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MINISTRO THOMPSON FLORES DISCURSOS PROFERIDOS NO STF, NA SESSÃO DE 11 DE MARÇO DE 1981 POR MOTIVO DE SUA APOSENTADORIA SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASÍLIA – 1981

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MINISTROTHOMPSON FLORESDISCURSOS PROFERIDOS NO STF,

NA SESSÃO DE 11 DE MARÇO DE 1981

POR MOTIVO DE SUA APOSENTADORIA

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

BRASÍLIA – 1981

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

CARLOS THOMPSON FLORES

Discursos proferidos no STF,

a / / de março de /98/,

por motivo de sua aposentadoria

BRASÍLIA

1981

Palavras do Senhor Ministro XA VIER DE ALBUQUERQUE,

Presidente

A primeira parte desta sessão é dedicada à homenagem que o Su­premo Tribunal Federal presta, hoje, obediente à tradição e submisso ao sentimento unânime de seus juízes, ao eminente Ministro Carlos Thompson Flores, por motivo de sua recente aposentadoria.

Desculpou-se Sua Excelência de não poder, por motivos emocio­nais compreensíveis, estar presente à solenidade, e credenciou, para nela representá-lo, seus ilustres primos Ministro Francisco Thompson Flores, cujo comparecimento anuncio e agradeço, e Coronel Armando de Paiva Chaves, que não pôde comparecer por estar ausente de Brasília, integrando a comitiva que acompanha o Presidente da Repú­blica em sua viagem à Colômbia.

A carta de despedida que o ilustre homenageado dirigiu ao Presi­dente da Corte quando dela se afastou para não mais retornar, já foi lida na sessão de 2 de fevereiro passado e incorporada à respectiva ata.

Para falar em nome do Tribunal, dou a palavra ao eminente Mi­nistro Soares Mufioz.

Carta do Senhor Ministro THOMPSON FLORES

«Brasília, 20 de dezembro de 1980.

Eminente Presidente Antonio Neder,

Com a sessão plenária de ontem, deu o Supremo Tribunal Federal por findas suas atividades do corrente ano.

Ao reencetá-las, em fevereiro próximo, já não integrarei sua com­posição, por força da idade e de imperativo constitucional.

Impedido, assim, de apresentar as minhas despedidas, faço-o por este meio, rogando a Vossa Excelência que aceite e transmita a seus dignos pares, com as expressões, as mais sinceras, o meu sentido pesar com que me retiro de seu precioso e agradável convívio, do qual me lembrarei sempre com muita saudadty.

Encerro minha vida de juiz, após quase meio século de constante e ininterrupta atividade, durante o qual, com o mesmo devotamento de hoje, servi minha Pátria.

Galguei, degrau a degrau, todos os postos da Magistratura de meu Estado. E, da Presidência de seu Tribunal de Justiça, ascendi a esta Suprema Corte, em março de 1968, distinguido pelo eminente e

saudoso Presidente Costa e Silva.

Aqui, ocupei todas as suas cátedras, inclusive a de Presidente da Casa e das Turmas.

É, pois, com profunda emoção que, como juiz, pela vez derradei­ra, me dirijo a Vossa Excelência e aos meus eminentes colegas, com alguns dos quais convivi por quase treze anos.

Penso, agora, em todos aqueles com quem me iniciei. Muitos per­tencem hoje à eternidade. A eles a minha reverência e perene saudade. Recordo-lhes os nomes: Luiz Gallotti, o Presidente afetuoso e amigo que me recebeu com seu habitual carinho, o mais lúcido dos juízes com quem convivi; Barros Monteiro e Rodrigues Alckmin, com os quais tão fraternalmente me vincul�i, tombados em plena atividade; Themístocles Cavalcanti, Adaucto Cardoso, Aliomar Baleeiro, Hermes Lima e Lafayette de Andrada.

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Com os que desfrutam da aposentadoria e com os que aqui ficam formei minha segunda família. Contei com a sua constante amizade, inspirei-me no seu exemplo, orientando-me pelo conselho dos mais ex­perientes e nas lições dos mais sábios.

A todos minha gratidão.

Retorno às minhas origens, à capital do meu Rio Grande, de on­de parti no ardor de meus vinte e dois anos, quando, pela primeira vez, vesti a toga de juiz.

Dispo-a, hoje, usada pelo tempo, mas tão pura como antes, repe­tindo Costa Manso.

Faço-o com a consciência do dever cumprido, feliz por haver exercido a mais nobre das funções atribuídas ao homem e da qual sempre me orgulharei.

E, reconhecido ao Senhor meu Deus, que me proporcionou tantas vitórias e a insigne glória, a mais honrosa a que possa aspirar um brasi­leiro, de concluir minha carreira de magistrado como juiz da Suprema Corte do Brasil.

Não sei de Tribunal que disponha de tão ampla cOIUpetência co­mo a que lhe atribui a Constituição.

Nem a Corte Suprema dos Estados Unidos, na qual se inspirou, nem as Cortes Constitucionais do Ocidente Europeu dispõem de tão largos poderes, como acentuou Prado Kelly perante esta Casa.

Orgulhar-me-ei, sempre, de ter sido um dos seus; contribuído, com os demais, para manter indelével a austeridade, o prestígio e a autoridade os quais, em verdade, residem, essencialmente, na indepen­dência e serena imparcialidade dos seus juízes.

Manifesto, por fim, minha gratidão ao Ministério Público Federal, na pessoa do ilustre Procurador-Geral da República, Df. Firmino Fer­reira Paz; aos nobres advogados do País, tão bem representados pelos causídicos desta Capital, cuja colaboração muito contribuiu para o bom exercício desta excelsa judicatura, e aos dignos Servidores da Se­cretaria do Supremo Tribunal Federal, desde os mais graduados aos mais modestos, com os quais convivi, na labuta diária, especialmente no biênio de minha Presidência, e de cuja amizade semp're me envai­decerei.

A Vossa Excelência, Senhor Presidente Antonio Neder, cujo convívio relembro, desde a Segunda Turma, onde se iniciou, e no Tri­bunal Superior Eleitoral, e aos estimados Ministros, renovo os senti­mentos de minha profunda gratidão. Deus guarde, e para sempre, o Supremo Tribunal Federal!

a) Carlos Thompson Flores.»

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Discurso do Senhor Ministro SOARES MUNOZ

Faz muitos anos. Um jovem Promotor Público VIajava de Bagé para Porto Alegre. Na estação férrea de Cacequi, encontrou-se com o Juiz Municipal de Rosário do Sul. Amigos desde a infância e colegas no curso secundário, no pré-jurídico e na Faculdade de Direito, era natural que tivessem muitas impressões a compartilhar sobre as expe­riências que haviam adquirido no exercícioqe seus cargos. E o Juiz Municipal de Rosário do Sul, relembrando casos e episódios que mais o impressionaram, salientava, com ênfase e sincera admiração, o quanto aproveitara com a convivência do Juiz de Direito da comarca, em exemplos, em conselhos discretos e em incentivos, magistrado de inex­cedível capacidade de trabalho, reto e exato nas suas decisões, hábil e firme na direção do foro, atualizado com a doutrina e a jurisprudên­cia, sobrando-lhe tempo, ainda, para ler as grandes obras da literatura universal e para manter-se em dia com os autores nacionais.

Foi essa a primeira vez que ouvi falar no Juiz Carlos Thompson Flores.

De imediato, relacionei-o com o seu venerando avô, Desembarga­dor Carlos Thompson Flores, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Paulo, Promotor Público, Juiz de Direito, Desembargador do Tribunal da Relação de Porto Alegre, Procurador-Geral do Estado, Deputado Provincial, Vice-Presidente da Província, exercendo a Presidência durante cerca de um ano; funda­dor da Faculdade de Direito de Porto Alegre e seu primeiro Diretor (I ).

A família Thompson Flores, das mais ilustres do Rio Grande do Sul, originou-se do casamento do Dr. Luiz da Silva Flores com Dona Maria da Glória Thompson. Ele, de ascendência açoriana, e ela, bis­neta do capitão britânico Thompson. A memória do Dr. Luiz da Silva Flores, médico humanitário e prestigioso político, é lembrada em Por­to Alegre com o seu nome, Dr. Flores, dado à rua em que residiu, si­tuada no perímetro central da capital gaúcha. Vários de seus descen­dentes mereceram distinção semelhante, e ainda hoje é inegável o real-

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ce da família Thompson Flores na diplomacia, no magistério superior, na política, na carreira militar, na engenharia e na alta administração do País.

Nasceu o nosso homenageado na então cidade de São João do Montenegro, no Rio Grande do Sul, por ele descrita no discurso que proferiu neste Plenário na sessão comemorativa do centenário de Plínio Casado:

«Tranqüila localidade, entre a elevação que lhe deu o nome e as águas do Caí, que levam sua riqueza para a capital» (2).

Seu pai, advogado, era filho do Desembargador Carlos Thomp­son Flores, e sua mãe descendia das tradicionais famílias riogranden­ses Borges Fortes e Abott.

Antes de diplomar-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, foi nomeado juiz distrital do município de Herval, cargo que assumiu a 30 de outubro de 1933. Quatro décadas depois, ao empossar-se na Presidência do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Thompson Flo­res relembrou aquela fase de sua vida:

« . .. meu pensamento se volta a um passado distante, qua­

tro décadas atrás.

O tempo não apagou de minha memória aquela tarde

ensolarada de outubro de 1933, quando me aprestava a as­

sumir, na zona pastoril do Sul do Rio Grande, meu primei­

ro posto no Judiciário.

Na inexperiência de um bacharelando de vinte e dois

anos, não escondia da face o tumulto de preocupações que

me iam na mente; e, traduzindo a angústia do desconheci­

do, acelerava o bater do coração.

Trazia, porém, na alma o ideal da mocidade, a fé no

Direito e na Justiça; e a esperança de vencer. Fora ensinado

que o bom Juiz se faria por si, no quotidiano aprender.

Era um desafio a mim mesmo» (3).

No foro de Herval há uma cadeira em lugar preeminente. Os fi­lhos daquele município, ao ensejo da renovação do mobiliário do Tri­bunal de Justiça, reivindicaram do Presidente, Desembargador Thompson Flores, o direito de homenagear, dessa maneira, o jovem juiz distrital. E a tradição oral, de juiz para juiz, de promotor de justiça para promotor, de advogado para advogado, de escrivão para escri­vão, a todos faz ciente de que aquela comarca reverencia, orgulhosa­mente, o privilégio de ter sido o marco inicial da brilhante carreira do Ministro Carlos Thompson Flores.

De Herval transferiu-se para Bom Jesus do Triunfo. Ali naquela pequena cidade, de gente pacata e ordeira, que ostenta a glória de ser a terra natal de Bento Gonçalves e manancial da História dos Farra-

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pos, o Juiz Municipal preparou-se, com dedicação e paclencia, «ao som da palinódia das águas do Taquari-Jacuí» (4), para concorrer ao concurso de ingresso na magistratura vitalícia. Aprovado, percorreu o Rio Grande do Sul nas mais variadas direções. Em Santa Vitória do Palmar, conviveu com o gaúcho do pampa, dos campos de perder de vista, donde outrora despontou a célebre coluna revolucionária do in­trépido caudilho Gomercindo Saraiva, para percorrer, a cavalo, cerca de 2.500 quilômetros do território brasileiro. Em Rosário do Sul, co­marca que instalou, conheceu-lhe os campos de pastagens cortados por três grandes rios e interceptados pela coxilha de Santana, mais conhe­cida pelo nome de Serra do Caverá, que evoca Honório Lemes, o mais popular caudilho riograndense. Era outra nuance de gaúcho que lhe competia jurisdicionar. Retornou a Montenegro, e no foro leu os pro­vimentos baixados pelo seu avô, que foi o primeiro Juiz de Direito da comarca; encontrou a cidade e o município transfigurados pelo pro­gresso e observou, de perto, as chamadas colônias alemãs e italianas, erigidas em importantes comunas. Foi, porém, na prestigiosa comarca de Livramento, cidade dividida por uma linha imaginária de Rivera, na República Oriental do Uruguai, que deparou com o mais sugestivo cenário da formação econômica do Rio Grande, que evoluíra das es­tâncias sem divisas e da gadaria alçada e sem costeio, para a indústria, a agricultura e o comércio.

Haviam dito ao jovem Carlos Thompson Flores, quando de sua posse no juizado distrital de Herval, que o bom juiz se faz por si. E ele realmente se fizera, por si, um bom juiz, inteiriço e culto. Convive­ra e passara a compreender o povo a quem lhe competia jurisdicionar, assimilando-lhe, inclusive, a história, e estudara, com afinco, aprimo­rando seus dotes culturais. As comarcas, em que exerceu a judicatura, sentiram e identificaram o juiz inteligente e culto, sereno e educado, reto, organizador e exato. Sua promoção a Juiz dos Feitos da Fazenda Pública, proclamou o brilhante e severo Desembargador Solon Mace­donia Soares, «honrou e dignificou, sobretudo, a toga nacional, eis que proporcionou aos egrégios Supremo Tribunal Federal e Tribunal Federal de Recursos a oportunidade de medir o quilate de ouro puro da cultura do ilustre magistrado» (5).

Em 1953, incluído, pela quarta vez, em lista tríplice de mereci­mento, foi o nosso homenageado promovido ao cargo de Desembarga­dor. Recebendo-o no Tribunal de Justiça do Estado, o saudoso Presi­dente Homero Martins Batista proferiu estas significativas palavras:

«É-me sumamente grato, deferindo-lhe neste momento

o legal compromisso de desembargador, dá-lo como empos­

sado neste Tribunal de Justiça.

Máximo anelo dos que se devotam à honrosa carreira

da magistratura - a desembargadoria, conquistou-a o no-

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bre Colega não de assalto ou por efeito de fato acidental, e

menos ainda pela simples fluência do tempo, mas dia por

dia, no constante labutar de juiz de instância inferior, ao

revelar em sua atuação, persistentemente, nos trabalhos de

sua judicatura e na correção de sua vida pública e privada,

as aprimoradas qualidades de caráter, cultura, inteligência e

alto espírito público, de que é dotado.

Conheci-o entre 1931 e 1933, quando de minha judica­

tura em Montenegro, sua terra natal. Então, mero acadêmi­

co de direito, sem responsabilidade outra, e inobstante sua

natural modéstia e retraimento, já se fazia notar pelo apego

aos estudos e, em especial, pela correção de sua conduta

moral. É possível que datem dessa época seus naturais pen­

dores pela carreira da magistratura, em que iniciou sua vida

pública; .como provável é que o seu ânimo juvenil experi­

mentasse o benéfico influxo da tradição de um antepassado

ilustre, o seu avô Carlos Thompson Flores que, como de­

sembargador, dignificou este mesmo Tribunal de Justiça ao

tempo sob a denominação de Tribunal de Relação.

Suas promoções na carreira da magistratura obedece­

ram sempre ao critério do merecimento. E é sob este digni­

ficante critério que ora vê coroado de êxito o seu constante

labutar pela rápida, segura e exata 'distribuição de justiça,

conquistando o lugar que lhe compete neste Tribunal.

Autêntico magistrado, devotado como poucos ao de­

sempenho de sua apostolar missão, Carlos Thompson Flo­

res concorrerá poderosamente para manter e sublimar o

prestígio moral deste Tribunal de Justiça. DecIarando-o ne­

le integrado, eu saúdo o nobre Colega, certo do êxito de

sua judicatura nesta superior instância, ao mesmo tempo

que me congratulo, por tão auspicioso acontecimento, com os nossos dignos Colegas desta honrada Corte de Justiça»

(6).

Elogio maior e mais expressivo, penso que ninguém o teve do austero e justo Desembargador Homero Martins Batista. Embora «já prateadas as têmporas» Carlos Thompson Flores atingiu o cargo de Desembargador apenas com 42 anos de idade. Ignoro que, antes ou depois dele, outro magistrado, com essa idade, tenha sido promovido a Desembargador no Rio Grande do Sul. Sua carreira, embora rápida e brilhante, jamais suscitou ressentimentos nos juízes mais antigos, tão notório lhe era o merecimento. Comprova essa assertiva a circunstân­cia de, no ano seguinte, ter sido eleito Presidente da AJURIS, por unanimidade. Com aludida eleição, iniciou-se uma nova fase para a entidade dos magistrados gaúchos. Permaneceu, porém, pouco tempo

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no cargo. É que, eleito pelo Tribunal de Justiça Corregedor-Geral, o Desembargador Thompson Flores passou a presidência daquela entida­de ao Vice-Presidente.

Corregedor-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul, voltou aos cartórios da capital e às comarcas do interior, procedendo, pessoal­mente, a inspeções e correições. A seu convite, tive ocasião de auxiliá­lo na inspeção de dois tabelionatos de Porto Alegre. Nesse mister, impressionava-me a consideração e brandura com que tratava os servi­dores, aos quais ensinava e instruía e, quando era constrangido a puni-los, não lhes negava uma palavra de estímulo. E, dessa forma, o surto de uma nova ordem judicial se institui no Estado, pondo fim à frouxidão, às praxes viciosas e indefensáveis, à improbidade funcio­nal, ao descaso, à descrença na lei e na justiça. Nos arquivos das ser­ventias e da Corregedoria-Geral ainda permanecem os provimentos baixados pelo Corregedor Carlos Flores; assim era comumente chama­do no Rio Grande do Sul, escorrei tos na técnica forense, exatos e jus­tos (7).

Após dois biênios de intenso labor na Corregedoria-Geral, voltou às funções judicantes com a mesma disposição e capacidade de traba­lho de antes, passando a integrar a 4� Câmara Cível, recentemente criada, bem assim o Conselho Superior da Magistratura e o Tribunal Regional Eleitoral, que presidiu. Seus méritos fizeram que o Plenário, quebrando o critério da antiguidade, o elegesse Presidente do Tribunal de Justiça, antes de chegar a sua vez pelo rodízio tradicional. Na che­fia do. Poder Judiciário Estadual, empenhou-se, extremadamente, na solução dos problemas e lacunas que embaraçavam o regular funcio­namento da Justiça do Estado. Promoveu a elaboração de um projeto de novo Código de Organização Judiciária e do Regulamento da Se­cretaria; conseguiu dinamizar as obras do Palácio da Justiça; garántiu a ampliação dos quadros do pessoal da Secretaria, através de proposta que se transformou na Lei 5.668/67; criou a Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, organizada e editada sob a responsabilidade do próprio Poder Judiciário. Compreendendo que o maior problema da magistratura riograndense era (e ainda é) a falta de juízes, resultante do desinteresse dos novos bacharéis pela car­reira, resolveu dialogar com os estudantes de direito de Porto Alegre, Pelotas, Santa Maria, Passo Fundo e Caxias do Sul, visitando-lhes as respectivas Escolas numa campanha de esclarecimentos aos que seriam os naturais candidatos à magistratura (8).

Cumprido esse último mandato, o mais alto e o mais nobre a que pode aspirar um magistrado de carreira, preparava-se o Desembarga­dor Carlos Thompson Flores para retornar à sua saudosa 4� Câmara Cível, H:liz por haver servido à Justiça e ao Estado em todos, absolu­tamente em todos os seus postos. Trazia no peito o mesmo entusiasmo

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de seus vinte e dois anos e contava em servir ainda à Justiça estadual, ensejando-lhe a experiência para a instalação de cursos destinados à formação de magistrados e seu aproveitamento, quando se viu distin­guido com o convite do Presidente da República para ocupar a excelsa cátedra de Ministro do Supremo Tribunal Federal (9).

No Pretório Excelso, o insigne juiz ratificou o alto conceito que desfrutava na Província. Permaneceu nesta Corte cerca de treze anos. Ninguém o excedeu no amor à Justiça e no devotamento ao serviço. Sem contar os dois anos nos quais presidiu o Tribunal, julgou, como relator, 9.391 processos, alcançando a média anual de 853 feitos. Essa imensa produção revela a excepcional capacidade de trabalho do emi­nente Ministro Thompson Flores e demonstra, ademais, que S. Exa. tinha razão ao registrar, no discurso que proferiu na sessão solene co­memorativa do sesquicentenário do Supremo Tribunal Federal:

«O peso das atividades continua preocupando os julga­dores, que, para vencê-lo, estão a exigir penosos sacrifícios até de sua própria saúde, e para os quais, de há muito, não há fins de semana livres, nem o total descanso das noites. Só assim conseguem manter em dia seus encargos funcionais» (lO).

Dizia Soler que «o trabalho que se faz sem amor tem todos os ca­

racteres de uma vil escravidão». Somente o· grande amor à Justiça ex­plica a quantidade e qualidade da respeitável coletânea de decisões proferidas, com saber e pontualidade, pelo eminente Ministro Thomp­son Flores. Bem o assinalou o nobre Ministro Moreira Alves ao saudá-lo na sessão de sua posse na Presidência da Corte:

«Tenho-o, Sr. Ministro Thompson Flores, por modelo de Juiz.

Vossa Excelência, no exercício da judicatura, revela não limitar-se a possuir aquelas qualidades que Muratori, apoiado nas santas escrituras e veemente na crítica aos ju­ristas exigia dos juízes: o saber, para bem aplicar as leis; o amor à verdade, para poder distingui-la do erro; o temer a Deus, para não deixar-se levar pelo ódio, medo, cupidez ou qualquer outra inclinação; o desprezar disposições e rega­lias, para ser imparcial. A esses atributos, acrescenta-se, em Vossa Excelência, um outro: o exercer a magistratura como sacerdócio, com amor de quem nela, e só por ela, realiza o ideal de suas aspirações» (11).

Longo seria arrolar os votos e inter"venções mais importantes, proferidos pelo Ministro Thompson Flores, todos revelando a vivên­cia, a prudência e o descortino do notável juiz. Fácil será registrar, no entanto, que muitos deles se acham compendiados na Súmula e passa­ram a constituir a jurisprudência predominante do Supremo Tribunal

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Federal. Os verbetes 498, 527, 536, 552, 570, 573, 582, 590 e 591 (12), entre outros, tiveram por precedentes básicos os votos de S. Exa. Ade­mais, sempre atento ao aprimoramento da jurisprudência e à atualiza­ção dela, por diversas vezes, propôs ao Plenário a alteração ou o can­celamento de verbetes da Súmula. Assim aconteceu com as Súmulas 14 e 388, que foram canceladas por sua iniciativa (13); sendo que a de número 211 foi esclarecida pela exegese por ele feita (14).

Além desses pronunciamentos, tenho presentes na memória alguns julgados em que, pedindo vista dos autos, o Ministro Thompson Flo­res passou a liderar o Plenário, divergindo do relator e dos que com este haviam concordado. Foi o que ocorreu, por exemplo, na aprecia­ção do Habeas Corpus n? 45.067. Discutia-se a expulsão de estrangei­ro que estava sendo processado no Brasil. O relator votara pela con­cessão da ordem e fora acompanhado por cinco Ministros (ao tempo o Tribunal era constituído de 16 membros). Pediu vista o Ministro Thompson Flores e, reiniciado o julgamento dias depois, sustentou a tese de que a expulsão de estrangeiro é ato discricionário do Presiden­te da República, que o pratica como emanação da soberania nacional, de sorte que, não tendo sido proferida sentença condenatória pela Jus­tiça Brasileira no processo a que responde o estrangeiro, pode ele ser expulso do território nacional. Essa tese obteve a· adesão da maioria, sendo indeferido o habeas corpus (15).

De outra feita, discutia-se o RE 55.378. O relator conhecia da ir­resignação pela letra «b», mas lhe negava provimento. O vogal que se lhe seguira divergiu, provendo o extraordinário e cassando a seguran­ça, por não ter encontrado eiva de inconstitucionalidade no Decreto Federal em discussão. Solicitou vista o Ministro Thompson Flores e, dissentindo dos dois pronunciamentos anteriores, conheceu do recurso e lhe deu provimento, em parte, não para cassar a segurança, mas pa­ra anulpr o acórdão do Tribunal local, visto que proferido por Câma­ra isolada, deslembrada da exigência a que se referia a Constituição, então vigente, consoante a qual, nos órgãos colegiados do Poder Judi­ciário, é privativa de seu Plenário a declaração de inconstitucionalida­de. Seu voto prevaleceu e foi designado relator para o acórdão (16). Não se trata, e não se cuidava na época (1970), de tese nova. Mencio­no o precedente para acentuar a vigilância e a acuidade com que o Mi­nistro Thompson Flores acompanhava a discussão das causas, não dis­tinguindo se grandes ou pequenas, nem se nelas funcionava como rela­tor ou vogal; a todas abrangia a sua admirável vocação de Juiz.

Finalmente, ocorre-me mencionar a Ação Rescisória n? 732, ver­sando sobre venda em hasta pública que teria sido realizada em fraude à execução. No recurso extraordinário n? 47.725 fora anulada a arre­matação com arrimo no art. 895, I, do Código de Processo Civil de 1939. Daí o pedido rescisório. O relator, o revisor e um vogal, que se

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pronunciara antecipadamente, haviam votado julgando improcedente a ação rescisória. Solicitou vista o Ministro Thompson Flores e, dis­sentindo dos pré-opinantes, julgou procedente a ação para convalidar a hasta pública. Interpostos embargos de divergência, foram eles rejei­tados por unanimidade, ficando assentado que a orientação dominan­te, na doutrina e na jurisprudência, é a de que a venda de bens sujei­tos, eventualmente, aos efeitos da sentença a ser proferida em ação real ou reipersecutória só é presumida, em caráter absoluto, como fei­ta em fraude à execução, quando a citação para a demanda tiver sido inscrita no Registro de Imóveis» (17).

Ademais, constantemente preocupado com o peso das atividades impostas aos Ministros e com o contínuo crescimento delas, o Minis­tro Thompson Flores elaborou várias proposições no sentido de evitar que o serviço atribuído à Corte se tornasse invencível. De sua iniciati­va partiu a proposta que deu origem ao atual parágrafo I? do art. 119 da Constituição Federal, dando ao Supremo Tribunal Federal compe­tência para indicar, no regimento interno, as causas a que se refere o item 111, alíneas «a» e «d», do mesmo artigo. A seção concernente ao recurso extraordinário do Código de Processo Civil resultou, também, de proposta por ele elaborada. Os notórios e excelentes efeitos dessas duas proposições dispensam que, a respeito delas e de seu ilustre au­tor, sejam tecidas as considerações elogiosas a que fazem jus.

O Ministro Thompson Flores exerceu todos os cargos administra­tivos que a alta magistratura do País pode proporcionar. Integrou as três comissões regimentais, foi Vice-Presidente e Presidente do Tribu­nal Superior Eleitoral e, por igual, Vice-Presidente e Presidente do Su­premo Tribunal Federal. No desempenho dessas funções, que impõem deveres complexos e difíceis e as responsabilidades mais sérias e excel­sas, sempre se houve com invulgar êxito. Recebeu todas as dignidades a que um magistrado pode aspirar e soube realçá-las, inclusIve, com a sua dignidade pessoal e funcional. Tudo fez em prol do Poder Judiciá­rio, para que fosse distribuída a melhor justiça, aquela que ele ideali­zava:

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«Justiça que brote de Juízes independentes, sem falsos

ou mal compreendidos exageros. Justiça austera, impoluta,

incorruptível, como se faz mister o seja, e para cujos impe­

rativos prosseguiremos indormidos e intransigentes. Justiça

humana, como merece distribuída às criaturas, feitas à ima­

gem de Deus. Justiça que jamais se aparte dos fins sociais e

das exigências do bem comum, sem cujo conteúdo não teria

nenhum sentido. Justiça que se aproxime, sem excessos ou

enganosas formas, do próprio Povo, para o qual é ditada e

do qual deve estar sempre ao alcance: simples, real, despida

de tudo que a possa tornar dificultosa, a fim de que a com-

preenda melhor, sinta-a com mais fervor, e possa, assim,

nela crer, para amá-Ia, prestigiá-Ia e defendê-Ia, se preciso

for, convencido que ela é o seu baluarte democrático e a

sua mais sólida garantia. E, sobretudo, Justiça pontual, co­mo a queria Rui, porque tarda não mereceria o nobre título.

E como dizia, reclamando, «Para que paire mais alto que a

coroa dos reis e seja tão pura como a coroa dos santos».

Só assim nos tornaremos dignos do respeito e da con­

fiança da Nação, ao lado dos demais Poderes da

República» ( 18).

Mas o alto conceito do Ministro Thompson Flores não deflui, unicamente, de sua capacidade de trabalho e do seu amor à justiça, dos seus dotes de inteligência e cultura, da seriedade, isenção e pon­tualidade com que exerceu a magistratura; outras virtudes e qualidades ornam-lhe também a personalidade, singularizando-o como ser huma­no admirável. Suas intervenções, no Plenário, na Turma ou em ses­sões de conselho, sempre se fizeram no momento adequado, com a elegância de saber discutir, sem contundência, policiando-se para falar apenas o necessário. O cavalheirismo, a cortesia, a suavidade de ma­neiras, a modéstia cativante, a tolerância, a afabilidade tornaram-no alvo da amizade dos colegas, da estima dos advogados e do afeto filial dos funcionários da Casa.

Em pleno vigor físico e intelectual, com o serviço que lhe fora distribuído rigorosamente em dia, foi surpreendido pela idade-limite e em conseqüência aposentado compulsoriamente. Cumpriu-se, inexora­velmente, o preceito constitucional. O Supremo Tribunal Federal per­deu um grande Juiz. O Ministro Thompson Flores, no entanto, conti­nuará presente nos fastos da Justiça Brasileira, não só como um gran­de Juiz, mas como um Juiz exemplar.

NOTAS

I) A Família do Fundador, por Paulo Xavier, in Correio do Povo. caderno de Sá­bado, 19-4-1980, pá�. 13; 2) Discurso do Ministro Thompson Flores, in sessão come­

morativa do centenário do nascimento do Ministro Plínio Casado; 3) Discurso do Minis­

tro Thompson Flores, in Relatório do Presidente do S.T.F. correspondente ao ano de

1977, pág. 79/80; 4) Discurso do Desembargador Solon Macedonia Soares na posse do

Desembargador Carlos Thompson Flores, Revista Juridica, vol. 3, pág. 338; 5) Discurso

do Desembargador Solon Macedonia Soares, cit. na nota 4; 6) Palavras do Desembarga­dor Homero Martins Batista, Presidente do Tribunal de Justiça, na posse do Desembar­

gador Carlos Thompson Flores, Revista Jurídica, vol. 3, pág. 337; 7) Discurso do De­sembargador Solon Macedonia Soares, .;it. na nota 4; 8) Discurso do Desembargador

Sisínio Bastos Figueiredo na sessão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ao ensejo da despedida do Desembargador Thompson Flores, nomeado Ministro,

Revista de Jurisprudência, vol. 9, pág. 408; 9) Discurso do Desembargador Carlos

Thompson Flores na sessão de despedida do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul, Revista de Jurisprudência, vol. 9, pág. 4\3; 10) Discurso do Presidente

Thompson Flores na sessão solene comemorativa do sesquicentenário do S.T.F., in Re­

latório da Presidência correspondente ao ano de \978, pág. 9\; 11) Discurso do Ministro

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Moreira Alves na posse do Mmistro Thompson Flores na Presidência do Supremo Tri­

bunal Federal, Relatório de 1977, pág. 64; 12) Súmulas do Supremo Tribunal Federal,

por Hugo Mosca; 13) RE 74.355, RTJ 70/147 e HC 53.777, RTJ 83/735; 14) RE

65.291, RTJ 51, pág. 767; 15) HC 45.067, RTJ 49/829; 16) RE 55.378, Ementário 830

do S.T.F.; 17) AR 732, Ement. 787, vaI. I, RTJ 51/790 e EAR 732, Ement. 1.170, vaI.

I, S.T.F.; 18) Discurso do Min. Thompson Flores pronunciado na sessão de sua posse

na Presidência do S.T.F., Relatório de 1977, págs. 82/83.

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Discurso do Dr. FIRMINO FERREIRA PAZ,

Procurador-Geral da República

Exmo. Sr. Ministro Presidente do Colendo Supremo Tribunal Fe­deral, Exmos. Srs. Ministros da Corte Suprema, Exmo. Sr. Ministro Francisco Thompson Flores, Exmos. Srs. Ministros Presidentes dos Tribunais Superiores.

Esta homenagem, que o Supremo Tribunal Federal ora presta a Vossa Excelência, Senhor Ministro Carlos Thompson Flores, e a que se associa, por meu intermédio, cordialmente, o Ministério Público Fe­deral, é o testemunho eloqüente do grande apreço, da profunda admi­ração e do puro respeito, que todos votamos à notável personalidade de Vossa Excelência, ao juiz exemplar, ao jurista de escol, ao amigo afetuoso, ao patriota sem jaça, e ao brasileiro perante o qual, neste momento, se curva, reverencialmente agradecida, a mais alta expres­são da Justiça brasileira, que é o Supremo Tribunal Federal.

Esta homenagem é, a todas as luzes, julgamento público e supre­mo daquele que, por quase meio século, dedicou todos os momentos de sua vida honrada à distribuição de justiça a quantos lha pediam. Julgou. Agora, está sendo julgado e proclamado um dos mais eminen­tes, honrados e cultos juízes do Brasil.

Para que alguém, por tantos e tantos anos, sem o mínimo desvio de propósitos, ponha, a serviço de uma causa, força e dedicação cons­tantes, é preciso ideal e viver dele. E o mais nobre, mais sublime, o mais excelso, o mais divino, não há que o de ser justo. Desse ideal, se­nhores, viveu e vive o eminente Ministro Thompson Flores.

Julgar, servindo ao Poder Judiciário, é forma de realizar o Direi­to, prevenindo ou extinguindo conflitos sociais objeto de demandas forenses. É forma de promover a adaptação dos homens entre si, em convivência social.

Não fossem, entre os homens individualmente considerados, ou entre grupos sociais, os conflitos que a vida, em sociedade, provoca, e, mais do que isso, a prevenção ou a extinção desses conflitos, não ha­via, dentre os processos sociais de adaptação, o Direito.

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Os conflitos humanos, sejam quais lhes forem os motivos deter­minantes, são factos. Uns são preveníveis; outros, extintíveis. A pre­venção e a extinção, de sua vez, realizam-se em factos. Dessa sorte, facto previne ou extingue facto, é dizer, previne ou extingue conflito social. Opera-se, outrossim, em conseqüência, a adaptação social, fim último do Direito.

O que se sabe e aprende, todos os dias, nos Juízos ou Tribunais, é que a função judicial visa a realizar a prevenção ou a extinção dos conflitos entre os homens, para alcançar a adaptação social.

Assim, pois, em última análise, o acto judicial de julgar é, tam­bém, conceptualmente, Direito.

Dessas razões, suscintamente expostas, podemos dizer que o emi­nente Ministro Thompson Flores, por quase meio século, julgando, e o fazendo com sabedoria e prudência, fora, neste País, por todos os caminhos da judicatura, ascencionalmente, admirável e brilhante realizador do Direito no Brasil. Ninguém, nesse mister, o terá supera­do em dedicação, em amor às letras jurídicas, em senso de responsabi­lidade, em coragem e em grandeza de atitudes.

Neste Colendo Supremo Tribunal Federal, último estágio da judi­catura exercida pelo nosso homenageado, figuram-lhe, nos anais, os votos brilhantes proferidos pelo eminente Ministro Carlos Thompson Flores, a quem, incontestavelmente, devem as letras jurídicas nacio­nais grande e brilhante contribuição.

Receba, Excelentíssimo Senhor Ministro Thompson Flores, por último, do Ministério Público Federal e de mim próprio, nossas home­nagens, em sinal de respeito profundo, sincera amizade e admiração incondicional. a par de nossos votos de muitas e muitas felicidades.

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Discurso do Dr. WALDEMAR ZVEITER,

pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

Senhor Ministro Thompson Flores,

Por honrosa delegação de seu Presidente, represento o Egrégio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil nesta Magna Sessão de homenagem, que presta a Corte Suprema, a V. Exa., um de seus eminentes Ministros, que por força do atingimento de idade limi­te, dela se afastou em merecida e digna jubilação. Tenho, porém, a convicção plena de que esse afastamento jamais representará ausência no mundo jurídico nacional do Juiz reto, que por vocação e mereci­mento galgou todos os postos da Magistratura em sua terra natal ha­vendo exercido a curul máxima do T.S.E. e deste S.T. F.

Sobre sua personalidade e carreira, os doutos oradores que me antecederam incumbiram-se de gizá-Ias, ressaltando todas as nuances que o fizeram merecedor do respeito e acatamento de seus pares e ju­risdicionados. De sua cultura jurídica e humanística, dizem os arestos proferidos em toda sua vida dedicada à judicatura.

Acentuo, entretanto, que V. Exa., antes e acima de tudo, sempre soube sei JUIZ. Afirmação que aqui reitero e testemunho, em nome dos advogados brasileiros, eis que, para meu privilégio já a formulara no ano de 1974, quando, então, em nome dos advogados fluminenses, por sua Seccional do extinto Estado do Rio de Janeiro, da qual me honrava presidir, em saudação prestada a Vossa Excelência, à época Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e aos demais Presidentes dos Tribunais Estaduais daquela justiça especializada, em seu primeiro encontro Nacional, que se realizava na cidade serrana de Friburgo. E, quando realço, dentre outras, esta qualidade, que orna a personalida­de de Vossa Excelência, faço-o com vista a seu chamamento para inte­grar esta Corte Excelsa, em vaga decorrente da aposentadoria do emi­nente e douto Ministro Prado Kelly (em março de 1968) meses antes de se instalar no País o sistema de Governo que concentrando no Execu­tivo poder de arbítrio, constrangeu os demais, suprimindo do Judiciá­rio as necessárias garantias para o exercício constitucional de suas ele­vadas atribuições. É verdade que a história deste Supremo Tribunal,

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registra antecendentes de tal natureza. Têm os historiadores estabeleci­do elo de continuidade na vida desta Casa, fincando seus primitivos alicerces na Casa de Suplicação do Rio de Janeiro, embrião do que se viria constituir o Supremo Tribunal de Justiça. E já naquela época, no Poder Judiciário do Império, marcou-se o episódio da ingerência, ano­tado por Geminiano da Fonseca, dentre outros, quando por seu Mi­nistro da Justiça tentava o executivo influir nos trabalhos do Tribunal. Depois, na República, acentuando-se, ficaram notórios os constrangi­mentos praticados nos Governos de Floriano Peixoto, Prudente de Moraes e Hermes da Fonseca, que chegaram a paralização do Tribu­nal, por ausência de quorum às sessões, eis que nas vacâncias ocorri­das não se lhe nomeavam novos Ministros. Fatos chegados até o período ditatorial do Estado Novo.

E ao destacar, Senhor Ministro Thompson Flores, Senhores Mi­nistros, estes fatos, gravados na memória jurídica nacional, tristes epi­sódios os quais, todavia, não tiveram o condão de eliminar a vocação democrática de nosso povo ou minimizar-lhe os anseios de sedimenta­ção do sistema federativo estruturada num Estado Pleno de Direito, onde o respeito à liberdade e aos direitos civis se constituam realidade alcançável ao mais comum dos cidadãos, os quais devem ter no Poder Judiciário, Órgão Moderador por excelência, os freios e contrapesos aos excessos e pressões dos demais poderes com os quais compartilha na formação dum País socialmente organizado, faço-o porque inobs­tante todos esses percalços, os juízes desta Corte Máxima sempre se colocaram indenes ao entrechoque das paixões partidárias que lhes de­ram causa.

Como Juízes, cônscios de sua missão político institucional, na in­terpretação e aplicação das leis, sempre buscaram atender aos pedidos ode prestação Jurisdicional, obedientes ao princípio do controle de sua constitucionalidade, fato que no meu modesto entender levou o emi­nente Ministro Djaci Falcão, quando de sua Presidência, em 1975, a

«ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, mesmo nas fases excepcionais da vida política brasileira, vem mantendo seu empenho de resguardar, com naturalidade, independên· cia e firmeza de convicção, o superior papel que lhe é reser­vado pela Constituição Federal.»

Por isso que os advogados brasileiros, por sua Corporação, atra­vés seu Conselho Federal e suas Seccionais, como estamento social, em legítima representação daqueles anseios da Nação Brasileira, com vigor e serenidade se opôs, como voz primeira e isolada, ao ato viola­dor das garantias constitucionais do poder judiciário, imposto pelo Ato Institucional n? 5, lutando por seu pleno restabelecimento.

Não o fez, entretanto, Senhores Ministros, por entender necessá­rio a Vossas Excelências, ou aos demais Juízes brasileiros, como

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Juizes, aqueles predicamentos ao exercI CIO de suas elevadas funções. Julgadores isentos e independentes, para tanto bastou-lhes a força mo­rai e a honradez da toga que ostentam.

Fê-lo por saber fórmula indispensável a restauração do Estado de Direito Democrático, que quer, na letra do pacto social, a existência dos poderes que o constituem, independentes e harmônicos entre si. Fê-lo por compreender, como na voz do Ministro Oswaldo Trigueiro «que só através da aprendizagem da democracia, num sistema presi­dencialista, poderíamos alcançar a estabilidade político-institucional, por serem essas as tendências e a vocação do povo brasileiro e assim deixando, com essa aprendizagem democrática, de viver afogados em leis e constituições fictícias, desprezando o formalismo e fazendo con­viver, então, o país legal com o país real.»

Senhor Ministro Thompson Flores. Viveu Vossa Excelência todos os momentos daquela excepcionalidade como Juiz desta Corte, do Tri­bunal Superior Eleitoral, como seu Presidente e como Chefe do Poder Judiciário Nacional.

Quer judicando, quer exercendo as atribuições administrativas da Presidência do Supremo Tribunal Federal, Vossa Excelência sempre demonstrou elevado saber Jurídico, sólida formação humanística e acurado senso administrativo. Sua isenção e competência estão procla­madas em todos os brilhantes votos aqui proferidos. Sua altivez e in­dependência deram continuidade às sólidas tradições desta Corte, que do Império à data presente sobrepairou acima de todas as formas e tentativas de minimização de suas elevadas atribuições constitucionais. Disso trazem seu testemunho e saudação, por minha voz, os advoga­dos brasileiros ao afirmar que, ao jubilar-se, pode guardar Vossa Ex­celência, a certeza do dever cumprido, o crédito de nosso respeito e admiração e o pleno acatamento de seus jurisdicionados.

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Palavras do Senhor Ministro XA VIER DE ALBUQUERQUE, Presidente, suspendendo a Sessão

As orações hoje produzidas passarão a integrar os anais desta Ca­sa e com eles se perpetuarão.

Agradeço, novamente, a presença do ilustre Ministro Francisco Thompson Flores, que aqui representa nosso querido homenageado. Agradeço, igualmente, e registro a presença do eminente Ministro José Néri da Silveira, Presidente do egrégio Tribunal Federal de Recursos; do ilustre Ministro Luíz Octávio Gallotti, membro e representante do Presidente do Tribunal de Contas da União; do ilustre Ministro José Fernandes Dantas, do Tribunal Federal de Recursos; do advogado Dr. Antônio Carlos Elizalde Osório, que representa a Ordem dos Advoga­dos do Brasil, seção do Rio Grande do Sul; dos Srs. advogados aqui presentes; dos funcionários do Tribunal, que vieram prestigiar a ho­menagem devida ao notável ex-Presidente; e de todos quantos trouxe­ram o endosso de seu prestígio a esta solenidade.

Para que os eminentes Senhores Ministros tenham oportunidade de cumprimentar o representante do homenageado e as autoridades presentes, suspendo a sessão por cinco minutos.