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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República da 1ª Região Embargos de Declaração Nº 002/2016/FAPJ/PRR1/49ºOF AGRAVOS DE INSTRUMENTO Nºs: 0002170-18.2016.4.01.0000 0002453-41.2016.4.01.0000 0002627-50.2016.4.01.0000 Processo Orig.: 0069758-61.2015.4.01.3400 EMBARGANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EMBARGADOS: BHP BILLITON BRASIL LTDA E OUTROS CORRDENADORA-GERAL DO SISTEMA DE CONCILIAÇÃO: DESEMBARGADORA MARIA DO CARMO CARDOSO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador Regional da República infra-assinado, diante da decisão que homologou acordo nos autos referenciados vem, mui respeitosamente, interpor o presente EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, com efeitos infringentes e pedido de suspensão de eficácia da decisão, com fulcro no art. 1022, I e II, c/c art. 1026, §1º, do NCPC, e na forma das razões anexas, pelas quais espera a reforma. Caso V. Ex.ª entenda não serem cabíveis os embargos, requer sejam conhecidos como Agravo Interno , a teor do art. 1024, § 3º, do NCPC. Brasília, 16 de maio de 2016. FELÍCIO PONTES JR. Procurador Regional da República

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALProcuradoria Regional da República da 1ª Região

Embargos de Declaração Nº 002/2016/FAPJ/PRR1/49ºOFAGRAVOS DE INSTRUMENTO Nºs: 0002170-18.2016.4.01.0000

0002453-41.2016.4.01.0000 0002627-50.2016.4.01.0000

Processo Orig.: 0069758-61.2015.4.01.3400 EMBARGANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALEMBARGADOS: BHP BILLITON BRASIL LTDA E

OUTROS CORRDENADORA-GERALDO SISTEMA DE CONCILIAÇÃO: DESEMBARGADORA MARIA DO

CARMO CARDOSO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL , pelo Procurador

Regional da República infra-assinado, diante da decisão que homologou

acordo nos autos referenciados vem, mui respeitosamente, interpor o presente

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO,

com efeitos infringentes e

pedido de suspensão de eficácia da decisão,

com fulcro no art. 1022, I e II, c/c art. 1026, §1º, do NCPC, e na

forma das razões anexas, pelas quais espera a reforma.

Caso V. Ex.ª entenda não serem cabíveis os embargos, requer

sejam conhecidos como Agravo Interno , a teor do art. 1024, § 3º, do NCPC.

Brasília, 16 de maio de 2016.

FELÍCIO PONTES JR.Procurador Regional da República

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AGRAVOS DE INSTRUMENTO Nºs: 0002170-18.2016.4.01.0000, 0002453-41.2016.4.01.0000, 0002627-50.2016.4.01.0000

Processo Orig.: 0069758-61.2015.4.01.3400 EMBARGANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALEMBARGADOS: BHP BILLITON BRASIL LTDA E

OUTROS CORRDENADORA-GERALDO SISTEMA DE CONCILIAÇÃO: DESEMBARGADORA MARIA DO

CARMO CARDOSO

RAZÕES DOS EMBARGOS

I

DA ADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO(TEMPESTIVIDADE)

O Ministério Público Federal foi intimado da homologação do

acordo nos autos em epígrafe em audiência, no dia 05/05/2016, data de início

de fruição do prazo recursal, ainda não esgotado (NCPC, art. 1023 c/c art. 180,

caput). Assim, a manifestação é tempestiva.

II

DO MÉRITO

1. Dos fatos.

Em função do rompimento da barragem de Fundão, no Estado

de Minas Ferais, com carreamento de seus rejeitos ao longo do Rio Gualaxo do

Norte, Rio do Carmo, Rio Doce e da zona costeira adjacente, verificou-se uma

série de danos socioambientais e econômicos, como mortes de trabalhadores e

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habitantes da região; o desalojamento de populações; a devastação de

localidades e a consequente desagregação dos vínculos sociais das

comunidades; a destruição de estruturas públicas e privadas; a destruição de

áreas agrícolas e pastos, com perdas de receitas econômicas; a interrupção da

geração de energia elétrica pelas hidrelétricas atingidas (Candonga, Aimorés e

Mascarenhas); a destruição de áreas de preservação permanente e vegetação

nativa de Mata Atlântica; a mortandade de biodiversidade aquática e fauna

terrestre; o assoreamento de cursos d'água; a interrupção do abastecimento de

água; a interrupção da pesca por tempo indeterminado; a interrupção do

turismo; a perda e fragmentação de habitats; restrição ou enfraquecimento dos

serviços ambientais dos ecossistemas; alteração dos padrões de qualidade da

água doce, salobra e salgada; dentre outros.

No dia 30/11/16, o Poder Público ajuizou ACP nº 69758.61-

2015.4.01.3400, tendo o r. Juízo da 12ª Vara da Justiça Federal de Minas

Gerais deferido parcialmente os pedidos liminares, nos seguintes termos:

a) conceder medida cautelar a fim de que a empresa SAMARCOMINERAÇÃO S/A, no prazo de 10 dias, impeça (ou comprove que já estáestancado) o vazamento de volume de rejeitos que ainda se encontram nabarragem rompida, comprovando as medidas de segurança tomadas para asegurança das barragens do Fundão e de Santarém;

b) conceder medida cautelar a fim de que as empresas rés, no prazo de 10dias, contratem empresas que possam iniciar imediatamente a avaliação dacontaminação de pescados por inorgânicos e o risco eventualmentecausado ao consumo humano destes, bem como efetuar o controle daproliferação de espécies sinatrópicas (ratos , baratas etc.), capazes de criarrisco de transmissão de doença a homens e animais nas áreas atingidaspela lama e rejeitos;

c) conceder medida cautelar a fim de que as empresas rés, no prazo de 15dias, elaborem estudos e adotem medidas visando impedir que o volume delama lançado no Rio Doce atinja o sistema de lagoas do Rio Doce e aproteção das fontes de água mineral mapeadas pelo DNPM;

d) conceder medida cautelar a fim de que as empresas rés, no prazo de 20dias, elaborem estudos de mapeamento dos diferentes potenciais deresiliência dos 1.469 ha diretamente atingidos, com objetivo de se averiguara espessura da cobertura da lama, a granulometria, a eventual presença demetais pesados e o PH do material, bem como a adoção imediata demedidas para a retirada do volume de lama depositado nas margens do RioDoce, seus afluentes e as adjacências de sua foz;

e) conceder medida cautelar a fim de que a empresa SAMARCOMINERAÇÃO S/A, no prazo de 30 dias, efetue depósito judicial inicial de

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dois bilhões de reais, a serem utilizados na execução do plano derecuperação integral dos danos a ser elaborado pelas rés;

f) decretar, com base no artigo 7° da Lei 8.429/92, combinado com art. 461,§5°, do CPC, a indisponibilidade das licenças de concessões paraexploração de lavras existentes em nome das empresas rés, conformedocumentos de fls. 304/308, bem como dos direitos daí decorrentes,devendo os autores providenciar as devidas averbações daindisponibilidade ora decretada;

g) conceder a antecipação de tutela para determinar que as empresas rés,no prazo de até 45 dias, apresentem: gl) um plano global de recuperaçãosocioambiental da Bacia do Rio Doce e de toda a área degradada,atendidas as determinações e parâmetros dos órgãos ambientaiscompetentes, com detalhamento das ações a serem desenvolvidas,cronograma de execução e desembolso dos recursos e; g2) um plano globalde recuperação socioeconômica para atendimento das populações atingidaspelo desastre, no prazo de 30 dias, atendidas as determinações eparâmetros dos órgãos competentes, com detalhamento e pormenorizaçãodas ações a serem desenvolvidas, cronograma de execução e desembolsodos recursos acima fixadas, fixo em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta milreais) a multa diária por descumprimento de cada uma das medidas acimafixadas, sem prejuízo de outras sanções.

Quanto ao item e), a fim de que se torne eficaz, a multa será majorada paraR$ 1.500,000 (um milhão e quinhentos mil) por dia de atraso.

Confirmando as notícias veiculadas pela mídia de que a

decisão liminar impulsionou forte movimentação das partes no sentido de

buscar um acordo para colocar fim ao litígio, os membros da Força-Tarefa do

MPF, instituída para a condução do caso, foram procurados pelas advocacias

públicas dos entes federativos sobre as tratativas entabuladas pelas partes,

além de sondagem sobre eventual interesse de participação na tentativa de

conciliação.

Considerando que mesmo após as duas reuniões, realizadas

em 13.01.2016 e 15.01.2016, os representantes do Poder Público não tinham

esclarecidos suficientemente os contornos e os detalhes das negociações e do

eventual acordo, nem mesmo qual espécie de participação esperavam por

parte do Ministério Público, foi encaminhado ofício, solicitando informações

adicionais, pendente de resposta até hoje.

De forma alheia a qualquer participação do Ministério Público,

os representantes do Poder Público decidiram por organizar as tratativas com

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as empresas por meio de reuniões realizadas em Brasília/DF, com a divisão

quatro Grupos de Trabalho, a saber: GT SOCIOAMBIENTAL; GT

SOCIOECONÔMICO; GT DE GOVERNANÇA e; GT FUNDING.

Com os trabalhos já em andamento, o MPF foi formalmente

convidado a participar das mesas de negociação, por meio de ofício enviado

diretamente ao PGR, após várias reuniões de todos os grupos de trabalho,

nesta capital federal.

O MPF fez-se presente nas duas reuniões para as quais foi

convidado e, adicionalmente, ainda participou de reunião com representantes

das advocacias públicas na sede da AGU-DF.

A partir de então, a Força Tarefa (FT-MPF) passou a

acompanhar as reuniões e receber, via e-mail, as versões em andamento do

acordo.

Nas datas de 15, 16, 17 e 22 de fevereiro de 2016, houve

novas reuniões em Brasília, para as quais o MPF foi convidado.

Em 25.02.2016, foi encaminhado ofício à AGU, com

requerimento de subscrição pelo PGR, solicitando prazo para manifestação

sobre o acordo entre as partes e o envio de toda a documentação técnica que

subsidiou o mesmo.

No dia 29.02.16, o MPF foi novamente convidado para

participar de reunião com representantes do Poder Público, em Belo Horizonte-

MG, a qual ficara prejudicada.

Neste meio tempo, o MPF apresentou às empresas duas

propostas de Termos de Compromisso, não havendo interesse da SAMARCO,

VALE e BHP na celebração de nenhum deles.

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Em 02.03.16, o Poder Público e as empresas celebraram

Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta. Após a celebração, as

partes da ACP requereram homologação judicial do mesmo perante a 12º Vara

Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais.

Mesmo sem ter acesso à versão final do acordo, o MPF se

manifestou nos autos da ACP, alegando vícios e requerendo vista dos autos.

Em 02.05.2016, o MPF ajuizou ação civil pública em face das

empresas e de diversos entes púbico.

Em 05.05.2016, foi realizada audiência de conciliação no

âmbito do Sistema de Conciliação da Justiça Federal da Primeira Região –

SistCon1 -, presidida por Vossa Excelência, oportunidade em que foi proferida

a seguinte decisão:

Considerando o princípio da autonomia da vontade e a busca da pacificaçãosocial, mediante conciliação das partes (CPC, art. 139, V), HOMOLOGO oacordo celebrado nesta audiência, nos termo acima delineados, para quesurta seus efeitos legais, e determino a suspensão dos autos do processooriginário (ACP 0069758-61.2015.4.01.3400) até a conclusão dasobrigações acordadas; 2) DECLARO EXTINTO, por perda de objeto, osAgravos de Instrumento nºs. 0002170-18.2016.4.01.0000 (BHP), 0002453-41.2-2016.4.01.0000 (SAMARCO) e 0002627-50.2016.4.01.0000 (VALE); e3) determino que seja oficiado ao Presidente do Tribunal de Contas daUnião e aos Presidentes dos Tribunais de Contas dos Estados de MinasGerais e do Espírito Santo, para indicar membros para a composição doComitê Interfederativo, nos termos do acordo; 4) determino, por fim, ajuntada desta ata de audiência e dos documentos apresentados pelaspartes aos autos da ação civil pública originária e dos três agravos deinstrumento que se encontram neste Tribunal.

Ficam as partes intimadas desta decisão e dos atos acima transcritos nestaaudiência. Nesse ato, igualmente, foram deferidos os pedidos do MinistérioPúblico Federal e do Ministério Público do Espírito Santo o prazo de 60(sessenta) dias para se manifestar sobre os termos do presente acordo, orahomologado.

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2. Da promoção do MPF ao esforço conciliatório.

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que o MPF apoia

integralmente os esforços de conciliação entre as partes. Considera como

instrumento de pacificação social, além de auxiliar na redução da judicialização

dos conflitos de interesses. Como fiscal da ordem jurídica (art. 178, NCPC), o

MPF é também promotor da solução consensual dos conflitos (art. 3º, §§ 2º e

3º, NCPC).

Porém, no caso específico, há pressupostos que não foram

observados para o aperfeiçoamento do acordo, como se verá a seguir.

3. Da Incompetência do TRF1 para a conciliação.

Os autos principais (ACP) estão em curso para a tentativa de

conciliação. Com efeito, a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo

peticionou requerendo seu ingresso no polo ativo da lide e a não homologação

do acordo celebrado entre as partes, entre outros fatores, pela ausência de

participação popular na sua formulação e pela falta de legitimidade dos entes

federativos para dispor a respeito dos direitos das vítimas.

Em primeira instância, ainda, foi levada à colação nota pública

com a adesão de 96 associações, organizações e movimentos sociais,

repudiando a proposta de acordo.

A Defensoria Pública da União peticionou nos autos da ACP,

informando que alguns tópicos do acordo precisam ser melhor elaborados para

que não comprometam a defesa dos direitos e interesses das populações

impactadas pelo desastre. Requereu sua admissão como litisconsorte ativa,

recebendo o processo previamente à homologação do acordo e com abertura

de vista para tomar conhecimento e se manifestar sobre seus termos.

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No dia 08/05/2016, houve a remessa dos autos principais ao

MPF, para manifestação a respeito das cláusulas do possível acordo.

Nota-se, assim, que a homologação de um novo acordo em

segunda instância, no dia 05.05.2016, fere a competência do Juízo de primeiro

grau, além de impedir a participação de outros legitimados, como a DPU e a

DPE/ES – o que será melhor estudado em capítulo próprio, adiante.

Portanto, os autos principais se encontram em primeira

instância, com pedido de homologação de acordo realizado pelas partes e

abertura de vista para manifestação do MPF. Assim, em que pese o esforço do

Núcleo Central de Conciliação do TRF1, não é admissível que as partes

requeiram a homologação de acordo perante o Juízo competente (12ª Vara da

Seção Judiciária de Minas Gerais) e, enquanto esse procura ouvir todos os

legitimamente envolvidos, essas mesmas partes formulem pedido idêntico em

segunda instância, em clara usurpação de competência do Juízo de piso.

Nesse sentido, dispõe o NCPC:

Art. 42. As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limitesde sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral,na forma da lei.

Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou dadistribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estadode fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimiremórgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.

Art. 44. Obedecidos os limites estabelecidos pela Constituição Federal, acompetência é determinada pelas normas previstas neste Código ou emlegislação especial, pelas normas de organização judiciária e, ainda, no quecouber, pelas constituições dos Estados.

Repise-se que é louvável a busca pela solução conciliatória da

lide. Entretanto, a conciliação ou mediação cabe ao juiz competente para

apreciar e julgar a causa, in verbis:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,incumbindo-lhe:(…)V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com

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auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; (…).

O NCPC prevê a criação, por parte dos Tribunais, de centros

judiciários de solução consensual de conflitos, devendo sua composição e

organização ser definida pelo próprio Tribunal, com observância das normas do

Conselho Nacional de Justiça:

Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual deconflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências deconciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados aauxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

No âmbito do CNJ, a Resolução nº 125/2010 versa sobre os

mecanismos consensuais de solução de litígios. Ela determina a instalação,

pelos Tribunais, de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania,

onde serão concentradas as sessões e audiências de conciliação e mediação,

realizadas por conciliadores e mediadores do quadro do próprio Tribunal ou

previamente cadastrados (arts. 7º, inciso IV, e 8º). Os centros deverão contar

com um juiz coordenador e, se necessário, um adjunto, responsáveis pela

administração do centro e homologação dos acordos, além da supervisão do

serviço dos conciliadores e mediadores.

A Resolução/PRESI/CENAG n. 2, de 24.03.2011, institui o

Sistema de Conciliação da Justiça Federal da 1ª Região – SistCon, que

abrange o Tribunal Regional Federal da 1ª Região e as Seções e Subseções

Judiciárias vinculadas. O Sistema é desenvolvido pelos núcleos de conciliação

de cada localidade, nos termos do §1º, de seu art. 1º. Percebe-se a

preocupação na observância do princípio do juiz natural, devendo o SistCon

ser implantado não apenas no Tribunal, mas em cada Seção e Subseção, onde

serão realizadas as tentativas de resolução consensual dos feitos que tramitem

perante aquela instância judiciária.

Ao Núcleo Central de Conciliação da 1ª Região cabe a

resolução das demandas cuja competência seja do Tribunal; e aos Núcleos de

Conciliação das Seções Judiciárias dos processos que tramitem perante a

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respectiva Seção:

Art. 3º Para dar efetividade ao SistCon, ficam criados:

I – no âmbito do Tribunal, o Núcleo Central de Conciliação da 1ª Região;

II – no âmbito das Seções Judiciárias da 1ª Região, os respectivos núcleosde conciliação, os quais poderão funcionar de maneira itinerante najurisdição correspondente.

§ 1º A estrutura para funcionamento do Núcleo Central de Conciliação da 1ªRegião será definida em ato próprio, emitido pelo Presidente do Tribunal.

§ 2º A efetivação ou implantação dos núcleos de conciliação em cada Seçãoou Subseção Judiciária será feita por ato da Presidência deste Tribunal.

§ 3º As estruturas para funcionamento dos núcleos de conciliação dasSeções Judiciárias serão definidas de comum acordo, entre a Presidênciadeste Tribunal e Diretorias de Foro.

§ 4º Implantado ou efetivado o núcleo de conciliação em uma unidade dafederação, todos os magistrados das respectivas áreas envolvidas, no localde sua implantação, dela participarão, conforme a necessidade, podendo aatribuição de mediação e/ou conciliação recair sobre conciliadoresvoluntários, devidamente credenciados e treinados, nos termos destaResolução.(...)Art. 5º O Núcleo Central de Conciliação da 1ª Região funcionará na sede doTribunal, e tem como atribuições:

I – buscar, por meio da mediação e/ou conciliação, solucionar as questõescíveis que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis e/ou questõesque, por sua natureza, a lei permita a transação, observadas as regrasdesta Resolução;

II – registrar as informações referentes aos processos conciliados e nãoconciliados, bem assim as relativas ao quantitativo de audiências paraposterior consolidação e análise;

III – centralizar as informações sobre a conciliação da 1ª Região e fornecerrelatório estatístico das informações relativas ao semestre anterior, porunidade e globalizado, até o quinto dia dos meses de fevereiro e setembroao titular do Núcleo;

IV – divulgar, organizar e arquivar os atos e normas referidos no art. 4º, III eIV;

V – mapear as boas práticas e difundi-las aos núcleos seccionais;

VI – realizar estudos, com apoio da área técnica, para a inclusão de novasmatérias no SistCon;

VII – remeter os processos aos gabinetes ou turmas, conforme o caso,quando frustrada a conciliação;

VIII – providenciar o expediente ordinário no tocante ao:

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a) controle de frequência de servidores e de materiais de consumo epermanente e arquivos;b) elaboração de ofícios, certidões;c) execução de sistemas administrativos e, se for o caso, judiciais;d) expedição e recebimento de documentos;e) outras atividades necessárias ao funcionamento do núcleo.

Art. 6º Nas seções judiciárias funcionarão os respectivos núcleos deconciliação, sob a denominação “Núcleo de Conciliação da Seção Judiciáriade” adicionada do nome da unidade da federação correspondente.

Art. 7º São atribuições dos núcleos de conciliação das Seções Judiciárias:

I – desenvolver, no âmbito da seccional, as atividades previstas no art. 5º, I,II e VIII, nos processos que lhe forem remetidos pelas unidades e órgãoscompetentes, nos termos regulamentares;

II – prestar as informações solicitadas pelo Juiz Coordenador local ou peloNúcleo Central da Conciliação da 1ª Região, relativas aos trabalhosrealizados pelo núcleo;

III – registrar as boas práticas e remetê-las ao Núcleo Central daConciliação da 1ª Região para difusão e aproveitamento pelos demaisnúcleos;

IV – remeter ao Núcleo Central da Conciliação, até o dia dez dos meses dejaneiro e agosto, as informações estatísticas relativas às atividades donúcleo no semestre anterior;

V – remeter os processos para as respectivas varas quando frustrada aconciliação.

Força reconhecer que nenhuma das normas acima permite

supressão de instância, o que ofenderia o princípio do juiz natural, disposto no

art. 5º, inciso LIII, da CR/88, e no art. 42 do NCPC, respectivamente:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade, nos termos seguintes:(...)LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridadecompetente; (…).

Art. 42. As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limitesde sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral,na forma da lei.

Sendo reconhecida a incompetência da C. Corte para

homologar acordo que versa sobre a integralidade de processo que tramita em

primeira instância, a consequência é a remessa dos autos ao juízo competente,

o qual se pronunciará sobre o ato decisório de homologação de acordo:

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Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questãopreliminar de contestação.

§ 1o A incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e graude jurisdição e deve ser declarada de ofício.

§ 2o Após manifestação da parte contrária, o juiz decidirá imediatamente aalegação de incompetência.

§ 3o Caso a alegação de incompetência seja acolhida, os autos serãoremetidos ao juízo competente.

§ 4o Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitosde decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, sefor o caso, pelo juízo competente. (NCPC)

Destarte, requer-se seja sanada a omissão contida na decisão

homologatória, declarando a incompetência do Núcleo Central de Conciliação

da 1ª Região para homologar o acordo judicial que visa contemplar a

integralidade dos autos da ACP n. 69758.61.2015.4.01.3400, em trâmite

perante a 12ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, e consequentemente,

anulando o ato decisório de homologação do acordo.

4. Do atentado à decisão do Superior Tribunal de Justiça.

As partes do acordo levaram o d. Núcleo de Conciliação do

TRF1 a erro. Omitiram pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A omissão das partes sobre o tema impede a eficácia jurídica da conciliação.

Explicamos.

O Tribunal da Cidadania, por meio de decisão liminar da Vice-

Presidente no exercício da Presidência, em 11.01.2016, havia designado,

provisoriamente, o Juízo da 12º Vara Federal em Belo Horizonte para decidir

acerca das medidas urgentes (CC 144922-MG).

Consectário lógico e teleológico da decisão é a suspensão

automática de todos os feitos que versem sobre a lide. Como se sabe, em

ambiente de competência precária, adstrita à tutela de urgência, a prestação

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jurisdicional se deve pautar pela contenção, de modo a prevenir eventuais

conflitos e nulidades.

De acordo com a decisão do STJ, apenas as medidas urgentes

poderiam ser apreciadas pelo Juízo provisoriamente designado – o que tem

sido realizado. Importa dizer que, de regra, os processos cíveis em curso,

versando sobre demandas oriundas do rompimento da barragem de Fundão,

deveriam ser paralisados.

Essa ordem de suspensão aplicada às ações, por certo,

estende-se aos recursos a elas pertinentes. No momento em que foi proferida a

decisão homologatória do acordo, desrespeitou-se àquela decisão do Superior

Tribunal de Justiça.

É necessário pronunciamento das partes sobre o fato, diante

do descumprimento da ordem judicial.

5. Da falta de intimação com vistas dos autos ao MP F.

O Ministério Público Federal deve ser intimado para participar

das audiências de conciliação que versem sobre questões de interesse público,

em atenção à sua função constitucional (arts. 127 e 129 da CF/88). Nesse

sentido, inclusive, é expressa a Resolução/PRESI/CENAG n. 2, de 24.03.2011,

que instituiu o Sistema de Conciliação da Justiça Federal da 1ª Região:

Art. 19. Estando o litígio ajuizado, do interesse de conciliação far-se-á aintimação das partes e respectivos procuradores, pela imprensa ou por viapostal ou, ainda, por outro meio idôneo de comunicação, certificando-se aocorrência pelo núcleo de conciliação.

§ 1º Ficará a critério do juiz que preside o feito, a qualquer tempo, de ofícioou por provocação das partes, o encaminhamento dos processos em trâmiteao núcleo de conciliação para os devidos fins.

§ 2º A remessa dos processos ao núcleo de conciliação será registrada nosistema judicial respectivo e acompanhadas, quando houver, dasrespectivas ações incidentais.

§ 3º O Ministério Público Federal será intimado para acompanhar o atoconciliatório nas hipóteses em que sua intervenção seja obrigatória.

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É prerrogativa do Ministério Público a intimação pessoal com

carga ou remessa dos autos, permitindo ao Parquet se inteirar dos fatos com

antecedência à realização da audiência de conciliação e prestar o melhor

serviço à sociedade, trazendo as razões de fato e de direito que fundamentam

sua manifestação.

Assim versa o NCPC:

Art. 180. O Ministério Público gozará de prazo em dobro para manifestar-senos autos, que terá início a partir de sua intimação pessoal, nos termos doart. 183, § 1o.(…)Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suasrespectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo emdobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem teráinício a partir da intimação pessoal.

§ 1o A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.

Ocorre que, no presente caso, o Ministério Público Federal não

foi previamente intimado com carga ou remessa dos autos em clara afronta ao

disposto no art. 180 do CPC. O vício acima acarreta a nulidade da

homologação, havendo claro prejuízo à sociedade, uma vez que não foram

apreciadas as diversas razões a serem levantadas pelo Ministério Público em

desfavor do acordo celebrado.

6. Da falta de legitimidade da Advocacia Pública

para transacionar direitos dos atingidos.

À Advocacia Pública compete as relevantes atividades de

consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, nos termos dos arts.

131 e 132 da CR/88, ou seja, não possuem legitimidade adequada para, em

nome próprio ou como representantes do Poder Executivo, pleitearem em

Juízo ou transacionarem a respeito de direitos coletivos ou individuais

homogêneos dos atingidos.

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Não foi realizada qualquer audiência pública ou ato congênere

visando dialogar com os atingidos, ouvir suas necessidades e exigências, com

o fim específico de construir um acordo que atenda aos seus anseios. Em

suma, não houve qualquer participação da população na formulação do acordo

que visa tratar dos direitos da população afetada pelo rompimento da barragem

de Fundão.

A falta de participação da população atingida na confecção do

acordo macula de nulidade o mesmo, por falta de legitimidade das partes que

firmaram o termo para transacionarem a respeito dos direitos dos atingidos,

sendo mais um motivo a justificar a necessidade de anulação do ato

homologatório.

7. Da violação à participação dos colegitimados.

A importância da efetiva participação popular na tomada de

decisões coletivas ambientais, ouvindo e influenciando efetivamente, é

corolário básico do princípio democrático (CF, art. 1º) e do princípio do devido

processo legal (CF, art. 5º, inc. LIV). Também estão concretizados na legislação

ambiental (v.g art. 5º e 22 da Lei 9.985/2000), administrativista (art. 31 a 34 da

Lei 9.784/99) e em normativas internacionais (Princípio 10 da Declaração Rio

92).

Apesar de afetar interesses de milhares de cidadãos direta e

indiretamente impactados ao longo dos Estados de Minas Gerais e do Espírito

Santo, inclusive de povos indígenas e outros povos e comunidades

tradicionais, toda a condução das negociações entre o Poder Público e as

empresas ocorreu em Brasília, sem que fosse franqueado à sociedade,

individualmente ou por meio de movimentos sociais organizados, a participação

efetiva no processo.

Não se está aqui insurgindo contra o princípio da

confidencialidade, ínsito da conciliação (art. 166, NCPC), mas sim advogando-

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se pela participação de colegitimados no processo de conciliação.

A homologação do acordo se deu em distância dos atingidos e

de restrição à possibilidade de participação dos demais colegitimados ativos,

que manifestaram interesse em intervir na relação jurídico-processual

originalmente em curso na 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas

Gerais.

São notórias as manifestações de descontentamento e repulsa

da sociedade atingida ao acordo celebrado. Dentre elas, destaca-se a

manifestação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB):

Um acordo que é feito sem ouvir o povo, sem a participação dosatingidos, só pode ser um mau acordo, por melhores que forem suasintenções. [...] Um acordo que começa com pouca participação, nãogarantirá a participação necessária na sua execução. As formas departicipação previstas no acordo, através do 'Conselho deAdministração' da fundação que será criada, no qual há 6 indicadospelas empresas e 1 pelo governo, nenhum atingido; bem como no'conselho consultivo' de 17 pessoas representantes dos comitês debacia, instituições de pesquisa, MPF, MPE, apenas 5 representantesdos atingidos; 'comitê interfederativo', 12 pessoas, nenhum atingido.[...] Considerando todas as falhas já identificadas no acordo e anecessidade de participação direta dos atingidos organizados em setratar de decisões que interferem diretamente em suas vidas, o MABdefende que seja refeito o acordo antes de sua homologação.

No mesmo sentido, a Presidência da Comissão de Direitos

Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados manifestou repúdio ao

conteúdo do acordo e descontentamento quanto à forma conduzida à

homologação.

Há notícia de que houve a realização de uma única reunião, na

qual houve a participação de movimentos sociais e de todos os atores do

Poder Público que estão efetivamente conduzindo das negociações. O

encontro ocorreu no dia 29.02.2016, quando o acordo já estava concluindo

quase na integralidade, e logo após o Movimento dos Atingidos por Barragens

ter realizado sonoro protesto diante da Justiça Federal de Belo Horizonte

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contra as negociações.

Há de se perguntar: o que justifica que o Poder Público realize

um acordo que não contemple, na maior medida do possível, as pautas de

reivindicações dos atingidos?

E se a participação popular, em geral, nas negociações, foi

negligenciada, constata-se maior gravidade quanto ao direito de consulta livre,

prévia e informada das comunidades tradicionais, na forma do art. 6º da,

Convenção nº 169 da OIT. Apesar de terem sido negociadas questões de

interesse direto dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, conclui-

se que a condução das tratativas em Brasília-DF, sem a presença de qualquer

representante dos interessados, viola frontalmente a normativa internacional.

Ante o exposto, verifica-se que o processo de negociação,

celebração e homologação do Termo de Transação e de Ajustamento de

Conduta violou os princípios democrático (CF, art. 1º) e do devido processo

legal (CF, art. 5º, inc. LIV), além dos artigos 31 a 34 da Lei 9.784/99, do

princípio 10, da Declaração Rio 92, e art. 6º da, Convenção nº 169 da OIT.

8. Da violação aos limites subjetivos da lide.

Há uma falha de origem na concepção do ajustamento pelas

partes. Pretendem que o acordo figure como mecanismo de transação

exaustivo em relação ao evento e seus efeitos, quando, na verdade, os pontos

positivos acordados apenas poderiam servir de garantia mínima para adoção

de todas as medidas necessárias de mitigação, compensação e indenização

dos danos decorrentes do desastre ambiental, sem prejudicar a iniciativa de

outros colegitimados coletivos para a tutela mais ampla dos direitos coletivos

afetados.

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Sobre este último ponto, enfatiza-se que, conforme se

depreende dos “considerandos”, a transação pretende ser “exaustiva em

relação ao evento e seus efeitos”, colocando fim à ACP proposta pelo Poder

Público e a outras ações, com objeto contido ou conexo, em curso ou que

venham a ser propostas por quaisquer agentes legitimados. Transcrevemos:

CONSIDERANDO que as partes, por meio de transação que será exaustivaem relação ao EVENTO e seus efeitos, pretendem colocar fim a esta ACP ea outras ações, com objeto contido ou conexo a esta ACP, em curso ou quevenham a ser propostas por quaisquer agentes legitimados;

CONSIDERANDO que o presente Acordo poderá ser utilizado para osdevidos fins de direito e ser apresentado nos autos das ações judiciais quetenham por objeto qualquer obrigação decorrente do EVENTO e previstaneste Acordo, com a finalidade de buscar a resolução ou reunião de açõesajuizadas.

CONSIDERANDO que os COMPROMITENTES manifestar-se-ão nos autosdas ações judiciais listadas no ANEXO e demais ações coletivas quevenham a ser propostas relativas ao EVENTO, desde que tenha objetoabrangido pelo presente ACORDO, para fazer prevalecer as cláusulas eobrigações presentes neste ACORDO.

Como forma de operacionalizar a lógica negocial entabulada,

as partes reconhecem já no próprio acordo que algumas ações estariam

abrangidas pela negociação, razão pela qual os compromitentes terão a

obrigação de se manifestar nos autos “para fazer prevalecer as cláusulas e

obrigações do acordo”. Citamos na íntegra:

CLÁUSULA 03: As partes reconhecem expressamente que o objeto dasações judiciais listadas no ANEXO, ajuizadas pelo PODER PÚBLICO, estáabrangido pelo presente Acordo, razão pela buscarão sua extinção comresolução do mérito, nos termos da CLÁUSULA 253.

PARÁGRAFO PRIMEIRO: Os COMPROMITENTES manifestar-se-ão nosautos das ações judiciais listadas no ANEXO (AJUIZADAS PORTERCEIROS) e demais ações coletivas que venham a ser propostasrelativas ao EVENTO, desde que tenha objeto abrangido pelo presenteACORDO, para fazer prevalecer as cláusulas e obrigações presentes nesteACORDO.

PARÁGRAFO SEGUNDO: Não se aplica o disposto no Parágrafo Primeiro àAção Civil Pública 0043356-50.2015.8.13.0400, distribuída originalmente à2ª Vara Cível de Mariana/MG.

Por ter acompanhado as negociações, é possível ao MPF

identificar que a referida cláusula foi inserida no acordo a pedido das

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empresas, que pretendem, agora em comum acordo com o Poder Público,

dificultar o acesso dos demais colegitimados junto ao Poder Judiciário, em

demandas que tenham relação com o evento e seus efeitos, o que será

viabilizado por meio da intervenção da União (ocasionando o deslocamento de

competência para a Justiça Federal), com consequente requerimento de

extinção dos feitos.

As partes, inclusive, acordaram em requerer a extinção da ACP

proposta pelo Poder Público, com resolução de mérito, e anuíram que o acordo

seja utilizado para buscar a resolução ou reunião de ações ajuizadas. A

previsão de não extinção automática da ACP 69758-61.2015.4.01.3400, com a

mera homologação do acordo, apenas foi revertida na decisão homologatória

proferida na audiência de conciliação do dia 05.05.2016.

Os trechos do acordo acima mencionados demonstram que ele

não se presta à tutela adequada dos direitos coletivos afetados pelo evento.

Em primeiro lugar, porque pretende ser exaustivo em um caso concreto

cercado de complexidades e incertezas. Em segundo lugar, por que viola a

necessidade de busca de sinergia que deve animar os colegitimados ativos

para a tutela judicial e extrajudicial de direitos coletivos.

É fato notório que o rompimento da barragem de Fundão

ocasionou o maior desastre ambiental do Brasil, com consequências

ambientais, sociais e econômicas até o presente momento inestimáveis. Não

há até o presente momento diagnóstico conclusivo sobre os impactos do

desastre no meio físico, biótico e socioeconômico. O que há são laudos

preliminares, elaborados tanto por parte do Poder Público quanto por parte das

empresas. Todos eles são no sentido de que será necessário o

aprofundamento dos estudos a fim de se diagnosticar com mais precisão os

desdobramentos negativos do evento.

Na própria redação do acordo fica patenteada a incerteza que

ainda paira sobre os efeitos do evento, como, por exemplo, nos consideranda

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que se utilizam de expressões como “considerando os impactos que venham a

ser identificados” em relação a pescadores, agricultores, areeiros, segmentos

econômicos, comunidades indígenas e demais povos, comunidades e

populações tradicionais, patrimônio histórico e cultural. Há, inclusive, cláusulas

em que os compromitentes assumem obrigações condicionadas à realização

de prévio diagnóstico e constatação de danos.

Ora, diante desse cenário de incertezas e complexidade como

pretendem as partes se arvorarem à celebração de um negócio jurídico que

pretende ser “exaustivo em relação ao evento e seus efeitos”? Como

desconsiderar que outros coletigimados coletivos mantenham interesses

legítimos de identificar outras necessidades que não aquelas negociadas entre

as partes e buscar a tutela judicial para o reforço da proteção dos direitos

coletivos?

A legitimação concorrente e disjuntiva inerente ao nosso

sistema de tutela coletiva foi o engenhoso mecanismo legislativo de viabilizar a

maior proteção possível dos direitos coletivos. A lógica é a de que tanto maior

seria a proteção, quanto maior fosse a quantidade de instituições com

legitimidade adequada.

Diante da multiplicidade de atores coletivos, o cenário ideal

seria a existência de sinergia e entendimento de todos para a tutela mais ampla

possível dos direitos da coletividade. A grande questão é o que fazer quando

não há entendimento entre os atores coletivos? Como evitar que iniciativas

alheias não prejudiquem a tutela prévia ou posterior buscada por outros

legitimados?

A resposta já é de há muito tempo oferecida por MAZZILI,

quando defende que os Termos de Compromisso devem ser interpretados

como “garantia mínima”. Citamos:

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Como o objeto do compromisso de ajustamento são interesses interessetransindividuais, dos quais o órgão público que o toma não é titular, nãopodendo, pois, transigir sobre direitos que não lhe pertencem, sua naturezaé de garantia mínima em favor do grupo lesado (não poderia constituirlimitação máxima a direitos de terceiros). Nada impede que os indivíduospeçam em juízo reparações mais amplas, ou até mesmo de outra natureza,do que aquelas ajustadas entre o órgão público (tomador) e o causador dodano (compromitente). Da mesma forma, nada impede que os coletigimadosà ACP façam em juízo pedido mais amplo ou diverso do que a solução jáobtida por meio do compromisso já firmado.…

Não feriria o princípio da segurança jurídica admitir que o compromisso deajustamento de conduta não põe termo ao litígio? Essa questão seria maisprópria se se tratasse de vera e própria transação do Direito Civil. Em setratando de direitos que não pertencem ao órgão público lesado, ele nãopoderia deles abrir mão, e com isso vincular o grupo lesado, sob pena deflagrante inconstitucionalidade.

Pelo exposto, entende o MPF que o acordo apenas teria

validade e tutelaria adequada e suficientemente os direitos coletivos a que se

propõe proteger, se fosse animado pela lógica de garantia mínima,

representando um piso de garantias da execução de programas e de aporte de

recursos financeiros, sem se prestar a ser um mecanismo exaustivo,

dificultador do acesso à justiça dos demais interessados e legitimados

coletivos.

9. Das violações ao princípio do poluidor-pagador.

Conforme amplamente aceito pela doutrina e pela

jurisprudência, o princípio do poluidor-pagador possui sede constitucional (CF,

art. 225, § 3º ) e legal (art. 14, § 1º da Lei 6.938/81), além de previsão em

instrumentos internacionais (Declaração do Rio, Princípio 16). Trata-se de

princípio que impõe aos agentes poluidores a obrigação de reparação integral

dos danos (independentemente da demonstração de culpa por parte do

empreendedor), assim como a de internalizar os custos sociais negativos de

sua atividade econômica.

Em diversas passagens, o acordo homologado viola o princípio

do poluidor pagador, não se prestando à tutela suficiente e adequada dos

direitos coletivos em jogo. Vejamos.

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9.1. Da limitação de aportes das empresas para a ad oção

de medidas reparatórias.

Desde o momento da propositura da ACP por parte do Poder

Público, o MPF manifestou discordância em relação ao estabelecimento de teto

financeiro para os gastos a serem realizados pelas empresas para a adoção de

medidas de mitigação, reparação, compensação e indenização dos danos

verificados. Em diversas ocasiões foi requerido que o Poder Público

apresentasse a metodologia utilizada para se chegar ao valor inicialmente

apurado de vinte bilhões de reais, contudo até o presente momento não houve

resposta satisfatória.

O acompanhamento das negociações deixou bem claro que a

velocidade injustificável que ditou o ritmo dos trabalhos inviabilizou que a

melhor técnica pudesse ser adotada, de forma a respeitar a cronologia lógica a

ser observada em casos de danos ambientais, qual seja: num primeiro

momento realiza-se um diagnóstico preciso e completo sobre os efeitos

danosos do evento; num segundo momento identifica-se o que é passível de

reparação in situ; não sendo possível a reparação, valora-se economicamente

o que não pode retornar ao estado anterior, a fim de que haja compensação

ecológica por equivalente ou em pecúnia. Tudo isso sem prejuízo da

quantificação de outras rubricas devidas pelos poluidores, como as decorrentes

dos danos extrapatrimoniais coletivos e lucros cessantes ambientais.

Ora, no caso concreto não há nem mesmo um diagnóstico

definitivo dos danos ambientais verificados. Não havendo diagnóstico, não é

nem mesmo possível, no presente momento, identificar o que é passível de

reparação e o que deve ser compensado. Não houve nem mesmo o controle,

por parte das empesas, do carreamento de rejeitos do Complexo de Mariana

para o Rio Gualaxo do Norte e sua consequente dispersão na calha do Rio

Doce. E, mesmo assim, os compromitentes estabelecem limites de aportes

para as empresas no patrimônio da Fundação idealizada para o planejamento

e execução dos programas de recuperação socioeconômica e socioambiental.

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A inversão acima mencionada foi motivo de preocupação

externada diversas vezes até mesmo pelos representantes das empresas, em

reuniões com o MPF e com o Poder Público. Como negociar exaustivamente,

com definição de limites de gastos e de aportes, quando não se sabe nem

mesmo com precisão as características do dano?

Transcrevemos algumas cláusulas que cuidam da formação do

patrimônio da fundação:

SUBSEÇÃO I.5: Formação do Patrimônio

CLÁUSULA 225: A SAMARCO, a VALE e a BHP serão instituidoras emantenedoras da FUNDAÇÃO, nos termos estabelecidos na CLÁUSULA209, de forma a implementar PROJETOS aprovados no âmbito dosPROGRAMAS previstos neste Acordo.

CLÁUSULA 226: A SAMARCO MINERAÇÃO S/A, com responsabilidadesubsidiária da VALE S/A e da BHP BILLITON BRASIL LTDA., deverá realizaraportes anuais no curso dos exercícios de 2016, 2017 e 2018, nosmontantes definidos abaixo:I. Exercício de 2016: contribuição de R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhõesde reais); II. Exercício de 2017: contribuição de R$ 1.200.000.000,00 (um bilhão eduzentos milhões de reais) III. Exercício de 2018: contribuição de R$ 1.200.000.000,00 (um bilhão eduzentos milhões de reais)

PARÁGRAFO ÚNICO: A ausência de utilização dos valores apontados nocaput, no exercício em que forem aportados, não configurarádescumprimento dos termos deste Acordo, desde que este fato nãorepresente o descumprimento do cronograma de ações previstas para oexercício.

CLÁUSULA 227: Os seguintes valores serão considerados para efeitos dacontribuição prevista para o exercício de 2016: I. R$ 600.000.000,00 (seiscentos milhões de reais), correspondentes aosR$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) a serem depositadosmensalmente pela SAMARCO como cumprimento das obrigaçõesconstantes no Termo Preliminar de Compromisso Sócio Ambiental,celebrado com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e oMinistério Público Federal em 16 de novembro de 2015, desde quedepositados no próprio exercício de 2016; e II. valores mantidos em depósito judicial, no total de R$ 300.000.000,00(trezentos milhões de reais), constituído na Ação Civil Pública0400.15.004335-6, na Vara de Mariana/MG. CLÁUSULA 228: Serão considerados como parte da contribuição previstapara o exercício de 2016 o valor de R$ 158.523.361,96 (cento e cinquenta eoito milhões, quinhentos e vinte e três mil e trezentos e sessenta e um reaise noventa e seis centavos), conforme planilha ANEXA, correspondente aosos valores já desembolsados pela SAMARCO para a execução de açõesrelacionadas ao EVENTO e pertinentes com o objeto do presente Acordo.

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CLÁUSULA 229: No prazo de 30 (trinta) dias contados da emissão do CNPJda FUNDAÇÃO, a SAMARCO fará um depósito inicial de R$200.000.000,00 (duzentos milhões de reais), que corresponderá ao sinal dacontribuição de 2016.

PARÁGRAFO ÚNICO: No mesmo prazo do caput, a SAMARCOapresentará um cronograma de aportes e de composição do patrimônio daFUNDAÇÃO no valor de R$ 741.476.638,04 (setecentos e quarenta e ummilhões, quatrocentos e setenta e seis mil, seiscentos e trinta e oito reais equatro centavos), que corresponderá à diferença a ser depositada paracompletar o valor da contribuição do exercício de 2016.

CLÁUSULA 230: Os valores referentes às parcelas do Termo Preliminar deCompromisso Sócio Ambiental, celebrado com o Ministério Público doEstado de Minas Gerais e o Ministério Público Federal em 16 de novembrode 2015 depositados durante o exercício de 2017 deverão ser consideradoscomo parte da contribuição do exercício de 2017.

CLÁUSULA 231: A partir do exercício de 2019, o valor das contribuiçõesanuais será definido em valor suficiente e compatível com previsão deexecução dos PROJETOS para o referido exercício.

PARÁGRAFO PRIMEIRO: A cada três anos será definido um valor dereferência para as contribuições anuais a serem feitas no triêniosubsequente.

PARÁGRAFO SEGUNDO: Para definição do valor de referência que servirácomo parâmetro para os cálculos das contribuições anuais na forma doparágrafo anterior, a FUNDAÇÃO deverá utilizar a média das contribuiçõesanuais realizadas nos dois anos imediatamente anteriores ao triênio emquestão, podendo haver uma variação anual de 30% (trinta por cento) deacréscimo ou redução, em função da necessidade decorrente dosPROJETOS a serem executados no exercício.

PARÁGRAFO TERCEIRO: A primeira revisão trienal será realizada no finaldo exercício de 2018, para os anos de 2019, 2020 e 2021, levando emconsideração o valor da contribuição anual de 2017 e 2018....CLÁUSULA 233: Serão considerados, na forma detalhada nesta Cláusula,como parte da contribuição anual, valores bloqueados ou depositados, ouquaisquer outras medidas que afetem a liquidez (tal como a contratação defiança bancária) de qualquer das instituidoras, em decorrência de decisõesjudiciais em ações coletivas que abranjam medidas ou ações objeto dopresente Acordo.

PARÁGRAFO PRIMEIRO: Também poderá ser considerado, para efeito docaput, valores pagos por determinação judicial em ações individuais quebusquem indenização por danos materiais decorrentes do EVENTO,ajuizadas pelos IMPACTADOS.

PARÁGRAFO SEGUNDO: Para efeito do caput, quando a decisão judicialdeterminar o bloqueio dos valores referentes a medidas ou ações objeto dopresente Acordo, apenas poderão ser abatidos do orçamento anual 50%(cinquenta) por cento do montante bloqueado.

PARÁGRAFO TERCEIRO: O impacto decorrente dos bloqueiosconsiderados na forma do parágrafo anterior, não pode comprometer, nos 3

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(três) primeiros anos contados da constituição da FUNDAÇÃO, mais do que50% (cinquenta) por cento do respectivo orçamento anual.PARÁGRAFO QUARTO: Caso haja decisão judicial que autorize odesbloqueio, o montante correspondente deverá ser aportado naFUNDAÇÃO, conforme cronograma estabelecido no planejamernto anual,ou, caso o prazo original para o respectivo aporte já tenha expirado, noprazo de 10 (dez) dias a contar do desbloqueio.

PARÁGRAFO QUINTO: Caso o bloqueio, somado aos aportes já realizadosno exercício em curso, ultrapasse o orçamento anual previsto, o respectivoabatimento poderá ocorrer nos exercícios seguintes, não podendo, emhipótese alguma, haver reversão de valores já aportados pelas instituidorasà FUNDAÇÃO.

PARÁGRAFO SEXTO: As obrigações de fazerexecutadas no âmbito deoutros acordos judiciais ou extrajudiciais, que estejam contempladas noâmbito dos PROGRAMAS SOCIOAMBIENTAIS e SOCIOECONÔMICOS,serão consideradas para a comprovação da execução dessas obrigaçõesno âmbito deste Acordo, , sem prejuízo do cronograma de aportes, excetose as obrigações de fazer executadas estiverem previstas para o exercícioem curso.

CLÁUSULA 234: Na eventualidade das despesas da FUNDAÇÃOultrapassarem o limite do exercício, o valor que exceder o orçamento anualdeverá ser deduzido, na proporção de 1/3 (um terço) para cada ano, dosorçamentos anuais previstos para os 3 (três) exercícios subsequentes.

CLÁUSULA 235: Além das contribuições das instituidoras, poderão constituirpatrimônio da FUNDAÇÃO todos e quaisquer bens e direitos que a elavenham ser afetados, legados e doados por pessoas físicas e jurídicas dedireito privado e recursos nacionais e internacionais oriundos de instituiçõescongêneres.

CLÁUSULA 236: Respeitados os valores das contribuições anuais, aSAMARCO deverá manter capital de giro na FUNDAÇÃO no valor de (i) R$100.000.000,00 (cem milhões de reais) pelo prazo de 10 (dez) anos a partirda constituição formal da FUNDAÇÃO, e (ii) de R$ 10.000.000,00 (dezmilhões de reais) a partir do término desse prazo. PARÁGRAFO PRIMEIRO: Para atendimento da regra prevista no caput, noúltimo dia útil de cada mês a FUNDAÇÃO levantará o extrato de sua(s)conta(s) bancária(s) e, caso o valor apurado seja inferior ao acima referido,a SAMARCO deverá recompor tal valor em 15 (quinze) dias.

...

CLÁUSULA 237: A VALE e a BHP terão obrigação de realizar, na proporçãode 50% (cinquenta por cento) para cada uma delas, os aportes a que aSAMARCO esteja obrigada nos termos deste Acordo, e que deixe derealizar no prazo previsto.

PARÁGRAFO ÚNICO: Em caso de atraso superior a 15 (quinze) dias narealização dos aportes pela SAMARCO, o valor poderá ser exigido da VALEe da BHP, na forma do caput, que deverão, em 10 (dez) dias, realizar oscorrespondentes aportes.

CLÁUSULA 238: O orçamento anual da FUNDAÇÃO deverá prever, deforma segregada, as despesas administrativas e finalísticas.

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PARÁGRAFO PRIMEIRO: Para fins deste Acordo, entende-se por despesasadministrativas aquelas necessárias à constituição e manutenção daFUNDAÇÃO, pagamento de folha de salário de empregados, alugueis,impostos, taxas e contribuições, material de expediente, despesas comhonorários dos advogados da FUNDAÇÃO, bem como todos os demaiscustos administrativos, fixos ou não. PARÁGRAFO SEGUNDO: Para fins deste Acordo, entende-se por despesasfinalísticas aquelas diretamente relacionadas à elaboração,acompanhamento, execução e prestação de contas relativas aosPROGRAMAS SOCIOAMBIENTAIS e SOCIOECONÔMICOS previstos nopresente Acordo, incluindo salários ou honorários de empregados ou deterceiros contratados para elaboração, acompanhamento, execução eprestação de contas relativas aos PROGRAMAS SOCIOAMBIENTAIS eSOCIOECONÔMICOS. CLÁUSULA 239: São objetos do presente Acordo apenas e tão somente osvalores destinados à execução das despesas finalísticas da FUNDAÇÃO,cabendo à SAMARCO fazer aportes anuais cabíveis com vistas a custear asdespesas administrativas da entidade.

CLÁUSULA 240: Em hipótese alguma, o orçamento destinado às despesasfinalísticas poderá ser destinado, mesmo que provisoriamente, à execuçãode despesas administrativas.

Verifica-se que, para as medidas reparação, a SAMARCO

aceitou realizar contribuições anuais nos três primeiros anos em valor aparente

de quatro bilhões e quatrocentos milhões de reais (CLÁUSULA 226). Contudo,

as partes da negociação aceitaram abater para o ano de 2016 todos os gastos

já realizados e os valores empenhados pela SAMARCO em decorrência de

acordos celebrados com os Ministérios Públicos e derivados de ordens judiciais

de bloqueio (CLÁUSULA 227 e 228), o que gerou para a empresa a obrigação

de, no ano de 2016, realizar o aporte de menos de um bilhão de reais,

contados a partir da emissão do CNPJ da fundação (CLÁUSULA 229).

Ou seja, para o ano de 2016 já havia ordem da Justi ça

Federal determinando que as empresas depositassem j udicialmente o

valor de dois bilhões de reais. Contudo, as comprom itentes aceitaram que

houvesse o aporte de menos da metade do que já havi a sido assegurado,

com alargamento do prazo de depósito.

Se isso não bastasse, a partir de 2019 foi instituída sistemática

de aportes sem valor fixo (CLÁUSULA 231), mas com prazo final de 15 anos

(CLÁUSULA 258).

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Como assegurar que os aportes previstos serão suficientes

para que haja a reparação integral dos danos socioeconômicos e

socioambientais decorrentes do evento? Bastaria uma cláusula no acordo para

resguardar essa hipótese, mas não houve sua inclusão.

E, ainda que os valores sejam suficientes para que a reparação

ocorra em 15 anos, por que protrair a reparação por tão longo tempo, limitando

a eficácia dos programas e a velocidade das ações à limitação anual de

aportes? Quais dados técnicos justificam essa decisão?

Deve-se levar em conta que cada dia que os danos continuam

disseminados, sem que sejam adotadas medidas céleres e efetivas de

reparação, a população permanece privada do acesso aos bens coletivos.

Uma interpretação adequada do princípio do poluidor-pagador

e da obrigação de reparação integral do meio ambiente degradado implica

concluir que somente são aceitáveis obstáculos de ordem técnica e material

para a adoção de medida de restauração, nunca argumentos de ordem

econômica. Enquanto houver solvência por parte das empresas, preocupações

de ordem econômica não podem sobrepor-se ao direito fundamental ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, ainda que isso represente severa

afetação de seu patrimônio.

Mas, se o valor de aporte e de gastos negociado entre as

partes levou em conta o histórico recente de lucro líquido da SAMARCO, não

se pode perder de vista que os aportes previstos são irrisórios, se

considerarmos a pujança financeira da VALE e da BHP, duas das maiores

mineradoras do planeta.

No caso do maior desastre ambiental do Brasil, qual lógica

deverá animar os colegitimados para a tutela dos direitos coletivos: a lógica

econômica de blindagem patrimonial da VALE e da BHP ou lógica de

maximização da tutela socioambiental?

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Deve-se, ainda, destacar que, apesar de as empresas e do

Poder Público terem afirmado em diversas oportunidades que o acordo não

previa limitações para gastos com medidas de reparação, aceitaram promover

alterações na redação original do acordo durante a audiência de conciliação

que culminou com a sua homologação. A Seção V foi renomeada de “Revisão

dos programas” para “Revisão dos programas e do limite de gastos global”. Por

sua vez, a cláusula 203 passou a ter a seguinte redação:

CLÁUSULA 203: A cada 3 (três) anos da assinatura deste ACORDO, aFUNDAÇÃO fará a revisão de todos os PROGRAMAS e do LIMITE DEGASTOS GLOBAL, nos termos deste acordo, sem prejuízo das limitaçõesestipuladas nas cláusulas 169, 170 e 232, de forma a buscar e mensurar aefetividade das atividades de reparação e compensação e submeterá aoCOMITÊ INTERFEDERATIVO.

PARÁGRAFO PRIMEIRO: Caso a FUNDAÇÃO, a AUDITORIAINDEPENDENTE ou o COMITÊ INTERFEDERATIVO, a qualquer tempo,verifiquem, com fundamentos em parâmetros técnicos, que osPROGRAMAS e o LIMITE DE GASTOS GLOBAL, nos termos deste acordo,são insuficientes para reparar, mitigar ou compensar os impactosdecorrentes do EVENTO, a FUNDAÇÃO deverá revisar e readequar ostermos, metas e indicadores destes PROGRAMAS, bem como realocarrecursos entre os PROGRAMAS, após aprovação pelo COMITÊINTERFEDERATIVO, e/ou solicitar aporte suplementar de recursos,justificadamente, que, caso aprovado pelo Comitê Interfederativo, permitiráa revisão do presente acordo.

Apesar de aparentemente bem-intencionada, a nova redação

em nada contribui para corrigir o vício original do acordo de prever limitações

de aportes de recursos em absoluta contradição ao princípio do poluidor-

pagador e da reparação integral do dano ambiental. A um, porque continua

admitindo limitações anuais de aportes, sobrepondo interesses financeiros dos

poluidores em detrimento da reparação ditada pela melhor alternativa técnica. A

dois, porque prevê que, caso identificado que o limite de gastos globais é

insuficiente, a Fundação poderá solicitar aporte suplementar de recursos, o que

“permitirá a revisão do acordo”.

Ou seja, não há obrigação assumida pela empresa, senão a de

renegociar a possibilidade de suplementar recursos. Se efetivamente houvesse

o compromisso de não se estabelecer limites globais de gastos, bastaria

constar que “identificada necessidade de aportes suplementares, as empresas

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arcarão com os custos”. Assim sendo, a nova redação, totalmente ineficaz,

apenas serve como reconhecimento das empresas de que a redação original

previa limitações globais de gastos, o que foi peremptoriamente por elas

negado.

De tudo o que foi exposto, tem-se que a limitação de gasto

para a adoção de medidas de reparação constante do acordo original e na

nova redação posterior à homologação viola o princípio do poluidor-pagador e

fragiliza a tutela adequada dos direitos coletivos.

9.2. Da limitação de despesas por parte das empresa s para a adoção de

medidas compensatórias.

Tão prejudicial quanto à limitação de aportes para a adoção de

medidas reparatórias é a limitação de despesas para a adoção de medidas

compensatórias. Constam cláusulas no acordo que estabelecem um valor limite

de R$ 4.100.000.000,00 (quatro bilhões e cem milhões de reais) a título

compensatório, cujo conteúdo transcrevemos:

CLÁUSULA 232: A FUNDAÇÃO destinará o valor de R$ 240.000.000,00(duzentos e quarenta milhões de reais) por ano, por um período de 15(quinze) anos a partir de 2016, dentro dos respectivos orçamentos anuais,para execução de PROJETOS no âmbito dos PROGRAMASCOMPENSATÓRIOS.

PARÁGRAFO ÚNICO: Não será computado no valor referido no caput, aquantia de R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais), a serdisponibilizada para o Programa de coleta e tratamento de esgoto e dedestinação de resíduos sólidos, nos termos da CLÁUSULA 169.

Trata-se de um dos pontos mais sensíveis de toda a

negociação entre as partes, uma vez que o Poder Público exigia, desde o

primeiro momento, que as empesas se comprometessem financeiramente a

executar uma série de políticas públicas não implementadas, como, por

exemplo, a construção de estações de tratamento de esgoto e centros de

tratamento de resíduos sólidos.

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Tão sensíveis estes pontos que foram retirados da mesa de

negociação para a qual o MPF foi convidado a participar e, segundo

informações repassadas pelos presentes, passaram a ser objeto de discussão

direta entre o presidente da VALE e os agentes políticos representantes dos

entes federativos (Advogado-Geral da União, Ministra do Meio Ambiente,

Presidente da República e Governadores do Espírito Santo e Minas Gerais). O

conteúdo das discussões e os critérios técnicos que as animaram não foram

descortinados para o MPF até o presente momento.

Mais uma vez, assim como ocorreu em relação às medidas

reparatórias, a conclusão possível é a de que houve absoluta falta de critério

para a estipulação de limite de valor a ser gasto a título de medidas

compensatórias. Reiteramos que não há nem mesmo diagnóstico conclusivo

dos danos e, muito menos, valoração do que seria compensável ou não.

Deve-se somar a isso a falta de clareza técnica do acordo até

mesmo para se identificar o que seriam medidas reparatórias e o que seriam

compensatórias.

Como, por exemplo, considerar o programa de recuperação de

nascentes compensatório, quando o aumento da vazão da calha principal do

Rio Doce e dos Rios Gualaxo do Norte e Carmo, com água descontaminada de

rejeitos, é medida imprescindível para restauração das propriedades

ambientais do ecossistema impactado? Pela própria de definição da

CLÁUSULA 1, inc. XVIII, do ajustamento, considera-se medida reparatória

qualquer ação que tem por objetivo mitigar, remediar e/ou reparar impactos

socioambientais e socioeconômicos advindos do EVENTO.

Como admitir que o programa de investigação e

monitoramento da Bacia do Rio Doce tenha caráter compensatório? A

necessidade de intensificação do monitoramento da Bacia passou a ser uma

realidade em decorrência do dano provocado pela atividade econômica das

empresas. Trata-se de consectário lógico da reparação, até que a Bacia

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recupere suas propriedades anteriores ao evento.

Enfim, os exemplos acima analisados apenas reforçam a falta

de critérios técnicos que permearam a classificação dos programas como

reparatórios ou compensatórios.

Se constasse no ajuste que os valores compensatórios

acordados com o Poder Público deveriam ser interpretados como garantia

mínima, não haveria impugnação. Ocorre que não é este o tratamento dado

pelo Poder Público e pelas empresas. A redação do acordo demonstra que,

não havendo objetividade para valoração das medidas de compensação nem

para a classificação dos programas com tais, optou-se pelo estabelecimento de

um teto financeiro de gastos pelas empesas, a ser utilizado pela Fundação

para a execução de atividades consideradas relevantes pelo Poder Público.

Deve-se enfatizar que, além do limite global para medidas de

compensação, os compromitentes aceitaram a limitação anual em valores de

R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) por ano, por um

período de 15 (quinze) anos a partir de 2016.

De todo o exposto, novamente verifica-se que a sistemática de

estabelecimento de teto de despesas por parte das empresas para a adoção

de medidas compensatórias não obedece aos critérios técnicos mínimos e viola

o princípio do poluidor-pagador.

9.3. Do tratamento diferenciado concedido à VALE e à BHP e da

vulneração da garantia de responsabilização solidár ia.

Como não poderia ser diferente, a inicial da ACP ajuizada pelo

Poder Público classificou a VALE como poluidora direta e, nesse sentido,

corresponsável pelo evento danoso, na mesma posição ocupada pela

SAMARCO. Em outras palavras, o próprio Poder Público reconheceu que a

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responsabilidade da VALE não decorria, assim como se passa com a BHP, do

simples fato de ser sócia controladora da SAMARCO.

Nada obstante esse entendimento, todo o formato da

negociação atribuiu à Vale, ao lado da BHP, a condição de responsáveis

subsidiárias pela execução das obrigações, caso as mesmas não sejam

adimplidas pela SAMARCO.

Eis as cláusulas do acordo que mencionam a VALE:

CLÁUSULA 237: A VALE e a BHP terão obrigação de realizar, na proporçãode 50% (cinquenta por cento) para cada uma delas, os aportes a que aSAMARCO esteja obrigada nos termos deste Acordo, e que deixe derealizar no prazo previsto.PARÁGRAFO ÚNICO: Em caso de atraso superior a 15 (quinze) dias narealização dos aportes pela SAMARCO, o valor poderá ser exigido da VALEe da BHP, na forma do caput, que deverão, em 10 (dez) dias, realizar oscorrespondentes aportes.

CLÁUSULA 247...

PARÁGRAFO QUINTO: Caso a SAMARCO não efetue o pagamento dasmultas previstas nos parágrafos terceiro e quarto, no prazo de 10 (dez) dias,a VALE e a BHP terão obrigação de realizar o respectivo pagamento, naproporção de 50% (cinquenta por cento) para cada uma delas.

Em relação à Vale, poluidora direta no caso concreto, não há

razão jurídica para que a mesma receba tratamento diferenciado da

SAMARCO no acordo.

A responsabilização solidária dos poluidores é garantia

imprescindível para a tutela do meio ambiente, com previsão legal e amplo

reconhecimento pelos tribunais superiores. Qual o fundamento para que o

Poder Público, por meio de ajustamento de conduta que pretende tutelar o

meio ambiente, fragilize uma das maiores garantias de reparação do dano?

Ademais, mesmo em relação à BHP, cuja responsabilidade

decorreria do fato de ser poluidora indireta ou da aplicação da desconsideração

da personalidade jurídica da SAMARCO, na forma do art. 4º da Lei 9.605/98,

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não haveria razão para o estabelecimento de qualquer espécie de

subsidiariedade, uma vez que nosso ordenamento a ela estende a

solidariedade da obrigação como mecanismo de garantia da reparação do meio

ambiente. Esse, inclusive, é o entendimento dos tribunais superiores, verbis:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE.LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE ESTATAL. RESPONSABILIDADEOBJETIVA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO. SOLIDARIEDADE.LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. ART. 267, IV DO CPC.PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ... 5. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda queindireto (Estado-recorrente) (art. 3º da Lei nº 6.938/81), é obrigado aindenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidadeobjetiva).

6. Fixada a legitimidade passiva do ente recorrente, eis que preenchidos osrequisitos para a configuração da responsabilidade civil (ação ou omissão,nexo de causalidade e dano), ressalta-se, também, que tal responsabilidade(objetiva) é solidária, o que legitima a inclusão das três esferas de poder nopólo passivo na demanda, conforme realizado pelo Ministério Público(litisconsórcio facultativo). (STJ, REsp. 0195400-5. Rel. Min. Castro Meira,DJ. 22/08/2005)

AÇÃO CIVIL PUBLICA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO PELODANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. SOLIDARIEDADE. HIPÓTESE EMQUE SE CONFIGURA LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO E NÃOLITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO.

I - a ação civil pública pode ser proposta contra o responsável direto, contrao responsável indireto ou contra ambos, pelos danos causados ao meioambiente. Trata-se de caso de responsabilidade solidaria, encejadora dolitisconsórcio facultativo (CPC, art. 46, I) e não do litisconsórcio necessário(CPC, art. 47). (STJ, REsp. 37.354-9/SP. Rel. Min. Antônio de PáduaRibeiro, 30/08/1995).

A nova redação da cláusula 226 acordada na audiênci a de

conciliação vai no mesmo sentido da ilegalidade ora narrada, atribuindo à

VALE e à BHP responsabilidade apenas subsidiária de realizar os aportes

anuais para a Fundação.

Diante do exposto, força reconhecer que o mecanismo de

tratamento concedido à VALE e à BHP vulneram a garantia de

responsabilização solidária dos entes poluidores diretos e indiretos, violando o

princípio do poluidor-pagador.

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9.4. Da desconsideração da responsabilidade solidár ia

do Poder Público para a reparação do dano.

Os órgãos e entidades públicos que detêm competências

ambientais possuem o dever legal de evitar a ocorrência de danos ambientais

e, caso estes venham a ocorrer, a obrigação de adotar todas as medidas

necessárias à mitigação e à recuperação do dano ambiental.

No caso do rompimento da barragem de Fundão, o que até

agora foi apurado já demonstra que para a ocorrência de um dano desta monta

concorreram falhas, não só do particular explorador da atividade, mas do

Estado brasileiro ao permitir que a atividade fosse desenvolvida dentro de

parâmetros de segurança tais que fossem incapazes de impedir a ocorrência

do maior desastre ambiental do país.

O Estado brasileiro tinha o dever de evitar a ocorrência do

dano e sua omissão guarda inegável nexo de causalidade com o resultado

danoso verificado.

Vale consignar que o STJ já pacificou, em sede de Recursos

Repetitivos, que a responsabilidade objetiva decorrente de danos ambientais

opera-se na modalidade risco integral, não havendo que se cogitar de

configuração de causas excludentes do dever de indenizar:

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSOESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DOCPC. DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM.ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO, EM JANEIRO DE 2007, NOSMUNICÍPIOS DE MIRAÍ E MURIAÉ, ESTADO DE MINAS GERAIS. TEORIADO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE.

1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) aresponsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria dorisco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permiteque o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pelaempresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes deresponsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) emdecorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais emorais causados e c) na fixação da indenização por danos morais,

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recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação,proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e,ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridospela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de suaexperiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades decada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causade quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelosdanos morais experimentados por aquele que fora lesado.…(REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDASEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014)

O mesmo raciocínio é valido para a responsabilização dos

particulares e do Estado, uma vez que o art. 37, § 6º da CF não faz qualquer

diferenciação. No caso de danos ao meio ambiente, deve-se relembrar que o

conceito de poluidor é amplíssimo, confundindo-se, por expressa disposição

legal, com o de degradador da qualidade ambiental, isto é, toda e qualquer

“pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou

indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, IV,

da Lei 6.938/1981).

O entendimento aqui construído é corroborado pela

jurisprudência do STJ que, no julgamento do REsp 1.071.741, confirmou a

responsabilização objetiva do Estado nos casos de danos ambientais nas

seguintes hipóteses: (i) quando a responsabilização objetiva do ente público

decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na

proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º); e (ii)

quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de

ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção

doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional.

O dever-poder de controle e fiscalização ambiental, além de

inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do

marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais (em

especial os arts. 225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo da Lei

da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, arts. 2º, I e V, e 6º) e

da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio

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Ambiente).

Ressalta-se que esse dever geral do Estado de evitar a

ocorrência de danos ambientais (sob pena de responder solidariamente com o

particular causador do dano) é mitigada na jurisprudência pelo benefício da

execução subsidiária. Trata-se de pertinente medida que objetiva não transferir

para a toda coletividade, por meio do pagamento de tributos, o ônus financeiro

decorrente da atividade poluidora de particulares.

Mais uma vez citamos a decisão paradigmática do STJ:

AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL(LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULARNO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHODE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃOAMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998.DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICANACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA,OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA.LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. [...] 11. O conceito de poluidor, noDireito Ambiental brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por expressadisposição legal, com o de degradador da qualidade ambiental, isto é, todae qualquer “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora dedegradação ambiental” (art. 3º, IV, da Lei 6.938/1981, grifo adicionado). 12.Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz,quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quemcala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem sebeneficia quando outros fazem. 13. A Administração é solidária, objetiva eilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danosurbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar efiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para adegradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento,consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agentepúblico relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e nocampo da improbidade administrativa. 14. No caso de omissão de dever decontrole e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária daAdministração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência).15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que oEstado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva,só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto oumaterial (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcialexaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ouincapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmenteimposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do CódigoCivil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CódigoCivil). 16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito

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ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária ede execução subsidiária do Estado – sob pena de onerar duplamente asociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar ainternalização das externalidades ambientais negativas – substituir, mitigar,postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal,de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelosprejuízos causados. 17. Como consequência da solidariedade e por setratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ounão o ente público na petição inicial. 18. Recurso Especial provido. (REsp1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010)

Apesar de tudo, nos termos do ajustamento, o Poder Público

não assume nenhuma espécie de responsabilidade para a garantia do sucesso

dos programas socioeconômicos e socioambientais. Pelo contrário, foi

repassada para a Fundação uma série de obrigações inerentes ao Poder

Público, o que poderia até ser utilizado de agora em diante pelos entes estatais

como justificativa de desoneração de suas responsabilidades pela

implementação das políticas públicas.

9.5. Da indevida utilização da Fundação como interp osta pessoa.

Como facilmente se identifica do que foi exposto, a sistemática

de elaboração, gestão, execução e financiamento dos programas e projetos

não atende ao interesse dos atingidos, nem contribui para a integral tutela do

meio ambiente degradado. Isso por três motivos básicos.

A um, porque prevê baixíssimos valores para a realização de

aportes anuais a serem realizados pelas empresas responsáveis, quando

levado em consideração o porte econômico das mesmas evidenciado em seus

demonstrativos contábeis.

A dois, porque prevê a possibilidade de que as próprias

empresas realizem o diagnóstico dos danos, proponham os programas e os

projetos, e validem a adequação e suficiência dos mesmos, tudo sem o

respaldo técnico de perícia independente.

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A três, porque interpõe entre o Poder Público e atingidos, de

um lado, e empresas poluidoras, de outro, uma figura nova que arrefece a

responsabilidade direta e imediata dos poluidores de reparar o sério dano

causado. Além de ser uma construção técnica estranha à lógica do Direito

Ambiental, a instituição da Fundação burocratiza o processo decisório e

dificulta a formulação de reivindicações dos direitos dos atingidos e da

coletividade, e, por óbvio, de seu pronto atendimento e satisfação.

Por fim, deve-se destacar que a definição do tempo de

implementação dos programas e projetos também ficará a cargo das empresas

que, dentro do montante de recursos escassos acordados para serem

aportados em determinado exercício financeiro, estabelecerão as prioridades a

serem atendidas.

Tudo isso é absolutamente incompatível com os princípios

ambientais do poluidor-pagador e da obrigação de reparação integral dos

danos causados, bem como do primado da participação.

10. Insuficiência dos programas socioeconômicos e s ocioambientais.

Além das falhas relacionadas à lógica financeira e de gestão, o

acordo possui severas inconsistências técnicas no conteúdo de seus

programas socioeconômicos e socioambientais, além de prever prazos

extremamente estendidos para sua implementação, sem que haja respaldo

científico que indique a necessidade de tamanha dilação temporal.

Sobre as inconsistências técnicas dos programas

socioambientais, assim se manifestou o Setor Pericial do MPF, nos autos

principais:

Após o exame de 23 propostas de programas socioambientais integrantesdo Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta, assim como dascláusulas que estabelecem diretrizes e princípios gerais e que versam sobre

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outros aspectos desse termo, os peritos subscritores verificaram falhas ouaspectos que carecem de esclarecimentos ou ajustes em 10 propostas (...)

Neste cenário, o MPF submeteu o acordo à análise do Setor

Pericial e de movimentos sociais representativos dos atingidos, como o MAB –

Movimento dos Atingidos por Barragens –, o que indicou a necessidade de

manutenção de algumas propostas dos programas, da inclusão e supressão de

outras, e da alteração de diversos prazos, que foram injustificadamente

acordados de forma extremamente dilatada, sem levar em consideração a

urgência da questão.

Essa lógica animou a formulação dos pedidos constantes da

ACP proposta pelo MPF perante a 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de

Minas Gerais. Foram identificadas falhas nos seguintes programas

socioambientais: i) inexistência de previsão sobre a proibição da pesca e

medidas de vigilância sanitária; ii) inexistência de previsão efetiva sobre

medidas para a interrupção eficaz do carreamento de rejeitos e finalização do

reforço das estruturas remanescentes da barragem de Fundão; iii) inexistência

de previsões sobre a destinação ambientalmente correta dos resíduos da

mineração; iv) insuficiência técnica e previsão de prazos injustificadamente

dilatados para as ações de manejo emergencial dos rejeitos; v) revegetação e

reflorestamento; vi) recuperação de áreas de preservação permanente

degradas ao longo das faixas marginais dos rios da Bacia Hidrográfica do Rio

Doce; vii) aceleração da recuperação da qualidade das águas por meio da

proteção de nascentes; viii) criação de Unidades de Conservação; ix)

conservação da biodiversidade; x) universalização dos serviços de saneamento

básico; xi) fontes alternativas de captação de água; xii) monitoramento da

Bacia do Rio Doce, áreas estuarina, costeira e marinha impactadas; xiii)

preservação do patrimônio Histórico, Cultural e Artístico.

Nos programas socioeconômicos foram identificadas falhas nas

seguintes ações: i) restrição indevida do conceito de atingidos e criação de

rotinas restritivas para o cadastramento dos atingidos; ii) insuficiência técnica e

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previsão de prazos injustificadamente dilatados para adoção de ações para a

proteção de direitos sociais básicos (assistência social, moradia, acesso à água

potável, lazer, cultura, educação e saúde); iii) restrições indevidas no programa

de pagamento de auxílio financeiro emergencial; insuficiência técnica e

previsão de prazos injustificadamente dilatados para ações de reativação

econômica e da prestação de auxílios emergenciais; iv) reconstrução e

recuperação de localidades destruídas e de infraestruturas e imóveis públicos e

privados; v) reativação das atividades turísticas e de auxílio aos atingidos; vi)

comunicação e participação e proteção aos atingidos tecnicamente vulneráveis.

Dentre as inúmeras cláusulas previstas no acordo e

tecnicamente insustentáveis, vale mencionar a cláusula 130, que atribui à

Fundação o desenvolvimento de ação de “estabelecimento de linhas de crédito

produtivo mediante equalização e constituição de fundo garantidor”. Ora, como

pretendem os compromitentes transferir para uma Fundação privada a função

administrativa de fomento? Pretendem os compromitentes que a Fundação

atue como instituição financeira, sem autorização do Banco Central? Como

compatibilizar este tipo de atividade com as limitações de atuação da

Fundação?

Todo o exposto demonstra que os programas socioeconômicos

e socioambientais possuem severas inconsistências técnicas e preveem prazos

injustificadamente dilatados, violando, mais uma vez, a obrigação de reparação

integral do dano.

11. Da inconstitucionalidade do Comitê Interfederat ivo.

O Comitê Interferderativo, regulamentado nas cláusulas 242 a

245, é figura estranha à organização administrativa brasileira, constituindo

órgão público interfederativo “disfarçado”.

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O acordo se refere ao Comitê Interfederativo com diversas

denominações: “instância externa e independente da Fundação” (Cláusula 242,

§ 1º); “instância de interlocução permanente da Fundação” (Cláusula 242, § 3º).

Mas em nenhum momento define-se o que ele seria.

O acordo estabelece um rol de competências a serem

exercidas pelo Comitê; dispõe também sobre os integrantes do Poder Público

que participarão de sua composição; e afirma que ele elaborará seu regimento

interno.

A figura certamente foi inspirada em outros comitês

interfederativos já existentes em nosso ordenamento. A grande diferença é que

os comitês já existentes foram criados por lei, respeitando o art. 48, XI e art. 2º,

ambos da CF. O Comitê da Bacia Hidrográfica, muito assemelhado ao que se

pretendeu criar com o Comitê Interfederativo, possui previsão legal no art. 37 e

seguintes da Lei 9.433/97. No âmbito do SUS também existem Comissões e

Conselhos Intergestores e Interfederativos, contudo eles também são

precedidos de lei de criação (art. 14-A e 14-B da Lei 8.080/90).

Verifica-se, assim, que o Comitê Interfederativo acordado é

inconstitucional, constituindo verdadeiro órgão público interfederativo

“disfarçado”, criado em violação ao princípio da reserva legal (CF, art. 48, XI) e

da separação dos poderes (CF, art. 2º).

12. Dos vícios da nova redação das cláusulas 242, § 1º e 258.

A nova redação do acordo, conferida após as alterações

promovidas durante a audiência de conciliação, traz novos vícios nas cláusulas

acima apontadas.

A cláusula 242, parágrafo único, é absolutamente nula, uma

vez que cria, por meio do acordo, obrigações para terceiros (Tribunais de

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Contas) que não participaram das negociações e que em nenhum momento

concordaram com o seu conteúdo. Ademais, atribui aos Tribunais de Contas

funções totalmente estranhas à sua feição constitucional, como de contribuir

para a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial

da União, dos Estados e das entidades da administração direta e indireta,

quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e

renúncia de receitas (CF, art. 70 c/c art. 71). Não havendo recursos públicos

envolvidos, em nada se justifica a intervenção dos Tribunais de Contas.

Também é nula a previsão da cláusula 258, que atribui ao

Sistema de Conciliação da Justiça Federal da Primeira Região competência

para dirimir divergências de interpretações do acordo. Em primeiro lugar por

transigir sobre competência absoluta da 12ª Vara Federa da Seção Judiciária

de Minas Gerais, já aceita expressamente pelas partes no bojo da ACP 69758-

61.2015.4.01.3400. Em segundo lugar, por violar o princípio do juiz natural,

sem anuência de outros colegitimados.

13. Da falta de efetividade das cominações.

Por força de previsão legal, a validade do acordo depende da

existência de cominações pelo descumprimento de suas cláusulas, como

mecanismo de reforço da garantir de seu cumprimento pelos compromissários.

A Lei 7.347/85 é clara ao estabelecer que os órgãos públicos

legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de

sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de

título executivo extrajudicial (art. 5º, § 6º).

A doutrina não destoa ao afirmar a obrigatoriedade da

existência de cominações nos termos de compromissos:

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De fato, não há muita razão em estabelecer obrigações em título executivoextrajudicial sem que o mesmo preveja, de forma preventiva, aplicação desanções de natureza pecuniária (geralmente estabelecida por meio demultas diárias) ou de outra natureza, pois o descumprimento daquelas nãoimplicaria de forma imediata a ocorrência de sanções já executáveis. Semas cominações pecuniárias, o órgão público ajustante teria de se valerapenas das execuções de obrigações de fazer e não fazer como previsto noCPC, ficando a possibilidade de estabelecimento de multa ao livre critério dojuiz. (AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento deconduta ambiental. 4ª ed. São Paulo: RT, p. 133)

... se o interessado se compromete a ajustar sua condita às exigênciaslegais, como o admite a lei, de nada adiantaria a promessa se não houvessea previsão de penalidade para o caso de descumprimento. A não ser assim,o compromisso rondaria apenas campo moral. Para haver efetividadejurídica, é obrigatório (nunca facultativo) que no instrumento de formaçãoesteja prevista a sanção para o caso de não cumprimento da obrigação”(FILHO, José dos Santos Carvalho. Ação Civil Pública. Comentários porartigos. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, p. 188)

O acordo em estudo possui capítulo específico cuidando das

penalidades. Transcrevemos:

CAPÍTULO SEXTO: PENALIDADES

CLÁUSULA 247: Em caso de descumprimento por culpa exclusiva daFUNDAÇÃO, da SAMARCO ou de qualquer das ACIONISTAS de suasrespectivas obrigações assumidas em quaisquer das cláusulas constantesdeste Acordo, ressalvadas as hipóteses de caso fortuito ou força maior, oCOMITÊ INTERFEDERATIVO comunicará formalmente à parteinadimplente o descumprimento, com cópia para as demais empresas, paraque estas tenham ciência e a inadimplente adote as medidas necessáriaspara cumprimento das obrigações ou justifique o seu não cumprimento,estabelecendo prazo compatível para devida adequação.

PARÁGRAFO PRIMEIRO: No prazo estabelecido nos termos do caput, ainadimplente poderá cumprir integralmente a obrigação indicada ou, desdeque devidamente justificado ao COMITÊ INTERFEDERATIVO, solicitar adilação do prazo conferido.

PARÁGRAFO SEGUNDO: Decorrido o prazo definido e permanecendo odescumprimento por parte da inadimplente, esta sujeitar-se-á à fixação demulta punitiva por obrigação descumprida e multa diária enquanto persistir odescumprimento total da obrigação.

PARÁGRAFO TERCEIRO: Caso a inadimplente seja a FUNDAÇÃO,decorrido o prazo definido e permanecendo o descumprimento, aSAMARCO arcará com multa punitiva por obrigação descumprida e multadiária enquanto persistir o descumprimento total da obrigação.

PARÁGRAFO QUARTO: Caso a inadimplente seja a SAMARCO, decorridoo prazo definido e permanecendo o descumprimento, esta sujeitar-se-á àfixação de multa punitiva por obrigação descumprida e multa diáriaenquanto persistir o descumprimento total da obrigação.

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PARÁGRAFO QUINTO: Caso a SAMARCO não efetue o pagamento dasmultas previstas nos parágrafos terceiro e quarto, no prazo de 10 (dez) dias,a VALE e a BHP terão obrigação de realizar o respectivo pagamento, naproporção de 50% (cinquenta por cento) para cada uma delas.

PARÁGRAFO SEXTO: Na hipótese de descumprimento de cada um dosprazos estabelecidos para apresentação dos PROJETOS elaborados eentrega de estudos no âmbito nos PROGRAMAS SOCIOAMBIENTAIS eSOCIOECONÔMICOS pela FUNDAÇÃO, a SAMARCO ficará obrigada aopagamento de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por itemdescumprido cumulado com multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez milreais) enquanto persistir o descumprimento, por item descumprido.

PARÁGRAFO SÉTIMO: Na hipótese de descumprimento dos prazosestabelecidos para a execução dos PROJETOS previstos em cada um dosPROGRAMAS SOCIOAMBIENTAIS e SOCIOECONÔMICOS pelaFUNDAÇÃO, a SAMARCO ficará obrigada ao pagamento de multa de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) por item descumprido, cumulado commulta diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por itemdescumprido.

PARÁGRAFO OITAVO: Na hipótese de descumprimento dos prazos deconstituição e início do funcionamento da FUNDAÇÃO, por culpa exclusivadas insitituidoras, a(s) inadimplente(s) ficará(ão) obrigada(s) ao pagamentode multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por item descumpridocumulado com multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)enquanto persistir o descumprimento.

PARÁGRAFO NONO: Na hipótese de descumprimento dos prazos derealização dos aportes relacionados às Contribuições Iniciais e Anuais, aSAMARCO ficará obrigada ao pagamento de multa de 10% (dez porcento)do valor inadimplido, que deverá ser atualizado pela SELIC, desde a data doinadimplemento até o pagamento.

PARÁGRAFO DÉCIMO: Na hipótese de descumprimento de qualquer outraobrigação, não prevista nos parágrafos anteriores, a SAMARCO ficaráobrigada ao pagamento de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) poritem descumprido cumulado com multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dezmil reais) enquanto persistir o descumprimento, por item descumprido.

CLÁUSULA 248: Inclui-se no conceito de culpa exclusiva da FUNDAÇÃO,qualquer ação ou omissão imputável à FUNDAÇÂO, funcionários ouprepostos da SAMARCO, VALE e/ou BHP ou da FUNDAÇÃO e dasEXPERTs.

CLÁUSULA 249: O Poder Judiciário poderá modificar o valor da multa, casoverifique que se tornou insuficiente ou excessiva.

CLÁUSULA 250: As multas previstas nos presente Capítulo serão impostaspelo COMITÊ INTERFEDERATIVO, após deliberação pela maioria absolutados seus membros, observado o disposto na CLÁUSULA 246.

CLÁUSULA 251: O valor das multas arrecadadas deverá ser revertido aoFUNDO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, criado pela Lei nº 7.797, de 10de julho de 1989.

PARÁGRAFO PRIMEIRO: A(s) instituidora(s) que efetuar(em) o pagamento

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de multa prevista neste Capítulo poderá(ão) acordar com os ÓRGÃOSAMBIENTAIS competentes e demais órgãos públicos envolvidos, quando foro caso, a destinação e a aplicação do valor das multas em medidascompensatórias adicionais não previstas no presente Acordo.

PARÁGRAFO SEGUNDO: No hipótese prevista no parágrafo anterior, ovalor das multas deverá ficar segregado, até sua utilização, em contabancária da FUNDAÇÃO específica para essa finalidade.

CLÁUSULA 252: A incidência das penalidades estabelecidas neste Capítulo,com eficácia executiva de obrigação de pagar, ocorrerá de forma cumulativae não elide o cumprimento da obrigação principal, com possibilidade deexecução judicial desta obrigação.

CLÁUSULA 253: As multas diárias referidas neste Capítulo serão aplicadaspor dia corrido, tendo seu início no primeiro dia útil seguinte à notificação dadecisão referida na CLÁUSULA 249.

A leitura dos parágrafos sexto ao décimo da cláusula 247

indica formalmente a existência de multas pelo descumprimento de prazos para

apresentação e execução de projetos, para a constituição e início da operação

da Fundação e para a realização dos aportes de recursos.

Contudo, o caput da CLÁUSULA 247 e seus parágrafos

primeiro ao quinto tornam a incidência das multas impraticável. Com efeito, a

identificação de eventual descumprimento deveria ocorrer pelo Poder Público,

que assumiria a obrigação de, por meio do Comitê Interfederativo, comunicar

formalmente as partes inadimplentes o descumprimento, estabelecendo prazo

para a devida adequação.

A multa apenas incidiria se os compromitentes não

cumprissem aquilo que fosse determinado pelo Comitê Interfederativo, e caso o

mesmo não decidisse pela concessão de prazo adicional para o cumprimento

(§§ 1º e 2º).

Este seria o caminho para a incidência da multa em relação

única e exclusivamente à SAMARCO (§§ 3º e 4º). Vale dizer, apenas se a

SAMARCO fosse inadimplente seria possível exigir as multas da VALE e da

BHP (§ 5º).

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Ou seja, ainda que responsáveis solidárias pelos danos, a

VALE e a BHP estão absolutamente blindadas da incidência de qualquer

cominação decorrente do descumprimento das obrigações assumidas no

ajustamento.

Data maxima venia, a sistemática instituída transforma o

ajustamento em verdadeira carta de boas intenções. A título meramente

exemplificativo, transcrevemos trecho de Termo de Ajustamento celebrado

entre o Ministério Público e a SAMARCO, no mês de novembro passado, no

qual consta cláusula de cominações que obedece os parâmetros ordinários de

acordos celebrados no âmbito do MP:

CLÁUSULA QUARTA – DAS SANÇÕES

4.1 O descumprimento de quaisquer das obrigações constantes dascláusulas deste Termo de Compromisso Socioambiental Preliminar sujeitaráo COMPROMISSÁRIO ao recolhimento de multa diária no importeequivalente a R$1.000.000,00 (um milhão de reais), bem como, à expediçãode Certidão Positiva de Débito Ambiental, que deverá ser encaminhada àsinstituições de crédito e órgãos públicos com atribuições relacionadas àsubvenção, repartição e fiscalização de receitas, sem prejuízo de seremcomunicadas à Comissão de Valores Mobiliários e às Bolsas de Valores nasquais opera.

4.2 A COMPROMISSÁRIA poderá submeter a justificação dodescumprimento aos COMPROMITENTES no prazo de 48 (quarenta e oito)horas. O esforço no cumprimento das obrigações, dentre outros elementos,serão considerados pelos COMPROMITENTES.

4.3 A justificação apresentada será considerada pelo Ministério Público paraeventual promoção do ajuizamento da ação de execução.

4.4. O valor da multa estabelecida neste termo será atualizadomonetariamente pelos mesmos índices utilizados pela justiça comum, acontar da data da celebração deste TERMO DE COMPROMISSOSOCIOAMBIENTAL PRELIMINAR.

4.5. O presente TERMO DE COMPROMISSO SÓCIOAMBIENTALPRELIMINAR não inibe ou restringe as ações de controle, fiscalização,monitoramento e de licenciamento, não isentando o COMPROMISSÁRIO dequaisquer outras responsabilidades, inclusive penal, administrativa,trabalhista e civil que visem à reparação integral dos danos ambientais esociais verificados.

A diferença é gritante. Muito mais do que conferir às

compromissárias garantias razoáveis, a redação da cláusula constante do

ajustamento com o Poder Público viola a lógica do razoável e, além de

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condicionar a incidência da multa a evento futuro e incerto (decisão do Comitê

Interfederativo, cuja composição possui forte carga política), protrai a mesma

no tempo para momento afastado do efetivo descumprimento.

Por todo o exposto, mais uma vez não há como se concluir

pela aptidão do acordo para tutelar de forma efetiva e suficiente os direitos em

jogo.

14. Da indevida transação sobre o dano extrapatrimo nial coletivo.

Apesar de constar pedido expresso, na ACP ajuizada pelo

Poder Público, de condenação das rés à indenização por danos

extrapatrimoniais coletivos, o acordo não traz nenhuma linha sobre o tema e,

inexplicavelmente, trata de forma exaustiva o evento e suas consequências

socioambientais e socioeconômicas, com a suspensão da ação originária até o

cumprimento das obrigações e extinção dos agravos de instrumentos então

pendentes.

Conforme reconhecido em diversos julgados dos tribunais

superiores, o dano extrapatrimonial coletivo possui autonomia em relação às

demais rubricas indenizatórias, coletivas ou individuais. Nesse sentido, a

ausência de previsão sobre a questão no acordo entabulado não atende à

necessidade de tutela adequada e integral dos direitos coletivos afetados,

podendo, inclusive, configurar desistência infundada ou abandono da ação, na

forma do art. 5º, § 3º da Lei 7.347/85, reclamando intervenção ministerial.

Portanto, o acordo praticamente extingue a indenização pelo

dano extrapatrimonial coletivo, omissão que necessita ser sanada.

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15. Das omissões e contradições entre o conteúdo da s notas

taquigráficas e da ata de audiência de conciliação.

Por fim, há contradições e omissões existentes entre o que foi

consignado na ata da audiência de conciliação e o conteúdo dos atos que

efetivamente dizem respeito à atuação do Ministério Público.

Com efeito, houve omissão em consignar que o Ministério

Público: i) apresentou oralmente razões para a impugnação da celebração do

referido Acordo; ii) se opôs à homologação do acordo em juízo diferente

daquele no qual tramita a ACP n. 69758.61.2015.4.01.3400 (12ª Vara da Seção

Judiciária de Minas Gerais); iii) requereu prazo para se manifestar de forma

escrita, e após a manifestação das partes, sobre eventual homologação do

acordo nos autos da ACP n. 69758.61.2015.4.01.3400.

Em relação aos dois primeiros requerimentos, a decisão é

omissa, pois não apreciou as questões apresentadas. Quanto ao último

requerimento, restou consignado que “foram deferidos os pedidos do Ministério

Público Federal e do Ministério Público do Estado do Espírito Santo o prazo de

60 dias para se manifestar sobre os termos do presente acordo, ora

homologado”.

III

DA CONCLUSÃO

Diante do exposto, o Ministério Público Federal requer:

1. a suspensão da eficácia da decisão que homologou

o acordo em estudo , diante da relevância da fundamentação, probabilidade

de provimento de recurso ou, ainda, diante do dano grave e difícil reparação

que é privação dos atingidos a medidas eficazes de mitigação, reparação e

compensação (NCPC, art. 1026, § 1º);

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Page 49: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da ... · Em 02.05.2016, o MPF ajuizou ação civil pública em face das empresas e de diversos entes púbico. Em 05.05.2016, foi

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALProcuradoria Regional da República da 1ª Região

2. a intimação dos embargados para manifestação

(NCPC, art. 1023, § 2º);

3. a juntada aos autos das notas taquigráficas da

Audiência de Conciliação realizada em 05.05.2016, no âmbito do Sistema de

Conciliação da Justiça Federal da Primeira Região;

4. o acolhimento dos embargos para que sejam

sanadas as omissões/contradições descritas (NCPC, art. 1022, I e II) ou, não

sendo possíveis, a nulidade do Acordo;

5. caso Vossa Excelência não entenda serem cabíveis os

embargos de declaração, que estes sejam conhecidos como Agravo Interno

(NCPC,art. 1024, § 3º).

Brasília/DF, 16 de maio de 2016.

FELÍCIO PONTES JR.Procurador Regional da República

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