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MINISTRO SOARES MUÑOZ DISCURSOS PROFERIDOS NO STF, NA SESSÃO DE 12 DE DEZEMBRO DE 1984 POR MOTIVO DE SUA APOSENTADORIA SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASÍLIA – 1984

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MINISTROSOARES MUÑOZDISCURSOS PROFERIDOS NO STF,

NA SESSÃO DE 12 DE DEZEMBRO DE 1984

POR MOTIVO DE SUA APOSENTADORIA

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

BRASÍLIA – 1984

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

PEDRO SOARES MUNOZ

Discursos proferidos no STF, a 12 de dezembro de 1984 por motivo de sua aposentadoria

BRASÍLIA 1984

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Carta do Senhor Ministro

PEDRO SOARES MUNOZ

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Brasília, 7 de novembro de 1984.

Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente Cordeiro Guerra.

Após mais de quarenta anos de serviço público, durante os quais exerci os cargos de Promotor Público, Juiz de DireI­to, Desembargador, Presidente do Tribunal Regional Eleito­ral, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Gran­de do Sul, Ministro do Supremo Tribunal Federal e Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, requeri minha aposentadoria, e ela me foi concedida pelo Senhor Presidente da República em decreto datado de cinco do corrente mês e ano.

Era meu propósito permanecer no Supremo Tribunal Fe­deral até a idade limite. Razões vinculadas à minha saúde fizeram-me antecipar o meu afastamento. Relembro, e lem­brarei sempre, a cativante convivência que os Senhores Minis­tros e suas Excelentíssimas Senhoras proporcionaram a mim e a minha mulher. Esse tratamento cordial e afetuoso amenizou o trabalho despendido nestes sete anos de permanência no Su­premo Tribunal Federal. Consegui pôr em dia o serviço que encontrei quando de minha posse e mantive em dia o que re­cebi por distribuição. Deixo ao meu sucessor apenas os pro­cessos correspondentes à última distribuição e aqueles que se acham com vista ao Dr. Procurador-Geral da República.

Para mim, antigo juiz de carreira, foi uma grande honra ter integrado o Supremo Tribunal Federal, pelo que ele é por força da Constituição da República e pelo que tem sabido ser ao longo de sua exemplar existência mais que secular, mercê da imparcialidade, sabedoria, segurança e independência de suas decisões.

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A V. Exa., Senhor Presidente, e aos eminentes Ministros,­com os agradecimentos pelas atenções recebidas, manifesto os meus sentimentos de admiração e amizade, ao ensejo em que de todos me despeço, com pesar, inclusive dos funcionários da Secretaria, especialmente do meu Gabinete, que tanto me au­xiliaram.

PEDRO SOARES MUNOZ

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Palavras do Senhor Ministro

CORDEIRO GUERRA, Presidente

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o Sr. MINISTRO CORDEIRO GUERRA (PRESIDENTE) - A primeira parte desta sessão é destinada a homenagear o eminente Minis­tro Pedro Soares Mufioz, que nos deixou por motivos imperiosos de saú­de e que marcou a sua presença, nesta Casa, pelo exemplar cUI1)primento de seus deveres.

Para dizer dos nossos sentimentos de apreço e de respeito por este Magistrado, que só deixou amigos no nosso Tribunal, dou a palavra ao eminente Ministro José Néri da Silveira.

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Discurso do Senhor Ministro NÉRI DA SIL VEIRA

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o mundo esperançoso de paz aplaudia o que pensava ser o despon­tar da aurora de uma nova época, emudecidos os canhões na Europa e a se reacenderem, nos céus do Ocidente, os fachos da liberdade e da demo­cracia. Era 1945. Na heróica Bagé, tão duramente castigada pelo Exérci­to Republicano de Alvear, no longínquo e sinistro 26 de janeiro de 1827, «o mais longo dia de sua história», no dizer do cronista-mor, e que, em 1945, já ostentava, por sua beleza e simpatia do povo, o merecido título de «Rainha da Fronteira», - foi, sob os pórticos de seu hoje octogená­rio e tradicional Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora, que um menino de treze a'nos, segundoanista do ginásio, ouviu do venerando uruguaio Padre Roberto Germano, fundador do educandário e mestre de muitas gerações de gaúchos da região da Campanha, o elogio a um ex­aluno daquela Casa de Dom Bosco, que, na sua passagem, deixara mar­cas de rica inteligência, o exemplo de dedicação ao estudo e amor à dis­ciplina. Vivia, então, a comunidade bageense talvez o mais rumoroso processo da história de seu foro criminal, acompanhado pelo Rio Grande inteiro, na ampla cobertura que lhe emprestava a imprensa sulina. O mé­dico de renome, Dr. Cândido Gaffrée, era acusado de mandante do ho­micídio em que vitima seu colega Df. Valter Aguiar, apunhalado pelas costas, na frente da Santa Casa de Misericórdia de Bagé, no feriado de 10 de novembro de 1944. Alegando suspeição o Promotor de Justiça da Co­marca, - a Procuradoria-Geral do Estado designou, para o ficiar no fei­to, o então jovem Promotor Público Pedro Soares Munoz, que, após bri­lhante curso jurídico, na Faculdade de Direito de Porto Alegre, da Uni­versidade Federal do Rio Grande do Sul, com assinalada àtuação nos ór­gãos e movimentos acadêmicos, de 1938 a 1942, e orador de sua Turma, ingressara no Ministério Público gaúcho, em vitorioso concurso público, no ano seguinte à colação de grau, conquistando o primeiro lugar, com média 99,5. Foi, nessas circunstâncias, menino ainda, que, pela prime

'ira

vez, ouvi o nome de Pedro Soares Munoz, envolto na admiração e no aplauso, pela palavra indiscutível e insuspeita do nosso respeitável e aca­tado mestre comum, que, testemunha dos fatos, enaltecia a ação inde­pendente, lúcida e corajosa do ex-discípulo, no desempenho do duro ofício de acusar.

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Nesse mesmo ano de 1945, porém, ingressou Pedro Soares Mufioz na magistratura estadual, novamente laureado, em rigoroso competi tório, entre as primeiras classi ficações. Ascendendo, de entrância a entrância, por merecimento, e removendo-se a pedido, jurisdicionou em diversas re­giões do território sul-rio-grandense, desde Sobradinho, Camaquã, San­tiago, São Borja e Alegrete, até Caxias do Sul e Porto Alegre. Já univer­sitário, recordo vê-lo, austero e circunspecto, em seu gabinete, na I? Vara de Família e Sucessões, uma dentre as diversas de que foi titular no Foro porto-alegrense, época em que já se consagrava na justa fama de grande juiz. Eleito em 1956, pelo Tribunal Pleno, passou a exercer, na Corte, as funções de Substituto de Desembargador, até 1962, quando, pelo único critério que conheceu, em sua carreira vitoriosa - o do merecimento -, elevou-se a uma das cátedras do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Nessa colenda Corte, - mercê do reconhecimen­to do valor profissional e das peregrinas qualidades de juiz e cidadão de ilibada conduta, - a confiança de seus pares o conduziu, de posto em posto, à culminância do Poder Judiciário gaúcho, empossado na Presi­dência do Tribunal, de tão augustas tradições, em março de 1974, para um biênio administrativo.

Em 1977, aposentou-se por implemento de idade, o ilustre Ministro Eloy José da Rocha, eminentíssimo entre os que mais o foram, nesta Corte Suprema.

A pequenina Herval do Sul é berço de vultos notáveis da história dos Pampas, do século XIX. Seu núcleo inicial foi fruto das escaramuças do brigadeiro gaúcho Rafael Pinto Bandeira, obstinado em deslocar a fronteira meridional do Brasil, fixada pelo Tratado de 1777, em termos correspondentes ao Rio Piratini e seu afluente arroio Basílio, este, hoje, limite entre os municípios de Herval e Pinheiro Machado. Pretendia o bravo guerreiro que as possessões castelhanas se situassem, mais ao sul, além do Rio Jaguarão. Esse território, na Serra do Sudeste gaúcho, foi palco, assim, de lutas e invasões, na fixação dos limites meridionais da Pátria, .e depois, na sangrenta Revolução de 1893 e na de 1923. Registram-se, entre seus filhos ilustres, o Barão de Aceguá, Astrogildo Pereira da Costa Filho, notabilizado no memorável assalto de Paissandu e no célebre combate de Curuzu, onde, segundo o Barão de Porto Ale­gre, «foi o primeiro a escalar a fortificação inimiga de lança em punho»; Dionísio Amaro da Silveira, íntimo colaborador de Bento Gonçalves e in­termediário nas negociações de paz com Caxias; João Nunes da Silva Ta­vares, filho do Visconde do Cerro Alegre, herói na conquista de Paissan­du e agraciado com o título de Barão de Itaqui; a ele resignou, porém, a 20 de julho de 1889, declarando-se republicano, vindo, mais tarde, a che­fiar a «revolução federalista» de 1893, assinando os termos da paz com o general Inocêncio Galvão, em Pelotas. Foi, entretanto, em 1977, no no­nagésimo sexto ano de sua elevação à vila, que Herval, de tantos filhos ilustres, haveria de dar ao Supremo Tribunal Federal o seu 244? Minis­tro.

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Com efeito, para suceder o ínclito Ministro Eloy José da Rocha, o Presidente Ernesto Geisel, com o beneplácito do Senado da República, por decreto de 21 de junho de 1977, nomeou Ministro do Supremo Tri­bunal Federal o filho de Agustín Mufíoz Mattos e de Dona Francisca Soares Mufíoz, nascido na Fazenda São Joaquim, 2? Distrito de Herval do Sul, - o então Desembargador Pedro Soares Mufíoz, - membro do Conselho Superior da Magistratura gaúcha, ex-Corregedor e ex­Presidente do Tribunal Regional Eleitoral daquele Estado, ex-Vice­Presidente e ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, - que fora, também, Prefeito de São Gabriel, no deno­minado «governo dos magistrados», e Presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS), sendo professor de Direito Judi­ciário Civil, da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Sua posse solene, nesta Corte, a 8-8-1977, foi presidida por seu ex-colega do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o eminente Ministro Carlos Thompson Flores.

Tal como a vida, a profissão é uma jornada, em demanda da pleni­tude. Não está, é exato, exclusivamente, em nós, determinar o caminho a ser percorrido, nem prefixar-lhe a extensão. Avançamos ao rumo de al­go, cujo começo trazemos dentro de nós, a reclamar acabamento definiti­vo. Incontestável é que está na vocação de cada ser ir até o fim de si mesmo, exercer o papel que lhe cabe na obra comum, papel absoluta­mente insubstituível. Assim foi Pedro Soares Mufíoz, por vocação e por formação espiritual, naturalmen.te, um Juiz, e na realização desse chama­mento cumpriu, inexcedivelmente, sua missão. Viveu, nesses quase qua­renta anos de magistratura, as mais excelsas virtudes do ofício, certo, sempre, de que não há o juiz de sucumbir à tentação do parecer, do pa­recer simplesmente, sem a responsabilidade do ser ou a correspondência no ser. Confirmou-se, desse modo, pontualmente, nele, a lição milenar do Eclesiástico: «Se perseguires· a justiça, alcança-Ia-ás, e a vestirás qual manto de glória» (27 ,8). Nessa longa estrada de sua judicatura, em todos os graus, como a confundir-se com sua própria existência, soube viver, admiravelmente, a solidão do magistrado, que não é nem a solidão do egoísmo ou do orgulho, ou, pior, a da avareza, mas, sim, a solidão do sentinela, à beira do acampamento, responsável mais que ninguém, pela tranqüilidade de todos e, não obstante, tranqüilo e silencioso, ele pró­prio. Na sua fecunda e ininterrupta atividade judicante, o Ministro Pedro Soares Mufíoz, eqüidistante e independente, - quer na volumosa produ­ção jurisprudencial, quer na amabilidade invariável de seu fino trato, -revela traço significativo da alma de um juiz autêntico, que não se pode moldar para a solidão do egoísmo ou da soberba, - grande pecado do juiz, no dizer de Calamandrei, - mas, sim, para a generosa comunica­ção da verdade e da justiça. Na decisão, com efeito, cumpre ocorra um ato de comunicação e, por isso mesmo, algo, do juiz, se separa, numa mensagem existencial; a solidão do decidir, apenas, deve revelar o que se

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.,há de comunicar, na abundância do ser do magistrado. Na eqüidistância 'aos interesses, na preocupação exclusiva com a verdade, o justo e o bem comum, o ofício de administrar a Justiça, no exercício do poder, dá ao juiz a íntima convicção de que, em essência, o mistério do poder é sim­plesmente o mistério do amor. Se a Justiça concerne ao exercício do po­der, a essência deste há de ser o amor, o serviço aos outros. E nisso se realiza a maravilhosa e fascinante missão do magistrado, que está em dar-se todo a todos, buscando permanecer, entretanto, para sempre, na verdade, na bondade e na justiça. O Ministro Pedro Soares Munoz, ao agradecer, na Primeira Turma, as boas-vindas, a 9-8- 1977, afirmou: «A independência que cultuo é a que constitui instrumento de realização do justo e não a que possa inspirar-se em premissas maiores inarticu�adas»�

Minucioso e profundo no exame dos processos, a generósidadé de sua al­ma de juiz torna-se transparente no insaciável desejo de conhecer a ver­dade, notadamente, quando ela respeita aos supremos interesses da pes­soa humana e de seu convívio.

De outra parte, o Ministro Pedro Soares Munoz, �empre atento aos fatos, foi um juiz de seu tempo, certo de que o Direito, para servir à so­ciedade, não pode ficar na,pura abstração, mas deve existir no conviver. humano, ser companheiro da vida, assistindo e protegendo, promovendo o convívio harmônico e a segurança nas relações sociais. Aqui e ali em seus votos, verifica-se sua compreensão de que, ao juiz, não basta o co­nhecimento da técnica do Dir

'eito, ,para que se resolvam adequadamente

os conflitos e se avance, de maneira segura e equilibrada, em direção ao que deve ser. Se não é possível a criação livre do direito, partindo o juiz, nas decisões, ou das meras concepções pessoais, ou curvando-se ao impé­rio das emoções no subjetivismo de seus julgamentos, não lhe compete, também, perder-se em puras divagações doutrinárias alheias às realidades da vida. Cumpre-lhe, é exato, pelo estudo e a reflexão, tecer suas cons­truções, a partir da descoberta de elementos existentes na intimidade do ordenamento jurídico, com base nos quais encontra, dentro do possível e enquanto cabível, a prudente solução às transformações sociais necessá­rias e, por vezes, indiscutivelmente, desejadas. Nisso está uma das mais significativas ativ,idades dos juízes na busca do bem comum, que não se compreende, nem se pode realizar, sem Justiça. Se a interpretação das leis e a construção do Direito não podem negar ou violar os limites, ex­pressamente demarcados, da fonte principal, legislativa, - indiscutível é, todavia, que imensos domínios se abrem à adaptação dos textos legislati­vos, tantas vezes inadequados à época e às exigências vitais da sociedade, para os que sabem ver a função social e conciliadora da justiça viva, da justiça dinâmica.

Dotado de agudo senso jurídico e compreendendo, admiravelmente, o caráter prático 'do grave ofício de julgar, - embora sempre seguro nos exercícios lógico-formais, nas construções teóricas e nas doutrinas herme­nêuticas, tão ao gosto

' do jurisperito, - sabia o Ministro Soares Munoz,

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em suas decisões, ainda quando, pelas eXlgencias do tema, houvesse de enriquecê-Ias com informações doutrinárias, que importava não expô-las, em nenhum momento, ao perigo da ausência do real, certo de que é, na perspectiva deste, que se há de desenvolver o raciocínio judiciário, orien­tado, permanentemente, por elementos de índole axiológica.,

Visível se faz, em sua abundante e diversificada produção jurispru­dencial, a preocupação com o humano, notadamente, quando lhe cum­pria julgar o homem nas suas fraquezas e quedas. Em sua linha de ação, no particular, é possível identificar que nunca lhe esteve ausente ao espírito de magistrado ser somente pela misericórdia que se pode comple­tar a justiça, porque é por ela, apenas, que se dá aos homens da lei res­ponder à objurgação evangélica: «ai de vós, doutores da lei, porque one­rais os homens com ônus que nãó podem suportar». (Lc Ii ,46).

Admitida, por esta Suprema Corte, a partir de 1978, a continuidade. delitiva, em crimes de roubo, contra vítimas diversas, pela qual sempre se batera, sustentou, após, a inaplicabilidade da Súmula 343 aos pedidos de revisão cÍ"iminal, com base na mudança de jurisprudência. Assim, na Re­visão Criminal n? 4592-SP, a 12- 1 1-19,80, asseverou:

«Objeta-se que a hipótese não é de revisão, pois que esta, assim co.mo ação rescisória, descabe por ofensa à literal dispo­sição de lei, quando a decisão revisanda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais (Sú­mula n? 343).

Data venia, não aceito a aplicação desse verbete à revisão criminal. Tem perfeita pertinência à espécie o voto que proferi na Revisão Criminal 4621, verbis:

«Os fatos são certos e a controvérsia na interpretação da lei não afasta o pedido revisional, porquanto não é possível identificar a revisão criminal, nesse particular, com a ação rescisória do processo civil. A revisão é pri­vativa do réu e é inspirada no direito à liberdade indivi­dual, erigido em garantia constitucional, que não se con­cilia seja mantida uma condenação criminal, ou as penas nela cominadas, sob a consideração de que é1 lei é de in­terpretação controvertida. O Juízo de certeza, inafastável da condenação criminal, exige que o Tribunal diga o di­reito. ( ... ). O ;ordenamento jurídico do país é um só; é aquel� que emana das leis e da Constituição, de confor­midade com a interpretação que lhes dá o Supremo Tri­bunal Federal. Esta Corte declarou, em Sessões Plená­rias, que é possível o crime continuado contra vítimas di­ferentes, nas condições de tempo, lugar e maneira de execução descritas no acórdão do Tribunal local. Essa é

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a lei expressa. E com ela (com essa lei expressa) dissente, manifestamente, o acórdão revisando. (. .. ). No direito

brasileiro, não existe a revisão fundada em divergência de

decisões. Penso, no entanto, que é possível admiti-Ia, ten­

do em vista que a sentença criminal condenatória pressu­

põe juízo de certeza, quer quanto aos fatos da imputa­

ção, quer relativamente ao alcance da lei aplicável. Este

último requisito veio de ser arrebatado, do acórdão revi:

sando, pela posterior jurisprudência do Supremo Tribu­

nal Federal, que expressou o sentido e o conteúdo do

art. 51, § 2?, do CP. O art. 2? do CP dispõe que «nin­

guém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de

considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória». Ora, se o

Supremo Tribunal Federal é o intérprete máximo da lei, se ele é quem expressa a vontade e o conteúdo da lei,

não vejo porque deixar de aplicar, mediante revisão, os

princípios do mencionado art. 2? à jurisprudência atual

do Supremo Tribunal Federal, quando mais favorável ao

requerente» .

No longo debate que, então, se travou no Plenário da Corte, confir­mando seu voto, observou: «Sr. Presidente, peço a palavra, apenas, para salientar que o fundamento do meu voto não residiu na mudança da ju­risprudência. Este foi um argumento de reforço que trouxe, dizendo que, se a própria lei penal mais benigna se aplica a atos pretéritos, a mesma razão haveria para se aplicar, também, a jurisprudência mais favorável ao réu. Mas o fundamento nuclear do meu voto não foi esse, e, sim, o de que a espécie configura crime continuado, e a revisão é maneira de aferir da qualificação jurídica do fato, segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, que citei».

Seguro, porém, na exata compreensão da necessidade de evitar, com firmeza, que o criminoso seja inocentado, de forma incompatível COIl) os interesses da sociedade, afirmou, no Recurso Criminal n? 1381-SP, em caso de assalto a estabelecimento bancário, verbis:

«Contra o recorrente existem as confissões dos demais

réus, prestadas na polícia e retratadas, mas aceitas pelo acór­dão recorrido, por encontrarem apoio nos atos de reconheci­mento dos bancários. Esse elemento de convicção é válido,

também, em relação ao recorrente, embora, no tocante a ele,

nenhuma prova tenha sido produzida em juízo. Já em 1903,

num acórdão de 18 de abril, de que relator o eminente Minis­tro Alberto Torres, o Supremo Tribunal Federal proclamou

que «a regra de que a confissão de um co-réu faz prova con­

tra outro não tem assento em lei nossa, nem é um cânqn

jurídico» (Direito, v. 93/561). O valor do chamamento do co-

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réu, segundo os melhores ensinamentos, observa EspÍnola Fi­

lho, resulta do concurso destes três extremos: I?) verdade da

confissão; 2?) inexistência de ódio, em qualquer de suas mani­

festações; 3?) inexistência de objetivo de atenuar, ou mesmo

eliminar a própria responsabilidade. (Código Penal Brasileiro

Anotado, v. 2, págs. 462 e 463, ed. de 1942). No caso sub ju­dice, a validade da confissão resultou de sua compatibilidade

e concordância com as demais provas do processo e, bem as­

sim, da inexistência de quaisquer circunstâncias que tornem as

confissões suspeitas em relação ao recorrente, visto que,

indicando-o como um dos assaltantes, os outros réus não se

inocentaram, nem suas declarações contêm ódio ou animosi­

dade. Julgo, pois, comprovada a participação do recorrente

no crime». (RTl 94/págs. 510/511).

No exercício de sua longa e brilhante judicatura, o Ministro Soares Munoz não deixou, também, de ter, sempre, presente que, se a missão de julgar deve ser cumprida, com inteira indiferença, em relação aos po­derosos, jamais poderá ser, entretanto, cega aos imperativos do bem co­mum. Já foi dito, com inteiro acerto, que «o direito de cada um só se coloca corretamente, situando-o no bem comum». Nem foi em sentido diverso o que, alhures, se anotou: «Se a admissão do Judiciário, como poder autônomo, a par do Executivo e do Legislativo, representa, indis­cutivelmente, garantia dos direitos dos cidadãos, sem a qual não é possível o florescimento da vida democrática, e assinala um marco avan­çado na evolução jurídica dos povos, não menos certo é que se impõe exercitem os juízes, numa democracia, a sua competência jurisdicional, com lúcida visão da enorme responsabilidade, perante a Pátria, que assu­mem, notadamente, quando, usando do extraordinário poder de decidir, de forma terminativa, anulam atos ou suspendem a sua eficácia, si et in quantum, que hajam sido praticados por órgãos do Executivo ou do Le­gislativo. Na condição de prerrogativa eminente da soberania nacional, há, na função judiciária, o exercício de um poder, de um comando, por via do qual é possível opor limite ao arbítrio do governo ou da legislatu­ra, mas tal arbítrio deve ser tido, em princípio, como exceção, no Estado de Direito, onde a presunção é do exercício do poder segundo a Lei» (Revista do TFR, vol. 26, p. 185) .

Severo, quanto aos atos que importem em aplicação de dinheiros pú­blicos, sem induvidoso assento legal, teve ensejo de proclamar, em mais de uma oportunidade, nesta Corte, na linha do que asseverou, na Repre­sentação n? lOO5-RJ, verbis:

« Tais deliberações, por importarem em aumento da des­

pesa pública, unicamente podem ser tomadas em lei sanciona­

da pelo Governador do Estado (arts. 43, 13, IH e V, e 200 da

CF). Se assim não fora, comprometida estaria a simetria entre os Poderes do Estado. Aos Tribunais é defeso conceder vanta-

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gens aos funcionários de suas Secretarias, quer em atos regi­mentais, quer em resoluções: o próprio Executivo, igualmente,

não pode fazê-lo através de ato administrativo. A matéria é de

índole legislativa e exige a participação de pelo menos, dois dos três poderes do Estado. A atividade administrativa da As­

sembléia Legislativa, em tema de retribuição pecuniária de seus servidores, está condicionada pela lei, que não pode ser

substituída por resolução 'interna corporis'.»

Espírito voltado para a meditação que as lides judiciárias impõem, tem sido, entretanto, o Ministro Soares Muftoz, com sua sensibilidade para o social e para os altos interesses do País, desde a juventude, entu­siasta das causas cívicas, como assim já o manifestara, nos bancos acadê­micos, nas pugnas estudantis.

Disse�o, na posse como Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, a I? de setem bro de 198 1, depois de referir sua larga experiência de Juiz Eleitoral, em várias zonas eleitorais do Rio Grande do Sul, membro e presidente do Tribunal Regional Eleitoral, verbis:

«Na minha infância, ouvi a pregação de Assis Brasil em prol do binômio que se tornou célebre, no Estado do Rio Grande do Sul e no Brasil: «Representação e Justiça». Assis

Brasil não concebia a legitimidade da representação popular, sem que as eleições fossem presididas e apuradas por uma justi­

ça especializada, independente e imparcial: a Justiça Eleitoral.

Com a vitória da Revolução de 1930, o binômio incorporou-se

às instituições do País. O Código Eleitoral de 1932 foi a sua primeira concretização. A pregação de Assis Brasil veio, no

entanto, a consagrar-se definitivamente com a reinstalação da Justiça Eleitoral em 1945. Terminaram, desde então, as cha­

madas eleições «a bico de pena», as atas falsas, os «fósfo­ros», que ' votavam em várias seções eleitorais, e outras frau­

des. No Rio Grande do Sul, ocorreu um fato que representa o fim de uma época. Aconteceu na cidade de Santiago. Quando

assumi o cargo de Juiz de Direito daquela comarca, observei

que a Praça principal da cidade se chamava Dr. Moysés Via­

na. Perguntei qual era a razão da mencionada denominação. Contaram-me que, logo depois da promulgação do Código

Eleitoral de 1932, se realizou a primeira eleição presidida pela Justiça Eleitoral. Uma das seções coletoras de votos fora anu­

lada, e o Tribunal Regional designou o Juiz da Comarca para

presidir, pessoalmente, 'a mesa. Mas a facção política interes­sada em que não fossem contados os votos daquele reduto,

porque sabia que com eles perderia o pleito, designou dois si­

cários para perturbar os trabalhos e invalidar a votação. O Juiz percebeu o que estava ocorrendo e, quando se aproximou

da mesa um indivíduo suspeito, o magistrado encobriu a urna

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com a mão, impedindo que fosse depositado um voto de elei­tor não pertencent� à secção. Nesse momento, outro sicário, que se achava a distância, disparou um tiro de revólver, atin­gindo o Juiz Eleitoral, Dr. Moysés Viana, que caiu morto em cima da urna. Esse fato selou o fim de uma época e a definiti­va implantação da verdade do voto, da seriedade das apura­ções e da legitimidade dos mandatos. populares. Não quero di­zer que, posteriormente, não tenham ocorrido fraudes; ocorre­ram, mas foram poucas e jamais receberam a chancela da Jus­tiça Eleitoral, que sempre teve a dirigi-Ia e inspirá-la a orienta­ção segura, independente e imparcial, deste egrégio Tribunal Superior Eleitoral.»

Reafirmou-o, depois, solenemente, ao proclamar a importância da Justiça Eleitoral, para a tranqüilidade da Nação, no atO de posse, na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, a 12- 1 1- 1982, afirmando:

«Não estava, então, nas cogitações do Juiz, que via na Justiça Eleitoral fator preponderante da tranqüilidade social e do aperfeiçoamento das instituições democráticas, a eventuali­dade de um dia usufruir a insigne honra e arrostar a imensa responsabilidade de presidir-lhe o órgão de cúpula, com juris­dição em todo o territóFÍo nacional. Assim dispuseram os desígnios. Confio em que a Justiça Eleitoral, sob a minha pre­sidência, que quero seja sóbria, segura, independente e impar­cial, continuará na sua alta função constitucional, mercê da valiosa atuação dos eminentes juízes da Corte, de cuja ajuda e inspiração não prescindo. Minha confiança se estende, tam­bém, aos Tribunais Regionais Eleitorais, aos Juízes Eleitorais de primeiro grau e aos funcionários das secretarias, todos em­penhados, mormente na fase atual do processo eleitoral, na missão de garantir a lisura das eleições e a verdade do voto. »

E, noutro passo, observou:

«A excelência substancial das eleições depende, no entan­to, dos partidos políticos, do Congresso e do Governo. Estes editando leis e providência's capazes de assegurar a livre mani­festação das idéias, e aqueles indicando candidatos que pos­sam proporcionar à Nação a escolha de cidadãos dignos e ca­pazes para o desempenho dos cargos eletivos. Somente assim as leis serão elaboradas pelos melhores, e aos melhores caberá o governo do país. À Justiça Eleitoral, eqüidistante dos parti­dos políticos mas com eles convivendo, compete garantir a li­vre realização dos sufrágios e a verdade de sua apuração, para que, através da legitimação dos mandatos eletivos, se realize a forma democrática de governo. A esse ideal, que a Justiça Eleitoral tem servido, desde sua instalação, nos dedicaremos.»

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o Ministro Pedro Soares Munoz, que presidiu três Tribunais, reve­lou, nessas atividades, outrossim, notável senso de administrador, a par de grande juiz. No TRE do Rio Grande do Sul, tive a ventura de testemunhar-lhe a ação, integrando a Corte, como Juiz Federal, no biê­nio 1967 a 1969. Coube-lhe resolver, com descortino, antigo problema da sede do Tribunal. Fê-lo, de forma admirável, erguendo-se, na Capital gaúcha, belo prédio, onde a Justiça Eleitoral funciona. A tudo o Presi­dente supervisionava, pessoalmente. Sua administração, no Tribunal de Justiça do Estado, notabilizou-se, definitivamente, no consenso de todos, como uma das mais dinâmicas e plena de realizações, na constante afir­mação do Judiciário, como poder independente, inobstante harmônico com o Executivo e o Legislativo. Sua passagem recente, no TSE, de for­ma discreta, teve o aplauso de todos, pela maneira como presidiu às elei­ções gerais de 1982 e administrou os serviços da Corte. Assisti, emocio­nado, como os eminentes colegas que compõem aquele Colegiado, ao ato de sua consagração no carinho dos servidores do Tribunal, que o home-· nagearam, em sua despedida, destacando-lhe o interesse demonstrado na solução de seus problemas funcionais e, assim, ainda uma vez, projetan­do a dimensão do humano que o Ministro Soares Munoz sempre impri­me em seus gestos e suas decisões.

De registrar, ademais, a magnífica Conferência que proferiu na Esco­la Superior de Guerra, a 27-6- 1983, sobre Justiça Eleitoral, documento a ser, ainda, meditado e aproveitado, pelo brilhante exame e sugestões dele constantes, acerca de tão atual problemática.

Não é possível, nos limites exíguos destas palavras, nas circunstân­cias de uma sessão de homenagem ao colega que partiu, dizer de toda a riqueza de sua personalidade de escol e traçar-lhe, em definitivo, o perfil humano, ressaltando-lhe a obra que deixou, os trabalhos que escreveu.

Testemunha, de certa forma, de muitos passos do grande Juiz, que a aposentadoria privou de nosso convívio, - foi, entretanto, no dia-a-dia, desses mais de três anos, na Primeira Turma e no Tribunal, que tive con­firmado o conceito de magistrado impoluto e culto, que, dele, eu já pos­suía, desde quando, ainda novo na magistratura, servi no Tribunal Re­gional Eleitoral do meu Estado, sob sua Presidência.

Seu afastamento deixa-nos, assim, a saudade do amigo, que parte e não estará, com a presença digna, a palavra segura e os conselhos sem­pre lúcidos e valiosos, nas concelebrações diárias de nosso sagrado ofício de julgar. A Nação e esta Corte Suprema guardarão, entretanto, agradeci­das, a obra do insigne Juiz, não para arquivá-la, como relíquia, muito cara, mas com vistas a, dela, utilizar-se, como fonte de inspiração cons­tante, no prosseguimento da vida deste Pretório. Estou certo de que a amável figura de Pedro Soares Munoz e a distinção de sua excelentíssima esposa, Dona América Eloisa Ferreira Munoz, não serão esquecidas pelo Supremo Tribunal Federal. Seus julgados continuarão como eco de seu

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pensamento generoso e de suas palavras sábias e prudentes. Na felicida­de, que desejam ao querido casal, - juntamente com os filhos Celso, Maria e Elisa e os netos, - os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por meu modesto intermédio, consubstanciam a expressão de sua amiza­de, de sua admiração e de seu aplauso, ao Ministro eminente, que serviu, - com exemplar integridade e amor, - ao Brasil, por mais de quarenta anos, e à sua Corte Suprema, por mais de sete anos, na certeza da inspi­rada promessa, que está no Livro Santo: «O que exerce a Justiça e a mi­sericórdia encontrará a vida e a glória. (Provérbios, 2 1, 2 1»).

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Discurso do Doutor INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO,

Procurador-Geral da República

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Sr. Presidente; Srs. Ministros; Srs. Presidentes do Tribunal Federal de Recursos e do Tribunal Superior do Trabalho; Sr. Consultor-Geral da República; Sr. Desembargador-Presidente do Tribunal de Justiça do Dis­trito Federal e Territórios; Srs. Sub procuradores-Gerais da República; Srs. Membros do Ministério Público e Srs. Advogados.

Costumamos, no uso da palavra, em cerimônias como esta, apenas nos associarmos às homenagens, que a Corte presta, numa festa que é sua, àqueles que a serviram com sapiência e grandeza.

Recolho e faço do Ministério Público as palavras com que o eminen­te Ministro Néri da Silveira acaba de homenagear o Ministro Pedro Soa­res Muii.oz, que, por motivo de doença, se afastou dos trabalhos da Cor­te.

Recolho, também, em leitura já remota, de Miguel Reale, num dos ensaios insertos no seu «Direito como Experiência», a lição de que a co­municabilidade faz parte da verdade.

Nesse sentido, o Ministro Soares Muii.oz foi fundamentalmente, nes­te Tribunal e ao longo de toda a sua fecunda vida judicante, um homem verdadeiro, na medida em que sempre conseguiu comunicar seu pensa­mento e suas idéias, de maneira simples e sem artifícios, tornando fácil a compreensão de seus julgados.

Durante toda a vida, como servo da Justiça, desde Promotor Públi­co das Comarcas mais longínquas do seu Rio Grande, até Ministro desta Corte Excelsa, transmitiu-nos a certeza de que servir à Justiça é, funda­mentalmente, um ato de amor à verdade.

Magistrado de índole e formação, homem de seu tempo, nem por is­so se deixou impressionar pelos ventos das ocasiões, não permitindo que juízos apressados ou decisões impensadas, pudessem ensejar a visão errô­nea de que ele, por algum instante, tivesse deixado de servir à verdade. Com ele aprendemos a ver, ao longo de mais de três anos de convívio nesta Corte e no Tribunal Superior Eleitoral, na instantaneidade e na es­pontaneidade da resposta, a sinceridade com que proferia seus julgamen­tos. Não tergiversou, não se omitiu, não silenciou, assumindo com gran-

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deza, dignidade e desassombro, todo o peso de sua toga, e as responsabi­lidades do seu cargo. Deixou-nos, enfim, reforçada a convicção de que o ofício de julgar é um múnus, um encargo, u'a missão.

Sua obra ficará aqui, como bem disse o Ministro Néri da Silveira, não como uma relíquia, para ser admirada, mas como uma fonte perma­nente de inspiração, sobretudo para aqueles instantes, em que a vida nos reserva a difícil decisão de ter que escolher determinado caminho, mesmo que este não seja o mais cômodo em dado momento, ou em dada oca­sião.

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Palavras do Senhor Ministro CORDEIRO GUERRA,

Presidente

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Sinto-me sinceramente emocionado com a homenagem que ora pres­tamos à figura insigne do eminente Ministro Pedro Soares Munoz.

As palavras do eminente Ministro Néri da Silveira me trouxeram, com elegância de forma e precisão de conceitos, uma verdadeira exposi­ção retrospectiva de uma grande vida e de um grande caráter.

o Ministro Soares Munoz tinha todas as virtudes de um grande Juiz, era um homem valente, sério, dedicado à função e consciente das respon­sabilidades do seu cargo, exemplar na sua dedicação. Deixa, entre nós, além do seu exemplo, uma grande saudade, porque era sobretudo um ho­mem generoso e bom, que a todos nos cativou.

Esta parte da sessão a ele dedicada trouxe ainda as palavras expressi­vas de S. Exa. o Procurador-Geral da República, constatando que um grande Promotor pode também chegar a ser um grande Juiz do Supremo Tribunal Federal.

Eu não sabia desses rudes começos do jovem Promotor Pedro Soa­res Munoz, mas é por isso, talvez, que eu gostava e gosto tanto do Mi­nistro Pedro Soares Munoz. Tivemos os mesmos rudes começos. É mais um motivo que toca a minha sensibilidade e fi

"co grato ao eminente Mi­

nistro Néri da Silveira por tê-los relembrado.

Encerro estas palavras de apreço com os melhores votos de que S. Exa. se recupere e viva por muitos anos, para alegria de todos nós.

Agradeço às eminentíssimas autoridades, aos Srs. Presidentes dos Tribunais, ao ilustre Consultor-Geral da República, aos Srs. Procurado­res, aos nobres Advogados e aos Srs. funcionários que nos honraram com a sua presença. A todos, muito obrigado.

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