Miolo Como envelhecer · aulas, terapias, livros e outras ferramentas para ajudá-lo a ter uma vida...

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Anne Karpf é escritora, socióloga da saúde e jornalista premiada. É colaborada da revista Cosmopolitan, e escrevia uma coluna sema- nal na seção de família do Guardian, para o qual agora contribui com colunas sobre assuntos sociais, políticos e culturais. Também escreve para o Independent on Sunday e outras publicações. Locuto- ra, escreve e apresenta um programa na BBC Radio 4 e é autora de três livros, incluindo The Human Voice (2007). Karpf é professora adjunta de redação profissional e pesquisa cultural na London Me- tropolitan University. The School of Life se dedica a explorar questões fundamentais da vida: Como encontrar satisfação no trabalho? É possível compreen- der nosso passado? Por que é tão difícil administrar relacionamentos? Se pudéssemos mudar o mundo, deveríamos mudá-lo? Com sede em Londres e escritórios em vários países, The School of Life oferece aulas, terapias, livros e outras ferramentas para ajudá-lo a ter uma vida mais plena. Não temos todas as respostas, mas guiaremos você a uma variedade de ideias relacionadas às ciências humanas — da filosofia à literatura, da psicologia às artes visuais — para estimular, provocar, nutrir e consolar. Miolo_Como envelhecer.indd 1 Miolo_Como envelhecer.indd 1 1/26/15 14:34 1/26/15 14:34

Transcript of Miolo Como envelhecer · aulas, terapias, livros e outras ferramentas para ajudá-lo a ter uma vida...

Anne Karpf é escritora, socióloga da saúde e jornalista premiada.

É colaborada da revista Cosmopolitan, e escrevia uma coluna sema-

nal na seção de família do Guardian, para o qual agora contribui

com colunas sobre assuntos sociais, políticos e culturais. Também

escreve para o Independent on Sunday e outras publicações. Locuto-

ra, escreve e apresenta um programa na BBC Radio 4 e é autora de

três livros, incluindo The Human Voice (2007). Karpf é professora

adjunta de redação profi ssional e pesquisa cultural na London Me-

tropolitan University.

The School of Life se dedica a explorar questões fundamentais

da vida: Como encontrar satisfação no trabalho? É possível compreen-

der nosso passado? Por que é tão difícil administrar relacionamentos?

Se pudéssemos mudar o mundo, deveríamos mudá-lo? Com sede em

Londres e escritórios em vários países, The School of Life oferece

aulas, terapias, livros e outras ferramentas para ajudá-lo a ter uma

vida mais plena. Não temos todas as respostas, mas guiaremos você

a uma variedade de ideias relacionadas às ciências humanas — da

fi losofi a à literatura, da psicologia às artes visuais — para estimular,

provocar, nutrir e consolar.

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Como envelhecerAnne Karpf

Tradução: Michele Gerhardt

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Copyright © Anne Karpf, 2014Publicado primeiramente em 2014 por Macmillan, um selo da Pan Macmillan, uma divisão da Macmillan Publishers Limited.Todos os direitos reservados.

Todos os direitos desta edição reservados àEditora Objetiva Ltda.Rua Cosme Velho, 103Rio de Janeiro — RJ — Cep: 22241-090Tel.: (21) 2199-7824 — Fax: (21) 2199-7825www.objetiva.com.br

Título originalHow to Age

CapaAdaptação de Trio Studio sobre design original de Marcia Mihotich

Projeto gráfi coAdaptação de Trio Studio sobre design de seagulls.net

RevisãoTamara SenderAna GrilloFatima Fadel

Editoração eletrônicaTrio Studio

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

K28c

Karpf, Anne Como envelhecer / Anne Karpf ; tradução Michele Gerhardt. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Objetiva, 2015. 192p. (The School of Life)

Tradução de: How to Age ISBN 978-85-390-0655-7

1. Sucesso. 2. Comportamento humano. I. Título. II. Série.

14-18871 CDD: 158.1 CDU: 159.947

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Sumário

Introdução 9

1. O que é envelhecer? 23

2. Medo de envelhecer 39

3. Abraçando a idade 67

4. Entre as idades 93

5. Idade e gênero 123

6. Um capítulo bem curto sobre a morte 147

7. Arco da vida 155

Conclusão 173

Dever de casa 181

Agradecimentos 187

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Para Peter

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“Oh, Deus! Possa eu estar vivo quando morrer.”

Donald Winnicott

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Introdução

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Miolo_Como envelhecer.indd 10Miolo_Como envelhecer.indd 10 1/26/15 14:341/26/15 14:34

É a manhã do trigésimo aniversário de Gina, o que seus cabelos

gentilmente não a deixam esquecer: ela encontra o segundo fi o

branco. No trabalho, há dois cartões de aniversário sobre a sua

mesa. O primeiro diz: “Não precisa se torturar só porque está fa-

zendo 30 anos… a vida se encarregará disso!” O segundo não tem

nada escrito, traz apenas uma reprodução do quadro O grito de

Edvard Munch com o número 30 sobreposto.

O namorado de Gina, Jack, não ajuda muito. No seu aniver-

sário de 40 anos no mês anterior, o cartão do melhor amigo dele

dizia: “Tem 40 anos? Bem… você ainda é jovem o sufi ciente para

viver um pouco… mas se apresse!”, e a mensagem do cartão que o

irmão dele enviou era: “Feliz aniversário… e alegre-se! Logo você

vai amar ter 40… daqui a dez anos quando descobrir que está

fazendo 50!”

Nem Gina nem Jack falaram para seus amigos e familiares

como se sentiram constrangidos com esses cartões; sabiam que

só serviria para motivar aqueles mantras dos passivo-agressivos:

“Onde está seu senso de humor?” ou “Não aceita uma brincadei-

ra?”. Mas você não precisa ter lido Os chistes e sua relação com o

inconsciente de Freud (mas se não leu, leia — está cheio de boas

piadas) para saber que o humor é uma forma pela qual lidamos

com a ansiedade e a controlamos.

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12 Como envelhecer

Os pais de Gina também não ajudam muito. Sua mãe, Sara, de

56 anos, entre as aulas de Pilates e as consultas para aplicação de

colágeno, está arrumando as malas para passar o fi m de semana

em um spa, enquanto seu pai, Clive, de 62 anos, vai sair para andar

de jet ski, após assistir à palestra do autor de Generation Ageless

[Geração sem idade].

Embora os pais de Gina possam aparentar terem dissipado

quaisquer ansiedades sobre envelhecer — removendo-as a laser jun-

to com as rugas de suas testas —, na verdade, Gina e Jack e os pais

dela estão sofrendo da mesma dolorosa condição: um medo profun-

do de envelhecer.

Se as previsões demográfi cas estiverem certas, Gina e Jack po-

dem muito bem viver até os 100 anos: isso signifi ca que ainda vão se

preocupar por muito tempo. Os pais de Gina, porém, se convence-

ram de que, tendo nascido na geração dos baby boomers, extirparam

o envelhecimento, seu pai sempre insistindo — igual a Mick Jagger

— que seus pés de galinha são apenas linhas de expressão causadas

pelo riso. (Ele claramente nunca ouviu falar da resposta do escritor e

músico George Melly a Jagger: “Nada é tão engraçado assim.”)

Ambas as gerações dessa família monitoram seus corpos em

busca de sinais de envelhecimento: para se sentir bem, a mãe de

Gina se compara com aquelas pessoas que aparecem nas listas dos

sites de Celebridades que Não Envelheceram Bem, enquanto Gina

está apreensiva de que seu aniversário marque o começo de um pro-

cesso inexorável de declínio. Os pais negam o fato de que estão enve-

lhecendo; a fi lha tem pavor disso.

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Introdução 13

Uma terceira abordagem para o envelhecimento

Essa família, porém, não inventou todas essas narrativas punitivas

do nada: elas foram historicamente determinadas e culturalmen-

te moldadas. E até nas culturas ocidentais existe hoje uma tercei-

ra forma de ver o processo de envelhecimento, em que se começa

questionando a própria ideia da idade avançada como uma entidade

homogênea — um planeta Velho, do qual uma pessoa se torna auto-

maticamente cidadã em seu aniversário de 50 ou 60 anos ou, se você

é pessimista, uma ou duas décadas antes.

É um absurdo da nossa parte encarar os 40 ou 50 ou 60 até os

100 anos como uma coorte única — não menos ridículo do que en-

tender as idades entre 0 e 40 da mesma forma! Ah, você pode discor-

dar, mas essas primeiras quatro décadas são de imensa mudança. E

aqui esmiuçaremos um dos preconceitos mais arraigados sobre o

envelhecimento — de que é um momento de estagnação. Ou, se não

de estagnação, de mudança em apenas um sentido: o do declínio. De

fato, como veremos, envelhecer pode ser altamente enriquecedor,

uma época de enorme crescimento.

Além disso, em uma coisa todos os mais importantes pesquisa-

dores concordam: que nos tornamos mais, e não menos, distintos

conforme envelhecemos. A idade não apaga nossas características

individuais e identidades — pelo contrário, ela as engrandece. Na

verdade, existem muito mais diferenças entre indivíduos de um mes-

mo grupo etário do que entre os grupos etários: um homem londri-

no saudável, branco, de classe média, com 72 anos, provavelmente

tem mais em comum com um homem londrino, branco, de classe

média, com 32 anos, do que com uma mulher negra, de 72 anos,

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14 Como envelhecer

subnutrida, que mora na zona rural de alguma cidade do Equa-

dor, que tenha oito fi lhos e cuide de quatro netos. E nenhum deles

certamente vê a idade como sua característica mais signifi cativa.

(De fato, renda, raça e classe social são provavelmente muito mais

expressivas.)

Isso pode surpreender Gina, que acha que, ao receber seu pas-

se livre de ônibus, se tornará nada além de velha — que todas as

suas outras características, idiossincrasias e história pessoal serão

apagadas ou subordinadas à carapaça asfi xiante de VELHA, que já

começou a lançar sombra sobre a sua vida de trintona. Quem não

teria medo?

Se a idade é tudo para Gina, não é nada para a mãe dela, que se

recusa a fazer qualquer concessão à idade, como se o menor sopro

de reconhecimento do processo pudesse, de alguma forma mágica,

acelerá-lo. Portanto, condena a si mesma a gastar vasta quantidade

de energia na luta contra o envelhecimento, energia que ela poderia

dedicar a viver de forma mais plena.

Mas a terceira abordagem, explicada com detalhes neste livro, é

muito mais positiva e sedutora. Ela vê o envelhecimento como um

processo que dura a vida toda, não algo confi nado aos seus estágios

mais avançados, e como uma oportunidade para se desenvolver —

na realidade, uma parte verdadeiramente intrínseca da vida. Para

começarmos a trilhar esse caminho, precisamos quebrar o tabu do

envelhecimento e aceitar que envelhecer é inevitável — se tivermos

sorte. Uma vida longa signifi ca que somos privilegiados, pelo acaso

genético, pela afl uência ou por mera sorte. Woody Allen insistia em

dizer que não tinha nada contra o envelhecimento “já que ninguém

tinha descoberto uma forma melhor de não morrer jovem”.

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Introdução 15

Esse reconhecimento do envelhecimento envolve luto, porque

existem perdas inevitáveis associadas a ele, devido à função (nenhu-

ma pessoa de 50 anos de idade vai vencer Wimbledon, e logo depois

dos 35 anos provavelmente já não terá mais chances), ou à morte de

amigos e familiares, ou ao reconhecimento da própria condição de

mortal. Mas, embora o luto seja doloroso — signifi ca tolerar a tris-

teza —, a ideia de que o envelhecimento não é nada além de uma

trajetória de declínio é extremamente equivocada.

Os ganhos da idade

De fato, uma vez que nos livramos do modelo “defi citário” do enve-

lhecimento, fi ca claro que a natureza costuma ser mais equitativa

do que supúnhamos: recentes pesquisas neurológicas mostram que

o cérebro da meia-idade — aproximadamente entre os 35 e os 65, ou

até mais — é muito mais elástico do que a maioria de nós acreditava.

A memória de curto prazo pode diminuir, mas as conexões entre o

que retemos se tornam melhores. Winston Churchill se tornou pri-

meiro-ministro aos 66 anos e o arquiteto Frank Lloyd Wright con-

cluiu o projeto de sua obra-prima, o museu Solomon Guggenheim,

em Nova York, quando tinha 80 anos.

A história mundial está cheia de desenvolvedores tardios —

não necessariamente indivíduos excepcionais em busca de feitos

que quebrem recordes, mas pessoas comuns que encontraram

formas originais de desenvolver novas capacidades e novos re-

lacionamentos, que compreendem que podemos continuar cres-

cendo enquanto continuamos a respirar, e que alguns aspectos

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16 Como envelhecer

do nosso ser, como crescimento espiritual, levam tempo. Sem

dúvida, para muitos de nós, esse tipo de crescimento é uma das

inesperadas recompensas do envelhecimento, e que pode come-

çar a se desenvolver até quando somos jovens adultos. Na pes-

quisa para este livro, entrevistei pessoas de todas as idades. O

impressionante é como quase todos se sentem engrandecidos, e

não diminuídos, com o envelhecimento.

O envelhecimento, se permitirmos, nos fornece um panorama

em constante mudança, algo que as caricaturas da idade obscure-

cem ou simplifi cam. Por exemplo, não somos simplesmente fi lhos

e depois adultos: as relações com os pais e a luta para se separar

deles podem se arrastar pelos 20 e poucos anos e até por mais tem-

po que isso. Ainda assim, não existe uma palavra para designar a

descendência adulta. É como se não concebêssemos que o laço pai-

fi lho perdure além da infância, e por isso não existe a necessidade

de uma palavra além de “fi lhos adultos”, um termo que soa como

um paradoxo.

Apesar do título deste livro, que tem a intenção de desafi ar a

ideia de que a única forma boa de envelhecer é não envelhecer,

ele não fornece uma receita de bolo ou uma prescrição médica;

pelo contrário, este livro se desenvolve a partir da crença de que

precisamos nos libertar das ideias predeterminadas de como

uma pessoa mais velha, ou mesmo mais jovem, deve parecer,

soar ou viver. O psicanalista Donald Winnicott afi rmou que viver

criativamente envolve reter algo pessoal que seja inequivocamen-

te você. A visão de envelhecimento que este livro encoraja e sobre

a qual refl ete, embora nunca esconda algumas das indignidades

e desafi os da idade avançada, vê a continuidade do nosso eu mais

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Frank Lloyd Wright concluiu o projeto de sua obra-prima, o museu Solomon Guggenheim, em Nova York, quando tinha 80 anos.

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18 Como envelhecer

jovem e mais velho: continuamos sendo nós mesmos por toda a

vida, apenas mais velhos. Ainda mais importante, o envelheci-

mento nos dá a oportunidade — que foi identifi cada pela escrito-

ra May Sarton em seu esclarecedor livro de memórias At Seventy

[Aos setenta], em que fez uma crônica do ano que começou no

seu aniversário de 70 anos — de sermos totalmente nós mesmos:

mais, e não menos, indivíduos. Envelhecer, em cada estágio da

vida, pode ser altamente enriquecedor.

Se Gina conseguir superar o medo, irá perceber que isso já co-

meçou a acontecer: que ela, na verdade, está mais satisfeita com

sua vida aos 30 do que aos 20 — entende melhor a si mesma, seus

relacionamentos estão mais sólidos. O medo que Gina tem de en-

velhecer é direcionado a alguma mudança sem forma, assustadora

e maligna, que a impede de apreciar os benefícios que ela já colheu

do processo de envelhecimento. É como se houvesse uma disso-

nância cognitiva acontecendo, que leva Gina a assumir simulta-

neamente duas atitudes contraditórias: ela está com medo do que

já começou, de forma um tanto benigna, a acontecer. Ela está enve-

lhecendo com vitalidade, mesmo temendo fi car mais velha.

Winnicott também afi rmava que a vida criativa acabava sur-

preendendo. A capacidade de se surpreender, de ser curioso e

dedicado não é uma prerrogativa de pessoas jovens (devemos

recusar o termo “os jovens” com a mesma veemência que nos

recusamos a falar “os velhos” — é uma forma de resistir à ten-

dência de homogeneização), e pode, sim, se intensifi car conforme

fi camos mais velhos.

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Introdução 19

Acolhendo a idade em si

Ao tentar não associar idade a uma patologia, precisamos fazer uma

importante diferença entre resistir à discriminação com base na ida-

de e resistir à idade em si. A primeira abre a porta para um caminho

com um rico potencial, nos libertando para que continuemos nos

desenvolvendo e mudando, enquanto a segunda fecha essa porta,

nos condenando a uma tentativa inútil de recuperar o irrecuperável.

Também precisamos compreender como, segundo a autora Mar-

garet Morganroth Gullette, somos “envelhecidos pela cultura”. Nas

sociedades ocidentais, temos a tendência a pensar no envelhecimen-

to em termos biomédicos, como uma condição fi siológica. E é claro

que somos criaturas corpóreas, o estado de nosso corpo tornando

certas atividades possíveis e impossibilitando outras. Mas um fator

igualmente, se não mais, crucial que modela a forma como enve-

lhecemos é a cultura em que vivemos: não apenas a sua atitude em

relação ao envelhecimento, mas também sua política. Para um gran-

de número de pessoas, envelhecer signifi ca empobrecer, o que, por

sua vez, impede os mais velhos de viver os prazeres e a plenitude da

vida. Quanto mais sonoramente promovermos a terceira abordagem

ao envelhecimento, aquele que o adota e o enxerga como um proces-

so de toda a vida, mais evidente fi cará que a pobreza não é intrínseca

ao envelhecimento, e sim o resultado de políticas e práticas que ex-

pressam desprezo e indiferença às pessoas mais velhas e ao próprio

processo de envelhecimento — e ao qual todos nós podemos resistir,

independentemente da idade.

Nos capítulos a seguir, apresento a ideia de envelhecimento

como um processo que dura a vida toda e que deve ser comemorado,

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20 Como envelhecer

e falo sobre o medo do envelhecimento — encarnado em Gina e em

seus pais — que impregna nossos pensamentos. Em seguida, ofere-

ço exemplos estimulantes de pessoas que aceitam o envelhecimento

e refl ito sobre como podemos seguir seus passos. Também descre-

vo mudanças históricas e culturais em relação às posturas em face

do envelhecimento e mostro como a segregação devido à idade está

sendo desafi ada. Dedico um capítulo às formas nas quais nossas

experiências de envelhecimento são separadas de acordo com o sexo

e a recente expansão da autoanálise masculina. Logo em seguida,

apresento um capítulo que debate, nas palavras do rabino Zalman

Schachter-Shalomi, que “morte não é um erro cósmico” e que, se

nos esforçarmos para integrá-la à nossa compreensão de vida desde

a mais tenra idade, isso pode paradoxalmente reduzir o medo do

envelhecimento. A morte, então, se torna parte do que chamo no úl-

timo capítulo de “o arco da vida”, que nos permite conectar as nossas

experiências de vida a uma cadeia signifi cativa.

“A idade nos pega de surpresa”, observava Goethe. Simone de

Beauvoir não pôde acreditar quando se colocou em frente a um es-

pelho pela primeira vez e disse: “Tenho 40 anos.” Gloria Steinem

registrou que “Um dia acordei e havia uma mulher de 70 anos na

minha cama”. (Interessante como isso é muito menos citado do que

sua resposta a um repórter que disse que ela não parecia ter 40: “É

assim que uma pessoa de 40 anos fi ca.”) O processo de envelheci-

mento é tão caricaturado e repudiado que as pessoas mais velhas

costumam dizer, surpresas: “Não me sinto velha, ainda me sinto

como se tivesse 18 anos por dentro.” Elas ainda têm 18 anos por den-

tro — e 8, e 28, 38, 48 e 58: todas essas idades anteriores não são es-

tripadas pela idade, e sim cobertas umas pelas outras, como anéis no

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O aniversário de 30 anos de Maggie Kuhn foi o pior de sua vida, lembrou ela — quando tinha 85 anos.

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22 Como envelhecer

tronco de uma árvore. A compreensão de que, conforme envelhece-

mos, não precisamos ser despejados de nossas predileções e paixões,

interesses e sensações — em realidade, do nosso corpo, indepen-

dentemente das limitações físicas que possamos experimentar; que

não somos arremessados em uma categoria homogênea chamada

“velho” da qual todos os indícios de nossa identidade anterior foram

expulsos; que o gosto da vida pode sobreviver às inevitáveis reduções

e privações que sofremos ao longo do caminho —, isso tudo, certa-

mente, torna o envelhecimento algo muito menos assustador.

Maggie Kuhn, fundadora do movimento American Gray Pan-

ther, um grupo intergeracional contra a discriminação etária, mos-

trou empatia pela infelicidade de Gina ao deixar para trás seus 20

e poucos anos. O aniversário de 30 anos de Kuhn foi o pior de sua

vida, lembrou ela — quando tinha 85.

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1. O que é envelhecer?

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Rugas, sapatos anatômicos e Alzheimer — essas palavras, ou algo

parecido, é o que a maioria de nós diria se nos pedissem para fazer-

mos uma livre associação sobre o tema “envelhecimento”. Mas elas

são totalmente equivocadas, porque confundem envelhecer com ve-

lhice ou doença. Na verdade, todos nós começamos a envelhecer no

momento em que nascemos: pode-se dizer que o nascimento provo-

ca o envelhecimento — este não é possível sem aquele. Assim que

você compreende o envelhecimento como algo presente por todo o

ciclo de vida, como algo que está ocorrendo neste instante com todos

nós, independentemente da idade, começa a vê-lo por uma perspec-

tiva diferente daquele padrão no qual somos jovens e, de repente,

quando chegamos a determinado limiar (25, 30, 40, 50 — pode es-

colher), cruzamos a barreira do “envelhecimento”.

É difícil se desvencilhar desse ponto de vista tão culturalmente

arraigado. Os jovens anseiam por fi car mais velhos — eles associam

o envelhecimento à liberdade de fazer as coisas que até então eram

proibidas. Quando vou poder fi car acordado até as dez da noite?

Quando vou ter permissão para ir a um show sozinho? Mal pos-

so esperar completar 18 anos para poder comprar bebida alcoólica

legalmente. Quando se é jovem, envelhecer signifi ca se libertar da

tirania dos pais, fazer as próprias escolhas e ganhar mais controle

sobre a própria vida. Envelhecer, quando se é criança, é inteiramente

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26 Como envelhecer

visto como o meio através do qual suas capacidades (andar, falar,

escrever e raciocinar) se desenvolvem e é celebrado como a rota para

a independência. É no 180 aniversário que se grita: “Finalmente!”

Mas então, de forma quase imperceptível, essa visão do envelhe-

cimento começa a mudar: para a maioria de nós, provavelmente aos

20 e poucos anos, a antecipação e o otimismo passam a vir acompa-

nhados, às vezes até substituídos, por ansiedade e até medo. O breve

interlúdio de liberdade sem responsabilidades termina, e as exigên-

cias da vida adulta, como precisar se sustentar, começam a aparecer.

A perspectiva de uma vida sem férias de seis semanas é um rito de

passagem realmente chocante. As pessoas agora esperam que você

se comporte de acordo com as ideias que elas têm de um adulto,

sem parecer levar em consideração que talvez você não se sinta um

adulto, ou nem mesmo saiba o que é se sentir um adulto. Ficar mais

velho começa a parecer mais uma perda do que um ganho, algo a

que devemos resistir. Por volta dos 25 anos, as pessoas têm o direito

de fazer praticamente tudo pelo que ansiaram antes, e agora o resto

da vida começa a se desenrolar assustadoramente. Alexa, de 16 anos,

estudante londrina, contou para a tia que acorda no meio da noite

preocupada se saberá preencher uma declaração de imposto de ren-

da quando for o momento.

De fato, muitos jovens veem os 25 como a idade em que a vida

adulta realmente começa. Não é um número totalmente arbitrário,

já que apenas aos 25 anos nossos lobos frontais estão completamente

desenvolvidos e a necessidade de gratifi cação imediata é modifi ca-

da pela maturidade cognitiva, trazendo maior capacidade de empa-

tia e perspectiva de longo prazo. Vinte e cinco anos, assim como

Becky, de 24, sinaliza um pouco alarmada, é um quarto de século.

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O que é envelhecer? 27

É quando ela planeja parar de fumar, como se ela de repente fosse

fi car mais suscetível à mortalidade na manhã do seu 25o aniversário.

Ou talvez nesse dia ela fi nalmente se torne inegável.

Como nossos atos mudam completamente no espaço de uma dé-

cada ou duas: de olhar com desdém para os mais jovens (na família,

no colégio) a olhar com desdém para os mais velhos…

Envelhecer hoje

Envelhecer no século XXI é algo particularmente confuso. Hoje,

é comum pessoas de 34 se parecerem com as de 24 de meros cin-

quenta anos atrás, e as de 44 se parecerem com as de 34. Mas

parecer não signifi ca ter.

Tradicionalmente, crescer signifi cava sair de casa: você precisava

se separar dos adultos antes de se tornar um. Isso, porém, se tornou

um processo cada vez mais prolongado. Podemos comemorar o fato

de que algumas ideias sobre envelhecimento se tornaram menos

rígidas, e que a maioria de nós se sente menos programada para

conseguir um emprego, se casar, comprar um apartamento e ter fi -

lho — cada um deles, nessa ordem, em uma determinada idade.

Mas as mensalidades escolares, o alto índice de desemprego e

o custo exorbitante dos imóveis signifi cam que os jovens acabam

fi cando fi nanceiramente dependentes dos pais por mais tempo. A

juventude costumava ser uma breve fase de transição entre a infân-

cia e a idade adulta: hoje em dia pode se estender até os 30 e poucos

anos. Os pais estão tendo de investir tanto dinheiro nos fi lhos que

alguns esperam um retorno. E também acreditam que têm direito

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a um nível maior de participação nas decisões dos fi lhos — afi nal,

estão pagando —, embora possam não estar preparados para dar

conselhos sobre as novas e sem precedentes realidades sociais que

os fi lhos estão enfrentando.

(Nos carros da Ford, existe agora um dispositivo que permite

que os pais controlem antecipadamente a velocidade em que os fi -

lhos vão dirigir, além de poderem programar avisos insistentes para

usar o cinto de segurança e encher o tanque. É como se os pais es-

tivessem dentro do carro com você — um tipo de acordo. Além da

frase “me deixe em paz”, os adolescentes agora poderão também

acrescentar “me deixe dirigir em paz”.)

Um número crescente de pessoas com 20 e poucos e 30 e poucos

anos agora teme crescer. O homem-criança se agarra aos seus video

games e gibis e se recusa a mudar. Ele associa crescer com falta de

alegria. Mas talvez seja menos sobre pagar uma hipoteca ou uma

pensão e mais sobre aprender a assumir a responsabilidade sobre

seus gastos; sobre ser capaz de adiar uma gratifi cação, em vez de in-

sistir no “Eu quero agora”; sobre não dizer a primeira coisa que vem

à cabeça e pensar nos outros da mesma forma que em si mesmo?

Talvez crescer seja outra maneira de dizer que sua perspectiva se

expandiu. Precisamos repensar nossas ideias sobre o que o envelhe-

cimento signifi ca em cada idade, e não apenas na velhice.

Retrocedendo na idade?

Ainda assim, se recebesse a oferta de reviver sua adolescência, até

mesmo o eterno adolescente provavelmente a recusaria. Tudo bem,

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O curioso caso de Benjamin Button: rearranjando as idades, este personagem nasce com a aparência e as enfermidades de um velho e fi ca mais jovem com o passar dos anos.

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resmungam aqueles que desprezam o processo de envelhecimento:

talvez o envelhecimento traga alguns prazeres, talvez ter 15 anos não

seja a utopia que nostalgicamente imaginamos que seja. Mas não

seria maravilhoso voltar para aquela idade com todo o conhecimento

conquistado em todos esses anos? Ser mais jovem e mais sábio —

existe alguma fantasia mais comum do que essa? Ou mais absurda?

É como querer que seu fi lho nasça sabendo andar, ou que saiba reci-

tar a Odisseia de Homero em latim aos 3 anos — um desejo infantil

e arrogante, porém compreensível, de apagar o tempo.

Filmes variados reimaginaram o ciclo da vida e rearranjaram

as idades: desde Quero ser grande (1988), em que Tom Hanks in-

terpreta um garoto de 12 anos de idade colocado no corpo de um

homem de 30; até De volta aos 18 (1988), em que um homem de 81

anos, interpretado por George Burns, troca de corpo com o neto de

18; ou O curioso caso de Benjamin Button (2008), baseado no conto

de Scott Fitzgerald, no qual o personagem de Brad Pitt nasce com a

aparência e as enfermidades de um velho e fi ca mais jovem com o

passar dos anos.

Podemos interpretar nessas fantasias da cultura popular uma

geração lutando contra o signifi cado de envelhecer. Esses fi lmes

terminam ou de forma triste ou com o protagonista voltando à ida-

de verdadeira — claro que sim, porque envelhecemos junto com

o nosso grupo de iguais (estar sozinho como uma exceção é uma

experiência solitária), e em um determinado período histórico. So-

mos um emaranhado de memórias pessoais, mas também sociais e

culturais. É uma experiência completamente diferente ser jovem no

começo do século XXI, por exemplo, em que isso signifi ca um esta-

do distinto, invejável e prolongado, do que era, digamos, na década

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O que é envelhecer? 31

de 1940, antes do lançamento de roupas e cultura para adolescen-

tes, quando a idade adulta era tão admirada e os jovens mal podiam

esperar para desfrutar de todos os direitos da vida adulta — para

parecer e soar como um adulto de verdade.

Houve todo tipo de razão para essa mudança cultural, incluindo

o desenvolvimento do mercado. Antes da década de 1960, você era

criança ou era adulto — não havia muita coisa entre os dois — e isso

se refl etia nos tipos de roupas e nas oportunidades de lazer disponí-

veis. Mas o crescimento econômico e a invenção da adolescência de-

ram à luz uma categoria de consumo totalmente nova, segmentada

por idade. Ao mesmo tempo, a juventude passou a ser tão apreciada

que, hoje em dia, às vezes parece que os pais querem se parecer com

os fi lhos e agir como eles.

Mas é claro que não podemos voltar atrás. A existência huma-

na é temporal; como afi rmam os zen-budistas, o ser não pode estar

dissociado do tempo. Nós vivemos inseridos no tempo: não apenas

da nossa vida individual, mas também da nossa geração e da era

em que nascemos. Envelhecer nem sempre é apenas um processo

fi siológico, mas também psicológico, intelectual, social e cultural —

a ideia de que é simplesmente um caso de troca da brincadeira por

responsabilidades é uma injustiça com a complexidade e a riqueza

da experiência. Nossos corpos mudam, mas, ao mesmo tempo (a

não ser que repitamos rígida e compulsivamente velhos padrões),

nós amadurecemos; envelhecer, portanto, é menos sobre o velho e

mais sobre o novo. Nossos cérebros, nossas mentes, nossas capaci-

dades de relacionamento — quando são oferecidos alimento, amor,

saúde e estímulo sufi cientes — se desenvolvem e crescem. De fato,

a capacidade de brincar (principalmente entre aqueles a quem isso

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foi limitado na infância) pode fl orescer com a idade. Como podemos

considerar isso algo além de um motivo para celebração?

Se você quiser brincar do jogo de troca de décadas, em vez de

imaginar-se mais jovem, mas com o nível atual de conhecimen-

to e maturidade, tente brincar de outra maneira: o que o meu eu

mais jovem acharia do meu eu agora? Exceto naqueles que nutri-

ram expectativas absurdamente exageradas quando mais jovens, a

maioria das pessoas que tentam essa mudança de idade chega ao

mesmo “se”: “se eu soubesse disso naquela época, a minha vida

teria sido melhor”.

Orgulho de ser mais velho

Pais sentem um enorme prazer ao verem seus fi lhos se desen-

volvendo. Seria possível obter satisfação de um processo similar

em si mesmo — observando a forma como superamos as difi cul-

dades da vida, por exemplo? Isso não é narcisismo: é autoajuda

no sentido mais verdadeiro da palavra. Para a maioria de nós,

crescimento e maturidade são conquistados com difi culdade, e

também são uma fonte de satisfação — não iríamos querer abrir

mão deles. Gostamos do nosso eu mais velho; somos gratos por

poderem se desenvolver. Envelhecer, aos 10, 20, 30 ou 40, é gra-

tifi cante, ou pode ser. Em contrapartida, aquelas pessoas que in-

timidam as mais jovens com superfi cialidades sobre a época de

colégio ser a mais feliz de suas vidas revelam mais sobre suas

próprias vidas e sua triste falta de habilidade de mudar do que

sobre o envelhecimento em si.

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Antes da década de 1960, você era criança ou era adulto — não havia muita coisa entre os dois.

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É claro que pessoas diferentes são mais felizes em diferentes

épocas de suas vidas, mas o que dizer de uma pessoa que aponta o

dedo para os mais jovens e diz de forma reprovadora que as coisas

nunca foram tão boas para ela? Ou se fala, mesmo que com irreve-

rência, que está “do lado errado dos 30”? E que posições estereoti-

padas fi cam evidentes quando uma pessoa mais jovem pergunta à

mais velha como era “na sua época”? Lucy, uma professora de 63

anos de Manchester, gentilmente informou ao fi lho que “na verda-

de, hoje é a minha época, assim como amanhã também será”.

Não existe modelo para “envelhecer bem”. Pode ser um clichê

usado para confortar famílias de luto, mas é verdade: algumas pes-

soas que morrem jovens acumularam mais “vida” em sua curta ex-

pectativa de vida do que outras que viveram até idades avançadas.

De modo similar, cada um de nós cresce e amadurece de formas

idiossincráticas: pessoas jovens podem ser sábias e pessoas velhas,

idiotas, e vice-versa; a maioria de nós é alternadamente sábio e idio-

ta — na mesma semana, no mesmo dia, às vezes na mesma hora.

A vida é um fl uxo constante, mas estereótipos de idade o interrom-

pem, enfraquecendo-nos como fl ores prensadas. A ideia, por exem-

plo, de que os jovens são hedonistas incansáveis, sempre em busca

da próxima dose de prazer, cirurgicamente anexada à mídia social,

contradiz totalmente o fato de que os jovens são mais propensos a

lutar pelo signifi cado e o propósito de vida do que os mais velhos,

e geralmente mais céticos. Frequentemente interpretada e ridicu-

larizada como temores da juventude, na realidade, as questões que

eles levantam são as mesmas para as quais indivíduos sensíveis e

refl exivos voltam durante suas vidas.

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O que é envelhecer? 35

Cultivando o que é importante

Podemos auxiliar o processo se pensarmos em nós mesmos como

conhecedores de vinho deitando garrafas que melhorarão com a ida-

de; da mesma forma, podemos tentar estimular dentro de nós quali-

dades que se tornem mais profundas e ricas com o passar dos anos.

Essas qualidades diferem para cada um de nós, mas, para a maioria

das pessoas, elas incluem encontrar fontes duradouras de signifi cado

— no trabalho ou por meio de relacionamentos, interesses ou fazen-

do uma contribuição social; conhecendo-se melhor; fazendo contato

genuíno com outras pessoas; e desenvolvendo a capacidade de amar

— pessoas, ideias ou experiências. Esses são recursos essencialmente

internos que podem ser cultivados e traçados por toda a vida. Se pen-

sarmos em toda a duração de nossa vida, como sugiro no Capítulo 7,

embora seja assustador, é mais fácil ver quais recursos são necessá-

rios para a jornada e começar a compreender como administrá-los.

Isso tudo soa preocupante, como se a frivolidade e a diversão

desaparecessem com o passar do tempo — não é de se espantar que

pessoas tentem enfi á-las nos anos de juventude. Mas a capacidade de

rir, como qualquer outra habilidade emocional, se desenvolve com o

uso, e ver uma pessoa se acabando de rir, décadas depois da infância

quando é tão comum, é realmente adorável.

Avançando para o envelhecimento

Como seria saborear o envelhecimento? Continuar, após os 25 anos,

dizendo: “Eu quero fi car mais velho. Eu quero fi car velho”? Ficar

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genuinamente ansioso por envelhecer e não, na melhor das hipóte-

ses, apenas tolerar o fato? A esta altura, os céticos mandarão você ler

Cândido, de Voltaire, em que o mentor, Pangloss, costuma anunciar

que “tudo acontece para o melhor”. Mas, embora Voltaire estivesse

satirizando as tolices dos otimistas desenfreados, ele não enaltece o

pessimismo, em vez disso concluindo que “devemos cultivar nosso

jardim”. Otimismo pragmático como esse é tudo o que estou defen-

dendo aqui. É muito mais fácil adotar essa perspectiva de mundo

se não dermos nossa expectativa de vida como certa, mas reconhe-

cermos que ela não é dada para a maioria das pessoas do mundo,

principalmente nos países em desenvolvimento: que envelhecer, de

fato, é uma bênção. A ideia do envelhecimento como um privilégio

parece radical em uma cultura que costuma vê-lo como um fardo,

mas é um lembrete inestimável de como a longevidade difundida é

relativamente recente e limitada.

As pessoas que envelhecem melhor são aquelas que viajam car-

regando menos coisas, que são capazes de se livrar das ideias fi xas

às quais se apegaram em uma etapa da vida quando veem que não

são mais adequadas. É necessária certa fl exibilidade de espírito. Mas

os mantras de autoajuda, embora fl uam com facilidade, invariavel-

mente fazem as coisas parecerem mais fáceis do que realmente são.

Desapegar-se de velhas narrativas pode ser extremamente doloroso;

envolve luto pelo que nunca aconteceu assim como pelo que acon-

teceu, e admitir fracasso, pontos de vista errados e decisões equivo-

cadas. Ainda mais imperdoável, exige que reconheçamos que não

controlamos o desenrolar da vida.

Freud fez a distinção crucial entre “repetição” — a repetição

compulsiva do trauma — e “elaboração”, na qual a pessoa se lembra

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O que é envelhecer? 37

de eventos traumáticos, perdas ou privações, mas chega a uma aco-

modação com eles, permitindo que eles mudem e, assim, restau-

rando a vitalidade. Às vezes, precisamos de ajuda profi ssional para

realizar isso. Mas é um aspecto de enorme importância do processo

de envelhecimento porque é o meio pelo qual nos livramos da baga-

gem extra conforme passamos pela vida.

Como o ciclo de vida pareceria diferente se substituíssemos a

palavra envelhecimento por “crescimento”. A palavra envelhecer se

tornou tão contaminada pelo desdém e pelo medo que é tentador

prescindir completamente de seu uso. Melhor, porém, é tentar re-

cuperá-la, desintoxicá-la e vinculá-la ao ciclo de vida como um todo,

em vez de transferir a ideia de envelhecer apenas para a velhice.

Envelhecer é viver e viver é envelhecer, e ser anti-idade (como muitos

produtos, cheios de orgulho, dizem ser) é o mesmo que ser antivida.

Ao abraçar o envelhecimento, abraçamos o processo da vida em si,

com toda a sua dor, alegria e difi culdade. Se pudermos cultivar um

respeito pelo nosso próprio crescimento, e desenvolver a capacidade

de conhecer o nosso envelhecimento com prazer e realismo, e sem

a necessidade de idealizar ou ridicularizar sua encarnação mais jo-

vem, então estaremos adquirindo importantes capacidades que nos

serão úteis por toda a vida.

O próximo capítulo mostra como a vida moderna pode ter pre-

conceito contra o envelhecimento, então pode parecer estranho di-

zer que pensar sobre o processo de envelhecimento nunca foi tão

animador. Um grande órgão de incentivo se chama “New Dynamics

of Ageing” [Novas dinâmicas do envelhecimento] e, como a expe-

riência do envelhecimento é cada vez mais desafi ada e levada ao es-

crutínio público, é um bom nome — já que as possibilidades de uma

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nova dinâmica de envelhecimento estão emergindo tanto coletiva

quanto individualmente. As páginas a seguir trazem exemplos de

pessoas que envelhecem com criatividade. Isso não signifi ca neces-

sariamente se engajar em uma atividade criativa, mas sim usar a

imaginação e a capacidade de adaptação em prol do envelhecimento,

e encontrar formas de viver com prazer enquanto passam pelas di-

ferentes etapas da vida, apesar das decepções e perdas com que se

deparam ao longo do caminho.

Envelhecer com prazer — não é um lema ruim.

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