela aplicação de novas práticas médicas e adoção,por parte dos profissionais da área de saúde, de uma nova postura norelacionamento com outros segmentos da sociedade e com a população,que depende de seus serviços.

O sucesso dessa nova concepção de atenção à saúde só é possívelse houver efetivação da integralidade prevista nas diretrizes do SUS. Ouseja, a existência de ações de promoção, prevenção e assistência, aintegração entre os diversos níveis de complexidade do sistema, a vigilânciaà saúde, o planejamento de ações junto à comunidade e o compartilhamentode saberes, tanto entre os diversos profissionais que atuam na área quantoentre eles e profissionais de outras áreas e entre eles e a população.

Ciência e senso comumCiência e senso comumCiência e senso comumCiência e senso comumCiência e senso comumSegundo o dicionário Aurélio, o senso comum é definido como o

“conjunto de opiniões e modos de sentir que, por serem impostos pelatradição aos indivíduos de uma determinada época, local ou grupo social,são geralmente aceitos de modo acrítico como verdades e comportamentospróprios da natureza humana”. Assim como o conhecimento científico, osenso comum não é um conhecimento cristalizado e estático. Ambos sealteram ao longo do tempo, ao agregarem e reinterpretarem novos conceitose práticas geradas no seu próprio campo de produção de saber ou em

Rememore o seu dia de trabalho(ou algum momento dele) epense nas atividades/ações quedesempenhou/desenvolveu.O que caracterizou o seu agir?Que dimensão tem o seu agirpara a realização do seu projetopessoal de vida e para osinteresses comuns das pessoaspara os quais o seu trabalho sevolta?Conhecimentos de que tipoinformam o seu agirprofissional?

TEMA é uma publicação daFundação Oswaldo Cruz,editada pelo Programa RadisPrograma RadisPrograma RadisPrograma RadisPrograma Radis(Reunião, Análise e Difusão deInformação sobre Saúde) daEscola Nacional de SaúdePública. A assinatura da revista(quadrimestral) é gratuita, emconjunto com SÚMULA eDADOS.Endereço: Av. Brasil, 4036, sala515CEP 21040-361ManguinhosRio de JaneiroTelefax (021) 2260-7979E-mail:[email protected]@[email protected]@[email protected]: wwwwwwwwwwwwwww.ensp.fiocruz.br/.ensp.fiocruz.br/.ensp.fiocruz.br/.ensp.fiocruz.br/.ensp.fiocruz.br/publi/radis/prgradis.htmpubli/radis/prgradis.htmpubli/radis/prgradis.htmpubli/radis/prgradis.htmpubli/radis/prgradis.htm

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Conhecimento e ação

outros. Durante muitos séculos, por exemplo, o homem acreditou que era osol que girava em torno da terra. Quando Galileu afirmou o contrário,quase foi queimado vivo. Hoje, se a descoberta de Galileu nos parece algonatural e incontestável, é porque o senso comum já incorporou a descobertada ciência e a transformou em senso comum. Por outro lado, o ponto departida para muitas investigações científicas é a prática do senso comum. Éde uma forma dinâmica, portanto, que os diferentes saberes se relacionamem um eterno processo de geração de conhecimento.

Por muito tempo, a valorização do conhecimento científico – adquiridoatravés de métodos experimentais e do uso do raciocínio lógico e tido comoverdadeiro, erudito, preciso e coerente – e a simultânea desvalorização dosenso comum – forma de conhecimento baseado nos sentidos e, por isso,tido como popular, vulgar e impreciso – serviram para justificar relaçõessociais conflituosas, nas quais os detentores do conhecimento científicousavam seu saber para impor suas vontades e justificar as desigualdades, aexploração econômica e, até mesmo, o uso da violência contra seussemelhantes.

No Brasil, no final dos anos 70, o início do processo deredemocratização política, que impõe a necessidade de se lidar com “controlesocial”, “cidadania” e “participação social”, acaba se transformando nummarco para se pensar a educação não mais como o simples acesso àescola e o acúmulo de conhecimento sistematizado, mas como uma açãoideológica e transformadora que, ao ampliar a visão crítica dos sujeitos,articula recursos e reinventa laços sociais, possibilitando a participação detodos na construção de uma sociedade mais justa.

PPPPPor que compartilhar saberes?or que compartilhar saberes?or que compartilhar saberes?or que compartilhar saberes?or que compartilhar saberes?No texto O processo de construção compartilhada do conhecimento:

uma experiência de investigação científica do ponto de vista popular– publicado no livro A saúde nas palavras e nos gestos, de EymardVasconcelos –, Maria Alice Carvalho, Sônia Acioli e Eduardo Stotz,pesquisadores do Elos [Núcleo de Estudos Locais em Saúde], definemconstrução compartilhada do conhecimento como “uma metodologia,desenvolvida na prática da Educação e Saúde, que considera a experiênciacotidiana dos atores envolvidos e tem por finalidade a conquista, pelosindivíduos e grupos populares, de maior poder e intervenção nas relaçõessociais que influenciam a qualidade de suas vidas”. Esse conceito vemsendo apropriado pelo campo da Educação Popular e Saúde e ganhandoimportância por vários motivos que tornam o diálogo entre saberes inevitável,dentre eles: a existência de diferentes sistemas médicos que tendem a serexcludentes, uns em relação aos outros – o que afeta diretamente as práticasde saúde; a certeza de que, na concepção de integralidade da pessoa enão só das ações, os problemas emocionais relacionados ao drama davida de cada um atuam diretamente no aparecimento, tratamento e cura deinúmeras enfermidades; e os limites da própria ciência, especialmente da

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3 Educação/Conhecimento/Ação

medicina, que desconhece a causa de várias doenças e ainda não descobriua cura para uma grande quantidade de problemas de saúde que causamconsideráveis danos sociais, culturais, econômicos e emocionais.

Na construção compartilhada do saber, o que se busca é umconhecimento que supere tanto o conhecimento oficial quanto o sensocomum, e isso só acontece na prática, como explica Eduardo Stotz:

– Quando a gente fala de compartilhamento, a gente se refere asituações concretas, nas quais isto esteja em pauta. Diante de um quadrode doenças crônicas na área de saúde mental, por exemplo, não se podeconsiderar somente o saber psiquiátrico ou o psicanalítico. Nós sabemosque existe ainda, entre outras coisas, o saber popular e a religião. Umacoisa bastante comum é o papel que certas entidades religiosasdesempenham no acolhimento de pessoas com problemas mentais. Caberiaà rede de serviços incorporar esses centros como uma espécie de referência,reconhecer a existência dessas entidades e assumir que elas podem funcionarcomo ‘instâncias sentinelas’ para esse tipo de problema, e aceitar que areligião influencia até mesmo no tratamento dessas enfermidades.

Uma outra razão que, segundo José Wellington de Araújo, tambémpesquisador do Elos, torna a construção compartilhada do conhecimentotão necessária é a controvertida formação acadêmica dos médicos e deoutros profissionais da área da saúde.

– Hoje em dia, fala-se muito em atenção integral ao paciente, em sever o paciente como um complexo único, uno. O problema é que o médicopassa seis anos sendo doutrinado para entender o contrário. Isso não éculpa dele, mas do sistema de formação. O resultado é que, de certa forma,o médico, mesmo bem formado, acaba sendo a pessoa menos indicadapara entender uma doença. “Quem calça um sapato é que sabe onde lheaperta”. Isso quer dizer que há certos aspectos da doença que só quementende é o próprio doente. É o que chamamos de “experiência deenfermidade” e que pode ser entendida tanto no nível individual quanto nonível coletivo, quando se trata dos problemas de saúde de uma comunidade.Não se pode desprezar esse conhecimento se queremos, de fato, chegar aalgum lugar – afirma Wellington.

No meio do caminho tem uma pedra...No meio do caminho tem uma pedra...No meio do caminho tem uma pedra...No meio do caminho tem uma pedra...No meio do caminho tem uma pedra...Perfeita na teoria, a construção compartilhada do saber encontra,

na prática, diversas dificuldades, diversas pedras no meio do caminho.Uma delas é o limite em que essa relação se estabelece. Para Stotz, seespontaneamente as coisas caminham nessa direção, se hoje os serviços jáadmitem a inclusão da homeopatia e já se fala até em cura espiritual, atendência é que mais cedo ou mais tarde haja uma nova divisão e cada umvolte a afirmar a sua competência, a sua autoridade sobre os outros.

– Do ponto de vista dos sistemas médicos e profissionais, existe umatensão constante, uma disputa permanente. Se a gente pudesse entender asaúde como um campo, a gente diria que é um campo de práticas e saberesatravessado pelos pacientes e suas famílias. Eles é que costuram, que unemessas práticas e saberes através de seus itinerários, que tanto consultam umpai de santo ou uma Igreja Universal do Reino de Deus quanto um psiquiatra,e aprendem pegando pedaços de um e de outro. Os médicos e profissionaistendem a ficar encapsulados nos seus próprios sistemas porque é o quelhes dá referência para a prática profissional. Na perspectiva da educaçãopopular, seria como dizer: “Vamos acompanhar a história do paciente coma sua família e vamos ver no que isso ilumina a área da saúde” – diz Stotz.

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Conhecimento e ação

Para Wellington, a apropriação do discurso da construçãocompartilhada do conhecimento para a reprodução de relações de saberautoritárias é outro ponto a ser combatido.

Muitas vezes, em sua opinião, a Educação e Saúde utilizam umdiscurso muito parecido com o dialógico, mas o que as pessoas buscam nodiálogo com o outro – de maneira consciente ou não – é apenas descobrira matriz comunicacional de seu interlocutor para adequar a mensagem quequer transmitir aos códigos daquela matriz de comunicação.

– Isso não tem nada a ver com compartilhamento de saberes. Isso ésó mais um instrumento de dominação. Nós sabemos que somos portadoresde um conhecimento determinado, mas que há lacunas no nosso saber.Também sabemos que existe um saber popular, mas não acreditamos, comoalgumas correntes antigas e românticas, que o saber popular é tudo.Achamos que o diálogo deve ser aberto e problematizador. E se nósentendemos assim, não é porque somos bonzinhos, mas é porqueacreditamos que as coisas só funcionam dessa forma – conclui o pesquisador.

A ação no campo da Educação

Também o profissional da educação depara-se continuamente comquestões que devem ser problematizadas para que sua atuação profissionaltenha sentido e, sobretudo, para que seus alunos se beneficiem da ação educativa.

Estamos falando de questões que, vinculadas ao fazer educativo, estãosempre exigindo que o docente se coloque à escuta: o que é educar? quemeduca quem? onde se situa a centralidade do ato educativo? qual o sentido daeducação? educar para quê? como? quais os fins da educação? por que educar?quais os meios para atingir os fins? quais os seus limites? qual o seu papel social?a prática pedagógica e os conteúdos educativos são aplicáveis a todo e qualquertempo, lugar, contexto e ser humano?

Tudo o que vimos abordando nestes três primeiros módulos evidenciaque a educação se realiza como prática social e, portanto, está fortemente marcadapela inserção no contexto cultural. Este, por sua vez, está em movimento, emmudança, em permanente interação com outras situações de diferentes culturas,com distintos modos de produção da existência, com variadas formas degerenciar a vida social.

Nessa teia de ações e concepções inter-relacionadas, em encontros,convergências, desencontros e divergências, a educação apresenta-se como umaatividade de interpretação dessa complexidade. Ao mesmo tempo, dela faz parte.

Os sujeitos do processo educativo – sejam eles educadores oueducandos –, justamente porque interagem como pessoas historicamentesituadas, trazem essa complexidade como “matéria-prima” da construção daprópria prática educativa.

Leia e discuta esse texto com oseu grupo de estudo ou detrabalho.Que afinidades e/ou divergênciasvocês encontram com o agir emsaúde apresentado no texto?Como vocês entendem aspráticas e os saberes nas açõesde atenção à saúde?Registre as conclusões do grupono Diário de Estudo.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Ajuda-nos a análise da experiência acumulada, mas é necessárioproblematizar sempre as atividades, as ações da prática pedagógica. Nessesentido, a educação é uma questão em busca de respostas.

Aqui também usaremos, como momento de reflexão, um artigo derevista. Trata-se de texto publicado na Nuevamérica: a revista da Pátria Grande,no 84, de dezembro de 1999, do qual destacamos este fragmento:

CCCCConstruir ecossistemas educativos. Reinventar a escolaonstruir ecossistemas educativos. Reinventar a escolaonstruir ecossistemas educativos. Reinventar a escolaonstruir ecossistemas educativos. Reinventar a escolaonstruir ecossistemas educativos. Reinventar a escola

Vera Maria Candau

Neste final de século e de milênio, a educação vive, no continentelatino-americano, um momento especialmente paradoxal e contraditório.Não se pode negar a enorme expansão do sistema educacional nas últimasdécadas, pelo menos no que diz respeito à educação básica.

O discurso oficial hoje apresenta a educação como a granderesponsável pela modernização de nossas cidades, por suas maiores oumenores possibilidades de integrar-se no mundo globalizado e na sociedadedo conhecimento, que exigem altos níveis de competência e de domínio dehabilidades de caráter cognitivo, científico e tecnológico, assim como odesenvolvimento da capacidade de interação grupal, iniciativa, criatividadee uma elevada auto-estima. A educação é encarada como esperança defuturo.

No entanto, persistem no continente altos índices de analfabetismo,evasão, repetência e desigualdades de oportunidades educacionais entrediferentes países, assim como entre regiões geográficas de cada um deles.

Em muitas sociedades, é grave a crise da escola pública e a crescentefragmentação do sistema de ensino – em geral os grupos sociais maispobres só têm acesso a determinadas escolas públicas e outras faixas dapopulação, de maior poder aquisitivo, freqüentam as melhores instituiçõespúblicas e particulares, muitas delas consideradas de excelência.

Essa crescente diferenciação do sistema traduz também uma equaçãode menor a maior qualidade e evidencia a tendência à inserção da educaçãona lógica do mercado, como um produto de consumo, que se compra,segundo as possibilidades econômicas de cada um.

Esta é a tendência dominante. No entanto, não se pode ignorar queno continente existem inúmeras experiências e buscas situadas em outrasperspectivas. A realidade educacional é muito mais heterogênea e pluraldo que a descrição que, muitas vezes, nos é feita de sua problemática,desafios e alternativas. É importante que, também nesse âmbito, não caiamosna armadilha do pensamento único.

Um dos desafios do momento é ampliar, reconhecer e favorecerdistintos locus, ecossistemas educacionais, diferentes espaços de produçãoda informação e do conhecimento, de criação e reconhecimento deidentidades, práticas culturais e sociais. De caráter presencial e/ou virtual.De educação sistemática e assistemática. Onde diversas linguagens sãotrabalhadas e pluralidade de sujeitos interagem, seja de modo planejadoou com caráter mais livre e espontâneo.

A escola está chamada a ser, nos próximos anos, mais que um locusde apropriação do conhecimento socialmente relevante – o científico –, umespaço de diálogo entre diferentes saberes – científico, social, escolar, etc. –e linguagens. De análise crítica, estímulo ao exercício da capacidade reflexiva

Ecossistema – Ecossistema – Ecossistema – Ecossistema – Ecossistema – sistema em quehá interdependência e interaçãoentre organismos vivos e seuambiente físico, químico ebiológico.

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Conhecimento e ação

e de uma visão plural e histórica do conhecimento, da ciência, da tecnologiae das diferentes linguagens.

Outro grande desafio que se coloca para a reinvenção da escola serelaciona com a articulação entre igualdade e diferença. Durante muitotempo, a cultura escolar configurou-se a partir da ênfase na questão daigualdade, o que significou, na prática, a afirmação da hegemonia dacultura ocidental européia e a ausência no currículo e em outras práticassimbólicas presentes na escola, de outras vozes, particularmente referidasàs culturas originárias do continente, à cultura negra e de outros gruposmarginalizados de nossas sociedades.

Hoje, em nosso continente, são cada vez mais numerosos osmovimentos sociais e de caráter identitário que questionam o universo escolarassim configurado e apresentam diferentes propostas na ótica de uma culturaescolar mais plural, que incorpore contribuições de diferentes etnias equestione os estereótipos sociais, de gênero, etc., veiculados pela escola.Situam-se esses movimentos cada vez mais na perspectiva da promoção deuma educação verdadeiramente intercultural, anti-racista e anti-sexista, comoprincípio configurador do sistema escolar como um todo e não somenteorientada para determinadas situações e grupos sociais.

A educação na América Latina tem de enfrentar no próximo milênio,que já está em processo, questões radicais: construir e/ou promoverecossistemas educativos diversificados, modificar os seus locus e reinventara escola. Uma proposta educativa ampla e consistente, capaz de contribuirpara encontrar respostas aos desafios que todo o continente está chamadoa encarar para construir sociedades onde a justiça, a solidariedade e afelicidade sejam direitos de todos. Sem horizonte utópico é impossível educar.

A menção da utopia necessária, no texto acima, que serve tão bem paraapontar caminhos diante do enfrentamento lúcido da complexidade, ajuda-nosa encarar questões que, mesmo mais amplas que a educação, nela atuam, porquefazem parte da vida dos sujeitos do processo educativo – professores e alunos.

Dimensões socioculturais no processo educativo

Apesar da tendência conservadora à homogeneização da escolaformal – considerada esta de forma genérica –, a presença da diversidade no seuseio é uma realidade inconteste.

Quando se pretende pensar em educação e práticas pedagógicas, nãohá como supor que a questão cultural e sua multiplicidade e diversidade possamser deixadas de lado. Tura (1999) afirma a necessidade de levar em conta aimperativa presença dos “sujeitos ativos” nos processos escolares e de suascaracterísticas culturais. Ao que se pode acrescentar que, sem isso, o planejamentoe a construção idealizada da vida e do trabalho na escola tenderão ao fracasso.

Leia e discuta também esse textocom o seu grupo de estudo oude trabalho.Que desafios ele propõe sobre aspráticas e os saberesdesenvolvidos na escola?Registre as conclusões do grupono Diário de Estudo.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

A autora afirma, ainda:

O heterogêneo consagra formas de convivência, interações sociais, valores, saberes,costumes, que são decorrentes de práticas e significados construídos historicamenteem diferentes campos de luta política e no interior de organizações sociais derelacionamento assimétrico entre as partes (Tura, 1999, p.102).

É da interação entre o conjunto de circunstâncias históricas, fortementemarcadas pelo autoritarismo, a desigualdade social, o preconceito, adiscriminação e as características das práticas pedagógicas, que emerge adificuldade da instituição escolar em lidar com o mundo diverso que entraem seu espaço, pela presença da vida real, expressa no corpo e na alma doalunado. Na verdade, a escola não consegue se desvincular da postura idealista,em que o aluno, de forma homogênea, tem características completamentediferentes das do aluno real. O aluno ideal é “bem-educado”, bem-alimentado,faz suas tarefas de casa a contento, de preferência com a ajuda de um dospais. Estes, por sua vez, acompanham o desenvolvimento da vida escolardos filhos, têm emprego estável, constituem uma família nos moldestradicionais, têm renda familiar suficiente para viver com dignidade e,sobretudo, afinam-se – pais e filhos – com o habitus transmitido pela escola.O aluno real é bem diferente desse modelo.

À imagem desse aluno idealizado contrapõe-se uma realidade em que oaluno estereotipado não mais existe – ou está em vias de extinção, inclusive naclasse média –, e a homogeneidade é apenas uma fantasia.

Esse conjunto de circunstâncias (...) deixa bem visível que a escola brasileiranão tem parâmetros para lidar com o diferente, não temespaços – político-pedagógicos – para acolher os “novos sujeitos da escolaridade”(crianças indígenas e negras, filhos de trabalhadores rurais e de imigrantes,favelados, meninos de rua, analfabetos) (...) A isso se acrescem as dificuldadesde absorver as novidades no campo da cultura urbana globalizada, asmudanças nas formas de conhecimento, as transformações sociais e tecnológicas,além dos novos valores juvenis, dos novos padrões da vida sexual e dos hábitosde convivência entre pares (Tura, 1999, p.102).

Você observou que a escola é percebida neste texto como um espaço derelações sociais diversificadas, onde muitos agentes interagem,influenciando-se mutuamente e, pode-se mesmo dizer, educando-semutuamente. Esses vários personagens são alunos, professores, funcionáriosde apoio e familiares dos alunos, principalmente.

A autora entende que existe na escola uma tendência que leva àvalorização de atitudes produtivas e disciplinadas por parte dos alunos edesconhece as diversidades, supondo que “apenas uma cosmologia tem sentido evalor.”

Qual o seria o sentido objetivo dessa atitude? O que se pretenderia comela?

HabitusHabitusHabitusHabitusHabitus – – – – – conceito relativo agostos e disposições produzidospelos condicionantes sociais.Espécie de sistema adquirido depreferências e de princípios devisão, de estruturas cognitivasduradouras e de modos de serque orientam a percepção dasituação e a resposta adequadapor parte dos indivíduos.

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Conhecimento e ação

Alguns autores, como Baudelot e Establet (1976), acreditavam que aescola existe para segregar as pessoas, confirmando uma separação já existentefora de seu perímetro, fundamentada na divisão da sociedade em classes. Assimsendo, seria ilusório imaginar a existência de uma escola única, voltada para atransmissão equânime do saber social. Ela seria, então, a instituição mais eficientepara segregar as pessoas, por dividir e marginalizar parte dos alunos com o objetivo dereproduzir a sociedade de classes (Meksenas, 1988).

Esses autores, vinculados ao pensamento marxista, afirmam que apenastransformações mais profundas na sociedade poderão levar à democratizaçãoda educação. Numa sociedade de classes, as instituições reproduzem a estruturasocial e os interesses da classe dominante, dizem eles. De acordo com essalógica, pois, o fracasso escolar não se constituiria em expressão do malfuncionamento da escola, mas, ao contrário, teria o objetivo de confirmar asegregação social fundada no campo da produção econômica, da produção eda reprodução da vida material, representando, assim, o bom funcionamento daescola, do ponto de vista dos interesses dominantes.

Como imaginar a existência de uma escola única e democrática, preocupadacom a inclusão de seus alunos na sociedade moderna e no mundo dos direitoscidadãos, se, a começar pela linguagem, ela discrimina? Na escola, a linguagem seapresenta de vários meios: no discurso do professor ou nos seus gestos, no conteúdo doslivros adotados, nos programas de ensino, nas regras de convivência ou em normas disciplinares.Tudo são meios para expressar idéias, sentimentos e modelos de comportamento; tudo isso seconstitui na linguagem da escola (Meksenas, 1988, p.66).

O autor afirma que tratar com a mesma linguagem crianças oriundas declasses sociais diferentes (Bourdieu diria de classes ou grupos sociais diferentes)faz com que se reproduza a desigualdade e não a igualdade. A criança da classedominante conhece, utiliza essa linguagem, ao contrário daquela da classedominada, conforme apontam Baudelot e Establet. Isto não quer dizer queseja impossível aos filhos das classes populares ter sucesso na escola e, sim, que,para eles, as dificuldades serão muito maiores.

Pierre Bourdieu (1974), discutindo esse tema, afirma que a educação seconstitui em um dos processos por meio dos quais se dá a reprodução cultural.Esta tem por finalidade reproduzir as condições em que se dá a reprodução socialna sociedade, contribuindo, em última análise, para reproduzir as estruturas dedominação simbólica e material.

Assim, quando uma criança da classe popular entra na escola, já tem seudestino traçado, uma vez que vem de um mundo distante daquele da culturadominante operada pela escola. Esse “mundo” não contém apenas conteúdosexplícitos, como os conhecimentos disciplinares (matemática, o idiomapátrio, etc.), mas sobretudo formas de agir, sentir, pensar e perceber,componentes de dada cultura que funcionam como uma “chave” de acesso

A reprodução, obra de PierreBourdieu que trata do sistema deensino, trouxe ao debate afunção da escola capitalista.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

aos saberes das classes e grupos sociais dominantes. Estes são, também,socialmente legitimados e positivamente valorizados, inclusive pelos gruposcujas culturas são desqualificadas e, mesmo, ignoradas nesse processo.

Certamente a escola tem uma tendência a reproduzir os padrõesdominantes. Ela está imersa na sociedade, de onde vêm os sujeitos que nelainstituem a prática social educativa. Ela é constituída pelas relações deinteração – aberta, portanto, à pluralidade e diversidade dos sujeitos. Estes, cadavez mais, vêm se determinando por múltiplas influências. Assim é que a escola seapresenta também como um espaço de possibilidades transformadoras doconvívio social.

Da mesma forma que a escola tende a reproduzir, a escola tambémtende a questionar criticamente a sociedade. É nesse encontro e desencontroque se tece o processo educativo.

Da educação, espera-se um compromisso, não só com a transmissãodos conhecimentos socialmente produzidos, mas também com a formaçãode pessoas autônomas, que possam “cuidar de sua vida”, de maneira conscientee responsável, de modo a manter-se e à família com dignidade e independência.Assim é que o respeito à diversidade como condição para o sucesso daaprendizagem deve ter um sentido não restrito aos resultados de rendimentoescolar, mas ao fornecimento de ferramentas conceituais necessárias para interpretar arealidade e tomar decisões a partir daí. Uma das ferramentas será a capacidade de analisaro mundo em que se vive, dialogar com suas diferenças e inserir-se em um processo de emancipação,que possa acolher diferenças percebidas... (Tura,1999, p.111).

A diversidade trazida à cena social contemporânea pelaexistência – atualmente bastante combativa – das chamadas minorias não podedeixar de ser lembrada quando se discutem as condições sociais de produçãodo conhecimento sistematizado e do trabalho docente-discente na escola.

A literatura mostra que, apenas nas últimas décadas, esses “novos atores”passaram à cena social e política, embora sua existência e seus problemas – quesó recentemente vêm sendo debatidos – venham desde a constituição dasociedade moderna, na aurora do capitalismo e das formações sociais burguesas,no contexto dos novos padrões de sociabilidade por elas inaugurados.

É recente a constatação e a legitimação do direito do diverso à expressão.Costa (1987, p.228) afirma que em termos teóricos, estatísticos, ideológicos e políticos, asminorias têm sido pouco consideradas ao longo da história moderna e contemporânea. Hoje,essas minorias se organizam para expressar a importância de seus anseios, valores e objetivos.

A autora declara ainda que o tratamento “minoria” ou “maioria”, dadoaos movimentos sociais atuais, depende de sua força política. Pode-se considerarque a capacidade de se legitimarem por meio do poder de sua organização epor suas reivindicações – por sua força política, portanto – os caracteriza,hoje, como os “novos atores que entraram em cena”, parafraseando o falecidosociólogo Éder Sader. Esses novos sujeitos, na verdade, atingiram essa condiçãopor meio das lutas que empreenderam, uma vez que há muitas décadas, hámais de um século, seus problemas persistem. A diferença é que, anteriormente,não eram reconhecidos, suas vozes não eram ouvidas, seu sofrimento haviasido naturalizado por uma visão de mundo hegemônica, introjetada ereproduzida inclusive no seio mesmo desses grupos dominados.

Qual o seu posicionamento arespeito dessa discussão? Aescola só reproduz o existente ouela pode contribuir paraquestionar a necessidade detransformação? Argumente emfavor da educação e da escolaem que você acredita.Registre seu pensamento noDiário de Estudo.

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Conhecimento e ação

Em todo o mundo, as ciências sociais vêm tematizando questões relativasà velhice, às mulheres, aos homossexuais, às prostitutas, aos negros, às populaçõesnativas, aos povos de origem africana, aos mestiços, aos imigrantes, aosportadores de imunodeficiência adquirida por HIV, em suma, a todos os gruposde alguma forma discriminados e oprimidos. Incluíram-se na pauta dos temasrelevantes para as ciências sociais sujeitos trazidos por critérios que não apenaso de classe social. Por exemplo, incluíram-se as questões culturais, as relativas agênero, a orientação sexual, dentre outras. É claro que há resistências à legitimaçãode tais critérios. No campo da educação, no entanto, não há como desprezá-los. Há muitos estudos sobre a presença e a importância da multiculturalidadena escola que precisam ser conhecidos e compreendidos para que os processosescolares realmente cheguem a bom termo, para a construção de pessoasconscientes, competentes, autônomas e capazes de dialogar com as diferenças.

É nesse quadro de diversidade – em uma sociedade profundamentedesigual – que as condições da vida contemporânea se impõem aos processoseducativos, trazendo para a escola questões, que, se não cabe à educação resolver,cabe, sim, ajudar a compreender, para poder transformar. Pobreza e violênciasão apenas exemplos.

Pobreza

Em seu livro Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea,Celso Furtado nos diz que podemos abordar o problema da pobreza deângulos diferentes.

Três são as dimensões que têm preocupado os estudiosos da matéria:1) a questão da fome endêmica, que está presente, em graus diversos, emtodo o mundo; 2) a questão da habitação popular, que em alguns paísesjá encontrou solução; e 3) a questão da insuficiência da escolaridade,que contribui para perpetuar a pobreza.Vou me limitar a tratar a questão do ponto de vista econômico, portanto maislimitado. O que me interessa é responder à questão: por que o Brasil sesingulariza pela concentração de renda e da riqueza? (...)... o problema da pobreza no Brasil não reflete uma escassez de recursos.E sim uma forte propensão ao consumo por parte dos grupos de alta renda.(...)O Brasil é um dos poucos países que dispõem de nível de renda per capita ede grau de urbanização suficientes para, em prazo relativamente curto, erradicara fome e a miséria. Nosso problema maior – o da pobreza – tem solução seadotamos uma política adequada. Vontade e ação política: é disso quenecessitamos. (...)

Celso Furtado nasceu em 1920na Paraíba, é Doutor emEconomia pela Universidade daSorbonne e fez pós-doutoramentona Universidade de Cambridge.Foi Ministro do Planejamento degoverno de João Goulart e,voltando do exílio, foi Ministro daCultura. Sua obra maisimportante é Formaçãoeconômica do Brasil.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

... a crise que aflige nosso povo não decorre apenas do amplo processo dereajustamento que se opera na economia mundial. Em grande medida ela é oresultado de um impasse que se manifestaria necessariamente em nossa sociedade,a qual pretende reproduzir a cultura material do capitalismo mais avançado,privando assim a grande maioria da população dos meios de vida essenciais(Furtado, 2002, p.12-35).

A situação de pobreza pode ser identificada sempre que a quantidadede bens (sociais e naturais) é insuficiente para atender às necessidades das pessoas(Costa, 1987). Ela só pode ser percebida e entendida se relacionada à riqueza.Assim, a autora propõe que o padrão de acesso da população aos bens materiaise culturais deva ser visualizado, tendo-se como referencial a quantidade debens produzida socialmente. Somente assim se poderia falar em pobreza. Ouseja, pobreza e riqueza seriam relativas à quantidade de bens existentes e àmaneira como estão distribuídos socialmente.

Em relação à sociedade contemporânea, afirma-se que nunca aprodução de riqueza foi tão volumosa, nunca se produziu tanto comoatualmente. No entanto, nunca houve tantas pessoas pobres, nunca a pobrezafoi tão grave. Costa verifica que

... nunca a pobreza adquiriu caráter tão agudo como na época contemporânea.É alarmante o contraste entre o acúmulo de bens produzidos, aos quais osindivíduos aspiram, e o número de seres que têm pouca ou nenhuma possibilidadede acesso a tais bens (Costa, 1987, p.215).

Ao analisar a questão da pobreza na sociedade brasileira atual,constatamos, em contraste com uma economia moderna, a existência de milhõesde pessoas excluídas de seus benefícios, assim como dos serviçosproporcionados pelo governo para seus cidadãos (Schwartzman e Reis, 2002).Nosso desenvolvimento se fez, e se faz, por um processo de “modernizaçãoconservadora”, caracterizado, precisamente, pela não incorporação de grandessegmentos da população aos setores modernos da economia, da sociedade edo sistema político (Schwartzman, 1982).

Chegamos ao século XXI com 170 milhões de habitantes, em sua grandemaioria sediados nas cidades. Apesar de termos alcançado um per capita razoávelpara a região (próximo ao do México, Chile e Argentina), nossos níveis deexclusão e desigualdade são muito maiores, estando entre os piores do mundo.

Os dados das últimas décadas mostram que os indicadores relativos aeducação, saúde, habitação, seguridade social e consumo de bens duráveis vêmaumentando progressivamente, mas ainda colocam o Brasil em situação bastantedesfavorável, comparativamente a outros países da região.

A concentração populacional nas grandes cidades, a reestruturação dosetor industrial e o pouco crescimento econômico estão criando um novoelenco de carências e problemas, relacionados ao desemprego, à desorganizaçãoe violência urbana, à insegurança pessoal e à deterioração de alguns serviçospúblicos, como na área da Saúde Pública, com a volta de enfermidadescontagiosas que já se consideravam extintas (Schwartzman e Reis, 2002).

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Conhecimento e ação

Os analistas que têm tratado do tema concordam que existe uma fortecorrelação da desigualdade de renda no país com as diferenças em educação:

Sem educação, é difícil conseguir emprego, e, na ausência de uma populaçãoeducada, poucos empregos de qualidade são criados. Com a escassez da educação,seu valor de mercado aumenta, e esta é uma das grandes causas da desigualdadede renda observada no país (Schwartzman e Reis, 2002, p.5).

O desemprego sempre afeta os trabalhadores de maneira desigual. Nesse ‘infernoastral’ que os atingiu nos anos 90, ocorreram alterações significativas naestrutura e no tempo de desemprego. Entre 1989 e 1998, o desempregocresceu relativamente mais entre homens e mulheres de idade superior a 40anos, e, paradoxalmente, para os de maior escolaridade. Tais dados demonstrama falsidade da argumentação do governo e de seus economistas que, depois denegaram o crescimento violento do desemprego, tentaram atribuí-lo àdesqualificação do desempregado (Tavares, 1999).

É importante ter claro que as principais medidas para os processos deinclusão ou exclusão são econômicas (e, portanto, definidas no âmbito doplanejamento e desenvolvimento de políticas públicas), ainda que em forteassociação com ações sociais e culturais. E não é verdade que nada pode ser feito emrelação à pobreza, enquanto a situação educacional da população não se alterar de forma maissubstancial (Schwartzman e Reis, 2002, p.5).

A pobreza aponta para uma composição de situações que determinamum estado de privação, que requer, por isso, um conjunto de ações determinadaspara superá-la. Diante da pobreza, não se pode dar a hipótese de uma açãoque não seja transformadora.

Aos profissionais da saúde e aos profissionais da educação importa terpresente seu envolvimento em áreas de atuação que são em si mesmas tendentesà superação das privações, já que educação e saúde são condições fundamentaisde inclusão social.

Mais ainda. As ações nesses setores são intrinsecamente solidárias aooutro, no convívio social e humano. Tanto na saúde quanto na educação, cabe,em relação à pobreza, reconhecer e promover toda pessoa humana comosujeito social de direitos.

Violência

Tema contemporâneo, a violência, que vem se manifestando de diferentesformas em todo mundo, no âmbito mais amplo da sociedade e das relações,adentra, nos dias atuais, os muros escolares. Prejudica o funcionamento dasescolas, especialmente das públicas, muitas vezes localizadas em regiões pobres,onde se constituem em um dos poucos recursos com que conta a populaçãopara aceder à cultura e ao saber legitimados e valorizados socialmente.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Uma vasta literatura nos informa que a violência surgiu com a civilização.Na natureza, as agressões sempre se dão por razões de sobrevivência – daespécie, no caso da luta entre machos pela conquista da fêmea; do animalisolado, quando faminto e com necessidade de saciar a fome. Mesmo nessascircunstâncias, são mantidos alguns rituais e condições, impostos como limitesà violência.

Ela é o oposto da natureza. É a imposição de uma vontade a outravontade, pela força. É a desconsideração, a negação da condição humana dooutro, portanto, da condição de sujeito ao outro. Como não há sujeito sozinho,isolado, alheio a algum tipo de sociabilidade, a violência tanto desumaniza oviolentado, como o faz ao sujeito que pratica o ato violento. Portanto, é tambémum ato que nega a cultura como produção de um grupo de sujeitos, de sereshumanos.

Tratada, no âmbito das relações escolares, como sintoma a ser reprimido,para combater a violência chega-se mesmo a propor a realização de açõespoliciais dentro das escolas.

A problemática da violência tem sido tratada, muitas vezes, como um mal emsi, isolada de todo o tecido social que a constitui e sob uma mira de urgênciade encontrar soluções eficazes no seu controle e extermínio, acabando por seproduzir o que se teme; sua potencialização (Linhares, 1999, p.25).

Como afirma Linhares, é preciso não compactuar com as tentativas deanalisar essa questão desfocadamente de seus núcleos geradores, buscandotratar os sintomas, quando a doença social que lhe dá origem continua intacta.Prossegue a autora:

Como não acredito que possamos exterminar qualquer dimensão da vida,para melhor usufruirmos de seus benefícios, preocupo-me em compreender eintervir nesta exacerbação de violências dentro da escola – como fruto eintercâmbio entre medos, agressividades, ausências de projetos coletivos eindividuais, faltas de perspectivas habitadas pela esperança e preenchidas porreproduções e práticas banalizadoras da morte e da vida, mas também comoexpressões de buscas desesperadamente extraviadas de reconhecimento eafirmação da própria vida, produzidas fora e dentro das escolas (Linhares,1999, p.25).

Linhares contrapõe-se àqueles que consideram que todos os problemasdo Brasil decorrem de aspectos educacionais. Essas pessoas estariamequivocadas ao propor, como solução para tais problemas, a implantação de

... processos escolares marcados por procedimentos empacotados para maquiarestatísticas, com que propagandeamos nossa imagem para consumo nacional einternacional. Pelo contrário, estou convencida de que uma Educação, umaEducação escolar que precisamos ir inventando e entrelaçando-a com umarede – a mais ampla possível – de interdependências históricas, sociais, incluindodimensões culturais e econômicas, saberes populares e teórico-tecnológicos, quevá, simultaneamente nos reinventando como sujeitos coletivos e individuais,pouco nos aproximaremos de uma sociedade abrangente, com tempo lugares,não só para todos, mas também para tudo que alimente a beleza e a solidariedaderequeridas pela vida (Linhares, 1999, p.25).

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Conhecimento e ação

O compromisso social de quem atua com a formação humana supõeestar atento às múltiplas faces da questão. Se a violência nas relações educativastem sido discutida de maneira veemente, como produção de uma sociedadeque deixou de se respeitar, cabe também não esquecer a massacrante incidênciada violência familiar (doméstica) que é tanto mais grave quanto mais “invisível”e, ao mesmo tempo, aceita (legitimada) socialmente, a tal ponto que certos atosviolentos não são considerados como tais, tanto pelos sujeitos, quanto pelasvítimas.

A violência simbólica discutida por Bourdieu (1975), como produto daimposição de uma cultura arbitrária, por meio de atores, práticas e instituiçõestambém arbitrariamente selecionados e destinados a tal função, tampouco podeser esquecida, uma vez que perpassa todo o tecido social, forma consciências,condiciona práticas sociais, é naturalizada e cumpre, sempre, a missão dereproduzir a ordem social dominante, de maneira dissimulada e socialmenteaceita.

Outras leituras

Se você quiser aprofundar a reflexão sobre as questões sociais dadesigualdade, recomendamos a leitura de:

!!!!! ALTVATER, Elmar. O preço da riqueza. São Paulo: UNESP, 1995.

!!!!! ARRIGUI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e asorigens do nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

! FURTADO, Celso. Em busca de novo modelo: reflexões sobre acrise contemporânea. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

Violência simbólica – Violência simbólica – Violência simbólica – Violência simbólica – Violência simbólica – formade poder exercida de modo sutilsobre os corpos, diretamente, ecomo por magia, sem qualquercoação física. A culturadesempenha, nesse caso,importante papel ao apresentar,difundir e incutir os interesses dasclasses dominantes comonaturais e necessários à ordemsocial.

De que forma as questõesrelacionadas à pobreza e àviolência se apresentam no seuambiente de trabalho escolar edos serviços em saúde?

Como essas questões sãodiscutidas e tratadas em cada umdesses espaços?

Tendo em vista a sua realidadede atuação profissional, quetópicos você acrescentaria a essetexto que trata das dimensõessocioculturais no processoeducativo?

Registre-os em seu Diário deEstudos e, se desejar, envie-osaos autores do módulo e ao seututor.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

TEMA 3TEMA 3TEMA 3TEMA 3TEMA 3

Sujeito social e aprendizagem

... é necessário que [a psicologia do desenvolvimento] construa umanova identidade em direção a uma outra forma de produzir conhecimento quedevolva ao homem sua condição de sujeito e de, portanto, ser capaz de questionare transformar as estruturas de “saber-poder” que o oprimem. (...)

... podemos afirmar a necessidade de assumirmos a tarefa de adotar um enfoqueque caminhe simultaneamente em duas direções. A primeira direção seriaredefinir a questão da temporalidade humana. A racionalidade capitalistadespreza completamente o tempo dos homens; tempo total, integral, simultâneo;passado, presente e futuro fundidos em instantes de plenitude. A fragmentaçãodos homens em tempos estanques (infância – maturidade – velhice) trata otempo humano como se este não fosse uma coisa total, unitária, simultânea. (...)

A segunda direção é, pois, resgatar no homem contemporâneo o seu caráter desujeito social, histórico e cultural. Ser sujeito é se colocar como autor dastransformações sociais. Uma vez que a linguagem é o que caracteriza e marcao homem, trata-se de restaurar no interior da psicologia do desenvolvimento olugar social dessa linguagem na constituição do sujeito e das próprias teoriasque falam a respeito deste sujeito que fala. A linguagem é o local de produçãode sentidos e o ponto para o qual ... a criatividade e pensamento crítico convergem.Portanto, o sentido plural da palavra é o caminho para o resgate daquilo queno homem é sujeito, no qual ele não se anula e nem se desfaz.

Solange Jobim e Souza

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Sujeito social e aprendizagem

Neste tema será importante procurar conhecer melhor os sujeitos queagem e interagem no processo educativo, que se materializa, também, comoum processo de aprender e apreender a realidade pelo conhecimento.

O homem como unidade

O ser humano, na sua complexa totalidade, constitui-se na unidade de muitose diversificados aspectos. Mesmo que tentássemos formar uma enorme palavracomposta, por exemplo “antropobiopsicossociológica”, é muito provável quenão déssemos conta de toda a riqueza dessa unidade complexa e plural.

Uma pessoa saudável anda, corre, trabalha, fala, ri, gesticula, se relacionacom os outros, estuda, aprende. Uma pessoa preocupada, deprimida, com asaúde física abalada ou em sofrimento afetivo tende a ficar quieta, calada, chora,tem tonteiras, desatenção, dificuldade de entender. Apenas para efeito didático,observamos, aqui, fenômenos físicos ou corporais e fenômenos psíquicos, euma relação íntima (interação) entre essas duas categorias de fenômenos (entrepsique e soma), uns atuando sobre outros, em um ser que é, antes de tudo, social.

O corpo produz mudanças na mente (estados de espírito, de humor,neuroses) e a mente age sobre o corpo (psicossomatizações). A doença físicatende a perturbar a mente (tristeza, desânimo, depressão) e as emoçõesreprimidas ou as preocupações podem produzir desconfortos e, até, doençasfísicas (cefaléias, enxaqueca, colites, hipertensão). A vida atual, repleta de estresse,de agitação e de preocupações, é fonte constante de perturbações e doençaspsicossomáticas. O homem moderno, que alcançou o progressotécnico-científico, nem sempre pode usufruir aos correspondentes benefíciosno campo da qualidade de vida e do bem-estar social. Para muitos, essadisponibilidade nem se coloca.

A saúde e o bem-estar da pessoa resultam, também, do funcionamentoharmonioso e equilibrado entre o corpo e as emoções. Para alcançar esteequilíbrio, o ser humano utiliza os chamados mecanismos de defesa. A PsicologiaProfunda conhece e relaciona inúmeros desses mecanismos: a racionalização, aidealização, a repressão ou recalque, a compensação, o deslocamento, asublimação, a projeção, a conversão, a regressão, a negação, a autopunição,entre outros. Quando utilizados dentro de certos limites, esses mecanismossão úteis e mesmo vitais para o indivíduo viver de forma satisfatória. Quandoutilizados de forma exagerada, embora considerados saudáveis, podemproduzir distúrbios e prejudicar a saúde e a alegria de viver.

O homem como um ser que se desenvolve

Nenhuma pessoa nasce completa e acabada. Nasce pequena e cresce.Nasce frágil e se fortalece. Nasce desconhecendo e conhece. É o processo dedesenvolvimento humano.

O conceito de desenvolvimento humano é complexo e polêmico.Podemos tomá-lo aqui como o processo no qual o indivíduo constróiativamente, nas relações que estabelece com o ambiente físico e social, suascaracterísticas.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

É freqüente encontrar na literatura especializada as fases dodesenvolvimento referidas a etapas, anos de vida, idades. A medicina adota adivisão em três grupos: 1a idade (infância, entre 0 e 10/12 anosaproximadamente); 2a idade (adulta, entre 10/12 anos e 65 anosaproximadamente) e 3a idade (velhice, após os 65 anos). No campo da PsicologiaEvolutiva, também chamada de Psicologia do Desenvolvimento, admite-se,em geral, cinco idades: infância (entre 0 e 10/12 anos aproximadamente);adolescência (entre 10/12 e 16/18 anos aproximadamente); juventude (entre16/18 e 25/30 anos aproximadamente); adulta (entre 25/30 e 65 anosaproximadamente); velhice (após os 65 anos).

Nessa abordagem temporal, tradicionalmente o critério adotado paradeterminar a passagem de uma idade para outra era unifatorial, isto é, levavaem consideração apenas um fator ou fenômeno, geralmente de caráter orgânico.Exemplo: a ocorrência da menstruação na menina como indicação do seuingresso na puberdade. Mais recentemente, passou-se a adotar uma posiçãomultifatorial ou plurifatorial, considerando a passagem de uma idade para outracomo resultado da ocorrência simultânea de diferentes mudanças na áreabiopsicossocial.

Indo ao encontro da epígrafe deste tema, queremos exemplificar o usode outros referenciais teórico-metodológicos para compreender odesenvolvimento humano. Verifique o entendimento de adolescência quefundamenta as novas proposições do cuidado de enfermagem junto aadolescentes no Projeto Acolher, do Ministério da Saúde em parceria com aAssociação Brasileira de Enfermagem.

O adolescerO adolescerO adolescerO adolescerO adolescerEdir Nei Teixeira Mandú

O adolescer é nomeado como um momento do processo decrescimento e desenvolvimento humano, em que observamos rápidas esubstanciais mudanças na vida e nos corpos infantis, abrangendo:!!!!! acentuado crescimento pondo-estatural e o surgimento de novas formas

físicas e estéticas;!!!!! transformações no funcionamento orgânico – sobretudo no sexual e

reprodutivo;!!!!! construção de novas relações inter-subjetivas;!!!!! manifestações peculiares de novos sentimentos, modos de pensar e se

comportar – refletindo novas identidades e inserções no mundo internoe externo à família.

Tais mudanças resultam de processos que organizam nossa existênciae situam as pessoas em suas relações com outros e com os ambientes.Apesar de as transformações tidas como próprias da adolescência possuírem

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Sujeito social e aprendizagem

um forte componente físico-corporal apontado como de toda e qualqueradolescente, elas não são naturais ou decorrentes unicamente de um processoevolutivo orgânico. A vida adolescente e as necessidades em saúderelacionadas são, antes de mais nada, processos produzidos no âmbito dassociedades, definindo-se e modificando-se na interação com seus diversoscomponentes – econômicos, institucionais, político-éticos, culturais e físico-ambientais – em meio a dinâmicas de reprodução e criação.

É no concreto da vida, na construção/reconstrução e apropriaçãoou não de seus bens e valores materiais e culturais, e na interação destescom processos somáticos, genéticos e físico-ambientais, que se definem osdiversos modos de vida adolescente.

As transformações que se realizam no período de vida convencionadoadolescência abarcam distintos e integrados processos de desenvolvimentosocial, familiar, físico-pubertário, psico-emocional e intelectivo. Questõesde saúde-doença relativas a esses componentes só podem seradequadamente dimensionadas se forem situadas em contextos específicose traduzidas com a participação de quem as vive.

De modo geral, porém, certos problemas têm sido uma constante navida de parte significativa de segmentos adolescentes brasileiros, como:

!!!!! pobreza; violências; trabalho precoce; afastamento escolar;

!!!!! conflitos familiares; sofrimentos psico-emocionais; uso de substânciaspsicoativas;

!!!!! atrasos no desenvolvimento psico-intelectual;

!!!!! distúrbios ortopédicos, fonoaudiológicos, odontológicos, oftalmológicos;transtornos nutricionais e metabólicos;

!!!!! doenças crônicas como tuberculose, hanseníase, diabetes, câncer;

!!!!! violências corporais e sofrimentos no campo da sexualidade; exposiçãoa doenças sexualmente transmissíveis e aids; maternidade/paternidadeindesejada.

Na estruturação dos cuidados em saúde e enfermagem, essesproblemas – e outros – devem ser considerados. Ao mesmo tempo, asdefinições e encaminhamentos devem se pautar no reconhecimento dosprocessos sociais, institucionais, subjetivos e biológicos que se encontramna base da qualidade de vida dos vários segmentos adolescentes e que ostornam mais ou menos vulneráveis a agravos diversos em saúde.

De que depende o desenvolvimento humano? As respostas a essa perguntatambém têm sido polemizadas. Diferentes teorias tentaram e tentam responder àquestão. Cada uma delas se apóia em diferentes concepções do homem e domundo e sua presença no cenário científico depende de sua capacidade de explicara realidade. Duas teorias mais tradicionais – a inatista e a ambientalista – perderamespaço para uma terceira, relativamente mais recente, a teoria interacionista.

A concepção inatista parte do pressuposto de que os eventos ocorridosapós o nascimento do indivíduo não são essenciais ou importantes para o seudesenvolvimento. As qualidades e características básicas de cada serhumano – sua personalidade, suas capacidades, suas reações emocionais emesmo sua forma de conduta social – já se encontrariam prontas e definidaspor ocasião do nascimento, sofrendo pouca mudança qualitativa e quasenenhuma transformação ao longo da vida. O papel do ambiente no

Você conhece o Projeto Acolher?

Busque saber sobre ele,acessando o site do Ministério daSaúde: www.saude.gov.br.

Interesse-se por conseguir apublicação que o descreve efundamenta – Projeto Acolher.Adolescer: compreender, atuar,acolher – da AssociaçãoBrasileira de Enfermagem emco-edição com o Ministério daSaúde, em 2001.

Como profissional da área desaúde, como você entende odesenvolvimento humano?

Você concorda com osreferencias que subsidiaram adescrição da enfermeira Edir?Justifique sua resposta.

Se possível, faça suas anotaçõesno Diário de Estudo.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

desenvolvimento humano é mínimo. A posição inatista busca seus fundamentossobretudo em duas fontes: a Teologia, que afirma ser o homem criado porDeus, por meio de um só ato, e de forma definitiva. O destino individual decada pessoa já estaria determinado pela “graça divina”. A outra fonte é decaráter biológico, baseada sobretudo em pretensos achados e estudos daEmbriologia. Segundo esta ciência, afirmam os inatistas, o desenvolvimento seprocessaria em seqüências invariáveis, reguladas por fatores endógenos, isto é,de origem interna. Supunha-se que o desenvolvimento intra-uterino do bebêocorria em um ambiente relativamente estável, constante e isolado de estímulose influências externas. Estas idéias da Embriologia, no entanto, não têmconfirmação nos dados das pesquisas mais recentes: estas indicam que, assimcomo o ambiente interno tem um papel relevante no desenvolvimento doembrião, o ambiente externo é fundamental para o desenvolvimento pós-natal.

A teoria inatista produziu uma visão rígida, discriminatória e autoritáriado homem, além de pessimista, sobretudo para a educação de crianças ejovens. Leva à conclusão de que, se o homem “já nasce pronto,” pouco ounada pode ser aprimorado ou alterado naquilo que inevitavelmente virá a ser.Além do mais, esta concepção conduz a preconceitos e posições radicais contraminorias e pessoas pouco dotadas, as quais, na impossibilidade de seremrecuperadas, só lhes resta serem excluídas ou eliminadas.

A concepção ambientalista atribui um imenso poder ao ambiente nodesenvolvimento humano. Concebe o homem como um ser extremamenteplástico, que desenvolve suas características de acordo com as condiçõespresentes no meio em que se encontra. O ambientalismo deriva da correntefilosófica denominada empirismo, que adota a experiência sensorial como fontedo conhecimento. Segundo o empirismo, alguns fatores humanos estãoassociados a outros, de modo que, ao se identificar tais associações, é possívelpromover modificações e manipulações. Em Psicologia, a corrente ambientalistase corporificou no Behaviorismo (do inglês behavior = comportamento) e oseu grande representante é B. J. Skiner.

A concepção ambientalista teve o mérito de chamar a atenção para aimportância das condições externas no processo de desenvolvimento, educaçãoe aprendizagem do ser humano, sobretudo da criança. Para o processo deensino-aprendizagem, valorizou o papel do professor, chamou a atenção paraa importância do planejamento do ensino e dos vários recursos que favorecemum bom resultado, como elogios, incentivos, além de motivação positiva. Osefeitos negativos da concepção ambientalista se verificaram sobretudo naeducação, ao entendê-la apenas como tecnológica e programada. Mas a principalcrítica ao ambientalismo é feita a partir da sua própria visão de homem,entendido como totalmente passivo, face ao meio e passível de ser manipuladoe controlado pela simples alteração das condições em que se encontra.

“Pau que nasce torto morre torto.”Analise esse ditado popular, queexpressa tipicamente aconcepção inatista dedesenvolvimento humano,considerando os reflexos dessemodo de pensar na práticaescolar.

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Sujeito social e aprendizagem

O interacionismo afirma que o desenvolvimento resulta da ação recíprocaentre o organismo e o meio. Um influencia o outro e essa interação acarretamudanças recíprocas, isto é, o indivíduo muda com o meio, mudando-o. Dessainteração entre fatores internos e externos vão resultando as características doindivíduo. No processo de aquisição do conhecimento, o interacionismo sustentaque o conhecimento é construído pelo indivíduo durante toda a sua vida, nãoestando pronto ao nascer (conforme defende o inatismo) nem sendo adquiridopassivamente graças às pressões do meio (conforme sustenta o ambientalismo).Atribui especial importância ao fator humano presente no meio social. É por meioda interação com outras pessoas, adultos ou crianças, que o indivíduo vai construindosuas características (maneira de agir, pensar e sentir). Duas correntes interacionistasse destacam atualmente no meio científico, sobretudo educacional: a epistemologiagenética de Piaget e a teoria sócio-histórica de Vygotsky. Estas duas teorias apresentammuitos pontos de contato e algumas diferenças. Têm como ponto de concordância,entre outros, o fato de ambas sustentarem que o desenvolvimento e a aprendizagemresultam da ação simultânea e necessária dos fatores individuais e dos fatores sociais.Têm como ponto de diferença, entre outros, a questão da prevalência destes doisfatores: enquanto Piaget privilegia os fatores internos, individuais e genéticos, Vygotskyprioriza os fatores externos, sociais e adquiridos. A concepção interacionista estáhoje recebendo cada vez mais atenção e destaque, por apresentar explicações maisseguras e contribuições mais fecundas e promissoras, sobretudo no campoespecífico da educação, do processo de ensino-aprendizagem e das relações que seestabelecem na sala de aula.

O desenvolvimento do indivíduo se dá, portanto, na interação entre abagagem biológico-hereditária e a bagagem cultural, própria do grupo queacolhe o ser humano. Esse desenvolvimento é mediado, em primeira instância,pelos grupos sociais mais próximos do indivíduo e, em uma dimensão maior,pelas instituições que neles coexistem. Duas instituições, por sua antigüidade euniversalidade na história da humanidade, ocupam lugar destacado. São elas,em primeiro lugar, a família e, depois, a escola.

Como instituições produzidas pela humanidade em seu percursohistórico, tanto uma quanto a outra sofreram mudanças. Atualmente, considera-se que ambas vivem uma profunda situação de crise, tanto na sua organizaçãoestrutural, quanto no exercício de suas funções, que lhes chegam em razão dastransformações no contexto social mais amplo.

Analisar alguns aspectos das funções de ambas pode ajudar a questionaro que nelas está se modificando.

Funções da família

Admite-se que a família tem um papel central no desenvolvimento daspessoas, especialmente da criança e do jovem, mas também na idade adulta.Em geral cabe a ela proteger os seus membros e favorecer a inserção deles nacultura do grupo social de convívio.

Tradicionalmente, constituíram-se funções ou responsabilidades da família:

!!!!! o oferecimento de cuidados e proteção, garantindo subsistência emcondições dignas. Quando, por qualquer razão, esta responsabilidade não

Se você quiser saber um poucomais sobre o pensamento dePiaget e Vygotsky a respeito darelação entre desenvolvimentohumano e aquisição de conhe-cimento, recorra à leitura do textocomplementar no 1, que seencontra logo após o TTTTTema 3ema 3ema 3ema 3ema 3.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

pode ser cumprida, a maioria das sociedades mantém mecanismos eorganizações que exercem ações supletivas, substitutivas, ou de intervenção,desde a oferta de suporte e assistência social, até uma intervenção maisdrástica, como, por exemplo, a custódia dos filhos, quando comprovadaa incompetência ou incapacidade dos pais.

!!!!! a promoção da socialização dos filhos no que se refere aos valoressocialmente constituídos. Os estudiosos consideram que, nesta área dasocialização dos filhos, a família em geral funciona como uma instituiçãoconservadora e reprodutora da ordem social dominante.

!!!!! o suporte à evolução das crianças e jovens, controlando e ajudando noprocesso de escolarização e de instrução continuada em outros âmbitos einstituições sociais. Idealmente, os pais orientam a aprendizagem dos seusfilhos e estes aprendem durante a infância os instrumentos, as atitudes e asnoções básicas do seu grupo social e do seu contexto cultural e as melhoresestratégias que viabilizam essas aprendizagens. À medida que crescem, asnecessidades de aprendizagem tornam-se mais específicas e mais extensas.De qualquer forma, a influência e o papel da família é considerado muitoimportante, tanto na aprendizagem de identificação dos obstáculos que acriança pode encontrar, quanto na identificação dos meios para que elapossa superá-los.

!!!!! a ajuda e suporte aos seus membros, de modo a se conduzirememocionalmente equilibrados e estabelecerem vínculos afetivos satisfatóriosconsigo mesmos (auto-estima elevada) e com os outros. Esta função remeteà necessidade de a família manter e desenvolver, entre os próprios membros,relações de respeito, colaboração e afetividade, que se tornarão a matrizcomportamental da ampliação das relações interpessoais em âmbitos maisamplos da sociedade.

Funções educativas da escola

Embora se admita que a família seja o ambiente primordial de educaçãoe desenvolvimento, a escola transforma-se logo em um importante espaço desocialização. Todas as culturas possuem sistemas organizados, de maior ou menorcomplexidade, mediante os quais os indivíduos adultos preparam as crianças eos jovens para sua inserção na sociedade. Mesmo nas sociedades menosdesenvolvidas, a escola se apresenta como a instituição encarregada da transmissãodos conhecimentos e valores da cultura e, portanto, destinada a preparar osmembros da sociedade para o seu desempenho adequado, ativo e participativono seio da sociedade. Neste sentido, a educação escolar é diferenciada da educaçãofamiliar. Um exemplo típico ilustra essa diferença: a linguagem. O vocabulário, a

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Sujeito social e aprendizagem

estrutura do discurso e as próprias funções que a linguagem cumpre na escolasão diferentes daqueles que comumente têm lugar na família. Enquanto nafamília predominam a fala e os assuntos do cotidiano, na escola, em geral, alinguagem caracteriza-se pela referência aos objetos, fenômenos e suascaracterísticas, na transmissão do conhecimento organizado.

Ao longo do tempo, são funções que foram sendo atribuídas à escola:!!!!! oferecer aos seus alunos conhecimentos especificamente elaborados e

planejados de acordo com uma série de finalidades e objetivossistematizados;

!!!!! desenvolver atividades e oferecer oportunidades de construção deconhecimentos com vistas, não apenas à aplicação imediata e cotidiana,mas também a uma realidade futura;

!!!!! atender as necessidades de formação dos alunos por profissionaisdevidamente habilitados e especializados nas diversas áreas do saber;

!!!!! desenvolver nos alunos as habilidades e competências para a comunicaçãoe o desempenho individual e grupal;

!!!!! atuar nos aspectos relativos aos processos de socialização e individuaçãodos alunos, como o desenvolvimento de relações afetivas, a habilidade departicipar de situações sociais, o desenvolvimento e a definição dos papéisapropriados a cada sexo.

Como se observou anteriormente, essas são funções em questionamento,dado que a realidade social não é nem homogênea nem estática. Ela é produtode relações sociais, com conflitos e contradições.

Neste módulo, quando, no Tema 2, se tratou da ação no campoeducacional, você pôde verificar que a escola, como instituição, tem suafinalidade diferentemente interpretada pelas correntes sociológicas e que elanão pode ser pensada a partir de uma idealização de aluno e de sociedade. Atemática da escola será retomada nos módulos seguintes, com novos elementosde análise.

Valem, aqui, algumas observações em relação à família, referidas nomesmo Projeto Acolher, do Ministério da Saúde.

A família, como toda instituição social, apresenta aspectos positivos,enquanto núcleo afetivo, de apoio e solidariedade. Mas apresenta, ao ladodestes, aspectos negativos, como a imposição de normas e finalidadesrígidas. Torna-se, muitas vezes, elemento de coação social, geradora deconflitos e ambigüidades (Prado, 1995).

Alguns critérios imprescindíveis para o convívio familiar saudável(segundo Maakaroun, Souza e Cruz, 1991), seriam:

!!!!! adaptação – utilização de recursos disponíveis para resolver as crises;

!!!!! participação – compartilhamento de problemas e soluções;

!!!!! gradiente de crescimento – garantir a individualização e independizaçãono processo de conhecimento;

!!!!! afeto – dispor do carinho, preocupação e liberdade para expressar asdistintas emoções;

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3 Educação/Conhecimento/Ação

!!!!! resolução – capacidade para aplicar os elementos anteriores,compartilhando o tempo e recursos especiais e materiais de cada membroda família.

As famílias representam um sistema dinâmico e, por isso, em constantetransformação. Ao abordá-la, enquanto alvo da atenção de saúde, osprofissionais devem considerar esse movimento e a diversidade de modelosque se apresentam, já que cada um pode estar caracterizado por situaçõese necessidades bastante peculiares.

Nas últimas décadas houve um crescimento significativo de famíliaschefiadas por mulheres. O processo de pauperização em nossa sociedadetem agravado a situação de falta de moradia, experienciada por um grandenúmero de pessoas nos diversos pontos do país. Estas são consideradasfamílias em situação de vulnerabilidade e exclusão social, as quais sobrevivemapesar das condições adversas e sem o suporte do Estado. Não conseguemmais se sustentar enquanto grupo e seus membros são, muitas vezes,obrigados a se separarem em busca de alternativas de vida.

Não se pode responsabilizá-las ou culpabilizá-las unicamente pornão dispor das condições de que precisam para o cuidar de suas criançase adolescentes, pois também são vítimas da injustiça social. É imprescidívelque se entenda que o sistema de desigualdades que vem se construindodestrói não apenas as pessoas, as famílias, mas toda a sociedade.

Fragmentos extraídos do texto A família brasileira, do Projeto Acolher,publicação do Ministério da Saúde e da Associação Brasileira de Enfermagem(2001).

O homem como um ser capaz

Todas as pessoas possuem capacidade para realizar atos e produzir fatos.No entanto, essa capacidade difere de uma para outra pessoa. E a própriapessoa tem diferentes capacidades. Portanto, existem diferenças tanto no campointerindividual quanto intra-individual. Ninguém tem elevado grau dedesempenho em todas as habilidades. Geralmente se destaca em algumas,enquanto em outras, não.

As diferentes capacidades humanas podem se modificar ao longo davida. O exercício e o empenho podem aumentá-las. O desinteresse e o desusotendem a reduzi-las ou, até mesmo, embotá-las.

Em psicologia, o estudo dessas características foi tradicionalmentedenominado de teoria das aptidões específicas. A partir das contribuições dePiaget, que definiu inteligência como a capacidade do indivíduo em solucionarproblemas e situações concretas, as capacidades específicas passaram a serdenominadas de inteligências múltiplas.

Reúna-se com seu grupo deestudo e de trabalho e discutama respeito de como a família vemsendo considerada nas medidas/ações assistenciais em saúde nopaís. Procurem resgatar osprincípios que orientam taismedidas/ações. Como o grupose posiciona em relação a eles?Pensem em como essa temáticatem sido desenvolvida naformação dos técnicos deenfermagem. Como ela deveriaacontecer em termos de saberese práticas?

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Sujeito social e aprendizagem

Atualmente, baseados em pesquisas e estudos a respeito, alguns autorespropõem os seguintes tipos de inteligência:

!!!!! lingüística ou verbal (facilidade com palavras e mensagens lingüísticas);!!!!! espacial (facilidade de perceber formas e objetos no espaço);!!!!! lógico-matemática (facilidade para o cálculo, números, raciocínio exato e

pensamento lógico);!!!!! musical (facilidade de identificar diferentes sons e suas nuances);!!!!! cinestésica corporal (capacidade de usar de maneira hábil o próprio corpo);!!!!! pictórica (capacidade de expressão por meio do traço, do desenho, das

cores);!!!!! inteligência naturalista (sensibilidade e atração pelo mundo da natureza,

admiração por paisagens e cenas naturais);!!!!! inteligência interpessoal e intrapessoal (capacidade de perceber os próprios

estados interiores e os dos outros, e de interagir).

As capacidades específicas têm muita relação com o exercícioprofissional. Quando o trabalho tem afinidade com as capacidades própriasde cada um, há maiores chances de realização prazerosa e motivação pessoal.

A importância de considerar as capacidades humanas, sob o olhar dapsicologia, não nos dispensa de que o façamos tendo presente os aspectos culturais,sociais, políticos. Essas capacidades não se isolam do contexto social em que sãodesenvolvidas. E isso vem sendo problematizado desde o início do tema.

O ser humano, além de possuir, adquirir e aperfeiçoar capacidades,apresenta e constrói diferenças em relação aos outros. Um dos aspectosresponsáveis por essa permanente diferenciação individual é o processo deaprendizagem. Ao aprender, o homem muda. Sempre que o homem aprende,algo se produz nele. Aprender é transformar-se.

O homem como um ser que aprende

Embora aprender seja um dos fatos mais triviais do comportamentohumano – talvez, justamente por isso –, é difícil de ser definido e explicado.

Existem inúmeros conceitos e teorias da aprendizagem. Geralmentediferem entre si por partirem de pressupostos e concepções filosóficasdiferenciadas do homem e do mundo.

O que se observa em uma criança é que para que ela aprenda, precisainteragir com outros seres humanos, especialmente com adultos e/ou criançasmais experientes. Esta observação também vale para o jovem e o adulto. Nasdiversas interações em que se envolvem desde o nascimento, meninos e meninas,moças e rapazes, mulheres e homens vão gradativamente ampliando suas formasde lidar com o mundo e compreendendo os significados que coisas e açõespossuem.

Levando em conta essa permanente interação, pode-se admitir que aaprendizagem é o processo por meio do qual o ser humano (criança, jovemou adulto) se apropria ativamente do conteúdo da experiência humana, daquiloque seu grupo social conhece, sente e faz.

Pense sobre capacidadesespecíficas necessárias aoenfermeiro(a). Que tipos dehabilidades são importantesnessa profissão? Como elaspodem ser desenvolvidas?Registre sobre isso no seu Diáriode Estudo, pois mais adiante,neste Curso, será importanterever essas anotações em funçãodo debate sobre competências naeducação profissional.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

O ser humano, enquanto realidade existente, é capaz de estabelecerrelações com outras realidades, existentes fora dele. Para apropriar-se delas,precisa identificar suas características, propriedades e finalidades. Essaapropriação é, portanto, um processo de gradativa interiorização, resultante departicipação ativa do sujeito. Geralmente, esse processo passa pela ajuda diretade outra pessoa que, por ter antes dele se apropriado daquela realidade, temcondições para apoiar e orientá-lo sobre o modo de proceder perante novosobjetos ou situações. É verdade também que, ao apropriar-se da realidade, sãoconstruídos conceitos, idéias e significados sobre os objetos. Assim, na interaçãocom a realidade e com o outro – que já tem a experiência de suaapropriação –, precisa-se ter presente que já há, sobre o objeto, conceitos,idéias e significados de outros. No entanto, o processo interior de participaçãoativa de quem aprende é indispensável para que ocorra a apropriação doconteúdo e, conseqüentemente, a transformação do sujeito da aprendizagem.

Que condições, então, viabilizam a aprendizagem?Jean Piaget, por exemplo, que estudou essa questão em crianças (o que

não nos impede de, a partir daí, observar e analisá-la em relação a jovens eadultos), aponta quatro condições para que a aprendizagem ocorrra:

1– A maturação ou o crescimento fisiológico das estruturas orgânicas. Emborabiólogo por formação, Piaget é interacionista. Ele não é um maturacionistaque considere ser a aprendizagem decorrência ou simples reflexo damaturação biológica. A maturação fornece apenas uma “condição depossibilidades” de aprender. Por exemplo: uma criança muito pequenanão é capaz de aprender a caminhar porque não dispõe das estruturasorgânicas suficientemente amadurecidas para suportar seu próprio pesocorporal ou para conseguir o equilíbrio vertical. Entretanto, à medida quecresce e se dá a maturação, torna-se competente e capaz de aprender essa eoutras novas atividades.

2– A experiência física ou empírica. Esta resulta do contato com os objetos.Por exemplo: ao brincar com barquinhos na água, contar objetos, soltarpipas, levantar pesos, rolar bolas, etc., a criança constrói dois tipos deconhecimentos:!!!!! o conhecimento físico, apreendendo as qualidades e características dos

objetos, o que lhes acontece e como se movimentam. Por exemplo: abola é redonda, é lisa, é macia, é leve e também rola ou quica no chão.Ou, então, o gelo é frio, duro, pesado e derrete. Ou, então, o açúcar édoce, derrete-se na boca e a areia, não.

!!!!! em segundo lugar, a criança constrói o que Piaget denomina deconhecimento lógico-matemático: à medida que age sobre os objetos,estabelece relações lógicas entre eles. Por exemplo, mais alto, mais baixo,

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Sujeito social e aprendizagem

mais leve, mais pesado, mais rápido. Essas relações não existem nosobjetos, mas na mente da criança que os compara e apreende suasdiferenças. As relações matemáticas tampouco estão implícitas nosobjetos, sendo antes construídas pela criança que os observa ou conta.Um lápis é um objeto físico, mas dois lápis existem em uma relaçãocriada pela mente humana. Piaget insiste sempre em afirmar que asoperações mentais das crianças emergem de ações motoras eexperiências sensoriais com os objetos que são “interiorizados”. Acriança com muitas experiências sensoriais físicas, além de promovero seu desenvolvimento cognitivo, adquire maior conhecimento sobreas coisas, as pessoas e o mundo. Mas aquela que jamais ou pouco lidoucom objetos ou tem poucas experiências sensoriais fica prejudicadano seu desenvolvimento cognitivo e reduz o acervo de seusconhecimentos.

3– A transmissão social. A criança aprende muito, por meio de informaçõesrecebidas de outras crianças ou transmitidas pelos adultos, especialmenteos pais, professores, ou mesmo por meio de revistas ou livros. Essaaprendizagem ocorre especialmente quando ouve afirmaçõescontraditórias ou desafiadoras, quer em casa, quer na escola. Nessascircunstâncias, seu equilíbrio intelectual fica perturbado. Sai, então, em buscade uma resposta que lhe possibilite atingir um novo equilíbrio. Um dosalunos de Piaget criou a expressão “conflito cognitivo” para referir-se aesses estados de equilíbrio perturbado. Quando um sujeito é colocadoem um estado de conflito cognitivo, busca uma saída, como a criança quetenta saber se Papai Noel existe ou não.

4– O processo de equilibração ou o nível de desenvolvimento cognitivo.O indivíduo faz surgir estados progressivos de equilíbrio e de capacidadede aprender pela formação de estruturas cada vez superiores deconhecimento. À semelhança da maturação biológica, a criança – eposteriormente o jovem – consegue adquirir conhecimentos à medidaque constrói as estruturas mentais correspondentes. Assim uma criançade aproximadamente sete anos consegue aprender até o Binômio deNewton se o mesmo, embora pleno de conceitos abstratos, forapresentado de forma concreta e objetivamente demonstrado. Aimportância do nível de conhecimento cognitivo de um indivíduo talveztenha sido uma das contribuições mais contundentes de Piaget para aaprendizagem e para a educação. Como conseqüência dessa contribuiçãopiagetiana, é importante selecionar e analisar os conteúdos e as formasde ensino e da aprendizagem escolar para que possam ser assimiladoscorretamente. Assim, se forçarmos um aluno a aprender um conteúdoque ultrapassa suas capacidades, muito provavelmente o resultado, se éque haverá algum, será a pura memorização mecânica ou a compreensãoincorreta.

Ao trazer exemplarmente as considerações de Piaget e, por maisrespeitáveis que sejam os resultados de suas cientificamente cuidadosas

Binômio de Newton – Binômio de Newton – Binômio de Newton – Binômio de Newton – Binômio de Newton – Newton(1642-1777) – matemático,físico, astrônomo e filósofo inglês,descobriu as leis da atraçãouniversal. Esse binômio é afórmula pela qual ele apresentouo desenvolvimento das potênciasde um binômio, em qualquerexponenciação. No texto, otermo está sendo utilizado comoexemplo de algo bastantecomplexo e de difícil compreensãopara uma criança.

É importante considerar quetambém os jovens e adultos – ecom maior razão por sua vivênciae experiência de vida – nãoapenas são capazes de lidar como denominado “conflitocognitivo”, mas dele podem tiraro maior proveito. A explicitaçãodas contradições e, até mesmo,das divergências de conceitos,idéias e significados enquantodesafio aparece como condiçãofavorável de aprendizagem.

Considerando sua experiência dedocente-enfermeiro, lembresituações ocorridas em sala deaula que exemplificam o “conflitocognitivo” como desafio favorávelà aprendizagem.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

investigações, de forma alguma pode-se considerar resolvida a questão. Nestesentido, é que ele recomendava à Comissão da UNESCO, em 1971, que

houvesse estreita união do ensino e da pesquisa, sendo os estudantes associadosa esta última, especialmente para a solução de problemas novos e ainda nãoresolvidos, e que as pesquisas de grupo fossem dirigidas não apenaspor um único professor, mas por representantes de especialidades complementares,trabalhando em constante cooperação (Piaget, 1973, p.29).

Aprendizagem e diferenças individuais

As pessoas são fundamentalmente iguais e profundamente diferentes.São iguais porque todos possuem algumas características, tanto naturais

como adquiridas, em que se identificam. Todos, enquanto sujeitos de direitoshumanos reconhecidos como universais, têm também o mesmo valor. Quantoa isso, tentar diferenciá-los é discriminar.

São diferentes porque têm tipos e graus distintos de características físicase psicológicas. São diferentes, sobretudo, porque são capazes de criar, noconvívio social, culturas com diferentes manifestações, que se expressam atémesmo na diversidade de modos de relacionar-se, de estabelecer as interações.Tentar igualá-los é negar a realidade.

A semelhança e a diversidade entre os homens – tanto vistos comoconviventes em grupos sociais, quanto considerados em sua identidade pessoalno seio desses seus grupos – têm sido objeto de reflexão e pesquisa. O estudodessas diferenças conta com grande tradição, tanto no campo da especulaçãofilosófica, quanto no das ciências humanas e sociais, sobretudo no terreno daantropologia, da sociologia e da psicologia. No decurso do século XX, odesenvolvimento desses estudos e pesquisas sobre as características individuais eas características de grupos menores de convivência trouxe significativa repercussãono processo educativo e, mais especificamente, nas práticas pedagógicas.

São os processos sociais e culturais que predominam na identificação e nolidar com as diferenças. No momento em que estamos refletindo sobreaprendizagem, a questão das diferenças – pessoais e culturais – não pode seresquecida.

Aprendizagem, inteligência, emoção e motivação

Emoção e cognição constituem aspectos inseparáveis, presentes emqualquer atividade, embora em proporções variáveis. Estão presentes quandose busca conhecer, quando se entra em contato com objetos físicos, concepçõesou outros indivíduos.

A emoção e a inteligência estruturam-se nas ações e pelas ações dosindivíduos. Aquela pode, assim, ser entendida como a energia necessária para

A pesquisa é um princípioeducativo e, como tal, deve serdesenvolvida independentementedo nível de ensino. Na formaçãoprofissional dos seus alunos,você os estimula à solução deproblemas? De que modo issoacontece?

O diálogo e a construçãocompartilhada de saberes sãofavoráveis à aprendizagem. Sevocê quiser saber sobre isso,conhecendo um pouco mais sobrea relação entre desenvolvimentoe aprendizagem, busque o textoda leitura complementar no 2.

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Sujeito social e aprendizagem

que a estrutura cognitiva passe a operar. E mais, influencia a velocidade comque se constrói o conhecimento, pois quando a pessoa se sente emocionalmentesegura e tranqüila, aprende com mais facilidade e mais rapidamente.

Piaget ilustra a relação da inteligência com a emoção utilizando umainteressante analogia extraída do funcionamento de um automóvel. Diz que hámotor e combustível. Para funcionar, o carro necessita, além de um bommotor, de combustível adequado. O ser humano, para aprender, precisa, alémdo motor da inteligência, da energia proveniente de um combustível apropriado,isto é, a emoção. Esta funcionaria dando impulso e potência à inteligência.Etimologicamente a palavra vem do latim, do verbo movere, o que move ouprovoca movimento.

A emoção é, portanto, fundamental componente nas ações humanas.Influencia a escolha de objetivos a serem perseguidos, bem como a avaliaçãoe valorização de certos dados, eventos ou situações vividas. Assim, em funçãodo amor, ódio, medo, alegria, tristeza, o indivíduo é levado a procurar – ouevitar – objetos, pessoas ou circunstâncias.

A emoção tem um forte poder de expressividade e comunicação. Istosignifica que, ao mesmo tempo que é difícil esconder estados emocionais, éfácil perceber o que se passa com uma pessoa, por suas reações, aparência ouexpressões emocionais.

Na atividade escolar, especialmente no processo de aprendizagem,constata-se, de forma muito evidente, a relação entre inteligência e emoção.Os conteúdos são mais facilmente compreendidos e assimilados quando oaluno está emocionalmente tranqüilo, equilibrado e ajustado ao clima doprocesso de aprender.

Quando os níveis emocionais, especialmente os carregados desentimentos negativos, se elevam sobremaneira, a situação de aprendizagemtende a ser prejudicada, pois esses sentimentos absorvem a energia que oaprendiz poderia canalizar para a aquisição do conhecimento, desviando-a parao controle do estado emocional.

A emoção também define a relação que o aluno estabelece com asdisciplinas e áreas de estudo. Quando é positiva, o rendimento tende a sermelhor, mesmo com menor empenho. Quando é negativa, a situação tende ase inverter: não gera empenho e, conseqüentemente, não há rendimento.

Na interação professor–aluno, os fatores cognitivos e emocionaisexercem influência recíproca. Especialmente os fatores emocionais de caráterafetivo. Através dessa interação, tanto os alunos como o professor vãoconstruindo percepções, imagens, sentimentos em relação ao interlocutor,conferindo-lhes determinadas características, intenções e significados. Essesresultados irão determinar o tipo de relação entre os atores da ação pedagógicae, no caso específico do aluno, a influência vai estender-se aos próprios conteúdosensinados pelo professor. Cria-se, assim, uma espécie de vínculo e um conjuntode expectativas recíprocas, que podem ser facilitadoras ou inibidoras doprocesso de ensino-aprendizagem.

Para que a interação professor–aluno possa levar à construção deconhecimentos, a interpretação que o professor faz do comportamento dosalunos é fundamental. Ele precisa estar muito atento ao fato de que existem

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3 Educação/Conhecimento/Ação

muitas significações possíveis para os comportamentos assumidos por eles,buscando verificar quais delas traduzem as intenções originais e verdadeiras.

Relacionada a este aspecto está a questão da motivação. É comumdeparar-se com a queixa de muitos professores de que seus alunos não têm omenor interesse em aprender. “É um jovem inteligente, mas não quer nadacom o estudo”, ou “ tentei de tudo com esse aluno, mas não quer nada com oestudo”, ou ainda “não sei o que fazer para que esse aluno se interesse.”

Tudo isso é dito e escutado freqüentemente. Em decorrência, comumentesurge a pergunta: “o que posso fazer para esse aluno estudar?”

Para responder a essa questão é fundamental saber o que existe no contextoimediato ou remoto, que define o significado da atividade escolar para o aluno, que se tornemotivante para alguns alunos, ou para um aluno em determinados momentos, e desmotivantepara outros e por quê (Tapia, In Salvador, 1996).

Em outras palavras e de maneira mais explícita, por que os conteúdos eo modo como são apresentados, as tarefas e o modo como são propostas, amaneira de organizar a atividade, o tipo e forma de interação, os recursos, asmensagens do professor, a avaliação – quem a faz, de que forma e em quecontexto é feita – algumas vezes motivam os alunos e outras não?

Todos os aspectos acima mencionadas informam o aluno, de um modoou de outro, a respeito de muitas coisas: o que se pretende conseguir (metas); oque de atrativo ou de aversivo possui isso para ele; que possibilidades seapresentam para conseguir o objetivo proposto; qual o custo, a vantagem oudesvantagem, o proveito ou desgaste para ele; enfim, idéias que vão gerarmotivação, ou seja, aceitação ou rejeição da tarefa, persistência na sua realizaçãoou desistência.

Nas atividades de aprendizagem, é importante identificar quais os motivosde desenvolvê-las e como devem ser realizadas. No que se refere aos motivos,pesquisas têm indicado como mais relevantes o incremento da própriacompetência do aluno e a ênfase na responsabilidade pessoal, juntamente como desenvolvimento da consciência de interdependência e de trabalhoparticipativo. Em relação à forma de desenvolvimento, parece mais válido oprofessor:

!!!!! estimular mais o processo de realização da atividade do que o resultado; !!!!! fazer o aluno comparar as próprias conquistas com as suas anteriores,

mais do que com as dos colegas; !!!!! despertar no aluno a consciência do valor da cooperação com os outros

e de compartilhar os resultados conquistados.

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Sujeito social e aprendizagem

A relação professor–aluno

Certamente, a sala de aula não é um lugar qualquer, igual aos demais,onde se fala de qualquer coisa e se desenvolvem atividades comuns e triviais; éum lugar especial e a relação entre professor e aluno é algo peculiar.

A relação professor–aluno é uma via de mão dupla: inclui a ação einfluência do professor sobre o aluno, e também deste sobre o professor.

A ação do professor desperta a reação dos alunos que, por sua vez,influem no professor e desencadeiam nele determinado estilo de conduta paracom a turma ou em relação a cada aluno em particular. Os profissionais domagistério vivem essa realidade a cada período letivo e em cada turma. Nenhumaturma é igual a outra, nenhum período é igual a outro.

Por outro lado, cada turma sente os seus professores de maneira diferente.Embora a turma seja a mesma, suas reações são diferenciadas, segundo osmodos de agir dos professores, que, por sua vez, desencadeiam por parte dosalunos diferentes graus de interesse, colaboração, respeito e até de rendimentoescolar.

Como em toda relação interpessoal – e, principalmente, quando elaocorre em contexto coletivo –, a dinâmica interativa não obedece a padrõesrígidos de causa e efeito. Mesmo quando conseguimos mapear ações e reaçõestípicas, é necessário considerar as diferentes histórias de construção de conceitos,idéias e significados.

Neste sentido, se é verdade que a investigação sobre a relaçãopedagógica tem se tornado freqüente e qualificada, é também verdade que elaainda não deu conta de apresentar argumentos suficientes para explicar estafundamental interação entre docente e discente, entre educador e educando.

Se analisarmos a questão a partir do educador ou docente,encontraremos autores que atribuem maior peso aos traços de personalidadeou de “caráter” do professor, enquanto outros às suas atitudes ou atospraticados.

Os primeiros sustentam que o fator determinante da relação doprofessor com o aluno são os traços de caráter do docente, entendendo comotraços de caráter certas maneiras, constantes e espontâneas, de agir e reagir dapessoa, frente a situações ou circunstâncias da vida. Basicamente, essas reaçõessão marcas pessoais, mantendo, de modo geral, as mesmas características nodecurso da vida do indivíduo. No caso do professor, certamente estes fatoresinfluenciam de forma subjacente o seu comportamento.

Já os outros sustentam que, mais do que os traços de personalidade, sãoos atos e as reações do educador que influem na relação com o aluno. Assim,o que vale são as atitudes e os atos que o professor pratica no desempenho deseu papel de professor. E argumentam a partir de duas constatações: em primeirolugar, os alunos, especialmente as crianças e os jovens, têm uma percepçãoconcreta e objetiva das pessoas, pensando e julgando mais a partir de fatos eatos, do que a partir de idéias, abstrações e concepções. Em segundo lugar,argumentam que, na prática profissional, importa mais o que se faz (controlamosisso melhor) do que a maneira de ser (é mais difícil de mudar e, além disso,

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3 Educação/Conhecimento/Ação

temos o direito de ser diferentes). O que fazemos resulta de nossas atitudes,que não necessariamente devem coincidir com nossos traços de personalidade.

Registramos, a seguir, algumas atitudes e condutas que, segundo umnúmero significativo de pesquisas, os alunos valorizam no professor:!!!!! Os alunos mais jovens (especialmente as crianças) tendem a destacar os

aspectos físicos dos seus professores, sua aparência e maneira de seapresentar. Quanto às habilidades didáticas, se limitam a dizer que os bonsprofessores ensinam bem.

!!!!! Os alunos adolescentes valorizam mais as habilidades didáticas do docentee destacam a capacidade do bom professor para manter a classe em ordem(“saber manter a ordem”), o empenho em tratar os alunos de forma iguale a preocupação em atender as necessidades individuais de cada estudante.

!!!!! Os alunos mais velhos destacam como bons professores os que estãobem preparados, são pessoas educadas e respeitosas, preocupam-se demaneira autêntica com os estudantes, estimulam e ensinam os alunos aestudar, atendem às necessidades individuais, utilizam o reforço positivo(sabem elogiar sem bajular, dar destaque aos êxitos), exploramadequadamente as habilidades de cada aluno e acenam com objetivos delongo prazo. Curiosamente, os alunos mais velhos aceitam que os bonsprofessores sejam muito diferentes entre si.

!!!!! Os aspectos relacionais emergem em todas as idades, embora os maisvelhos manifestam maior exigência e preocupação com isto. Segundo amaioria dos alunos, o bom professor é aquele que sabe dar segurança, épróximo e familiar, é sensível às necessidades dos estudantes, dá ajudaextra, não discrimina, auxilia os que têm dificuldade, é humilde e reconheceos próprios equívocos e limitações.

A relação do professor com os alunos pode, ainda, ser abordada emdois níveis ou planos: um, informativo, intencional, relativo à condução doprocesso de ensino- aprendizagem; outro, formativo, latente, subjetivo, que dizrespeito à formação da conduta e da personalidade do aluno.

O plano informativo é o que caracteriza formalmente o professor comoo “profissional do saber”. Na sociedade de modo geral, ainda persiste arepresentação da “educação bancária”: o aluno vai à escola para aprender e oprofessor, para ensinar. Aquele deve reconhecer que tem o que aprender e estedeve ter conhecimento do que deve ensinar e de como fazê-lo. Mas, tambémé fato que, gradativamente, vai se criando uma nova imagem do ensino, menoscomo um “fornecer” e mais como um “trocar”. Por isso é que, mesmo que osobjetivos do processo de ensino-aprendizagem sejam similares, diferentes sãoas propostas, atitudes e estratégias para alcançá-los.

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Sujeito social e aprendizagem

No plano das propostas se defrontam a transmissão do conhecimentoe a construção do conhecimento (esta a partir das contribuições das teoriasinteracionistas, cujos autores, como se viu, sustentam que a construção doconhecimento ocorre na interação do aluno com o objeto do conhecimento).

O segundo plano, relativo à formação do aluno, decorre naturalmenteda posição singular do professor. Sendo o aluno um sujeito em formação e oprofessor, uma figura psicologicamente mais amadurecida e culturalmentevalorizada, é natural que exerça influências sobre os seus jovens interlocutores.Neste sentido, é importante destacar alguns aspectos de influência natural doprofessor sobre seus alunos. Apenas mencionamos duas:!!!!! A conduta do professor em relação ao aluno influencia fortemente o conceito

que este aluno faz de si mesmo. De fato, os sentimentos que um aluno temsobre si mesmo dependem, em grande parte, dos comportamentos quepercebe que o professor mantém em relação a ele. Assim, uma atitudecontinuada e consistente de alta expectativa sobre o êxito de um alunopotencializa sua confiança em si mesmo, reduz a ansiedade diante do fracassoe facilita resultados positivos. Pelo contrário, uma atitude de desconfiança arespeito das capacidades do aluno, ou até de surpresa diante de seu sucesso,fomenta insegurança e reduz as possibilidades de enfrentar os problemas,criando no aluno um sentimento e uma tendência prognóstica deincapacidade e de fracasso. Desta forma, as expectativas do professor emrelação ao aluno tendem a se transformar em profecias.

!!!!! O aluno tende a formar o conceito de si mesmo a partir do autoconceitodo professor. Aqueles professores que possuem sentimentos positivos arespeito de si mesmos tendem a aceitar os outros com mais facilidade. Oprofessor com um elevado sentimento de eficácia, segurança em suas açõese pouca ansiedade, fomenta nos alunos o desenvolvimento de percepçõespositivas a respeito de si mesmos e de seus colegas. Tanto as atitudes quemantém com os alunos, quanto a imagem geral que passa para os mesmos,têm um impacto sobre o autoconceito e desempenho deles.

Outras leituras

Para o aprofundamento das questões tratadas neste tema, sugerimos:

!!!!! DAVIS, Claudia; OLIVEIRA, Zilma. Psicologia na educação.São Paulo: Ed. Cortez, 1992.Claudia Davis é formada pela Universidade de Stanford e Doutora em Psicologiado Escolar pela USP. Atualmente leciona na pós-graduação da PUC/SP. Temvários livros publicados, destacando-se a obra Psicologia do Desenvolvimento,em colaboração com Rappaport.

Zilma de Oliveira é formada em Pedagogia, Doutora em Psicologia pela USP,onde leciona e é pesquisadora na área do desenvolvimento infantil.

A experiência pessoal de aluno,nos diferentes níveis deescolaridade, nos fez construirconceitos sobre o conhecimentoescolar, a aprendizagem e acapacidade de aprender, arelação professor–aluno.

!!!!! Qual a sua percepção comoaluno do ato de aprender? Vocêreconhecia em si mesmo(a)mudanças na maneira decompreender o mundo, de revervalores e atitudes? Que mais?

!!!!! Como você via a relaçãoprofessor–aluno? Você achavaque ela influenciava na suacapacidade de aprender? Como?

!!!!! Quais eram as atividadesescolares? Como elas sedesenvolviam? Você achava queelas poderiam ser diferentes? Oque seria melhor?

!!!!! Você via a sua históriasociocultural e de seus colegasserem aproveitadas comoconhecimento na relação ensino-apredizagem? Em que situações?

Agora, vivenciando a práticadocente, estudando educação,como você atualiza e respondea essas questões?

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3 Educação/Conhecimento/Ação

As autoras apresentam no capítulo Concepções de desenvolvimento asprincipais teorias do desenvolvimento humano – inatismo, ambientalismo einteracionismo –, apontando as implicações que cada uma delas tem no campoeducativo e manifestando nítida opção pela posição interacionista.

!!!!! COLL, Cesar et alii. Psicologia da educação. Porto Alegre: Artmed, 1999.O professor Cesar Coll, da Universidade de Barcelona, apresenta, no capítulo 8desse livro, Nível de desenvolvimento e as relações com o ambiente físico e social: oponto de vista de Piaget, um estudo detalhado da psicologia genética de Piaget,chamando a atenção do leitor para a prioridade e a ênfase que esta posiçãoteórica dá aos fatores genéticos, em detrimento dos fatores educativos, noprocesso de desenvolvimento humano. No capítulo 9, O desenvolvimento dasfunções psicológicas superiores: o ponto de vista de Vygotsky, é feita umaapresentação detalhada dos fatores que, no entender dos adeptos de Vygotsky,são responsáveis pelo desenvolvimento humano, enfatizando a importânciaatribuída aos fatores sociais, em especial, à educação.

!!!!! COLL, Cesar (org.). Psicologia da educação. Porto Alegre: Artmed, 1996.No capítulo 17, A interação professor–aluno no processo de ensino/aprendizagem, Cesar Cool e Isabel Solé, professores da Universidade deBarcelona, apresentam, inicialmente, uma perspectiva histórica da relaçãoprofessor-aluno, para, a partir do enfoque evolutivo, elaborarem uma novaconceituação dessa relação, bem como os desafios que a nova proposta enfrenta.Em síntese, a nova conceituação da relação professor–aluno propõe, emsubstituição à posição que privilegiava a figura e a eficácia do professor, aênfase no processo de interação entre os dois protagonistas do processo deensino e aprendizagem, a saber, o aluno e o professor.

!!!!! ANTUNES, Celso. As inteligências múltiplas e seus estímulos.Campinas, SP: Ed. Papirus, 1998.Celso Antunes é professor da PUC/SP e da Universidade São Judas, SP. Autor demais de 170 livros e de inúmeros ensaios e crônicas sobre geografia, ensino eeducação. Há mais de dez anos pesquisa as inteligências múltiplas. Nos capítulos4 e 5, respectivamente intitulados O que significa “janelas das oportunidades”?e O que são inteligências múltiplas?, apresenta o conceito hoje atribuído àinteligência, sobretudo por Gardner, e os vários tipos de inteligência, com suascaracterísticas, adotados por essa corrente psicológica.

!!!!! GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas; a teoria na prática.Porto Alegre: Artmed, 1996.

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Textos ComplementaresTextos ComplementaresTextos ComplementaresTextos ComplementaresTextos Complementares

Texto complementar no 1

Conhecimento e desenvolvimento humano: as contribuiçõesde Piaget e Vygotsky

Poderá ser bastante útil conhecer o pensamento – ao menos os aspectosmais importantes – de dois eminentes pensadores do século XX, que direcionaramseus estudos sobre dois temas: o processo de desenvolvimento humano e o processode aquisição do conhecimento, chegando a conclusões diferentes, mas não opostas.São eles: Jean Piaget (1896-1980) e Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934).

Piaget e Vygotsky: desenvolvimento pessoal e educação

Com o decorrer dos anos, as pessoas mudam. Essas mudanças, emtodo o ciclo vital, são uma evidência. A explicação dessa evidência – em que,como e por que se produzem essas mudanças –, no entanto, não é, de nenhumamaneira, simples, nem unânime.

Uma das questões que reiteradamente se coloca nesta tentativa de explicaros processos de mudança do homem é a que se refere às relações entre odesenvolvimento humano e a educação. Existe algum tipo de relação entre odesenvolvimento do homem – sobretudo no seu aspecto psicológico – e aspráticas educativas? As mudanças que se produzem nas pessoas podemprescindir da participação dos processos educativos?

Na realidade, a discussão sobre as relações entre o desenvolvimentohumano – sobretudo psicológico – e a educação não deixa de ser o reflexo e acontinuação do antigo problema das relações entre o biológico e o social , entrenatureza e cultura, profundamente ligado às correntes e reflexões filosóficas quetentam explicar o comportamento humano. Somos o resultado daquilo que anatureza e a biologia fizeram de nós ou somos um produto do nosso meiosocial e cultural? As diferenças entre as pessoas são produto de sua herançagenética ou têm sua origem na diversidade social e cultural dentro da qual vivem?

A resposta a essas questões têm inúmeros desdobramentos e levam àsmais diferentes conseqüências, gerando perguntas como: a nossa inteligênciapode ser modificada em determinadas condições ambientais? A fantásticainfluência da tecnologia e dos meios atuais de comunicação, bem como asmudanças nas estruturas sociais de hoje, especialmente na família, podem afetaro desenvolvimento das crianças e dos jovens? Os programas educativos podemajudar a compensar as diferenças entre as pessoas? Pode-se esperar que aspessoas que apresentam condutas socialmente anômalas possam modificá-laspara viver integradas na sociedade?

Como foi dito acima, essas questões são antigas e já foram exaustivamenteabordadas e discutidas pelos mais diversos ramos do conhecimento, da pesquisae da reflexão humana. Mais recentemente, no decurso do século XX, surgiramduas correntes de pensamento, que, por sua consistência e coerência, seconsolidaram como marcos teóricos, propondo-se a elucidar os aspectosrelacionados às questões acima mencionadas.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

Posição de Piaget

Como interacionista, Piaget admite a presença simultânea e decisivados fatores internos e externos no processo de desenvolvimento pessoal doser humano. Mas, sua posição se tipifica e assume um caráter peculiar a partirdo momento em que decide atribuir peso decisório a estes dois fatores.

Resumidamente, Piaget sustenta que o desenvolvimento é um processonecessário, isto é, implica mudanças globais das pessoas; essas mudançasgeralmente tornam-se duradouras e irreversíveis. As mudanças decorrentes dodesenvolvimento são universais, isto é, são comuns a todos os membros daespécie humana, guardando certa independência dos contextos físicos e sociaisconcretos em que os indivíduos se desenvolvem. Desenvolvimento é umprocesso natural e espontâneo, fora da consciência e controle da pessoa, paralelae fundamentalmente dirigido por fatores de natureza endógena e individual,apoiados sobre princípios de base biológica. Dessas premissas piagetianas,pode-se de imediato perceber que o eminente investigador suíço atribui papelsecundário à relação e à interação com outras pessoas como fator explicativodo desenvolvimento.

Uma simples leitura dos escritos de Piaget permite obter uma primeiraconseqüência imediata sobre a sua posição em relação ao papel da educaçãonos processos de mudança evolutiva do homem: as práticas educativas, emboratenham um certo papel ou uma certa influência, não se constituem em base dodesenvolvimento humano.

Sobre a influência do ambiente social e da educação, o próprio Piagetassim se pronuncia:

Pode-se comprovar em seguida a sua importância, se levarmos em conta que estágios(...) são acelerados ou atrasados na metade das suas idades cronológicas, segundo oambiente cultural e educativo. Porém, pelo simples fato que os estágios seguem amesma ordem seqüencial em qualquer ambiente, é o bastante para demonstrar queo ambiente social não pode explicá-las totalmente (1981).

Assim sendo, pode-se afirmar que Piaget considera a educação comoum fator do processo de desenvolvimento, enquanto, de fato, tem poder defacilitar ou dificultar as mudanças evolutivas, influenciando no sentido de queessas mudanças surjam mais cedo ou mais tarde no tempo.

Pode-se dizer que o ponto central da teoria de Piaget, no que se refere àquestão da relação do desenvolvimento pessoal com a educação, é que asmudanças verificadas nesse processo ocorrem de forma relativamenteindependente das práticas educativas nas quais a pessoa esteja envolvida.

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Posição de Vygotsky

Toda a arquitetura teórica de Vygotsky pode ser resumida em trêspontos centrais:!!!!! a necessidade de adotar o método genético ou evolutivo como eixo

explicativo das questões psicológicas: Vygotsky sustenta que os processospsicológicos superiores somente podem ser explicados se for estudada asua gênese e o seu desenvolvimento. Este estudo dos fenômenospsicológicos não pode ficar limitado exclusivamente ao âmbitoontogenético (individual), mas, pelo contrário, deve ser estendido a outrasáreas do desenvolvimento, como a da evolução da espécie (filogenético),ou da evolução sociocultural.

!!!!! a tese de que os processos psicológicos superiores têm uma origem social:Vygotsky defende o caráter prioritário da dimensão social e cultural daconsciência e admite o caráter secundário da dimensão individual naformação desta mesma consciência. Isto significa que todos os processospsicológicos superiores surgem inicialmente na esfera das relações sociaise na forma de processos interpsicológicos ou intermentais (regulados econtrolados mediante a interação social com outras pessoas) e que, atéum momento posterior em que se transformam em processos individuais,não podem ser efetuados no plano intrapessoal ou intramental (reguladose controlados a partir do interior do indivíduo).

!!!!! a idéia de que as mudanças nos processos psicológicos superiores sãomediadas por instrumentos: A relação do ser humano com o meio ésempre uma relação ativa e transformadora. Esta relação é possível graçasao uso de instrumentos intermediários, pelos quais a atividade humanadefine-se essencialmente como uma atividade instrumental. Entre essesinstrumentos, Vygotsky destaca o papel do sistema de signos, os quaisfuncionam como mediadores e propiciam a emergência dos processospsicológicos superiores típicos do ser humano. Atribui importância a essesinstrumentos pelo fato de que eles podem regular a conduta humana deforma ativa e consciente, permitindo ao indivíduo imprimir o seusignificado aos signos e não agindo simplesmente de forma passiva edireta ao estímulos físicos exteriores.

Sobre essa questão dos instrumentos, escreve Vygotsky:

Os instrumentos (...) que caracterizam a atividade humana podem ser do tipofísico (as ferramentas que possibilitam que modifiquemos o ambiente) ou do tipopsicológico (os signos ou os sistemas de signos, a linguagem, concretamente, alémde outros, como, por exemplo, os sistemas numéricos, os sistemas de representaçãográfica e, em geral, todo tipo de sistema convencional) (1979).

A partir destes três eixos, Vygotsky desenvolve toda a construção desua teoria, aplicando suas conclusões aos mais diversos campos da realidadehumana, tais como: a aprendizagem, o desenvolvimento, a educação e outros.

A partir desses princípios e pressupostos vygotskyanos, percebe-se fácile imediatamente o caráter absolutamente determinante e nuclear que o

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3 Educação/Conhecimento/Ação

pesquisador russo atribui à interação com as outras pessoas. Com efeito,Vygotsky sustenta que o desenvolvimento humano:!!!!! exige a apropriação de instrumentos e signos em um contexto de relação

e interação com os outros;

!!!!! não pode se explicar tão-somente por fatores de caráter biológico;

!!!!! somente é possível pelo fato de a criança viver em grupos, inserida emestruturas sociais que lhe permitem aprender dos outros e com os outros.

O desenvolvimento pessoal é possível porque as pessoas que cercam acriança não são objetos passivos ou simples espectadores e juízes do seudesenvolvimento, mas companheiros ativos, que ajudam, orientam, planejam eapóiam o comportamento da criança, como agentes do desenvolvimento. Assimescreveu ele:

A participação em atividades (...) em que companheiros mais experientes ecapazes culturalmente transmitem – ou tentam transmitir – os instrumentose os recursos que mediatizam e amplificam as capacidades humanas (isto é, ematividades educativas) é quase imprescindível na explicação do processo dedesenvolvimento (1979).

Dentro desse contexto de idéias é fácil inferir a importância que nodesenvolvimento humano Vygotsky atribui à educação, que, por sua natureza,é essencialmente social.

Conclusão

Nesta rápida abordagem das posições de Piaget e Vygotsky concluímosque ambos atribuem importância aos fatores externos e internos nodesenvolvimento humano, o que os caracteriza como interacionistas.

No entanto, existem diferenças entre eles. A mais nítida diz respeito àênfase e à prioridade conferidas, no processo de desenvolvimento humano,aos fatores internos (sobretudo de caráter biológico) e aos fatores externos (decaráter sociocultural). Neste ponto, a questão da educação é encarada de maneirabastante diferenciada.

É curioso saber deste paradoxo:!!!!! enquanto Vygotsky acentuou o caráter prioritariamente social do

desenvolvimento, ele e seus seguidores desenvolveram múltiplos erelevantes estudos sobre aspectos biológicos do desenvolvimento humano.Isto certamente se explica pelo fato de Vygotsky e seus principais seguidoresterem formação médica, e por não subestimarem a importância dos fatoresbiológicos no processo evolutivo do homem.

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!!!!! enquanto Piaget atribui um papel relativamente secundário às práticaseducativas em relação ao processo de desenvolvimento humano, éimpressionante o interesse que sua obra despertou na área da educação,bem como o enorme volume e a grande diversidade de tentativas deaplicação da sua teoria às práticas educativas. Esta influência verificou-senas mais diversas áreas da atuação educativa e pedagógica, chegando adespertar propostas concretas de trabalho na sala de aula.

Esse paradoxo parece evidenciar a complexa integração dos fatoresinternos e externos responsáveis pelo desenvolvimento humano, os quais,embora atuando de forma diversa, no entanto, sempre estão presentes.

Texto complementar no 2

Constituindo o conhecimentona história e na cultura

Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu na Bielorússia em 5 de novembrode 1896. Graduou-se em Direito, pela Universidade de Moscou,dedicando-se, posteriormente, à pesquisa literária. Entre 1917 e 1923 atuoucomo professor e pesquisador no campo das Artes, Literatura e Psicologia. Apartir de 1924, em Moscou, aprofundou sua investigação junto à Psicologia,enveredando também no campo da Educação de deficientes. No período de1925 a 1934, desenvolveu, com outros cientistas, estudos nas áreas de Psicologiae anormalidades físicas e mentais. Ao concluir outra formação, em Medicina,foi convidado para dirigir o Departamento de Psicologia do Instituto Soviéticode Medicina Experimental. Faleceu em 11 de junho de 1934. A circulação desuas obras foi proibida durante muito tempo na União Soviética, porque,embora fosse um militante do Partido Comunista, ele ressaltou o aspectoindividual de formação da consciência.

A concepção histórico-cultural

O contexto social vivido por Vygotsky e seus colaboradores,especialmente Luria e Leontiev, influenciou decisivamente os seus estudos.Participando de um momento conturbado da História, a Revolução Comunista,na Rússia, o foco de suas preocupações foi o desenvolvimento do indivíduo eda espécie humana, como resultado de um processo sócio-histórico. Éinteressante destacar que este grupo utilizou, em suas pesquisas, uma abordageminterdisciplinar – considerando-se as diferentes formações do próprioVygotsky – o que para nós, educadores, se reveste de grande importância,porque traz para o campo educacional uma visão integrada de conhecimentos.

Para Vygotsky, as origens da vida consciente e do pensamento abstratodeveriam ser procuradas fora do organismo, nas condições de vida social,nas formas histórico-sociais da vida humana e não, como muitosacreditavam, no mundo espiritual e sensorial do homem. Deste modo, deve-se procurar analisar o reflexo do mundo exterior no mundo interior dosindivíduos, a partir da interação destes sujeitos com a realidade. A origem dasmudanças que ocorrem no homem, ao longo do seu desenvolvimento, está,segundo seus princípios, na Sociedade, na Cultura e na sua História.

Este é um fragmento de umconjunto de textos da propostaMultieducaçãoMultieducaçãoMultieducaçãoMultieducaçãoMultieducação, desenvolvidapela Secretaria Municipal deEducação da Prefeitura daCidade do Rio de Janeiro. Integrao volume 2, publicado em 1994.

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O processo de desenvolvimento

O referencial histórico-cultural apresenta, portanto, uma nova maneirade entender a relação entre sujeito e objeto, no processo de construção doconhecimento. Enquanto no referencial construtivista o conhecimento se dá apartir da ação do sujeito sobre a realidade (sendo o sujeito considerado ativo),para Vygotsky, esse mesmo sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porqueconstitui conhecimentos e se constitui a partir de relações interpessoais. É natroca com outros sujeitos que se vão internalizando conhecimentos, papéis efunções sociais, o que permite a constituição de conhecimentos e da própriaconsciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social – relaçõesinterpessoais – para o plano individual – elaboração interna.

Desta forma, o sujeito do conhecimento, para Vygotsky, não é apenaspassivo, regulado por forças externas que o vão moldando; não é somenteativo, regulado por forças internas; ele é interativo.

Ao nascer, a criança se integra em uma história e uma cultura. A históriae a cultura de seus antepassados, próximos e distantes, que se caracterizamcomo peças importantes na construção de seu desenvolvimento. Ao longodessa construção se fazem presentes: os hábitos, as atitudes, os valores e aprópria linguagem daqueles que interagem com a criança, em seu grupo familiar.Estão presentes nessa construção, a história e a cultura de outros indivíduoscom quem a criança se relaciona, em outras instituições, como, por exemplo,na escola.

Mas, não devemos entender este processo como um determinismohistórico e cultural em que, passivamente, a criança absorve determinadoscomportamentos para reproduzi-los, posteriormente. Ela participa ativamenteda construção de sua própria cultura e de sua história, modificando-se eimprimindo modificações nos demais sujeitos que com ela interagem.

A relação entre desenvolvimento e aprendizagem

Enquanto para Piaget a aprendizagem depende do nível dedesenvolvimento atingido pelo sujeito, para Vygotsky, é a aprendizagem quefavorece o desenvolvimento das funções mentais: O aprendizado adequadamenteorganizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimentoque, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer (Vygotsky, 1987, p.101).

Esse aprendizado se inicia muito antes da criança entrar na escola, poisdesde que nasce e durante seus primeiros anos de vida, encontra-se em interaçãocom diferentes sujeitos – adultos e crianças – o que vai lhe permitindo atribuirsignificados a diferentes ações, diálogos e vivências. Vamos citar um exemplo:uma criança de três anos de idade convive numa família, onde a escrita e aleitura são práticas cotidianas e valorizadas. Tanto quanto os outros membros

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da família, ela tem acesso a lápis, canetas e papel. O que acontece então? Ela“escreve”, e muito. Rabisca, desenha e submete esta “escrita”, orgulhosamente,à aprovação de todos. Ela “lê” o que “escreve” e os outros também “lêem” assuas “escritas”. É nesta atividade espontânea e prazerosa que esta criança começaa descobrir o significado da linguagem escrita. Podemos dizer que esta formade escrever, constitui uma aprendizagem facilitadora à apropriação da escritaconvencional.

Muito embora a aprendizagem que ocorre antes da chegada da criançaà escola seja importante para o seu desenvolvimento, Vygotsky atribui umvalor significativo à aprendizagem escolar que, no seu dizer, produz algofundamentalmente novo no desenvolvimento da criança (1987, p.95).

Para entender a relação entre desenvolvimento e aprendizagem, emVygotsky, torna-se necessária a compreensão do conceito de zona dedesenvolvimento proximal.

Segundo este autor, a Psicologia sempre esteve preocupada em detectaro nível de desenvolvimento real do indivíduo, ou seja, aquele que revela apossibilidade de uma atuação independente do sujeito. Um exemplo destapreocupação pode ser encontrada entre os psicólogos que utilizam testagens,ou que se apóiam em escalas, visando detectar o nível de desenvolvimento dosujeito. Que atitudes esses profissionais adotam?

Durante as testagens ou observações que fazem, assumem uma posiçãoneutra, distante, sem oferecer qualquer tipo de ajuda. Medem o desempenhoobservado ao final do processo, procurando compatibilizar erros e acertos,mas não consideram o processo vivenciado pelo indivíduo na resolução deproblemas.

Do mesmo modo, a escola tende a valorizar, ainda hoje, apenas o nívelde desenvolvimento real dos alunos, seja durante as aulas, seja nos momentosde avaliação. Não é difícil encontrar professores que, ao fazerem uma análiseda turma, argumentam: – Fulano é ótimo aluno, nunca pede ajuda para realizar suastarefas!

Muitos professores, ao aplicarem suas provas, exigem que os alunos asrealizem sozinhos, sem discutirem as questões com ele, professor, ou com oscolegas. Esse tipo de avaliação leva em conta apenas o produto, ou seja, o que osalunos conseguem responder e não como conseguiram chegar às respostas. Perde-se, assim, a oportunidade de observar que muitas questões não respondidas, ouque apresentam respostas “erradas”, se realizadas com a mediação do professor,ou a de colegas mais experientes, teriam tido respostas positivas. Daí porqueVygotsky aponta a existência de um outro nível de desenvolvimento – o proximalou potencial – que, tanto quanto o nível real, deve ser considerado na práticapedagógica. Quando alguém não consegue realizar sozinho determinada tarefa,mas o faz com a ajuda de outros parceiros mais experientes, está nos revelandoo seu nível de desenvolvimento proximal. (...)

O nível de desenvolvimento mental de um aluno não pode serdeterminado apenas pelo que consegue produzir de forma independente; énecessário conhecer o que consegue realizar, muito embora ainda necessite doauxílio de outras pessoas para fazê-lo. (...)

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O conhecimento do processo que a criança realiza mentalmente éfundamental. O desempenho correto nem sempre significa uma operaçãomental bem realizada. O acerto pode significar, apenas, uma resposta mecânica.Daí a importância do professor conhecer o processo que a criança utiliza parachegar às respostas. Do mesmo modo, conhecendo esse processo, e intervindoquando a criança demonstra dificuldade num determinado ponto, torna-sepossível trabalhar funções que ainda não estão de todo consolidadas. Quandonão consideramos essas funções que se encontram em processo de consolidação,deixamos de atuar na zona de desenvolvimento proximal, que é a distânciaentre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial.Através de experiências de aprendizagem partilhadas, atua-se nessa zona dedesenvolvimento proximal, de modo que funções ainda não consolidadasvenham a amadurecer .

Para Góes (1991, p.20), A boa aprendizagem é aquela que consolida e sobretudocria zonas de desenvolvimento proximal sucessivas.

Desta forma, verificamos o quanto a aprendizagem interativa permiteque o desenvolvimento avance. Ressaltando a importância das trocasinterpessoais, na constituição do conhecimento, Vygotsky mostra, através doconceito de zona de desenvolvimento proximal, o quanto a aprendizageminfluencia o desenvolvimento.

Este conceito traz uma série de implicações para a prática pedagógica,porque:!!!!! o processo de constituição de conhecimentos passa a ter uma importância

vital e, portanto, deve ser considerado tão importante quanto o produto(avaliação final);

!!!!! o papel do professor muda radicalmente, a partir dessa concepção. Elenão é mais aquele professor que se coloca como centro do processo, que“ensina” para que os alunos passivamente aprendam; tampouco é aqueleorganizador de propostas de aprendizagem, que os alunos deverãodesenvolver sem que ele tenha que intervir. Ele é o agente mediador desseprocesso, desafiando os seus alunos e ajudando-os a resolver os desafios,realizando com eles ou proporcionando atividades em grupo, em queaqueles que estiverem mais adiante, poderão cooperar com os demais.Com suas intervenções estará contribuindo para o fortalecimento de funçõesainda não consolidadas, ou para a abertura de zonas de desenvolvimentoproximal. Não podemos esquecer que a aprendizagem é fundamentalpara o desenvolvimento;

!!!!! nessa perspectiva rompe-se com a falsa verdade de que o aluno deve,sozinho, descobrir suas respostas; de que a aprendizagem é resultante deuma atividade individual, basicamente intrapessoal. Aquilo que o alunorealiza hoje, com a ajuda dos demais, estará realizando sozinho amanhã;

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!!!!! a aprendizagem escolar implica apropriação de conhecimentos, que exigemplanejamento constante e reorganização contínua de experiênciassignificativas para os alunos;

!!!!! a reorganização das experiências de aprendizagem devem considerar oquanto de colaboração o aluno ainda necessita, para chegar a produzirdeterminadas atividades, de forma independente. Dessa forma o professorpoderá avaliar, durante o processo, não somente o nível das propostasque estão sendo feitas, mas, sobretudo, o nível de desenvolvimento realdo aluno – revelado através da produção independente – bem como oseu nível de desenvolvimento proximal onde ainda necessita de ajuda.Chega-se, assim, a um conhecimento muito maior da realidade do aluno,do curso interno de seu desenvolvimento (Vygotsky), tendo condições de prevero quanto de ajuda ainda necessita, e como se deve reorientar o planejamentopara apoiar esse aluno;

!!!!! para que todo esse processo tenha condição de se consolidar, o diálogodeve permear todo o trabalho escolar; para Vygotsky a linguagem é aferramenta psicológica mais importante;

!!!!! desta maneira é possível verificar não apenas o que o aluno é num dadomomento, mas o que pode vir a ser;

!!!!! rompe-se com o conceito de que as turmas devem ser organizadasbuscando-se uma homogeneidade.

Vale destacar que, durante este processo de construção partilhada, nãose verifica apenas no aluno a abertura de zonas de desenvolvimento proximal.Este movimento exerce uma influência relevante na zona de desenvolvimentoproximal do próprio professor.

Ao mesmo tempo, é importante esclarecer que este conceito – zona dedesenvolvimento proximal – não está relacionado apenas às interações que seefetivam em sala de aula. Em qualquer situação de interação, onde pessoasmais experientes proporcionem às outras instrumentos que lhes permitamdesenvolver conhecimentos e habilidades, a abertura, ou o fortalecimento dezonas de desenvolvimento proximal podem ser percebidas. (...)

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Questionando para Aprender a Conhecer

Síntese

No desenvolvimento deste módulo, cujo objetivo é o de caracterizar a produção do conhecimento comoelemento fundamental no desenvolvimento de todo o fazer humano, em particular da prática pedagógica, trouxemos aspectosfilosóficos, sociológicos e psicológicos para fundamentar nosso entendimento.

1 – Ao desenvolver o primeiro tema, abordamos a questão do conhecimento, a partir de um enfoquefilosófico-epistemológico, caracterizando, através da figura dos diversos “olhares”, as maneiras diferenciadascom que a humanidade vem entendendo e se apropriando do processo de conhecer.

O olhar essencialista ou metafísico considera que o conhecimento ocorre porque a razão humana écapaz de apropriar-se da essência das coisas, seja por um processo de pura intuição intelectual, designada de Idéiapor Platão, seja por iluminação divina, como acreditava Agostinho, seja por um processo de abstração a partir daexperiência sensível, como defendiam Aristóteles e Tomás de Aquino. Com esta doutrina metafísica, osfilósofos imaginaram ter encontrado a permanência inteligível por detrás da inconstância inquietante dosdados sensíveis.

O olhar moderno é um olhar racionalista, na medida em que a razão do sujeito que conhece é o únicocaminho para o conhecimento, embora possa assumir duas diferentes vertentes:

!!!!! racionalismo idealista, que busca na existência de idéias dentro do sujeito que conhece a razão mesma deseu conhecer (“eu penso, logo existo”);

!!!!! racionalismo empirista, que concebe a possibilidade humana de conhecer como a formação de idéias,unicamente a partir de impressões sensíveis (= empíricas).

O criticismo foi a tentativa de Kant em superar ambos os racionalismos, integrando seus elementos,isto é: o conhecimento pressupõe a existência de formas lógicas anteriores à experiência sensível, mas estas sóexercem alguma função se aplicadas sobre conteúdos empíricos fornecidos pela experiência.

O olhar dialético caracteriza-se pela retomada, negação e superação dos olhares metafísico ecientífico-racionalista, numa perspectiva de que a realidade não é algo que aí está, pronta e acabada, para serconhecida, mas vai-se constituindo em processo; também ele vai manifestar-se em duas correntes:

!!!!! a dialética idealista de Hegel, que identifica na contradição o motor da evolução do real, entende quetoda afirmação (tese) aparece como momento provisório, pois se confronta necessariamente com suanegação (antítese), que o impele a se transformar no seu contrário; a totalidade do real, num primeiromomento, é a Idéia (tese); num segundo momento, é a Natureza (antítese), negação da Idéia; num terceiromomento, é o Espírito (síntese), negação/retomada/superação da Idéia e da Natureza; a história dahumanidade não é nada mais do que o processo da manifestação do espírito, da consciência, rumo aoEspírito Absoluto: desde a certeza sensível até o saber absoluto, o Espírito Absoluto; neste sentido, adialética hegeliana é caracterizada como idealista, pois é o ideal que explica o real; a mudança no mundodas idéias é a própria mudança na história e no mundo;

!!!!! a dialética materialista de Marx e Engels, fundamentada na dialética de Hegel, rejeita o componenteidealista, aplicando-a somente ao mundo da realidade histórica concreta, à natureza e, sobretudo, àsociedade; seus princípios são os seguintes: totalidade, movimento, mudança qualitativa, contradição.

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3 Educação/Conhecimento/Ação

O olhar incerto é aquele que vem caracterizando a atualíssima crise dos modelos (paradigmas) doconhecimento, já que mesmo os avanços da ciência não conseguem encobrir seus descaminhos, provocandouma generalizada desconfiança em relação ao conhecer, abrindo espaço para osparadigmas holonômicos (holos = todo), que procuram centrar-se na totalidade para dar conta da complexidadedo real; menos que um sistema – como os olhares anteriores – o olhar incerto refere-se mais a umaatitude, a atitude pós-moderna.

2 – O segundo tema, dedicado ao agir humano, foi trabalhado predominantemente através dosenfoques filosófico e sociológico, procurando, também aqui, revelar a história da ação e da consciência queo ser humano tem de sua ação.

Primeiramente, distinguem-se ações autônomas (as que se caracterizam pela consciência e a vontade) das açõesimpostas. Uma segunda distinção – feita por Aristóteles – aponta três tipos de atividades fundamentais, tendopresentes seus objetivos:

!!!!! a atividade teorética tem como finalidade conhecer algum fato previamente acontecido;

!!!!! a atividade “poiética” tem como finalidade formar, fazer, confeccionar uma obra;

!!!!! a atividade prática tem finalidade em si mesma, no “fazer bem feito” (eupraxía); as atividades práticaspodem ser físicas ou espirituais e tendem a um estado de “conquista de capacidade de...”, portanto depoder.

Como exemplos de pensar o “fazer humano” enquanto prática comprometida com a criação erecriação das condições da existência humana, apresentam-se: no campo da atuação em saúde, a reflexão deum grupo que defende a construção compartilhada do conhecimento nos serviços desenvolvidos junto àpopulação; no campo da educação, remete-se à necessidade de considerar as dimensões socioculturais noatendimento escolar. Aqui aborda-se a ação do educador diante de uma realidade diversa e, sobretudo,excludente, tomando-se as questões da pobreza e da violência como manifestações a serem analisadas emsuas causas. Se não cabe à escola responder pelas mudanças sociais significativas, cabe a ela questionar paraque essas mudanças ocorram, mediante a natureza da educação oferecida a todos, como direito de cidadania.

3 – Assim, chega-se ao tema Sujeito sociail e aprendizagem. Trazendo discussões desenvolvidas empesquisas na área da psicologia, integradas à dimensão sociocultural, apresenta-se o ser humano como umsujeito que se desenvolve e aprende. Nesse sentido, são mostradas contribuições de Piaget e VygotsKy narelação entre desenvolvimento humano e aprendizagem. Outros aspectos da aprendizagem são mencionadospela sua relação direta com o cotidiano do agir do professor: as diferenças individuais, as múltiplas inteligências,a emoção com o tema correlato da motivação e, finalmente, a relação professor–aluno.

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Questionando para Aprender a Conhecer

Atividade de Avaliação do MóduloAtividade de Avaliação do MóduloAtividade de Avaliação do MóduloAtividade de Avaliação do MóduloAtividade de Avaliação do Módulo

Para que seu tutor possa ir acompanhando sua formação/transformação ao longo deste Curso (educaçãosó acontece quando aquele que se educa realiza sua própria transformação), ao término do estudo de cadamódulo, você deve realizar a atividade de avaliação.

Aqui estão apresentadas quatro proposições. Conheça as quatro, mas escolha apenas uma para desenvolvercomo atividade avaliativa. Poderá ser aquela em que você se sente mais confiante para demonstrar seus avançosneste momento.

Realize a atividade, envie-a ao seu tutor e receba dele os comentários.

1 – Fundamentado no estudo desenvolvido neste módulo, em um pequeno texto (de duas a quatropáginas), desenvolva suas reflexões sobre o tema tratado por Cipriano Luckesi no seguinte trecho:

Tomando por base as características fundamentais do educador e do educando, como seres humanos e como sujeitos dapráxis pedagógica, verificamos que o papel do educador está em criar condições para que o educando aprenda e sedesenvolva, de forma ativa, inteligível e sistemática (Luckesi, 1990, p.119).

2 – Pesquisa pode significar condição de consciência crítica e cabe como componente necessário de toda proposta emancipatória.Para não ser mero objeto de pressões alheias, é mister encarar a realidade com espírito crítico, tornando-a palco de possível construçãosocial alternativa. Aí, já não se trata de copiar a realidade, mas de reconstruí-la conforme os nossos interesses e esperanças. É precisoconstruir a necessidade de construir caminhos, não receitas que tendem a destruir o desafio da construção (Demo, 1991, p.11).

Comente esse pensamento de Pedro Demo, descrevendo em um pequeno texto (de duas a quatropáginas) uma situação educativa em que você vivenciou a necessidade de construir caminhos.

3 – Uma das competências que você deve ter desenvolvido no estudo deste módulo diz respeito a:Reconhecer a necessidade de fundamentar as práticas de saúde e de educação em “olhares” que, respeitando a diversidade, promovama ação transformadora.

Imagine que você foi convidado a realizar uma palestra para auxiliares e técnicos de enfermagem de umhospital público da região em que você mora. O tema solicitado foi A saúde da mulher e da criança (em vez deste,aqui você poderá indicar outro tema de seu domínio).

Explique, num pequeno texto (de duas a quatro páginas), como você pensa encaminhar o conteúdo desua fala. Nele, o seu tutor deverá avaliar a competência acima descrita.

4– Considerando o estudo deste módulo, desenvolva um pequeno texto (de duas a quatro páginas),apontando em que ele contribuiu para (re)pensar a sua prática pedagógica. Observe os seguintes aspectos, entreoutros que julgar pertinentes:

a) os sujeitos sociais envolvidos nessa prática – você e seus alunos;b) o conhecimento como construção de sujeitos em interação;c) a realidade social e a atenção à saúde como objeto da produção de conhecimento;d) a relação pedagógica solidária como ambiente favorável ao processo educativo.

Observação importante: Para a realização da atividade que você escolher entre as quatro propostas,não deixe de recorrer, como fonte de consulta, ao seu Diário de Estudo, resgatando as idéias e reflexõesanotadas no transcurso do seu estudo.

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