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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Pará EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DESEMBARGADOR(A) FEDERAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO Processo originário n.º 1010805-66.2020.4.01.3900 (Ação Civil Pública) Autor / Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réu / Recorrido: UNIÃO “Carelles talk cost lives” 1 (“Discurso descuidado custa vidas” - Tradução livre) O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos autos do processo em epígrafe, vem, pelos Procuradores da República que ao final subscrevem, com base no art. 1.015 e seguintes do CPC, interpor AGRAVO DE INSTRUMENTO (com pedido de tutela recursal de urgência) contra a r. decisão de ID 214226869 dos autos principais, prolatada pelo douto Juiz Federal Substituto da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará, que indeferiu o 1 “É urgente que as autoridades tenham responsabilidade ao falar sobre a pandemia. Que se certifiquem de que o conteúdo a ser exposto tem base científica, é atual e se refere ao local sobre o qual estão falando. Que cessem já os discursos distorcidos, com contextos minimizados ou teses na contramão da ciência. O ruído dessas falas já teve consequências dramáticas. No Irã, mais de 40 pessoas morreram envenenadas ao ingerir álcool puro para curar o coronavírus. No Reino Unido, torres de celular foram queimadas por quem acredita que a Covid-19 vem do sistema 5G de telefonia móvel. No Brasil, o isolamento social perde adesão ao ser atacado por autoridades que desconsideram o que é adotado mundo afora. A transparência em relação ao que se sabe sobre a Covid-19 é inegociável. Cidadãos tomam decisões diárias com base nesses dados. Eles precisam ser atuais, fidedignos e acessíveis a todos”. Veja o artigo completo em: https://aosfatos.org/noticias/autoridades-parem-de-distorcer-fatos/ Travessa Rua Dom Romualdo De Seixas Nº 1476 Ed. Evolution, Umarizal - Cep 66055200 – Belém-PA Site: http://www.mpf.mp.br/pa Contato: (91)32990111 1 Assinado digitalmente em 13/04/2020 01:40. Para verificar a autenticidade acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 309F3CB5.7C0AED20.17FF4C78.7D1FCE16

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Procuradoria da República no Pará

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DESEMBARGADOR(A) FEDERAL DO

EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO

Processo originário n.º 1010805-66.2020.4.01.3900 (Ação Civil Pública)

Autor / Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Réu / Recorrido: UNIÃO

“Carelles talk cost lives”1

(“Discurso descuidado custa vidas” - Tradução livre)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos autos do processo em

epígrafe, vem, pelos Procuradores da República que ao final subscrevem, com base no art.

1.015 e seguintes do CPC, interpor

AGRAVO DE INSTRUMENTO

(com pedido de tutela recursal de urgência)

contra a r. decisão de ID 214226869 dos autos principais, prolatada pelo

douto Juiz Federal Substituto da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará, que indeferiu o1 “É urgente que as autoridades tenham responsabilidade ao falar sobre a pandemia. Que se certifiquem de

que o conteúdo a ser exposto tem base científica, é atual e se refere ao local sobre o qual estão falando. Quecessem já os discursos distorcidos, com contextos minimizados ou teses na contramão da ciência. O ruídodessas falas já teve consequências dramáticas. No Irã, mais de 40 pessoas morreram envenenadas aoingerir álcool puro para curar o coronavírus. No Reino Unido, torres de celular foram queimadas por quemacredita que a Covid-19 vem do sistema 5G de telefonia móvel. No Brasil, o isolamento social perde adesãoao ser atacado por autoridades que desconsideram o que é adotado mundo afora. A transparência emrelação ao que se sabe sobre a Covid-19 é inegociável. Cidadãos tomam decisões diárias com base nessesdados. Eles precisam ser atuais, fidedignos e acessíveis a todos”. Veja o artigo completo em:https://aosfatos.org/noticias/autoridades-parem-de-distorcer-fatos/

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requerimento de tutela de urgência formulado pelo Ministério Público Federal para que fosse

determinado à União que:

a.1) INDIQUE às autoridades públicas que observem, em suas

manifestações, as diretrizes da OMS e dos órgãos técnicos e

científicos do Ministério da Saúde;

a.2) ASSEGURE informação à população pelos seguintes meios:

publicação de orientações e indicações sobre a necessidade

imprescindível de isolamento social nos sítios eletrônicos do Planalto

e ministérios e canais oficiais nas redes sociais, aplicativos de

mensagens e qualquer outro canal digital, com destaque na página

inicial, durante o período em que essa diretriz for adotada;

publicação no perfil do Twitter do Presidente da República

(@jairbolsonaro) de sequência de tuítes (thread), com as orientações

sobre isolamento social, que deverá ser mantida como tuíte fixado do

perfil durante o período em que essa diretriz for adotada;

Em atendimento ao disposto no art. 1.016, IV, do CPC, o agravante

informa o endereço completo da agravada: UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno,

representada pela Procuradoria da União no Pará, cujo endereço é Av. Assis de Vasconcelos,

nº 625/623, Belém/PA, CEP 66017-070.

No tocante à procuração relativa ao patrono do agravante, esclarece

que o Ministério Público Federal é parte legitimada pelo art. 129, III, da Constituição da

República, art. 6º, VII, da Lei Complementar nº 75/93 e art. 5º, I, da Lei nº 7.347/85 (Lei da

Ação Civil Pública), prescindindo de procuração para atuar.

Conforme estabelece o § 5º do art. 1.017 do CPC, “sendo eletrônicos

os autos do processo, dispensam-se as peças referidas nos incisos I e II do caput, facultando-

se ao agravante anexar outros documentos que entender úteis para a compreensão da

controvérsia”.

Não há fatos extintivos ou impeditivos do direito de recorrer. O

preparo é inexigível, nos termos do § 1º do art. 1.007 do Código de Processo Civil. A

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regularidade formal encontra-se observada.

Deste modo, estando preenchidos os requisitos de admissibilidade

intrínsecos e extrínsecos da irresignação, o Ministério Público Federal requer o regular

processamento do presente recurso de agravo de instrumento.

Termos em que pede deferimento.

Belém/PA, 13 de abril de 2019.

- Assinatura Eletrônica -FELIPE DE MOURA PALHA E SILVA

Procurador da República

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Procuradoria da República no Pará

Processo originário n.º 1010805-66.2020.4.01.3900 (Ação Civil Pública)

Autor / Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Réu / Recorrido: UNIÃO

RAZÕES DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

Egrégio Tribunal Regional Federal

Colenda Turma,

Doutos Julgadores,

A Ação Civil Pública originária do presente recurso busca a obtenção

de provimento jurisdicional que determine à demandada que ofereça as informações oficiais a

respeito das medidas emergenciais de combate ao novo coronavírus (COVID-19) em

todos os seus canais, inclusive por meio do uso da conta oficial do Twitter de gestores

públicos.

Em sede de tutela de urgência, requer-se a publicação nos canais oficiais

dos órgãos da União, bem como na conta do Twitter do presidente da República, de orientações

e indicações sobre a necessidade imprescindível do isolamento social, enfatizando as

medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde e referendadas pelos órgãos

técnicos do Ministério da Saúde a respeito do isolamento social.

Ao final, requer-se o reconhecimento da responsabilidade da União

por difundir mensagens contraditórias junto à população, favorecendo a omissão de

gestores públicos no combate à COVID-19 e enfraquecendo o chamado isolamento social.

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Busca-se, portanto, garantir uma postura proativa dos entes

federativos na concretização do direito à informação quanto à adoção de medidas

emergenciais de combate à COVID-19.

Em decisão interlocutória, o Juízo a quo reconheceu que a União, por

meio da Presidência da República, vem adotando medidas contraditórias quanto ao

atendimento das recomendações e indicações da OMS e dos órgãos técnicos de saúde, no

tocante ao enfrentamento e contenção da pandemia gerada pela COVID-19, por meio de

discursos e pronunciamentos oficiais, que tem negado a gravidade da pandemia da

COVID-19, embora amplamente reconhecida a nível mundial pelos órgãos e autoridades de

saúde, bem como por ter o Presidente da República praticado condutas incompatíveis com tal

gravidade – tal como circular entre simpatizantes – e divulgado informações falsas na

tentativa de dar sustentabilidade ao discurso de que não é necessário o isolamento social

ora vivenciado.

As referidas condutas da União estão colocando em risco a eficácia das

medidas de isolamento social emanadas do Ministério da Saúde e levadas a efeito por diversos

Estados e Municípios da Federação, dentre eles o Estado do Pará, necessárias para ocorrer o

achatamento da curva de casos da doença viral e evitar o colapso do sistema público de saúde,

porém, o juízo a quo indeferiu o pedido de tutela de urgência sob o fundamento de que:

a) “em relação ao pedido inserto no item a.1 da petição inicial do MPF,

verifica-se que essa tutela jurisdicional antecipatória foi alcançada no

bojo da ADPF 669, na qual o STF deferiu pedido de liminar ‘para

vedar a produção e circulação, por qualquer meio, de qualquer

campanha que pregue que ‘O Brasil Não Pode Parar’ ou que sugira que

a população deve retornar às suas atividades plenas, ou, ainda, que

expresse que a pandemia constitui evento de diminuta gravidade para a

saúde e a vida da população’;

b) malgrado a aparente divergência de entendimentos no âmbito do

Poder Executivo Federal, as medidas de isolamento social têm sido

concretizadas com razoável efetividade, com impedimento de

funcionamento de atividades não essenciais e de aglomeração de pessoas

em espaços públicos;

c) a campanha publicitária “O Brasil não pode parar”, por meio da

qual o Poder Executivo Federal pretendia estimular o retorno da

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população às atividades ordinárias, abandonando a medida de

isolamento social, não fora concretizada pelo Governo Federal -

ainda que por força da decisão judicial deferida nos autos da ADPF

669;

d) a União elencou em sua manifestação (ID 214491386) uma série de

medidas adotadas pelo Governo Federal para combater a Pandemia de

COVID-19;

e) apesar da divergência de entendimento entre o Presidente da

República e, precipuamente, o Ministério da Saúde, acerca das

diretrizes a serem adotadas pelo Estado Brasileiro diante da atual

pandemia de COVID-19, considerando fatores como o risco de perda

de várias vidas, demanda de pacientes para além da capacidade do

Sistema de Saúde e as consequências sociais e econômicas decorrentes

do isolamento social, entendo que a valoração acerca do melhor

caminho a ser seguido pela nação diante da pandemia do

coronavirus trata-se de uma escolha política primária, e, por isso,

insere-se no âmbito exclusivo da atividade institucional do Poder

Executivo e do Poder Legislativo, dessa forma, não cabe ao Poder

Judiciário, a priori, exercer algum tipo de controle sobre tais atos,

sob pena de invasão indevida do Poder Judiciário em atos inerentes

a outros Poderes da República;

f) no que diz respeito às opiniões emanadas pelo Chefe do Poder

Executivo, seja através de meios oficiais, seja através de sua conta no

Twitter, este possui liberdade de expressão para se posicionar sobre

assuntos de interesse da sociedade e não subordina suas opiniões a

organismos de saúde, sejam internos ou externos, sendo que

eventual desacerto do que afirma publicamente não confere

legitimidade institucional para que o Poder Judiciário o obrigue, ou

qualquer outra autoridade do Poder Executivo Federal, a emitir

opiniões públicas alinhadas ao que defende o MS e a OMS;

g) no modelo de Presidencialismo e repartição de Poderes adotados pela

atual Constituição, o controle das ações e a responsabilização do

Chefe do Poder Executivo são atribuições exercidas pelo Poder

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Legislativo e pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do art. 85/86

da Constituição Federal de 1988;

Nesse contexto, o presente agravo tem por objetivo a concessão da

tutela de urgência, para se determinar a publicação nos canais oficiais dos órgãos da União,

bem como na conta do Twitter do presidente da República, de orientações e indicações

sobre a necessidade imprescindível do isolamento social, enfatizando as medidas

recomendadas pela Organização Mundial de Saúde e referendadas pelos órgãos técnicos

do Ministério da Saúde a respeito do isolamento social (conduta proativa e não omissiva

da União).

Este pleito atende a todos os requisitos necessários para seu integral

deferimento, consoante se passa a demonstrar.

1. DA TEMPESTIVIDADE E DO CABIMENTO

A tempestividade da presente irresignação é incontroversa, uma vez que

a decisão ID 214226869 foi prolatada no dia 07/04/2020. Portanto tempestivo o presente

Agravo de Instrumento.

Quanto ao cabimento, o Código de Processo Civil apresenta rol de

decisões interlocutórias contra as quais caberá o agravo de instrumento, dentre as quais se

encontra prevista a interposição em face de decisões sobre tutelas provisórias (art. 1.015, I).

No presente caso, a decisão agravada (ID 214226869) negou a tutela de

urgência requerida pelo agravante na exordial.

Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “o rol do art.

1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de

instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão

no recurso de apelação” (STJ, Corte Especial, REsp 1.704.520-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi,

julgado em 05/12/2018 – recurso repetitivo, Informativo 639).

Desse modo, a pretensão recursal é autorizada pelo inciso I do art. 1.015

do Código de Processo Civil.

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2. DA SÍNTESE DA DEMANDA ORIGINÁRIA

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO

FEDERAL em face da UNIÃO, visando provimento judicial antecipatório que imponha à

União as seguintes obrigações: a.1) Indicar às autoridades públicas que observem, em suas

manifestações, as diretrizes da Organização Mundial de Saúde e dos órgãos técnicos e

científicos do Ministério da Saúde; a.2) Assegurar informação à população pelos seguintes

meios: - Publicação de orientações e indicações sobre a necessidade imprescindível de

isolamento social nos sítios eletrônicos do Planalto e Ministérios e canais oficiais nas redes

sociais, aplicativos de mensagens e qualquer outro canal digital, com destaque na página

inicial, durante o período em que essa diretriz for adotada; - publicação no perfil do Twitter do

Presidente da República (@jairbolsonaro) de sequência de tuítes (thread), com as orientações

sobre isolamento social, que deverá ser mantida como tuíte fixado do perfil durante o período

em que essa diretriz for adotada.

Como causa de pedir, o MPF demonstra que a União, por meio da

Presidência da República, vem adotando medidas contraditórias quanto ao atendimento

das recomendações e indicações da OMS e dos órgãos técnicos de saúde, no tocante ao

enfrentamento e contenção da pandemia gerada pela COVID-19, através de campanhas

publicitárias, de discursos e pronunciamentos oficiais do Presidente da República, que estão

colocando em risco a eficácia das medidas de isolamento social, emanadas do Ministério da

Saúde e levadas a efeito por diversos Estados e Municípios da Federação, incluindo o Estado

do Pará, necessárias para ocorrer o achatamento da curva de casos da doença viral e evitar o

colapso do sistema público de saúde.

A União, por meio da campanha publicitária “O Brasil não pode parar”,

instou os brasileiros a voltarem às suas atividades normais, abandonando a medida de

isolamento social, contrariando orientações técnicas de especialistas de saúde nacionais e

internacionais, bem como da OMS, sem qualquer embasamento técnico no sentido de que

esta é a medida mais adequada no momento, colocando em risco milhares de vidas em razão

do provável colapso do sistema de saúde do país como resultado da falta de controle da

disseminação do vírus.

Desde o início da crise mundial causada pela pandemia, a União, por meio

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de discursos e pronunciamentos oficiais do Presidente da República, tem negado a

gravidade da pandemia da COVID-19, embora amplamente reconhecida sua gravidade

catastrófica em nível mundial pelos órgãos e autoridades de saúde, bem como tem praticado

condutas incompatíveis com tal gravidade – tal como circular entre simpatizantes – e

também tem divulgado informações falsas na tentativa de dar sustentabilidade ao

discurso de que não é necessário o isolamento social ora vivenciado.

A União tem abusado, pois, do direito à liberdade de expressão dos seus

agentes ao mitigar a necessidade de isolamento social, fomentando o abandono dessa

medida por parte da população e colocando em risco a vida dos brasileiros.

As falas e atitudes do Presidente da República, autoridade máxima da

nação, como agente público que tem a responsabilidade de realizar a política de combate

à COVID-19 devem ser coerentes com os fins perseguidos, em obediência à linha adotada

e às recomendações da OMS. Não podem se mostrar incoerentes e implicar sinais

contraditórios à população.

A responsabilidade do Estado deverá, por conseguinte, ser reconhecida

por conta do uso abusivo da liberdade de expressão e da prestação de informações não

respaldadas técnica e cientificamente. A melhor maneira de reparar, contudo, não está na

proibição da veiculação do discurso. É com mais democracia, pluralismo, liberdade de

expressão e direito à informação que devem ser combatidas as falas e atitudes aqui

colocadas.

Em outras palavras, a presente demanda não pretende proibir as falas do

Presidente da República, e sim que elas não circulem sem o necessário contraponto e as

manifestações técnicas e científicas.

Não se deve, dessarte, expor a risco a saúde das pessoas, ou seja, não

deve o agente público, e no caso concreto o Presidente da República, por meio de suas

manifestações em redes sociais e diversos canais de comunicação, expor toda a sociedade

a risco, recomendando a retomada das atividades cotidianas, a reabertura dos comércios

e etc, diante da pandemia da Covid-19.

Tais atitudes fomentam um clima de desordem social, pois contrariam

frontalmente as normas sanitárias vigentes nos estados e municípios que impuseram, por

recomendações do próprio Ministério da Saúde, barreiras e medidas de contenção

sanitárias. Como é o caso do Estado do Pará.

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As condutas contraditórias da União, consubstanciadas nas

manifestações do Presidente da República, vão completamente na contramão de todas as

recomendações científicas e de todas as evidências médicas, ferindo amiúde os princípios

da precaução e da prevenção, aplicáveis plenamente ao direito à saúde.

A União, através de seu representante máximo, o Presidente da

República, não pode expor a risco o direito à saúde das pessoas, expor toda a sociedade a

risco, recomendando a retomada das atividades cotidianas, a reabertura dos comércios e

etc, diante da pandemia da Covid-19, contrariando todas as evidências científicas que

apontam em sentido contrário.

3. DA DECISÃO IMPUGNADA

A decisão recorrida indeferiu o pedido autoral de urgência nos seguintes

termos (grifo nosso):

“A questão que constitui o pano de fundo da presente ação civil pública dizrespeito ao atual e intenso debate em torno das políticas públicas que devemser adotadas pelo Estado Brasileiro diante da chegada do COVID-19 noterritório nacional.

Em primeiro plano, assiste razão em parte à União no tocante à alegaçãode ausência de interesse de agir.

De fato, em relação ao pedido inserto no item a.1 da petição inicial doMPF, verifica-se que essa tutela jurisdicional antecipatória foi alcançadano bojo da ADPF 669, na qual o STF deferiu pedido de liminar "para vedara produção e circulação, por qualquer meio, de qualquer campanha quepregue que “O Brasil Não Pode Parar” ou que sugira que a população deveretornar às suas atividades plenas, ou, ainda, que expresse que a pandemiaconstitui evento de diminuta gravidade para a saúde e a vida dapopulação".

Assim, resta claro que aquela decisão liminar impôs, a contrário sensu,que às autoridades públicas observem, em suas manifestações, asdiretrizes da OMS e dos órgãos técnicos e científicos do Ministério daSaúde, tornando inócuo o pedido formulado nesta ACP.

Diante desse quadro, incide o art. 330, III, do CPC, nessa parte da petição.

Passo à análise dos demais pedidos.

É fato público e notório que o atual Chefe do Poder Executivo semanifestou em diversas ocasiões de forma divergente da OrganizaçãoMundial da Saúde e do próprio Ministério da Saúde acerca,principalmente, da questão específica do isolamento social, por entenderque este é medida desproporcional em relação aos efeitos nocivos da

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pandemia, devido à taxa de mortalidade ser baixa na população em geral eter aumento considerável apenas nas pessoas inseridas na chamada Zonade Risco, pelo que, no seu entender, não justifica a paralisação dasatividades econômicas e sociais como se vê no momento.

Em contrapartida, o MS, como também a OMS, entendem que o isolamentosocial revela-se medida imprescindível no momento, a fim de possibilitar omaior achatamento possível da curva de contágio do COVID-19 e, assim,diminuir perdas de vida em razão da doença, haja vista a diminuição depessoas infectadas nos próximos meses, o que gera, por conseguinte,mitigação da demanda de pacientes necessitados do Sistema de Saúde.

O MPF alega que a postura pública e ações praticadas pelo Presidente daRepública quanto ao referido tema têm gerado efeitos nocivos à nação,notadamente insegurança sanitária e prejuízo ao controle da disseminaçãodo vírus com a estimulação ao abandono do isolamento social, causandorisco para toda a população brasileira.

Nesse panorama, insta salientar que a análise do pedido de antecipação detutela deve levar em conta o atual estado de coisas que envolve a questãorelativa ao COVID-19 no contexto do Estado brasileiro.

Nesse sentido, basta consultar o site do Ministério da Saúde nesta data paraverificar que ali estão dispostas diversas orientações à população para finsde conter o avanço da pandemia, incluindo o isolamento social1.

Ademais, os meios de comunicação de massa têm desempenhado papelrelevante na divulgação dos efeitos nocivos advindos da falta de controle dadisseminação do COVID1-19 e dos meios preventivos para evitar acontaminação pelo vírus, especialmente o isolamento social.

Também é fato notório que, malgrado a aparente divergência deentendimentos no âmbito do Poder Executivo Federal, as medidas deisolamento social têm sido concretizadas com razoável efetividade, comimpedimento de funcionamento de atividades não essenciais e deaglomeração de pessoas em espaços públicos.

Lado outro, a campanha publicitária “O Brasil não pode parar”, por meioda qual o Poder Executivo Federal pretendia estimular o retorno dapopulação às atividades ordinárias, abandonando a medida de isolamentosocial, não fora concretizada pelo Governo Federal - ainda que por forçada decisão judicial deferida nos autos da ADPF 669 -, que lançou acampanha "Ninguém fica para trás", que visa repatriar, em razão daPandemia, os brasileiros mundo afora, indicando que R$ 750 bilhões jáforam mobilizados pelo Governo Federal para combater a pandemia e suasconsequências sanitárias, sociais e econômicas, conforme amplamentedivulgado nos canais de comunicação da Secretaria Especial deComunicação Social da Presidência da República.

Além da referida campanha, a União elencou em sua manifestação (ID214491386) uma série de medidas adotadas pelo Governo Federal paracombater a Pandemia de COVID-19.

Nesse contexto, o que se vê, por ora, não é propriamente omissão da Uniãode informar medidas de controle e prevenção com transparência sobre oCOVID-19 e de executar políticas públicas nesse sentido, mas sim umadivergência de entendimento entre o Presidente da República e,precipuamente, o Ministério da Saúde, acerca das diretrizes a seremadotadas pelo Estado Brasileiro diante da atual pandemia de COVID-19,

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considerando fatores como o risco de perda de várias vidas, demanda depacientes para além da capacidade do Sistema de Saúde e as consequênciassociais e econômicas decorrentes do isolamento social.

Nesse passo, entendo que a valoração acerca do melhor caminho a serseguido pela nação diante da pandemia do coronavirus trata-se de umaescolha política primária, e, por isso, insere-se no âmbito exclusivo daatividade institucional do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Dessaforma, não cabe ao Poder Judiciário, a priori, exercer algum tipo decontrole sobre tais atos, incluindo impor às autoridades do Poder ExecutivoFederal, como foi requerido, que adotem linha de atuação coadunante àsdiretrizes da OMS e dos órgãos técnicos e científicos do Ministério daSaúde, sob pena de invasão indevida do Poder Judiciário em atos inerentesa outros Poderes da República.

(...)

Contudo, repiso, tal intervenção do Poder Judiciário é excepcionalíssima,em razão do caráter discricionário do ato político, cabível somente quandohá concreta e inequívoca hostilização de direitos fundamentais e valoresinerentes ao Estado Democrático de Direito, o que não se vislumbra, aomenos até o presente momento.

No que diz respeito às opiniões emanadas pelo Chefe do Poder Executivo,seja através de meios oficiais, seja através de sua conta no Twitter, estepossui liberdade de expressão para se posicionar sobre assuntos deinteresse da sociedade e não subordina suas opiniões a organismos desaúde, sejam internos ou externos, sendo que eventual desacerto do queafirma publicamente não confere legitimidade institucional para que oPoder Judiciário o obrigue, ou qualquer outra autoridade do PoderExecutivo Federal, a emitir opiniões públicas alinhadas ao que defende oMS e a OMS.

(...)

Nesse toar, eventual abuso da liberdade da expressão por parte do Chefedo Poder Executivo, seja em seus pronunciamentos oficiais, seja por meiodas redes sociais, pode ser combatida por meio dos instrumentos previstosem nosso Ordenamento Jurídico, visto que, em um Estado Democrático deDireito, ninguém está acima da Lei.

Ademais, importa ressaltar que, no modelo de Presidencialismo erepartição de Poderes adotados pela atual Constituição, o controle dasações e a responsabilização do Chefe do Poder Executivo são atribuiçõesexercidas pelo Poder Legislativo e pelo Supremo Tribunal Federal, naforma do art. 85/86 da Constituição Federal de 1988.

Desse modo, eventual responsabilização do Presidente da República emrazão da sua postura pública diante da crise ora enfrentada pela nação emrazão da pandemia do COVID-19 deve ser intentada pelos meiosconstitucionais pertinentes. O que não é dado é o Poder Judiciáriopretender moldar a conduta pública do Chefe do Poder Executivo,perfazendo um controle prévio do conteúdo de seus pronunciamentos, comorequerido, ainda que deles resulte algum efeito institucional não desejadoao Estado Brasileiro.

Ante o exposto, INDEFIRO PARCIALMENTE a petição inicial no queconcerne ao pedido "a.1", nos termos do art. 485, I, do CPC, e, na partedeferida da exordial, INDEFIRO o pedido de liminar.”

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A decisão do d. juízo a quo, com a devida vênia, não se afigura escorreita

quanto à apreciação dos fatos veiculados na demanda, sobretudo quanto a responsabilidade da

União pelo ato de seus agentes, e no que tange à gravidade das condutas impugnadas, senão

vejamos.

4. MEDIDAS EFETIVAS DE DISTANCIAMENTO SOCIAL COMO INSTRUMENTO

INDISPENSÁVEL À EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE E À REDUÇÃO DE

MORTES EVITÁVEIS

Estudo conduzido e divulgado em 26.3.2020 pelo Imperial College COVID-

19 Response Team (https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-

fellowships/Imperial-College-COVID19-Global-Impact-26-03-2020.pdf) do Imperial College

de Londres, uma das mais respeitadas instituições de pesquisa da Inglaterra, projetou o impacto

da pandemia e estimou mortalidade e demanda dos sistemas de saúde baseado em dados da

China e países de primeiro mundo, consideradas estratégias de mitigação e supressão.

Estimam os pesquisadores que, num cenário de ausência de intervenções, a

Covid-19 resultaria em 7 bilhões de infectados e 40 milhões de mortes globalmente neste

ano de 2020.

Estratégias de mitigação com foco na proteção de idosos (60% de redução

em contatos sociais) e no retardo do ritmo de transmissão/contágio (40% de redução em

contatos sociais da população em geral) poderiam reduzir pela metade as consequências, com

20 milhões de vidas salvas. Todavia, nesse caso, predizem os pesquisadores que os sistemas de

saúde de todos os países seriam rapidamente levados à exaustão, com maior gravidade para

aqueles locais, notadamente de baixa renda, que dispõem de sistemas de saúde com menor

capacidade de atendimento.

Finalmente, sugere a análise que apenas se pode manter a demanda em níveis

suportáveis pelos sistemas de saúde mediante rápida adoção de medidas de saúde pública

para suprimir a transmissão (incluindo testagem, isolamento e medidas de distanciamento

social para a população em geral), similar àquelas medidas atualmente já adotadas em variados

países. Nesse cenário, caso a estratégia de supressão seja adotada rapidamente (no marco

de 0,2 morte por 100.000 pessoas por semana) e mantida, então 38,7 milhões de vidas

poderiam ser salvas, ao passo que 30,7 milhões poderiam ser salvas se aplicadas tais

medidas de supressão no momento em que maior o número de mortes (1,6 mortes por

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100.000 pessoas por semana), a denotar que o retardo na implementação de medidas de

supressão leva a resultados significativamente piores.

A propósito, os estudos recentes vêm reconhecendo que a adoção tardia de

medidas de contenção não apenas prejudica o enfrentamento retrospectivo da pandemia como

também reduz sua eficácia prospectiva. Em outras palavras, sob a perspectiva da mitigação da

disseminação do vírus, o isolamento social é eficaz, mas é mais eficaz se aplicado prontamente.

Há, portanto, um ponto de significativo consenso e, exatamente por isso, é

que a ele se dará ênfase: o distanciamento social é estratégia que se tem mostrado eficaz no

retardamento da velocidade de propagação da doença.

E, diante da ausência de alternativa terapêutica ou imunobiológica, já que não

há medicamento ou vacina que se mostre de uso recomendável na maioria dos casos, retardar a

velocidade de propagação da doença é a única forma de mitigar os impactos sobre o sistema de

saúde, impedindo – ou, ao menos reduzindo –, com isso, o número de mortes evitáveis.

Compreenda-se: mortes que decorram não diretamente da doença Covid-19 ou de sua

associação a comorbidades, mas da ineficiência no atendimento médico-hospitalar.

Destarte, é no contexto descrito que as autoridades sanitárias vêm

recomendando, com segurança, o distanciamento social como mecanismo de redução dos

danos da pandemia e, principalmente, como modelo de mitigação dos óbitos evitáveis e que

possam decorrer do colapso do sistema de saúde.

Conforme se expôs na petição inicial, é sabido que os impactos econômicos

gerados pandemia de Covid-19 são de proporções ainda não calculadas. Também não é

possível precisar com exatidão qual a extensão da adoção tardia de medidas de contenção à

propagação da doença.

Ainda que se aponte alguma incerteza, esse cenário, contudo, ao invés de

tolher a atuação do Poder Judiciário, impõe ainda com maior ênfase que o Estado-Juiz

controle atos do Poder Executivo que sejam exercitados em descompasso com os

Princípios da Precaução e da Prevenção, cuja incidência no campo do direito à saúde já

foi expressamente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI

5592, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN,

Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2019.

Nesse sentido, por força do Princípio da Precaução, alguma dúvida científica

não retira o dever de prevenção, notadamente em hipóteses, como a dos autos, em que a

realização dos riscos gerará resultados irreversíveis. Isso porque, como se sabe, vidas perdidas

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não são recompostas, ao contrário de eventuais repercussões econômicas que, por essência, são

naturalmente sujeitas a oscilações e reconstituições.

Vale dizer, a zona de incerteza admitida pela decisão recorrida não

recomenda ausência de controle jurisdicional de atos levados a efeitos pelos demais poderes.

Ao contrário, na medida em que esse contexto impõe ao Poder Judiciário que medidas que se

afigurem potencialmente lesivas de modo irreversível ao direito à saúde sejam objeto de

escrutínio adequado e efetivo, sobretudo segundo uma óptica de regularidade formal que

confere condicionantes normativas e legais expressas ao exercício do poder discricionário.

Ademais, adiante-se, o Ministério Público Federal não é indiferente às

consequências econômicas de medidas restritivas adotadas na perspectiva do enfrentamento da

disseminação do novo coronavírus.

Entretanto, cabe aos governos, de acordo com seus âmbitos de atribuição, a

definição das medidas de suporte devidas às empresas e aos trabalhadores onerados em razão

da suspensão de índole temporária e circunstancial de inúmeras atividades, bem como

construir, em diálogo com os envolvidos, possíveis caminhos para que se instituam alternativas

de funcionamento daqueles serviços que possam ser desenvolvidos à distância ou fornecidos

mediante call center.

Impende realçar que os estudos ainda reputam as medidas de contenção à

propagação da Covid-19 como instrumento indispensável à proteção também de

interesses econômicos, gerando um falso dilema que, a pretexto de se exercer

discricionariedade administrativa, vem sendo solucionado por imposições voluntaristas

de gestores públicos que deixam de observar qualquer referência à cientificidade.

O fato é que, se, por um lado, há um cenário de incertezas quanto à dimensão

das consequências da pandemia, de outro, a experiência de outros países e diversos estudos

científicos já demonstraram que há um ponto de segurança: a ausência de adoção de medidas

de contenção, ou até mesmo o emprego tardio dessas medidas, gerará o colapso do

sistema de saúde e custará o evitável sacrifício de vidas, da incolumidade das pessoas e

prejuízos econômicos ainda maiores.

No Brasil, apenas um mês após confirmação do primeiro caso, todos os

estados já registraram casos da doença, sendo 22.169 casos no total, até 12 de Abril de 2020, às

18h30), havendo o registro de mortes em quase todos os estados da federação, apenas

Tocantins não tem registros de mortes (1223 no total)2.

2 Disponível em: <https://saude.gov.br/>. Acesso em 1 abr. 2020.

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A velocidade na taxa de propagação da doença é muito grave, sobretudo

quando levados em consideração: (i) a deficitária realização de testes da COVID-19 no

território brasileiro; (ii) o fato de que os sintomas dessa doença podem surgir até duas semanas

após o contágio – ou seja, muitos dos assintomáticos de março já fazem parte dos

contaminados de hoje –; (iii) as estratégias de desaceleração até aqui adotadas.

A principal recomendação da Organização Mundial de Saúde para conter o

contágio é justamente o isolamento social3, que, de acordo com evidências científicas, é capaz

de achatar a curva numérica de pessoas infectadas, fazendo com que haja um menor número de

pessoas infectadas em curto espaço de tempo4.

Interromper o movimento da população permite ganhar tempo e reduz a

pressão nos sistemas de saúde. A OMS recentemente reforçou que “a última coisa que um país

precisa é abrir escolas e empresas, e ser forçado a fechá-las novamente por causa de um

ressurgimento do surto”5.

Não basta que o isolamento seja parcial, ou “vertical” (isto é, apenas de

idosos e pessoas em grupos de risco), contrariamente às orientações do próprio Ministério

da Saúde6, pois, se o vírus se espalhar mais rapidamente no resto da população,

inevitavelmente chegará aos idosos7. Não apenas seria ineficiente, mas impraticável no país,

tendo em vista que incontável número de idosos residem muitas vezes com crianças e jovens,

sendo inviável separá-los das famílias, que podem trazer o vírus para dentro de casa e

contaminá-los8.

3 Disponível em: < https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,oms-reforca-proposta-de-isolamento-social-contra-coronavirus-mas-diz-que-e-

preciso-fazer-mais,70003249476,acesso em 27/03/2020

4

https://www.dw.com/pt-br/por-que-isolar-grupos-contra-o-novo-coronav%C3%Adrus-n%C3%A3o-%C3%A9-vi%C3%A1vel-no-brasil/a-52933336, acesso em 27/03/2020

5

https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/03/25/oms-reitera-importancia-do-isolamento-para-combater-

coronavirus.ghtml, acesso em 27/03/2020

6

https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/03/25/quais-os-riscos-de-adotar-o-isolamento-vertical-proposto-por-bolsonaro.htm, acesso em 27/03/2020 7 Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/isolar-apenas-idosos-nao-suficiente-para-

combater-coronavirus-dizem-cientistas-24328873 . Acesso em 27 mar. 2020.8 Disponível em: < https://www.dw.com/pt-br/por-que-isolar-grupos-contra-o-novo-coronav%C3%Adrus-n%C3%A3o-

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Reforçando esse ponto, a Congregação da Faculdade de Saúde Pública da

Universidade de São Paulo (USP) lançou nota sobre a evolução da pandemia de Covid-19 no

Brasil, na qual refere9:

O isolamento exclusivo de pessoas em maior risco não é uma medidaviável, especialmente em um país com as características do Brasil, comelevados índices de doenças crônicas não transmissíveis que constituemcomorbidades relevantes diante da incidência do novo coronavírus. Éimportante ressaltar que a Covid-19 pode ser assintomática, tem largopotencial de propagação e, como bem revelam os dados de outros países,pode acometer igualmente jovens saudáveis que, com a sobrecarga dosserviços de saúde públicos e privados, podem vir a engrossar as estatísticasde óbitos evitáveis. Ademais, a experiência de outros países demonstra que,na falta de isolamento, parte significativa dos profissionais de saúde estásendo infectada por transmissão comunitária, ou seja, em seu convíviosocial, reduzindo o contingente de trabalhadores disponíveis, em prejuízo dasaúde desses profissionais e de toda a sociedade.

Incentivar a população a retomar seu hábitos e abandonar o isolamento

social é atitude que, além de ir na contramão de especialistas e de praticamente todos os

países10, pode colocar a população em grave risco, porquanto a consequência será o

maior número de pessoas infectadas em curto espaço de tempo, sobrecarregando o

sistema de saúde.

Essa sobrecarga impede não apenas o tratamento adequado dos acometidos

pela Covid-19, como também de toda a demanda habitual do sistema de saúde, tanto o público

quanto o privado, pela convergência de equipes de saúde para tratamento dos casos graves da

pandemia.

A nota técnica “Necessidades de Infraestrutura do SUS em Preparo a

COVID-19: Leitos de UTI, Respiradores e Ocupação Hospitalar” apontou que “em um

cenário de 20% da população infectada, e 5% dos infectados necessitando cuidados em UTI

por 5 dias, 294 das 436 regiões de saúde do país ultrapassariam a taxa de ocupação de

100%. Em particular, 53% delas necessitariam ao menos o dobro de leitos-dia em relação a

2019 para tratar os casos mais críticos”11.

Quanto mais cedo a infecção for interrompida, maior será o impacto nas

%C3%A9-vi%C3%A 1vel-no-brasil/a-52933336, Acesso em 27 mar. 2020.9 Disponível em: < https://www.fsp.usp.br/site/noticias/mostra/19357, Acesso em 27 mar. 2020.10 Disponível em: < https://exame.abril.com.br/mundo/mais-de-um-terco-da-populacao-mundial-esta-em-quarentena-pelo-coronavirus/ . Acesso em 27 mar. 2020.11

http://cebes.org.br/2020/03/estudo-mapeia-leitos-de-uti-respiradores-e-ocupacao-hospitalar-e-necessidades-do-sus-para-enfrentar-o-covid-19/, acesso em 27/03/2020

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infecções subsequentes, conforme demonstra a imagem12:

O isolamento social, além de interromper a cadeia de transmissão, possui

consequências reflexas que ajudam o sistema de saúde13, como a diminuição de acidentes de

trânsitos e de pessoas feridas14. Havendo menor número de feridos, existirão menos pessoas

ocupando leitos hospitalares, que poderão ser utilizados para tratamento de pacientes com a

Covid-19.

O Governo Federal, intencionalmente ou não, replica a ideia de campanha

realizada na Itália em fevereiro de 2020, de iniciativa de uma associação de bares e

restaurantes de Milão, a qual defendia a ideia de que“#milanononsiferma” (“Milão não

fecha”)15 e incentivava os habitantes da cidade a manter seus hábitos e a não alterar sua rotina.

12

https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/isolar-apenas-idosos-nao-suficiente-para-combater-coronavirus-dizem-cientistas-24328873, acesso em 27/03/202013

Neste particular vale citar tradução de artigo científico em que se evidencia o quanto o isolamento social também pode auxiliar no ganho de tempo para preparação de enfrentamento da pandemia por parte de gestores públicos:https://medium.com/altru%C3%ADsmo-eficaz-brasil/corona-v%C3%ADrus-o-martelo-e-a-dan%C3%A7a-d396553e928b 14

https://www.jornalnh.com.br/noticias/especial_coronavirus/2020/03/25/pandemia-faz-movimento-da-maioria-das-rodovias-cair-mais-da-metade-na-regiao.html, acesso em 27/03/202015

https://www.youtube.com/watch?v=Gr0Nsrz7W3s&feature=youtu.be, acesso em 27/03/2020

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Milão se encontra localizada na região da Lombardia que, na ocasião,

possuía 250 pessoas infectadas pelo vírus, com 12 mortes, em uma população de 9,7 milhões

de habitantes.

Em 31 mar 2020, às 15h07, a Itália já possuía 105.792 casos da doença

confirmados e 12.428 mortes16, sendo a região de Milão a que possuía os maiores números

em relação a qualquer outro ponto da Itália17. Não há nenhuma evidência científica a

mostrar que o Brasil será menos afetado pela expansão do novo coronavírus do que a

Itália.

A Itália registrou a primeira morte por coronavírus em 20 de fevereiro de

2020, na cidade de Pádua. Na ocasião, havia 15 casos confirmados de Covid-19 no norte da

Lombardia e dois casos confirmados na região do Vêneto, onde Pádua está localizada18.

No dia 19 de março de 2020, a Itália superou o número de mortos da China,

epicentro da epidemia, e passou a ser o país com o maior número de mortes causadas pelo

novo coronavírus19.

Em 26 de março de 2020, pouco mais de um mês depois da primeira morte,

a Itália registrou 8.165 mortes e mais de 62 mil infectados pelo novo coronavírus.20

No dia 27 de março de 2020, o chefe de Saúde Nacional da Itália declarou

que o país ainda não havia atingido o pico de contágio da doença21.

De 26 a 27 de março de 2020 (em aproximadamente 24 horas!), a Itália

registrou 969 mortes causadas pela doença, somando 86.498 pessoas infectadas e 9.134

óbitos22.16

https://exame.abril.com.br/mundo/italia-registra-837-mortes-por-coronavirus-e-novos-casos-estabilizam/17

https://oglobo.globo.com/mundo/2273-apos-4400-mortes-prefeito-de-milao-admitiu-erro-de-ter-apoiado-campanha-para-cidade-nao-parar-24332774, acesso em 27/03/202018

https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/02/21/italia-confirma-primeira-morte-por-coronavirus.ghtml, acesso em 27/03/2020 19

https://exame.abril.com.br/mundo/numero-de-mortos-por-coronavirus-na-italia-supera-a-china/, acesso em 27/03/202020

https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/26/italia-tem-mais-de-8-mil-mortes-por-covid-19-desde-o-inicio-do-surto.ghtml, acesso em 27/03/202021

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/03/27/italia-ainda-nao-atingiu-o-pico-do-contagio-do-coronavirus-diz-o-chefe-de-saude-nacional-do-pais.ghtml, acesso em 27/03/202022

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/03/27/italia-registra-mais-969-mortes-por-coronavirus-e-bate-recorde-diario.htm

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Um dos motivos que explicam esses fatos foi precisamente a demora na

realização do isolamento total no país23.

Mesmo com o aumento no número de casos, que em apenas uma semana de

fevereiro saltaram de 76 para 650, o país relutou em adotar medidas de contenção. O ministro

das Relações Exteriores chegou a declarar que houve “cobertura exagerada da mídia”24.

Pronunciou-se de forma muito semelhante ao Presidente da República brasileiro.

Com o avanço da epidemia no país e diante da falta de ações

centralizadas em Roma, prefeitos e governadores italianos tomaram atitudes individuais para

tentar conter o surto de Covid-19, com edição de decretos e regras, as quais acabaram

anuladas pelo governo central italiano25.

Na Lombardia, bares que haviam sido fechados por precaução foram

reabertos dois dias depois, e o primeiro-ministro contestou as normas locais de fechamento de

escolas, afirmando que isso “contribuía para gerar o caos”.26

A Itália decretou quarentena no país todo e limitou entradas e saídas apenas

em 9 de março de 2020, quando somava 463 mortos e 9.172 infectados27.

O Brasil, após um mês do primeiro caso, possuía já número maior de

infectados e de mortes do que a Itália, conforme demonstra a imagem:

23

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/por-que-a-italia-tem-mais-mortes-pelo-novo-coronavirus.shtml, acesso em 27/03/202024

https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/25/ha-um-mes-italia-resistiu-a-tomar-medidas-mais-restritivas-contra-coronavirus-hoje-soma-75-mil-mortes.ghtml, acesso em 27/03/202025

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https://oglobo.globo.com/mundo/preocupada-com-economia-italia-ignorou-quarentena-antes-de-se-tornar-epicentro-do-coronavirus-na-europa-1-24327729, acesso em 27/03/202027

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/03/09/coronavirus-italia-amplia-quarentena-e-restringe-movimentacoes-no-pais.htm, acesso em 27/03/2020

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É evidente que seguir os passos errados da Itália na fase inicial da epidemia

trará ao Brasil consequências similares, com aumento significativo no número de mortos e

colapso do sistema de saúde que, repita-se, não atingirá apenas pacientes com Covid-19.

Ora, diante de tudo o que foi demonstrado até aqui, na presente ação civil

pública e no presente recurso de agravo de instrumento, busca-se garantir que o direito à

informação dos cidadãos e cidadãs seja garantido por todos os meios disponíveis, de

forma a viabilizar a efetividade das medidas e impedir que o isolamento social

recomendado pela OMS seja descumprido.

Nesse ponto, cumpre observar que a demandada (União), sobretudo por

meio de seu gestor máximo, vêm indicando medidas ou posturas contraditórias que, em

muitos casos, contrariam as recomendações dos órgãos de saúde.

Tais informações desencontradas, sem respaldo científico, geram

comportamentos contraditórios, impondo-se a prevalência do direito à informação, na

esteira das recomendações da OMS e dos próprios órgãos técnicos do Ministério da

Saúde.

A tese de não interferência estrita do Poder Judiciário na atuação

administrativa, decisiva para o posicionamento adotado pelo Juízo a quo na decisão

recorrida, merece ponderações. É que, como se verá adiante, a discricionariedade deve ser

praticada de acordo com as balizas da legalidade, de modo que seu exercício não

contrasta com a viabilidade de censura judicial na hipótese de vulneração à juridicidade

e, especialmente, em casos, como o dos autos, em que se desrespeita opção prévia do

legislador.

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5. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA E CONTROLE JUDICIAL

5.1. Possibilidade de controle jurisdicional de atos discricionários

A decisão recorrida, ao indeferir a pretensão mandamental dirigida à União

assentou que, “apesar da divergência de entendimento entre o Presidente da República e,

precipuamente, o Ministério da Saúde, acerca das diretrizes a serem adotadas pelo Estado

Brasileiro diante da atual pandemia de COVID-19, considerando fatores como o risco de

perda de várias vidas, demanda de pacientes para além da capacidade do Sistema de Saúde

e as consequências sociais e econômicas decorrentes do isolamento social, entendo que a

valoração acerca do melhor caminho a ser seguido pela nação diante da pandemia do

coronavirus trata-se de uma escolha política primária, e, por isso, insere-se no âmbito

exclusivo da atividade institucional do Poder Executivo e do Poder Legislativo, dessa

forma, não cabe ao Poder Judiciário, a priori, exercer algum tipo de controle sobre tais

atos, sob pena de invasão indevida do Poder Judiciário em atos inerentes a outros Poderes

da República”.

De fato, não se desconhece a doutrina clássica, pautada na legalidade

estrita, que compreende o ato administrativo discricionário como suscetível de expressiva

deferência por parte do Poder Judiciário.

Nada obstante, o poder discricionário constitui derivação da lei, até mesmo

em decorrência da natural incompletude do ordenamento jurídico. Assim, a

discricionariedade funciona como mecanismo de natureza instrumental integrante do

reportório conferido ao gestor público precisamente para, de acordo com as balizas da

legalidade, concretizar direitos fundamentais e, por consequência, o interesse público.

Assim, há que se delimitar em quais casos a discricionariedade

administrativa efetivamente configura, ou não, obstáculo aos afazeres jurisdicionais, sob pena

de que a discricionariedade atue como manto imunizante que, contrariamente a sua razão de

ser, salvaguarde a falta de concretude de direitos fundamentais.

Vale dizer, observando o caráter vinculado dos demais elementos do ato

administrativo, cabe ao administrador público sopesar as razões de oportunidade e

conveniência que, em um determinado caso concreto, atendam de forma otimizada à tutela

dos direitos fundamentais.

É nesse sentido que a mesma doutrina clássica que atribui significante

envergadura à discricionariedade, centrada na legalidade estrita, não confunde esse poderTravessa Rua Dom Romualdo De Seixas Nº 1476

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administrativo que, repita-se, é instrumental, com arbitrariedade. Tampouco o compreende

como via autorizadora de aleatoriedade.

Numa perspectiva mais contemporânea, calcada na noção de juridicidade,

frente à constatação da insuficiência da lei como instrumento de concretização do interesse

público, depreende-se uma maior abertura ao controle judicial de atos administrativos

discricionários, mormente pela via dos princípios, como da proporcionalidade e da

razoabilidade.

Em suma, seja numa perspectiva clássica, centrada na legalidade estrita,

seja numa visão contemporânea, afeta à juridicidade, é certo que a margem de

movimentação do gestor público deve se pautar de forma firme e inegociável nos pilares

da ordem jurídica, sobretudo sob o enfoque dos direitos fundamentais

constitucionalmente assegurados, e não em preferências pessoais de agentes públicos,

tampouco em ações motivadas por interesses circunstanciais que não se harmonizem ao

interesse público primário cuja proteção e efetivação é missão de todos os poderes

constituídos.

Impende assinalar que, no campo dos atos discricionários, a jurisprudência

vem superando a anterior rejeição à análise judicial do objeto da decisão adotada pela

Administração Pública.

Na linha de não reputar o ato discricionário como insuscetível de controle

jurisdicional, confira-se:

Mais do que nunca, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetividade aosdireitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação àdiscricionariedade administrativa.Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência dearbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde,tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado daseparação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação deinteresses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisãopolítica fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e deproteção ao direito à saúde. (STA 223 AgR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie,trecho do voto do Rel. p/ acórdão Min. Celso de Mello, j. 14.04.2008, DJe 08.04.2014,grifo nosso)

Ainda nesse sentido, confiram-se os precedentes do Superior Tribunal de

Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVILPÚBLICA. REFORMA E MELHORIAS EM HOSPITAL PÚBLICO. CONTROLEJUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE GENÉRICA.DESCABIMENTO. PROCESSO ESTRUTURAL. PEDIDOS DIVERSOS ECOMPLEXOS. POSSIBILIDADE. APRECIAÇÃO DE VIOLAÇÕES LEGAISESPECÍFICAS. OMISSÃO. NULIDADE. 1. O controle judicial de políticas públicas

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é possível, em tese, ainda que em circunstâncias excepcionais. Embora deva serobservada a primazia do administrador na sua consecução, a discricionariedadecede às opções antecipadas pelo legislador, que vinculam o executor e autorizam aapreciação judicial de sua implementação. 2. A existência de pedidos diversos ecomplexos não significa automática pretensão de substituição do administrador. Aocontrário, pressupõe cuidado do autor diante de uma atuação estruturante, que impõetambém ao Judiciário a condução diferenciada do feito. 3. Nos processos estruturais, apretensão deve ser considerada como de alteração do estado de coisas ensejador daviolação dos direitos, em vez de se buscar solucionar pontualmente as infringênciaslegais, cuja judicialização reiterada pode resultar em intervenção até mais grave nadiscricionariedade administrativa que se pretenderia evitar ao prestigiar as açõesindividuais. 4. No caso concreto, a consideração genérica de impossibilidade deintervenção judicial nas falhas de prestação do serviço de saúde configura efetivaomissão da instância ordinária quanto às disposições legais invocadas que, acasomantida, pode inviabilizar o acesso das partes às instâncias superiores. 5. Recursoespecial provido, para determinar o retorno do feito à origem para afastamento do vício.(RESP - RECURSO ESPECIAL - 1733412 2017.02.41253-0, OG FERNANDES, STJ -SEGUNDA TURMA, DJE DATA:20/09/2019, grifo nosso)

Nessas circunstâncias - em que o exercício de pretensa discricionariedadeadministrativa acarreta, pelo não desenvolvimento e implementação dedeterminadas políticas públicas, seríssima vulneração a direitos e garantiasfundamentais assegurados pela Constituição - a intervenção do Poder Judiciário sejustifica como forma de pôr em prática, concreta e eficazmente, os valores que oconstituinte elegeu como "supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sempreconceitos fundada na harmonia social", como apregoa o preâmbulo da nossaCarta Republicana. (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1389952 2013.01.92671-0,HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:07/11/2016, grifonosso)

Diante de manifesta ilegalidade, não há falar em invasão do Poder Judiciário na esferaAdministrativa, pois é de sua alçada o controle de qualquer ato abusivo, não sepodendo admitir a permanência de comportamentos administrativos ilegais sob opretexto de estarem acobertados pela discricionariedade administrativa. (AGRESP -AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 1087443 2008.01.97735-4,MARCO AURÉLIO BELLIZZE, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:11/06/2013, grifonosso)

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por sua vez, ao examinar

questões atinentes a atos caracterizados por certa discricionariedade administrativa, já decidiu

o seguinte:

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. AVALIAÇÃO DE SAÚDE.PRAZO EXÍGUO PARA APRESENTAÇÃO DE EXAMES E DOCUMENTOS.PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. VIOLAÇÃO. 1. O fato de o edital fazer lei entreas partes e de ser redigido de acordo com a conveniência e a oportunidadeadministrativa não o torna imune à apreciação do Judiciário, sob pena de adiscricionariedade administrativa transmudar-se em arbitrariedade daAdministração Pública. (...) (AMS 0011095-90.2013.4.01.3400, JUIZ FEDERALCÉSAR CINTRA JATAHY FONSECA (CONV.), TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF106/12/2019, grifo nosso)

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Não se nega que a fiscalização ambiental, com a aplicação de penalidades em virtude daprática de infrações ambientais, insere-se no exercício do poder de polícia conferido aAdministração Pública, mais especificamente ao IBAMA, atuação esta que se insere noâmbito da discricionariedade administrativa. Nesse contexto, o poder discricionárioatribuído à Administração Pública não é absoluto, cabendo ao Poder Judiciário ocontrole sobre legalidade, razoabilidade e adequação da sanção aplicada. (AC0004653-14.2009.4.01.3800, JUIZ FEDERAL ILAN PRESSER (CONV.), TRF1 -QUINTA TURMA, e-DJF1 02/08/2019, grifo nosso)

Na espacialidade do direito à saúde, já se decidiu:

O direito à vida e à saúde - este em decorrência da própria proteção constitucional à vida- são garantias constitucionais fundamentais. A defesa da vida e da saúde, daintegridade física e moral de todo o cidadão é, na verdade, um dos pilares que norteiam opróprio ordenamento jurídico. Portanto, possuem aplicabilidade imediata, não podendoser postergado sua eficácia, ao menos em relação ao Poder Público, em razão delimitações orçamentárias, ou mesmo deixá-lo à pura discricionáriedadeadministrativa, por exemplo. (AC - APELAÇÃO CIVEL 2000.71.01.003272-5, JAIROGILBERTO SCHAFER, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 28/10/2009, grifo nosso)

Também advogando a viabilidade de controle jurisdicional de atos

administrativos, sobretudo sob a perspectiva da autonomia relativa do poder discricionário,

aponta a doutrina o seguinte:

A atribuição à autoridade administrativa de competência discricionária deriva de umaescolha legislativa. A discricionariedade se verifica quando a norma legislativa nãocontempla disciplina exaustiva no tocante à hipótese de incidência ou ao mandamentonormativo e atribui ao titular da competência administrativa o dever-poder de formular aescolha mais adequada no caso concreto. A discricionariedade consiste numaautonomia limitada do administrador. Portanto, cabe o controle para verificar se oadministrador exercitou escolha nos limites da competência recebida. Defeitosformais podem ser identificados, tal como se passa, por exemplo, quando o administradornão tiver observado o procedimento administrativo necessário. Mas também existemdefeitos de mérito suscetíveis de revisão. Assim se configurará, por exemplo, quandoa decisão for desarrazoada, arbitrária ou destituída de qualquer aptidão a realizarde modo adequado a finalidade buscada. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direitoadministrativo [livro eletrônico] - 5. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2018,grifo nosso)

Como se vê, os atos impugnados, ainda que se afirme conter aspectos

discricionários, não são, por si só, imunes ao efetivo controle do Poder Judiciário,

cabendo, no mínimo, exame da observância de seu exercício à luz da atribuição administrativa

recebida do legislador.

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5.2. Teoria dos motivos determinantes como instrumento de controle de legalidade de atos

discricionários

Leciona a doutrina que a “teoria dos motivos determinantes estabelece que

o agente administrativo se vincula à motivação adotada, de modo que se presume que o

motivo indicado foi o único a justificar a decisão adotada.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso

de direito administrativo [livro eletrônico] / Marçal Justen Filho. -- 5. ed. -- São Paulo :

Thomson Reuters Brasil, 2018).

Tradicionalmente, a teoria dos motivos determinadas é concebida como

instrumento que viabiliza controle de atos administrativos discricionários. Isso porque a

motivação (ou seja, os fundamentos exteriorizados) se associa à regularidade formal do ato e,

nessa dimensão, permite o escrutínio judicial de vícios de legalidade.

Ademais, a partir da explicitação, por quaisquer meios, dos motivos que

guiaram a edição do ato administrativo, é possível a aferição da correspondência, ou falta de

correspondência, entre o suporte fático (antecedente) e a consequência que advém da vontade

administrativa concretizadora da legalidade.

Além disso, o emprego da teoria dos motivos determinantes como

mecanismo de controle de atos administrativos é coerente com a teoria dos atos próprios que,

fruto da boa-fé objetiva, traduz a autovinculação da Administração Pública.

Sobre a viabilidade de controle jurisdicional em tais casos, por todos,

ilustrativamente, são mencionados os seguintes precedentes:

Nesse cenário, a instância a quo justificou a intervenção jurisdicional com amparo nateoria dos motivos determinantes e estabeleceu que se a Administração Pública norteousua conduta em função de parâmetro que se revelou inexistente, o ato administrativo nãopode ser mantido, e o controle jurisdicional, nesse tocante, é plenamente autorizado pelaordem jurídica, com afastamento da alegação de intocabilidade da discricionariedadeadministrativa. (AGARESP - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSOESPECIAL - 500567 2014.00.82279-4, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDATURMA, DJE DATA:18/08/2014, grifo nosso)

É inquestionável o direito de a Administração, no interesse do serviço público, promovera remoção, de ofício, deslocando o servidor no âmbito do mesmo quadro, ainda que commudança de sede, nos termos do art. 36, I, da Lei n. 8.112/90. Não obstante, ainda que sesitue no âmbito da discricionariedade administrativa, os motivos determinantes parao ato de remoção de ofício, no interesse da Administração, podem ser analisados peloPoder Judiciário. (AC 0025551-55.2007.4.01.3400, JUIZ FEDERAL HERMESGOMES FILHO, TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 07/11/2019, grifo nosso)

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5.3. Reserva de ciência como mitigação formal da discricionariedade administrativa

É indispensável enfatizar também que a discricionariedade dos atos

contraditórios da União, em especial aqueles praticados pelo seu chefe maior, se existente,

seria extremamente reduzida na temática subjacente.

Com efeito, a Lei n. 13.979/2020, que disciplina medidas de enfrentamento

à Covid-19, estabelece balizas rígidas para a atuação do gestor público, desvelando a maior

vinculação do agir administrativo.

Nesse campo, após estabelecer as possíveis medidas passíveis de adoção

com o intento de enfrentar a pandemia da Covid-19, o art. 3°, §1°, prescreve o seguinte:

As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base emevidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde edeverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e àpreservação da saúde pública.

É induvidoso, portanto, que o legislador, ao disciplinar a matéria, fixou

prévios parâmetros para a atuação dos gestores públicos. Há, nesse sentido, opção

antecipada do Poder Legislativo que tem o condão de reduzir a já diminuta

discricionariedade da Administração.

Desse modo, longe de critérios morais, metafísicos, políticos ou meramente

econômicos, a lei é expressa ao definir a ciência e, mais especificamente, a medicina

baseada em evidências, como o parâmetro exclusivo para adoção das medidas de

contenção à disseminação do novo coronavírus.

Por simetria, não se concebe que a revogação ou a dispensa dessas mesmas

medidas possa ser justificada por razões que destoem do critério científico, baliza legal

inescapável à atuação administrativa.

Convém salientar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar

a constitucionalidade de lei federal que autorizava a dispensação de medicamento

independentemente de registro na ANVISA, concluiu que o direito à saúde engloba a

indispensabilidade de observância da medicina baseada em evidências.

Nessa perspectiva, não se afiguram compatíveis com a Constituição da

República atuações dos poderes constituídos lastreadas em razões de índole meramente

política. Vale dizer, no campo da saúde pública, o critério científico funciona como

limitação de atos normativos e administrativos, inclusive os com eventual viés político.

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o direito à saúdeTravessa Rua Dom Romualdo De Seixas Nº 1476

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compreende a prática de medicina baseada em evidências. Medicina é ciência, não é

achismo, não é conversa de boteco. Isso também se desenvolve na perspectiva da precaução.

Para evitar que as pessoas se exponham a risco e também para que elas não adotem

comportamentos que não são indicados por critérios técnicos, não pode a União, através da

Presidência da República, desconsiderar a medicina baseada em evidências em suas

manifestações oficiais e incentivar condutas desvairadas que contrariam as

recomendações aceitas pela ciência, como no caso dos autos.

Ou seja, o direito à saúde compreende também o direito à informação

adequada para que as pessoas tomem as suas decisões. As pessoas precisam ser

informadas corretamente sobre os riscos gravíssimos da não adoção das medidas de

isolamento social, diante da pandemia da COVID-19, e não serem incentivadas a

reproduzir um comportamento irresponsável.

Confira-se, nesse sentido, manifestação do Min. Gilmar Mendes, em

segmento extraído do acórdão da MC na ADI 5501, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em

19/05/2016:

Então, não me parece admissível que hoje o Estado, sobretudo num campo tãosensível como é o campo da saúde, que diz respeito à vida, e à própria dignidade dapessoa humana, possa agir irracionalmente, levando em conta razões de ordemmetafísica, ou fundado em suposições, enfim, que não tenham base em evidênciascientíficas.E eu queria manifestar a minha preocupação no sentido de que, se nós permitirmos aoParlamento legislar desta forma na área da farmacologia, estaremos abrindo umprecedente extremamente perigoso, que coloca em risco a própria saúde da população.

É nessa exata linha que, no mesmo julgamento, o Min. Luís Roberto

Barroso, por exemplo, ao rechaçar, nesta seara, especulações como fontes decisórias,

defendeu que a edição de lei pelo Congresso Nacional não seria suficiente, na medida em que

se faria presente hipótese de reserva de administração.

Ou seja, uma hipótese em que, contrariando a noção comum de legalidade,

sequer o Parlamento estaria legitimado a tomar determinada decisão, preponderando a atuação

da Administração Pública sobre a lei.

A reserva de administração, nesse viés, diz respeito não a maior

legitimidade sob o prisma democrático, mas à observância da maior capacidade

institucional de determinado poder para deliberar sobre temática específica. Em outras

palavras, sob o prisma da realização do interesse público, qual ator institucional possui

maior aptidão para tomar determinadas decisões.

Vale sublinhar que a noção de reserva de administração, em verdade, diz

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respeito a uma ideia de reserva de ciência, na feliz expressão cunhada pelo jurista italiano

Davide Servetti. Dessa forma, não basta que o ato seja decorrente de atuação do Poder

Executivo. Mais do que isso, o que realmente se exige nesses temas é que a conformidade

da decisão administrativa seja furto de critérios científicos.

Ainda sob o prisma da possibilidade de controle, por razões técnicas, de atos

administrativos discricionários, sustenta a doutrina o seguinte:

Outrossim, o controle judicial das questões técnicas não implica invadir zonas reservadasa outros poderes do Estado. Simplesmente, o juiz pode controlar por meio de peritos oexercício correto e razoável dos juízos técnicos da Administração por mais ‘altacomplexidade’ que contenham de modo que não encontra justificação alguma emnosso sistema constitucional a jurisprudência que limita o controle judicial aos casosem que verifique arbitrariedade. A ‘alta complexidade’ não é argumento quejustifique validamente que os juízes elidam o controle da atividade administrativaque lhes assinala e impõe a Constituição.(...)Consideremos um ato administrativo da Anvisa liberando medicamento potencialmentedanoso, uma decisão do Cade que interpretou erroneamente critérios econômicos eafirmou existir cartel ou monopólio quando de fato não havia, ou ainda, decisão da Anatelestabelecendo diretriz técnica totalmente defasada com a atual tecnologia. Todos essesexemplos contêm questões técnicas de alta complexidade, o que não permite exclui-los da apreciação jurisdicional, sob o risco de criarmos uma blindagem a esses atosque em nosso sistema não assegura – nem mesmo à legislação.Portanto, a alegação de que o ato administrativo é discricionário não impede a plenarevisão do Judiciário, mesmo que os fundamentos do ato administrativos sejamquestões técnicas de alta complexidade. Em todas essas hipóteses, a Administraçãotem o dever constitucional de fundamentar seu ato, com o intuito de demonstrar oporquê ele consubstancia a solução mais adequada a ser implementada, sob pena dese descaracterizar o acesso à tutela jurisdicional efetiva e adequada assegurada peloinc. XXXV do art. 5.º da CF. (ABBOUD. Georges. Discricionariedade administrativa ejudicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São Paulo: Editora RT. 2015, grifonosso)

O indispensável respeito ao critério científico para adoção e dispensa de

medidas pertinentes ao enfrentamento da pandemia resultante do novo coronavírus, portanto,

atua como legítimo requisito e condicionante legal expresso, externo e limitador à já

reduzida margem de liberdade do administrador público.

Portanto, quando, a pretexto de implementar poder discricionário, o gestor

público toma decisão que contraria ou ignora o critério científico, prescrito pela Lei n.

13.979/20, não se está, com a devida vênia, diante de uma hipótese de exercício

discricionário imune ao controle jurisdicional.

Ao contrário, diante da inobservância dos critérios previamente emanados

do legislador que condicionam o exercício do poder discricionário, a hipótese é de vício de

legalidade do ato e, portanto, nitidamente passível de escrutínio pelo Poder Judiciário.

Ademais, é importante frisar que apenas justificativas técnicas, baseadasTravessa Rua Dom Romualdo De Seixas Nº 1476

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especialmente em evidências científicas e guiadas pelo princípio da precaução, são

capazes de garantir a adoção de medidas adequadas e suficientes à proteção dos direitos

envolvidos neste caso, notadamente a saúde.

Os deveres de proibição de proteção insuficiente ou imperativos de

tutela, facetas do princípio da proporcionalidade, são reconhecidos pelo Supremo Tribunal

Federal como parâmetro de controle de constitucionalidade, uma vez que retratam aspecto

(objetivo) dos próprios direitos fundamentais, incluído “o dever de evitar riscos

(Risikopflicht), que autoriza o Estado a atuar com o objetivo de evitar riscos para o cidadão

em geral mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção, especialmente em

relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico”28.

Assim, não restam cobertas pela discricionariedade do gestor as

medidas que não observam os imperativos de tutela, ou a proibição da proteção

insuficiente, pois nesses casos há lesão a direitos fundamentais.

5.4. Adoção de medidas potencialmente redutoras da atividade econômica

Oportuno reiterar que o Ministério Público Federal não se mostra insensível

às eventuais implicações econômicas decorrentes de medidas que interfiram na atividade

econômica, tendo em vista a aptidão para que esse cenário, em tese, possa repercutir até

mesmo na implementação de outros direitos que gravitam em torno da matéria.

Em outras palavras, a economia não é desimportante, inclusive para a

proteção e promoção de direitos fundamentais.

Mas essa aparente dicotomia, com a devida vênia, não convence.

Exaustivas, no ponto, foram as considerações do Min. Luís Roberto Barroso, em decisão que

acolheu tutela de urgência requerida contra a campanha publicitária levada a cabo no âmbito

da Presidência da República. Confira-se, no que interessa, as ponderações acerca desse falso

dilema:

15. Vale assinalar, ainda, que não há efetivamente uma dicotomia entre proteção àsaúde da população e proteção à economia e aos empregos da mesma população, talcomo vendo sendo alegado. O mundo inteiro está passando por medidas restritivas emmatéria de saúde e pelos impactos econômicos delas decorrentes. Caso o Brasil não adotemedidas de contenção da propagação do vírus, o próprio país poderá ser compreendidocomo uma ameaça aos que o estão combatendo, passando a correr o risco de isolamentoeconômico. Não bastasse isso, a supressão das medidas de distanciamento social levaráinevitavelmente à propagação do vírus, conforme ampla experiência internacional, e, emalgum momento do futuro, a medida de restrição da população será ainda mais grave.

28 Trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes na ADI 3150, STF.

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Portanto, a demora na tomada de medidas de contenção da propagação do vírustende a aumentar os riscos também para a economia. Nota-se, portanto, que aeconomia precisa que a saúde pública seja protegida para que volte a funcionar emsituação de normalidade.16. É igualmente importante ter em conta que não se trata aqui de uma decisão políticado Presidente da República acerca de como conduzir o país durante a pandemia .Haveria uma decisão política, no caso em exame, se a autoridade eleita estivessediante de duas ou mais medidas aptas a produzir o mesmo resultado: o bem estar dapopulação, e optasse legitimamente por uma delas. Não é o caso. A supressão dasmedidas de distanciamento social, como informa a ciência, não produzirá resultadofavorável à proteção da vida e da saúde da população. Não se trata de questãoideológica. Trata-se de questão técnica. E o Supremo Tribunal Federal tem o deverconstitucional de tutelar os direitos fundamentais à vida, à saúde e à informação detodos os brasileiros. (ADPF 669 MC, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgadoem 31/03/2020, grifo nosso)

Cabe ainda rememorar que estudos, bem como a OMS e o FMI, sinalizam

que a ocorrência de repercussão econômica negativa constitui um fator inafastável no atual

cenário de pandemia. Mais do que isso, sustenta-se que a adoção de medidas de contenção da

disseminação, em verdade, atuam como instrumentos aceleradores da retomada da atividade

econômica, na linha da bem ponderada decisão do Min. Luís Roberto Barroso.

Portanto, não se trata de uma escolha entre saúde e economia. Mas sim entre

enfrentar turbulências econômicas com mais ou menos óbitos e agravamentos de quadros de

saúde. Ou seja, a escolha que se afirma discricionária é entre enfrentar questões econômicas

mediante política que reduzem mortes evitáveis ou não.

Nesse sentido, como bem elucidado pelo Supremo Tribunal Federal, não se

está diante de uma verdadeira situação discricionária, que se identifica na hipótese em que

duas opções legítimas conduziriam à produção de resultado jurídico ao menos semelhante.

Aqui, o que se tem é apenas uma opção do Poder Executivo que,

contrariando as balizas legais e a pretexto de exercer discricionariedade administrativa,

atende a interesses econômicos meramente circunstanciais, aspecto que não se concilia

com a estatura constitucional do direito à saúde que, como já se afirmou, compreende

que, nesse campo, a tomada de decisões que resultem em condutas comissivas ou

omissivas sejam norteadas por critérios científicos.

5.5. Discricionariedade administrativa e função jurisdicional contramajoritária

Por fim, convém assinalar que a discricionariedade administrativa, além de

derivar da incompletude das prescrições legais frente à realidade, pode ser concebida segundo

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uma perspectiva procedimentalista. Nesse contexto, o poder discricionário poderia traduzir a

interação de forças políticas verificadas num determinado cenário, de modo que se trataria de

instrumento inserido na espacialidade das relações democráticas.

Ainda que se defenda essa visão, é certo que referida dimensão

procedimentalista deve ser vista com ressalvas em casos que interfiram em direitos e

interesses de grupos minoritários e vulneráveis que não contam com as mesmas

ferramentas de participação nessa interação de forças.

Com efeito, já se afirmou que “a atuação contramajoritária do Judiciário

está intrinsecamente relacionada com a dimensão dos direitos fundamentais como trunfos

contra a maioria” (ABBOUD. Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato

administrativo e a decisão judicial - livro eletrônico. 1ª ed. São Paulo: Editora RT. 2015) . E

ainda que a:

(...) ideia dos direitos fundamentais como trunfos contra a maioria não é meraexigência política ou moral ou uma construção teórica artificial. Ela é também umaexigência do reconhecimento da força normativa da Constituição da necessidade delevar a Constituição a sério: por majoritários que sejam, os poderes constituídos nãopodem pôr em causa aquilo que a Constituição reconhece como direito fundamental.(NOVAIS, Jorge Reis. Direitos como trunfos contra a maioria. Coimbra Editora. 2006. p.91, grifo nosso)

É nesse contexto, portanto, inclusive no campo da discricionariedade, que

deve ser realçado o papel contramajoritário do Poder Judiciário, a robustecer a

inadequação de que se atribua verdadeiro manto imunizante ao exercício do poder

discricionário que, como já se viu, pode ser objeto de desvios e excessos. Verdadeira

blindagem que sequer à lei é reconhecida.

Ademais, sublinhe-se que a caracterização de grupos majoritários não deriva

necessariamente de contornos numéricos. Em caso como o dos autos, não é irrazoável

imaginar que uma minoria numérica, mas detentora de influências econômicas

relevantes, interfira nocivamente em decisão política que possa representar significativo

incremento de risco à saúde de uma coletividade indeterminada.

Além disso, conforme já se expôs exaustivamente na petição inicial

formalizada na origem, o fato é que a pretensão recursal ora veiculada diz respeito

explicitamente também à tutela dos povos indígenas que, como se sabe, é detentor de

imunidade biológica diferenciada da população em geral e ostenta hábitos culturais

próprios que tendem a favorecer uma maior disseminação do vírus em suas

comunidades.

Frise-se que a mortalidade em massa de indígenas pela Covid-19 é uma

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realidade passível de ser evitada, mas essa evitabilidade repousa na eficiência das medidas

protetivas de isolamento da população, sem retrocessos, sobretudo sem lastro científico.

Portanto, é evidente que a pandemia gera impacto desproporcional nas

comunidades indígenas, a exigir do poder público enfrentamento condizente com essa

realidade. Esse cenário, com o devido respeito, não se coaduna com a exacerbação do

poder discricionário do gestor público, sob pena de que se condicione a implementação

de direitos essenciais de grupos vulneráveis a forças políticas que historicamente não os

representam adequadamente.

6. O ESTADO DE EMERGÊNCIA NA SAÚDE PÚBLICA E A VIOLAÇÃO DO

DIREITO À INFORMAÇÃO. AS MANIFESTAÇÕES CONTRÁRIAS ÀS

RECOMENDAÇÕES DA OMS E DOS TÉCNICOS DE SAÚDE.

O mundo foi acometido de uma pandemia decorrente do novo coronavírus

(COVID-19), já assim reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Trata-se de

fato notório (art. 374, I, do CPC).

O alastramento da COVID-19 e os efeitos devastadores por ela provocados

na Itália levaram à adoção de medidas drásticas por diversos Estados nacionais para evitar a

sua disseminação. Segundo a OMS, o isolamento social é a principal medida de prevenção,

pois garante o chamado achatamento da curva de casos, evitando o colapso do sistema de

saúde e garantindo o tratamento da população29:

29 Tabela disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51850382> Acesso em 27 mar. 2020.

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O Congresso Nacional, com o fim de organizar o aparato necessário para

uma atuação preventiva, aprovou a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que estabeleceu

medidas para o enfrentamento da chamada “emergência de saúde pública” decorrente do

novo coronavírus (COVID-19).

A lei trata de uma série de medidas, como o isolamento e a quarentena, e

posturas da Administração Pública, como a restrição de entrada e saída do país, a requisição

de bens e serviços e a autorização de importação de produtos sem registro na Anvisa. O

isolamento consiste na separação de pessoas doentes ou contaminadas, ao passo que a

quarentena corresponde à restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de

contaminação (art. 2º, I e II).

Os parágrafos do art. 3º destacam as formas de efetivação das referidas

medidas, bem como as autoridades responsáveis. O § 1º, por exemplo, prescreve que as

medidas só poderão ser determinadas com base em “evidências científicas” e em “análises

sobre as informações estratégicas em saúde” (grifou-se). Além disso, deverão ser limitadas

no tempo e no espaço ao “mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde

pública”:

§ 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão serdeterminadas com base em evidências científicas e em análises sobreas informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no

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tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e àpreservação da saúde pública.

Note-se que a lei tem um objeto totalmente dedicado ao atendimento de uma

crise de saúde pública, direcionando os esforços para um cenário excepcional de

funcionamento dos órgãos do Estado e da própria sociedade. O caráter científico das

recomendações e a preocupação com o mínimo indispensável à promoção e à preservação da

saúde pública são as suas diretrizes fundamentais.

Em 11 de março de 2020, o Ministério da Saúde editou a Portaria MS nº

356, que se propõe a regulamentar e operacionalizar o disposto na Lei nº 13.979/2020.

Em seus artigos, a portaria busca aprofundar os conceitos previstos para as

medidas e orienta a Administração Pública sob a forma de cumprimento. Assim, o art. 3º

descreve a medida de isolamento, o seu prazo, o local, as condições em que se dará e a forma

de cumprimento. O art. 4º, por sua vez, trata da quarentena e ressalta o seu objetivo de

garantir a manutenção dos serviços de saúde em local certo e determinado. No art. 5º, repete-

se o dispositivo legal para indicar o procedimento a ser adotado no âmbito da Administração

Pública:

Art. 5º O descumprimento das medidas de isolamento e quarentenaprevistas nesta Portaria acarretará a responsabilização, nos termosprevistos em lei.

Parágrafo único. Caberá médico ou agente de vigilânciaepidemiológica informar à autoridade policial e Ministério Públicosobre o descumprimento de que trata o caput.

Apesar das medidas indicadas, a demandada (União) vêm adotando

medidas contraditórias quanto ao atendimento às recomendações e indicações da

Organização Mundial de Saúde (OMS) e dos órgãos técnicos.

Na Ação Civil Pública nº 5002814-73.2020.4.02.5118, que tramita na 1ª

Vara Federal da Subseção Judiciária de Duque de Caxias – RJ, foi enfatizada a extrapolação

do poder regulamentar decorrente da edição dos Decretos nº 10.282/2020 e nº 10.292/2020.

Foi destacado que a Medida Provisória nº 926 deve ser lida em consonância com toda a

disposição da Lei nº 13.979/2020, de forma sistemática. Assim, o § 9º do art. 3º precisa ser

compreendido como uma regra de aplicação excepcional, a demandar a permanente

justificativa das disposições sobre serviços e atividades essenciais.

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Ademais, a ação sublinha que a edição de ato infralegal sobre serviços

essenciais não observou os parâmetros legais já existentes no estabelecimento de rol de

serviços e atividades. Na inclusão de novos serviços, foram violados o direito à informação

e o dever de justificativa quanto à edição de normas, bem como o alinhamento a orientações

dos órgãos técnicos e científicos competentes.

Por último, ao incluir atividades, como atividades religiosas ou casas

lotéricas, sem demonstrar a essencialidade prevista em lei, nem apresentar justificativas que

permitam uma compreensão do ato normativo em consonância com as recomendações dos

órgãos de saúde, o decreto coloca em risco a eficácia das medidas de isolamento e

achatamento da curva de casos. É necessário conter essa extrapolação atual e assegurar que

não sejam editadas medidas ainda mais ampliativas no futuro.

O Ministério da Saúde já divulgou uma série de diretrizes para

enfrentamento da pandemia, sendo a principal delas o isolamento social. No site oficial

(https://coronavirus.saude.gov.br) consta a seguinte imagem:

Em virtude dessa orientação, sobretudo a terceira (evitar aglomerações),

vários estados e municípios brasileiros (inclusive o Estado do Pará e diversos municípios

paraenses) passaram a editar normas jurídicas, cujo propósito é determinar o fechamento de

estabelecimentos que desempenhem atividades não essenciais. Isso permitirá que as

pessoas estejam menos aglomeradas e se impeça o contato, sobretudo durante a fase

assintomática da doença. Nos últimos dias, o Ministério da Saúde reiterou as recomendações

acima, em diversas entrevistas coletivas de seus representantes (ministro de Estado, Secretário

Executivo, etc).

Sabe-se que o isolamento social, mediante fechamento de serviços não

essenciais, é medida que vem sendo determinada em todos os países que enfrentam a

pandemia. Foi estabelecida, inicialmente, na China, depois na Itália, na Inglaterra e nos

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Estados Unidos, entre outros.

A medida de isolamento é traumática social e economicamente, e há

considerável incerteza científica sobre a) o momento em que deve ser iniciada e, b) o

momento em que deve ser finalizada. As próprias autoridades do Ministério da Saúde

reconheceram, publicamente, não ter dados técnicos apropriados para responder

objetivamente a essas duas questões fundamentais.

Apesar da extrema gravidade da crise e da ausência de orientação técnica, a

Presidência da República decidiu, sponte sua e contra todas as orientações técnicas dos

especialistas nacionais e internacionais, inclusive da Organização Mundial da Saúde

(OMS), iniciar a campanha intitulada “O Brasil não pode parar”. Veiculada em diversas

mídias (vídeo em anexo), a campanha insta os brasileiros a voltarem a suas atividades

normais, sem estar embasada em documentos técnicos que indiquem que essa seria a

providência adequada nesse momento.

Embora o Ministério da Saúde não tenha afirmado, tecnicamente, que a

interrupção de atividades sociais e profissionais não essenciais é medida sanitária imprópria

ou contraindicada no momento, a Presidência da República, sem amparo em dados técnicos,

tomou essa decisão e iniciou campanha publicitária nesse sentido, o que não se pode admitir,

pois coloca em risco milhares de vidas, ante o provável colapso do sistema de saúde do

país.

Vale salientar experiência internacional, quanto a este ponto, adotada na

cidade de Milão, Itália, na qual campanha publicitária bastante similar à adotada pelo

Governo Federal brasileiro foi difundida, com divulgação pelo prefeito, conclamando os

habitantes da cidade a manterem suas atividades normais. Passado pouco mais de um mês do

lançamento dessa campanha publicitária, com a cidade já contabilizando mais de 4.000

mortos por Covid-19, as autoridades vieram a público reconhecer o erro e pedir desculpas à

população.30 31

Conforme notícias jornalísticas32, o Governo Federal veiculou essa

propaganda institucional com a finalidade de deslegitimar as medidas de preservação da vida

e integridade física dos cidadãos brasileiros adotadas, em especial, pelos Estados da

Federação, tais como o Estado do Pará, que, a partir das diretrizes da Organização Mundial de

30 Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/saude/apos-4-mil-mortes-milao-reconhece-erro-campanha-pelo-fim-da-quarentena/> Acesso em 02 abr. 2020.

31 Disponível em: <https://www.ilpost.it/2020/03/23/coronavirus-milano-non-si-ferma-sala/ > Acesso em 02 abr. 2020.

32 Disponível em: <https://epoca.globo.com/guilherme-amado/sem-licitacao-campanha-publicitaria-brasil-nao-pode-parar-vai-custar-48-milhoes-24332699; https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/propaganda-do-governo-bolsonaro-pede-fim-de-isolamento-veja-video.shtml > Acesso em 02 abr. 2020.

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Saúde e das autoridades sanitárias brasileiras, determinaram, por Decretos Estaduais, medidas

para garantir isolamento social a fim de conter a epidemia da Covid-19 no Brasil.

No vídeo, categorias como a dos autônomos e mesmo a dos profissionais da

saúde são mostradas como se desejosas fossem de voltar ao regime normal de trabalho e é

apresentado o slogan “O Brasil não pode parar”, inclusive para os “brasileiros

contaminados pelo coronavírus”33.

A iniciativa é parte da estratégia montada pelo Palácio do Planalto para

divulgar ações de combate ao novo coronavírus, ao lado de medidas que a presidência da

República considera necessárias para a retomada econômica. Também houve a previsão

de vídeos institucionais. Para realizar a campanha, o governo contratou, sem licitação, uma

agência de publicidade por R$ 4,9 milhões.

A campanha teve divulgação preliminar no perfil em rede social do

Senador Flávio Bolsonaro (RJ), em publicação no Facebook na noite de 26 de março de

2020)34. Também a página da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da

República) divulgou, na quarta-feira (25 de março de 2020), a hashtag da campanha,

conforme imagem abaixo:

A Justiça Federal do Rio de Janeiro suspendeu a referida campanha,

conforme decisão na Ação Civil Pública nº 5019484-43.2020.4.02.5101/RJ:

33 O vídeo da campanha se encontra anexado ao presente processo.34 Disponível em: <https://www.facebook.com/flaviobolsonaro/videos/198469951450285/ > Acesso em 02 abr.

2020.

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Pelo exposto, DEFIRO EM PARTE A TUTELA DE URGÊNCIA paraque a União se abstenha de veicular, por rádio, televisão, jornais,revistas, sites ou qualquer outro meio, físico ou digital, peçaspublicitárias relativas à campanha "O Brasil não pode parar", ouqualquer outra que sugira à população brasileira comportamentos quenão estejam estritamente embasados em diretrizes técnicas, emitidaspelo Ministério da Saúde, com fundamento em documentos públicos,de entidades científicas de notório reconhecimento no campo daepidemiologia e da saúde pública. O descumprimento da ordem estásujeito à multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por infração.

Desde a emergência da crise sanitária decorrente da pandemia causada pelo

novo coronavírus, a Presidência da República tem negado a gravidade da Covid-1935, a

despeito dos conhecimentos científicos até agora angariados sobre o vírus e o estado de

pandemia mundial, como se demonstrará.

Já em 27 de Janeiro de 2020, ao falar sobre a alta do dólar em transmissão

ao vivo em redes sociais, o Presidente da República assim se pronunciou:

Estamos tendo problema nesse vírus aí, o coronavírus. O mundo todoestá sofrendo. As Bolsas estão caindo no mundo todo, com raríssimasexceções. O dólar também está se valorizando no mundo todo, e noBrasil o dólar está R$ 4,40. A gente lamenta, porque isso aí, mais cedoou mais tarde, vai influenciar naquilo que nos importamos, até no pão,o trigo. Vai influenciar.

Ao falar com a comunidade brasileira em Miami em 9 de março de 2020,

declarou:

Tem a questão do coronavírus também que, no meu entender, estásuperdimensionado, o poder destruidor desse vírus. Então talvez estejasendo potencializado até por questão econômica, mas acredito que oBrasil, não é que vai dar certo, já deu certo.

Durante evento em hotel no centro de Miami em 10 de Março de 2020:

Durante o ano que se passou, obviamente, temos momentos de crise.Muito do que tem ali é muito mais fantasia, a questão do coronavírus,que não é isso tudo que a grande mídia propaga. Alguns da imprensaconseguiram fazer de uma crise a queda do preço do petróleo.

Em entrevista em frente ao Palácio da Alvorada, em 11 de março de 2020:

Vou ligar para o [ministro da Saúde, Luiz Henrique] Mandetta. Eu nãosou médico, não sou infectologista. O que eu ouvi até o momento [é

35 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/veja-o-que-bolsonaro-ja-disse-sobre-coronavirus-de-certa-histeria-a-fantasia-e-nerouse.shtml?origin=folha . Acesso em 02 abr. 2020.

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que] outras gripes mataram mais do que esta.

Em pronunciamento na televisão e no rádio em 12 de março de 2020, de

forma contraditória, manifestou apreensão ante ao enfrentamento da crise de saúde pública

relacionada à Covid-19:

O sistema de saúde brasileiro, como os demais países, tem um limitede pacientes que podem ser atendidos. O governo está atento paramanter a evolução do quadro sob controle.

Durante protestos em 15 de março de 2020 o Presidente da República

desrespeitou recomendações do Ministério da Saúde e cumprimentou apoiadores:

Se eu resolvi apertar a mão do povo, desculpe aqui, eu não convoqueio povo para ir às ruas, isso é um direito meu. Afinal de contas, eu vimdo povo. Eu venho do povo brasileiro.

Em entrevista ao canal CNN Brasil, no dia em que saiu às ruas em protestos

contra o Congresso, declarou:

Muitos pegarão isso independente dos cuidados que tomem. Isso vaiacontecer mais cedo ou mais tarde. Devemos respeitar, tomar asmedidas sanitárias cabíveis, mas não podemos entrar numa neurose,como se fosse o fim do mundo.

Em 2009, 2010, teve crise semelhante, mas, aqui no Brasil, era o PTque estava no poder e, nos Estados Unidos, eram os Democratas, e areação não foi nem sequer perto do que está acontecendo no mundotodo.

Porque não vai, no meu entender, conter a expansão desta forma muitorígida. Devemos tomar providências porque pode, sim, transformarem uma questão bastante grave a questão do vírus no Brasil, mas semhisteria.

Em entrevista em frente ao Palácio da Alvorada, em 16 de março de 2020:

Foi surpreendente o que aconteceu na rua. Até com essesuperdimensionamento. Tudo bem que vai ter problema. Vai ter. Quemé idoso e está com problema ou deficiência. Mas não é isso tudo quedizem. Até que na China já está praticamente acabando.

Afirmou em entrevista à Rádio Super Tupi, em 17 de março de 2020:

Esse vírus trouxe uma certa histeria. Tem alguns governadores, nomeu entender, posso até estar errado, que estão tomando medidas quevão prejudicar e muito a nossa economia. [...] A vida continua, nãotem que ter histeria. Não é porque tem uma aglomeração de pessoas

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aqui e acolá esporadicamente [que] tem que ser atacado exatamenteisso. Tirar a histeria. Agora, o que acontece? Prejudica.

Em publicação em sua conta na rede social Twitter:

Superar este desafio depende cada um de nós. O caos só interessa aosque querem o pior para o Brasil. Se, com serenidade, população egoverno, junto com os demais poderes, somarmos os esforçosnecessários para proteger nosso povo, venceremos não só este malcomo qualquer outro!

Corroborando a posição de desprezar os impactos da Covid-19, durante

pronunciamento em rede de televisão, em 24 de março de 2020, declarou o presidente:

O que se passa no mundo mostra que o grupo de risco é de pessoasacima de 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casosfatais, de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade.

Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, nãoprecisaria me preocupar, nada sentiria ou seria acometido, quandomuito, de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aqueleconhecido médico, daquela conhecida televisão.

No dia 26 de março de 2020, assim se pronunciou:

Eu acho que não vai chegar a esse ponto [do número de casosconfirmados nos Estados Unidos]. Até porque o brasileiro tem que serestudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali.Ele sai, mergulha e não acontece nada com ele.

Em 1º de abril de 2020, um dia após pronunciamento em que conclamava

pela união em prol do combate ao coronavírus, o Presidente utilizou sua conta no Twitter

para postar vídeo com informações falsas sobre o desabastecimento da Ceasa em Minas

Gerais. A postagem foi posteriormente excluída pelo próprio Presidente:

- Não é um desentendimento entre o Presidente e ALGUNSgovernadores e ALGUNS prefeitos... São fatos e realidades que devem ser mostradas. Depois da destruição não interessa mostrar culpados.

As posições do Presidente da República, Chefe de Estado e de Governo têm

gerado conflitos sociais nos Estados, inclusive no Estado do Pará, nos quais governadores

adotaram as medidas preconizadas pela comunidade científica.

O Governo Federal, após a campanha publicitária acima mencionada

(#OBrasilNãoPodeParar) se espalhar pelas redes sociais, passou a negar sua autoria,

classificando-a como um “vídeo produzido em caráter experimental, portanto, a custo zero e

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sem avaliação e aprovação da Secom. A peça seria proposta inicial para possível uso nas

redes sociais, que teria que passar pelo crivo do Governo. Não chegou a ser aprovada e

tampouco veiculada em qualquer canal oficial”36.

Por fim, vale a pena citar que em pronunciamento em cadeia nacional, em

31/03/2020, o Presidente da República citou a Organização Mundial da Saúde (OMS) para

dizer que é preciso fazer o esforço para salvar vidas e voltar a defender que o efeito colateral

das medidas de combate ao novo coronavírus não pode ser pior do que a própria doença.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), porém, rejeitou a afirmação de

que tenha apoiado a ideia de que políticas de isolamento não devam ser aplicadas. Diante da

polêmica gerada no Brasil e o temor de que o discurso de Tedros Adhanom Ghebreyesus

(Diretor-Geral da entidade) fosse manipulado, a OMS decidiu ir de maneira deliberada às

redes sociais. Ainda que não cite expressamente o nome do brasileiro, a entidade decidiu

esclarecer seu posicionamento em duas mensagens:37

Pessoas sem fonte de renda regular ou sem qualquer reserva financeiramerecem políticas sociais que garantam a dignidade e permitam queelas cumpram as medidas de saúde pública para a Covid-19recomendadas pelas autoridades nacionais de saúde e pela OMS. (...)

Eu cresci pobre e entendo essa realidade. Convoco os países adesenvolverem políticas que forneçam proteção econômica às pessoasque não possam receber ou trabalhar devido à pandemia da covid-19.Solidariedade.

Em mais aparições polêmicas o presidente da república fez um novo

passeio pelas ruas de Brasília nesta sexta-feira (10/04/2020), desrespeitando a

recomendação do isolamento social para combater o avanço do novo coronavírus38.

Repostou em rede social um vídeo, editado, defendendo a flexibilização do isolamento

social, apesar da pandemia de covid-1939. Provocou aglomeração em farmácia e pôs, em

postagem nas redes sociais, a culpa na imprensa40.

Em “live” com religiosos no domingo de páscoa (12/04/2020), na

contramão mais uma vez do que dizem os especialistas, afirmou que o novo corona vírus

parece estar indo embora do país41:36 A nota da Secom está disponível em: <https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-

planalto/notas/2020/nota-a-imprensa-3> Acesso em 02 abr. 2020.37 Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/03/31/oms-responde-a-bolsonaro-e-

nega-que-seja-contra-politicas-de-isolamento.htm> Acesso em 38 https://istoe.com.br/video-bolsonaro-esfrega-o-nariz-e-cumprimenta-idosa-durante-passeio-por-brasilia/39 https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/04/11/bolsonaro-republica-video-em-que-critica-

isolamento.htm40 https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/04/10/bolsonaro-provoca-aglomeracao-em-

farmacia-e-poe-culpa-na-imprensa.htm41 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/em-live-com-religiosos-bolsonaro-vai-na-contramao-de-

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“Parece que está começando a ir embora essa questão do vírus, mas

está chegando e batendo forte a questão do desemprego”.

Por fim fez uma postagem no twitter, no mesmo dia 12/04/2020, criticando

as medidas de isolamento social se reportando a um suposto vídeo que teria ocorrido em

um município do Estado do Pará.42

Por todos esses e outros motivos, a ONG Human Rights Watch fez duras

críticas à atuação do presidente na crise sanitária do novo coronavírus e afirmou que, além de

agir de forma "irresponsável", o presidente está colocando os brasileiros em "grave

perigo". As afirmações constam de um relatório publicado pela organização, que atua na

defesa e na realização de pesquisas sobre os direitos humanos43.

7. DO DIREITO À INFORMAÇÃO.

Diante de tudo o que foi demonstrado até aqui, no presente recurso busca-se

garantir que o direito à informação dos cidadãos e cidadãs seja garantido por todos os

meios disponíveis, de forma a viabilizar a efetividade das medidas e impedir que o

isolamento social recomendado pela OMS seja descumprido.

Nesse ponto, cumpre observar que a União, sobretudo por meio de seu

gestor máximo, vêm indicando medidas ou posturas contraditórias que, em muitos

casos, contrariam as recomendações dos órgãos de saúde.

Tais informações desencontradas, sem respaldo científico, geram

comportamentos contraditórios, impondo-se a prevalência do direito à informação, na esteira

das recomendações da OMS e dos próprios órgãos técnicos do Ministério da Saúde.

O art. 5º, XXXIII consagra o direito de todos de receber dos órgãos

públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que

serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo

sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

O referido dispositivo consagra direito que é cláusula pétrea de nossa

Constituição e traz, como consequência, o dever de transparência da Administração.

especialistas-e-diz-que-virus-esta-indo-embora.shtml42 https://twitter.com/jairbolsonaro/status/124940401984554189443 https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/11/bolsonaro-atrapalha-combate-ao-

coronavirus-diz-ong-humans-right-watch.htm

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Sobre a liberdade de informação, André Ramos Tavares observa que ela está

no centro do bom funcionamento do Estado democrático e “configura-se como base para a

formação de uma compreensiva e adequada opinião pública, para além de sua conhecida

dimensão individual44”.

A pessoa tem direito às informações detidas pelo Estado sempre que houver

interesse pessoal, coletivo ou geral. Em que pese a Constituição mencionar apenas o pedido

dos interessados, diante do dever de transparência, impõe ao Estado ocupar-se da

publicização das medidas que adota, sobretudo quando somente ele dispõe de certas

informações, independentemente de prévia provocação, e quando há iminente risco a

direitos da coletividade.

Paralelamente ao direito à informação, é imprescindível ter em vista o

princípio democrático e a participação. Sobre o tema, Luis Roberto Barroso observa que a

mobilização da sociedade civil em torno da reivindicação de seus direitos faz “nascer um

país que tem vida própria fora do oficialismo” e da “estatalidade tantas vezes opressiva”45.

A legislação brasileira vem sendo incrementada ao longo dos anos com

diversas regras que materializam o acesso à informação e preveem mecanismos de acesso à

informação e de participação. Se antes a lei de ação popular era um fenômeno praticamente

isolado, atualmente o ordenamento constantemente recebe contribuições em prol do caminho

participativo e da concretização do direito à informação.

A Lei nº 6.938/81, que dispôs sobre a política nacional do meio ambiente,

foi inovadora ao trazer à tona o objetivo da divulgação de dados e informações ambientais e a

formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade

ambiental e do equilíbrio ecológico. Depois dela, várias outras leis trataram do tema e da

construção de uma Administração dialógica.

A título de exemplo, a Lei nº 9.784/99, que cuida do processo

administrativo, prevê, no capítulo “DA INSTRUÇÃO”, que, antes da tomada de decisão,

diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a

matéria do processo (art. 32). A mesma lei fala na garantia do direito à comunicação em

processos que possam resultar sanções ou situações de litígio (art. 2º, X). A Lei nº 8.666/93,

que trata de licitações e contratos administrativos, estabeleceu a obrigatoriedade de audiência

pública nos casos em que o objeto da licitação atingir determinado valor (art. 39).

44 TAVARES, André Ramos. Comentário ao artigo 5º, XXXIII. In: CANOTILHO, J. J.; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/ Almedina, 2013, p. 349.

45 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica eprática da jurisdição constitucional no brasil – 2ª reimpreswsão. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 82.

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No campo dos direitos sociais, há várias leis que tratam do tema, como se

depreende, por exemplo, da Lei nº 11.124/05, que dispõe sobre o Sistema Nacional de

Habitação de Interesse Social – SNHIS e que, em seu art. 20, estabelece a obrigação dos

conselhos estaduais e municipais de promover audiências públicas e conferências,

representativas dos segmentos sociais existentes, para debater a avaliar critérios de alocação

de recursos e programas habitacionais no âmbito do SNHIS.

Da mesma forma, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) estipula, como

diretriz geral, a gestão democrática por meio da participação da população e de associações

representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e

acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (art. 2º, II).

Para tanto, assegura assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos

sociais menos favorecidos (art. 4º, V, r).

Por fim, cumpre mencionar a Lei nº 12.527/11, que dispõe sobre o acesso a

informações e os procedimentos a serem adotados pela União, Estados, DF e Municípios, bem

como suas autarquias, fundações, empresas públicas e fundações. O art. 3º da lei fixa a

observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção e o dever de

informações de interesse público, independentemente de solicitações, permitindo-se o

desenvolvimento do controle social da administração pública.

Note-se como a legislação infraconstitucional propicia a adoção de

diversos instrumentos para a observância do dever de transparência pelo ente público,

de modo a garantir que a Administração se abra à sociedade e que suas decisões sejam

fruto da oitiva dos particulares, observando-se o dever de considerar os argumentos

trazidos e esclarecendo-se os rumos das decisões do Poder Público.

8. O EXERCÍCIO ABUSIVO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A

RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELAS MANIFESTAÇÕES DOS AGENTES

PÚBLICOS

A decisão recorrida, ao indeferir a pretensão dirigida à União também

assentou que: “no que diz respeito às opiniões emanadas pelo Chefe do Poder Executivo,

seja através de meios oficiais, seja através de sua conta no Twitter, este possui liberdade de

expressão para se posicionar sobre assuntos de interesse da sociedade e não subordina

suas opiniões a organismos de saúde, sejam internos ou externos, sendo que eventual

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desacerto do que afirma publicamente não confere legitimidade institucional para que o

Poder Judiciário o obrigue, ou qualquer outra autoridade do Poder Executivo Federal, a

emitir opiniões públicas alinhadas ao que defende o MS e a OMS”. Afirmou, ainda, que:

“no modelo de Presidencialismo e repartição de Poderes adotados pela atual Constituição,

o controle das ações e a responsabilização do Chefe do Poder Executivo são atribuições

exercidas pelo Poder Legislativo e pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do art. 85/86

da Constituição Federal de 1988”.

Pois bem, Nobre Relator, com todas as vênias, a decisão recorrida fez uma

confusão entre a pretensão deduzida na presente Ação Civil Pública, que é totalmente

baseada na responsabilidade civil do estado, em especial da União, única demandada, com

uma eventual responsabilização do presidente da República em razão de atos ilícitos

supostamente praticados por ele.

Não se desconhece que a liberdade de expressão é um direito fundamental

assegurado pela Constituição e possui seu fundamento nos diversos dispositivos que

enunciam as diretrizes da ordem constitucional inaugurada em 1988.

Sob esta perspectiva, e tendo em vista que o Estado Democrático de Direito

pressupõe o respeito às decisões majoritárias e a observância de direitos fundamentais, a

liberdade de expressão pode ser vista tanto como um meio ao atingimento de determinadas

finalidades (alcançar a verdade social e a democracia, permitindo-se o acesso a todas as

informações, o que se extrai do art. 1º, V, da CF, e o desenvolvimento da sociedade, conforme

art. 220) quanto como um fim (em atendimento à autossatisfação humana, conforme art. 5º, I,

IX, XIV e art. 220, § 1º).

A democracia não pode prescindir da liberdade de expressão, uma vez que

esta assegura a realização de processos comunicativos aptos a garantirem a tomada de

decisões numa sociedade plural. Só se consolida um regime democrático quando há espaços

públicos, com múltiplas visões sobre os temas, em diálogo permanente. Para tanto, é

necessário que os interlocutores estejam devidamente informados, com acesso aos diferentes

pontos de vista, a fim de que construam suas opiniões sobre esses temas.

Sobre a questão da liberdade de expressão e a democracia, em obra

específica, Claudio Chequer observa:

A nosso entender, a liberdade de expressão, no Brasil, comoquase todos os direitos fundamentais, serve a diferentesfunções: pode ser considerada como uma boa forma paraalcançar a verdade; pode servir como um meio para garantir ademocracia; e, enfim, pode ser justificada, ainda, como umvalor intrínseco do ser humano, tendo a finalidade de garantir

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a autossatisfação da pessoa. Todos esses bons argumentos secomplementam e justificam a liberdade de expressão comodireito fundamental, não sendo, pois, os argumentosinstrumentais e constitutivos mutuamente exclusivos eexcludentes46.

Pode-se dizer, assim, que a liberdade de expressão comporta não apenas

uma dimensão negativa, de defesa contra o Estado sobre o direito individual de manifestação

do pensamento, essencial para a dignidade humana, mas também uma dimensão positiva, que

compreende deveres estatais concernentes à sua garantia e promoção por meio de ações

positivas que assegurem a livre formação da opinião pública e o intercâmbio de ideias

entre os cidadãos.

Esse direito fundamental, a despeito de sua proteção especial em nosso

ordenamento, não foi concebido de forma absoluta, insuscetível de restrição. Isso se

coloca ainda mais em evidência quando estão em jogo direitos que buscam sua

fundamentação diretamente no princípio da dignidade da pessoa humana, núcleo axiológico

da nova ordem constitucional, ou no caso das manifestações dos agentes públicos que têm

por dever a condução dos negócios estatais.

Há clara omissão da demandada (União) em relação à obrigação de

oferecer informações com transparência, em respeito às recomendações de saúde,

técnicas e científicas. Isso, por si só, é fator de ilicitude, a ensejar pronto enfrentamento.

Impende, ainda, ressaltar, na esteira dos argumentos contidos na ADPF nº

63547, proposta no STF para tratar da segurança pública no Rio de Janeiro, que certas

afirmações por chefes e representantes do Poder Executivo são inaceitáveis em um

Estado Democrático de Direito. A razão é singela: as palavras, sobretudo as oriundas de

quem tem o poder de conduzir as políticas públicas ou coordenar órgãos que

transversalmente possam vir a trabalhar a questão, transmitem uma mensagem

contraditória sobre o dever de inversão. Nesse ponto, utilizando-se a menção a Cass

Sunstein contida na ADPF48, os atos e discursos das autoridades públicas possuem função

expressiva. Dessa forma, tudo o que os agentes públicos têm a dizer, ou mesmo aquilo

sobre o qual silenciam, possui alguma relevância do ponto de vista simbólico, com

repercussões no comportamento dos integrantes da sociedade civil e demais agentes do

Estado.

A propósito, o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) na46 CHEQUER, Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima facie: análise

crítica e proposta de revisão ao padrão jurisprudencial brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 243.47 Veja-se, a esse respeito, itens 223 e 224 da ADPF nº 635. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/psb-

witzel-reduza-letalidade-policial.pdf > Acesso em 02 mar. 2020.48 CF. SUNSTEIN, Cass R. How Change Happens. Cambridge: MIT Press, 2019, p. 39.

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referida ADPF também apresenta argumentos relevantes para a análise do presente caso. Ao

examinar as falas do Governador Wilson Witzel (RJ) a respeito da segurança pública, o PGR

aborda os conceitos de motivo, motivação e móvel no âmbito do direito administrativo,

conforme doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, para relacioná-las às declarações do

Chefe do Poder Executivo estadual. Nesse sentido, as declarações abusivas em relação à

letalidade policial seriam elementos reveladores do móvel da política de segurança

pública no Estado do Rio de Janeiro, sendo a submissão dos agentes públicos àquele

móvel a consequência do desenho constitucional do Poder Executivo e da hierarquia

previamente estruturada49:

“O motivo é pressuposto objetivo dos atos administrativos, situação domundo empírico que há de ser levada em consideração para a práticaadministrativa. É material e suporte fático que antecede o ato. Quando nãoprevisto em lei, há certa liberdade de escolha do motivo em hipóteses-limite.

Motivação é requisito formalístico do ato administrativo, sendo aexteriorização dos pressupostos de fato e de direito que embasaram o atoadministrativo.

Móvel, por sua vez, é a intenção, o propósito do agente público que praticouo ato. É a representação subjetiva, psicológica, interna do agente ecorresponde àquilo que suscita sua vontade. O elemento volitivo só érelevante nos atos administrativos discricionários, no sopesamento dascircunstâncias do caso concreto. Se o móvel do agente for viciado, aexemplo de vontade incompatível com a Constituição Federal, o ato éinválido.

As declarações do Governador do Estado do Rio de Janeiro são elementosreveladores do móvel da política de segurança pública defendida ainda emcampanha eleitoral.

Na qualidade de Chefe do Poder Executivo fluminense, as aludidas palavrase opiniões de Wilson Witzel são dotadas de eficácia inerente à posição dedestaque assumida frente ao comando das forças de segurança.Conjugadas, revelam um quadro indicativo de estímulo ao uso desregradode violência letal, dissociado dos limites constitucionais, a respaldar onecessário controle jurisdicional.

As declarações do Governador do Estado que revelam aprovação aoperações com alto índice de letalidade policial; que tratam a morte decivis como danos colaterais; ou que celebram o óbito de milicianos duranteoperações, consubstanciam autorização do Chefe das forças policiais paradesempenho de agentes de segurança em descompasso com a Constituição,descumprindo o Ponto Resolutivo 17 da condenação do Brasil no casoFavela Nova Brasília.

A partir da externalização de propósitos, a submissão dos agentes públicosao móvel declarado pelo Governador fluminense é consequência do

49 Disponível em: <www.mpf.mp.br/pgr/documentos/ADPF635seguranapblicaRJCD.pdf> Acesso em 05 Abril 2020.

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desenho constitucional do Poder Executivo e da hierarquia previamenteestruturada.

As declarações, nesse contexto, aliando-se a outros atos que as reforçam,podem ser recebidas como verdadeiras ordens emanadas da maiorautoridade do Executivo estadual e são capazes de gerar atos materiaisincompatíveis com preceitos fundamentais e com a perspectivaconstitucionalizada da administração pública.

A vontade do agente ganha destaque em atos administrativosdiscricionários, que exigem o sopesamento das circunstâncias do casoconcreto e a apreciação subjetiva sobre a melhor maneira de proceder paraque haja correto atendimento às finalidades pretendidas, com respaldo noordenamento jurídico.

Os pronunciamentos públicos do Governador fluminense foram indícios doporvir em matéria de segurança pública fluminense, não se tratando dedeclarações isoladas. Contextualizadas com atos normativos eadministrativos, revelam quadro de descumprimento de preceitosfundamentais.

A partir de premissas visando à diminuição dos crimes e da violência no

Estado do Rio de Janeiro, houve a edição de ato normativo (Decreto

46.775/2019) e a prática de atos administrativos (aplicação do Decreto

27.795/2001) que, apesar da aparente legalidade, revelam a utilização de

instrumentos de governo que resultaram em aumento da letalidade

policial.” (grifamos)

As falas do Presidente da República, autoridade máxima da nação,

como agente público que tem a responsabilidade de realizar a política de combate à

COVID-19 devem ser coerentes com os fins perseguidos, em obediência à linha adotada

e às recomendações da OMS. Não podem se mostrar incoerentes e implicar sinais

contraditórios à população.

Sobre a responsabilidade do Estado acerca das manifestações abusivas de

seus agentes, cabe fazer menção também ao precedente da Corte Interamericana de Direitos

Humanos no Caso Ríos e outros vs. Venezuela, que tratou da responsabilidade do Estado pela

manifestação de seus agentes. No caso, o tribunal ressaltou o caráter oficial da manifestação

dos funcionários públicos quando estes se valem dos meios que o Estado lhes

proporciona para emitir suas declarações e discurso.

A Corte ressaltou que o pronunciamento de autoridades sobre questões

de interesse público é legítimo e, em alguns casos, constitui um dever. Sem embargo, o

exercício desse direito/dever de manifestação está submetido a algumas limitações e a uma

maior diligência, porquanto os fatos em que tais manifestações se fundam devem ser

constatados de forma razoável. Além disso, como os agentes públicos têm uma posição

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especial de garantes de direitos fundamentais das pessoas, suas declarações não podem

desconhecer esses direitos. Veja-se:

“139. En una sociedad democrática no sólo es legítimo, sino que enocasiones constituye un deber de las autoridades estatales, pronunciarsesobre cuestiones de interés público. Sin embargo, al hacerlo están sometidosa ciertas limitaciones en cuanto deben constatar en forma razonable,aunque no necesariamente exhaustiva, los hechos en los que fundamentansus opiniones, y deberían hacerlo con una diligencia aún mayor a laempleada por los particulares, en razón de su alta investidura, del amplioalcance y eventuales efectos que sus expresiones pueden tener en ciertossectores de la población, y para evitar que los ciudadanos y otras personasinteresadas reciban una versión manipulada de determinados hechos.Además, deben tener en cuenta que en tanto funcionarios públicos tienenuna posición de garante de los derechos fundamentales de las personas y,por tanto, sus declaraciones no pueden desconocer éstos ni constituirformas de injerencia directa o indirecta o presión lesiva en los derechos dequienes pretenden contribuir a la deliberación pública mediante laexpresión y difusión de su pensamiento. Este deber de especial cuidado se veparticularmente acentuado en situaciones de mayor conflictividad social,alteraciones del orden público o polarización social o política, precisamentepor el conjunto de riesgos que pueden implicar para determinadas personaso grupos en un momento dado50.”

Ressalte-se, ainda, que além de a presente ação estar direcionada à

pessoa jurídica de direito público - União, o Presidente da República não dispõe da

imunidade material conferida pelo art. 53 da Constituição a parlamentares. Houve

silêncio eloquente do texto constitucional no referido caso, de modo que o benefício não

deve ser estendido automaticamente a outras pessoas ocupantes de cargo público.

Além disso, na linha do parecer do PGR (nota 21), “as palavras da mais

alta autoridade do Poder Executivo, federal ou estadual, ostentam caráter mandatório e

são recebidas por agentes públicos como provenientes de indivíduo com acentuada primazia

hierárquica”. Por essa mesma razão, sustenta o parecer ao tratar da segurança pública no Rio

de Janeiro, “há potencial lesivo em declarações públicas que promovem, incitam, aprovam

ou celebram mortes em operações policiais” (grifamos).

Da mesma forma, há esse risco quando, sem qualquer respaldo técnico

ou científico, se descumpre orientações dos órgãos de saúde.

50 Corte IDH. Caso Ríos y otros Vs. Venezuela. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de enero de 2009. Serie C No. 194.

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9. DO CARÁTER OFICIAL DAS MANIFESTAÇÕES DO PRESIDENTE DA

REPÚBLICA NAS REDES SOCIAIS, EM ESPECIAL NO TWITTER.

Sublinhe-se, por fim, que as redes sociais têm sido um instrumento

fundamental para a propagação de certos discursos e notícias falsas. Nesse ponto, os

agentes públicos que as utilizam tentam fazer parecer que o seu uso é estritamente

privado, sem repercussão pública ou oficial. Tal entendimento não pode ser admitido.

Em primeiro lugar, o uso de redes por agentes públicos, sobretudo os

Chefes do Poder Executivo, a partir do momento que tem o objetivo de prestar

informações sobre o mandato e interação com os cidadãos e cidadãs, possuem um

caráter oficial. Assim sendo, as redes sociais utilizadas pelo Presidente da República,

Ministros e outros agentes não devem ser consideradas meras contas pessoais, mas veículos

oficiais de manifestação.

No caso do Presidente, por exemplo, após a sua eleição, além de ter

mudado a descrição do perfil do Twitter (“Capitão do Exército Brasileiro, eleito 38º

Presidente da República Federativa do Brasil”), a conta converteu-se em meio de

divulgação de ações governamentais e interação a respeito das ações governamentais.

Desde então, há diversas postagens por dia, quase sempre tratando de temas atinentes à

gestão presidencial. Enquanto usuário das redes sociais, o Presidente da República

comporta-se oficialmente, não havendo razão para tratá-la como uma conta privada.

Recentemente, o Twitter apagou, inclusive, duas postagens por apresentarem

informações não comprovadas a respeito da COVID-19. No último dia 1º de abril, o

Presidente da República postou uma notícia falsa sobre o desabastecimento da Ceasa em

Minas Gerais.

O tema vem sendo debatido nos Estados Unidos, ao tratar da possibilidade

ou não de o Presidente da República bloquear usuários na rede social Twitter. Ao receber uma

demanda de usuários da rede social, uma corte de apelação estadunidense examinou o caso e

concluiu que a primeira emenda à Constituição local, que trata da liberdade de expressão, não

permite que um agente público que utilize uma rede social para um propósito oficial

exclua pessoas de um diálogo online aberto em razão de divergências de opiniões.

Quanto ao caráter oficial da conta, o julgado destaca, em primeiro lugar, a

sua apresentação, com a menção ao exercício da Presidência por Donald Trump e ao fato de

que o presidente e assessores ressaltam que aquele é um canal de comunicação com a

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população. Além disso, o julgado constata que a conta é utilizada essencialmente para

falar da Administração, o que abrange trocas de ministros e adoções de políticas nacionais.

Além disso, o presidente estadunidense utiliza a conta para se engajar com líderes

estrangeiros e anunciar decisões de política externa:

“Second, since becoming President he has used the Account on almost adaily basis “as a channel for communicating and interacting with the publicabout his administration.” Id. At 54. The President utilizes White Housestaff to post tweets and to maintain the Account. He uses the Account toannounce “matters related to official government business,” including high‐level White House and cabinet level staff changes as well as changes to‐major national policies. Id. At 56. He uses the Account to engage withforeign leaders and to announce foreign policy decisions and initiatives.Finally, he uses the “like,” “retweet,” “reply,” and other functions of theAccount to understand and to evaluate the public’s reaction to what he saysand does. In sum, since he took office, the President has consistently usedthe Account as an important tool of governance and executive outreach.For these reasons, we conclude that the factors pointing to the public, non‐private nature of the Account and its interactive features areoverwhelming51.”

Adotando o mesmo modus operandi, o Presidente da República Federativa

do Brasil e outros agentes vêm anunciando medidas pelo Twitter ou “lives presidenciais”, tais

como a designação de ministros e secretários, a adoção de novas políticas e as justificativas

acerca de atos praticados pelo governo federal. Não há razão, pois, para imunizar esse tipo

de comportamento, quando ele é baseado justamente na lógica de estabelecimento de

uma comunicação oficial e direta com a população, sem a intermediação da imprensa e

outros órgãos.

Não afasta tal constatação o fato de o governo federal ter editado e depois

revogado o dispositivo inserido pelo Decreto nº 9.671, de 2 de janeiro de 2019, que havia

estabelecido que cabe à assessoria especial do Presidente da República administrar as contas

pessoais das mídias sociais do Presidente52. Importa, no caso, o uso material que é feito da

referida conta. Da mesma forma, são igualmente importantes as falas realizadas na porta

do Alvorada e as “lives presidenciais”, pois têm sido a forma utilizada pelo Presidente da

República para se manifestar.

Diante disso, a responsabilidade do Estado deverá ser reconhecida por

conta do uso abusivo da liberdade de expressão e da prestação de informações não

respaldadas técnica ou cientificamente.

51 The United States Court of Appeals for The Second Circuit. Appeal from from the United States DistrictCourt for the Souther District of New York. No. 17 Civ. 5205 (NRB), Naomi R. Buchwald, District Judge,Presiding. 31 (Argued: March 26, 2019; Decided: July 9, 2019).

52 O dispositivo (inciso VI do art. 1º do Anexo I ao Decreto nº 9.054/2017) foi revogado pelo Decreto nº 9.703,de 8 de fevereiro de 2019.

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A melhor maneira de reparar, contudo, não está na proibição da

veiculação do discurso. É com mais democracia, pluralismo, liberdade de expressão e

direito à informação que devem ser combatidas as falas aqui colocadas.

Em outras palavras, a presente demanda não pretende proibir as falas do

Presidente da República, e sim que elas não circulem sem o necessário contraponto e a

manifestação técnicas e científicas.

10. DA RESPONSABILIDADE DA UNIÃO

A ilicitude decorrente da omissão da demandada e as falas apresentadas,

enquanto fato administrativo, ensejam o reconhecimento da responsabilidade objetiva do

Estado. Impõe-se, assim, a responsabilidade da requerida em reparar o estrago causado

pela irresponsabilidade das condutas praticadas pelo Presidente da República, nos

termos do art. 37, §6° da Constituição da República.

O art. 37, § 6º da Constituição da República adota a chamada teoria do risco

administrativo. A responsabilidade civil pode decorrer de atos ilícitos do Poder Público,

quando constitui uma contrapartida ao princípio da legalidade, ou mesmo de atos lícitos,

quando se exige a observância ao princípio da isonomia. Em nenhum dos casos se exige a

demonstração de culpa por parte da Administração.

Para tanto, mostra-se necessária a presença dos seguintes elementos: (a) a

alteridade do dano; (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento

positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público; (c) a oficialidade da atividade causal

e lesiva imputável a agente do Poder Público, que, nessa condição funcional, tenha incidido

em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do seu

comportamento funcional; e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.]

No que concerne aos atos omissivos, é cabível igualmente a

responsabilidade objetiva do Estado. Para tanto, deve ser feita a distinção entre omissões

genéricas e omissões específicas. A omissão específica53 ocorre quando o Estado, por um ato

omissivo, cria uma situação propícia para a ocorrência de um evento em que possuía o dever

53 A distinção entre omissões genéricas e específica é baseada na descrição de Sérgio Cavalieri Filho, que cita Guilherme Couto de Castro (A responsabilidade civil objetiva no Direito Brasileiro, Forense, 1997, p. 37). Está disponível em CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9ª ed. rev. e ampl., São Paulo, Atlas, 2000, p. 252.

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de agir para impedi-lo. Para tanto, é necessário observar se o Estado estaria obrigado a

praticar uma ação, em razão de um dever de agir específico, ou ter apenas o dever de evitar o

resultado54. Haverá omissão genérica nos casos em que uma conduta determinada do Estado

não possa ser exigida.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, pode-se falar nestes casos

em responsabilidade por danos dependentes de situação apenas propiciada pelo

Estado55. Trata-se de casos em que a ação danosa, propriamente dita, não é efetuada por

agente do Estado, contudo é o Estado quem produz a situação da qual o dano depende. São

hipóteses nas quais é o Poder Público que constitui, por ato comissivo, os fatores que

propiciarão decisivamente a emergência de dano. Esses casos ensejam a aplicação do

princípio da responsabilidade objetiva (teoria do risco administrativo).

No caso em exame, a responsabilidade da demandada, tanto pelos atos

comissivos quanto pelos atos omissivos, é objetiva. No caso das omissões perpetradas, estas

podem ser consideradas igualmente omissões específicas ou por danos decorrentes de situação

propiciada pelo Estado. De qualquer forma, caso se entenda pela responsabilidade subjetiva, a

negligência dos entes públicos é plenamente demonstrável, podendo até ser presumida, de

maneira que a omissão deverá ser igualmente reconhecida em razão da “falta do serviço” na

adoção de medidas que reparem os danos causados.

Com base na teoria da responsabilidade civil do Estado, deve-se reconhecer

a responsabilidade em razão da omissão na prestação de informações e do discurso

contraditório e contrário a medidas de isolamento social.

No que concerne aos atos omissivos, a responsabilidade também é objetiva,

tendo em vista a noção de “omissão específica” ou mesmo de “situação propiciada pelo

Estado”. De qualquer forma, ainda que se considere subjetiva a responsabilidade por omissão,

pode ser presumida a culpa da demandada quanto aos danos acima narrados.

Sublinhe-se, em primeiro lugar, que a omissão da demandada se prolonga no

tempo, razão pela qual se pode falar em omissão contínua e permanente. O nexo de

causalidade decorre do liame jurídico entre esta ausência de atuação do Poder Público e

diálogo e a falta de medidas de prevenção relacionadas ao discurso contrário ao

isolamento social.

54 Costuma-se distinguir as hipóteses de omissão genérica da específica com base no seguinte exemplo: se um motorista atropela um pedestre que estava na beira da estrada, a Administração não pode ser responsabilizada, pois teria havido uma mera omissão genérica. Contudo, se, no mesmo caso, o motorista houvesse sido abordado pela polícia rodoviária, e esta deixou que a viagem prosseguisse, poderá cogitar-se de omissão específica.

55 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros,2007, p. 1034.

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11. DA NÃO RELAÇÃO DE PREJUDICIALIDADE ENTRE OS PEDIDOS DA

PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AQUELES CONSTANTES DA ADPF-669

Afirmou a decisão recorrida que: “em relação ao pedido inserto no item a.1

da petição inicial do MPF, verifica-se que essa tutela jurisdicional antecipatória foi

alcançada no bojo da ADPF 669, na qual o STF deferiu pedido de liminar ‘para vedar a

produção e circulação, por qualquer meio, de qualquer campanha que pregue que ‘O Brasil

Não Pode Parar’ ou que sugira que a população deve retornar às suas atividades plenas, ou,

ainda, que expresse que a pandemia constitui evento de diminuta gravidade para a saúde e a

vida da população”.

A decisão do STF mencionada na verdade foi tomada no bojo de duas

arguições de descumprimento de preceito fundamental, ADPFs 668 e 669, com pedido de

cautelar, propostas, respectivamente, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores

Metalúrgicos e pela Rede Sustentabilidade, contra ato do Governo Federal, de divulgação

preliminar e de contratação de campanha publicitária designada “O Brasil Não Pode Parar”.

As requerentes alegam violação a múltiplos dispositivos constitucionais, entre os quais: o

direito à vida, à saúde, à informação, à moralidade, à probidade, à transparência e à eficiência

(arts. 5º, XIV e XXXIII; 37, caput e§1º; 196; 220, caput e §1º).

Na referida decisão, o Min. Luís Roberto Barroso deferiu, em juízo

perfunctório, a cautelar para “vedar a produção e circulação, por qualquer meio, de qualquer

campanha que pregue que “O Brasil Não Pode Parar” ou que sugira que a população deve

retornar às suas atividades plenas, ou, ainda, que expresse que a pandemia constitui evento

de diminuta gravidade para a saúde e a vida da população”. Determinou, também, a

“sustação da contratação de qualquer campanha publicitária destinada ao mesmo fim”.

Aligeire-se que a Justiça Federal do Rio de Janeiro, a pedido do Ministério

Público Federal, tomou uma decisão semelhante e anterior à decisão prolatada pelo STF,

suspendendo a referida campanha no bojo da Ação Civil Pública nº 5019484-

43.2020.4.02.5101/RJ, in verbis:

Pelo exposto, DEFIRO EM PARTE A TUTELA DE URGÊNCIA para que a União

se abstenha de veicular, por rádio, televisão, jornais, revistas, sites ou qualquer

outro meio, físico ou digital, peças publicitárias relativas à campanha "O Brasil

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não pode parar", ou qualquer outra que sugira à população brasileira

comportamentos que não estejam estritamente embasados em diretrizes técnicas,

emitidas pelo Ministério da Saúde, com fundamento em documentos públicos, de

entidades científicas de notório reconhecimento no campo da epidemiologia e da

saúde pública. O descumprimento da ordem está sujeito à multa de R$ 100.000,00

(cem mil reais) por infração.

Conforme se observa, não há qualquer grau de prejudicialidade entre as

duas decisões citadas e a presente demanda, nem mesmo litispendência, pois são ações que

possuem partes, pedidos e causas de pedir totalmente diferentes.

Da mesma forma não se pode falar de falta de interesse de agir em razão das

duas decisões já adotadas pela justiça brasileira, pois não se está pedindo na presente ação

civil pública a suspensão da referida campanha publicitária. A presente demanda requer

uma conduta proativa (comissiva) da União e não uma abstenção.

No pedido inserto no item a.1 da petição inicial, qual seja, que a União

RECONHEÇA a omissão e INDIQUE às autoridades públicas que observem, em suas

manifestações, as diretrizes da OMS e dos órgãos técnicos e científicos do Ministério da

Saúde, o que se pretende é que a União baixe uma orientação geral, através de seus

órgãos oficiais, dirigida a todas as autoridades públicas, para que passem a observar em

suas manifestações oficiais, por qualquer meio, as diretrizes científicas preconizadas em

relação ao combate à pandemia da COVID-19, sob pena de ser responsabilizada

civilmente todas as vezes em que uma autoridade pública disseminar notícias inverídicas

em nome do estado brasileiro.

Não há, portanto, que se falar em falta de interesse de agir e muito

menos na possibilidade de se extinguir o feito, indeferindo a petição inicial,

relativamente a esse pedido, nos termos art. 485, I, do CPC, como fez o juízo a quo.

Além de haver a independência das instâncias e de não se estar presente

qualquer relação de prejudicialidade, não houve na ADPF medida liminar determinando a

sustação do andamento das ações de primeira instância, sendo que no caso concreto o pedido

veiculado na presente demanda é totalmente diferente daquele deferido nas referidas ADPF’s.

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12. DOS EFEITOS NOCIVOS DA POSTURA CONTRADITÓRIA DA UNIÃO

Consignou a decisão recorrida que não teria havido efeitos nocivos da

postura contraditória da união em relação às medidas de isolamento social, seja porque,

“malgrado a aparente divergência de entendimentos no âmbito do Poder Executivo Federal,

as medidas de isolamento social têm sido concretizadas com razoável efetividade, com

impedimento de funcionamento de atividades não essenciais e de aglomeração de pessoas em

espaços públicos, seja porque “a campanha publicitária “O Brasil não pode parar”, por

meio da qual o Poder Executivo Federal pretendia estimular o retorno da população às

atividades ordinárias, abandonando a medida de isolamento social, não fora concretizada

pelo Governo Federal - ainda que por força da decisão judicial deferida nos autos da ADPF

669, seja porque “a União elencou em sua manifestação (ID 214491386) uma série de

medidas adotadas pelo Governo Federal para combater a Pandemia de COVID-19”.

Todavia tal raciocínio não está correto, senão vejamos.

A postura contraditória da União está causando diversos efeitos perversos ao

combate ao novo coronavírus em todo o Brasil, e em especial no Estado do Para.

Logo após o pronunciamento oficial do Presidente da República, no dia 24

de março de 202056 57, que conclamou a população para o retorno às atividades normais, com

o abandono do isolamento social, a Prefeitura municipal de Redenção, no dia 27 de março,

flexibilizou as normas sanitárias e autorizou o retorno das atividades comerciais a partir do

dia 30/03/202058. No mesmo dia os municípios de Parauapebas59, Conceição do Araguaia60 e

Altamira61 62 fizeram o mesmo e também foram convocadas diversas carreatas contrárias às

56 Pode ser visto no link: https://youtu.be/Vl_DYb-XaAE57 Transcrição do pronunciamento:

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/03/24/leia-o-pronunciamento-do-presidente-jair-bolsonaro-na-integra.htm

58 https://correiodecarajas.com.br/redencao-comercio-pressiona-e-e-autorizado-a-voltar-a-funcionar-com-restricoes/

59 https://parauapebas.pa.gov.br/index.php/component/content/article.html?id=291660 https://www.zedudu.com.br/comercio-de-conceicao-do-araguaia-reabre-parcialmente-e-lojistas-adotam-

medidas-de-prevencao-ao-coronavirus/61 https://www.facebook.com/441291255943145/posts/3637614729644099/?d=n62 Em Altamira o Ministério Público Federal impugnou a referida abertura na Justiça Federal Local, conforme

se pode ver no link: http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/mpf-vai-a-justica-para-manter-isolamento-social-em-altamira-no-pa/view

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medidas sanitárias em diversos outros municípios63, inclusive na capital64.

No dia 28/03/2020 foi a vez de Anapu, Novo Repartimento e Pacajá65, e a

polícia teve que reprimir as manifestações que foram convocadas pelo fim do isolamento

social66 67 68.

No dia 29/03/2020, foi a vez do município de Tucuruí69, e a polícia teve

mais trabalho para coibir o descumprimento das normas sanitárias estaduais em Rurópolis70 e

Belém71.

A Justiça Estadual, por sua vez, teve que proibir a campanha intitulada “O

Brasil não pode parar” que tinha o objetivo de incentivar as pessoas a retornarem a seus

postos de trabalho no município de Santarém72.

No dia 30/03/2020 foram flexibilizadas as normas sanitárias nos municípios

de Breu Branco73, Jacundá74, Castanhal, Marabá, Paragominas, Tucumã e Ourilância do

Norte75.

O episódio mais emblemático de toda a celeuma gerada em torno da

necessidade de isolamento social e do incentivo dado pelas informações contraditórias

prestadas pela União, através da Presidência da República, foi a divulgação nas redes sociais,

no dia 30/03/2020, do vídeo de ameaças (vídeo em anexo) realizadas pelo Deputado Federal

Éder Mauro ao Delegado-Geral de Polícia do Estado do Pará76, o que demonstra o clima de

incerteza e insegurança gerado pela ausência de informações uníssonas da União,

baseadas em dados científicos, sobre a necessidade de medidas concretas para o combate

63 https://correiodecarajas.com.br/comerciantes-de-maraba-querem-flexibilizacao-no-decreto-que-fechou-comercio/

64 https://parawebnews.com.br/belem-tera-carreata-pela-retomada-das-atividades-economicas/65 https://www.facebook.com/327276190760925/posts/1586722141482984/?vh=e&d=n66 https://www.poder360.com.br/coronavirus/governador-autoriza-uso-da-forca-policial-para-impedir-

manifestacoes-no-para/67 https://www.oliberal.com/policia/organizadores-de-carreata-ilegal-que-pede-retorno-as-atividades-em-meio-

a-pandemia-responderao-na-justica-1.25319168 https://debatecarajas.com.br/policia-caca-organizadores-de-carreata-em-maraba/69 https://redepara.com.br/Noticia/212079/tucurui-artur-brito-libera-lojas-do-centro-comercial-mas-com-

horarios-e-funcionarios-reduzidos70 https://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2020/03/29/policia-fecha-bares-em-ruropolis-apos-

comercios-descumprirem-decreto-estadual.ghtml71 https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2020/03/29/manifestantes-fazem-carreata-por-fim-de-quarentena-e-sao-

barrados-pela-policia-em-belem.ghtml72 https://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2020/03/29/justica-proibe-realizacao-de-manifestacoes-

para-evitar-contagio-por-coronavirus-em-santarem.ghtml73 https://www.zedudu.com.br/comercio-da-cidade-de-breu-branco-reabre-com-restricoes/74 https://www.zedudu.com.br/prefeito-de-jacunda-prorroga-situacao-de-emergencia-e-comercio-reabre-as-

portas/75 https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2020/03/31/cidades-do-interior-reabrem-o-comercio-veja-qual-a-

situacao-das-regioes-nordeste-e-sudeste-do-para.ghtml76 https://www.oliberal.com/politica/deputado-eder-mauro-posta-video-e-critica-delegado-geral-da-policia-

civil-1.253604

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à pandemia do coronavírus, em especial o isolamento social.

No dia 01/04/2020 foi a vez da reabertura do comércio no município de São

Feliz do Xingu. Tais fatos chegaram ao conhecimento do MPF através de notícias

jornalísticas, assim sendo, várias outras cidades podem ter flexibilizado as medidas sanitárias

sem que tenhamos tomado conhecimento, notadamente em um estado continental como é o

Estado do Pará.

Pois bem, Exa., o clima de insegurança sanitária criado pelas

manifestações contraditórias da União é notório no Estado do Pará e deve ser corrigido

pela publicação nos canais oficiais dos órgãos da demandada, bem como na conta do Twitter

do presidente da República, de orientações e indicações sobre a necessidade imprescindível

de isolamento social, enfatizando-se as medidas recomendadas pela Organização

Mundial de Saúde e referendadas pelos órgãos técnicos do Ministério da Saúde.

13. DO GRANDE RISCO DA OCORRÊNCIA DE UM GENOCÍDIO DAS

POPULAÇÕES INDÍGENAS

O Estado do Pará possui uma variedade de povos indígenas de contato

recente, que se encontram em situação de vulnerabilidade.

Segundo a médica sanitarista Sofia Mendonça, pesquisadora da

Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), “há um risco incrível de o vírus se alastrar

pelas comunidades [indígenas] e provocar um genocídio”.77

Na condição de atual coordenadora do Projeto Xingu da Unifesp, pelo qual

a universidade atua na promoção da saúde de povos indígenas da bacia do rio Xingu (no Mato

Grosso e no Pará), a médica afirmou à rede BBC que o novo coronavírus pode ter para

povos indígenas brasileiros impacto comparável ao de grandes epidemias do passado,

como as causadas pelo sarampo.

Sabe-se que doenças respiratórias já são a principal causa de morte entre as

populações nativas brasileiras, o que torna a pandemia atual especialmente perigosa para

esses grupos.

77 Entrevista concedida à BBC Brasil, em matéria disponível em<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52030530>. Acessado em 29 de março de 2020.

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A vulnerabilidade dos povos indígenas se verifica sob diversos aspectos.

Ocorre na reduzida, ou mesmo inexistente, imunidade do organismo das pessoas a agentes

patógenos mais comuns nas aglomerações urbanas; ou quando os métodos usados em áreas

urbanas para reduzir o contágio – como higienizar as mãos com álcool gel – são impraticáveis

nas aldeias.

Em 2018, segundo o Ministério da Saúde, doenças infecciosas e parasitárias

foram responsáveis por 7,2% das mortes ocorridas entre indígenas, ante uma média nacional

de 4,5%.

Entre crianças indígenas com menos de um ano, doenças respiratórias foram

responsáveis por 22,6% das mortes registradas em 2019, índice só inferior ao de mortes

causadas por problemas no período perinatal (24,5%).

O médico sanitarista Douglas Rodrigues, do Departamento de Medicina

Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),

preocupa-se particularmente com a alta transmissão do novo vírus pelas mãos e objetos:

“em aldeias, se compartilham as cuias, o pessoal termina de beber e compartilha com os

outros, a mesma coisa com talheres”78.

É evidente que as particularidades do modo de vida nas aldeias

favorecerão o contágio entre os indivíduos, conforme pontua o médico Douglas Rodrigues

especificamente sobre a eventual necessidade de se isolar um doente em casas comunais

que abrigam 15, 20, 30 pessoas.

Some-se a esses dados o fato de que a Secretaria Especial de Saúde

Indígena ainda não disponibilizou recursos e equipamentos para realização de exames

de COVID-19 por profissionais de saúde atuantes nas aldeias.

A ausência de informações claras da união acerca das medidas que devem

ser adotadas para o combate à pandemia, notadamente pelos pronunciamentos desconcertados

da presidência da república, e o clima de insegurança gerado no Estado do Pará por conta

disso, amplia demasiadamente o risco da ocorrência de um genocídio das populações

indígenas paraenses.

A primeira morte pelo coronavírus no Estado do Pará foi de uma

mulher indígena79, o que acende ainda mais o alerta para o fato de que a pandemia78 Entrevista concedida ao jornal Amazônia Real, disponível em <https://amazoniareal.com.br/medico-

sanitarista-diz-que-doencas-respiratorias-como-coronavirus-sao-viloes-do-genocidio-indigena/>. Acesso em19 de março de 2020.

79 http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/mpf-cobra-medidas-para-evitar-disseminacao-da-covid-19-em-santarem-pa/view

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poderá dizimar populações nativas inteiras no nosso estado.

Preocupado com esse fato o Ministério Público Federal recomendou a

diversos órgãos que tomem medidas urgentes para combater a pandemia que poderá atingir a

população indígena80, todavia tais medidas não serão suficientes caso continue o clima

conflituoso e desconsertado das autoridades federais acerca das medidas de isolamento

social imprescindíveis para o controle da pandemia.

14. DA TUTELA RECURSAL DE URGÊNCIA

Considerando as questões acima apresentadas, o MPF considera que já estão

plenamente demonstrados os fatos referentes a alguns dos pedidos contidos na inicial, o que

autoriza esse juízo a conferir provimento jurisdicional, mediante a antecipação dos efeitos da

tutela recursal.

A antecipação provisória dos efeitos da tutela definitiva – ou simplesmente

“tutela provisória” - tem por finalidade abrandar os males do tempo e garantir a efetividade da

jurisdição, redistribuindo o ônus do tempo do processo. Qualquer tutela definitiva pode ser

concedida provisoriamente, de modo que é possível antecipar provisoriamente a satisfação ou

a cautela do direito afirmado81.

A tutela provisória pode se basear em urgência ou evidência (art. 294 do

novo Código de Processo Civil). As tutelas provisórias de urgência exigem a demonstração da

“probabilidade do direito” e do “perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”, ao

passo que as tutelas provisórias de evidência pressupõem a demonstração de que as

afirmações de fato estejam comprovadas, tornando o direito evidente, conforme dispõem,

respectivamente, os artigos 300 e 311.

No caso em exame, entende o MPF que é possível a concessão de tutela de

urgência em relação a alguns pedidos. Todos se baseiam na extensa argumentação apresentada

até aqui e contêm elementos suficientes para indicar o requisito da “probabilidade do

direito”.

80 http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/noticias-df/covid-19-2013-mpf-recomenda-acoes-emergenciais-de-protecao-a-saude-dos-povos-indigenas/view

81

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. Vol. 2. 10ª ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 569.

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Quanto ao periculum in mora, deve-se ressaltar que, apesar da dicção do art.

300 do CPC, o perigo na demora não se refere unicamente a um dano. Como ensina Luiz

Guilherme Marinoni, a tutela satisfativa, mesmo em cognição sumária, pode levar à tutela

preventiva contra o ilícito (tutela inibitória), à tutela repressiva contra o ilícito (tutela de

remoção do ilícito), à tutela ressarcitória (na forma específica ou pelo equivalente ao valor

do dano) e à tutela do adimplemento (na forma específica ou pelo valor equivalente ao da

prestação). Assim, o art. 300 deve ser lido em conjunto com o art. 497, parágrafo único, do

CPC.

O perigo na demora decorre do fato de que “se a tutela tardar, o ilícito pode

ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente ou pode o dano ser irreparável, de difícil

reparação ou não encontrar adequado ressarcimento82”.

A tutela de remoção de ilícito destina-se a retirar, remover os efeitos de uma

ação ilícita que já ocorreu. Deve-se ressaltar que o ilícito não se confunde com o dano. O

ilícito é a causa do dano, e nem sempre vem acompanhado deste. Para remover o ilícito ou a

causa do dano, basta restabelecer a situação que era anterior ao ilícito83. Da mesma forma,

deve-se falar na tutela inibitória, que é aquela de natureza preventiva, cujo objetivo é impedir

a prática, a repetição ou a continuação de um ilícito. Essa tutela se dirige contra a

probabilidade do ilícito, mesmo em caso de repetição ou continuação. Dirige seu olhar para o

futuro. Nesse ponto, diferencia-se da tutela de remoção do ilícito e da tutela ressarcitória.

No caso em exame, existe um aspecto preventivo muito claro, dado o

caráter dos discursos e manifestações da demandada (União). Os discursos e

manifestações, por si, já apresentam um impacto suficiente na realidade da população,

tendo em vista o viés desencontrado e a não observância das diretrizes dos órgãos

científicos e técnicos de saúde.

No mais, a probabilidade do direito alegado está bem delineada ao longo de

toda a fundamentação fática e jurídica explicitada nas razões deste agravo de instrumento e na

petição inicial.

Em primeiro lugar, há farta documentação técnico-científica que demonstra

a redução drástica do número de óbitos por meio da adoção de medidas de supressão ou

mitigação intensa do contato social, seja por Covid-19, seja por complicações de outros

estados patológicos desencadeados pela Covid-19, seja por outras doenças cujo tratamento

82 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processocivil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. Vol 2. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2016, p. 210.

83 MARINONI, Luiz Gulherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 216.

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não possa ser realizado adequadamente em razão do colapso do sistema de saúde. Tais

medidas atenuam a curva de contágio e permitem que os gestores públicos se preparem para

absorver a pressão sobre o sistema e adotem medidas de mitigação e recuperação dos

impactos econômicos.

Por fim, não se verifica qualquer risco de irreversibilidade dos efeitos do

provimento urgente aqui postulado, uma vez que os pedidos aqui apresentados demonstram

que a melhor maneira de reparar o uso abusivo da liberdade da expressão não está na

proibição da veiculação do discurso. É com mais democracia, pluralismo, liberdade de

expressão e direito à informação que devem ser combatidas as falas e atitudes aqui

colocadas.

Em outras palavras, a presente demanda não pretende proibir as falas do

Presidente da República, e sim que elas não circulem sem o necessário contraponto e a

manifestação técnicas e científicas.

Restam, portanto, preenchidos, nos termos acima, os pressupostos gerais da

probabilidade do direito e do perigo da demora, a autorizar a concessão da tutela de urgência

em grau recursal, nos termos do art. 1.019, inciso I, do Código de Processo Civil.

15. DO PEDIDO

Em face do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:

a) O recebimento do presente agravo de instrumento, com seu regular

processamento;

b) Tendo em vista a presença dos requisitos legais para concessão de tutela

de urgência (probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao

resultado útil do processo), requer seja desde logo, reconhecendo-se a

omissão da demandada, determinado, sob pena de multa diária de R$

100.000,00 (cem mil reais), à União que:

1) INDIQUE às autoridades públicas (baixando uma orientação

geral, através de seus órgãos oficiais, dirigida a todas as autoridades

públicas do executivo federal), que observem, em suas manifestações,

as diretrizes da OMS e dos órgãos técnicos e científicos do

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Ministério da Saúde;

2) ASSEGURE informação à população pelos seguintes meios:

publicação de orientações e indicações sobre a necessidade

imprescindível de isolamento social nos sítios eletrônicos do

Planalto e ministérios e canais oficiais nas redes sociais, aplicativos de

mensagens e qualquer outro canal digital, com destaque na página

inicial, durante o período em que essa diretriz for adotada;

publicação no perfil do Twitter do Presidente da República

(@jairbolsonaro) de sequência de tuítes (thread), com as

orientações sobre isolamento social, que deverá ser mantida como

tuíte fixado do perfil durante o período em que essa diretriz for

adotada;

c) Reforme a decisão que indeferiu a petição inicial, nos termos art. 485,

I, do CPC, em relação ao pedido inserto no item a.1 da petição inicial,

qual seja, que a União RECONHEÇA a omissão e INDIQUE às autoridades

públicas que observem, em suas manifestações, as diretrizes da OMS e dos

órgãos técnicos e científicos do Ministério da Saúde, reconhecendo-se a

presença do interesse de agir.

d) intimação da Procuradoria Regional da República, para que se manifeste

no caso;

e) Ao final, o provimento deste agravo de instrumento, reformando-se a r.

decisão de ID 214226869, a fim de deferir o requerimento de tutela de

urgência formulado nos autos da ação civil pública na origem.

Termos em que pede deferimento.

Belém/PA, 13 de abril de 2020.

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