MIRANDA - Subjetividade em questão - a infância como crítica da cultura

5
Universidade de Brasília Faculdade de Educação Resenha MIRANDA, Luciana Lobo. Subjetividade; a (des) construção de um conceito. In: SOUZA, Solange Jobim (org). Subjetividade em questão: a infância como crítica da cultura. 2ª edição. Rio de Janeiro: 7letras, 2005, p. 29-46. Alice Marques, 2010 A autora expõe algumas considerações teóricas sobre o conceito de subjetividade. Sua sustentação teórica baseia-se fundamentalmente no pensamento de Félix Guattari, conforme ilustrado na epígrafe do texto 1 . Dentre algumas considerações tratadas pela autora, uma faz referência a uma fábula de Santos (1986) na qual é abordada a figura do sujeito urbano. A autora interpreta esse sujeito da fábula como “protótipo da produção de subjetividade contemporânea”, qual seja “narcisista, não se espanta mais com a proliferação da miséria e suas relações são permeadas pelo consumo” (p. 30). Miranda coloca que dentro das questões paradigmáticas, nas quais se busca conceitos mostradores da “’verdade’” sobre a condição humana, vários perfis de sujeitos são traçados: “o sujeito do conhecimento, o sujeito psicológico e o sujeito do inconsciente” (p. 30). Dentro desse contexto epistemológico da subjetividade, emerge justapondo-se á subjetividade a noção de subjetivismo, o qual se apresenta para negar a objetividade científica incorporando-se como “constituição estrutural e universal do sujeito” (p. 30, 31). 1 ? “A produção de subjetividade constitui matéria-prima de toda e qualquer produção” Félix Guattari. 1

description

Resenha.MIRANDA, Luciana Lobo. Subjetividade; a (des) construção de um conceito. In: SOUZA, Solange Jobim (org). Subjetividade em questão: a infância como crítica da cultura. 2ª edição. Rio de Janeiro: 7letras, 2005, p. 29-46.

Transcript of MIRANDA - Subjetividade em questão - a infância como crítica da cultura

Page 1: MIRANDA - Subjetividade em questão - a infância como crítica da cultura

Universidade de BrasíliaFaculdade de Educação

Resenha

MIRANDA, Luciana Lobo. Subjetividade; a (des) construção de um conceito. In: SOUZA, Solange Jobim (org). Subjetividade em questão: a infância como crítica da cultura. 2ª edição. Rio de Janeiro: 7letras, 2005, p. 29-46.

Alice Marques, 2010

A autora expõe algumas considerações teóricas sobre o conceito de subjetividade.

Sua sustentação teórica baseia-se fundamentalmente no pensamento de Félix Guattari,

conforme ilustrado na epígrafe do texto1.

Dentre algumas considerações tratadas pela autora, uma faz referência a uma fábula

de Santos (1986) na qual é abordada a figura do sujeito urbano. A autora interpreta esse

sujeito da fábula como “protótipo da produção de subjetividade contemporânea”, qual seja

“narcisista, não se espanta mais com a proliferação da miséria e suas relações são

permeadas pelo consumo” (p. 30).

Miranda coloca que dentro das questões paradigmáticas, nas quais se busca

conceitos mostradores da “’verdade’” sobre a condição humana, vários perfis de sujeitos são

traçados: “o sujeito do conhecimento, o sujeito psicológico e o sujeito do inconsciente” (p.

30). Dentro desse contexto epistemológico da subjetividade, emerge justapondo-se á

subjetividade a noção de subjetivismo, o qual se apresenta para negar a objetividade

científica incorporando-se como “constituição estrutural e universal do sujeito” (p. 30, 31).

Tais concepções – subjetividade não objetiva e subjetividade universal (a qual

englobaria uma totalidade) – apontam, no entanto, para um “sujeito transcendental”, para

uma “subjetividade individualizante, prisioneira de uma interioridade” (p. 31).

Miranda se declara crítica ao “psicologismo estéril”, o qual, segundo a mesma, ignora

“problemáticas sociais, econômicas, políticas, tecnológicas e estéticas” (p. 21). Miranda é da

opinião de que os discursos “’psi’” “tem contribuído para a redução da subjetividade a uma

dimensão psicológica interior, isolando-a de um contexto mais amplo” (p. 31).

Apesar de ressaltar o ‘psicologismo estéril’, já à época de construção da dissertação

da autora, a qual fundamentou este artigo, a psicologia estava em processo de ampliação a

qual incluía as articulações individuo/sociedade, como a exemplo da psicologia histórico-

1

? “A produção de subjetividade constitui matéria-prima de toda e qualquer produção” Félix Guattari.

1

Page 2: MIRANDA - Subjetividade em questão - a infância como crítica da cultura

cultural introduzida por Vigotski. Um dos frutos dessa ampliação foi a expansão do conceito

de subjetividade que inseria na psicologia a negação da visão dicotômica entre indivíduo e

sociedade (cf. Teoria da Subjetividade de Fernando González Rey). De forma nenhuma isso

viria significar uma obrigatoriedade em focar os aspectos psicológicos sempre sob o prisma

do individual/social.

A autora inclui em sua busca conceitual uma fonte enciclopédica filosófica a qual por

si só reduz e não é capaz de incorporar as vinculações teóricas a outros pressupostos. E

dentro da psicologia social novos pressupostos como a exemplo da vertente histórico-social,

tem combatido a dicotomia apontada pela autora em relação á subjetividade ser individual

e/ou social. A noção de “sujeito individualizado” (p. 34) não implica em sua não existência.

Trata-se unicamente de um ângulo do objeto.

A subjetividade descrita por Guattari, citado pela autora, apóia-se em uma relação de

existência na qual os sujeitos são situados na esfera do social. Na citação veiculada pela

autora (p.35), o autor se refere à ‘individuação do corpo’ como um aspecto mínimo

relacionado à subjetividade, esta sim estabelecida na esfera social, por meio do

‘agenciamento de subjetivação’. A subjetividade seria então mais que o corpo, um centro

físico, pois, imersa no social.

“Quando vivemos nossa própria existência [...] vivemos com um sistema de trocas

[...] que pertence a todo o campo social, [...], no entanto, nós vamos viver e morrer numa

relação totalmente singular com esse cruzamento” (p. 38). Exatamente por essa visão de

Guattari, veiculada pela autora, não se pode excluir o corpo da subjetividade. Não se pode

retirar a subjetividade relacionada ao foro íntimo do sujeito, já que tudo no qual o sujeito é

incluído lhe traz vivências as quais sem sombra de dúvida lhe ocupam o íntimo.

A autora indica que o conceito de subjetividade engloba todos os aspectos possíveis

advindos da “sociologia, economia, filosofia, arte, história, antropologia” (p. 37). Exatamente

por isso a subjetividade pode ser explorada segundo o campo que lhe for definido já que

não é possível haver uma área de concentração de todos os saberes, creio eu.

Subjetividade & Identidade

A autora deduziu de Guattari que a identidade seria como “nome, filiação, impressão

digital” (p. 38). A citação de Guattari, veiculada pela autora, menciona que “a identidade é

aquilo que faz pensar a singularidade de diferentes maneiras de existir por um só e mesmo

quadro de referências identificável” (p. 38). Nesse sentido, identidade não delimita quais as

‘maneiras de existir por um só e mesmo quadro de referências identificável’, mas suscita

2

Page 3: MIRANDA - Subjetividade em questão - a infância como crítica da cultura

reflexões dirigidas a quais quadros são referentes para o sujeito, por exemplo, o RG, mas

também mais profundamente as grandes instituições como a família e a escola.

Quando vivemos nossa própria existência, nós a vivemos com as palavras de uma língua que pertence a cem milhões de pessoas; nós a vivemos com um sistema [...] que pertence a todo um campo social” (Guattari e Rolnik apud Miranda, 1998, p. 38)

Então identidade é o instrumento da singularidade expressa nas diferentes ‘maneiras

de existir por um só e mesmo quadro de referências identificável’. Tal quadro identificável

engloba um conceito de identidade muito mais abrangente do que limitou a autora a

exemplificar ‘nome, filiação, impressão digital’. Inclusive, nesta perspectiva de Guattari,

veiculada por Miranda, subjetividade, identidade, singularidade convivem juntas.

Na citação subseqüente de Guattari, mencionada por Miranda, ora “a subjetividade

se individua” ora “se faz coletiva” (p. 38, 39). Nesse sentido, a autora menciona duas faces

da subjetividade: “a sujeição [...]: família, Estado, trabalho, mídia” contraposta às “relações

livres e criativas, [...] existência de modo singular, [...] produção de subjetivação

singularizada” (p. 41). Sob a forma de sujeição a autora menciona o que Guattari, citado

pela mesma, identifica como “subjetividade capitalística”, a qual seria uma produção de

subjetividade explorada por mecanismos capitalistas como a mídia, por exemplo.

Miranda enfatiza o tipo de subjetividade coletiva/individual guiada por esse vínculo

capitalístico o qual se baseia contemporaneamente na cultura de massa e de controle do

universo informatizado. Nessa circunstância, as subjetividades se apresentam “laminadas”,

achatadas em suas diferenças, o que é indicado por Guattari, citado por Miranda, como uma

forma de hegemonia (p. 42).

Entretanto, o texto realça a capacidade de ruptura, de fuga do sujeito em meio ao

embate entre “a subjetividade assujeitada e a subjetividade singularizada” e coloca o

comprometimento ético-político da educação e da psicologia no sentido de contribuir para a

“imanência da singularidade, multiplicação” dos modos alternativos e criativos de produção

de subjetivação (p. 43).

3