Ministério Público do Estado de São Paulo - COMUNIDADES … · 2016-02-12 · Promotoria de...
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RI 391.2/14
COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO VALE DO RIBEIRA E O
PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA – PBQ
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE IGUAPE
COMUNIDADE QUILOMBOLA: MORRO SECO e ALDEIA
Tendo em vista a solicitação do Núcleo de Políticas públicas do
Ministério Público do estado de São Paulo - estudo sobre as condições
sociais das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, com vistas a
identificar quais ações do Programa Brasil Quilombola (PBQ) podem ser
viabilizadas na região – apresentamos relatório técnico elaborado pelo
Núcleo de Assessoria Técnica Psicossocial do Vale do Ribeira a respeito
das comunidades de remanescentes de quilombos Morro Seco e
Aldeia.
Promotoria de Justiça de Iguape:
A cidade de Iguape é considerada uma das estâncias balneárias do
estado de São Paulo e o maior município por aérea. Com população de
aproximadamente 30 mil habitantes, seu grau de urbanização atinge cerca
de 85,6%, foram registrados 5.354 domicílios em área urbanizada e 1.233 na
área rural.
Com a maioria da população rural formada por homens, o munícipio
possui atualmente duas comunidades quilombolas reconhecidas, Aldeia e
Morro Seco, localizadas cerca de 24 km e 85 km do centro urbano
respectivamente.
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Número da população residente, por situação do domicílio e sexo,
segundo IBGE1 2010, informado abaixo:
Munic. Total Total
Urbana
Total
Rural
Homens
Total
Homens
Urbana
Homens
Rural
Mulheres
Total
Mulheres
Urbana
Mulheres
Rural
Iguape 28841 24687 4154 14462 12230 2232 14379 12457 1922
A promotoria de justiça de Iguape conta com dois promotores de
justiça, é localizada no Cento da cidade e não possui sede própria,
funcionando junto ao fórum.
No mapa do índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS, que
avalia dados de riqueza, escolaridade e longevidade Iguape foi classificada
Iguape como pertencente ao grupo 3 - municípios com baixos níveis de
riqueza, mas bons indicadores de longevidade e escolaridade.
Programa Brasil Quilombola:
“O Programa Brasil Quilombola foi lançado em 12 de março de 2004,
com o objetivo de consolidar os marcos da política de Estado para as áreas
quilombolas. [...] A coordenação geral do Programa é de responsabilidade da
SEPPIR, que atua em conjunto com os 11 ministérios que compõem o seu
Comitê Gestor.
A Gestão Descentralizada do PBQ ocorre com a articulação dos entes
federados, a partir da estruturação de comitês estaduais. Sua gestão
estabelece interlocução com órgãos estaduais e municipais de promoção da
igualdade racial (PIR), associações representativas das comunidades
quilombolas e outros parceiros não governamentais.
As ações são divididas em 4 eixos, como segue: “2Eixo 1: Acesso a Terra
– execução e acompanhamento dos trâmites necessários para a
1 http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=21&uf=35
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regularização fundiária das áreas de quilombo, que constituem título coletivo
de posse das terras tradicionalmente ocupadas. O processo se inicia com a
certificação das comunidades e se encerra na titulação, que é a base para a
implementação de alternativas de desenvolvimento para as comunidades,
além de garantir a sua reprodução física, social e cultural; Eixo 2: Infraestrutura
e Qualidade de Vida – consolidação de mecanismos efetivos para destinação
de obras de infraestrutura (habitação, saneamento, eletrificação,
comunicação e vias de acesso) e construção de equipamentos sociais
destinados a atender as demandas, notadamente as de saúde, educação e
assistência social; Eixo 3: Inclusão Produtiva e Desenvolvimento Local - apoio
ao desenvolvimento produtivo local e autonomia econômica, baseado na
identidade cultural e nos recursos naturais presentes no território, visando a
sustentabilidade ambiental, social, cultural, econômica e política das
comunidades; Eixo 4: Direitos e Cidadania - fomento de iniciativas de garantia
de direitos promovidas por diferentes órgãos públicos e organizações da
sociedade civil, estimulando a participação ativa dos representantes
quilombolas nos espaços coletivos de controle e participação social, como os
conselhos e fóruns locais e nacionais de políticas públicas, de modo a
promover o acesso das comunidades ao conjunto das ações definidas pelo
governo e seu envolvimento no monitoramento daquelas que são
implementadas em cada município onde houver comunidades
remanescentes de quilombos.”
2 http://www.seppir.gov.br/
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A Comunidade Quilombola Morro Seco:
De acordo com o Diário Oficial Poder Executivo - Seção I – de 16 de
março de 2006, no qual foi publicado o parecer da assistência especial de
quilombos do ITESP em seu Relatório Técnico Cientifico abordou a gênese
daquela comunidade: a “fundação da comunidade Morro Seco não
obedece a critérios encontrados em outras comunidades de quilombos nas
quais já trabalhamos. Nestas, via de regra, há um ancestral fundador,
geralmente reconhecido como ex-escravo [...] e não apresentam nenhuma
história a respeito de como seus antepassados chegaram à área em que
nasceram e vivem até agora”.
Com uma área de 164.686,9 ha, Morro Seco está situado na região
limítrofe entre os municípios de Iguape e Juquiá sendo que seu acesso mais
facilitado se dá no Km 419 da BR-116, à direita no sentido Curitiba/São Paulo
adentrando aproximadamente 5 Km em estrada de terra.
De acordo com fontes secundárias de pesquisa “no ano de 2011 a
Comunidade contava com 22 famílias, totalizando 85 pessoas. Mais da
metade da população tinha idade entre 19 e 60 anos; havia 16 crianças com
até 12 anos e; 14 idosos com mais de 60. A escolaridade da maior parte das
pessoas era o ensino fundamental incompleto, até a 4ª série. Nos extremos,
apenas uma pessoa teve acesso ao ensino superior e seis não são
alfabetizados”.
Durante nossa visita, fomos recebidos por um grupo moradores, alguns
idosos (na sua maioria irmãos) o que representou bem a situação de
envelhecimento daquela população.
É importante salientar sobre a relevância da presença dos mais velhos,
impulsionadores da preservação das práticas culturais presente na história da
comunidade quilombola. Morro Seco é reconhecido por preservar suas festas,
além da prática do fandango.
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Comunidade Morro Seco e as políticas públicas para comunidades
quilombolas:
Logo no início de nosso encontro, a população foi taxativa ao
demonstrar que o poder público mantem sazonalidade especifica em sua
aproximação com aquela população - seus representantes passam a ter
maior frequência na comunidade durante as campanhas eleitorais, contudo
passado esse período é certo o seu distanciamento, dificultando o
atendimento das reivindicações ou a garantia dos direitos da comunidade.
Eixo I – Acesso à Terra:
Esse eixo foi criado pelo Programa Brasil Quilombola no intuito de
acompanhar a execução dos “trâmites necessários para a certificação e
regularização fundiária das áreas de quilombo, que constituem título coletivo
de posse das terras tradicionalmente ocupadas”.
A partir de alguns levantamentos bibliográficos foi possível perceber que
há um longo caminho a ser percorrido quando a comunidade remanescente
tem a pretensão de regularizar e titularizar suas terras.
A comunidade Morro Seco teve seu reconhecimento pelo ITESP, a partir
Diário Oficial Poder Executivo - Seção I – de 16 de março de 2006. E quatro
anos mais tarde de acordo com a portaria de nº 595 de 23 de setembro de
2010, publicada no DOU pg. 700, o INCRA reconhecia e declarava como
terras Remanescentes de Quilombos a comunidade “São Miguel Arcanjo do
Morro Seco” no município de Iguape. Ainda segundo noticia publicada no
portal do Incra no dia 10 de outubro daquele mesmo ano:
“Publicado o reconhecimento, o próximo passo será a edição do
decreto de desapropriação para que o Incra possa retirar do local cerca de
30 posseiros e titular as terras em nome da associação dos moradores do
quilombo. A titulação é uma garantia contra o processo de especulação
imobiliária e o risco de fragmentação do território quilombola”
Quando questionados, os moradores relataram que a preocupação
com os terceiros não se dá por conflitos diretos, mas porque a maior parte da
área do quilombo e as melhores terras para a agricultura ainda se encontram
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sob seus domínios, o que impossibilita a implantação de alguns projetos da
comunidade.
Por outro lado, a comunidade disse entender a situação de
insegurança que os posseiros estão vivenciando, pois desde 2012 o oficial de
justiça convocou-os para resolver os trâmites referentes às indenizações, mas
até hoje a pecúnia não foi recebida. A morosidade em resolver esta questão
tem prejudicado ambas as partes, pois se por um lado os quilombolas têm
uma pequena faixa de terra para plantarem, por outro os terceiros temem
plantar e terem de sair de uma hora para outra perdendo sua produção.
Eixo II: Infraestrutura e qualidade de vida:
O eixo infraestrutura e qualidade de vida envolve as seguintes ações:
saneamento básico, acesso a água para consumo e produção, programa de
habitação, acesso a energia elétrica. Ressaltamos que uma vez que a
comunidade quilombola é localizada em área rural, há dificuldades de acesso
a bens e serviços comuns às demais famílias rurais.
Esgoto: O Programa de Aceleração do Crescimento – PAC
No Guia de Políticas Públicas PBQ: As ações são programadas
anualmente, em função da disponibilidade orçamentária para cada exercício
e considerando prioridades de governo. A seleção de comunidades
quilombolas a serem contempladas na programação é feita com base nas
informações de demandas prestadas pela SEPPIR à Funasa. A Funasa tem
priorizado o atendimento de demandas dos municípios que possuem projetos
técnicos de engenharia elaborados. Os municípios encaminham suas
demandas às Superintendências Estaduais da Funasa ou à SEPPIR.
No que tange o saneamento, a comunidade lembra que há mais de
dezesseis anos os técnicos da FUNASA estiveram presentes e numeraram as
casas para implantar o sistema de saneamento e nunca mais voltaram. Assim,
o esgoto ainda é mantido por fossa negra, construída pelos próprios
moradores.
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Segundo eles, também não há coleta de lixos implantada, sequer
propostas para esta realização, como consequência os moradores se vêem
obrigados a queimarem o lixo que produzem.
Destacamos a importância da presença de técnicos para orientação e
apoio para a elaboração de projetos de engenharia, como mencionado
acima no PAC, para a concretização de alternativas mais saudáveis de
descarte de dejetos. Notamos o interesse em formas mais limpas para o
destino do esgoto, com o intuito de proteger o meio ambiente e a saúde da
comunidade, como as fossas sépticas, entretanto eles salientaram dificuldades
em arcar com os custos que seriam gerados.
A escola municipal localizada na comunidade quilombola também
utiliza fossa negra, e ao que tudo indica a prefeitura não mantém a
manutenção e limpeza da fossa com periodicidade.
A comunidade recebeu um projeto de captação de água da serra
elaborado e implantado pelo ITESP, que foi estendido para o uso dos terceiros
que vivem próximos. Os moradores ainda falaram que além desta fonte,
existem outras fontes de águas menos puras que eles próprios implantaram,
porém como estas fontes não são tratadas acabam sendo utilizadas para
outros fins.
Habitação: Habitação Rural/ Minha Casa Minha vida “Trabalhadores rurais e
agricultores familiares, com renda familiar bruta anual máxima de R$ 15.000,00,
que comprovem enquadramento no Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Família (Pronaf), mediante apresentação de Declaração de
Aptidão ao Pronaf (DAP), e trabalhadores rurais com renda familiar bruta
anual máxima de R$ 15 mil. São também beneficiários do Programa e se
enquadram como agricultores familiares: pescadores artesanais, extrativistas,
silvícolas, aquicultores, maricultores, piscicultores, ribeirinhos, comunidades
quilombolas, povos indígenas e demais comunidades tradicionais. Os projetos
que atendem comunidades quilombolas são priorizados. O Trabalhador Rural
ou Agricultor Familiar procura uma entidade organizadora para que esta
constitua grupos e apresente as propostas a CAIXA; pode ser representada por
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cooperativa, associação, sindicato ou poder público (Estado, Município e
Distrito Federal).”
A comunidade também participou do projeto com a organização não
governamental “Madre Terra”, um agente denominado Artur visitou a
comunidade, tomou cópias dos documentos de alguns moradores, tirou fotos
e após darem entrada no financiamento a entidade deixou de prestar
assistência - não dão qualquer resposta em relação ao andamento do
financiamento.
Diferentemente de outras comunidades, o Morro Seco ainda não
começou a receber as cobranças dos financiamentos realizados, mas eles
não sabem dizer se isso vai acontecer ou não. As casas que existem hoje em
dia foram construídas por eles, em sistema de mutirão com recursos próprios.
Luz: Programa Luz para Todos/ Tarifa Social “O morador do meio rural
que ainda não tem energia elétrica em casa e não fez o pedido da luz, e
desde que se enquadre nos critérios de atendimento do Programa, devem se
dirigir à distribuidora local para cadastramento.
Tarifa social: As famílias indígenas e remanescentes de quilombos
inscritas no Cadastro Único e que tenham renda familiar por pessoa menor ou
igual a meio salário mínimo, terão direito a desconto de 100% até o limite de
consumo de 50 kWh/mês”.
Os moradores de Morro Seco relataram que receberam a rede de
energia através do programa Luz da Terra do governo federal, mas nenhuma
família recebe o beneficio da Tarifa Social de Energia Elétrica, apesar de
alguns serem cadastrados no CadÚnico.
Eixo III – Desenvolvimento Local e Inclusão Produtiva:
“O eixo desenvolvimento local e inclusão produtiva do Programa Brasil
Quilombola abarca as ações de fomento produtivo sustentável junto às
organizações das comunidades quilombolas. As ações desenvolvidas nesse
eixo são efetivadas por parcerias com o poder público e organizações da
sociedade civil.”
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Declaração de Aptidão (DAP) ao PRONAF - Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar.
A DAP “é o instrumento que identifica os agricultores familiares e/ou
suas formas associativas organizadas em pessoas jurídicas, aptos a realizarem
operações de crédito rural ao amparo do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, em atendimento ao
estabelecido no Manual de Crédito Rural MCR, do Banco Central do Brasil,
Capítulo 10, Seção 2, no inciso V é posto “Quilombolas que pratiquem
atividades produtivas agrícolas e/ou não agrícolas, de beneficiamento e
comercialização de seus produtos” também fazem jus a esta modalidade de
financiamento.
O Guia de Políticas Públicas do PBQ (2013) esclarece que a DAP é um
documento obrigatório para se acessar as linhas de crédito. Elencando os
requisitos necessários para se conseguir este financiamento.
Atualmente a comunidade do Morro Seco não procurou meios de
adequação para receber o PRONAF, contudo aquela população vem
buscando outros tipos de parcerias que têm surtido maior significado na sua
produção. O projeto que está mais adiantado é o de Agricultura Tradicional
intermediado pelo ISA (Instituto SocioAmbiental) – projeto co-financiado pela
Fundação Interamericana – que já está com a segunda parcela do
financiamento liberada para a reforma da quadra, barracão comunitário e
para o resgate e o fomento da roça tradicional (arroz, mandioca, feijão, milho
banana e hortaliças). Há também o projeto Micro Bacias II que está em fase
de implantação, faltando apenas a oficialização da conta corrente para que
a verba seja liberada.
Os moradores mais velhos ressaltaram que um dos intuitos desses
projetos é primordialmente trazer os jovens de volta e estimular a sua
permanência na comunidade, por meio de trabalhos que possibilitem a
prosperidade e a dignidade, além de preservar a tradição que é
característica daquela população.
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No que tange a questão das roças, a comunidade tem desenvolvido
seus trabalhos agrícola em áreas que já são usadas para plantação há muito
tempo, mediante autorização da CETESB, todavia afirmaram que há certa
demora na demarcação para o desmatamento.
Assistência Técnica e Inclusão rural Quilombola – ATER
“O Ministério do Desenvolvimento Agrário, a partir do serviço de
Assistência Técnica e Extensão Rural, busca estimular o desenvolvimento
etnosustentável das comunidades quilombolas com apoio à produção
diversificada, seu beneficiamento e comercialização, gestão do território,
fortalecimento das formas de organização e conhecimentos tradicionais.
Como participar: As instituições são selecionadas por meio de chamada
pública que, mediante equipes especializadas, prestarão atendimento aos
agricultores familiares. Os territórios quilombolas priorizados são definidos pelos
MDS, MDA, SEPPIR e FCP.”
A ATER é um importante recurso para as comunidades
quilombolas já que a atuação possibilita o acesso às políticas públicas através
de apoio técnico, sendo está uma solicitação recorrente na fala dos
quilombolas ouvidos. A necessidade de intervenção técnica e apoio nos
procedimentos burocráticos para o acesso a um determinado direito está
entre as reivindicações dos moradores da comunidade, principalmente entre
aqueles que tentam viver da produção agrícola.
A comunidade ressaltou que dispõem de assistência dos órgãos
governamentais já consolidados como o ITESP e a CATI, mas também dispõem
de excelentes colaborações das Instituições do ISA e MOAB para auxiliarem na
elaboração e manutenção de projetos agroecológicos e socioambientais.
Segundo eles, a CATI está ajudando na implantação do projeto do
MICROBACIAS II.
Foi ressaltado ainda que o auxílio técnico da CATI também se faz
através de cursos de insumos, adubação, manutenção de lavoura e etc.
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Eixo IV: direitos e cidadania
“As políticas situadas no Eixo Direitos e Cidadania, do Programa Brasil
Quilombola, visam o fortalecimento dos direitos das comunidades quilombolas,
a partir do acesso à políticas públicas de saúde, educação assistência social,
previdência, fortalecimento institucional, dentre outras.”
Saúde:
De acordo com a prefeitura a área pertence ao ESF Itimirim 2, faz divisa
com Juquiá e recebe a equipe estratégia saúde da família uma ou duas vezes
ao mês, dependendo da necessidade.
A Equipe é completa, conta com agente de saúde morador do morro
seco, atende em um ponto recentemente reformado pela comunidade, com
material comprado pela prefeitura. O atendimento foi iniciado em 2005 e a
unidade base, que leva o n° do CNES, fica localizada na Rodovia Casemiro
Teixeira km 17, aproximadamente 20 km do quilombo morro seco. Pela
dificuldade de acesso normalmente a população é atendida, no caso de
emergência, no PS de Juquiá.
De acordo com a comunidade há um posto de saúde, o qual foi
erguido através de mutirão, com o auxilio da igreja católica que cedeu boa
parte do material. O prédio já existe há mais de três décadas, porém ficou por
muitos anos desativado, devido ao desgaste natural da estrutura e, apenas há
pouco tempo a comunidade se reorganizou para reformá-lo com o intuito de
receber a nova médica que viria atendê-los. Segundo os moradores, a
prefeitura apenas cedeu algumas carteiras escolares para serem usadas
como escrivaninhas pela agente de saúde e auxiliar de enfermagem e um
banco de espera para os usuários.
Foi levantado que é preciso a reorganização do posto que além de ser
muito pequeno, ainda tem uma sala ocupada por materiais que não estão
em uso. Dificultando a utilização adequada de seu pouco espaço.
Os moradores lembraram que a primeira médica que veio com o
Programa Mais Médicos fazia os atendimentos da comunidade no barracão
comunitário, um espaço aberto (sem divisórias) e só passou a atender no posto
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quando a população se uniu para reformá-lo ao perceber que a prefeitura
não tomaria a frente desse projeto.
Segundo os entrevistados, a médica atual é cubana, o que dificulta um
pouco sua comunicação, mas esse fator é amenizado pela atenção que a
profissional dedica a todos. O atendimento clínico ocorre uma vez ao mês e
há a realização de visitas aos idosos.
Os moradores ressaltam que a profissional tem mantido assiduidade e
que às vezes em que ela precisou se ausentar foi em decorrência à falta de
transporte da prefeitura.
Foi explicado que os atendimentos de rotina intercalam os pacientes
mês a mês para que todos possam ter acesso ao serviço.
A agente de saúde reside próximo à comunidade e faz visitas regulares,
para levantar as demandas a respeito da saúde da população, marcar e
lembrar aos moradores os dias das consultas, e quando a médica está
atendendo a agente sempre procura acompanhá-la para auxiliá-la.
Ainda não existe um programa de saúde bucal implantado na
comunidade. Foi dito que na escola já houve algumas ações, como ensinar as
crianças a fazerem a higiene bucal adequada.
No que tange o atendimento de saúde emergencial os moradores do
Morro Seco contaram que são atendidos pelo serviço de Juquiá, sem
restrições pela questão de municipalidade, todavia quando se trata de
atendimentos de rotina o impedimento passa ser maior, culminando com a
dificuldade do deslocamento até o a zona urbana de Iguape, muitas vezes os
cidadãos perdem suas consultas por não conseguirem chegar a tempo,
resultando na perda de exames e na demora em obter novas vagas em
consultas ou receber algum diagnóstico e tratamento.
Educação:
De acordo com o município a escola quilombola - EMEIF Bairro Morro
Seco é vinculada a EMEIF Prof. José Luiz de Aguiar (localizada a 19 km da
comunidade), com 16 alunos atualmente matriculados, sendo 08 alunos na
educação infantil e 08 alunos no ensino fundamental em caráter multiseriado.
Os alunos do ensino fundamental são matriculados na unidade escolar de
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Morro Seco e os do infantil são matriculados na escola vinculadora. A escola
quilombola dispõe de um professor que atende no período das 7h às 12h. O
transporte escolar é fornecido pelo município. A merenda escolar e produtos
de higiene e limpeza são disponibilizados pela prefeitura semanalmente. Uma
dificuldade encontrada é a condição da estrada que está precária.
Atualmente uma nova equipe assumiu o departamento municipal de
educação e foi afirmada a intenção de maior entrosamento e aproximação
às demandas das famílias quilombolas.
Segundo os moradores, a escola foi construída pelo prefeito Carlos
Fausto (1964-69) no tempo da campanha e a pouco mais de três anos foi
reformada.
O professor vem de Iguape, mas devido à dificuldade no acesso pelas
condições da estrada, são constantes as ausências, nos últimos tempos a
própria comunidade vem tentado contornar este problema com o trabalho
de uma moradora que substitui o professor quando ele falta. Todavia, não é
sempre que ela pode e muitas vezes as crianças ficam sem aula.
Essa inconstância gerou certa insegurança em alguns pais quanto à
frequência do professor, fazendo com que estes preferissem matricular seus
filhos em escolas regulares de Juquiá. Esta situação tem gerado atrito entre
aqueles que querem manter a escola rural funcionando e aqueles que
preferem abandoná-la.
Por fim, foi dito que o professor não tem muita integração com o
restante da comunidade, para além dos muros da escola, dificultando seu
trabalho no equipamento de ensino que deveria fomentar a cultura
quilombola.
Sobre a merenda, foi dito que geralmente as mães das crianças
revezam para o preparo da alimentação.
No tocante ao transporte escolar, foi levantado que a Ponte no Rio do
Braço ficou por anos apenas na estrutura, impossibilitando que os ônibus
transitassem por aquele caminho, impedindo de levarem as crianças à escola.
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Isso acabava obrigando alguns alunos que moram mais distantes a
caminharem longos trechos para chegarem à escola.
Ao que tange a Educação de Jovens, é a prefeitura de Juquiá que
cede o transporte para educação da população dessa faixa etária.
Contudo, não existem jovens inseridos em programas profissionalizantes como
o PRONATEC. Os entrevistados sequer sabiam da existência desta
possibilidade.
Segundo os moradores, o transporte escolar tem utilizado veículos
razoáveis, não tão precários quanto os de antigamente.
Assim como em outras comunidades, há um êxodo da população
jovem rural em busca de emprego e melhores condições de vida nos centros
urbanos.
Assistência Social:
Os moradores revelaram que a assistência social do município nunca
fez busca ativa na comunidade. Contudo, a maior parte das famílias recebe o
benefício do programa social do Bolsa Família. Segundo um dos moradores, o
cadastramento das famílias foi realizado na Assistência Social de Iguape, mas
atualmente as suas referências estão no cadastro único em Juquiá.
Comunicação:
A comunidade dispõe de um orelhão instalado há pouco mais de três
anos, mas devido a falta de manutenção o aparelho está quebrado, o que
impossibilita seu uso.
Quanto o acesso de dados e internet receberam um computador do
GESAT, mas está sem atualização do sistema, o que impossibilita seu uso
adequado.
O sinal de celular melhorou consideravelmente nos últimos anos, alguns
moradores até desativaram suas antenas de retransmissão.
Estradas:
A estrada que liga a comunidade à zona urbana de Iguape está em
constante estado de precarização, segundo os moradores a prefeitura
demora muito tempo para mandar equipes e máquinas para a manutenção
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minimamente necessária, como aplainar e cascalhar as vias evitando erosão
nas épocas chuvosas.
O problema no acesso acaba afetando outros serviços, como
educação, saúde e transporte.
A comunidade lembrou que na gestão de Ariovaldo (2005) já haviam
unido representantes para poderem reivindicar o mínimo de melhoria na
estrada e assim terem condições de acesso à cidade, ao que o prefeito
alegou que as máquinas estavam quebradas há alguns meses em outra parte
da zona rural.
Em 2012, novamente alguns representantes da comunidade realizaram
uma audiência com o prefeito eleito à época, para cobrar melhorias
prometidas nas campanhas e novamente não obtiveram sucesso.
Alguns representantes da administração e dos vereadores se
comprometeram a verificar de perto as precariedades que a comunidade
estava reclamando, contudo nunca apareceram, alegando a dificuldade no
acesso, pois a comunidade encontrava-se muito distante.
Considerações:
A partir da visita na comunidade de remanescentes de quilombos e dos
dados levantados acerca execução das políticas elencadas pelo Programa
Brasil Quilombola foi possível visualizar algumas dificuldades enfrentadas pela
comunidade. O PBQ é o resultado de esforços de muitos agentes que
viabilizaram e estimularam o Estado a promover ações que insiram os
quilombos dentro do público prioritário para o acesso a determinadas políticas
públicas, sendo um marco importante a essas populações.
Por outro lado, notamos que algumas questões permanecem
constituídas como dificultadoras para a reprodução da cultura quilombola,
culminando para novos arranjos diante da realidade atual. Por se encontrar
em uma das áreas mais distantes do centro urbano de Iguape, a comunidade
do Morro Seco sente-se ainda mais vulnerabilizada em relação ao acesso a
esses direitos.
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Também fica evidente a preocupação acerca do lugar dos jovens no
seio da comunidade, pois suas saídas estão acontecendo cada vez mais
cedo em busca de emprego e renda nos centros urbanos, levando a um
esvaziamento e um envelhecimento populacional progressivo, como pode ser
percebido durante o encontro. Entretanto, é possível perceber a manutenção
da cultura quilombola através do envolvimento constante dos mais velhos.
Por isso é fundamental o alinhamento de programas que
profissionalizem a atuação no campo e possam proporcionar condições paras
os jovens poderem retornar à comunidade. Ao passo que o fortalecimento da
educação no quilombo a partir do equipamento escolar, que já existe na
comunidade, e o estimulo à educação que contemple traços da cultura
quilombola e que fomente ações com metodologias específicas, voltadas à
realidade do campo e com conteúdos curriculares que favoreçam a
interação entre os conhecimentos científicos e os saberes das comunidades,
formando jovens empoderados sobre as histórias do contexto em que vivem.
Por isso também é importante que o professor que atue naquele
equipamento se identifique com a população quilombola, para que sua
atuação não seja pontual e estanque, assim possa criar condições para que a
integração dos saberes ocorra de fato.
Sobre a Assistência Social, é importante destacar que as ações não
deveriam findar apenas na concessão de Bolsa Família, o CRAS que referencia
aquela comunidade deveria propor e fomentar atividades com a população,
levantando as demandas latentes e o mapeamento do território para que
possam pensar juntos em ações de fortalecimento e desenvolvimento social.
No tocante à saúde, pode-se observar que a atenção básica alcança
o quilombo através da Estratégia de Saúde da Família. Por ser uma
comunidade rural, afastada, o Morro Seco enfrenta os mesmos problemas de
outros bairros rurais. O atendimento in loco acaba sendo restringido a apenas
uma vez por mês, os moradores têm maiores dificuldades de utilizarem os
serviços de saúde básica de Juquiá, que seria geograficamente mais próximo,
ao mesmo tempo em que há uma dificuldade maior em chegarem ao centro
urbano de Iguape devido a distancia e as condições da estrada.
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Muitas vezes o atendimento das ambulâncias é dificultado pelas
condições da estrada, o que pode aumentar ainda mais a demora no
atendimento, mas segundo foi confirmado pelos moradores, ele acontece.
Sobre o programa de saúde bucal, ficou claro que é preciso que as
ações não sejam apenas pontuais. Deveria haver o planejamento como a
reforma do prédio onde funciona o posto de saúde para ceder lugar a um
profissional de odontologia, proporcionando um ambiente propício para as
ações de prevenção e educação em saúde bucal, indo além da escovação.
Tratar da questão da garantia de direitos por uma determinada
população parece ser um trabalho árduo à primeira vista. Mas com o
decorrer do trabalho, e com o olhar atento foi possível notar que a falta de
acesso a bens de consumos básicos e a direitos sociais criam na população
que está e à margem, excluída pelo mercado e pelo Estado, sensações de
desânimo e impotência no enfrentamento das dificuldades cotidianas.
No que tange a Comunidade Morro Seco foi percebido que a mesma
possui fortalecido o orgulho da história quilombola, presente nos contos dos
mais velhos, no fandango e em outras atividades culturais existentes. É
importante o apoio técnico para que as ações planejadas pela comunidade
possam ser amparadas, fazendo com que o estado atue em favor daqueles
que lutam para que os quilombos possam sobreviver em meio à negação dos
seus direitos. Sendo de suma importância a parceria de todos, inclusive o
sistema de justiça no fortalecimento da conquista e manutenção desses
direitos. Culminando em no seu protagonismo enquanto cidadãos, e
comunidade.
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A Comunidade Quilombola Aldeia:
Foi realizada visita à comunidade quilombola Aldeia, para ter acesso ao
local foi necessário percurso em estrada de terra e uso de barco,
agradecemos a disponibilidade dos moradores para que a visita fosse
concretizada.
A comunidade Aldeia, em Iguape, é a que detém o maior lote territorial
(7.350 hectares). À beira do Rio Una, na divisa com a Estação Ecológica da
Jureia. Atualmente lá vivem aproximadamente 22 pessoas, segundo relato.
De acordo com o relatório técnico cientifico do ITESP: “O núcleo de
moradias da comunidade Aldeia dista 24 km do centro urbano de Iguape. São
11 km asfaltados pela Rodovia Prefeito Casemiro Teixeira (que liga Iguape à
Rodovia Régis Bittencourt) e 13 km pela estrada do Embu (ou Umbu). Na
estrada do Embu, são 9 km de estrada ‘cascalhada’ e 4 km que foram
cobertos pela vegetação, só vencidos por meio de veículo com tração. Ao
chegar ao ponto final da estrada, ainda é preciso atravessar o Rio Una para
enfim chegar à margem da Aldeia. A outra maneira de se chegar à
comunidade é seguir pela estrada do Embu percorrendo os 9 km de estrada
‘cascalhada’, alcançar o ‘portinho’ da Agroeste e seguir de barco pelo Rio
Uma da Aldeia por aproximadamente 20 minutos. O núcleo é composto por
dezessete residências, Igreja e escola. Apenas sete residências são habitadas
em tempo integral. A Escola Municipal está desativada há 20 anos, fato que
ocasionou uma maciça migração da população em direção ao centro
urbano do município.”
Fomos recebidos por integrantes da associação da comunidade, houve
uma conversa a respeito das formas de vida, dificuldades encontradas e
modos de superação adotados coletivos ou individuais.
A partir das informações colhidas dentro da comunidade e em contato
com os departamentos municipais, o relatório pretende apontar pontos
significativos para os interesses da missão institucional do Ministério Público do
estado de São Paulo.
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De acordo com os moradores entrevistados, existem 17 famílias ligadas
ao território quilombola, entretanto, não são todos que residem no quilombo,
devido aos motivos que serão apontados no presente documento, muitos
moradores optam por morar próximo à urbanização.
Comunidade Aldeia e as políticas públicas para comunidades quilombolas:
Durante a visita à Comunidade Remanescente de Quilombo Aldeia foi
possível abordar algumas questões acerca das percepções de seus
moradores ao acesso a bens sociais, a partir da execução das políticas
públicas, mais especificamente em relação àquelas reunidas no plano de
ação do Programa Brasil Quilombola. Entretanto, a conversa foi guiada
através das falas dos moradores, assim notamos maior ênfase na área de
saúde e a importância da estrada para o acesso à cidade.
Para formalizar o presente documento, foi pensada a sistematização
das informações colhidas na mesma dinâmica do documento elaborado pela
Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, a SEPPIR. Deste
modo, os assuntos serão divididos em grandes eixos temáticos – (I) acesso a
terra; (II) infraestrutura e qualidade de vida; (III) desenvolvimento local e
inclusão produtiva; (IV) direitos e cidadania – sendo que cada um destes terá
subdivisões que lhes serão pertinentes. Esse cuidado foi tomado como forma
de garantir que a maior parte das informações seja exposta para o
conhecimento do leitor.
Eixo I: Acesso a terra
O eixo de acesso a terra aborda: “execução e acompanhamento dos
trâmites necessários para a certificação e regularização fundiária das áreas de
quilombo, que constituem títulos coletivos de posse das terras tradicionalmente
ocupadas”.
A comunidade Aldeia foi reconhecida recentemente, com publicação
no Diário Oficial do estado de São Paulo no dia 18 de novembro de 2014. É
possível verificar o quanto a questão do território é significativamente ligada a
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vivência quilombola, a terra está historicamente relacionada a sua existência,
sendo assim, é constante a demanda apresentada em torno das garantias
para o título da propriedade e a exploração para a sua produção.
Em todos os quilombos visitados, até o presente momento, é notável a
luta pelas formas de apropriação do território em que vivem. Constantemente
há ameaças legislativas que não levam em consideração as especificidades
dos interesses quilombolas.
De acordo com os moradores do quilombo Aldeia, não há relatos de
confrontos e conflitos diretos com outros moradores do território (terceiros -
moradores não quilombolas). Entretanto, foi mencionado que enquanto
aguardam o processo de titularização há espaços que não podem ser
aproveitados para o bem da comunidade, como a existência de uma casa
antiga que poderia ser um investimento turístico no quilombo e que é mantida
cercada pelos “terceiros”.
Outros problemas referentes à terra são as formas de produção e roça,
já que a legislação atual não garante que as práticas tradicionais sejam
mantidas, de acordo com relatos, as proibições e intervenções policiais
prejudicam muito os moradores, sendo este um dos motivos que incentivam
muitos a deixarem o quilombo. Foi ressaltado que a fiscalização já chegou a
ser realizada de maneira violenta, outras pessoas temem as altas multas
aplicadas e por não conseguirem plantar, acabam optando por saírem da
área rural.
Eixo II: Infraestrutura e qualidade de vida
O eixo dois trata da “consolidação de mecanismos efetivos para
destinação de obras de infraestrutura (saneamento, habitação, eletrificação,
comunicação e vias de acesso) e construção de equipamentos sociais
destinados a atender as demandas, notadamente as de saúde, educação e
assistência social”.
21
Sobre o acesso a saneamento básico3, as ações para as comunidades
quilombolas estão inseridas no “Programa Saneamento Básico”, cujo órgão
responsável é o Ministério da saúde.
Na comunidade Aldeia fomos informados que há a utilização de fossa
negra, sem auxílio de órgãos municipais para limpeza, ou outra ação que dê
opções de substituição na forma de descarte de dejetos.
A água é proveniente da captação da serra, há uma caixa d`água
comunitária que faz a distribuição para as casa, entretanto é constante a falta
de água, devido aos desgaste dos encanamentos que são muito antigos. Já
foram realizadas reclamações, para que a prefeitura auxiliasse com a
manutenção da distribuição de água, entretanto, o problema persiste há pelo
menos duas gestões municipais.
Para o lixo produzido não há coleta, o mesmo normalmente é
queimado.
Todas as casas possuem acesso à energia elétrica4 e não pagaram
para a sua instalação, de acordo com as informações isso se deu devido ao
incentivo de uma empresa privada. Não tendo envolvimento governamental.
De acordo com os moradores, a prefeitura recebe as lideranças,
conversa, mas não cumpre o que promete, as datas são constantemente
adiadas e poucos avanços são concretizados.
Eixo III: Desenvolvimento local e inclusão produtiva
3 PAC- Funasa, pode participar a comunidade certificada, observadas as informações
e demandas prestadas pela SEPPIR à Funasa, com demanda de acesso à água ou
saneamento. Como participar: As ações são programadas anualmente, em função
da disponibilidade orçamentária para cada exercício e considerando prioridades de
governo. A seleção de comunidades quilombolas a serem contempladas na
programação é feita com base nas informações de demandas prestadas pela SEPPIR
à Funasa. A Funasa tem priorizado o atendimento de demandas dos municípios que
possuem projetos técnicos de engenharia elaborados. Os municípios encaminham
suas demandas às Superintendências Estaduais da Funasa ou à SEPPIR. 4 O Programa de Tarifa Social é voltado para famílias inscritas no CadÚnico para
programas sociais com renda familiar por pessoa até meio salário mínimo. As famílias
quilombolas dentro do limite dessa renda devem informar seu perfil social no
CADÚnico para terem acesso ao desconto.
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O eixo três oferece: “Apoio ao desenvolvimento produtivo local e
autonomia econômica, baseado na identidade cultural e nos recursos naturais
presentes no território, visando a sustentabilidade ambiental, social, cultural,
econômica e política das comunidades”.
De acordo com os moradores do quilombo Aldeia, alguns plantam para
consumo próprio, ainda assim com variedade bem inferior a que era de
costume dos mesmos. Criados em meio ao cultivo de roças, os moradores
contam com orgulho das plantações que tinham e da importância da relação
com a produção agrícola, entretanto, afirmam que atualmente pouco é
produzido, há medo por parte das fiscalizações ambientais e não existe
projeto para o escoamento produtivo.
Foi mencionado o apoio do ITESP, ainda inicial, devido o pouco tempo
de reconhecimento da comunidade quilombola, mas que já estão sendo
discutidos projetos envolvendo apicultura. Além da oferta de curso de
panificação.
Na fala dos moradores foi possível notar a esperança de que com
apoio técnico e ofertas de formas rentáveis de produção no território
quilombola possam atrair a volta de alguns moradores que deixaram suas
casas devido necessidade econômica, buscando trabalho na cidade.
Há a proposta de um projeto que envolve a implantação de um tanque
de peixes, uma canoa e uma casa com energia solar. A prefeitura municipal
firmou o compromisso de doar um barco-escola para a comunidade,
entretanto, foi entregue um barco simples que acabou ficando sem uso,
deteriorando-se na margem do rio, uma vez que não há trapiche para os
barcos.
Como atualmente produzem apenas para subsistência, os moradores
não estão em inclusos em programas como PRONAF5. É do conhecimento da
comunidade o projeto MICROBACIAS II, programa da Secretaria da Agricultura
do Estado de São Paulo, os quilombolas têm a intenção em utilizar a verba
5 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, possibilita
formas de financiamento aos Quilombolas que pratiquem atividades produtivas
agrícolas e/ou não agrícolas, de beneficiamento e comercialização de seus produtos.
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para a compra de um veículo, afim de minorar os recorrentes gastos com
transporte (taxis), para atividades cotidianas como consultas ao médico e
compras, mas também estão avaliando a possibilidade da aquisição de um
trator para auxiliar na manutenção das estradas de acesso ao quilombo,
viabilizando a locomoção dos moradores. Importante ressaltar que essas
estratégias estão sendo pensadas, pois em Aldeia existem dois deficientes
visuais e são poucos os recursos para ampará-los.
Notamos expectativas quanto as possibilidades de projetos que
incentivem a inclusão produtiva, a maior parte dos atuais moradores é
formada por aposentados, por isso eles vislumbram a possibilidade de que
com a criação desses projetos, os quilombolas mais jovens possam ser inseridos
e tenham condições de retornarem as suas casas.
Eixo IV: Direitos e cidadania
O quarto eixo apresenta: “fomento de iniciativas de garantia de direitos
promovidas por diferentes órgãos públicos e organizações da sociedade civil,
junto às comunidades quilombolas considerando critérios de situação de difícil
acesso, impacto por grandes obras, em conflitos agrários, sem acesso à agua
e/ou energia elétrica e sem escola”.
Atualmente a escola encontra-se fechada, o prédio é utilizado para
cursos e reuniões. A escola foi inaugurada em 1992 e funcionou por cerca de
seis anos, foi fechada em 1998 devido a falta de alunos, havia dificuldades de
acesso (falta de transporte – ônibus e barco) tanto para alguns estudantes que
tinham de despender muito tempo até chegar à escola quanto para os
professores que tinham de sair do centro de Iguape .
Como consequência, quem estudava teve que ir morar fora da
comunidade, culminando para o processo de permanência da população
mais velha na comunidade.
A respeito da política de assistência social fomos informados de sua
pouca interação, não são todas as famílias que possuem Cadastro Único para
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programas sociais e não são desenvolvidas ações especificas com a
comunidade.
Sobre a politica de saúde houve reclamações tanto do atendimento
realizado na cidade, quanto dentro da comunidade. O médico não vem ao
quilombo acerca de um ano, o agente comunitário comparece uma vez ao
mês e o enfermeiro esporadicamente. Não há oferta de programa de saúde
bucal e não é disponibilizado transporte para as consultas médicas.
Não há acesso à internet e já foi realizada solicitação para telefone
público, entretanto, a empresa nunca instalou orelhão, alegando não haver o
numero mínimo de pessoas que justificasse a disposição do mesmo. Assim, a
comunicação é feita somente via celular, com o empecilho de que são
poucos os lugares onde o sinal chega com qualidade.
Considerações:
Através da visita à comunidade, notamos mais uma vez a necessidade
de apoio para que a luta quilombola se fortaleça, um dos pontos centrais diz
respeito às formas de titularização da terra e de permissão para a produção
rural, com assistência técnica para implantação de projetos que gerem renda,
envolvendo os jovens.
Como apontado em um dos relatórios técnicos científicos produzidos
pelo ITESP a respeito de uma das comunidades do Vale do Ribeira: “Segundo
dados de 1996 (e posteriormente atualizados), há 12 Unidades de
Conservação no Vale do Ribeira, compreendendo em torno de 979.949,48 ha.
de terra24. Estas Unidades de Conservação, consubstanciadas em parques ou
APA’s (Áreas de Proteção Ambiental), agem no sentido de preservar a flora e
a fauna do Vale do Ribeira, mas empreendem, por outro lado, um efeito
nocivo sobre as comunidades camponesas. A proibição das roças no sistema
de coivara sujeita o camponês do Vale a sequer poder reproduzir sua dieta
alimentar como antigamente. Frente à impossibilidade de abrir novas roças, as
capuavas são novamente reaproveitadas com maior rapidez, não se
respeitando o tempo tradicional de pousio, o que enfraquece o solo. Como a
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fiscalização incide diretamente sobre o território das comunidades rurais, estas
se vêem obrigadas a abrir suas roças cada vez mais no interior da mata, na
tentativa de fugir das pesadas multas e, ao mesmo tempo, conseguir produzir
gêneros agrícolas essenciais para a sua alimentação e para o trato das
pequenas criações. Também a extração do palmito, ilegal, passa a ser feita
na clandestinidade, inclusive como forma de garantir o sustento dos membros
das comunidades, impedidos de realizar o trabalho agrícola”.
As produções legislativas, as formas de judicialização da vida e o
desrespeito à cultura quilombola, entre outros fatores, contribuíram para o
enfraquecimento das comunidades, intervindo nos modos de vida e
produzindo contradições para a vida no campo. É possível perceber os
diferentes interesses em questão e mais do que isso, a importância de órgãos
de defesa de direitos, endossando os direitos das comunidades tracionais.
Além disso, notamos a necessidade de envolvimento municipal,
reconhecendo as áreas rurais como parte das suas responsabilidades. É
possível perceber a existência de acordos e promessas em épocas de
eleições, mas no período seguinte a comunidade permanece abandonada,
como se a distância do centro urbano excluísse as demandas rurais das
pautas da politica local.
A existência de comunidades tradicionais deveria ser motivo de orgulho
para seus governantes, assim como para os conselhos municipais e outros
espaços legítimos de garantias de direitos que deveriam contribuir para o
fortalecimento quilombola e dar voz às demandas existentes. Entretanto, na
visita notamos que as condições atuais caminham para a fragilização e
fragmentação de comunidades menos articuladas.
Existe a expectativa de que os investimentos das políticas públicas nas
comunidades tradicionais contribuam para o retorno de algumas famílias
quilombolas: “esperança que voltem” (sic), entretanto, o caminho para que o
fortalecimento e autoestima da comunidade sejam reconstruídos exigirá o
envolvimento não só dos moradores, mas também de apoio técnico e político.
Atualmente, os que permanecem diariamente na comunidade
constituem-se majoritariamente por aposentados, e os mesmos dizem “A gente
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não exige muito” (sic). Mesmo assim, é notável a insatisfação com as políticas
públicas disponíveis.
Entre as principais demandas, destacamos:
Estrada: A partir da fala dos moradores, notamos que um ponto de
extrema relevância perpassa o acesso à comunidade quilombola, as más
condições da estrada dificultam o ir e vir da população. Principalmente
considerando que muitos dos moradores acompanharam períodos em que
havia manutenção regular. Foi relatado que “a estrada ficou abandonada
nos últimos anos”(sic), evidenciando o desinteresse público para a piora no
acesso.
Água: Fica evidente que a comunidade quilombola está com
dificuldades para o acesso a água potável, uma vez que a instalação utilizada
é antiga e as solicitações para a sua manutenção não são atendidas, é
frequente a falta de água na comunidade prejudicando o cotidiano das
famílias que ali residem.
Saúde: As reclamações de saúde abordaram as dificuldades de
locomoção para consultas, problemas no atendimento oferecido no Centro
da cidade, como: demora, falta de médicos, dificuldade para acesso a
medicamentos.
De acordo com a gestão municipal atual, o quilombo Aldeia
pertencente ao território do Itimirim 1, possui difícil acesso e apenas 6 famílias
residem na área, o atendimento é realizado uma vez ao mês, o acesso é por
barco e dependendo do clima, não é possível chegar ao local. Normalmente
os moradores passam no Centro de Saúde de Iguape, pois a maioria tem
residência na cidade.
Educação: As dificuldades encontradas para o trabalho e a falta de
condições para a oferta de um bom funcionamento da escola culminaram
para a migração de moradores da comunidade para a cidade, muitos
motivados pela necessidade de educação e renda. A escola está desativada
há 17 anos e por enquanto não há demanda para seu funcionamento,
entretanto, há a vontade de que ações que proporcionem desenvolvimento
local possam estimular o retorno de algumas famílias, tornando essencial a
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oferta de escola e transporte. Ademais, o espaço é atualmente utilizado pela
comunidade para outros fins e necessita de reformas, contendo infiltrações e
vidros quebrados.
Assistência social: Não notamos envolvimento por parte do
departamento municipal de assistência social, a aproximação desta política é
muito importante para a comunidade. O trabalho de fortalecimento e
desenvolvimento social poderia ser estendido aos quilombolas que já residem
temporariamente na cidade e estimulando-os e empoderando-os a partir de
suas raízes socioculturais, a fim de fortalecer a identidade daquela população.
Notamos que a comunidade encontra-se fragmentada e
abandonada, entretanto, o reconhecimento enquanto quilombo e a
possibilidade de acesso às políticas públicas no âmbito da inclusão produtiva
trouxe a possibilidade de um resgaste importante para a organização
comunitária e maior força na reivindicação de outras políticas públicas.
Esperando haver cumprido a missão que nos foi atribuída, colocamo-
nos à disposição para o esclarecimento de quaisquer dúvidas.
Registro, 11 de dezembro de 2015.
Leide Sousa Silva
Analista de Promotoria I
Assistente Social
CRESS 44172
Gabriel Hernandes Alonso Borges
Analista de Promotoria I
Psicólogo
CRP 06/92141