MISCELÂNEA...

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Valter Pomar

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Copyright© Valter Pomar

MISCELÂNEA INTERNACIONAL

1998-2013

1a edição: dezembro de 2013

Coordenação editorial:

Valter Pomar

Diagramação:

Sandra Luiz Alves

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser

reproduzida, sob qualquer forma, sem prévia autorização.

Pomar, Valter

Miscelânea Internacional – 1998-2013 /

Valter Pomar – São Paulo : Página 13, 2013.

499 p.

1. Política internacional – Partido dos

Trabalhadores 2. Política internacional –

América Latina 3. Socialismo I. Título

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Índice

Apresentação ..........................................................................................7A história o absolverá? ...........................................................................9Sobre Rosa Luxemburgo ......................................................................20Tem algo no ar, além dos aviões de carreira ..........................................29Assim foi temperado o aço ...................................................................37Capitalismo e imperialismo .................................................................40Seminário em Montevidéu ...................................................................58De 6 para 7 de novembro, em 1917.....................................................64Mentira ou ignorância? ........................................................................66Filmes parecidos, desfecho a definir .....................................................68Assunto para o Procon .........................................................................71Só os gringos podem? ...........................................................................73Bons modos e hipocrisia ......................................................................75Sobre cordeiros e lobos .........................................................................77As armas da política .............................................................................80Os infiltrados .......................................................................................82A festa da marmota ..............................................................................84O muro da hora ...................................................................................86Debatendo a crise ................................................................................89A linha do Equador .............................................................................93Un nuevo ciclo en la historia del Brasil ................................................99La política externa de Brasil ...............................................................118A ilimitada estupidez de Brickman .....................................................144A nota certa .......................................................................................146Os equívocos do PSDB ......................................................................150Compreender e enfrentar ...................................................................153A tumba está em festa ........................................................................160Coréia do Norte .................................................................................163Novamente Coréia .............................................................................166Informe sobre a reunião de Caracas ...................................................168Las diferentes estrategias de las izquierdas latinoamericanas ...............173Palestra para jovenes en Chile ............................................................192

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China e Brasil, num mundo de crise & transição ...............................205Nem devagar, nem pressa ...................................................................213Algunas ideas sobre la lucha por el socialismo en el siglo XXI ............222A batalha do Chile .............................................................................232Notas sobre a política internacional do PT.........................................235Um PAC latinoamericano ..................................................................240Aspectos históricos e organizativos do PT ..........................................246Los retos actuales y futuros de la integración ......................................253O outro 11 de setembro (escrito num domingo, dia 11 de setembro) .........258América Latina para chinês ver ..........................................................260Sobre a Palestina ................................................................................267China e outras polêmicas ...................................................................269“FARC deveriam declarar cessar fogo unilateral” ................................271Versão da entrevista concedida à Rádio Nacional de Venezuela (RNV) ...277Ensayo sobre una ventana abierta ......................................................279Entrevista à Welttrends ......................................................................295Atilio A. Boron: um balanço equivocado ...........................................301O PT e o Foro de São Paulo ..............................................................306Rascunho da palestra feita na Universidade do PIE ............................311Polêmica epistolar A los integrantes del Grupo de Trabajo ........................... 315La Internacional latinoamericana e caribeña ......................................319Carta para a Copppal .........................................................................327Vanazzi e Pomar falam da Palestina ....................................................330Lima, noviembre 2012 .......................................................................333La experiencia brasilera ......................................................................339Respostas ao Tiago Aguiar .................................................................350A Pátria Grande e a outra economia ..................................................352Respostas ao Tadeu, do Brasil de Fato ................................................356Entrevista ao Dario do Pagina 12 ......................................................358Intervenção no seminário do Instituto Lula .......................................360Portal Terra ........................................................................................363Entrevista sobre o GT de Quito .........................................................365“El desafío es cómo pasar a una segunda etapa” .................................369Saludo al Congreso del PCF ..............................................................378Estados Unidos e Europa ...................................................................386Entrevista concedida ao site do PT.....................................................388

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Entrevista à Rede Brasil Atual ............................................................390Coluna na Teoria e Debate ................................................................395Roteiro sobre política internacional latino-americana .........................397Roteiro 11 de março ..........................................................................401Página do PT Nacional ......................................................................404Debate de conjuntura em 25 de março de 2013 ................................407France-Presse ......................................................................................409Entrevista sobre Venezuela para a página do PT .................................411Entrevista dia 13 de março.................................................................414Exposição feita no seminário do Partido Socialista de Chile ...............417Conjuntura regional ..........................................................................425Síntese da intervenção na reunião do Foro em Havana ......................432Cuba, maio de 2013 ..........................................................................434Saudação ao encontro do Foro de São Paulo em Nova York ...............439Carta para o jornal Página 12 ............................................................441Palestra em Santiago de Compostela ..................................................442XXI Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba ............................446Entrevista ao jornal L’Unitá ...............................................................449Lá, sim, precisamos ............................................................................452Uma nova política externa Avanços, impasses e desafios da integração ..454Aprofundar as mudanças, acelerar a integração ..................................458Muito trabalho pela frente .................................................................465Roteiro para vídeo enviado à escola de verão do PCF .........................471Entrevista a Eduardo Davis, da Agência EFE .....................................476Entrevista para Neues Deutschland ....................................................478Roteiro de palestra feita em atividade do CEPPAC, UnB ...................481Unidade Popular, 40 anos depois do golpe .........................................483Entrevista para Carmelo Ruiz de Porto Rico ......................................489

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6 Miscelânea Internacional – 1998-2013

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7Valter Pomar

Apresentação

Esta Miscelânea internacional reúne artigos, entrevistas e roteiros sobreesta temática, escritos entre 1998 e 2013. Não foram incluídos textos que,embora de minha autoria, são de assinatura coletiva. É o caso do livroescrito em coautoria com Roberto Regalado: Foro de São Paulo: construin-do a integração latino-americana e caribenha, publicado pela EditoraFundação Perseu Abramo.

É o caso, também, de várias notas e resoluções da secretaria de relaçõesinternacionais do PT, bem como de documentos-base e declarações finaisdo Grupo de Trabalho e dos encontros do Foro de São Paulo (reunidos emlivretos editados pelo PT em agosto de 2013).

A publicação desta Miscelânea faz parte de uma “prestação de contas”sobre meu período como dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores.Fui eleito para a direção nacional do PT em 1997. Até 2005, fui terceirovice-presidente nacional. Entre 2005 e 2010, fui secretário de relações in-ternacionais. E até 2013, fui indicado pelo PT para ser o secretário-execu-tivo do Foro de São Paulo.

Antes de ser dirigente nacional, fui militante de núcleo de base, membrode diretório municipal e também secretário de comunicação na direçãopaulista do PT, quando respondi pelo Linha Direta e pela Teoria e Debate.

Além disso, como professor no Instituto Cajamar; colaborador no jor-nal Brasil Agora; assessor do prefeito David Capistrano em Santos (SP); esecretário de Cultura, Esportes e Turismo de Campinas (SP).

Em dezembro de 2013, tomou posse a nova direção nacional do PT, naqual escolhi ser suplente. Evidentemente, seguirei contribuindo com a lutapelo socialismo; com a classe trabalhadora; com o PT; com a tendênciapetista de que faço parte, a Articulação de Esquerda; assim como com areeleição de Dilma Rousseff.

Espero, em especial, contribuir com a reflexão acerca das classes e da lutade classes no Brasil e na América Latina; com a análise do capitalismo noBrasil e no mundo; com o balanço das tentativas de construção do socialis-mo, no século XX e XXI; e com a formulação de uma nova estratégia paraa esquerda brasileira e para o PT. Tal reflexão é uma das condições necessá-

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8 Miscelânea Internacional – 1998-2013

rias, seja para reverter o processo de degeneração que afeta o Partido, sejapara colocarnos à altura das necessidades e possibilidades históricas, tantono terreno nacional quanto internacional.

Esta Miscelânea faz parte deste esforço: organizar e revisar o que foi feitoe dito, para seguir adiante.

Campinas, dezembro de 2013

Valter Pomar

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9Valter Pomar

O trigésimo aniversário do assassinato de Che Guevara motivou umasérie de publicações e eventos – entre os quais este livro - sobre diversosaspectos da revolução cubana. Na maioria deles, Che foi apresentado comoa alma pura da revolução, e Fidel como seu anjo mau.

É fácil encontrar, nesses trabalhos, idéias como: Che expunha clara-mente suas convicções marxistas, enquanto Fidel só as teria revelado de-pois de consolidada a revolução. Um propôs caminhos heterodoxos para aeconomia cubana, o outro teria apadrinhado o planejamento centralizadoe burocrático de tipo soviético. Che abandonou o cargo de ministro paraajudar na criação de “mil Vietnãs”, enquanto Fidel teria se acomodado àsexigências da política internacional da URSS. Alguns chegam a sustentarque, enquanto Guevara morreu combatendo, Castro só teria estimulado a“aventura suicida” do amigo e companheiro, negando qualquer ajuda nomomento fatal, para se livrar de uma presença incômoda. A lista de ata-ques a Fidel é tão longa quanto questionável, mas aqui só queremos ressal-tar que a maioria dos estudos publicados recentemente nutre enorme anti-patia por Fidel –enquanto concede a Che um tratamento aparentementemais favorável.

Há diversas causas para isto. A principal delas é a tentativa, promovidapelo establishment cultural, de despolitizar e esterilizar a figura do Che –coisa impossível, ou bem mais difícil de fazer, com Fidel.

Outra causa, sem dúvida, diz respeito as características pessoais de Che–ou pelo menos a imagem que muitos temos dele. Além disso, a “carreirapolítica” de Che foi curta demais, e vivida nos momentos heróicos da revo-lução –a guerrilha cubana, os primeiros anos após a tomada do poder, duasoutras guerrilhas. Já Fidel dirigiu a institucionalização da revolução, a fasedas desilusões, dos compromissos, das concessões.

Ademais, Fidel é um sobrevivente. Viu a morte de todos os demais “gran-des líderes” das revoluções socialistas do século. Sobreviveu à crise do “blo-co soviético” e ao período especial. É um crítico do império norte-america-no e do neoliberalismo, o que certamente o torna demodé aos olhos demuita gente.

A história o absolverá?

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10 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Uma vez, frente a um tribunal batistiano, Fidel proferiu um discurso,publicado posteriormente com o título: A história me absolverá. Hoje, ajulgar pelas declarações de muita gente, há outro julgamento em curso. Ahistória absolverá Fidel, mais uma vez?

As quatro mutações

Fidel Castro nasceu em 1926. Seu pai era proprietário de uma finca de 10mil hectares, situada no Oriente cubano, região de forte tradição revolucio-nária. Fidel fez parte de seus estudos numa escola jesuíta, depois formou-seadvogado. Na universidade, participou ativamente do movimento estudantile da política cubana, como militante da ala esquerda do Partido Ortodoxo.

Fidel amadureceu num período histórico rico em influências: Guerra Ci-vil Espanhola, Segunda Guerra Mundial, a ascensão da URSS à condição depotência, o início da “Guerra Fria”, o Bogotazo, o golpe na Guatemala. Maso que parece ter empurrado Fidel para uma militância nitidamente revoluci-onária —no sentido político desta palavra— foi o duplo impacto do suicídiode Chibas (1951) e do golpe de Batista (1952), que reduziram muito aspossibilidades eleitorais da oposição democrática cubana.

Politicamente, Fidel era então um nacionalista e um democrata radical,com fortes ligações com os setores populares e médios de Cuba. Há contro-vérsias, mas mesmo que os conhecesse bem, suas referências não eram Marxou Lenin, mas sim José Martí — “autor intelectual” do assalto ao QuartelMoncada. Foi com essa bagagem ideológica que ele enfrentou o tribunalde Batista, a prisão, o exílio e organizou a “invasão” de Cuba.

A partir daí, Fidel começou a transformar-se em um revolucionário so-cial. O ponto decisivo dessa mutação foi a guerrilha —que encontrou suaprincipal base social nos trabalhadores rurais, e que correspondeu a estescom um nível crescente de radicalização (aliás, esta é a chave explicativados conflitos internos ao M-26-7, durante a guerrilha, e também da cres-cente influência de Che Guevara). A mutação se acelerou no governo, noconflito entre os interesses populares e os setores burgueses e pró-norte-americanos. E se completou na resistência ao desembarque gusano-yankeeem Praia Girón.

Da mesma forma como A história me absolverá foi a peça maestra dorevolucionário político, o discurso de Fidel em 16 de abril de 1961, após a

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11Valter Pomar

vitória na Baía dos Porcos, é a afirmação plena do revolucionário social: setudo o que queremos fazer em Cuba é socialismo, então a revolução ésocialista...

A transformação do revolucionário social em comunista —no sentidodominante que este termo tinha nos anos 60, ou seja, soviético— é bemmais complexa. Por um lado, as necessidades econômicas e de defesa deCuba, vis a vis a proximidade de um inimigo agressivo, empurravam o paísem direção ao guarda-chuva soviético. Por outro lado, a revolução cubanadesmoralizou muitos dos dogmas do tipo de marxismo-leninismo hege-mônico no movimento comunista da época.

Segundo este, os Partidos Comunistas tinham por definição um papelde vanguarda nas revoluções socialistas —mas em Cuba o PSP cumpriuum papel secundário, e muitas vezes oposto às necessidades revolucionári-as. Para o comunismo “oficial”, a revolução em países atrasados devia per-correr primeiro uma etapa democrática-nacional-capitalista, e só depois asocialista - mas em Cuba as “etapas” se confundiram num fluxo contínuo.Para o senso-comum da maioria dos comunistas, era impossível fazer umarevolução contra o Exército e nas barbas dos Estados Unidos - e em Cubaocorreram ambas as coisas. As diferenças continuaram depois da tomadado poder - basta lembrar os experimentos de política econômica e as rela-ções internacionais. E persistiram depois, quando Cuba já se encontravasob forte hegemonia soviética - basta lembrar o apoio cubano às guerrilhaslatino-americanas, para o desespero da linha “pacífica” predominante nospartidos comunistas. Para o bem e para o mal, Fidel nunca foi o “marxista-leninista” que as academias soviéticas (e norte-americanas) desejariam, comoaliás descobriram os setores do PSP que tentaram se apoderar das ORI.

Vale lembrar o esforço feito para emprestar a José Martí a mesma estatu-ra de Lenin. Segundo os cubanos, Martí teria se antecipado ao revolucio-nário russo, em duas questões fundamentais: na análise do imperialismo ena teoria do Partido. Em isto sendo verdade, estaria mais do que legitimadaa raiz autóctone da revolução e do socialismo cubanos. Não é preciso dizero quanto este tipo de formulação destoa da hierarquia canônica do “mar-xismo” de tipo soviético.

Entre o Primeiro Congresso do PCC (1975) e a debacle do “camposocialista”, passaram-se quinze anos. O desmanche do bloco soviéticoimpactou a economia cubana, atingindo fortemente um dos pilares da he-

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12 Miscelânea Internacional – 1998-2013

gemonia comunista na ilha: a relativa igualdade social. Fidel tomou distân-cia dos soviéticos, demarcou suas diferenças com as reformas de Gorbacheve reforçou o componente nacional de sua ideologia. Num discurso proferi-do em 1986, ele dirá que o marxismo-leninismo é profundamente interna-cionalista e, por sua vez, profundamente patriótico. (Esta idéia, bastantequestionável do ponto de vista teórico, esteve presente em outros proces-sos, mas refletindo práticas diferentes: na URSS, estimulou o chauvinismode grande potência; na China, o isolacionismo; na Albânia, a megaloma-nia do “farol” do socialismo; em Cuba, um internacionalismo militante ede massas.)

A partir da segunda metade dos anos 80, centenas de articulistas dedireita ou de esquerda previram que Fidel e o PCC teriam o mesmo desti-no de seus congêneres do Leste Europeu. Depois, passaram a identificar omodelo cubano com o modelo chinês, com a diferença de Cuba não pos-suir as mesmas condições materiais. Finalmente, como Fidel e os comunis-tas teimavam em não cair, a crítica mudou de tom: o modelo castrista seriaresponsável pela extrema pobreza da maioria dos cubanos. Alguns críticossão mais sofisticados: dizem que o povo cubano experimenta três malefícios:a ditadura do PC, os resquícios do modelo econômico soviético e as refor-mas capitalistas adotadas na última década.

Nesse novo contexto, muitos que defendiam o (e recebiam ajuda do) PCcubano e Fidel tornaram-se seus críticos. Algumas pitonisas passaram apredizer que o julgamento da história penderia contra Fidel.

As reformas capitalistas

Desde a revolução russa de 1917, há um debate sobre a natureza dassociedades que, ao longo do século vinte, foram convencionalmente cha-madas de socialistas. As teorias são variadas: despotismo oriental, capitalis-mo de estado, estados operários burocraticamente degenerados, socialismoreal, socialismo de caserna...

A debacle da URSS e do Leste Europeu trouxe elementos novos para estedebate. Entre eles saber porque alguns países - como a China, Coréia doNorte, Vietnã e Cuba - não foram atingidos, pelo menos até agora, pelodesmanche. Outro é saber em que medida as “reformas econômicas”, reali-zadas nos últimos anos, alteraram a natureza daquelas sociedades.

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13Valter Pomar

A idéia dominante – inclusive em amplos setores da esquerda - é queesses países estariam em marcha batida para alguma espécie de capitalismopleno, cabendo aos Partidos Comunistas a direção deste processo de res-tauração. Outra idéia bastante forte é a de que a contradição entre Cuba eos Estados Unidos, hoje, se daria no terreno nacional (potência imperialis-ta versus soberania de um pequeno país) e não mais no de projetos societárioscontraditórios entre si (comunismo/socialismo versus capitalismo) inde-pendente da posição que tenhamos acerca deste debate mais geral, algumasconclusões podem ser tiradas:

O modelo econômico adotado por Cuba a tornou altamente dependen-te do bloco dirigido pela URSS. Quando este dissolveu-se, Cuba perdeu,simultaneamente, o comprador de seus produtos de exportação e o forne-cedor de suas importações. Nessas circunstâncias, Cuba teve que adotarmedidas de restrição do consumo; as informações de que dispomos indi-cam que tais medidas foram relativamente igualitárias, preservando emespecial as crianças e atingindo a liderança do Partido e do Estado. Nostempos neoliberais que correm, isso não é pouco.

Ao mesmo tempo, Cuba teve que gerar divisas (para importar) e substi-tuir importações (para não precisar mais importar). Isso, vale lembrar, soba pressão do bloqueio norte-americano, que provoca um encarecimentonas importações. E principalmente sob uma restrição fundamental: a ca-rência de algumas riquezas materiais, o que torna Cuba necessariamentedependente do comércio internacional, salvo um cavalar avanço tecnológi-co, que possibilitasse uma enorme substituição de matérias-primas.

O caminho adotado para conseguir “moeda forte” foi o de abrir o paísao turismo e às inversões estrangeiras. O resultado foi a criação de umadupla economia: a economia do peso e a economia do dólar. Socialmente,isso significa cavar um fosso –de consumo, de oportunidades— entre osque têm e os que não têm moeda estrangeira. O resultado foi amplamenteanalisado num discurso feito por Raúl Castro, irmão de Fidel e seu prová-vel sucessor, frente ao Comitê Central do PC Cubano. Nesse discurso,Raúl fala muito claro: corrupção, prostituição, mão de obra especializadarecebendo em pesos muito menos do que mão de obra não especializadaque recebe em dolar...

Mesmo os setores simpáticos a idéia de que Cuba persevera no caminhosocialista reconhecem que, a prosseguir a situação atual, a desigualdade de

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14 Miscelânea Internacional – 1998-2013

rendas e de consumo pode se transformar em desigualdade de classes, numaescala que a revolução deixou para trás há décadas. E um modelo econômi-co que aprofunda desigualdades não pode ser considerado socialista.

Por enquanto, a pressão norte-americana, o nacionalismo, as políticassociais e a autoridade do PCC e de Fidel têm impedido que a insatisfaçãose transforme em oposição de massas contra o governo, evitando assim queCuba tenha o mesmo destino da URSS e das “democracias populares” doLeste Europeu. Mas isso parece ter um limite: se não houver uma alteraçãona correlação de forças internacional, que permita um desafogo econômi-co, Cuba terá muitas dificuldades para impedir o crescimento da desigual-dade e para conter seus desdobramentos políticos.

A política atual do PCC (e de Fidel) possui diversas faces: por um lado,adota reformas capitalistas; por outro, incentiva fortemente o nacionalis-mo cubano; finalmente, combina uma diplomacia pragmática com o revi-goramento de relações com os partidos socialistas e revolucionários de todoo mundo. Evidentemente, há uma contradição latente entre essas váriasorientações, que podem refletir diferenças existentes no interior do PC,acerca de qual rumo adotar; ou, mais simplesmente, um ataque combina-do em múltiplas frentes.

A maioria das análises que preveem uma debacle cubana não levam emconta coisas como: o componente nacional da revolução cubana, que pos-sui um peso tão grande quanto o igualitarismo social, na manutenção dahegemonia comunista; a atitude reacionária e imperialista dos EstadosUnidos; a lembrança das condições políticas, econômicas e sociais pré-re-volução, viva em setores da população; a influência política e ideológica debom número de protagonistas da fase heróica da revolução; o fato doPCCubano, ao contrário do Chinês, recorrer com frequência à mobiliza-ção de massas em apoio à sua política. Mas, e isto é o principal, aquelasanálises se esquecem ou minimizam um fato: o padrão de vida cubano,mesmo hoje, continua superior ao de todos os países latino-americanossemelhantes à Cuba. Isso para não falar do Brasil...

Dizem que os moradores da Alemanha Oriental tinham que ser manti-dos na ignorância, para que não comparassem o seu padrão de consumocom aquele vigente na Alemanha Ocidental. Em Cuba, a equação se inver-te: o contato com o que ocorre na maior parte da América Central e Latinamostra ao cubano médio que destino lhe espera caso os comunistas percam

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15Valter Pomar

o poder. Essa é uma das causas pelas quais a insatisfação popular não setransformou em oposição de massas –coisa que as eleições e as manifesta-ções populares revelam com bastante frequência.

No longo prazo, não se pode desconsiderar a possibilidade de a evoluçãodas condições econômicas eliminar os aspectos socialistas da sociedade cu-bana. Mas no curto prazo, é a política que decidirá o futuro da ilha. Napolítica internacional, pela continuidade ou não do bloqueio; pela altera-ção ou não da correlação de forças, hoje ainda pró-neoliberal; e pela ocor-rência ou não de um novo ciclo de revoluções socialistas. E na políticainterna, pela capacidade dos comunistas manterem um comportamentoque não os desmoralize como direção nacional; pela manutenção de umpadrão mínimo de igualdade econômico-social; e principalmente pela exis-tência de “válvulas de escape” políticas, que não existiram ou não foramtoleradas em diversos países do Leste Europeu.

A visita do Papa

Fidel combina, latino-americamente, as características de chefe de parti-do, chefe de Estado e líder de massas. Ele não é um teórico —como outrosdirigentes das revoluções socialistas ocorridas após 1917, Fidel foi basica-mente um agitador e organizador, não um propagandista ou formulador.Apesar disso, é provável que seus textos, entrevistas e discursos continuema ser estudados por muito tempo, qualquer que seja o desfecho imediato desua vida. Isto porque a trajetória de Fidel é a expressão individual e concen-trada da história recente cubana. E Cuba foi o mais longe que uma naçãoatrasada pode ir: transformou suas aspirações nacionais, sociais e democrá-ticas em força motriz de uma revolução anti-imperialista e anti-capitalista.E mesmo hoje, em que foi obrigada a retroceder naquela estrada, Cubacontinua mantendo um nível de igualdade, democracia e soberania muitosuperiores aos de outros países que experimentaram processos semelhantes.Da mesma forma, Fidel foi o mais longe que um democrata e nacionalistaradical poderia ir, nas condições do seu tempo - tornou-se um comunista.E hoje, retrocedeu sem abandonar a indignação socialista.

Um bom exemplo destas múltiplas facetas são suas declarações por oca-sião da visita, à Cuba, do Papa João Paulo II. Como a imprensa brasileiranão deu-lhes o espaço merecido, reproduzimos aqui os principais trechos

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do discurso pronunciado por Fidel, na cerimônia ocorrida no dia 21 dejaneiro de 1998, na chegada do Papa:

[Vossa Santidade] não encontrará aqui aqueles pacíficos e bondosos ha-bitantes que a povoavam quando os primeiros europeus chegaram a estailha. Os homens foram exterminados quase todos pela exploração e pelotrabalho escravo...; as mulheres, convertidas em objeto do prazer ou escra-vas domésticas. Houve também os que morreram sob o fio de espadashomicidas, ou vítimas de enfermidades desconhecidas importadas pelosconquistadores... No correr de séculos, mais de um milhão de africanoscruelmente arrancados de suas distantes terras ocuparam o lugar dos escra-vos índios já extintos... A conquista e colonização de todo o hemisfério seestima que custou a vida de 70 milhões de índios e a escravização de 12milhões de africanos...

Cuba, em condições extremadamente difíceis, chegou a construir umanação. Lutou só com insuperável heroísmo por sua independência. Sofreupor isso, faz exatamente 100 anos, um verdadeiro holocausto nos camposde concentração, onde morreu parte considerável de sua população, funda-mentalmente anciões e crianças...

Hoje de novo se tenta o genocídio, pretendendo render através da fome,enfermidade e asfixia econômica total a um povo que se nega a submeter-se aos ditames e ao império da mais poderosa potência econômica, políticae militar da história, muito mais poderosa que a antiga Roma... Comoaqueles cristãos atrozmente caluniados, nós, tão caluniados como eles, pre-ferimos mil vezes a morte que renunciar a nossas convicções. Igual que aIgreja, a Revolução também têm muitos mártires...

Em sua longa peregrinação pelo mundo, voce deve ter podido ver comseus próprios olhos muita injustiça, desigualdade, pobreza; campos semcultivar e camponeses sem alimentos e sem terra; desemprego, fome, vidasque podiam salvar-se e se perdem por uns centavos; analfabetismo, prosti-tuição infantil, crianças trabalhando desde os seis anos ou pedindo esmolaspara poder viver; bairros marginais, onde vivem milhões em condiçõesdesumanas; discriminação por razões de raça ou de sexo, etnias inteirasdesalojadas de suas terras e abandonadas a sua sorte; xenofobia, desprezopara com outros povos, culturas destruídas ou em destruição; subdesenvol-vimento, empréstimos usurários, dívidas incobráveis e impagáveis, inter-câmbio desigual, mostruosas e improdutivas especulações financeiras; um

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meio ambiente que é destroçado sem piedade e talvez sem remédio; comér-cio inescrupuloso de armas com repugnantes finalidades mercantis, guer-ras, violências, massacres, corrupção generalizada, drogas, vícios e um con-sumismo alienante que se impõe como modelo idílico a todos os povos...São bilhões os que passam fome e sede de justiça; a lista de calamidadeseconômicas e sociais do homem é interminável...

Nesse discurso, Fidel cumpriu todos os rituais diplomáticos; e além dechamar o Papa de “Sua Santidade”, apresentou-o como um crítico do neo-liberalismo - o que muitos consideraram como concessão, outros comoexagero e alguns como puro cinismo. Em qualquer caso, diplomacias aparte, Fidel fez questão de explicitar o prontuário da Igreja Católica:

Fui estudante de colégios católicos até que me graduei bacharel. Meensinavam, então, que ser protestante, judeu, muçulmano, hindu, budista,animista ou participe de outras crenças religiosas, constituía uma falta hor-rível, digna de severo e implacável castigo. Mais de uma vez, inclusive, seme ocorreu perguntar por que não havia alí crianças negras, sem que tenhapodido todavia esquecer as respostas nada persuasivas que recebia...

O respeito para com os crentes e não crentes é um princípio básico que osrevolucionários cubanos inculcamos a nossos compatriotas. Esses princípiosforam definidos e estão garantidos por nossa Constituição e nossas leis. Sealguma vez surgiram dificuldades, não foi nunca culpa da Revolução.

Admiro sinceramente suas valentes declarações sobre o ocorrido comGalileu, os conhecidos erros da Inquisição, os episódios sangrentos das Cru-zadas, os crimes cometidos durante a conquista da América, e sobre determi-nados descobrimentos científicos não questionados hoje por ninguém, masque em seu tempo foram objeto de tantos preconceitos e anátemas...

Que podemos oferecer-lhe em Cuba, Santidade? Um povo com menosdesigualdades, menos cidadãos sem amparo algum, menos crianças semescolas, menos doentes sem hospitais, mais professores e mais médicos porhabitantes que em qualquer outro país do mundo que Sua Santidade tenhavisitado; um povo instruído, ao qual voce pode falar com toda a liberdadeque deseje fazê-lo, e com a segurança de que possui talento, elevada culturapolítica, convicções profundas, absoluta confiança em suas idéias e toda aconsciência e o respeito do mundo para escutá-lo. Não haverá nenhumpaís melhor preparado para compreender sua feliz idéia, tal como nós aentendemos e tão parecida a que nós predicamos, de que a distribuição

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18 Miscelânea Internacional – 1998-2013

equitativa das riquezas e a solidariedade entre os homens e os povos devemser globalizados.

Alguns dias depois, em 25 de janeiro de 1998, Fidel pronunciou outrodiscurso, na cerimônia de despedida do Papa. Mais curto, o discurso não émenos duro:

Creio que demos um bom exemplo ao mundo: voce, visitando o quealguns preferem chamar de último bastião do comunismo; nós, recebendoo chefe religioso a quem quiseram atribuir a responsabilidade de haverdestruído o socialismo em Europa...

Era cruelmente injusto que sua viagem pastoral fosse associada a mes-quinha esperança de destruir os nobres objetivos e a independência de umpequeno país bloqueado e submetido a uma verdadeira guerra econômica aquase 40 anos...

Quantas vezes escuto ou leio as calúnias contra minha pátria e meupovo, urdidas por aqueles que não adoram outro Deus que o ouro, recor-do sempre aos cristãos da antiga Roma, tão atrozmente caluniados.. a calú-nia tem sido muitas vezes na história a grande justificadora dos piorescrimes contra os povos. Recordo também aos judeus exterminados pelosnazis, ou os 4 milhões de vietnamitas que morreram sob o napalm, asarmas químicas e os explosivos. Ser cristão, ser judeu ou ser comunista nãodava direito a ninguém a exterminá-los...

Me comove o esforço que Sua Santidade realiza por um mundo maisjusto. Os estados desaparecerão; os povos chegarão a constituir uma sófamília humana. Se a globalização da solidariedade que você proclama seestende por toda a Terra e os abundantes bens que o homem pode produzircom seu talento e seu trabalho se repartem equitativamente entre todos osseres humanos que hoje habitam o planeta, poderia criar-se realmente ummundo para eles, sem fome nem pobreza; sem opressão nem exploração;sem humilhações nem desprezos; sem injustiças nem desigualdades, ondeviver com plena dignidade moral e material, na verdade liberdade, esseseria o mundo mais justo.

Democrata radical, revolucionário político, revolucionário social, comu-nista e nacionalista - há um fio de continuidade na trajetória de Fidel, eeste fio é a própria história cubana. Castro teve a sorte e o azar de sobrevi-ver a todas as fases da revolução, e se mantém um forte carisma entre seupovo e internacionalmente, é porque a própria revolução cubana, e as con-

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quistas políticas e sociais que ela gerou, mantém uma forte atração sobremilhões.

Como estamos falando de uma pessoa viva e atuante, num país a que arevolução concedeu uma enorme projeção internacional, é preciso cautela:as últimas cenas ainda estão por vir. Mas uma coisa parece certa: o segundo“julgamento da história” sobre Fidel dependerá do futuro da ilha, e as açõesde Cuba e em Cuba dependerão, enormemente, do avanço das forças so-cialistas no resto do planeta. Ou seja: o movimento socialista conclui oséculo XX envolto no mesmo dilema percebido pelos bolcheviques em 1917:o isolamento internacional é a morte da revolução.

Por isto, melhor que fazer previsões é fazer uma aposta, que envolvealgo de sorte, algo de torcida, mas, sobretudo de ação. E nossa aposta é queCuba, mas temprano que tarde, receberá seu destacamento de reforço.

Texto publicado no livroRevolução Cubana: Histórias e Problemas Atuais

(São Paulo, Xamã, 1998)

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Rosa Luxemburgo(Zamosc, Polônia, 5 de março de 1871/Berlim, 15 de janeiro de 1919)

O século 20 poderá ser lembrado de duas formas muito diferentes: ou comoo século em que o capitalismo sobreviveu a si mesmo, ainda que a custa deguerras e destruição; ou como o século em que os trabalhadores tentaram ini-ciar a construção de uma sociedade sem exploração nem opressão.

Os que estão nesta sala estão tendo o privilégio de assistir o fim e o iníciodeste século e também do milênio. E para que aproveitemos melhor esteprivilégio, pedimos a todos que reflitam sobre a herança que recebemos degerações de revolucionários que lutaram antes de nós.

Nos consideramos herdeiros de cada greve, de cada ocupação, de cadaassembléia, de cada passeata, de cada expropriação, de cada guerrilha, decada revolução acontecida neste planeta. Neste momento recordamos emparticular a revolução nicaraguense (1979), a revolução dos cravos (1974),a revolução cubana (1959) e a revolução chinesa (1949).

De todas as revoluções deste século, sem dúvida a mais importante, aque mais marcou os destinos da humanidade, foi a revolução russa. Dela jáse falou muito, inclusive que se tratou de uma revolução contra O Capital,porque aconteceu num lugar bastante improvável para os que tinham umavisão ortodoxa do marxismo.

Agora que o século termina, contudo, podemos dizer que O Capitalvenceu. Afinal, parece inquestionável que a principal derrota do socialismodo século vinte foi não ter conseguido implantar-se em nenhum país capita-lista desenvolvido. Por outro lado, como Lenin havia previsto, era muitomais fácil tomar o poder na Rússia do que alí construir o socialismo. E omesmo vale para cada um dos países onde a revolução triunfou no século 20.

Mas a que se deveu a derrota da revolução nos países capitalistas avança-dos? Em particular, a que se deveu a derrota da revolução na Alemanha, ondeno início do século existia o partido operário mais forte de todo o mundo?

Tratar destas questões é tratar das questões que Rosa Luxemburgo ten-tou responder. Qual a posição da classe operária frente ao nacionalismo e

Sobre Rosa Luxemburgo

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ao internacionalismo? Qual a relação entre reforma social e revolução? Comodeveria ser organizado o partido revolucionário? Como impedir a burocra-tização do movimento? Como preservar a espontaneidade das massas? Qualo papel da greve geral de massas na revolução proletária? Quais as mudan-ças que o imperialismo traz para a luta pelo socialismo? O capitalismotende ao colapso? O que fazer com a segunda internacional, depois de seuenvolvimento na Guerra Mundial?

Não é preciso concordar com as opiniões de Rosa Luxemburgo acerca decada uma destas questões. Mas é preciso conhecer e estudar estas opiniões,porque elas dizem respeito a dilemas atuais do movimento socialista, inclu-sive ou principalmente num país como o Brasil.

Rosa Luxemburgo foi teórica e dirigente de um partido socialista demassas que, dia após dia, crescia em força e moderação. Quando veio aguerra, este partido a apoiou: “desde 4 de agosto de 1914 que a social-democracia alemã é um cadáver putrefato”.

Em 1º de janeiro de 1916, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, FranzMehring, Clara Zetkin e tantos outros realizam uma conferência nacionale aprovam “princípios diretivos” propostos por Rosa: “comprovação do fra-casso da Segunda Internacional; imprescindível luta de massas contra oimperialismo, inimigo comum do proletariado de todos os países; necessi-dade de denunciar o nacionalismo e a traição dos social-democratas e rea-firmar a solidariedade internacional dos trabalhadores mediante a criaçãode uma nova organização”.

Nesta conferência decidiu-se, também, publicar um periódico com onome de Spartacus, nome que identificará este grupo até a fundação doPartido Comunista, três anos depois.

Cada vez mais à direita, o Partido Social Democrata Alemão expulsanão apenas a esquerda spartaquista, mas também os centristas como Kautsky.Uns e outros fundam, em abril de 1917, o Partido Socialista Independente.Mas o movimento sindical prossegue sob controle da direita.

Em novembro de 1918 explode a revolução alemã. Ela começa com ummotim na frota de guerra, que se estende aos operários dos estaleiros, aossoldados de infantaria, se espalhando depois por diversas cidades, em quesão formados conselhos operários.

A frente da maioria destes conselhos, entretanto, estão os dirigentes doPartido Social Democrata, que continua sendo reconhecido pelos operárioscomo sua autêntica direção.

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22 Miscelânea Internacional – 1998-2013

No dia 9 de novembro, é a vez da insurreição em Berlim. O imperadorGuilherme II renuncia, o primeiro-ministro também, mas antes nomeiaEbert, dirigente máximo do Partido Social Democrata, como o novochanceler. Sua primeira proclamação diz tudo: “cidadãos, peço-lhes queabandonem as ruas. Cuidem da tranquilidade e da ordem!”

Nas ruas, entretanto, esquerda e direita disputam os rumos da revolu-ção. Enquanto o social-democrata Scheidermann proclama a república de-mocrática, o spartaquista Karl Liebknecht proclama a república socialista.

A sorte da revolução foi decidida em três atos. No primeiro deles, oCongresso Nacional dos Conselhos operários, dominado pela Social-De-mocracia, resolve entregar o poder à Assembléia Constituinte que seriaeleita no dia 19 de janeiro de 1919.

O segundo ato é o Congresso de fundação do Partido Comunista Ale-mão, realizado entre 29 de dezembro de 1918 e 1º de janeiro de 1919.Neste congresso Rosa Luxemburgo é derrotada, prevalecendo posições ultra-esquerdistas. O partido se prepara para a insurreição, mesmo sem contarcom o apoio da maioria do operariado.

O terceiro ato foi a insurreição de janeiro de 1919. De 5 a 13 de janeiro,Berlim e outras cidades alemãs são palco de furiosos combates entre astropas do governo social-democrata e as milícias dos demais partidos deesquerda.

No dia 14 de janeiro, Die Rote Fahne publica um artigo de RosaLuxemburgo, intitulado “A ordem reina em Berlim”, que reproduzimos aseguir:

“A ordem reina em Varsóvia”, declarou em 1831 o ministro Sebastianidiante do Parlamento francês quando, depois de haver lançado o terrívelataque ao subúrbio de Praga, a soldadesca de Paskevich Suvorov [na verda-de, Paskevitsch] penetrou na capital polaca e começou a exercer seu ofíciode carrasco contra os insurretos.

“A ordem reina em Berlim”, proclama triunfalmente a imprensa burgue-sa, como os Ebert e os Noske [lenhador de profissão, eleito deputado peloPSDA, dirigente do Conselho dos Comissários do Povo responsável poresmagar a revolta espartaquista, ministro da Defesa até 1920] , como osoficiais das “tropas vitoriosas” que o populacho pequeno burguês acolhenas ruas de Berlim agitando seus lenços ao grito de “Viva!”. A glória e ahonra dos exércitos alemães foram salvas ante a história mundial. Os der-

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rotados de Flandres e de Argonne reabilitaram sua fama graças a uma bri-lhante vitória... sobre os 300 “espartaquistas” do Vorwarts. As façanhaslevadas a cabo durante a gloriosa invasão da Bélgica pelas tropas alemães,as façanhas do general Von Emmich, o vencedor de Lieja, ficamempalidecidas frente às façanhas dos Reinhardt [último ministro da Guer-ra prussiano] e companhia nas ruas de Berlim. Massacre de parlamentaresvindos a negociar a rendição do diário Vorwarts, aos quais a soldadescagovernamental atacou a golpes de culatra, até deixar seus corposirreconhecíveis, de forma que seus cadáveres não puderam ser identifica-dos; prisioneiros postos contra o paredão e assassinados com tanta brutali-dade que se lhes arrebenta o crânio e os miolos; ante fatos tão formidáveise gloriosos, nada lembra as derrotas sofridas frente aos franceses, aos britâ-nicos e aos americanos. Agora, o inimigo é Espártaco e Berlim é o lugaronde nossos oficiais obtêm sua vitória. E o general que sabe organizar taisvitórias, ali onde Ludendorff fracassou, é o “operário” Noske.

Como não evocar aqui a embriaguez vitoriosa da matilha de defensores da“Ordem”, a bacanal da burguesia parisiense dançando sobre os cadáveres doscombatentes da Comuna, dessa mesma burguesia que acabara de capitularvergonhosamente frente aos prussianos, entregando a capital ao inimigo ex-terior depois de lhe ter lavado os pés? Contudo, quando se tratou de enfren-tar-se com os proletários parisienses, famintos e mal armados, de enfrentar-secom suas mulheres indefesas e suas crianças... Ah, como brotou então a virilcoragem dos filhinhos da burguesia, essa “juventude dourada” dos oficiais!De que maneira a bravura dos filhos de Marte, antes vencidos pelo inimigoexterior, logo deu rédea solta a seus instintos e cometeu as atrocidades maisbestiais contra homens indefesos, prisioneiros e caídos!

“A ordem reina em Varsóvia”, “a ordem reina em Paris”, “a ordem reinaem Berlim”. A cada meio século os guardiães da “ordem” obtêm os comu-nicados vitoriosos dos holocaustos das guerras e conflitos mundiais. Esses“vencedores” exultantes são incapazes de perceber que uma “ordem” quenecessita ser mantida periodicamente à custa de sangrentas hecatombes,inelutavelmente caminha para seu destino histórico, sua perdição.

O que nos trouxe esta última “semana espartaquista” de Berlim? O quenos ensinou? Ainda em plena luta, em meio aos clamores de triunfo da con-tra-revolução, os proletários devem analisar já os fatos, avaliar seus resultadosem comparação com a escala de valores que oferece a história. A revolução

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não tem tempo a perder. Prossegue sua marcha para adiante por cima dastumbas ainda abertas, por cima de “vitórias” e “derrotas”, para seus grandio-sos objetivos. E o primeiro dever dos que lutam pelo socialismo internacionalé analisar com lucidez essa evolução e suas linhas de força essenciais.

Cabia esperar uma vitória decisiva do proletariado revolucionário noatual confronto? Podia dar-se já por descontada a queda dos Ebert-Scheidermann e a instauração da ditadura socialista? Certamente que não,se se analisam correta e profundamente todos os fatores. Bastará que colo-quemos o dedo no que nestes momentos constitui a chaga da revolução: afalta de maturidade política de soldados que continuam se deixando avassalarpor seus oficiais para desempenhar tarefas contra-revolucionárias, já é uma prova de que ainda não é possível uma vitória duradoura da revolução. Poroutra parte, essa falta de maturidade política dos militares não é senão umsintoma da falta geral de maturidade da Revolução Alemã.

O campesinato, de onde provém uma grande porcentagem da massa desoldados, continua escassamente influenciado pela revolução. Berlim aindase encontra praticamente isolada do resto do Reich. Não duvidamos que osfocos revolucionários das províncias - na Renânia, na costa do Mar doNorte, em Brunswick, na Saxônia, em Wurtemberg - se identificam decorpo e alma com o proletariado berlinês. Contudo, falta a coordenaçãoque se precisa para avançar; falta a ação comum que proporcionaria aosavanços e à força de choque da classe operária berlinense uma eficácia dis-tinta. Por outro lado - e é precisamente esta a causa mais profunda de ondederivam as imperfeições políticas - as lutas econômicas, autêntico vulcãoque alimenta sem cessar a luta de classes revolucionária, não ultrapassouainda seu estágio inicial.

De tudo isso se depreende claramente que na atual fase ainda não erapossível confiar numa vitória definitiva perdurável. Acaso por isso a luta dasemana passada foi um “erro’? Sim, no caso em que se houvesse tratado deum “avanço” premeditado, de um chamado putsch. Mas de fato qual foi oponto de partida das lutas da semana passada? De forma semelhante aoque ocorreu em casos precedentes - tanto em 6 de dezembro como em 24de dezembro - a causa foi uma brutal provocação do governo! Tal comoantes foram a agressão contra os indefesos manifestantes de Chausseestrassee o massacre dos marinheiros, a causa que deu pretexto para os fatos poste-riores foi um suposto golpe de mão realizado contra a chefia de polícia.Disso resulta que a revolução não atua ao seu prazer e com comodidade,

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como se se tratasse de um plano sabiamente estruturado por “estratégias”.Os adversários também tem sua própria iniciativa, e por regra geral a exer-cem com muito mais frequência do que a própria revolução.

Desafiados pela violenta provocação de Ebert-Scheidermann, os operá-rios revolucionários foram obrigados a pegar em armas. Sim, para a revolu-ção era uma questão de honra repelir de imediato com toda a energia aagressão, para evitar que a contra-revolução tivesse um alento para novasintentonas, e para evitar que se perturbassem as filas revolucionárias doproletariado, o crédito moral da Revolução Alemã na Internacional.

Além disso, a vontade de resistência brotou espontaneamente, com umaenergia tão natural das massas berlinenses, que se pode dizer que desde oprimeiro momento a vitória moral estava do lado da “rua”.

Porém, é uma lei interna da revolução que depois de dado o primeiropasso não se deve cair jamais na inação nem na passividade. O melhorrepouso consiste em haver dado um bom golpe. Esta regra elementar detoda luta adquire especial valor para qualquer passo que der a revolução.Subentende-se e é prova do são instinto e da fresca força interna do prole-tariado de Berlim, que não se sentira satisfeito em haver conseguido restau-rar a Eichhorn [chefe da gráfica do PSDA e depois do Partido SocialistaIndependente. Em 9/11/1918 foi nomeado chefe de polícia em Berlim.Sua destituição, em 4/1/1919, desencadeou a “semana espartaquista”] emseu cargo, mas que decidira espontaneamente a ocupação de outras parce-las do poder da contra-revolução: a imprensa burguesa, a agência de notí-cias oficiosa, o Vorwarts. Todas estas medidas foram resultado da instintivacompreensão, por parte das massas, de que a contra-revolução, por suaparte, não permaneceria indiferente ante a derrota sofrida, mas que prepa-raria uma prova de força generalizada.

Também aqui nos encontramos na presença de uma das grandes leishistóricas da revolução, frente à qual se despedaçam todas as habilidades etoda a ciência dos pequenos “revolucionários” do tipo da USPD, que emqualquer luta não fazem outra coisa senão buscar pretextos para bater emretirada. Desde o momento em que o problema fundamental de uma revo-lução está claramente estabelecido –e aqui o problema inicial consiste emderrubar o governo Ebert-Scheidermann, primeiro obstáculo para a vitóriado socialismo—, esse mesmo problema não cessa de aparecer uma e outravez, sempre com uma tremenda atualidade. E, com a fatalidade própria deuma lei natural, cada episódio da luta apresenta-o em toda a sua amplitu-

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de, por pouco preparada que esteja a revolução para resolvê-lo e por poucopropícia que seja a situação. “Abaixo Ebert-Scheidermann!” Esta senha brotainevitavelmente em cada nova crise revolucionária, como única fórmulacapaz de liquidar todos os conflitos parciais, pelo que, por sua lógica inter-na –queira-se ou não— pode conduzir qualquer episódio da luta até suasconsequências extremas.

Numa etapa inicial da revolução, a contradição entre o agravamento dastarefas que se impõem e a ausência de condições prévias que irão permitirsua realização faz com que as lutas finalizem com uma derrota formal. Masa revolução é a única forma de “guerra” onde a vitória final não poderá serobtida senão através de uma série de “derrotas”. E esta é precisamente umadas leis do processo revolucionário.

O que nos ensina a história das revoluções modernas e do socialismo? Aprimeira grande batalha da luta de classes na Europa finalizou com umaderrota: a sublevação dos tecelões de seda de Lyon, em 1831, teve comosaldo um grande revés. Também acabou derrotado o movimento cartistana Inglaterra. Grande derrota também a do proletariado parisiense no cur-so das jornadas de 1848. E também a Comuna de Paris conheceu umaterrível derrota. Toda a rota do socialismo –do ponto de vista das lutasrevolucionárias—está semeada de derrotas.

E todavia esta mesma história conduz passo a passo até a vitória final!Onde estaríamos hoje todos nós sem aquelas “derrotas”, que nos permiti-ram obter experiência histórica, conhecimentos, força e idealismo? Hoje,quando justamente nos encontramos em vésperas do combate final da lutade classes proletária, nos fundamentamos praticamente nessas derrotas,nenhuma das quais deveríamos esquecer, ao ser cada uma parte integrantede nossa força.

Os combates revolucionários são o oposto das lutas parlamentares. Du-rante quatro décadas, não temos cessado de colher “vitórias” parlamentaresna Alemanha. Mas na grande encruzilhada histórica de 4 de agosto de1914, o resultado foi uma tremenda derrota moral e política, um afunda-mento inaudito, uma bancarrota sem precedentes. Paradoxalmente, até agoraas revoluções somente nos têm trazido derrotas, mas esses fracassos inevitá-veis são precisamente a garantia irreversível da vitória final.

Porém, sob uma condição! Deve-se levar em conta as condições em quese produziram as derrotas: se se deram porque a energia combativa dasmassas se despedaçava sucessivamente contra a barreira das premissas his-

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tórias ainda imaturas ou se as indecisões, a falta de resolução, as debilidadesinternas paralisaram a ação revolucionária.

Dispomos de exemplos clássicos para ambas as possibilidades: a revolu-ção francesa de fevereiro e a revolução alemã de março. A ação heróica doproletariado parisiense em 1848 é o manancial vivo de onde o proletariadointernacional tem extraído todas as suas energias. Contrariamente, os lasti-máveis pormenores da Revolução Alemã de março foram o lastro que tra-vou a evolução da Alemanha moderna. Através da história particular dasocial-democracia oficial alemã, estes pormenores repercutiram até nos acon-tecimentos mais recentes da Revolução Alemã, até a dramática crise queacabamos de viver.

À luz desta questão histórica, como devemos avaliar a derrota da chama-da “semana espartaquista”? Tem suas origens na impetuosidade da energiarevolucionária e da insuficiente maturidade da situação, ou então foi oefeito da debilidade da ação em si mesma?

Ambas as coisas! O caráter ambíguo desta crise, a contradição entre avigorosa, resoluta e ofensiva manifestação das massas berlinenses, e a inde-cisão, as vacilações, a fraqueza da direção de Berlim, são as duas caracterís-ticas deste último episódio.

A direção fracassou. Mas deve e pode criar-se uma nova direção, por e apartir das próprias massas. As massas constituem o elemento decisivo, arocha sobre a qual se forjará a vitória final da revolução. As massas estive-ram à altura de sua tarefa histórica. Elas converteram a “derrota” em um elonuma série dessas derrotas históricas que constituem o orgulho e a força dosocialismo internacional. E por isso, sobre essa derrota florescerá a vitória.

“A ordem reina em Berlim!” Esbirros estúpidos! Vossa “ordem” é umcastelo na areia. Amanhã a revolução se “levantará de novo clamorosamen-te”, e para espanto vosso proclamará: Era, sou e serei!

Este artigo foi publicado no dia 14 de janeiro. No dia 15, as nove horasda noite, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht são presos. Foram levadosao Hotel Eden, quartel-general de uma das divisões para-militares. No pri-meiro andar do Hotel, ela é submetida a um interrogatório formal.

O primeiro a ser retirado do hotel foi Karl Liebknecht. Quando saía poruma porta lateral que dava para uma rua deserta, um soldado o feriu forte-mente com a culatra do rifle. Arrastaram-no e o empurraram até um veícu-lo, que foi em direção oposta à da prisão. Depois, fizeram-no sair do veícu-lo e atiraram. O cadáver foi entregue ao necrotério local como se fosse o

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28 Miscelânea Internacional – 1998-2013

deu desconhecido. Na volta ao Hotel Eden, informaram que Liebknechthavia sido morto quando tentava fugir.

Depois foi a vez de Rosa Luxemburgo. Já bastante ferida pelos soldados,ela foi arrastada para um carro, em cujo interior a assassinaram com umtiro. Lançaram o corpo num canal. Só em maio encontraram o cadáver.

No dia 25 de janeiro de 1919, enterraram-se 32 camaradas mortos noscombates de janeiro, entre eles Karl Liebknecht. Ao lado do seu, colocou-se um ataúde vazio.

Tempos depois, Bertolt Brecht escreveria:Aqui jazRosa LuxemburgoJudia da PolôniaVanguarda dos operários alemãesMorta por ordemDos opressores. OprimidosEnterrai as vossas desavenças!

Texto escrito como subsídio para um ato em homenagem a RosaLuxemburgo, por ocasião de uma conferência nacional da

Articulação de Esquerda, realizada em 1999

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29Valter Pomar

Bombardeio ao Afeganistão é apenas um “aperitivo”: a sobrevivência docapitalismo exigirá cada vez mais violência

Virou moda, depois de 11 de setembro, dividir nossa época em a.A ed.A.: “antes do atentado” e “depois do atentado”.

É claro que a conjuntura internacional mudou, depois que choveramaviões sobre o World Trade Center e o Pentágono. Mas há um elemento decontinuidade entre o “antes” e o “depois”, sem o qual o atentado pareceriaum “raio em céu azul”. Este elemento é a crise.

Não se trata de qualquer crise. Em primeiro lugar, diferentemente do queaconteceu durante os anos 1990, a crise agora está evidente, de maneirasimultânea, na tríade: Japão, Europa e principalmente Estados Unidos. Por-tanto, a crise, que antes atingia a periferia do capitalismo (México, Coréia doSul, Indonésia, Rússia, Argentina, Brasil), agora atinge seu centro.

Em segundo lugar, a chamada globalização promete transformar estacrise em algo diferente de tudo o que já vimos. Afinal, os Estados Unidossão, muito mais do que antes, a “locomotiva” da economia mundial. Adesaceleração, uma recessão ou depressão da economia norte-americanadesencadeia ondas de choque por todo o planeta.

Em terceiro lugar, trata-se de uma crise do capitalismo –não apenas,como muitos pensam ou querem que se acredite, uma crise do neoliberalis-mo. O que está em questão não é apenas a “fiação” do sistema, não éapenas a hipertrofia do setor financeiro, que poderia ser corrigida por algocomo a Taxa Tobin ou uma “prioridade para os mercados internos”. Nofundo da crise está um enorme impasse estrutural, um problema nos fun-damentos: uma queda da taxa de lucros vis a vis a superprodução de mer-cadorias e de capitais.

Crise no centro, crise global, crise capitalista

As alternativas para esta tripla crise são várias e conhecidas: aumento daexploração do trabalho, aumento da centralização e da concentração docapital, conquista de novas áreas (geográficas ou produtivas), estímulo aoconsumismo, financeirização da economia etc.

Tem algo no ar, alémdos aviões de carreira

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30 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Todas elas exigindo, ao contrário da lenda, uma ampliação da força e dainterferência estatais nos países capitalistas centrais, bem como a afirmaçãodo Estado enquanto “comitê executivo” dos interesses da classe capitalista,sem as mediações típicas do welfare state e sem a hipocrisia da “terceira via”.

Mas todas aquelas alternativas não fazem senão empurrar o problemapara a frente, aumentando-o de tamanho enquanto isso.

Vejamos a história: de 1914 até 1945, tivemos quarenta anos marcadospor crises, guerras e revoluções. Nesse período, muitos autores marxistasprofetizaram a “crise final” do capitalismo.

Na verdade, a história deu razão para Lenin, que dizia não existir situa-ção sem saída para a burguesia: ou o capitalismo era derrotado politica-mente, ou daria a volta por cima.

Foi o que aconteceu, depois da Segunda Guerra: embora o movimentosocialista tenha crescido de força no interior dos países capitalistas centrais,embora os comunistas tenham chegado ao poder em vários países periféricos,embora os movimentos por independência nacional e pelo desenvolvimentoeconômico tenham obtido várias vitórias, o fato é que o capitalismo sobrevi-veu e – paradoxalmente - cresceu enormemente nos 25 anos seguintes.

Em decorrência, durante um quarto de século, tivemos a chamada “erade ouro”, onde para muita gente parecia ser possível conciliar crescimentoeconômico, democracia, bem-estar social e capitalismo.

Este período chega ao fim quando, a partir dos anos 70, o capitalismo entraem nova crise geral. O neoliberalismo surgiu então como uma saída para aque-la crise, lançando mão exatamente das alternativas mencionadas acima.

O desmanche do chamado campo socialista reforçou, ideológica, políti-ca, militar e economicamente, o neoliberalismo, ensejando ainda as conhe-cidas besteiras sobre o “fim da história”. Duas décadas de neoliberalismo,entretanto, nos deixaram frente a uma crise maior do que a que enfrentáva-mos em 1970.

Guerra, destruição e lucros Assim, nada mais previsível que a guerra apareça, de novo, como uma

solução adequada para a crise.Não se trata, apenas, dos lucros que a guerra proporciona a determina-

dos segmentos do capital. A guerra é útil, ao capitalismo como “sistema”

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31Valter Pomar

porque ela permite destruir o excesso de forças produtivas, o excesso demercadorias, o excesso de capitais. Para um sistema que se encontra “nolimite”, a guerra permite retroceder e recomeçar.

Assim como o genocídio e a recessão, a guerra possui o “dom” de sanearas cavalariças do capitalismo. O que diz quase tudo sobre a natureza dessemodo de produção. Um problema é: quanta destruição será necessária paraproduzir um efeito “terapêutico” semelhante ao da Segunda Guerra?

Além de interessar diretamente a setores hegemônicos do capital (o com-plexo industrial-militar e o imperialismo norte-americano em particular), aguerra tem desdobramentos imediatos muito úteis para um sistema que seencontra em dificuldades para manter sua hegemonia política e ideológica.

Convém lembrar que o final dos anos 90 e o início do novo século forammarcados pela desmoralização ideológica do neoliberalismo e também dachamada “terceira via”. No plano político, surgiu um movimento interna-cional de massas contra a “globalização”. Aumentaram os conflitos entre osgrandes países capitalistas. Tudo isto em meio a crises agudas nos paísesperiféricos e crise crônica nos países centrais.

Nesse contexto, os atentados ao WTC e ao Pentágono “vieram em boahora”: deram ao governo norte-americano o pretexto para enfrentar, atra-vés da guerra, a crise em marcha, lançando mão de uma espécie de“keynesianismo” militar e reconstituindo a coalizão vigente na guerra doGolfo e no bombardeio da Iugoslávia.

Além disso, deram também o pretexto para enfrentar o movimento anti-globalização e, na política doméstica, serviram para (tentar) recuperar alegitimidade de um presidente derrotado nas urnas. Deram aos governosjaponês e alemão, em particular, um “motivo” para ressuscitar o militaris-mo. E, de maneira geral, deram aos governos pró-capitalistas de todo omundo um “argumento” para atacar as liberdades democráticas e reforçarseus aparatos de segurança.

Claro que, com o passar do tempo, o pretexto, o motivo e o argumentovem sendo desmascarados. Os Estados Unidos não têm como objetivo der-rotar o terrorismo, Bin Laden e os Talebans, que aliás são sócios recentes dogoverno norte-americano. O objetivo real é intimidar todos os que “nãoestejam com eles”: nações de política externa mais independente (China,Venezuela, Cuba etc.), os chamados “estados-bandidos” (Iraque, Coréia doNorte etc.), os movimentos democráticos, anti-imperialistas e anti-capita-

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32 Miscelânea Internacional – 1998-2013

listas em todo o mundo (as guerrilhas colombianas, por exemplo, são con-sideradas pelo Departamento de Estado dos EUA como organizações “ter-roristas”).

Por isso, é decisivo recuperar as ruas, em oposição a guerra, ao terrorismode Estado e ao sistema econômico que o gerou e que ele busca perpetuar.

Nessa operação, não devemos contar com o apoio dos governos social-democratas (terceira via, onda rosa, centro-esquerda), cuja atitude guardasemelhança com a adotada na guerra do Golfo e no bombardeio da Iugos-lávia, embora tal semelhança não esconda uma insatisfação com o hegemo-nismo norte-americano.

Independente do desfecho de curto prazo do conflito militar, a criseeconômica e as guerras devem continuar marcando o cenário internacio-nal. Devem aumentar, também, as agressões contra as liberdades democrá-ticas, em todo o mundo.

Daqui até janeiro de 2002, viveremos um período crucial. Trata-se de criaras condições, inclusive através da mobilização imediata, para que o II ForumSocial Mundial seja a afirmação massiva de que outro mundo é possível, ummundo socialista, única alternativa a guerra e a barbárie capitalistas.

Para onde for o Brasil...

Neste contexto de crise internacional, ganha muita importância a situa-ção brasileira. Aqui, como no mundo, o neoliberalismo foi adotado comopretensa solução para uma crise mais antiga. E, aqui como lá, nos encon-tramos hoje em situação mais difícil do que nos anos 80.

As características e os desdobramentos econômicos e sociais desta crise sãoconhecidos. Na política, ela resultou num descontentamento crescente dostrabalhadores, dos chamados setores médios e mesmo de setores da grandeburguesia. É este descontentamento que está na base da desmoralização ide-ológica do neoliberalismo, dos conflitos no bloco governista, da força acu-mulada pela oposição de esquerda, da lenta mas persistente retomada daslutas sociais e da possibilidade da esquerda vencer as eleições de 2002.

O cenário das eleições de 2002 ainda não está configurado. Por umlado, a esquerda parece ter mais chances do que em 1994 e 1998. Por outrolado, os partidos governistas possuem uma extensa base política em gover-nos de estado e prefeituras, dispõem de maioria parlamentar, têm enorme

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33Valter Pomar

poder econômico, controlam a maior parte dos meios de comunicação,possuem apoio internacional e não vacilarão em utilizar todos os meiospara impedir que a esquerda ganhe o governo de uma das maiores econo-mias industriais do mundo.

Isto porque o governo federal ocupa um lugar muito especial no esque-ma de poder que sustenta o capitalismo no Brasil. Um governo federal deesquerda –mesmo que com intenções meramente “reformistas”, de melho-rar a vida do povo sem tocar no capitalismo— introduzirá um fator deperturbação muito grande na estabilidade do capitalismo em nosso país,com as decorrentes consequências internacionais.

Nesse sentido, tanto para os trabalhadores quanto para o grande capital, abatalha “eleitoral” de 2002 pode adquirir um sentido tático-estratégico. Ouseja, pode ser aquela batalha que decide, não a guerra, mas o curso da guerra.

Todos os gatos são pardos?

Desde o início de 2001, os “formadores de opinião” vem destacando acrescente intenção de voto na esquerda, a persistente dificuldade que ospartidos governistas enfrentam para definir seu candidato e a tendência daeleição ocorrer em meio a uma crise maior do que a de 1998.

Daí muita gente deduz que a esquerda só perde as eleições do próximoano para si mesma. Ledo engano. Vantagem semelhante da esquerda ocor-reu em 1994. Crise econômica semelhante ocorreu em 1998. Mas paraalém das dificuldades, naqueles momentos prevaleceu a férrea decisão dederrotar a esquerda e o eficiente aproveitamento de nossas debilidades.

Nada indica que a decisão seja menos férrea, hoje. Ao contrário, todas aspesquisas feitas acerca da posição do grande capital indicam que, mesmomais moderada, a esquerda brasileira (personificada no PT) continua sen-do vista como um obstáculo aos interesses “do mercado”.

Ao mesmo tempo, o bloco social que amparou a vitória de Collor, nosegundo turno de 1989, e a de Fernando Henrique, em 1994 e 1998,continua existindo e operando. Possui um eficiente estado-maior e traba-lha, desde o início de 2001, para neutralizar a força eleitoral da esquerda econstruir uma candidatura confiável.

A principal força da esquerda está nela ser uma alternativa ao que está aí.Neutralizar a esquerda exige, portanto, firmar a idéia de que todos estãocontra a atual política econômica e todos defendem a mesma alternativa.

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34 Miscelânea Internacional – 1998-2013

As declarações de Tasso Jereissati contra o Consenso de Washington, deJosé Serra contra o déficit nas contas correntes e o programa econômico doInstituto Cidadania mostram exatamente uma convergência geral em tor-no de duas idéias básicas: crescimento econômico & políticas sociais.

Por detrás dessa convergência, algumas premissas: respeito ao “estado deDireito”, respeito ao estoque de riquezas acumuladas, respeito aos limitesdo mercado, respeito as privatizações já realizadas, respeito a responsabili-dade fiscal etc.

Uma vez atraída a esquerda para a armadilha da convergência progra-mática, os estrategistas do grande capital passaram à fase dois de seu planode neutralização: “demonstrar” que para mudar de modelo, o PT é a pioralternativa.

Assim, os mesmos formadores de opinião que festejaram o programaeconômico do Instituto Cidadania, agora atacam o PT, por seus “vínculoscom o populismo” e a “irresponsabilidade fiscal”; por seus vínculos com osinteresses “corporativistas”, em detrimento das grandes massas populares;por seus vínculos com setores “radicais”, o que dificultará a governabilida-de; pela incapacidade pessoal de suas principais lideranças etc.

Noutras palavras: se é para mudar com segurança, como pretendem al-guns moderados da esquerda (na cola de Mitterand), o melhor é a “conti-nuidade sem continuísmo” de José Serra.

A operação de neutralização se completa engessando os governos de es-querda, através da Lei de Responsabilidade Fiscal; e enlameando a imagemde partido ético, para o que concorrem certas alianças exóticas, além dasdenúncias de corrupção envolvendo governantes e dirigentes.

Nada garante que a neutralização dê certo ou que surja um candidatoconfiável. Nada garante, também, que desta vez a crise econômica nãoimpulsione a mudança, ao invés do medo, como ocorreu em 1998. Masuma coisa é certa: o estado maior das elites opera com eficiência e temrecebido a contribuição involuntária de setores da esquerda, que acreditamque a moderação programática e a aliança com parcelas do grande empre-sariado constituem o caminho para a vitória.

Programa é bússola, não apenas receita

Se não desmontar a convergência programática, o mais provável é que a

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35Valter Pomar

esquerda perca as eleições. E para desmontá-la, o primeiro passo é desistirde produzir o programa “possível” e tratar de produzir o programa “neces-sário”.

Medidas que hoje parecem “impossíveis” são necessárias e podem trans-formar-se em possíveis através da luta política. Foi isso que fizeram os neo-liberais entre 1989 e 1994. Eles ganharam a maioria da sociedade para seusprincípios ideológicos e objetivos programáticos (por exemplo: a superiori-dade do privado sobre o público e a privatização das estatais). Venceram aseleições com este programa. Não conseguiram aplicá-lo por completo: acorrelação de forças, os obstáculos institucionais e dificuldades econômicasobrigaram-nos a privatizar aos poucos e, até hoje, a tarefa segue inconclusa.Mas seu programa serviu de bússola, não apenas de receita.

O segundo passo, para romper a convergência programática, é deixarclaro que nosso programa defende uma ruptura radical com a ordem neo-liberal e tem como objetivo histórico o socialismo.

Se a esquerda vencer as eleições de 2002, a luta pelo socialismo não teráchegado ao fim (longe disso). Mas o curso desta luta assumirá uma novaforma: o governo federal terá mudado de mãos e poderá ser um instrumentoa mais na disputa pelo poder, que será muito mais intensa que hoje e envol-verá, diretamente, temas como o controle das forças armadas, do poder eco-nômico, dos meios de comunicação e da política internacional do país.

O grande capital tem consciência disso. Mesmo acreditando na sinceri-dade reformista de grande parte da esquerda, os grandes empresários nãoestão dispostos a correr o risco de ver uma frente popular “administrando acrise do capital”. Por isso, adulam algumas lideranças de esquerda, ao mes-mo tempo que articulam nossa derrota.

Nos setores moderados da esquerda, predomina um raciocínio mera-mente tático sobre 2002 (quando muito, uma batalha sobre o modelo ne-oliberal), em detrimento de um raciocínio tático e estratégico (uma batalhasobre o modelo neoliberal e sobre a natureza da formação social brasileira).

Uma campanha eleitoral orientada por uma estratégia socialista devetratar dos problemas colocados para os trabalhadores e seus aliados: neces-sidades básicas como trabalho, salário, teto, saúde, educação, terra etc. Ocorreque, neste momento de brutal crise (internacional e nacional, do neolibe-ralismo e do capitalismo), só medidas radicais darão conta de resolver osprincipais problemas dos trabalhadores.

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36 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Trata-se de recuperar as estatais que foram privatizadas ao longo dosanos 90; colocar o setor financeiro sob controle público; suspender o paga-mento da dívida externa; revogar a Lei de Responsabilidade Fiscal; rompercom o FMI e com as negociações da Área de Livre Comércio das Américas;quebrar o monopólio dos meios de comunicação de massa, inclusive reven-do as concessões públicas de rádio e tevê; adotar um modelo baseado noatendimento das necessidades populares, através da reforma agrária, urba-na e da expansão dos serviços públicos etc.

Em resumo, para melhorar a vida do povo, é preciso transferir renda,riqueza e poder, dos imperialistas, dos latifundiários e do capital monopo-lista, para os demais setores da sociedade. Este programa inclui medidas desentido socialista, mas não se trata de um programa de “erradicação” docapitalismo. Até porque a erradicação das relações capitalistas de produçãoexigirá um longo processo histórico.

Este programa, compatível com os interesses de vastos setores de peque-nos e médios capitalistas, trata-se “apenas” de um programa anti-monopo-lista, anti-imperialista e anti-latifundiário, com três grandes metas: rompercom a dependência externa, construir uma democracia popular e erradicara desigualdade.

Texto escrito em 2001, apóso atentado contra o World Trade Center

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37Valter Pomar

Em março de 1917, o que era para ser uma grande manifestação emhomenagem ao Dia Internacional da Mulher converte-se numa greve geralque, após alguns dias, provocou a renúncia do Czar Nicolau e o fim damonarquia na Rússia.

Poucos meses depois, em novembro de 1917, o governo provisório repu-blicano é derrubado. No seu lugar, instala-se o Conselho de Comissáriosdo Povo, organismo eleito pelo Soviete de Deputados Operários, Soldadose Camponeses.

O principal dirigente do novo governo chama-se Vladimir Ilich Ulianov,conhecido como Lênin, principal dirigente da facção “bolchevique” doPartido Operário Social-Democrata Russo.

De 1917 até 1921, o novo governo luta por sua sobrevivência, ameaçadapelos exércitos alemães, pelos exércitos “brancos” (financiados pelos lati-fundiários e capitalistas) e pela desorganização da economia, após anos deconflito militar.

Neste período, prevalece o chamado “comunismo de guerra”, cuja ex-pressão mais simples é a requisição forçada da produção dos camponeses,para alimentar as cidades e o Exército Vermelho.

Como resultado, o campesinato, que constituía a imensa maioria dapopulação russa, reduz a produção e coloca-se paulatinamente contra ogoverno soviético. Para manter a aliança operário-camponesa e garantir ofuncionamento da economia, o Partido Comunista Russo (denominaçãoassumida, em 1918, pelos bolcheviques) adota a NEP (Nova Política Eco-nômica).

Segundo esta Nova Política Econômica, os camponeses passam a ter odireito de vender o excedente de sua produção, devendo apenas pagar im-postos ao governo. Acabam as requisições forçadas. Os camponeses voltama abastecer as cidades.

De 1921 até 1927, os comunistas russos debatem os caminhos para aconstrução do socialismo naquele país. Contra as expectativas alimentadaspela liderança bolchevique quando da tomada do poder, em nenhum outropaís a revolução havia vencido. O isolamento internacional era agravado

Assim foi temperado o aço

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38 Miscelânea Internacional – 1998-2013

pelas características da sociedade russa, economicamente atrasada e tidacomo um país em que poderia ser mais fácil começar a revolução, mas ondeseria muito mais difícil construir o socialismo.

Entre as várias polêmicas daquele período, uma das mais importantesdizia respeito a como ampliar a industrialização do país, cuja economia eramajoritariamente composta pela pequena produção familiar camponesa.

Grosso modo, dois caminhos foram propostos. O primeiro deles prevêum longo período de estímulo à pequena produção camponesa, cujo cres-cimento econômico geraria as bases para uma ampliação da indústria. Osegundo deles prevê reduzir o número de pequenas propriedades campone-sas (que seriam reunidas em cooperativas ou fazendas coletivas), gerandoassim o mercado (tanto de mão-de-obra, quanto de consumo) necessáriopara uma industrialização rápida.

No final dos anos 20, o Partido Comunista Russo opta pelo caminho dacoletivização e industrialização forçadas. O campesinato é forçado a adotarformas coletivas de produção. Os operários são convocados a um brutalesforço produtivo. A contrapartida política e ideológica esse processo é oque se convencionou chamar, posteriormente, de estalinismo.

Dez anos depois, entretanto, a União das Repúblicas Socialistas Soviéti-cas transforma-se numa potência industrial, que se demonstrará capaz dederrotar a máquina nazista, na Segunda Guerra Mundial.

A opção pela coletivização e pela industrialização rápida foi uma novarevolução. A principal transformação foi que milhões de pessoas deixaramde ser pequenos proprietários e transformaram-se em operários (industriaisou agrícolas).

A nova classe operária, surgida deste processo, não tinha a experiênciapolítica prévia, adquirida ao longo de muitos anos, pelo proletariado queprotagonizou a revolução de 1917. Os novos operários, bem como a mai-oria dos novos integrantes do Partido Comunista, eram recém-saídos dasfileiras do campesinato. Sua principal escola havia sido a guerra, seu prin-cipal traço psicológico era a crença de que a vontade política era capaz desuperar qualquer desafio.

Nesse contexto social, o Partido Comunista também sofre grandes mu-danças. Em 1917, quando a revolução começa, os bolcheviques eram menosde 15 mil. Em 1921, são mais de trezentos mil. No final dos anos 1920, o PCrusso e as organizações de massa que ele dirige reúnem milhões de pessoas.

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39Valter Pomar

Em decorrência, o trabalho de educação política ganha uma nova di-mensão. As escolas, o cinema, a rádio, as artes gráficas, a literatura sãocolocadas a serviço da formação destes milhões de “homens novos” do so-cialismo soviético. Trata-se de incutir, em dezenas de milhões de pessoas, osvalores da nova ordem. A fusão entre as “artes” e as necessidades educacio-nais e políticas do regime soviético dá origem, assim, ao chamado “realis-mo socialista”.

O livro que o leitor tem nas mãos é uma das expressões mais conhecidasdeste processo. A começar pelo título —Assim foi temperado o aço— tra-ta-se de literatura a serviço de uma causa política. As dificuldades e tensõesextremas que marcam a vida de Pavel, protagonista principal do livro, sim-bolizam a história da classe operária russa - especialmente no período quevai da revolução de 1917 até o final dos anos 1920 - e firmam a idéia deque os comunistas são portadores de uma “vontade inquebrantável”.

Assim foi temperado o aço teve milhões de leitores, dentro e fora da URSS.Serviu para educar, nos valores de uma determinada concepção de comunis-mo, toda uma geração de militantes, após a Segunda Guerra Mundial.

Ler este livro, tantos anos depois dos acontecimentos que ele descreve euma década depois do desabamento do mundo que ele ajudou a forjar, éuma aventura emocionante.

Interpretar politicamente e de forma crítica a abordagem que ele apre-senta, é uma obrigação para os que acreditam que a vontade política -embora não decida tudo e, aliás, decida menos do que pensam os protago-nistas envolvidos em grandes movimentos revolucionários - continua sen-do um fator decisivo na luta pelo poder e na construção do socialismo.

Apresentação escrita em abril de 2003 para uma ediçãobrasileira do livro Assim foi temperado o aço, de Nikolai Ostrovski

(editora Expressão Popular, São Paulo)

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40 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Em 2006, a secretaria de relações internacionais do PT, a Fundação PerseuAbramo e a Fundação Rosa Luxemburgo promoveram um curso sobre relaçõesinternacionais. O curso foi realizado em Sâo Paulo, com cerca de 50 alunos doBrasil e de outros países da América Latina. Entre os professores, Kjeld Jakobsen,Roberto Regalado, Igor Fuser, Daniel Aarão Reis Filho, Wladimir Pomar,Gustavo Codas, Beluce Belluci, Breno Altman, Marco Aurélio Garcia e NaniStuart. O texto abaixo serviu de base para uma aula que dei neste curso, sobreo tema capitalismo e imperialismo. Foi publicado em livro editado pela Edito-ra da FPA.

Compreender a dinâmica atual das relações internacionais, especialmenteentre os Estados, exige compreender o capitalismo. Até porque, desde acrise geral do socialismo, cujo ápice foi em torno de 1990, o capitalismotornou-se mais hegemônico do que nunca foi.

O capitalismo, suas origens, suas contradições internas, suas tendênciasde desenvolvimento, seus limites históricos, são temas extremamente con-troversos, sobre os quais há pelo menos 150 anos de polêmica e diversas“escolas de pensamento”, muitas vezes antagônicas.

Este texto aborda algumas dessas questões, bem como sugere leituras(principalmente as disponíveis em língua portuguesa) que permitem umaabordagem acessível para militantes interessados em ter uma visão geralsobre o assunto.

Comecemos pelas origens do capitalismo. Embora pareça algo banal,reconhecer o capitalismo como um fenômeno histórico é algo de enormesignificado político, pois aceitar que ele teve uma origem reforça a idéia deque ele poderá ter um fim.

Dentre os inúmeros autores que trataram do assunto, citaremos o pro-fessor inglês Maurice Dobb.

Professor de economia e um dos “fundadores” da escola de marxistasingleses integrada por Hobsbawn, Thompson, Cristopher Hill e RodneyHilton, Maurice Dobb é autor de A evolução do capitalismo[1], livro publi-cado em 1946.

Capitalismo e imperialismo

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41Valter Pomar

O primeiro capítulo deste livro dedica-se exatamente a definir o significa-do de “capitalismo”, entre outros motivos porque “se o capitalismo não existecomo entidade histórica, os críticos da ordem econômica atual que reclamamuma mudança do sistema estão lutando contra moinhos de vento”.

Dobb afirma que, “por terem exercido uma influência sobre a pesquisa e ainterpretação históricas, três significados separados e atribuídos ao capitalis-mo surgem com destaque. Embora em alguns aspectos os mesmos se sobre-ponham, cada um deles se associa a uma visão distinta da natureza do desen-volvimento histórico, cada qual acarreta um tratado de fronteiras cronológi-cas bem diferentes para o sistema, e cada qual resulta num relato causal dife-rente quanto à origem do capitalismo e o crescimento do mundo moderno”.

A primeira abordagem é a que busca “a essência do capitalismo” não“em qualquer dos aspectos de sua anatomia econômica ou sua fisiologia”,mas no “espírito” predominante na época: o espírito de empresa, de em-preendimento, de aventura, de cálculo, de racionalidade. Ou, nas palavrasrecentes de um filósofo menor, o “espírito animal” do empresário.

Uma obra clássica partidária desta primeira abordagem é A ética protes-tante e o espírito do capitalismo[2], de Max Weber, para quem o capitalis-mo está presente “onde quer que a provisão industrial para as necessidadesde um grupo humano seja executada pelo método de empresa”.

A segunda abordagem identifica o capitalismo com o comércio, ou ain-da com a “produção voltada para a troca”. Esta abordagem é extremamenteinfluente, estando na base das correntes teóricas (como o “utilitarismo” e o“marginalismo”) que buscam o “segredo” do capitalismo, não no processode produção, mas sim no processo de circulação de mercadorias.

Uma compreensão panorâmica daquelas correntes teóricas é apresenta-da no livro História do pensamento econômico[3], de E. K. Hunt.

A terceira abordagem é a que considera o capitalismo como um “modode produção” específico, distinto de outros existentes na história da hu-manidade.

O conceito de “modo de produção” é adotado, aqui, no sentido maisamplo do termo, ou seja, as relações que os seres humanos estabelecementre si e com a natureza, no processo de produção e reprodução de suavida social.

A obra clássica dos que defendem esta abordagem é O Capital[4], de KarlMarx, que veio a luz em 1867. Anos antes, em 1859, Marx resumiu assimseu método:

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“(...) na produção social da sua vida, os homens contraem determinadasrelações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produçãoque correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suasforças produtivas materiais.

O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica dasociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica epolítica e à qual correspondem determinadas formas de consciência social.

O modo de produção da vida material condiciona o processo da vidasocial, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem quedetermina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina asua consciência.

Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produ-tivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção exis-tentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações depropriedade dentro das quais se desenvolveram até ali.

De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações seconvertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revoluçãosocial.

Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapida-mente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela.

Quando se estudam essas revoluções, é preciso distinguir sempre entreas mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção eque podem ser apreciadas com a exatidão própria das ciências naturais, e asformas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa pala-vra, as formas ideológicas em que os homens adquirem consciência desseconflito e lutam para resolvê-lo.

E do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que elepensa de si mesmo, não podemos tampouco julgar estas épocas de revolu-ção pela sua consciência, mas, pelo contrário, é necessário explicar estaconsciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente en-tre as forças produtivas sociais e as relações de produção.”[5]

Uma visão de conjunto sobre as idéias de Marx pode ser encontrada nolivro do economista belga Ernest Mandel: A formação do pensamento eco-nômico de Karl Marx[6]. Para uma visão sobre a evolução das diferentescorrentes marxistas, recomenda-se a leitura de Considerações sobre o mar-xismo ocidental[7], de Perry Anderson.

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43Valter Pomar

É importante dizer que a metodologia histórica formulada por Marx eEngels tem sido parcialmente adotada, nas últimas décadas e particular-mente nos últimos anos, por pessoas que não são comunistas, socialistas,revolucionários ou tampouco se consideram marxistas. Nessa linha, reco-menda-se a leitura de A dinâmica do capitalismo[8], de Fernand Braudel.

Segundo as abordagens do “espírito” e do “comércio”, o capitalismo jáestaria presente desde a antiguidade clássica, pelo menos. Para a abordageminspirada em Marx, o capitalismo seria um fenômeno histórico relativamen-te recente, produto da desagregação do feudalismo na Europa ocidental.

Para conhecer a visão de Marx sobre as Formações econômicas pré-capi-talistas[9], sugere-se a leitura da obra de mesmo nome, precedida por umaintrodução de Eric Hobsbawn. E, também, do texto “Modo de producciónasiático y los esquemas marxistas de evolución de las sociedades”, de MauriceGodelier, no livro Sobre el modo de produccion asiático.[10]

A evolução do capitalismo de Maurice Dobb propõe uma interpretaçãodo processo de transição do feudalismo ao capitalismo. O tema gerou umaintensa polêmica, como pode ser visto na coletânea intitulada A transiçãodo feudalismo para o capitalismo[11]. Obra mais recente sobre aspectos da-quela transição é Linhagens do Estado absolutista[12], de Perry Anderson.

Embora haja opiniões distintas sobre o surgimento do capitalismo, háenorme consenso sobre a importância da chamada “revolução industrial”,bem como das chamadas “revoluções burguesas” (a inglesa do século XVII,a americana e francesa do século XVIII, as várias revoluções ocorridas emdiferentes países da Europa no século XIX) na sua evolução posterior.

Estes temas são tratados de maneira bastante didática por Eric Hobsbawn,em dois livros: Da revolução industrial inglesa ao imperialismo[13] e A eradas revoluções[14]. Do mesmo autor, A era do Capital[15] descreve a analisaa evolução do capitalismo entre 1848 e 1875.

Entre o final do século XIX e o início do século XX, o capitalismo pas-sou a apresentar características muito diferentes daquele que havia sidoestudado por Marx, em O Capital. Essas características foram analisadas,na época, por cinco obras que hoje são consideradas clássicas:

a) Imperialismo[16], de John Hobson (1902);b) O capital financeiro[17], de Rudolf Hilferding (1910);c) A acumulação do Capital[18], de Rosa Luxemburgo (1912);d) O imperialismo e a economia mundial[19], de Nikolai Bukharin (1915);

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e) Imperialismo, etapa superior do capitalismo[20], de Vladimir Lênin(1916).

Embora tenham pontos em comum, estas cinco obras chegam a conclu-sões distintas. Delas, a que obteve maior repercussão política foi a de Lênin,adotada “oficialmente” pelo movimento comunista.

Há, desde então e até hoje, uma enorme controvérsia sobre o “imperia-lismo”. Até porque, como disse Emir Sader em Século XX. Uma biografianão autorizada[21], quem quiser calar-se sobre o fenômeno do imperialismodeverá calar-se sobre o século XX.

Uma introdução ao período 1875-1914 é fornecida por Eric Hobsbawn,no A era dos impérios[22]. A revista Margem Esquerda[23] organizou umdossiê inteiramente dedicado ao tema.

A definição proposta por Lênin, no sétimo capítulo de seu “ensaio po-pular” sobre o imperialismo, é a seguinte:

“O imperialismo surgiu como desenvolvimento e continuação direta dascaracterísticas fundamentais do capitalismo em geral. Mas o capitalismo sóse transformou em imperialismo capitalista quando chegou a um determina-do grau, muito elevado, do seu desenvolvimento, quando algumas das carac-terísticas fundamentais do capitalismo começaram a transformar-se na suaantítese, quando ganharam corpo e se manifestaram em toda a linha os tra-ços da época de transição do capitalismo para uma estrutura econômica esocial mais elevada. O que há de fundamental neste processo, do ponto devista econômico, é a substituição da livre concorrência capitalista pelos mo-nopólios capitalistas. A livre concorrência é a característica fundamental docapitalismo e da produção mercantil em geral; o monopólio é precisamente ocontrário da livre concorrência, mas esta começou a transformar-se diantedos nossos olhos em monopólio, criando a grande produção, eliminando apequena, substituindo a grande produção por outra ainda maior, e concen-trando a produção e o capital a tal ponto que do seu seio surgiu e surge omonopólio: os cartéis, os sindicatos, os trustes e, fundindo-se com eles, ocapital de uma escassa dezena de bancos que manipulam milhares de mi-lhões. Ao mesmo tempo, os monopólios, que derivam da livre concorrência,não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, engendrando assim con-tradições, fricções e conflitos particularmente agudos e intensos. O monopó-lio é a transição do capitalismo para um regime superior.

Se fosse necessário dar uma definição o mais breve possível do imperia-

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lismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do capita-lismo. Essa definição compreenderia o principal, pois, por um lado, o capi-tal financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas,fundido com o capital das associações monopolistas de industriais, e, poroutro lado, a partilha do mundo é a transição da política colonial que seestende sem obstáculos às regiões ainda não apropriadas por nenhuma po-tência capitalista para a política colonial de posse monopolista dos territó-rios do globo já inteiramente repartido.

Mas as definições excessivamente breves, se bem que cômodas, pois con-tém o principal, são insuficientes, já que é necessário extrair delas especial-mente traços muito importantes do que é preciso definir. Por isso, semesquecer o caráter condicional e relativo de todas as definições em geral,que nunca podem abranger, em todos os seus aspectos, as múltiplas rela-ções de um fenômeno no seu completo desenvolvimento, convém dar umadefinição do imperialismo que inclua os cinco traços fundamentais seguin-tes: 1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão eleva-do de desenvolvimento, que criou os monopólios, os quais desempenhamum papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com ocapital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro”, da oligar-quia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportaçãode mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) aformação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, quepartilham o mundo entre si, e 5) o término da partilha territorial do mun-do entre as potências capitalistas mais importantes.

O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em queganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adqui-riu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha domundo pelos trustes internacionais e terminou a partilha de toda a terraentre os países capitalistas mais importantes.

Mais adiante veremos como se pode e deve definir de outro modo oimperialismo, se tivermos em conta não só os conceitos fundamentais pu-ramente econômicos (aos quais se limita a definição que demos), mas tam-bém o lugar histórico que esta fase do capitalismo ocupa relativamente aocapitalismo em geral, ou a relação entre o imperialismo e as duas tendênci-as fundamentais do movimento operário.

O que agora há a considerar é que, interpretado no sentido referido, o

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46 Miscelânea Internacional – 1998-2013

imperialismo representa em si, indubitavelmente, uma fase particular dedesenvolvimento do capitalismo. (...) evidentemente, que na natureza e nasociedade todos os limites são convencionais e mutáveis, que seria absurdodiscutir, por exemplo, sobre o ano ou a década precisos em que se instau-rou definitivamente o imperialismo”.

A análise de Lênin acerca do imperialismo contém, além desta discussãosobre seu lugar no processo de evolução do capitalismo, uma análise desuas implicações políticas (no sentido nacional e internacional).

Lênin apresenta seu ponto de vista, em O imperialismo etapa superiordo capitalismo, muitas vezes através de críticas a Karl Kautsky, então oprincipal teórico do Partido Social-Democrata Alemão.

Uma boa introdução ao pensamento de Kautsky está na coletânea KarlKautsky e o marxismo[24]. Seus principais oponentes na social-democraciaalemã foram Eduardo Bernstein, autor de Socialismo evolucionário[25], eRosa Luxemburgo, autora de Reforma ou Revolução[26].

Segundo Kautsky, o imperialismo seria “um produto do capitalismo in-dustrial altamente desenvolvido. Consiste na tendência de toda a naçãocapitalista industrial para submeter ou anexar cada vez mais regiões agrári-as, quaisquer que sejam as nações que as povoam”.

Lênin dizia que esta definição “destaca de um modo unilateral (...) ape-nas o problema nacional (se bem que seja da maior importância, tanto emsi como na sua relação com o imperialismo), relacionando-o arbitrária eerradamente só com o capital industrial dos países que anexam outras na-ções, e colocando em primeiro plano, da mesma forma arbitrária e errada,a anexação das regiões agrárias”.

Para Lênin, o que é característico do imperialismo “não é precisamente ocapital industrial, mas o capital financeiro (...) o que é característico doimperialismo é precisamente a tendência para a anexação não só das regiõesagrárias, mas também das mais industriais (...) pois, em primeiro lugar,estando já concluída a divisão do globo, isso obriga, para fazer uma novapartilha, a estender a mão sobre todo o tipo de territórios; em segundolugar, faz parte da própria essência do imperialismo a rivalidade de váriasgrandes potências nas suas aspirações à hegemonia, isto é, a apoderarem-sede territórios não tanto diretamente para si, como para enfraquecer o ad-versário e minar a sua hegemonia (...)”.

Kautsky considerava que “do ponto de vista puramente econômico não

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está excluído que o capitalismo passe ainda por uma nova fase: a aplicaçãoda política dos cartéis à política externa, a fase do ultra-imperialismo (...) osuper-imperialismo, a união dos imperialismos de todo o mundo, e não aluta entre eles, a fase da cessação das guerras sob o capitalismo (...) a fase daexploração geral do mundo pelo capital financeiro, unido internacional-mente”.

Lênin, falando em tese, considera indiscutível que se pode dizer que “odesenvolvimento vai na direção do monopólio; portanto vai na direção domonopólio mundial único, de um truste mundial único”. Mas, ao mesmotempo, considera esta afirmação como uma abstração vazia e acusa as “di-vagações de Kautsky sobre o ultra-imperialismo” de estimularem “a idéiaprofundamente errada (...) de que a dominação do capital financeiro ate-nua a desigualdade e as contradições da economia mundial, quando, narealidade, o que faz é acentuá-las”.

Para Lênin, “as alianças ‘inter-imperialistas’ ou ultra-imperialistas (...)seja qual for a sua forma: uma coligação imperialista contra outra coligaçãoimperialista, ou uma aliança geral de todas as potências imperialistas, sópodem ser, inevitavelmente, ‘tréguas’ entre guerras. As alianças pacíficaspreparam as guerras e por sua vez surgem das guerras, conciliando-se mu-tuamente, gerando uma sucessão de formas de luta pacífica e não pacíficasobre uma mesma base de vínculos imperialistas e de relações recíprocasentre a economia e a política mundiais”.

No décimo capítulo de seu “ensaio popular”, capítulo intitulado “Olugar do imperialismo na história”, Lênin afirma o seguinte:

“(...) o imperialismo é, pela sua essência econômica, o capitalismo mo-nopolista. Isto determina já o lugar histórico do imperialismo, pois o mo-nopólio, que nasce única e precisamente da livre concorrência, é a transiçãodo capitalismo para uma estrutura econômica e social mais elevada. Háque assinalar particularmente quatro variedades essenciais do monopólio,ou manifestações principais do capitalismo monopolista, características doperíodo que nos ocupa.

Primeiro: o monopólio é um produto da concentração da produção numgrau muito elevado do seu desenvolvimento. Formam-no as associaçõesmonopolistas dos capitalistas, os cartéis, os sindicatos e os trustes. Vimos oseu enorme papel na vida econômica contemporânea. Nos princípios doséculo XX atingiram completo predomínio nos países avançados (...)

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48 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Segundo: os monopólios vieram agudizar a luta pela conquista das maisimportantes fontes de matérias-primas, particularmente para a indústriafundamental e mais cartelizada da sociedade capitalista: carvão e aço. Aposse monopolista das fontes mais importantes de matérias-primas aumen-tou enormemente o poderio do grande capital e agudizou as contradiçõesentre a indústria cartelizada e a não-cartelizada.

Terceiro: o monopólio surgiu dos bancos, os quais, de modestas empre-sas intermediárias que eram antes, se transformaram em monopolistas docapital financeiro. Três ou cinco grandes bancos de cada uma das naçõescapitalistas mais avançadas realizaram a “união pessoal” do capital indus-trial e bancário, e concentraram nas suas mãos somas de milhares e milha-res de milhões, que constituem a maior parte dos capitais e dos rendimen-tos em dinheiro de todo o país. A oligarquia financeira, que tece uma densarede de relações de dependência entre todas as instituições econômicas epolíticas da sociedade burguesa contemporânea sem exceção: tal é a mani-festação mais evidente deste monopólio.

Quarto: o monopólio nasceu da política colonial. Aos numerosos ‘velhos’motivos da política colonial, o capital financeiro acrescentou a luta pelasfontes de matérias-primas, pela exportação de capitais, pelas ‘esferas de in-fluência’, isto é, as esferas de transações lucrativas, de concessões, de lucrosmonopolistas, etc., e, finalmente, pelo território econômico em geral. (...)

É geralmente conhecido até que ponto o capitalismo monopolistaagudizou todas as contradições do capitalismo. (...) Esta agudização dascontradições é a força motriz mais poderosa do período histórico de transi-ção iniciado com a vitória definitiva do capital financeiro mundial.

Os monopólios, a oligarquia, a tendência para a dominação em vez datendência para a liberdade, a exploração de um número cada vez maior denações pequenas ou fracas por um punhado de nações riquíssimas ou mui-to fortes: tudo isto originou os traços distintivos do imperialismo, queobrigam a qualificá-lo de capitalismo parasitário, ou em estado de decom-posição. (...) No seu conjunto, o capitalismo cresce com uma rapidez in-comparavelmente maior do que antes, mas este crescimento não só é cadavez mais desigual como a desigualdade se manifesta também, de modoparticular, na decomposição dos países mais ricos em capital (Inglaterra)(...) De tudo o que dissemos sobre a essência econômica do imperialismo,deduz-se que se deve qualificá-lo de capitalismo de transição ou, mais pro-priamente, de capitalismo agonizante”.

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As conclusões de Lênin foram criticadas, recentemente, pelo conhecidohistoriador brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira, que na “Introdução”de Formação do Império Americano[27], afirma o seguinte:

“A prática, entendida como o curso da história, não confirmou a teoriade Lênin, segundo a qual o imperialismo representava a fase superior docapitalismo, o capitalismo em “decomposição”, o “capitalismo de transi-ção, capitalismo agonizante”, o “prelúdio da revolução social do proletaria-do”, pois estava “às portas de sua ruína, maduro até ao ponto de ceder oposto ao socialismo”. O critério da verdade não pode consistir em compa-rar as diferentes teorias, mas em compará-las com a realidade. E o que arealidade comprovou foi que a política imperialista, conforme Kautsky pre-vira, foi desalojada por outra nova, ultra-imperialista, em que a exploraçãode todo o mundo pelo capital financeiro, unido internacionalmente, glo-balizado, substituiu a luta entre si dos capitais financeiros nacionais, com-petição que se desdobrava por meio das armas no mercado mundial.

A guerra de 1914-1918 permitiu que os Estados Unidos conquistassema preeminência no sistema capitalista, embora contestada durante algumtempo pela Alemanha nazista. Todavia, a partir da Segunda Guerra Mun-dial, derrotado o nazi-fascismo, ninguém mais podia imaginar uma guerraentre as grandes potências capitalistas, não obstante as contradições quesubsistissem ou pudessem ocorrer. A política imperialista fora realmentesubstituída por uma nova, ultraimperialista, implementada pelos EstadosUnidos, como potência hegemônica, capaz de modelar a vontade de outrosEstados e de conduzir a política internacional, de conformidade com seusinteresses, através de um sistema de alianças e de pactos, que passaram aconstruir a partir de 1945".

A crítica de Moniz Bandeira mostra como o debate sobre o imperialismosegue atual e tem implicações práticas na análise e na prática das relaçõesinternacionais.

Curiosamente, o mesmo Moniz Bandeira que critica Lênin, afirma que aformação do Império Americano é o epílogo “da globalização do sistemacapitalista, iniciada com as viagens de circunavegação, nos séculos XV e XVI”.

Nada mais humano do que a tentação de qualificar a época em que sevive como a etapa “superior”, o “epílogo”, a “última” do capitalismo. Nesteparticular, é essencial distinguir conclusões teóricas de datação de processoshistóricos.

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50 Miscelânea Internacional – 1998-2013

É óbvio que o imperialismo contemporâneo de Lênin não foi o últimomomento da vida do capitalismo, que sobrevive até os dias de hoje. Damesma forma, o atual “epílogo” identificado por Moniz Bandeira podedurar vários séculos.

Outra questão é saber se o estágio monopolista constitui ou não o pontomais alto do desenvolvimento capitalista, frente ao qual só haveria trêsdesenlaces possíveis: a barbárie, o socialismo e o recomeço cíclico.

O que ocorreu logo após a publicação de Imperialismo, etapa superiorforam três décadas de crises econômicas, sociais e políticas, inclusive duasguerras mundiais e diversas revoluções que levaram partidos de esquerdaao poder. Após a Segunda Guerra, tivemos um processo de descolonização(especialmente na Ásia e África), desenvolvimentismo (especialmente naAmérica Latina), bem-estar social (basicamente na Europa) e expansão dochamado campo socialista.

Este período da história (de 1914 a 1991) foi descrito por Eric Hosbawn,em Era dos extremos[28]. Bem pesados os fatos, parece que Lênin estavacerto (e não Kaustky) ao perceber o imenso potencial destrutivo (e criativo)inaugurado pela etapa imperialista do capitalismo.

Ocorre que o capitalismo não sucumbiu a esta crise geral. E, paradoxal-mente, a existência de um “campo socialista” (articulado, de diferentesmaneiras, com a descolonização, o desenvolvimentismo e o bem-estar so-cial) ajudou a criar as condições para o surgimento de mecanismos de coo-peração inter-capitalista, tanto no terreno político quanto econômico, querecordam a aliança “inter-imperialista” vislumbrada por Kautsky.

Mas a condição fundamental para esta aliança inter-imperialista era aexistência da ameaça socialista. E a “paz” proporcionada pela disputa entre“campo socialista” e “campo capitalista” era, em boa medida, asseguradapelas possibilidades de destruição mútua e acompanhada por violentos con-flitos militares, especialmente na Ásia e na África.

O período que se estende do final da Segunda Guerra até o final dosanos 1960 foi, de toda forma, bastante atípico, provocando inclusive osurgimento de novas interpretações acerca do capitalismo, do imperialismoe do próprio socialismo (vide as “teorias” dos “três mundos”, do “social-imperialismo”, do “socialismo real” e dos “estados operários burocratica-mente degenerados”).

Os volumes 11 e 12 da História do Marxismo[29] proporcionam um

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51Valter Pomar

sobrevôo sobre as questões enfrentadas pela esquerda neste período, inclu-sive nos países do chamado campo socialista.

Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL[30], de Ricardo Bielschowsky,traz textos fundamentais, ilustrativos das teorias da dependência e do de-senvolvimentismo na América Latina. Um mapa da esquerda na Europaocidental[31] reúne informações básicas sobre a social-democracia e o Esta-do de bem-estar social.

O intenso desenvolvimento capitalista ocorrido depois da Segunda Guerrapreparou o terreno tanto para a crise dos anos 1970, quanto para o que estáocorrendo hoje. A era neoliberal, neste sentido, é filha inesperada do casamen-to entre o imenso desenvolvimento estimulado pelas políticas inspiradas emKeynes[32], somada a incapacidade da esquerda de aproveitar aquele período eaquela crise para iniciar um novo ciclo de transformações socialistas.

A crise do capital[33], de Ernest Mandel, traz uma descrição da “primeirarecessão generalizada” da economia capitalista internacional, desde a Se-gunda guerra. E Balanço do neoliberalismo[34], de Perry Anderson, mostraos caminhos políticos e ideológicos trilhados pelas forças capitalistas, parasobreviver com sucesso a esta crise.

Entre 1970 e 1990, o capitalismo dos países centrais venceu a batalhacontra o “campo socialista”, contra os “desenvolvimentistas”, contra a “so-cial-democracia” e contra os “nacionalismos revolucionários”.

Os anos 1990 começaram, portanto, assistindo ao triunfo do neolibera-lismo, da “financeirização” e da hegemonia dos Estados Unidos. Do pontode vista ideológico, a palavra-chave era “globalização”. Segundo José LuísFiori e Maria da Conceição Tavares:

“Não há dúvida de que a palavra globalização foi cunhada no campopróprio das ideologias transformando-se, nesta última década, num lugar-comum de enorme conotação positiva, apesar de sua visível imprecisãoconceitual. É provável, inclusive, que esta palavra passe à história dos mo-dismos sem jamais adquirir um estatuto teórico, mantendo-se como umconceito inacabado. Mas também não há dúvida de que, apesar de tudoisto, poucas palavras possuem tamanha força política neste final de séculoXX, o que já seria razão suficiente para submetê-la a um exame rigoroso ecrítico”. [35]

A Guerra do Golfo (1991) foi um sinal de que a aliança inter-imperialis-ta encabeçada pelos EUA, sob pretexto de combater o campo socialistaliderado pela URSS, parecia estar se transformado numa hegemonia unila-

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52 Miscelânea Internacional – 1998-2013

teral dos Estados Unidos sobre todo o mundo, inclusive sobre os demaisestados capitalistas centrais.

Mas, em algum ponto entre o levante zapatista de 1o de janeiro de 1994e o atentado de 11 de setembro de 2001, ficou claro que a instabilidadeseria uma das principais características da nova fase da história mundial.Como era de se esperar, a crise do socialismo foi acompanhada de umaprofunda “desordem mundial”, em todos os terrenos: ambiental, social,político, ideológico, militar.

Não há como negar a relação entre isto e o aprofundamento da hegemo-nia capitalista, após a “queda do Muro”. Esta constatação é compartilhada,hoje, tanto por quem deseja “organizar” o capitalismo, quanto por quemdeseja construir outro modo de produção e organização da vida social. Masno início dos anos 1990 o pensamento crítico foi turvado pelos efeitos dacrise geral do socialismo, que embora viesse de antes, atingiu seu ápiceexatamente com o fim da União Soviética.

Aquela crise gerou uma imensa euforia na intelectualidade pró-capitalis-ta, bem como uma confusão generalizada entre os pensadores socialistas.

Na direita, um exemplo desta euforia é o muito citado, mas pouco lidoartigo “O fim da história”, de Francis Fukuyama, analisado longamentepor Perry Anderson no livro O fim da história, de Hegel a Fukuyama.[36]

Mas a direita não foi acometida pela ingenuidade tão comum em certosmeios de esquerda: a suposta derrota final do socialismo não implicaria, emnenhum caso, no fim dos conflitos, como foi reconhecido em 1996, porexemplo, pelo super-conservador Samuel Huntington em “O choque dascivilizações e a recomposição da ordem mundial”[37].

Na intelectualidade socialista, predominou num primeiro momento arevisão de “paradigmas”, o rebaixamento de horizontes e o abandono depremissas teóricas fundamentais do marxismo, até então amplamente he-gemônico na esquerda.

No balanço das tentativas de construção do socialismo, que ocuparamum lapso temporal muito curto e tiveram curso em países de baixo desen-volvimento capitalista, muitos chegaram à conclusão de que seria impossí-vel construir uma sociedade sem classes e sem Estado, baseada na proprie-dade social dos meios de produção[38].

Na discussão sobre a estratégia da esquerda partidária e social, cuja lutaarrancou direitos que tornam mais suportável a vida sob o capitalismo,

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muitos concluíram que uma política eficaz não deveria ser fundada naexistência das classes sociais e da luta de classes, muito menos na adequadacombinação entre luta por reformas e revolução.

Na análise das mudanças ocorridas no capitalismo, apesar da vida terdeixado ainda mais claro os papéis do mercado e do Estado, muitos aderi-ram a teorias que em última análise desconhecem o caráter contraditório ehistórico deste modo de produção.

No início do século XXI, passado este momento inicial de confusão, opensamento crítico (socialista ou não) dá sinais cada vez mais fortes de queestá saindo da defensiva. Isso se traduz, por exemplo, pelo surgimento devárias tentativas de síntese acerca do atual estágio do desenvolvimento ca-pitalista e sobre suas tendências futuras.

É o caso das várias obras do veterano economista François Chesnais (Amundialização do capital[39], A mundialização financeira[40], A finançamundializada[41]). É o caso, também, de O boom e a bolha[42], de RobertBrenner. É o caso, finalmente, do extenso tratado Para além do Capital[43],de Istvan Meszáros, autor também de O século XXI: socialismo oubarbárie?[44].

Numa outra matriz de análise, devemos citar ainda as obras de GiovanniArrighi (O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tem-po[45]) e de Immanuell Wallerstein (Após o liberalismo[46]).

Como ocorreu no início do século XX, estamos diante de análises con-traditórias entre si, mas que nos permitem tirar pelo menos duas conclu-sões fundamentais.

Primeiro, que o unilateralismo norte-americano se mostrou muito po-deroso, mas incapaz tanto de controlar o planeta, quanto de eliminar acompetição inter-capitalista e inter-imperialista. Pelo contrário, como de-monstra José Luís Fiori, a instabilidade e a competição é provocada pelaação dos próprios Estados Unidos:

“Hoje se pode ver melhor a contribuição dos Estados Unidos, tambémno sucesso do antigo projeto russo de construção de uma Grande Potênciadurante o século XX, ao colocar a União Soviética na condição de seuprincipal inimigo, na sua estratégia de Guerra Fria. A potência expansiva eganhadora pode prever, com base na experiência da história passada, que ocrescimento econômico e militar de seus competidores mais próximos pro-duzirá, no médio prazo, uma redistribuição territorial da riqueza e um

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deslocamento dos seus centros de acumulação mundial. E, muito provavel-mente, acabará provocando, no longo prazo, uma redistribuição do pró-prio poder mundial. Mas a potência expansiva não tem como evitar estaconseqüência e por isto se pode dizer, em última instância, que é o seupróprio comportamento que cria seus principais obstáculos e adversários.É ela mesma que alimenta a contratendência ‘nacionalizante’ dos demaisestados que bloqueiam sua marcha em direção ao poder global e ao impé-rio mundial. Mas atenção, porque este comportamento não se restringeapenas ao campo econômico. Por mais paradoxal que possa parecer, eletambém acontece no campo militar porque, em última instância, são aspotências ganhadoras que também armam os seus futuros e eventuais ad-versários, pelo menos até o momento em que eles adquiram autonomiatecnológico-militar.” [47]

A segunda conclusão é que o método de análise inaugurado por Marx eEngels, em meados do século XIX, continua sendo uma ferramenta indis-pensável para compreender tanto o capitalismo atual, quanto as dificulda-des experimentadas pelas tentativas de construir o socialismo, inclusive naChina.[48] Pois, como dizia o velho mouro:

“Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todasas forças produtivas que ela contém, e jamais aparecem relações de produ-ção novas e mais altas antes de amadurecerem no seio da própria sociedadeantiga as condições materiais para a sua existência.

Por isso, a humanidade se propõe sempre apenas os objetivos que podealcançar, pois, bem vistas as coisas, vemos sempre, que esses objetivos sóbrotam quando já existem ou, pelo menos, estão em gestação as condiçõesmateriais para a rua realização.

A grandes traços podemos designar como outras tantas épocas de pro-gresso, na formação econômica da sociedade, o modo de produção asiáti-co, o antigo, o feudal e o moderno burguês. As relações burguesas de pro-dução são a última forma antagônica do processo social de produção, anta-gônica, não no sentido de um antagonismo individual, mas de um antago-nismo que provém das condições sociais de vida dos indivíduos.

As forças produtivas, porém, que se desenvolvem no seio da sociedadeburguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para a soluçãodesse antagonismo.

Com esta formação social se encerra, portanto, a pré-história da socieda-de humana.”[49]

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Terra, 1977.[10] Godelier, Maurice. Sobre el modo de produccion asiático. Barcelona, Ediciones

Martinez Roca, 1969.[11] A transição do feudalismo para o capitalismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra,

1983.[12] Anderson, Perry. Linhagens do estado absolutista. Lisboa, Afrontamento, 1984.[13] Hobsbawn, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio deJaneiro: Forense Universitária, 1979.[14] Hobsbawn, Eric A era das revoluções. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.[15] Hobsbawn, Eric A era do capital. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.[16] Hobson, J. A. A Evolução do Capitalismo Moderno. São Paulo Nova Cultu-ral, 1985.[17] Hilferding, Rudolf. O Capital Financeiro. São Paulo: Nova Cultural, col. OsEconomistas, 1985.[18] Luxemburgo, Rosa. A acumulação do capital. São Paulo, Zahar editores, 1976.[19] Bukharin, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo. Sao Paulo, Abril,

1984.

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56 Miscelânea Internacional – 1998-2013

[20] Lênin, Vladimir. Imperialismo. Global editora, São Paulo, 1979.[21] Sader, Emir. Século XX. Uma biografia não autorizada. São Paulo, Editora

Fundação Perseu Abramo, 2000.[22] Hobsbawn, Eric. A era dos impérios. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.[23] Margem Esquerda, edição n. 5. São Paulo, Boitempo Editorial, 2005.[24] Karl Kautsky e o marxismo. Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1988.[25] Berstein, Edward. Socialismo evolucionário. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Edi-

tor, 1997.[26] Luxemburgo, Rosa. Reforma, revisionismo e oportunismo. Rio de Janeiro,

Editora Civilização Brasileira, 1975.[27] Luiz Alberto Moniz Bandeira. Formação do Império Americano. Rio de Janei-

ro, Civilização Brasileira, 2005.[28] Hobsbawn, Eric. Era dos Extremos. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.[29] Hobsbawn, Eric História do Marxismo, volumes 11 e 12. Rio de Janeiro, Paz

e Terra, 1989.[30] Bielschowsky, Ricardo. Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de

Janeiro, Record, 2007.[31] Anderson, Perry. Um mapa da esquerda na Europa ocidental. Rio de Janeiro,

Contraponto, 2006.[32] Skideslky, Robert. Keynes. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999.[33] Mandel, Ernest. A crise do capital. São Paulo/Campinas, Editora Ensaio/Edi-tora da Unicamp, 1990.[34] Anderson, Perry. Balanço do neoliberalismo. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz eTerra, 2003.[35] Tavares, M.C.; Fiori, J.L. (Des)ajuste global e modernização conservadora.Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993.[36] Anderson, Perry O fim da história, de Hegel a Fukuyama. Rio de Janeiro,Jorge Zahar Editor, 1992.[37] Huntington, Samuel. O choque de civilizações e a recomposição da ordem

mundial. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1996.[38] Pomar, Wladimir. A ilusão dos inocentes. São Paulo, Scritta Editorial, 1994.[39] Chesnais, François. A mundialização do capital. São Paulo, Xamã Editora, 1996.

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[40] Chesnais, François. A mundialização financeira. São Paulo, Xamã Editora,1999.[41] Chesnais, François. A finança mundializada. São Paulo, Boitempo editorial,2005.[42] Brenner, Robert. O boom e a bolha. Rio de Janeiro, Record, 2003.[43] Meszáros, Istvan. Para além do Capital. São Paulo, Boitempo editorial, 2002.[44] Meszáros, Istvan. O século XXI: socialismo ou barbárie? São Paulo, Boitempoeditorial, 2003.[45] Arrighi, Giovanni. O longo século XX : dinheiro, poder e as origens de nossotempo. São Paulo. Contraponto: Unesp, 1996.[46] Wallerstein, Immanuel. Após o liberalismo. Petrópolis, Vozes, 2002.[47] Fiori, José Luis. O poder americano. Petrópolis, Vozes, 2004.[48] Pomar, Wladimir. O enigma chinês. São Paulo, Alfa-ômega, 1987.[49] Marx, Karl. Contribuição à crítica da economia política.

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58 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Nos dias 17 e 18 de agosto de 2006, aconteceu em Montevidéu um seminá-rio internacional sobre “Experiências de governo dos partidos de esquerda eprogressistas da América Latina e Caribe”.

A programação do seminário incluiu debates sobre “desenvolvimento econô-mico e social”, “democratização da política”, “relação governos e forças políti-cas”, “integração”.

O texto abaixo é um resumo sintético das exposições que fiz acerca de cadaum destes temas. Abaixo está, como foi divulgado à época, para alguns mili-tantes.

1. Antes de 1980, a esquerda brasileira teve uma pequena experiência departicipação em governos: várias prefeituras entre 1945 a 1964, presençaem alguns governos estaduais (com destaque para Brizola no Rio Grandedo Sul e Arraes em Pernambuco) e participação em alguns escalões dosgovernos Vargas e Jango.

2. Depois de 1980, a esquerda brasileira ampliou sua presença em go-vernos. Muitas prefeituras, vários governos estaduais, alguns ministros nosgovernos pós-ditadura e, agora, a eleição de Lula para a presidência daRepública.

3. Depois de 1980, a presença da esquerda brasileira em governos não selimita ao PT, mas se deu principalmente através do PT (as vezes em gover-nos de coligação).

4. No caso do PT, participamos de prefeituras desde 1982. Nesses 24anos, já estivemos presentes em cerca de 500 das mais de 5000 prefeiturasbrasileiras. Participamos de governos estaduais desde 1994. Já elegemos ogovernador em 6 dos 27 estados brasileiros. E chegamos à presidência daRepública em 2002.

5. Trata-se, portanto, de uma experiência muito importante, mas aindalimitada: até 2002, chegamos a governar cidades onde moravam 30% dapopulação e se produzia 30% do PIB brasileiro.

6. Qual o balanço que podemos fazer da experiência do PT na direçãode governos municipais e estaduais?

Seminário em Montevidéu

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7. O PT produziu um número relativamente grande de documentos,fazendo o balanço desta experiência. Os pontos que ressaltaremos a seguire as ênfases que sugerimos não se pretendem a expressar o ponto de vistaglobal do Partido a respeito.

8. Primeiro, em comparação com os governos de centro e de direita,fazemos um balanço positivo no que toca a inversão de prioridades orça-mentárias em prol das necessidades sociais das maiorias, bem como no quetoca ao esforço de democratizar as decisões políticas. Noutras palavras: parao povo, faz diferença viver em cidades ou estados governados pelo PT.

9. Segundo, em comparação com o modelo de sociedade quepropugnamos, é evidente que nossos governos municipais e estaduais pa-decem de imensas limitações, conseguindo por isso conter, mas dificilmen-te reverter os fenômenos de degradação econômica, ambiental, social, polí-tica e ideológica impulsionados pelo capitalismo em geral e pelo neolibera-lismo em particular. Admitir isto não implica em subestimar nossos êxitos,mas sim em reconhecer que é preciso fazer muito mais para dar conta denossos objetivos estratégicos.

10. Terceiro e ligado aquelas limitações, em meados dos anos 90 incluí-mos entre nossas tarefas de governo, no âmbito municipal e estadual, en-frentar os temas do desenvolvimento econômico e social. Ou seja: trouxemospara os âmbitos locais e estaduais uma temática que antes nos parecia emgrande medida exclusiva ou prioritária do governo federal. Embora hajaêxitos, as políticas econômicas anti-cíclicas que desenvolvemos a partirdos governos municipais e estaduais seguem extremamente limitadas edependentes das iniciativas das políticas macroeconômicas impulsiona-das pelo governo federal.

11. Quarto, nossa chegada ao governo federal nos colocou diante detemas estruturais, tais como: segurança pública, defesa, relações internaci-onais, pacto federativo (relação União, estados e municípios), reforma doEstado e reforma política, meios de comunicação, modelo de desenvolvi-mento econômico e social alternativo ao neoliberalismo. A experiência de-monstrou que para vários desses assuntos, não dispúnhamos de formula-ção prévia adequada. Ademais, tivemos problemas de gestão e principal-mente divergências estratégicas que ainda não foram equacionadas.

12. Ligado a isto, temos que reconhecer que experiência (nos três níveis:municipal, estadual e federal) vem demonstrando que temos dificuldades

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60 Miscelânea Internacional – 1998-2013

em manter a autonomia dos partidos de esquerda e dos movimentos so-ciais, frente aos governos. Isso nos remete para a discussão sobre a relaçãogovernos e “forças políticas”.

13. Neste terreno, temos três grandes desafios:a) impedir que as limitações intrínsecas aos governos, limitem tambémas perspectivas ideológicas, programáticas e estratégicas dos partidos po-líticos;b) impedir que a nossa presença no aparato estatal neutralize nossa capa-cidade de organização e mobilização social;c) impedir que nossa presença em pedaços do aparelho de Estado, nostransforme em porta-vozes da “razão de Estado” e justificadores do statusquo ante. Superar o abismo social existente no continente exige persis-tência, nunca conformismo.14. É importante lembrar que a relação Estado/governo/partido se colo-

ca de maneira diferente, para as classes populares e para as classes dominan-tes. Para estas últimas, os partidos não são um instrumento para conquistaro poder; nem são o principal mecanismo de manutenção e direção do Esta-do. As classes dominantes possuem outros mecanismos, para além dos par-tidos, para manter e dirigir o Estado, tais como as forças armadas, os meiosde comunicação de massa, a alta burocracia governamental e as organiza-ções empresariais.

15. Para as classes populares, ao contrário, os partidos são fundamen-tais. Em certo sentido, as classes dominantes desenvolvem sua atuação po-lítico-partidária, em resposta aos partidos políticos da esquerda. Mas aimportância e a legitimidade do papel dos partidos, frente ao governo e aoEstado, não deve nos fazer perder de vista que nosso propósito é a demo-cratização radical da sociedade e do poder, o que supõe no mínimo o maisamplo controle da sociedade sobre o Estado.

16. O tema da relação partido/governo/Estado deve ser tratado comoparte do problema mais geral da democratização da sociedade em geral e dapolítica em particular. Até porque, se não acontecerem mudanças econô-micas, sociais, políticas e culturais profundas, a democratização da políticaseguirá dependendo do voluntarismo e das boas intenções dos governantes.

17. Exemplos de problemas estruturais que devem ser resolvidos medi-ante mudanças estruturais:

a) o poder dos meios de comunicação privados, na formação da opiniãoda sociedade;

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b) a influência das grandes empresas privadas, sobre as decisões dos go-vernos e dos parlamentos;c) o fosso de informação e poder que existe, entre os governados e osgovernantes, entre os profissionais da política e do governo, vis a vis oscidadãos e cidadãs em geral;d) a distância entre os debates parlamentares e as questões que afligem odia-a-dia da população;e) o poder pessoal autocrático dos chefes do poder executivo;f ) o poder desmedido das chamadas equipes econômicas, no interior dosgovernos;g) o poder desmedido da alta burocracia estatal, frente aos governanteseleitos.18. Especificamente sobre a relação partido/governo, nossa experiência

no Brasil comporta duas características complicadoras:a) por um lado, trata-se de partidos no plural;b) por outro lado, trata-se de partidos de esquerda, de centro e as vezesaté mesmo de direita.19. Isso nos coloca diante de um duplo desafio:a) como evitar que a legítima busca da hegemonia de um partido, setransforme em imposição sobre as outras forças políticas que do governoparticipam?b) como um partido de esquerda pode conseguir hegemonizar um go-verno de centro-esquerda com aliados de direita e, ao mesmo tempo,manter as características e as posições de um partido de esquerda?20. Outros aspectos que deve ser enfrentados são os efeitos colaterais de

nossa presença em governos. É o caso da corrupção e também da burocra-tização do debate político.

21. A corrupção tem causas sociológicas, agravadas pelo neoliberalismo.Os governos de esquerda têm que ser campeões no combate à corrupção. Eos partidos de esquerda devem criar mecanismos para prevenir e punir osurgimento de casos de corrupção. A partir do momento em que a esquer-da chega ao governo e passa a tomar decisões que incidem na distribuiçãode imensos recursos, os mecanismos internos de combate à corrupção de-vem se tornar mais fortes e sofisticados. Se o PT dispusesse de uma correge-doria interna, alguns dos acontecimentos de 2005 não teriam ocorrido.

22. Quanto a burocratização do debate político, trata-se da tendência de

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62 Miscelânea Internacional – 1998-2013

transferir para os governos decisões que são ou deveriam ser tomadas peloPartido. Esta tendência é reforçada pela natural e até certo ponto desejávelampliação das fileiras partidárias, depois que nos tornamos governo. Osnovos militantes não participaram da luta contra a ditadura, não participa-ram da luta contra os governos neoliberais, não conhecem o partido oposi-cionista e das lutas sociais. Isto transforma estes novos militantes em presafácil da concepção segundo a qual, uma vez conquistado o governo, o Par-tido perde importância estratégica.

23. Pelo contrário, devemos reafirmar a importância do Partido, de seuprotagonismo, de sua autonomia estratégica e de sua capacidade de elabo-ração e direção. É claro que o Partido não deve se imiscuir nos assuntoscotidianos. Isso seria negativo, tanto para a gestão administrativa do gover-no, quanto para a imprescindível autonomia do Partido frente ao governo/Estado. Entretanto, é preciso estar alerta para duas situações: quando aspolíticas cotidianas nos afastam dos nossos objetivos estratégicos; e quantonossos objetivos programáticos foram tão rebaixados, que deixam de cum-prir o papel de horizonte e acicate para nossa ação cotidiana.

24. Os partidos devem, por exemplo, estar na vanguarda do debate e daluta por:

a) construir um modelo econômico e social alternativo, que leve emconta não apenas a oposição ao neoliberalismo, mas também nossa crí-tica democrática e popular ao desenvolvimentismo conservador e nossacrítica socialista ao capitalismo;b) evoluir das políticas emergenciais para a ampliação das políticas es-truturais;c) um desenvolvimento nacional que esteja combinado com a integra-ção continental e com o objetivo de construir outra ordem mundial.25. A política externa do governo brasileiro tem esta vocação. Priorida-

des para as relações sul-sul, África e integração continental. Nesta integra-ção, o Mercosul é visto como parte da construção da CASA.

26. Claro que setores das classes dominantes só concebem uma políticade integração com os Estad os Unidos. Claro, também, que a lógica comer-cial e de curto prazo segue turvando a imaginação de muitos setores. Ade-mais, só agora estamos conseguindo colocar o tema da integração na pautapolítica nacional.

27. Um dos aspectos da integração é o tratamento das assimetrias. Em-

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bora muito tenha sido feito, muito mais precisa ser feito para dar contadeste problema, especialmente importante no caso do Paraguai e do Uru-guai. Conflitos como o das “papeleras”, que consideramos como assuntoque deve ser tratado no âmbito do Mercosul, jogam um papel negativo.

28. Outro aspecto da integração é como tratar as relações com os Esta-dos Unidos. Diante do fracasso da Alca, os EUA estão buscando firmaracordos bilaterais com diversos países do continente. Estes Tratados de Li-vre Comércio (TLC) tiveram efeitos profundamente negativos onde já es-tão em vigor; e sofrem uma imensa oposição da esquerda nos países em queainda não foram aprovados pelos respectivos Congressos nacionais. OsEstados Unidos buscam firmar um TLC com o Uruguai, para colocar umacunha no Mercosul. É preciso construir outro caminho.

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64 Miscelânea Internacional – 1998-2013

O Brasil nunca experimentou uma grande revolução política e social.Mas sentiu seus efeitos, diretos e indiretos. Revoluções como a russa, achinesa e a cubana infl uenciaram a opinião de várias camadas da popula-ção, inclusive das classes dominantes, que nunca titubearam em reprimirferoz e preventivamente tudo que cheirasse a ”subversão comunista”. Adepender do observador e da época, a revolução russa de 1917 foi“comunista”, ”socialista” e ”bolchevique”. Mas para os contemporâneos,foi principalmente ”soviética”.

Na noite de 25 para 26 de outubro (6 para 7 de novembro, nocalendário moderno), tropas sob comando do Soviet de Petrogradoocuparam diversos pontos da cidade, inclusive a sede do governo provisó-rio. O mesmo ocorreu em outros pontos do país. Horas depois, reúne-seo Congresso dos Soviets de operários, soldados e camponeses de Todaa Rússia. Uma minoria se opõe à derrubada do governo provisório, inte-grado também por partidos burgueses.

A maioria do Congresso aprova a tomada do poder e nomeia um conselhode comissários do povo, composto por bolcheviques, mencheviques inter-nacionalistas e socialistas revolucionários de esquerda, apoiado por anar-quistas e revolucionários sem partido.

Entre os ministros, estão Trotsky (Relações Exteriores) e Stálin(Nacionalidades). Lênin, presidente do conselho de ministros, discursa aoCongresso dos soviets. Começou a revolução socialista.

(...)

A esquerda brasileira é das mais fortes do mundo. Parte importante rei-vindica as melhores tradições da esquerda revolucionária, anarquista,trabalhista, cristã, socialista e comunista, tradições estas que estiveram pre-sentes na fundação do PT e nos grandes momentos de nossa história dequase 27 anos.

A revolução russa de 1917 é parte importante desta tradição. Feitapor homens e mulheres reais, a revolução russa incluiu atos heróicos, mas

De 6 para 7 de novembro, em 1917

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também crimes abomináveis. Foi capaz de grandes realizações, mas tam-bém produziu problemas imensos, que em última análise explicam suaderrota.

A União Soviética, criada em 1923, e o “campo socialista” nãoexistem mais. Foi derrotada a primeira grande tentativa de construiruma sociedade sem exploração nem opressão.

Hoje, o modo de produção capitalista é hegemônico como nuncafoi. Para a barbárie resultante, segue existindo uma alternativa: outraforma de organização social, onde a produção e distribuição dasriquezas sejam submetidas ao controle coletivo.

Os grandes problemas da humanidade não podem sersolucionados, numa sociedade controlada por centenas de empresas, meiadúzia de Estados e uma mentalidade que confunde bem-estar com lucro.

Enquanto houver capitalismo, o exemplo da revolução de 1917 seguirávivo. Cabe a nós, militantes do século XXI, encontrar no centro da própriaengrenagem, a contra-mola que resiste.

O texto faz parte da Agenda 2007, publicada pela Articulação deEsquerda e dedicada aos 90 anos da Revolução Russa de 1917

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66 Miscelânea Internacional – 1998-2013

O Cinforme Online publicou, no dia 5 de junho de 2007, texto assina-do pelo senhor Rodorval Ramalho, intitulado “O PT, Saddam e a ascensãodo mal”.

O texto faz inúmeros ataques contra o PT e contra a esquerda. Dentre asmuitas besteiras e mentiras, há uma que beira o hilário.

Segundo Rodorval Ramalho, o PT teria assinado um “tratado de coope-ração com o partido do finado Saddam Hussein”.

Isto é mentira. Não estivemos no Iraque, não assinamos um acordo decooperação com o Partido Baath do Iraque.

Uma delegação do PT esteve na Síria e assinou um acordo de coopera-ção com o Partido Baath da Síria.

Quanto às relações entre o Partido Baath da Síria e o Partido Baath doIraque, basta dizer que os governos do Iraque e da Síria romperam relaçõesdiplomáticas em 1982.

Durante a guerra entre Irã e Iraque, a Síria apoiou o Irã.No final do governo Sadam Hussein, houve uma retomada de relações

comerciais, mas a normalização das relações diplomáticas só ocorreu emnovembro de 2006.

Portanto, o senhor Rodorval Ramalho iniciou o seu texto contando umamentira (há a hipótese dele não conhecer a diferença entre Síria e Iraque).

É bom dizer que o “sociólogo”Ramalho não está sozinho. O “cientistapolítico”Otaviano Nogueira disse, na Folha de S. Paulo, uma besteira seme-lhante, revelando que há algo mais do que mentira e ignorância envolvida.

O senhor Ramalho, para quem os sergipanos precisam doar um mapamundi e uma edição de “Orientalismo”, afirma ainda que “a amizade dospetistas com as viúvas de Saddam é mais uma demonstração da naturezatotalitária do partido dos trabalhadores. O ódio petista à ação americanacontra um dos mais sanguinolentos ditadores da história da humanidadeexpressa, na verdade, uma preocupação com a vida e a estabilidade políticado ditador iraquiano”.

Pelo visto, o senhor Ramalho é bushista: defende a invasão americana aoIraque e acha mesmo que foi uma ação contra um “ditador sanguinolen-

Mentira ou ignorância?

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67Valter Pomar

to”. Não passa pela cabeça do senhor Ramalho que o ditador em questãofoi, durante muitos anos, financiado pelos Estados Unidos (que, aliás, fi-nanciaram também Bin Laden).

Os Estados Unidos apóiam “ditaduras sanguinolentas”toda vez que istoserve aos seus interesses imperialistas. E rompem com elas, quando seusinteresses imperialistas assim exigem. Numa e noutra situação, não há prin-cípios democráticos envolvidos, apenas business.

Claro que isso confunde bushistas desinformados. Alguém tem que avi-sar o senhor Ramalho, por exemplo, que recentemente os Estados Unidosfizeram um acordo com a Líbia.

O protocolo de relações entre o Partido Baath e o PT não implica concor-dância ideológica entre os dois partidos. Mas revela, com certeza, que ambosos partidos fazem oposição à ingerência dos Estados Unidos na região.

11/06/2007

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68 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Filmes parecidos,desfecho a definir

Dizia o filósofo que o concreto é concreto porque é síntese de múltiplasdeterminações. Só assim para entender adequadamente o episódio envol-vendo Marco Aurélio Garcia e Bruno Gaspar.

Ambos foram filmados, à distância, através da janela de sua sala noPalácio do Planalto. Não sabiam que estavam sendo observados. Não auto-rizaram a divulgação de suas imagens. Não negaram o que estavam fazen-do: reagindo ao noticiário da Globo, que revelou em primeira mão a exis-tência de um problema mecânico no avião da TAM, problema que pode tersido uma das causas do pavoroso acidente que vitimou duas centenas depessoas.

A descoberta deste problema mecânico foi na contramão da maior partedo noticiário sobre o acidente, editorializado para culpabilizar o governofederal. Um articulista chegou a propor a manchete: “governo assassina200 pessoas”. Frente ao problema mecânico e adotados os mesmos critéri-os, qual deveria ser a manchete?

Neste contexto, as imagens de Marco Aurélio e Bruno Gaspar foramutilizadas para “compensar”a descoberta. Com base nelas, seria possívelsustentar que, mesmo que não fosse culpado pelo acidente, o governo erano mínimo insensível.

Claro que, para embasar esta interpretação, as imagens deveriam serdevidamente interpretadas. Como num teatro, foi convocado um narradorpara “explicar”a moral da cena para a platéia: o impoluto senador PedroSimon, que decretou ser claro que o governo era culpado, mas mesmo quenão fosse, culpado era o comportamento de Marco Aurélio e Bruno Gaspar.

Culpado do quê, mesmo? Entre os muitos adjetivos utilizados, um dosmais recorrentes foi “obscenidade”, de obsceno, que um dicionário defineassim: “torpe; contrário à decência, ao pudor; impuro; impudico; lascivo;contrário à moral; desonesto”.

Pouco importa que Marco Aurélio e Bruno Gaspar tenham explicado,diversas vezes, que seu gestual (que, como todos sabem, gostemos ou não,não é nem um pouco raro em conversas privadas) não dizia respeito àsvítimas do acidente. As imagens da Globo, reproduzidas nos dias seguintespor diversos meios, serviram para que fossem apresentados como dois mons-

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69Valter Pomar

tros insensíveis, incapazes de se comover com a tragédia sofrida pelos pas-sageiros, pelos que estavam no prédio atingido ou nas proximidades.

Claro que a insensibilidade é obscena. Como é obscena a exploração quecertos meios de comunicação fazem da dor da perda, sentimento pessoal eintransferível.

De nossa parte, ficamos abalados com a tragédia, com as vidas ceifadassubitamente, com a dor que tomou conta de centenas de famílias, com otemor que freqüenta a vida dos que utilizam o transporte aéreo. Assimcomo ficamos abalados com as tragédias cotidianas que não freqüentam aspáginas dos jornais, que não ganham espaço na mídia, mas que tornaminfernal a vida diária de parte importante do povo brasileiro.

Pena que a sensibilidade da maioria dos grandes meios de comunicação,bem como de certos impolutos cidadãos, seja seletiva, tanto social quantopoliticamente.

Para ficar num exemplo insuspeito e relativo ao próprio tema: a conde-coração que a Força Aérea Brasileira deu a dirigentes da Anac. A homena-gem, devida ou indevida, deveria ter sido cancelada. Compare-se as críticasque esta homenagem recebeu, com o tratamento dado a Marco Aurélio eBruno Gaspar, e fica claro que este último episódio está sendosuperdimensionado e manipulado.

A tal ponto foi a coisa, que Marco Aurélio, assessor da presidência daRepública, foi promovido por certa imprensa à condição de “ministro”deLula. Compreende-se o evidente prazer de certos meios: Marco Aurélio éum dos responsáveis por uma das áreas-chave do governo Lula, a políticaexterna;é vice-presidente nacional do PT e assumiu a presidência durante aetapa final da campanha Lula 2006, quando entrou em duro atrito comsetores da grande imprensa; ademais, para os padrões atuais do PT, é o quese convenciona chamar de “homem de partido”e um “intelectual de es-querda”.

Claro que a direita quer (mais) esta cabeça. Pode ser que haja um planooperacional (da inteligência deles, é claro) em curso;pode ser apenas o bomaproveitamento (pela direita) de oportunidades que nós do PT e do gover-no Lula oferecemos aos montes.

Seja como for, o fato é que, nos últimos anos, está em curso um processode desmoralização pública de dirigentes do PT. Processo que se encaixaperfeitamente no principal objetivo da direita para os próximos anos: afas-tar o partido do governo federal, a partir de 1º de janeiro de 2011.

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70 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Claro, também, que a direita quer utilizar o terrível acidente para atingiro governo, omitindo que a crise (como tantas outras que se abatem sobre opaís) deita raízes no desinvestimento, na desestruturação do aparato esta-tal, no controle das empresas privadas sobre as instituições responsáveis porimpor limites à ganância, na privatização de tudo e mais um pouco, napresença militar onde se faz necessário controle civil etc.

Claro, finalmente, que esta situação (como outras) inclui erros adminis-trativos e principalmente políticos de nossa parte, que facilitam à oposiçãodifundir, em amplos setores da população, a idéia de que não estávamosnem estaríamos empenhados na solução da chamada crise área.

Seja como for, o fato é que este episódio vem na seqüência da derrota dareforma política e das vaias a Lula na abertura do PAN.

Não se trata apenas de constatar que a direita e sua mídia não se deixamabater pela popularidade de Lula e do governo. Se trata de perceber que, senão forem modificados o padrão de gerenciamento político imperante nogoverno e o modus operandi do partido (especialmente da direção), pode-mos estar assistindo à continuação de um filme que já vimos em 2004-2005. Com a diferença de que, desta vez, talvez não haja final feliz.

24/07/2007

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71Valter Pomar

Assunto para o Procon

A Veja desta semana dedicou sua capa ao Che. Intitulada “A farsa doherói”, a revista promete “verdades inconvenientes sobre o mito do guerri-lheiro altruísta, quarenta anos depois de sua morte”.

É claro que Che virou um mito e, portanto, há uma distância entre ohomem e a lenda, que pode ser (e muitas vezes é) explorada por críticos deesquerda e direita, resultando ou numa destruição mais eficaz, ou numacompreensão mais correta do personagem e suas circunstâncias, inclusivedaquelas que o transformaram em mito.

Mas Veja não faz nada disto. Cada vez mais parecida com a Seleções doReader’s Digest, o semanário da Abril tenta construir um antimito: alguémcuja vida, “exceto na revolução cubana, foi uma seqüência de fracassos”.

Como são poucos os de quem se pode dizer que fracassaram em tudo,“exceto”numa revolução que marcou a história da América Latina, a inter-pretação que Veja faz de Che só agradará a direitistas muito ignorantes.

Pois direitistas medianamente inteligentes não engolirão o antimito pro-posto por Veja: um “ser desprezível”, com uma “maníaca necessidade dematar pessoas”, uma “crença inabalável na violência política”, buscando deforma “incessante”uma “morte gloriosa”.

Para Veja, o mito de Che se “sustenta no avesso do que o homem foi,pensou e realizou durante a sua existência”. Se isto for verdade, trata-se deum caso único na história, pois em geral os mitos têm algum tipo de con-tato com a realidade, por menor que seja.

Segundo Veja, o Che real seria “incapaz de compreender a vida em umasociedade aberta e sempre disposto a eliminar a tiros os adversários”ajudoua “estabelecer um sistema de penúria em Cuba”era “aferrado com unhas edentes à rigidez do marxismo leninismo em sua vertente mais totalitária”umcomandante “imprudente, irascível, rápido em ordenar execuções e maisrápido ainda em liderar seus camaradas para a morte”.

Para fazer estas afirmações, Veja toma entre suas “fontes”alguns exiladoscubanos, mesmo reconhecendo que o “rancor pode apimentar suas lem-branças”. E para desconsiderar fontes potencialmente favoráveis, afirmaque “o regime policialesco de Fidel Castro não permite que aqueles que

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72 Miscelânea Internacional – 1998-2013

conviveram com Che e permanecem em Cuba possam ir além da cinzentaladainha oficial”.

Veja nos poupa da “ladainha oficial”e de qualquer opinião favorável aoChe, nos submetendo a mais vulgar ladainha anticomunista. Isto tudopara concluir que no rastro das concepções revolucionárias de Che, “aAmérica Latina foi lançada em um banho de sangue e uma onda de des-truição ainda não inteiramente avaliada”.

O argumento é conhecido: a luta armada empurrou as acossadas eliteslatino-americanas a desencadear golpes militares. Na mesma linha, teriasido a radicalização esquerdista que levou ao golpe contra Allende;teriasido a guerra fria que levou as ditaduras a seguir existindo, muito tempodepois da derrota da luta armada;e, mais recentemente, seriam os“excessos”dos governos Evo, Correa e Chávez que explicariam o golpismodas elites destes países.

Veja poderia ter nos poupado de besteiras desse tipo, limitando-se aoque está no editorial da revista: “para a juventude que quer mudar o mun-do, o Che encarna os ideais de justiça e igualdade”.

Esta é a principal fonte do mito: o mundo em que vivemos. Um mundoque precisa de mudança, de socialismo, de revolução. Que Veja não aceiteisto, é compreensível. Mas que seus argumentos sejam tão toscos, é sinaldos tempos.

02/10/2007

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73Valter Pomar

Só os gringos podem?

O senador José Sarney resolveu fornecer mais um “argumento” (pretextoseria palavra mais adequada) para quem é contra a entrada da Venezuela noMercosul.

Segundo Sarney, “é um perigo para o Brasil e para toda a América Latinaque nós tenhamos uma potência militar instaurada dentro do continente”.

Realmente, é um perigo que exista uma única potência militar no con-tinente americano: os Estados Unidos.

Talvez Sarney ache mesmo que, potência militar, por essas bandas, só aonorte do Rio Grande.

Pelo mesmo motivo, talvez ele considere perigoso (afinal, irrita os EstadosUnidos) que algum país da região compre caças de última geração, arma-mento para submarinos, foguetes e outras armas de guerra, junto a empresasque não possuem bandeira norte-americana.

Seja como for, o senador exagera quando fala da capacidade militarvenezuelana. A Venezuela está longe de ser uma “potência militar”. Muitomais poderosa, militarmente falando, é a Colômbia, que recebe fortes in-vestimentos e apoio norte-americano.

Ademais, a nova doutrina militar venezuelana tem os Estados Unidoscomo inimigo, não o Brasil ou qualquer outro país latino-americano. Poristo mesmo, o conceito adotado pelas forças armadas venezuelanas é o deguerra & defesa popular.

Sarney alerta para os riscos de uma “corrida armamentista”. Não se trata derisco, mas de fato: ao contrário do prometido, depois do fim da URSS, osgastos militares em todo o planeta continuaram crescendo.

Neste contexto, é inescapável que o Brasil também reequipe suas ForçasArmadas. Pelos critérios de Sarney, isto seria uma ameaça aos vizinhos? Oua acusação só vale para a Venezuela? Ou se comprarmos de fornecedoresnorte-americanos, pode?

Ao contrário do que diz o senador, o Brasil não precisa desviar recursosdestinados a investimentos sociais para a compra de armas. Esta escolha deSofia só faz sentido para quem esquece dos 600 bilhões que, desde 2003,foram consumidos pelo endividamento. Basta reduzir as taxas de juros e oserviço da dívida, que se tornará possível aumentar os investimentos sociais e

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74 Miscelânea Internacional – 1998-2013

em infra-estrutura, incluindo reequipar minimamente as forças armadas (açãoque precisa ser acompanhada de mudanças profundas na instituição).

No afã de atribuir ao presidente venezuelano uma atitude agressiva, Sarney(segunda a Agência Senado) afirma que “somos, na América do Sul, ocontinente mais pacífico da face da terra. O Brasil é um exemplo porquetemos fronteira com dez países e vivemos pacificamente com todos eles.Nossos problemas de fronteira foram dirimidos através de árbitros e demeios pacíficos, assim constituímos o grande país que somos. Não pode-mos admitir outra fórmula que não seja a do diálogo para resolver os pro-blemas do continente”.

Quem dera isto fosse verdade. Mas como esquecer os vários conflitosmilitares ocorridos no século 19 e 20, conflitos que definiram fronteiras emnossa região e que até hoje ecoam politicamente? Como esquecer, ainda, osconflitos internos a cada país, que foram internacionalizados especialmentenos anos 60 e 70? Como desconsiderar, em especial, o papel que os EstadosUnidos jogaram na América Latina, desde 1898 pelo menos?

As críticas de Sarney pretendem servir de “argumento” para questionar aentrada da Venezuela no Mercosul. Segundo a Agência Senado, o senadorafirmou que o “Congresso tem que examinar se realmente aquele país estácumprindo uma das exigências para entrar no bloco econômico: ser umestado democrático”.

Sarney pode ter as opiniões que quiser sobre o atual governo venezuela-no. Pode até argumentar que as mudanças constitucionais em curso naVenezuela, embora estejam respaldadas pelo voto popular, têm um sentidoantidemocrático.

Nós podemos, por outro lado, achar que as críticas de Sarney não proce-dem e que o currículo de Sarney não é dos mais apropriados para falar dedemocracia. Isto apesar do Lobão (não o compositor, mas o senadormaranhense), para quem Sarney “pautou sua vida na defesa das liberdades”.

Sarney e nós podemos opinar o que quisermos, mas o que está em ques-tão não é a entrada do governo Chávez no Mercosul. O que está em ques-tão é a entrada da Venezuela no Mercosul. Quem é contra isto, pretendeisolar a Venezuela. Objetivo declarado da única potência militar do conti-nente americano.

30/10/2007

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75Valter Pomar

Bons modos e hipocrisia

Segundo a Folha de S. Paulo, o hoje deputado federal Paulo Maluf con-sidera que Chávez é “um bufão, que precisava, no mínimo, de um psiqui-atra. A maneira dele governar é absolutamente reprovável. São certos rom-pantes de autoritarismo que mostram que é ditador”.

Críticas semelhantes foram feitas pelo senador José Sarney. Ou seja: osdois principais personagens em torno dos quais se dividiu o antigo PDS,partido da ditadura militar no Brasil, agora se dedicam a avaliar o grau dedemocracia que existe na Venezuela.

Ninguém é obrigado a concordar com o estilo de Chávez, com a refor-ma constitucional ou com o “socialismo bolivariano”. Mas é impossívelouvir calado certa gente posando de democrata, acusando o governo daVenezuela de ser ditatorial por estar propondo “reeleição ilimitada” e porter “fechado” um canal de comunicação.

Na melhor das hipóteses, é gozado ver o senador Sarney, integrante daditadura que censurou jornais, prendeu e matou jornalistas, criticando anão-renovação de uma concessão pública para uma empresa privada detelevisão. Considerando as relações da família Sarney com determinadarede de comunicação, compreendo seus motivos: ele pensa e age comoproprietário, não como concessionário.

No caso de Maluf, “eleito” prefeito e governador de São Paulo pelasregras da ditadura militar, beira o grotesco sua crítica à proposta da reelei-ção ilimitada.

Não tenho dúvida que esta proposta é um sintoma de fraqueza, não deforça. Um projeto revolucionário, coletivo por definição, não deve dependerem tão larga medida deste ou daquele indivíduo. Mas a possibilidade da reelei-ção do primeiro mandatário do país está presente em vários outros países domundo e não é isto, isoladamente, que faz de um país ditadura ou democracia.

Em termos de espetáculo, nada se compara à reação indignada com quecertos meios repercutiram a frase que o rei da Espanha dirigiu ao presiden-te Chávez, durante a cúpula Ibero-americana, realizada recentemente emSantiago do Chile.

Para quem não lembra, a República espanhola foi esmagada por umlevante fascista, que restaurou a monarquia. Depois da morte de Franco,

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76 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Juan Carlos foi coroado e jogou um papel no mínimo controverso no pro-cesso de redemocratização.

A altercação entre o rei e Chávez pode ser vista, em várias versões, nowww.youtube.com.

O episódio começou quando Chávez, no final da cúpula Ibero-america-na, fez um ataque ao ex-primeiro ministro espanhol, José Maria Aznar,acusando-o de fascista.

Zapatero reagiu, exigindo que Chávez respeitasse José Maria Aznar, quequando primeiro-ministro foi eleito pelos espanhóis. E pediu que o respei-to aos governantes fosse uma norma formal das “cumbres”.

Durante a fala de Zapatero, Chávez interveio algumas vezes. Foi nesse con-texto que Juan Carlos proferiu a agora célebre frase: “por que não te calas?”

Não se trata de uma frase especialmente profunda, diferentemente daintervenção de Zapatero, que apresentou seu ponto de vista sobre comodevem se comportar os representantes de países em encontros multilaterais.Ponto de vista questionável, mas compreensível.

Já o rei espanhol deu uma bronca, composta por cinco palavras. A imen-sa repercussão de sua frase só tem um explicação: “calar” Chávez é o sonhode muita gente.

É o caso do jornal O Estado de S. Paulo, que em editorial publicado nodia 13 de novembro chama Chávez de “truculento aspirante a ditador”,“violento por natureza”, “destituído de senso de medida” e “reencarnaçãomameluca de Mussolini”.

Frente a este tipo de ataque, que Chávez sofre todo santo dia, mesmoquem não concorda com o seu estilo é obrigado a lembrar da relação entrea violência do rio e a violência das margens.

Que tenha sido um rei a mandar calar; que o socialista Zapatero tenhase sentido obrigado a defender um espanhol, mesmo que este espanhol sejaAznar, um reacionário assumido que dedica grande parte de seu tempo aviajar pelo mundo em campanha contra a esquerda; que a mídia conserva-dora tenha feito um carnaval em torno do assunto; nada disto ajuda quemdefende os bons modos, inclusive em eventos internacionais.

Ao mesmo tempo, tudo isto diz muito sobre a hipocrisia de muita gente quese opõe a Chávez e, por tabela, discorda da entrada da Venezuela no Mercosul.De pacífica e educada, esta gente não tem nada, nem mesmo os modos.

13/11/2007

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77Valter Pomar

Sobre cordeiros e lobos

O jornalista Clóvis Rossi publicou, na Folha de S. Paulo de domingo,18 de maio, um artigo intitulado “O Foro e as Farc”.

Para Rossi, o Foro é um “conglomerado (sic) de grupos e partidos deesquerda e extrema-esquerda criado nos anos 90 por iniciativa principal-mente do PT”.

O jornalista diz, também, que “a participação das Farc nessa coalizãosempre foi utilizada pelos críticos do PT pela direita para tentar demons-trar que o partido não passa de um bando de comunistas que se vestem decordeiros, mas são lobos”.

Por fim, Rossi afirma que o XIV Encontro do Foro de São Paulo, queocorre de 22 a 25 de maio em Montevidéu (Uruguai), seria uma “oportu-nidade de ouro” para um acerto de contas do Foro com as Farc: “se asconsideram forças beligerantes, como o venezuelano Hugo Chávez achaque elas são, fica tudo como está. Se, ao contrário, as vêem como terroris-tas, como diz o colombiano Álvaro Uribe, que as expulsem. Só não valeassobiar e olhar para o lado”.

Curioso, este Clóvis Rossi. Muitas vezes, escreve artigos indignados,criticando o PT e o governo Lula num tom que parece de esquerda. Outrasvezes, trata como “debilóides” setores do PT. E, no artigo em tela, assumecomo suas algumas posições do governo dos Estados Unidos e do governocolombiano.

O Foro de São Paulo foi criado em 1990, reunindo um amplo arco departidos de esquerda e progressistas, alguns socialistas, outros não, em tor-no da crítica e da luta contra as políticas neoliberais e em favor de alterna-tivas.

Naquela época, o único governo dirigido por um partido vinculado aoForo de São Paulo era o de Cuba. Hoje, partidos vinculados ao Foro de SãoPaulo estão presentes em muitos governos latino-americanos. Na Américado Sul, a maioria dos países tem governos integrados por partidos mem-bros do Foro.

O XIV Encontro do Foro vai tratar de muitos assuntos: juventude,mulheres, atividade parlamentar, conjuntura mundial e latino-americana,

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78 Miscelânea Internacional – 1998-2013

a integração de nosso continente, a atuação dos governos de esquerda eprogressistas.

Certamente, o tema da Colômbia terá destaque. Mas a abordagem quedaremos ao assunto será diferente daquela proposta por Clóvis Rossi.

Existe uma guerra na Colômbia há várias décadas. Estão envolvidosnesta guerra o governo colombiano, forças paramilitares e guerrilhas (queresolução da OEA chama de forças insurgentes), assim como o governodos Estados Unidos.

A quem interessa esta guerra? Em primeiro lugar, aos Estados Unidos,que precisam de pretextos para manter bases militares na América do Sul.Em segundo lugar, à direita colombiana, que se beneficia politicamente doestado de guerra, seja para conseguir recursos nos Estados Unidos, sejapara manter a popularidade de Uribe, seja para evitar o crescimento eleito-ral da esquerda colombiana, agrupada no Pólo Democrático Alternativo.

O Foro de São Paulo defende a paz na Colômbia. A paz interessa aopovo colombiano, interessa à esquerda colombiana, interessa à maioria dosgovernos latino-americanos, interessa a todos os setores democráticos e pro-gressistas do continente e do mundo. A paz interessa, inclusive, às guerri-lhas colombianas, que aliás não têm como vencer este conflito armado e sedesgastaram profundamente no último período, não apenas por razõesmilitares, mas também devido à opções profundamente incorretas e politi-camente negativas, como os seqüestros.

O Foro de São Paulo quer uma solução negociada para o conflito naColômbia. Queremos que os conflitos sociais existentes naquele país sejamtratados pela via política, da mobilização social e das disputas eleitorais.Por óbvio, queremos uma solução negociada, que não desemboque no as-sassinato de quem hoje está na guerrilha, evitando o que aconteceu noutroprocesso de paz, quando milhares de militantes da União Patriótica, inclu-sive candidatos à presidência da República, foram assassinados.

Já o governo Uribe e os Estados Unidos acreditam que podem vencer aguerra. Por isso, implementam um governo ultra-conservador, estimulam opara-militarismo, violam fronteiras e defendem classificar as Farc como “ter-roristas”. Sobre as implicações práticas desta classificação, vale acompanharos recentes ataques de Bush contra Obama e contra a diplomacia francesa.

O Foro de São Paulo seguirá outro caminho. Por exemplo, divulgar osfatos, mostrando que a guerra na Colômbia tem causas históricas, políticas

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79Valter Pomar

e sociais profundas que precisam de solução. Denunciar a atitude do gover-no Uribe e do governo dos Estados Unidos, que precisam da guerra. Buscarapoios, nos parlamentos, nos governos e nas sociedades dos Estados Uni-dos, União Européia e América Latina, para uma solução pacífica e nego-ciada para o conflito colombiano. Prestar solidariedade prática às forças deesquerda, democráticas e progressistas da Colômbia, por exemplo, o PóloDemocrático Alternativo, a CUT e a senadora Piedad Córdoba. Exigir aliberdade imediata dos seqüestrados e o intercâmbio humanitário. Desen-cadear uma campanha internacional pela paz na região.

São ações como estas que podem acabar com a guerra. É nisto que apos-tamos. Haverá quem nos ache cordeiros, haverá quem nos ache lobos. Masestamos convencidos de que este é o caminho para a paz na Colômbia, quecriará o ambiente político que permitirá, mais cedo ou mais tarde, queaquele país também seja governado por forças progressistas e de esquerda.Neste caso, vamos assobiar por último.

Este artigo foi escrito em maio/junho de 2008

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80 Miscelânea Internacional – 1998-2013

As armas da política

A libertação de Ingrid Betancourt e de outros seqüestrados foi saudadacom alegria por pessoas, partidos e governos das mais diferentes orienta-ções políticas. O Partido dos Trabalhadores soltou nota a respeito.

Nunca é demais lembrar: mesmo nas guerras, há leis e costumes quedevem ser observados. Seqüestrar civis, não-combatentes, mantê-los pre-sos, sem julgamento, é uma opção profundamente incorreta e politicamen-te negativa. Por estas e outras razões, o PT sempre condenou os seqüestros.

Esperamos que os demais seqüestrados sejam libertados rapidamente. Eque este resgate contribua para uma saída negociada entre todos os envol-vidos no conflito político-militar existente na Colômbia, há várias décadas.

Ainda não está claro o que de fato ocorreu na operação de resgate, sobrea qual existem várias versões, que vão da operação de inteligência militaraté a violação do direito humanitário internacional.

De toda maneira, é evidente que o governo Uribe buscará capitalizar alibertação dos seqüestrados, especialmente de Ingrid Betancourt, apresen-tando o êxito da operação como prova do acerto da estratégia “linha dura”de combate à “narcoguerrilha”.

O mesmo poderá tentar o governo norte-americano, especialmente osrepublicanos (note-se que o resgate ocorreu simultaneamente à visita deJohn Mcain à Colômbia).

Paradoxalmente, o governo Uribe retira parte de sua força da existênciado conflito militar, que lhe proporciona apoio dos EUA e um clima deterror contra setores da sociedade colombiana, além do que é sabido acercados paramilitares.

Uribe pode insistir numa espécie de “guerra sem fim ao terrorismo”,buscando de imediato um terceiro mandato presidencial. Mas também podebuscar algum tipo de negociação, evitando o espectro de Fujimori, quederrotou militarmente o Sendero Luminoso e o MRTA, mas depois teveque fugir do Peru, estando hoje sob julgamento.

Quanto às FARC: serão capazes de fazer, com agilidade, aquilo que nãoquiseram ou não souberam ou não conseguiram fazer quando Raul Reyese Marulanda estavam vivos? A guerrilha libertará imediata e incondicio-

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nalmente os demais seqüestrados? Dará sinais inequívocos de que reconhe-ce a necessidade de encerrar a luta armada e adotar outra estratégia?

Seja como for, a situação exige ampliar a solidariedade internacional,por parte dos movimentos sociais, partidos e governos progressistas e deesquerda, de toda a América Latina e do mundo, que defendemos umasolução pacífica negociada. É fundamental apoiar os esforços, na Colôm-bia, de forças como a CUT, a oposição liberal e o Pólo Democrático Alter-nativo.

A paz interessa ao povo colombiano, interessa à esquerda colombiana,interessa à maioria dos governos latino-americanos, interessa a todos ossetores democráticos e progressistas do continente e do mundo. A paz cri-ará o ambiente político que tornará possível que a Colômbia venha a sergovernada por forças progressistas e de esquerda.

Embora tenha crescido a idéia de que o governo Uribe pode derrotarmilitarmente a guerrilha, é preciso lembrar que ainda assim não estariamsuperadas, nem eliminadas, as causas políticas e sociais que a originaram.

Como foi dito em outro lugar, é necessário construir uma “saída pacíficanegociada para este conflito que dura décadas, com raízes sociais e políticasprofundas, negociação que permita a inserção dos guerrilheiros e de seussimpatizantes na vida pública; bem como a construção de instituições de-mocráticas profundamente renovadas, livres da contaminação do narcotrá-fico e do crime organizado”.

É sabido que a guerra dá continuidade à política, através de outros mei-os. Há quem acredite no contrário disso, superestimando “los fierros”. Masa força da esquerda está no apoio popular. É preciso fazer valer as armas dapolítica.

Este artigo foi escrito em julho de 2008

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82 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Os infiltrados

Trata-se de um grande filme (The Departed, 2006), dirigido por MartinScorsese, com um elenco da pesada: Jack Nicholson, Leonardo DiCaprio,Matt Damon, Mark Wahlberg, Martin Sheen e Alec Baldwin.

O roteiro mostra a caçada entre um policial infiltrado no crime, e umcriminoso infiltrado na polícia. Ambos e seus pares desconhecem suas ver-dadeiras identidades. No jargão, trata-se de “infiltrados”.

A infiltração é muito comum na espionagem. Outro grande filme (Acompanhia, baseada no livro homônimo de Robert Littell), com ChrisO’Donnell, Alfred Molina e Michael Keaton romanceia fatos reais: a KGBinfiltrou agentes na cúpula do serviço secreto britânico e também na CIA.

Qual a relação entre isso e a matéria da revista colombiana Cambio?Nenhuma, salvo a mentalidade de guerra fria que persiste nos editores

da grande imprensa brasileira.A matéria publicada pela revista colombiana está claramente a serviço de

um setor da direita colombiana, que se opõe a duas iniciativas impulsiona-das pelo governo brasileiro: a Unasur e o Conselho de Defesa da Américado Sul.

Qual o conteúdo da matéria? Basicamente, uma transcrição, entremea-da de comentários, de correios eletrônicos supostamente intercambiadospor integrantes das FARC, onde se faz referência a brasileiros.

A revista fala que existiriam 85 correios eletrônicos, trocados entre 1999e 2008, mas publica na íntegra e comenta apenas um número menor.

Cambio tampouco questiona se as mensagens são autênticas, nem seforam manipuladas. Nem se pergunta por qual motivo dirigentes de umaguerrilha citariam, com tanta abundância de detalhes, residentes em outropaís. Seria estupidez, prepotência ou... infiltração?

Apesar disto tudo, o fato é que o governo colombiano não mostrou umúnico correio eletrônico (dentro os milhares que teriam sido localizadosnos arquivos eletrônicos que estariam no acampamento onde o comandan-te das Farc foi morto), que tenha sido enviado por um brasileiro.

Talvez por isso, apesar do tom escandaloso da matéria, a revista Cambionão utilize (ao menos na edição eletrônica) nenhuma vez o termo “infiltra-

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ção”. Falam de contatos, conexões e termos semelhantes. O mais longe queCambio vai é dizer que os correios eletrônicos são “apenas indício de umpossível compromisso”.

Mas foi só chegar em solo pátrio, que a coisa muda de figura e vira“infiltração”. Ou seja: a imprensa brasileira não apenas compra a versão dosetor mais duro da direita colombiana, como ainda adiciona seu temperoinconfundível.

Salvo alguma conexão mental obscura entre o termo e a figura do enca-nador evocada, em campanhas passadas, por uma importante atriz, a con-clusão é que a mentalidade de guerra fria continua rondando parte da im-prensa brasileira.

O que está em jogo, na verdade, é a política externa, em particular apolítica de Defesa. Mesmo para jornais que gostam de se considerar pro-gressistas, como a Folha de S. Paulo, é incabível imaginar um Conselho deDefesa que exclua os Estados Unidos. O resto é marola.

Este artigo foi escrito em agosto de 2008

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84 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A festa da marmota

10 DE AGOSTO DE 2008, domingo, Bolívia: a oposição de direita perde oreferendo revocatório. Mas não foi esmagada: além de seguir contandocom forte poderio econômico e midiático, obteve maioria eleitoral em vá-rios estados e um importante percentual nacional.

Diante deste resultado, a oposição poderia escolher entre dois caminhosprincipais. O primeiro deles era reconhecer a legitimidade do governo EvoMorales e aceitar o convite, feito por este, para negociar.

O segundo caminho era dar início a um processo de desobediência,provocando o governo para que reprima as manifestações, esperando assimcriar um pretexto para dividir as forças armadas e iniciar uma guerra civil.

Setores da oposição de direita boliviana parecem ter escolhido este se-gundo caminho. Comenta-se abertamente que têm o respaldo da embaixa-da norte-americana. Contam até com a torcida de parcelas da mídia brasi-leira, que denunciou o governo Evo como suposta “ameaça ao fornecimen-to de gás para o Brasil”, mas que agora trata com grande parcimônia asações de setores fascistas.

9 DE SETEMBRO DE 1973, domingo, Chile: o presidente Salvador Allendecomunica ao general Pinochet que convocaria um referendo para o paísdecidir democraticamente que caminho seguir. O anúncio seria feito nodia 10, mas foi adiado para o dia 11 de setembro.

O povo não foi convocado para votar, pois no próprio dia 11 um golpederruba Allende, coroando o processo de desestabilização iniciado pela di-reita civil e militar, no exato momento em que a Unidade Popular venceuas eleições presidenciais de 1970.

A oposição de direita chilena escolheu o caminho do golpe. Está farta-mente comprovado que o governo norte-americano participou do início aofim da empreitada, inclusive financiando a “imprensa livre”, partidos polí-ticos e dirigentes sociais de direita.

4 DE NOVEMBRO DE 2008, terça-feira, Estados Unidos: eleição do novopresidente norte-americano. Sete candidatos disputam o pleito, mas ape-

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nas dois têm chances de vencer: John McCain (republicano) e Barack Oba-ma (democrata). A maior parte dos analistas espera uma vitória por mar-gem apertada.

O fato de um republicano poder vencer a eleição, mesmo depois dodesastroso governo Bush, serve como alerta para quem nutre muitas expec-tativas acerca do confuso e oligárquico processo que escolherá o próximogoverno norte-americano.

Para além dos imensos interesses imperiais e empresariais envolvidos,aguçados pelo ambiente de crise interna e instabilidade externa, existe ohistórico de intervenção norte-americana, tanto por parte de presidentesdemocratas, quanto de republicanos.

Este é um dos motivos pelos quais o Partido dos Trabalhadores nãoapóia nenhum dos candidatos que disputam a presidência dos Estados Uni-dos. Mas esta atitude não significa desconhecer as diferenças entre as can-didaturas, nem tampouco implica em passividade.

Qualquer que seja o novo presidente dos Estados Unidos, ele jogaráimportante papel na conjuntura internacional e latino-americana. Ao Par-tido dos Trabalhadores, interessa manter canais abertos e institucionais decontato, com variados setores daquele país, inclusive com quem estiver nogoverno.

Sem confundir diplomacia com identidade ideológica e sem alimentarilusões, uma das questões fundamentais é trabalhar para impedir, ou pelomenos dificultar ao máximo, a interferência dos Estados Unidos na políti-ca dos países latino-americanos.

Sem apoio ao Norte, a oposição de direita existente em cada país latino-americano fica do seu tamanho real (que está longe de ser desprezível). Efica mais repetir o roteiro golpista, amparado na concepção expressa porHenry Kissinger, secretário de Estado do governo norte-americano quandoAllende foi eleito: “não vejo razão pela qual se deve permitir o Chile setornar marxista pela irresponsabilidade de seu povo”.

Este artigo foi escrito em agosto de 2008

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86 Miscelânea Internacional – 1998-2013

O muro da hora

Quem militava em 1989 passou parte de sua vida tentando compreen-der e explicar por quais motivos aconteceu o desmanche do chamado cam-po socialista.Os que militam hoje estão diante da necessidade de compre-ender, explicar e principalmente intervir na crise que tem por epicentro dosEstados Unidos.

Além do interessante debate acerca das causas “micro” da crise e sobre adinâmica da economia estado-unidense, é preciso levar em conta o enqua-dramento “macro”.

Em primeiro lugar, a crise atual tem origem nos anos 1970: foi para reagirà crise de então, que o grande capital e os governos dos Estados Unidos eInglaterra desencadearam um movimento ideológico, político, militar e eco-nômico que produziu o que chamamos de hegemonia neoliberal.

Quase quarenta anos depois assistimos a crise e ao esgotamento daquela“solução” neoliberal.Mas não voltamos ao ponto de partida. O mundoatual é muito mais capitalista do que o mundo dos anos 1970, uma vezque foram em grande medida removidas as limitações impostas pela exis-tência do “campo socialista” e pela força da esquerda no interior dos paísesdesenvolvidos.

Também por isto, a crise atual será muito mais complexa e muito maisprofunda. Até porque não se trata de uma crise meramente “financeira”,entre outros motivos porque o crescimento da especulação financeira é emsi mesmo uma conseqüência da própria dinâmica contraditória da acumu-lação capitalista.

Em segundo lugar, o esgotamento do neoliberalismo coincide com odeclínio relativo da hegemonia dos Estados Unidos, sem que haja no hori-zonte um substituto e sem que as instituições políticas formadas no pós-Segunda Guerra sejam capazes de “administrar” a situação.

Declínio relativo: os EUA continuam sendo a potência hegemônica noterreno ideológico, político, militar e econômico inclusive. Mas esta hege-monia enfrenta crescentes problemas e contestações, parte deles (ironicamen-te) decorrente da grande vitória que os EUA obtiveram contra os socialistas,social-democratas e nacional-desenvolvimentistas, ao longo dos anos 80.

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Evidentemente, não está nos planos dos EUA perder influência. O panode fundo das eleições presidenciais de novembro deste ano não é como“organizar a retirada”, pelo contrário. Não se deve descartar que desta crisesurja uma hegemonia renovada, tanto do capitalismo, quanto até mesmodos Estados Unidos.

Por tudo isto, muito ao contrário do fim da história, o que vivemos eseguiremos vivendo pelo próximo período é uma brutalinstabilidade.Inclusive porque o intenso “desenvolvimento” econômico daera neoliberal e suas conseqüências (ambientais, sociais, militares, políti-cas) enfraqueceu e transbordou todas as instituições políticas.

Qual a duração, qual a profundidade e quais as repercussões da crise?Não está claro, ainda. Mas é notável que, no lugar do catastrofismo deesquerda, estejamos assistindo ao catastrofismo de direita: de respeitáveisacadêmicos até especuladores profissionais, cresceu o número e a estridênciados que vaticinam o caos sistêmico, apontando na situação a mistura detraços do pré-Primeira Guerra com a crise dos anos 1930 nos EUA, cujosefeitos –sempre é bom lembrar– não foram totalmente superados pelo NewDeal, mas sim pela Segunda Guerra.

Mesmo que descontemos a ignorância, o oportunismo e o pânico pre-sentes em algumas destas análises, especialmente as tupiniquins, que nofundo querem é estimular o caos para com base nele fazer oposição a Lula,é preciso lembrar que onde há muita fumaça, algum fogo há. Até porqueeles sabem, as vezes melhor do que nós, o tamanho da lambança feita nosmercados financeiros que, até ontem, eram prova máxima do “engenhocriativo” e do “espírito animal” do capitalismo.

Por isso, um olho no gato e outro no peixe. Estamos em melhores con-dições de enfrentar esta crise, em alguma medida porque o atual governo(especialmente no segundo mandato) adotou políticas distintas do receitu-ário clássico neoliberal. Mas o tamanho da crise não permite discursosingênuos sobre o “tamanho das reservas”, nem crenças tolas nos supostosbons procedimentos das grandes empresas nacionais.

Do que precisamos é dobrar a aposta no mercado interno e na integra-ção continental; estabelecer controles sobre a entrada e saída de capitais;alterar a política de juros; fortalecer pesadamente o Estado e a soberanianacional sobre os recursos estratégicos, por exemplo ampliando o controleda União sobre as ações da Petrobrás. Estas e outras medidas em defesa das

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maiorias, o que inclui manter e ampliar as políticas sociais e as políticasorientadas ao desenvolvimento econômico.

O sonho nada secreto da direita é realizar, em 2009-2010, aquilo queeles desde 1989 diziam que aconteceria durante o governo Lula: o caos, acrise, o desgoverno. É preciso lembrar que a crise atual foi provocada pelaspolíticas que eles sempre defenderam; e que o Brasil está mais protegido,porque recusou estas políticas. Ou ninguém lembra da Alca?

Não basta, entretanto, provar que estávamos certos nas batalhas ideoló-gicas de ontem e seguimos certos nas de hoje. É preciso, também,travar abatalha do futuro, acerca do redesenho da ordem internacional. E fazê-lode uma perspectiva socialista, pois afinal de contas o que está aí é uma crisedo sistema capitalista. E só nos faltava, na hora da crise, ajudar o bicho a selevantar de novo.

Este artigo foi escrito em outubro de 2008

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Debatendo a crise

O Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores promoveu, no dia26 de novembro, um concorrido debate sobre a crise internacional e seusefeitos no Brasil, tendo como palestrantes Guido Mantega e Marco AurélioGarcia.

Dois outros debates estão previstos, o primeiro no dia 2 de dezembro,em São Paulo, em promoção conjunta com o PCdoB; e o segundo no dia16 de dezembro, em Salvador, em promoção conjunta com o PSB e com oPCdoB.

O debate realizado em Brasília reafirmou que a crise internacional éproduto direto das chamadas políticas neoliberais, em particular da desre-gulamentação dos mercados financeiros.

Reafirmou, também, que enfrentar a crise exige adotar medidas quereforcem o investimento público, o mercado interno, a integração regionale, de maneira geral, o papel do Estado na economia.

Noutras palavras: tanto a crise quanto a solução apontam para a desmo-ralização da visão de mundo neoliberal. Este é um aspecto que nunca édemais destacar, até porque os porta-vozes do neoliberalismo continuam àsolta, especialmente nas empresas de comunicação, exigindo do governobrasileiro que corte investimentos e reduza o papel do Estado.

O debate promovido pelo Diretório Nacional do PT mostrou, também,que há muitas questões polêmicas, em aberto e a aprofundar.

A primeira delas diz respeito à profundidade e a duração da crise. Existeuma tendência, bastante compreensível, a destacar as vantagens comparati-vas dos “países em desenvolvimento”, em particular o Brasil, frente aosEstados Unidos e à Europa.

Esta tendência pode conduzir a dois equívocos: por um lado, a minimizar osefeitos da crise na “periferia”; por outro lado, a não considerar devidamenteque os paises centrais vão tentar transferir os custos da crise para o “resto domundo”. Mesmo quem acredita que o imperialismo é um “tigre de papel”,deveria levar em conta e se prevenir adequadamente contra esta tentativa.

A diferença de opinião sobre estas questões ajuda a explicar as atitudesopostas que existem, em nosso Partido, acerca da rodada Doha: enquanto

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alguns comemoram seu fracasso, outros defendem a ressureição. Explica,ainda, porque alguns se entusiasmaram com a reunião do G20, enquantooutros alertaram para seus limites e riscos.

Outra questão em aberto é a natureza da conexão entre a crise financeirae a crise econômica no sentido geral da palavra.

Existe uma tendência a considerar o fechamento de empresas e o desem-prego como uma decorrência da crise financeira, não percebendo ou nãoconsiderando em devida conta que, em última análise, a crise financeira e aespeculação que a precedeu é, em si mesma, uma decorrência da dinâmicacontraditória da produção capitalista.

Noutras palavras: o contraditório “sucesso” da expansão capitalista, in-clusive no terreno produtivo, é que está na origem da vertigem financeira.

O superdimensionamento do aspecto financeiro da crise conduz à ado-ção de medidas anticíclicas de apoio ao “capital produtivo”, sem considerar(ou sem considerar devidamente) que este próprio “capital produtivo”, enão apenas os mercados financeiros, também precisa ser submetido afortíssimos controles.

Aliás, o próprio conceito de capital financeiro supõe aquilo que conhe-cemos na realidade das grandes empresas brasileiras e mundiais: a imbricaçãoentre capital industrial e bancário.

A diferença de opinião sobre estas questões está na base das divergênciasacerca de algumas medidas adotadas pelo governo, em benefício de seg-mentos do empresariado. E, por outro lado, nas diferentes ênfases que unse outros concedemos a bandeiras como a redução da jornada de trabalho, areforma agrária e o fortalecimento radical das políticas sociais universais.

Uma terceira questão em aberto diz respeito ao impacto da crise sobre oBrasil.

A este respeito, parece haver alguns consensos: a) a economia brasileiraestá menos vulnerável, hoje, do que nos anos 1990; b) estamos maisfortes do que estaríamos, caso estivéssemos aplicando as políticas tucanas;c) estaríamos ainda melhor se, durante parte do primeiro mandato deLula, o Ministério da Fazenda não fosse linha auxiliar das políticas pró-capital financeiro.

Destas conclusões, aparentemente (uma vez que os liberais existentes naprópria esquerda andam meio calados) consensuais, desdobram-se linhasdiferentes de análise e de propostas.

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91Valter Pomar

Entre estas linhas, registro a tendência a superestimar a fortaleza da eco-nomia brasileira e a considerar suficiente a adoção de medidas preventivase corretivas.

Claro que algumas destas medidas, como a redução dos juros, são fun-damentais e inadiáveis, sendo incrível ver como Henrique Meirelles insiste,contra quase tudo e contra quase todos, em retardar o inevitável. Sendoainda mais incrível que o governo tolere, no seu meio, um sabotador assu-mido e explícito das políticas anticíclicas.

Mas medidas preventivas e corretivas, por si só, não parecem suficientespara enfrentar uma crise internacional desta magnitude, especialmente doponto de vista de quem tem como objetivo patamares de desenvolvimentoe igualdade social muito superiores aos já experimentados pelo Brasil, nosanos 1980 e antes.

É preciso ir além, revertendo medidas adotadas ao longo dos anos 90 eimplementando reformas estruturais, a começar pela tributária (não con-fundir com as medidas parciais e contraditórias que volta e meia entramem discussão no Congresso Nacional). Mas para isto se transformar emrealidade, é preciso outro enfoque, que considere a necessidade de medidasextraordinárias, que exigem intensa mobilização social e luta político-ideo-lógica.

O maior equívoco, contudo, não reside na ingenuidade de algumas aná-lises econômicas, sobre nossa fortaleza e sobre que medidas adotar. O mai-or perigo está num certo “economicismo”, ou seja, na visão que reduz econfunde a gestão da crise com a gestão administrativa da economia.

Nota bene: enfrentamos as eleições de 2008 num cenário ainda favorá-vel e obtivemos um resultado aquém do necessário. Enfrentaremos as elei-ções 2010 num cenário diferente e pior, pois mesmo que tenhamos totalêxito na administração da economia, ainda assim haverá desaceleração,com todas as conseqüências derivadas.

O que quer dizer que teremos que “compensar”, no terreno da política(debate ideológico, mobilização social e partidária, medidas legislativas ede governo), os prejuízos decorrentes da crise.

A esse respeito, vivemos uma situação contraditória, que fica mais evi-dente no terreno ideológico.

A saber: se é verdade que os neoliberais foram desmoralizados (embora aMiriam Leitão ainda não tenha percebido isto); e se é verdade que “todo

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92 Miscelânea Internacional – 1998-2013

mundo virou keynesiano”; também é verdade que batalhas passadas nãovencem as guerras do presente nem do futuro.

Desde já e ao longo dos próximos anos, no Brasil, na região latino-americana e no mundo, está em questão a natureza do pós-neoliberalismo.Ou seja: qual mundo será construído depois do que alguns têm chamadode “a queda do muro” deles.

Espera-se da esquerda, especialmente de um partido socialista como pre-tende ser o nosso PT, que consiga oferecer um horizonte mais amplo e umaperspectiva diferente daquela que é oferecida por Lord Keynes. Que, va-mos lembrar, tinha como propósito salvar o capitalismo.

Este artigo foi escrito em novembro de 2008

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93Valter Pomar

A linha do Equador

A polêmica envolvendo a Odebrecht, os empréstimos feitos pelo BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e Social, a atitude do governoequatoriano e a resposta do governo brasileiro, permite diferentes ângulosde abordagem.

Por exemplo: qual deve ser a atitude do Estado diante das empresasprivadas que prestam serviços ao poder público? Como tratar empréstimospúblicos internacionais, vinculados a empreendimentos privados? Qual aatitude diante da necessidade de auditar o endividamento interno e externoocorrido nos países da região? Que tipo de relações deve prevalecer entre osgovernos progressistas e de esquerda existentes na América do Sul?

A direita brasileira e sua mídia participam da polêmica com o objetivode colocar areia nas relações entre os governos de Lula e Rafael Correa.Setores da esquerda e da ultra-esquerda, por sua vez, declaram apoio totalao Equador, criticando a postura supostamente “sub-imperialista” do go-verno brasileiro e sua “submissão” aos interesses de uma empreiteira.

Da direita, nada se espera. Da outra margem do rio, espera-se solidarie-dade na luta contra uma empreiteira e contra o endividamento externo.Mas espera-se, também, uma mirada um pouco mais larga, que busquetratar e superar os inevitáveis conflitos que existem e vão continuar existin-do, entre os movimentos, partidos e governos progressistas e de esquerda,nos marcos de um plano estratégico que impeça o fortalecimento dos nos-sos inimigos.

Ao longo do século XX, a esquerda latino-americana e caribenha enfren-tou dois grandes obstáculos: a força dos adversários no plano nacional e aingerência externa. Esta sempre esteve presente, especialmente naquelesmomentos em que a esquerda chegava ao governo ou ao poder. Quando asclasses dominantes locais não davam conta de conter a esquerda, apelavampara os marines.

A novidade dos últimos dez anos (1998-2008) é a constituição de umacorrelação de forças, na América Latina, que permite limitar a ingerênciaexterna.

O ambiente progressista e de esquerda colaborou nas eleições e reelei-

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94 Miscelânea Internacional – 1998-2013

ções, ajudou a evitar golpes (contra Chávez e Evo Morales, por exemplo),sendo ademais fundamental na condenação da invasão do Equador portropas da Colômbia. Além de minimizar ou inviabilizar políticas de blo-queio econômico, que jogaram um papel importante na estratégia da direi-ta contra o governo Allende e continuam afetando Cuba.

Noutras palavras: a existência de uma correlação de forças favorável naregião, cria melhores condições para que cada processo nacional siga seupróprio curso. Um símbolo desta nova correlação de forças é a realização,em dezembro de 2008, da cúpula latino-americana e caribenha. Nem pan,nem ibero.

Ocorre que, quando forças de esquerda e progressistas conseguem chegarao governo nacional, o fazem com um programa baseado, de alguma forma,no tripé igualdade social, democratização política e soberania nacional.

E a defesa da soberania nacional não se faz apenas contra as “metrópolesimperialistas”, envolve também administrar os conflitos entre países da região.

Estes conflitos não foram “inventados” pelos atuais governos, sendo ge-ralmente herança de períodos anteriores, inclusive do desenvolvimento de-pendente e desigual ocorrido na região. Na maioria dos casos, não poderãoser superados no curto prazo: por terem causas estruturais, só poderão tersolução no longo prazo, nos marcos de um adequado processo de integra-ção regional.

A exacerbação destes conflitos regionais teria como subproduto dissimularas contradições (muito mais relevantes) com as metrópoles imperialistas.

Portanto, do ponto de vista estratégico, devemos impedir que estes confli-tos se convertam em contradição principal. Pois, se isto acontecer, a correla-ção de forças latino-americana se alterará em favor da ingerência externa.

É sabido que os governos progressistas e de esquerda da região trilham ocaminho do desenvolvimento e da integração, adotando diferentes estraté-gias e com diferentes velocidades.

E já foi dito que a possibilidade maior ou menor de sucesso, em âmbitonacional, está vinculada à existência de uma correlação latino-americanafavorável às posições de esquerda e progressistas.

Logo, nosso imbróglio estratégico pode ser resumido assim: comocompatibilizar as diferentes estratégias nacionais, com a construção de umaestratégia continental comum (que preserve a unidade com diversidade). Ou,mais precisamente, como lidar com os conflitos entre os países da região.

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95Valter Pomar

Devido ao seu tamanho, força econômica, história pregressa e largas fron-teiras, o Brasil é parte efetiva ou potencial em muitos conflitos regionais.Setores da direita brasileira desejam que o Brasil se comporte, nestes confli-tos, ao estilo dos Estados Unidos. Em outros países, parcelas da direita que-rem ver o Brasil ocupando, no imaginário das pessoas, o lugar que atualmen-te é dos Estados Unidos.

Verdade seja dita, o Brasil tem o physique du role adequado para cum-prir papéis distintos e opostos.

Por um lado, ao longo dos últimos anos nosso país se converteu emplataforma de operação de grandes empresas, que se beneficiam dos merca-dos, da mão de obra e das riquezas naturais dos países vizinhos. E, ao longode nossa história, por diversas vezes o governo brasileiro foi advogado dosinteresses metropolitanos e da integração subordinada.

Por outro lado, o Brasil tem condições de ser uma das locomotivas deoutro tipo de desenvolvimento e integração regional, contra as diretrizesimpulsionadas historicamente pelos Estados Unidos. Desde 2003, commaior ou com menor êxito, com maiores ou menores contradições, esta é“a linha do Brasil”.

Alguns episódios, o mais recente envolvendo a Odebrecht, demonstram quesetores da esquerda latino-americana discordam desta linha ou, pelo menos,consideram que o governo brasileiro não está sendo coerente na sua aplicação.

Evidente que dificuldades, incoerências e contradições existem. Seria toli-ce negá-las, mesmo porque o Brasil não se resume ao Estado brasileiro, oEstado não se resume ao governo atual, o governo atual não se resume àesquerda, além do que a esquerda também erra.

Mas, o que está em questão não são apenas estas dificuldades, incoerên-cias, contradições e erros. Claro que existem, assim como também pesam oestilo pessoal dos governantes e implicações conjunturais. Acima distotudo, entretanto, transparece uma divergência acerca da linha seguida pelogoverno brasileiro.

A rigor, parte da esquerda latino-americana gostaria que o governo Lulaadotasse o espírito da Alba (Alternativa Bolivariana).

Podemos e devemos debater (em termos de sustentabilidade interna,natureza dos acordos firmados, materialização efetiva, efeitos nos paísesreceptores) o que faz o governo da Venezuela, mas é impossível não reco-nhecer que sua atitude é extremamente meritória.

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Mas será que o governo brasileiro pode e deve adotar este caminho?Podemos e devemos fazer mais do que fazemos, inclusive estabelecer parâ-

metros e controles sobre a atuação internacional das empresas privadas “bra-sileiras” (a cratera no Metrô de São Paulo não permite dúvidas acerca do queuma empreiteira é capaz de fazer). Mas, por mais que façamos, não existecorrelação de forças, mecanismos institucionais e situação econômica quenos permitam operar de maneira semelhante ao governo venezuelano.

A alternativa realmente disponível para o governo brasileiro envolve so-lidariedade; mas sua dimensão principal é a dos acordos comerciais, econô-micos e institucionais (por exemplo, a Unasul), envolvendo governos, em-presas públicas e/ou privadas.

Este caminho contém diversos riscos. De saída, iniciativas como a Unasulsupõem compartilhar a mesa com adversários políticos e ideológicos, queseguem governando importantes países da região. Em segundo lugar, a dinâ-mica da integração inclui momentos de maior protagonismo político dospresidentes, entremeados de períodos onde predomina o espírito das respec-tivas chancelarias. Em terceiro lugar, os acordos econômico-comerciais sem-pre beneficiam, em maior ou menor escala, os interesses do Capital, pelomenos enquanto este modo de produção for hegemônico nos países em ques-tão. Em quarto lugar, as empresas envolvidas geralmente colocam em pri-meiro lugar seu lucro imediato e em segundo lugar o sentido estratégico daoperação, ou seja, o desenvolvimento e a integração.

O ponto forte da atual posição brasileira é a insistência na construção deuma institucionalidade regional sólida, cuja expressão mais promissora hojeé a Unasul (aí compreendidos o Banco do Sul, o Conselho de Defesa etc).O ponto fraco é a ausência de controle sobre o comportamento das empre-sas que atuam no exterior.

No caso das empresas públicas, como se viu na Bolívia, o governo brasi-leiro tem meios para fazer prevalecer os interesses estratégicos do país. Nocaso das empresas privadas, faz-se necessário desenvolver mecanismos quegarantam o mesmo, inclusive dentro do Brasil. Afinal, como sabemos,empresas que recebem empréstimos do BNDES apostaram contra o Real;e bancos que recebem estímulos do governo negam crédito barato.

Com todos os seus riscos, o que resumimos nos parágrafos anterioresparece ter sido o caminho adotado pelo governo brasileiro e não está nohorizonte de curto prazo qualquer modificação. Isto aconteceria em duas

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circunstâncias: caso a direita recuperasse o governo, em 2010; ou caso oprocesso social no país se radicalizasse, alterando significativamente a cor-relação de forças.

Podemos discutir, discordar e até condenar a “linha do Brasil”. Deve-mos, com certeza, exigir maior rapidez e maior dedicação na implementa-ção desta linha, especialmente na conjuntura aberta com a crise internaci-onal. Mas é preciso compreender sua natureza, seus limites, e as conse-qüências geradas, por um possível não-pagamento de empréstimo concedi-do pelo BNDES, sobre nossas possibilidades de cooperar economicamentecom outros países da região, inclusive o Equador.

Da mesma forma como nós devemos compreender, por exemplo, que ogoverno equatoriano siga convivendo com a dolarização de sua economia.Gravíssimo atentado à soberania nacional, que persistirá enquanto não secriar uma correlação de forças interna e externa que permita sua superação.

Resta tratar de uma questão fundamental. Argumentamos que o gover-no brasileiro, ao menos agora, não pode adotar uma política diversa daatual. A pergunta é: devemos trabalhar pela adoção de outra política?

A resposta é: sim e não. Sim, no sentido de que devemos construir ascondições internas para ter uma política externa mais ousada. Não, nosentido de que consideramos impossível revogar, por decreto & vontade, asrelações de mercado entre os países de nosso continente.

Certamente, a solução dos conflitos regionais supõe uma redução dadesigualdade, não apenas dentro de cada país, mas também entre as econo-mias de nosso subcontinente. A institucionalidade da integração, tantomultilateral quanto as relações bilaterais, tem que estar sintonizada comeste propósito.

A redução da desigualdade em cada país supõe enfrentar a “herançamaldita” e realizar reformas sociais profundas. Mas isto não é suficientepara eliminar as disparidades existentes entre as economias, objetivo queexige combinar, no longo prazo, medidas de solidariedade, intercâmbiodireto e também medidas de mercado.

Por mais que o Brasil consiga ousar na sua política externa, não temoscomo “exportar” apenas a “parte boa” das condições materiais necessáriaspara a superação das desigualdades existentes, tanto internamente a cadapaís, quanto entre os países da região. Portanto, o apoio do Brasil aos paísesda região incluirá, em boa medida, forte dose de “exportação do capitalis-mo”, com suas mazelas incluídas.

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O pano de fundo do debate acerca da “linha do Brasil” é a aceitação ounão desta limitação, que em nossa opinião existiria mesmo que o governobrasileiro fosse muito mais radical.

Por fim: todo apoio à auditoria da dívida externa do Equador. Mas épreciso diferenciar os tipos de dívida e os credores. Todo apoio ao governodo Equador contra uma empreiteira que construiu uma obra com imensosproblemas. Mas é preciso agir de maneira a punir a empreiteira, não oBNDES. E todo apoio ao diálogo entre os governos de esquerda e progres-sistas, para que nenhuma das partes seja surpreendida por medidas unilate-rais divulgadas pela imprensa.Aliás, a necessidade de diálogo & aviso pré-vio é a única “linha” que não pode ser desrespeitada.

Este artigo foi escrito em dezembro de 2008

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Un nuevo ciclo enla historia del Brasil

Hay, al interior de los partidos progresistas y de izquierda, distintasinterpretaciones sobre la crisis internacional y sus impactos sobre Brasil.De estas interpretaciones, articuladas con los programas y estrategias decada partido, se derivan propuestas políticas también diferenciadas. Pareciera,sin embargo, que existen algunas ideas fuertemente hegemónicas, entre lascuales se destaca la siguiente noción: al igual que las crisis internacionalesde 1930 y 1970, la presente crisis puede constituir un punto de inflexión,que marque el inicio de un nuevo ciclo en la historia del país. Evidente-mente, dependerá de cómo se articulen la crisis internacional, la economíabrasileña y los bloques de poder en Brasil.

La crisis

El epicentro de la crisis se encuentra en los países centrales, especialmen-te en los Estados Unidos. Su detonante estuvo en el sector financiero, perosu causa reside en la dinámica misma de la acumulación capitalista, motivopor el cual la crisis posee carácter sistémico, expresado en múltiples dimen-siones (ambiental, energética, alimentaria, social, política), dando lugarincluso a tesis como la de “crisis civilizatoria”.

La crisis tiene una profundidad proporcional al control alcanzado por elcapitalismo, desde principios de los años 1990, en todo el mundo. Duranteeste período, las políticas neoliberales ampliaron las contradicciones entrela dinámica de la economía y de la política, entre el predominio de losintereses privados y el carácter cada vez más social de la vida cotidiana,entre el desarrollo “globalizado” de la sociedad humana y el carácter limita-do de las instituciones políticas nacionales y multilaterales.

La actual crisis repite, en niveles superiores, la crisis que estalló en losaños 1970 y que fue “remediada” precisamente por las políticas neolibera-les, en especial por la especulación financiera y el estímulo al llamado capi-tal ficticio.

La crisis confirma y acentúa el declinio de la hegemonía de los EstadosUnidos. Como no hay poder equivalente y alternativo, no existe un “ge-

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rente” dotado de los medios necesarios para proponer e implementar medi-das capaces de enfrentar y superar la crisis, incluso desde el punto de vistade los que la causaron. Tales medidas sólo podrán surgir de una disputaprolongada, en un ambiente de acentuada inestabilidad, y hay dudas in-cluso sobre si es posible superar una crisis más importante que la de 1929sólo con políticas de inspiración keynesiana.

La disputa arriba referida se entablará en dos planos, distintos pero com-binados: por un lado, la disputa al interior de cada país; por otro lado, lacompetencia entre los distintos Estados y bloques regionales. De la complejaarticulación entre estos procesos pueden resultar, grosso modo, tresescenarios:

a) el conservador, en el cual los Estados y sectores sociales que se benefi-ciaron del período neoliberal comandan la distribución de los costos dela crisis y mantienen su hegemonía sobre el orden internacional;b) el progresista, en el cual los países que no integran el G7 reducen elimpacto de la crisis y establecen las bases de un mundo capitalista postneoliberal;c) el socialista, en el cual el agravamiento de la crisis y de las contradic-ciones –económicas, sociales y políticas– posibilita, en determinados paísesy regiones, rupturas con el orden capitalista.La crisis puso en evidencia el alto costo social y ambiental del capitalis-

mo, especialmente en su versión neoliberal, fortaleciendo ideológicamentea los sectores que defienden un “capitalismo no-neoliberal”. Fortaleció tam-bién, pero en mucho menor escala, a los que proponen una alternativasocialista al capitalismo.

Pero el fortalecimiento ideológico de los sectores progresistas y de izqui-erda se da en el marco de una situación estructural que todavía conspira afavor de un desenlace conservador para la crisis.

Mismo afectados por la crisis, los países centrales concentran un inmensopoder económico, militar y político. Esto estimula los demás países delmundo a construir salidas negociadas, para evitar los efectos de un colapsogeneralizado, que tendria efectos catastróficos en toda la periferia, inclusoporque los picos de desarrollo ocurridos a partir de 1990, empezando por elcaso chino, fueron en gran medida resultado del arreglo productivo adoptadopor los países centrales, en particular la condición de “consumidor de últi-ma instancia” asumida por los Estados Unidos. Además de eso, tres déca-

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das de hegemonía neoliberal limitaron el horizonte intelectual y la fuerzapolítico-social de los sectores críticos.

Estas contradicciones y límites se ponen de manifiesto al observar laspropuestas de cambio en las instituciones internacionales (sistema ONU,Banco Mundial, Fondo Monetario Internacional, BID). El desencuentroentre la magnitud de la crisis y la timidez de las propuestas, en un ambientede creciente multipolaridad, produce la multiplicación de los “G” y deinstituciones regionales, como si la multiplicación de las cumbres compen-sara la modestia de las iniciativas concretas. Son especialmente notorias lasdificultades en el debate sobre una nueva moneda internacional, como tam-bién la ineficacia de las políticas globales de combate a la pobreza y a ladesigualdad.

En este contexto, hay dos dinámicas que merecen atención diferenciada:el proceso de integración latinoamericano y caribeño, especialmente entre lospaíses de América del Sur; y el diálogo entre los países integrantes de losBRIC y del Ibas (con destaque para China, Rusia, India, Brasil y Sudáfrica).

El tema central, en los dos procesos, es cómo consolidar lazos económi-cos, sociales, políticos, militares e ideológicos, que permitan a los paísesintegrantes convivir, sin subordinación o dependencia, con el espacio polí-tico todavía hegemonizado por los Estados Unidos y la Unión Europea. Lacuestión subyacente es la siguiente: ¿será posible, más que convivir, sustituirel arreglo económico internacional que tiene en los Estados Unidos su ele-mento organizador (y desorganizador) central, por otro arreglo, basado enla combinación entre expansión de los mercados internos e intercambiocomercial que no sea dependiente de las ofertas, insostenibles en el media-no plazo, de crédito proporcionadas por la emisión sin lastro de dólares?

Esto nos remite a precisar mejor los vínculos económicos entre los paísescentrales, los llamados emergentes y la periferia, vínculos a través de loscuales fluyeron las crisis de 1929, de 1970 y la crisis actual. Es importanterecordar que algunos de los países “periféricos” o “emergentes” poseen hoyuna capacidad de recuperación que no existía en la gran crisis de 1929, nitampoco en las posteriores.

La economía brasileña

Brasil, y América Latina en general, contribuyeron fuertemente para la

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llamada “acumulación primitiva” y, desde entonces, están totalmente inte-grados al capitalismo mundial.

En el caso brasileño, la integración realmente existente colaboró para laformación de una sociedad altamente desigual, políticamente conservado-ra y dependiente de los centros metropolitanos.

Esta dependencia cambió de carácter en el siglo XX. A partir de los años1930 y a lo largo de cinco décadas, Brasil se ha convertido de economíaagroexportadora en potencia industrial. Al contrario de otros países, queobtuvieron una transformación similar gracias a la revolución y a la guerra,en Brasil no ocurrieron rupturas con aquello que los sectores progresistas yde izquierda identificaban como causas de nuestro atraso: la dependencia,la desigualdad y el conservadurismo.

El reducido mercado interno y el bajo nivel de ahorro, la influencia dellatifundio y del imperialismo, variables generalmente señaladas como causasde nuestro atraso económico, en particular de nuestro inicialmente reducidodesarrollo industrial, han sido ecuacionadas de la siguiente forma:

a) el ahorro necesario para la inversión fue proporcionado por la atracciónde capitales externos. Ya sea a través de la instalación de empresas ex-tranjeras, ya sea a través del endeudamiento externo;b) el mercado interno fue proporcionado por la política de desarrolloindustrial impulsada por el Estado;c) jugó un papel importante, en distinto momentos y formas, la compresiónde los sueldos reales de la gran masa de trabajadores, utilizando para elloincluso las características de una estructura agraria que favorecía la consti-tución de un gran ejército de reserva de fuerza de trabajo.Las condiciones políticas para hacer viables las medidas anteriormente

expuestas, condiciones que además evitaron que las contradicciones soci-ales resultantes constituyeran un punto de partida para transformacionesmás profundas de la estructura social del país, fueron proporcionadas porarreglos que limitaban las condiciones de expresión independiente de lasclases trabajadoras, ya sea por medio del llamado populismo, ya searecurriendo a la dictadura militar.

Como resultado, Brasil experimentó entre 1930 y 1950 un intenso procesode industrialización y urbanización. Salvo el sector defensor de una supuesta“vocación agraria” del país, las demás fuerzas políticas y sociales compartían elideario desarrollista. Los sectores progresistas y de izquierda, que asumían este

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punto de vista con la expectativa de que generaría las condiciones para másdemocracia, más soberanía y más igualdad, descubrieron gradualmente que eldesarrollismo realmente existente en Brasil conservaba, aunque de forma meta-morfoseada, la dependencia, el conservadurismo y la desigualdad.

La causa de esto está en lo que se llamó “pacto de las élites”, “transiciónpor lo alto”, “conciliación”, evolución sin rupturas o revoluciones. En estascondiciones, cada avance histórico terminaba preservando y proyectandoen un nuevo nivel las contradicciones del ciclo anterior.

Fue lo que ocurrió durante los años 1980: el mismo canal a través delcual fluían los recursos necesarios para completar la industrialización naci-onal, internalizó los elementos que provocaron la crisis de la deuda externay la interrupción del ciclo desarrollista.

Entre 1980 y 1994, hay una disputa profunda acerca de los rumbos queel país deberia adoptar. El agotamiento de la dictadura militar, las divisionesexistentes en el gran empresariado y, sobre todo, la acción política de lanueva clase trabajadora constituida durante los años 1970, generaron unanueva dinámica en el país, que si resultara victoriosa terminaría en un ciclode desarrollo democrático-popular, articulado con un proyecto socialista.Como sabemos, no fue esto lo que ocurrió: en las elecciones de 1989 yespecialmente en las de 1994, vencieron fuerzas políticas y sociales articu-ladas alrededor del llamado proyecto neoliberal.

Si se llevara a las últimas consecuencias, este proyecto neoliberal haríacon que Brasil asumiera un lugar en la división internacional del trabajosimilar al que ocupaba en el período agroexportador. No por otro motivo elentonces presidente Fernando Henrique Cardoso hablaba de sepultar la“Era Vargas”, impulsando la privatización de las estatales, dando continui-dad a la apertura comercial iniciada en el gobierno Collor y luchando porla reducción de los derechos laborales.

Sin embargo, el proyecto neoliberal no se llevó hasta las consecuencias,en parte debido a la resistencia popular, en parte debido a las friccionescausadas por importantes sectores del empresariado, pero además porque elbloque de poder neoliberal se consolidó, en Brasil, cuando ya empezaba adecaer en el mundo.

La implementación parcial del proyecto neoliberal concentró de maneraespectacular el sector financiero, amplió aun más la presencia del capitalextranjero, debilitó la capacidad dirigente del Estado y a los sectores de la

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burguesía más dependientes del mercado interno. Por otro lado, amplió elejército industrial de reserva y provocó una alteración en el perfil de la clasetrabajadora, constituyendo dos fracciones adicionales: por un lado, uninmenso “pobretariado” y, de otro lado, sectores medios de altos ingresos,con implicaciones políticas y sociales ampliamente comentadas en losestudios sobre las condiciones de vida en las grandes ciudades brasileñas.

El arreglo creado no alteró y, en alguna medida, hasta profundizó las yamencionadas características fundamentales de la sociedad brasileña: depen-dencia, desigualdad y conservadurismo. Por otra parte, el neoliberalismo sefue inferior al desarrollismo, cuyo elemento dinâmico ofreció, a lo largo delsiglo XX, una válvula de escape sin la cual las contradicciones socialesbrasileñas podrían haber evolucionado de manera mucho más radical. Ladifícil convivencia de los neoliberales con el crecimiento (a tal punto quesostenían una tesis según la cual el país no podría crecer más allá de límitesmuy estrechos) se volvió cada vez más insostenible políticamente; y la com-binación entre hegemonía del sector financiero y debilitamiento del Estadoempezó a ser vista, por parte importante del empresariado, como dañinapara sus intereses colectivos y de mediano plazo.

Esto hizo que el desarrollismo volviera a cobrar peso, como alternativaideológica y política al neoliberalismo. De forma paradójica, la conversiónneoliberal de los partidos burgueses tradicionales los debilitó políticamente.Esto dio al Partido de los Trabajadores, especialmente a la candidatura deLula, un rol histórico relativamente inesperado: el de volverse un instru-mento decisivo para la “retomada de la Era Vargas”, para usar al revés laexpresión del ex presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC).

En las condiciones de 1989, una victoria de la candidatura Lula y ungobierno petista probablemente tendrían otro significado histórico. En 2002,por lo tanto trece años después, el programa con el que Lula diputó laselecciones fue de “transición” del neoliberalismo hacia un capitalismo “pro-ductivo”.

Podemos resumir así las acciones del gobierno Lula, entre 2003 y 2008:1) fortalecimiento de la capacidad de gestión del Estado brasileño, al

igual que de empresas estatales como Banco do Brasil, Caixa EconômicaFederal, Petrobrás y Banco Nacional de Desarrollo Económico y Social(BNDES);

2) creación del Ministerio de Desarrollo Social y Combate al Hambre,

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responsable del cadastro de las familias pobres del país, implantación delprograma “Bolsa Familia” para 11,5 millones de familias, administracióndel Programa de Erradicación del Trabajo Infantil, construcción de cister-nas en la región semiárida del Nordeste brasileño y construcción de restau-rantes populares;

3) las acciones del Ministerio de Desarrollo Agrario, que desde 2003 haactuado en el asentamiento de medio millón da familias, ampliación delfinanciamiento de la agricultura familiar (de R$ 2,4 mil millones en 2002a R$ 13 mil millones en 2008), además de la construcción de 300 milcasas, asistencia técnica, seguro, construcción de carreteras rurales, educa-ción, red eléctrica, salud y abastecimiento de agua;

4) ampliación de las atribuciones del Ministerio de Minas y Energía,que además del petróleo, etanol, gas, energía eléctrica, eólica, solar y bio-combustibles, implementó el programa “Luz para Todos”, beneficiando a2,5 millones de familias hasta entonces excluidas de este derecho;

5) expansión del número de beneficiarios de los programas gerenciadospor el Ministerio de Previsión Social a 18 millones de beneficiarios quecobran hasta 1 salario mínimo al mes;

6) creación o revitalización del Ministerio de las Ciudades, del Ministe-rio de los Deportes, del Ministerio de Cultura, del Ministerio de MedioAmbiente, del Ministerio de Pesca y Acuicultura, de la Secretaría Especialde Políticas para las Mujeres, de la Secretaría Especial de Políticas de IgualdadRacial y de la Secretaría Especial de Derechos Humanos, y de Juventud;

7) acciones de promoción económica, social y cultural de los pueblosindígenas, en un país que tiene 220 naciones indígenas, con más de 180lenguas y en 654 territorios, abarcando un 12,5% del total del país nacio-nal;

8) regularización de las tierras y políticas públicas de saneamiento,atención a la salud, acciones de desarrollo local, apoyo a las manifestacio-nes culturales y tradiciones de los quilombolas (poblaciones remanentes delos esclavos);

9) implantación del mecanismo de cuotas de discriminación positiva en23 universidades federales, 25 universidades estaduales y 3 centros de edu-cación tecnológica;

10) creación de 12 nuevas universidades y funcionamiento de 61 nuevoscampi, además de 434 mil estudiantes pobres que reciben becas totales o

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parciales para estudiar en universidades privadas, 214 escuelas técnicas nuevasy/o en proceso de implantación;

11) realización de 53 conferencias nacionales, con la participación de3,5 millones de personas, que pudieron debatir políticas públicas de dere-chos humanos, igualdad racial, mujeres, asistencia social, salud, medioambiente, educación, ancianos, personas discapacitadas, juventud, seguri-dad pública, pueblos indígenas, ciencia y tecnología, ciudades, agriculturay pesca, entre otros temas. Tales acciones, más la política externa, tuvieronun efecto social y económico favorable a las capas populares, al mismotiempo que no afectaron las estructuras de propiedad y de acumulación deriquezas existentes en el país, motivo por el cual el propio presidente Lulallegó a decir que los ricos nunca habían ganado tanto como en su gobierno.

En otras palabras, podemos decir que, en la mejor tradición brasileña, la“transición” del neoliberalismo hacia un capitalismo “productivo” fue con-cebida (en la Carta a los Brasileños) e implementada (en la gestión Palloccicomo Ministro de Hacienda) de forma conciliatoria y pactada con los sec-tores políticos y, especialmente, con los sectores empresariales hegemónicosen el período neoliberal: el capital financiero y el agronegocio. La dimensiónmás conocida de esta conciliación fue, exactamente, la política de interesesdel Banco Central y el apoyo al agronegocio, volcado a la exportación.

La conciliación fue tal que permitió la interpretación incorrecta según lacual el gobierno Lula sería una continuación del gobierno FHC y, por lotanto, un gobierno neoliberal.

Guardadas las proporciones y los límites de cualquier analogía histórica,el inicio del gobierno Vargas también estuvo signado por interpretacionesdispares. La opción por la industrialización fue tomada en el curso delmandato; y son conocidas las rupturas ocurridas entre el presidente Getú-lio Vargas y el ala izquierda del tenentismo (movimiento reformista surgi-do en el Brasil de los años 1920 cuyo nombre se debe al hecho de tenercomo principales integrantes personas provenientes de la baja oficialidaddel ejército).

La consolidación del desarrollismo, como política oficial del gobiernoLula, ocurre en tres tiempos: la crisis política de 2005, las elecciones de2006 y el lanzamiento del Plan de Aceleración del Crecimiento (PAC) en2007. Los efectos políticos, sociales y económicos de este giro –acumulativoscon los efectos de algunas políticas iniciadas en el período 2003-2005–

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pueden ser vistos en dos indicadores: los índices de popularidad del presi-dentes Lula y las tasas de crecimiento del Producto Bruto Interno.

Sin embargo, el desempeño positivo de la economía en el período 2006-2008 todavía es beneficiario del arreglo productivo que se derrumba con lacrisis internacional.

Una señal de esto es la evolución de nuestras exportaciones, con diversi-ficación de los destinos y récords de volumen y ventas, destacándose elcrecimiento de las exportaciones brasileñas a Asia (+51%), China (+55%),Europa Oriental (+36%) y Mercosur (+29%). También hubo crecimiento,aunque menor, en la relación con socios comerciales tradicionales: EE.UU.(+17%) y Europa (+11%).

Los intelectuales neoliberales distorsionan la percepción del proceso enun intento de atribuir los éxitos del gobierno Lula a la política heredada delgobierno FHC. Levado a su límite, este argumento se basa en un argumientointeresado y absurdo: el de que cualquier alteración en la política del BancoCentral y en los privilegios del agronegocio habría impedido a la economíabrasileña beneficiarse del influjo de capitales externos y ampliar el comer-cio exterior.

Por otra parte, algunos defensores del gobierno Lula intentan sostener loopuesto: que el crecimiento económico verificado en el período anterior ala crisis internacional resulta en su totalidad de los cambios que habríansido implementados por el gobierno Lula, en relación a la herencia recibidadel gobierno FHC. También conducido hacia su límite, este tipo de argu-mento parte del presupuesto de que ningén crecimiento sería posible bajocondiciones neoliberales, lo cual es sabidamente falso.

Descartadas las exageraciones y la cliometría, lo que se puede afirmarcon seguridad es lo siguiente: si los neoliberales hubieran vencido las elec-ciones de 2002 y de 2006, la economía brasileña se habría relacionado deforma diferente con la fase final del ciclo neoliberal; habría sido derrumbadapor la crisis; y el gobierno federal adoptaría medidas recesivas para combatirlos efectos de la crisis.

Para comprobar las asertivas del párrafo anterior, se recomienda verificarlas declaraciones del propio ex-presidente Fernando Henrique, además delos actos de gobernantes de la actual oposición (Partido de la Social Demo-cracia Brasileña –PSDB y Demócratas –DEM), como el alcalde de la ciudadde São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), y de los gobernadores de los estados

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de São Paulo, José Serra (PSDB), y de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB),que comandan tres de los cinco mayores presupuestos públicos nacionales.En todos los casos, adoptaron con atraso medidas supuestamente anticrisisde carácter ortodoxo y procíclico.

En términos aun mas concretos: si la oposición neoliberal estuviera en elcomando de Brasil, desde 2003, el gobierno brasileño casi que seguramen-te habría apoyado el Alca, despreciado los mercados regionales y otros polosde comercio mundial, privatizado total o parcialmente el Banco de Brasil yla Caixa Económica Federal, profundizado la privatización de Petrobrás,desarticulado el BNDES, continuado el desmantelamiento del Estado; nohabría el ascenso del salario mínimo y de las jubilaciones; se profundizariala desintegración regional y social.

Con ello, lo efecto de la crisis sobre Brasil habría sido catastrófico y larecuperación, muy improbable.

La existencia, desde 2003, del gobierno Lula ha generado otra dinámicaeconómica y social, motivo por el cual el país fue uno de los últimos endesacelerar, después de septiembre de 2008. Al contrario de crisis anterio-res, no hemos entrado en recesión; la salida de capitales se aceleró, pero sintransformarse en una fuga de capitales; el país no recurrió al FMI, al con-trario, se dio el cuestionable lujo de ofrecer aportes de capital al Fondo.Pese a todo esto, la crisis causó impactos inmediatos, que enumeramos acontinuación:

1) sobre grandes empresas privadas que invirtieron recursos en la espe-culación financiera;

2) sobre el conjunto de las empresas que dependían de créditos externos,cuya retracción impactó el financiamiento de las exportaciones, al igualque bancos pequeños y medianos que dependían de créditos externos parafinanciar sus carteras;

3) sobre inversores extranjeros actuantes en Brasil, que desviaron recur-sos para compensar las dificultades de las matrices, fortaleciendo una ten-dencia que ya se venía manifestando anteriormente: el fuerte crecimientode las remesas de ganancias hacia fuera del país;

4) retracción de la demanda externa, tanto en volumen como en precios,implicando un rápido aumento de las importaciones en relación a las ex-portaciones, acentuando el déficit en nuestras transacciones corrientes conel exterior, con reflejos (a partir de enero de 2009) en la balanza comercial;

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5) cambio en las expectativas del empresariado privado, con retracciónen las inversiones, en la producción y en los empleos. Estos impactos nogeneraron un espiral recesivo, en buena medida gracias a la intervencióndel gobierno.

Emergencialmente, hubo reducción de impuestos en áreas estratégicas:IPI del sector automotor, IOF de las operaciones de de crédito e Impuestoa la Renta de Personería Física. Al mismo tiempo, hubo ampliación delcrédito, a través de cambios en la política de los bancos públicos, presionessobre el sector privado y flexibilización del llamado compulsorio (Brasilexige que los bancos privados retengan en el Banco Central del 25% al50% de sus depósitos, en contraste con los 10% de EE.UU. y 8% en otrospaíses).

Se mantuvo la política de reajuste del Bolsa Familia y el aumento delsalario mínimo, que creció por encima de la inflación por el séptimo añoconsecutivo, remunerando a 18 millones de jubilados rurales y 3 millonesde ancianos y personas discapacitadas, entre otros.

Se incrementó el Plan de Aceleración del Crecimiento (PAC), que desde2007 consolida y da visibilidad al crecimiento de la inversión en infraes-tructura, que fue del 0,3% del PBI en 2002 al 1% del PBI en 2007. En esteterreno, se destaca, de inmediato, la política de construcción de viviendaspopulares y, a mediano y largo plazos, las inversiones necesarias para explotarlas reservas de pre-sal.

Para sostener estas medidas, el país dispone de US$ 206 mil millones dereservas; US$ 115 mil millones de los fondos de pensión; US$ 68 milmillones del BNDES (más de lo que disponen el Bird y el BID). Caberegistrar la reciente decisión de aumentar en R$ 100 mil millones los recur-sos del BNDES. Este conjunto de medidas ha estimulado el consumo ycombatido el pánico, además de confirmar la opción desarrollista, con carizsocial. Pese a esto, la producción ha caído o se ha desacelerado en algunossectores, ocurriendo movimientos negativos en la generación de empleos,en el crédito interno y en las ventas minoristas. Veamos los datos más reci-entes acerca del mercado de trabajo.

El CAGED mide el saldo entre admisiones y despidos, que las empresasestán obligadas por ley a informar al Ministerio de Trabajo y Empleo. En2009, hay un saldo de 299.500 empleos formales (crecimiento del 0,94%).En doce meses, el saldo fue de 390.300 empleos formales (1,28%). O sea,

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en los doce meses que incluyen el pico de la crisis, aumentó el stock deempleos formales.

La Encuesta Mensual de Empleo, realizada por el IBGE (InstitutoBrasileño de Geografía y Estadística) hace un muestreo en seis regionesmetropolitanas que representan cerca de la tercera parte del mercado detrabajo brasileño. En doce meses, el número de personas ocupadas cayó de21.171.000 a 21.148.000. El desempleo subió del 7,9% al 8,1% (compa-rando datos de junio/2008 con datos de junio/2009), aunque ha caído enla comparación con Mayo/2009 (8,8% a 8,1%). El empleo formal subióde 9.279.000 a 9.479.000 a lo largo de los últimos doce meses, datos queson coincidentes con el CAGED. Por lo tanto, lo que ha caído ha sido elempleo o la ocupación informal.

La Encuesta de Empleo y Desempleo es realizada por la Fundación Seade-Dieese en la Región Metropolitana de São Paulo (RMSP). Ésta informaque la tasas de desempleo total disminuyó del 14,8% en mayo /2009 al14,2% en junio/2009, tras cinco meses consecutivos en reducción.

El contingente de desempleados se estimó en 1.495.000 personas, 69.000menos en relación a mayo/2009. En un año, el número de empleadosformales estimados por la encuesta subió de 4.129.000 a 4.418.000.

En el corto plazo, los datos confirman el éxito de las políticas anticíclicasimpulsadas por el gobierno federal, que detuvieron la ola de despidos en lasgrandes empresas y ampliaron la oferta de empleos formales, especialmentea causa de las obras del PAC y del empleo público.

En el mediano plazo, confrontando estos datos con el crecimiento de laproductividad y de los sueldos, se verifican por lo menos tres riesgos:

1) el crecimiento del desempleo en el sector informal afecta, a medianoplazo, la situación de los empleos formales;

2) si la productividad crece mucho más que el empleo, resultará mayorconcentración de renta;

3) si el crecimiento del total de empleos es bajo, esto no afectará ni elstock de desempleados, ni absorberá a los que entran en el mercado detrabajo cada año. En otras palabras, lo que hizo el gobierno Lula, en elenfrentamiento de la crisis, es condición necesaria e indispensable, peromucho más tendrá que hacerse para generar un cambio de peso, en elterreno económico y social.

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111Valter Pomar

Los bloques de poder

Los dos grandes bloques político-sociales existentes en Brasil reacciona-ron ante la crisis de formas diferentes. Los partidos neoliberales, el granempresariado y sus portavoces en los medios de comunicación tardaron enreconocer la caída de su “muro”. Y, pasado el estupor, volvieron a presentarsu agenda ortodoxa, centrada en la “reducción del costo Brasil” (menosimpuestos, “gastos” sociales y “costos” laborales).

El efecto práctico de esta política sería procíclico, o sea, agravaría la crisis,teniendo como consecuencia de mediano plazo crear las condiciones parauna retomada del crecimiento, pero por medio de la destrucción de las rique-zas acumuladas en el período anterior, con los costos sociales conocidos.

Desde el punto de vista teórico, la política propuesta por este bloque depoder tiene dos orígenes distintos: el neoliberalismo y el desarrollismo con-servador del sector privado.

En cambio, los partidos y fuerzas sociales progresistas y de izquierda,que constituyen el núcleo del gobierno Lula, reaccionaron a la crisis afir-mando cuatro directrices:

a) si el mercado ha entrado en crisis, más Estado;b) si ha caído la inversión privada, más inversión pública;c) si el mercado externo ha perdido importancia, más mercado interno;d) si la globalización neoliberal ha entrado en colapso, más integraciónregional.Tomadas en conjunto, estas directrices constituyen el puente para el

desarrollismo tout court. Teóricamente hablando, ellas se derivan de las dosvertientes del desarrollismo estatal: el conservador y el democrático.

Los resultados positivos, pero parciales, de las acciones del gobierno Lulase deben, por un lado, al impacto de la crisis; por el otro, a las limitacionesy contradicciones en la acción de propio gobierno, además del comporta-miento del empresariado privado monopolista. Ilustremos estos otros as-pectos de la ecuación:

1) el Banco Central brasileño y el Consejo Monetario Nacional siguencontrolados por sectores vinculados al capital financiero y a las políticas decorte neoliberal. Por consiguiente, el Banco Central resistió todo cuantopudo a bajar la tasa básica de interés (conocida en Brasil como tasa Selic,aplicada a los préstamos interbancarios, el Sistema Especial de Liquidación

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y Custodia) y, pese a las reducciones que ha admitido, sigue manteniéndolaa niveles extremadamente elevados, ya sea si se piensa en las necesidades decrédito de la economía brasileña o en las tasas de interés adoptados en otrospaíses. En julio de 2009, la tasa Selic estaba en 8,75% al año, ocupando elquinto puesto mundial en términos de intereses reales, después de China(7,1%), Hungría (5,6%), Tailandia (5,5%) y Argentina (4,9). Los princi-pales bancos centrales del mundo practican tasas de intereses reales cercanasa cero o negativas;

2) el sistema financiero privado sigue operando a contramano de losintereses del desarrollo productivo nacional, resistiéndose, por ejemplo, a lareducción del spread bancario. En el sector financiero público, alteracionespromovidas recientemente por el presidente de la República han reducidola influencia de los intereses y de la dinámica antidesarrollo y procíclica;

3) el sistema impositivo es regresivo y subgrava las ganancias financie-ras. Al mismo tiempo, la supuesta legislación de “responsabilidad fiscal”obliga a los entes públicos a priorizar el servicio de la deuda financiera,reprimiendo la capacidad de inversión estatal. Asimismo, el andamiaje ju-rídico y burocrático del país todavía corresponde al período de absolutahegemonía neoliberal, ejerciendo un verdadero sabotaje a la estrategia dedesarrollo;

4) la política cambiaria y de comercio exterior sigue estando orientadapor una lógica que ya era cuestionable en el período previo a la crisis yahora mucho más, cuando se hace necesario un proteccionismo de nuevotipo, de naturaleza nacional y regional, a tono además con las nuevas alianzasestratégicas que viene implementado el país;

5) las políticas agraria, agrícola y ambiental siguen subordinadas al agro-negocio, pese a que las nuevas condiciones son más favorables al giro haciala fuerte política de reforma agraria y producción para el mercado interno;

6) la política urbana y todo lo que se refiere a la construcción civil pesada, apesar de la correcta decisión en favor de las inversiones en vivienda, todavíasigue atrapada por la lógica de la alianza público-privado, sin notar que elprotagonismo estatal en el sector no se puede limitar a la financiación, sino quedebe haber involucramiento directo en la construcción de viviendas, hidroeléc-tricas, ferrocarriles, carreteras, puertos y otras áreas de infraestructura;

7) el éxito de varias políticas de transferencia directa de ingreso (bolsafamilia, salario mínimo, jubilaciones, remuneración de los empleados pú-

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blicos federales) convive con intentos de restringir los recursos para la saludy para la educación públicas;

8) la política industrial persigue la ampliación del mercado interno so-bre todo a través del abaratamiento del crédito y de la exención fiscal parala compra de bienes de consumo durables, siendo proporcionalmente tími-das las medidas que apuntan a empujar el mercado interno por medio delcrecimiento del sector de bienes de capital e industrias de alta tecnología;

9) el área externa de gobierno, que ha logrado importantes éxitos políti-cos, es todavía muy convencional en el terreno económico. Es necesarioque Brasil capitanee algo como un “plan Marshall” de inversiones en Amé-rica Latina. Medidas positivas, tales como las negociaciones con Boliviasobre el gas, con Paraguay sobre la energía eléctrica de Itaipu, con Venezue-la sobre el petróleo y con Argentina sobre las tarifas de comercio exterior,aún no han sido integradas en un plan articulado y ofensivo para impulsarla economía continental;

10)la política de generación de empleo es exitosa al contener los efectosde la crisis, pero todavía es tímida frente a las necesidades estructurales delpaís y frente a los impactos futuros de la crisis.

O sea, observando el conjunto de la economía brasileña, lo que vemos esla coexistencia de diferentes políticas: el desarrollismo conservador (tantoprivado como estatal) y el desarrollismo democrático estatal, éste últimotensionado por demandas de naturaleza democrático-popular.

Más allá de la inercia histórica, esta conciliación de orientaciones distin-tas y contradictorias puede ser explicada por dos importantes novedades:

a) desde 1989 y hasta hoy, vivimos el más prolongado período deestabilidad institucional de la historia de Brasil. Teniendo en cuenta cómofunciona el arreglo político brasileño, esta estabilidad tiene como conse-cuencia un proceso lento de decisión de las políticas públicas;b) desde 2003 y hasta hoy, vivimos la primera experiencia de un gobier-no nacional donde partidos de izquierda ocupan puestos centrales dedecisión. Una vez que estos partidos no cuentan con mayoría propia enlos gobiernos municipales y estaduales, en el Congreso Nacional y demásparlamentos de la Federación, en los medios de comunicación, en elempresariado y en las fuerzas armadas, hay una enorme presión en favorde un comportamiento conciliatorio.Además de ello, es necesario recordar lo que ya hemos dicho anterior-

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mente: décadas de hegemonía neoliberal limitaron el horizonte intelectualde los sectores críticos. Esto explica, por ejemplo, la permanencia de algu-nos prejuicios ingenuos sobre:

a) la duración y profundidad de la crisis, como si ella pudiera ser supera-da rápidamente y sin grandes conflictos;b) la baja contaminación de los “emergentes”, como si tuviéramos altainmunidad e inmensa capacidad de superación;c) la confianza en el éxito y en la repercusión positiva, en la periferia, delas medidas anticrisis tomadas por los gobiernos de los países centrales, apesar de que tales medidas estén fundamentalmente permitiendo unasobrevida del modelo anterior;d) la creencia de que los mercados y los gobiernos de los países centrales“aprendieron la lección” y, por lo tanto, no habrá lugar para la guerracomo instrumento de la retomada económica, minimizando el peso actualde la economía de guerra, la dinámica de escalada inconsciente y, prin-cipalmente, los efectos colaterales indeseados, derivados de la restauraciónde un mundo multipolar en los marcos del capitalismo.EscenariosEn donde son gobierno, las fuerzas progresistas y de izquierda enfrentan

por lo menos tres riesgos:a) no realizar alteraciones estructurales, volviéndose cómplicesinvoluntarios del status quo;b) el regreso de la derecha, provocando una desorganización profundaen la izquierda y haciendo de estos gobiernos tan sólo un breve intervaloen una historia conservadora;c) el de que estos gobiernos intenten colaborar en la construcción de unnuevo ciclo histórico, pero sin reunir las condiciones políticas e ideoló-gicas para enfrentar la previsible reacción de las clases dominantes.El gobierno brasileño, al igual que la mayoría de los gobiernos progresis-

tas y de izquierda de América Latina, trató de evitar dichos riesgos a travésde una estrategia, hegemónica entre las fuerzas que lo componen, en elsentido de hacer una transición gradual de modelo.

El éxito de esta estrategia dependía y sigue dependiendo de una difícilecuación: la lentitud y lo contradictorio de las acciones tiende a desgastar alas fuerzas progresistas y de izquierda que ocupan el gobierno. Para evitarque este desgaste produzca un retorno de las fuerzas conservadoras y de

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derecha, es necesario combinar una estrategia económico-social moderada,con una estrategia agresiva de cambio en las instituciones políticas.

En el caso de Brasil, sin embargo, hasta ahora no han tenido éxito losintentos de realizar la reforma política, implantar un verdadero controlexterno del poder judicial y democratizar la comunicación social. Por estarazón, la fuerza y la capacidad de sabotaje de la oposición conservadora sonmucho mayores que su legitimidad social.

A pesar de esto, el presidente Lula fue reelecto en 2006, probablementedebido a las “reservas estratégicas” (el capital político acumulado en más de20 años y las conquistas sociales efectivas proporcionadas por la presenciade la izquierda en el gobierno federal); la memoria negativa dejada por losgobiernos neoliberales; los errores políticos cometidos por nuestrosadversarios, las realizaciones del primer mandato de Lula, la fuerza de lamilitancia popular, además de la línea de campaña adoptada en la segundavuelta de las elecciones presidenciales de 2006, cuando hubo un claro con-fronto entre proyectos políticos.

No se sabe cuál habría sido el resultado de las elecciones de 2006, en unescenario internacional adverso, que potenciara todos los problemas delmodelo heredado y todas las insuficiencias y contradicciones de la estrate-gia de transición lenta, segura y gradual adoptado por el gobierno Lula.Pero es posible decir que la crisis actual reduce el margen de maniobraconciliatoria del gobierno y obliga a las fuerzas progresistas y de izquierdaa acelerar la implementación de una política desarrollista.

La crisis tiene un efecto simétrico sobre el bloque conservador: los secto-res neoliberales se ven obligados a adoptar un perfil más bajo y los sectoresdesarrollistas tienden a ganar más espacio. Aunque su desarrollismo seaprivado y conservador, en las condiciones en las que se entabla la luchapolítica en Brasil, esto puede ser disimulado por la demagogia de la campañaelectoral, especialmente si la crisis produce efectos económicos más severos,por ejemplo, en el empleo, en el crecimiento y en la capacidad de inversiónpública. En este caso, la oposición conservadora intentará culpar al gobier-no y presentarse como la garantía de retomada del crecimiento.

Aunque la situación no se agrave, la actitud de la oposición y la situaci-ón de la economía obliga al gobierno a ser más osado en la opción desarro-llista, actitud que transformaría la elección de 2010 en una confrontaciónentre un desarrollismo conservador y un desarrollo democrático-popular.

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Traducido en términos políticos, el programa de la candidatura de Dil-ma Rousseff tendrá que combinar la defensa de la continuidad de los as-pectos exitosos del gobierno Lula con propuestas de cambio y superación.Sin embargo, la elección de Dilma Rousseff como presidenta es condiciónnecesaria pero no suficiente para dar inicio a un nuevo ciclo en la historiadel país.

Para que esto ocurra, es necesario que el resultado global de las eleccio-nes 2010 sea una derrota para la oposición y que los movimientos de laclase trabajadora asuman un mayor protagonismo social y político,rompiendo los bloqueos institucionales que la oposición de derecha y losaliados de centro-derecha plantean frente a los cambios de sentido demo-crático-popular. Será necesario, también, profundizar la política económi-ca de corte desarrollista. Será necesaria, finalmente, la adopción de políticasde carácter democrático-popular, que apunten a:

a) la democratización profunda del Estado y de la Sociedad, incluyendola reforma política y el fin del control monopolista sobre la comunicaci-ón social;b) ampliar el alcance y la calidad de las políticas públicas para universa-lizar derechos (salud, educación, seguridad pública, servicios ambientales,vivienda, transporte, cultura, comunicación, igualdad racial y étnica, degénero, opción sexual, etc.);c) realizar reformas estructurales (agraria y urbana, por ejemplo), quealteren la matriz social y económica de nuestra sociedad, combinadascon la ampliación del control público sobre el sistema financiero y sobrelas antiguas empresas estatales, que fueron privatizadas en los gobiernosneoliberales;d) crear un modelo económico alternativo, que combine capacidad decrecimiento, innovación, generación de empleo e ingreso, redistribuciónde ingreso y riqueza, uso sustentable y protección de los activosambientales. Es fundamental, en este sentido, la atención estatal para lossectores de alta tecnología, especialmente en los programas aeroespacial,de biotecnología y desarrollo de la energía renovable;e) combinar la soberanía nacional con la cooperación entre los distintospueblos y países que abracen nuestro proyecto de integración continental.

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Conclusión

En América Latina, vivimos una situación histórica en la cual se cruzanla presencia de la izquierda en múltiples gobiernos de la región, la defensivaestratégica de la lucha por el socialismo y una larga y profunda crisis delcapitalismo.

Estas son las variables fundamentales de la situación estratégica común atoda América Latina que hacen posible y, al mismo tiempo, exigen de losdistintos sectores de la izquierda latinoamericana altas dosis de cooperación ycreatividad. Sin lo cual no se conseguirá superar la defensiva estratégica, nise logrará evitar los riesgos derivados de la crisis del capitalismo.

Este texto foi publicado na coleção Cadernos deDebate da Secretaria de Relações Internacionais do PT.

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118 Miscelânea Internacional – 1998-2013

La política externa de Brasil

La política externa del gobierno Lula es un tema acerca del cual existeaguda controversia política y académica.

La oposición de derecha (representada por los grandes medios de comu-nicación y por tres partidos, a saber: Partido de la Social DemocraciaBrasileña – PSDB, Demócratas – DEM y Partido Popular Socialista – PPS)considera que se trata de una política ideológica, inadecuada y contraria alas tradiciones diplomáticas de Brasil.

La oposición de izquierda (Partido del Socialismo y de la Libertad –PSOL, Partido Socialista de los Trabajadores Unificado – PSTU, Partidode la Causa Obrera – PCO) considera que se trata de una política subalter-na a los intereses estratégicos del imperialismo.

Entre los partidos que apoyan al gobierno (Partido de los Trabajadores –PT, Partido Comunista de Brasil – PCdoB, Partido Socialista Brasileño –PSB, Partido Democrático Laborista – PDT, Partido del Movimiento De-mocrático Brasileño – PMDB, Partido Verde – PV, Partido LaboristaBrasileño – PTB, entre otros), más allá de que existen opiniones diversas,en general predomina una evaluación positiva.

En el caso específico del Partido de los Trabajadores, no es exageradodecir que la política externa es una de las acciones de la actual administraciónfederal que goza de mayor apoyo, tanto en la dirección como entre la mili-tancia del PT (lo cual no significa unanimidad, habiendo, por ejemplo,críticas sobre la participación de Brasil en la Minustah, o divergencias so-bre la línea adoptada por Itamaraty en los estertores de la Ronda Doha).

Las divergencias sobre la política externa se han puesto de manifiesto,una vez más, en el debate sobre el golpe en Honduras, especialmente en loque se refiere a la decisión de recibir, como huésped de la embajada brasi-leña de ese país, al presidente legal y legítimo Manuel Zelaya.

Críticos “por izquierda” de la política externa brasileña, como el ensayistaargentino Atilio Borón, han revelado su total perplejidad al escribir sobre eltema sin mencionar una vez siquiera el papel de Brasil, quizá por no saberexplicar cómo puede actuar de manera tan heterodoxa un país supuesta-mente candidato a ser el “Israel de América Latina”.

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En cambio, los críticos “por derecha”, como Roberto Freire (presidentedel PPS) y los senadores Heráclito Fortes (DEM) y Eduardo Azeredo(PSDB), han acusado a Brasil de “injerencia indebida en los asuntos inter-nos de Honduras”. Una crítica de mayor complejidad analítica se pudeencontrar en el artículo “Honduras y el apocalipsis diplomático”, delensayista brasileño Oliveros S. Ferreira.

No pretendemos aquí reseñar la controversia pasada y presente acerca dela política externa brasileña; nos limitamos a presentar una interpretació,que puede servir de guía para el debate de la estrategia y de los dilemas dela política del gobierno Lula en el terreno internacional.

Para alcanzar este objetivo, abordaremos los siguientes temas: a) latrayectoria reciente del país (1980-2009); b) la situación internacional eneste mismo período; c) en particular en América Latina; d) situando en estecontexto a la política externa adoptada por el gobierno Lula (cuyo manda-to se extiende de 2003 a 2010); e) finalizando con un análisis de los dile-mas de la política externa brasileña para el próximo período.

Trayectoria reciente de Brasil

En 1980 se cerró un ciclo de la historia brasileña, iniciado en 1930 ycaracterizado por el rápido crecimiento económico, la industrialización y laurbanización. A partir de los años ochenta tuvo inicio un período de doblecrisis: del modelo económico y de la dictadura militar (1964-1985).

En este contexto, ocurre un intenso crecimiento de la izquierda políticay social, organizada en distintos partidos (Partido de los Trabajadores, Par-tido Democrático Laborista, Partido Socialista Brasileño, Partido Comu-nista de Brasil, Partido Comunista Brasileño etc.) y movimientos sociales(Central Única de los Trabajadores, Movimiento Sin Tierra, Unión Nacio-nal de los Estudiantes etc.), sumamente actuante en el CongresoConstituyente (1986-1988), que obtuvo crecientes votaciones en las elec-ciones municipales, en las elecciones de los estados y principalmente en laselecciones presidenciales de 1989, cuando llevó a Luiz Inácio Lula da Silvaa la segunda vuelta (ballotage).

El crecimiento de la izquierda tuvo su contrapartida en el fortalecimien-to de un polo neoliberal, que venció las elecciones presidenciales de 1989con Fernando Collor de Mello y, de manera más planificada, las eleccionespresidenciales de 1994 y 1998, con Fernando Henrique Cardoso.

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En Brasil, el neoliberalismo no logró aplicar hasta el fin su programa,debido a la oposición nacional, popular y de izquierda, pero también debi-do a resistencias al interior del propio empresariado, oposiciones reforzadaspor la inadecuación entre las políticas neoliberales y las condiciones estruc-turales del país (que figura entre los primeros del mundo en términos deárea, población y Producto Bruto Interno).

A pesar de la oposición, el neoliberalismo introdujo cambios profundosen la sociedad brasileña, entre los cuales podemos destacar:

a) la ampliación de la presencia del capital extranjero y de las llamadas“vulnerabilidades externas”;b) la concentración del sector financiero y bancario;c) el debilitamiento de los sectores empresariales de mediano y pequeñoporte, especialmente los vinculados al mercado interno;d) el fortalecimiento de un sector minoritario, pero muy influyentepolíticamente, de asalariados de altos ingresos, vulgarmente conocidoscomo “clase media alta”;e) el crecimiento de la franja de trabajadores de bajos ingresos y vincula-dos al sector informal de la economía, que algunos autores denominanel “pobretariado”;f ) la ampliación del desempleo estructural y, en general, del ejército dereserva de fuerza de trabajo;g) el debilitamiento de varias dimensiones del Estado brasileño, condestaque para las privatizaciones de empresas estatales y el combate sis-temático, por parte de los gobiernos neoliberales, a las directricesadoptadas por la Constitución de 1988.Los efectos económicos y sociales de las políticas neoliberales, el desgaste

de ocho años de gobierno Cardoso, las disidencias de un sector del empre-sariado, sumados a la acumulación de fuerzas ideológica, social y electoralde la izquierda brasileña, especialmente alrededor del Partido de los Traba-jadores y de la candidatura de Lula (que disputó y perdió las eleccionespresidenciales de 1989, 1994 y 1998), crearon las condiciones para que lasfuerzas de izquierda vencieran las elecciones presidenciales de octubre de2002.

Lula se elige presidente de Brasil basado en un programa de “transición”del neoliberalismo hacia un capitalismo “productivo”. Se trataba de supe-rar las causas y efectos de la “década perdida” de los años 1980 y de la

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década neoliberal de los años 1990, que habían provocado la reducción dela dimensión productiva y planificadora del Estado y resultado en unainserción subordinada en la llamada globalización y en la ampliación de ladesigualdad social, profundizando las características fundamentales de lasociedad brasileña (dependencia, desigualdad y conservadurismo) y blo-queando el dinamismo económico desarrollista, que durante décadas sirvióde “válvula de escape” para las inmensas contradicciones sociales brasileñas.

De 2003 a 2005, el gobierno Lula adoptó una estrategia de transiciónbasada en la conciliación con los presupuestos neoliberales. A continuación,adhirió progresivamente al desarrollismo, anunciado en la segunda vueltade las elecciones presidenciales de 2006, cristalizado en el Plan de Aceleracióndel Crecimiento (PAC) lanzado en 2007 y reforzado en el anuncio delmarco regulatorio del Pre-Sal, en 2009.

Los resultados obtenidos tras casi siete años de gobierno Lula son rele-vantes y señalan la posibilidad de que Brasil viva un nuevo ciclo largo decrecimiento, similar al de 1930-1980.

La materialización y la naturaleza de este nuevo ciclo dependerán, sinembargo, del resultado de la disputa política, en especial de las eleccionesde 2010. En otras palabras: la victoria en las elecciones presidenciales, aunqueno sea condición suficiente, es condición necesaria para que se concreteeste nuevo ciclo.

De ser Dilma Rousseff, actual ministra de la Casa Civil de Lula, la pró-xima presidenta de la República, existen grandes posibilidades de que Bra-sil supere la hegemonía neoliberal (que todavía constriñe al gobierno y alconjunto de la sociedad), además de superar el período de crisis del modelo(iniciado en 1980). Todo ello enmarcado en una situación internacionalcompletamente distinta de la vigente durante la mayor parte del siglo XX.

La situación internacional

Alrededor de 1980 tuvo inicio, embanderada por el presidente estadou-nidense Ronald Reagan y por la primera ministra británica MargaretThatcher, la operación económica, política y militar conocida hoy como“neoliberalismo”.

Concebido inicialmente como una protesta contra las tendencias supu-estamente socialistas del Estado de bienestar social, el neoliberalismo sólo

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se hizo hegemónico entre los capitalistas de Europa y de los Estados Uni-dos después de la gran crisis de los años 1970.

La década de 1980 es de ofensiva neoliberal, simultáneamente contracuatro adversarios:

a) el desarrollismo latinoamericano;b) los movimientos de descolonización e independencia nacional;c) la socialdemocracia europea;d) el comunismo soviético.Es importante decir que, en aquel momento, una victoria del neolibera-

lismo estaba lejos de ser inevitable o fácilmente previsible.En 1974-1975, la socialdemocracia controlaba los gobiernos de Gran

Bretaña, Alemania Occidental, Austria, Bélgica, Holanda, Noruega, Di-namarca, Suecia y Finlandia.

En el mismo bienio, tuvo curso la liberación de las colonias portuguesasde África y la Revolución de los Claveles en la metrópoli. En 1975, se con-cluía la guerra de Vietnam. En 1979, triunfaban las revoluciones en Irán y enNicaragua, al mismo tiempo que la guerra de guerrillas seguía fuerte en variosotros países de América Latina, tales como El Salvador, Guatemala y Colom-bia. A principios de los años 1980, la socialdemocracia asumía el control delos gobiernos de Francia, Italia, Grecia, España y Portugal.

Es cierto que datan también de esta época las inmensas contradiccionesy dificultades del llamado campo socialista. Ejemplos de ello son la guerrade Afganistán, los conflictos de frontera entre Vietnam y Camboya, elenfrentamiento entre China y la Unión Soviética, las reformas “de merca-do” impulsadas por Deng Xiao Ping y el Solidarnosc en Polonia.

Pero predominaba todavía, en aquel momento, la idea de que tales pro-blemas se solucionarían a través de una auto-reforma del socialismo. En elcaso soviético, el proceso de glasnost y perestroika tuvo inicio justamente amediados de los años 1980, con la elección de Mikhail Gorbachev comosecretario general del Partido Comunista de la Unión Soviética.

Por lo tanto, en el principio, el neoliberalismo era tan sólo una de lasvarias tendencias de la coyuntura internacional. Socialdemócratas, comu-nistas, nacionalistas y desarrollistas poseían (o parecían poseer) la fuerzasuficiente para imponer otro camino al mundo. Hoy sabemos que todasaquellas corrientes políticas fracasaron en el enfrentamiento de la “grancrisis” de los años 1970.

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Los países libertos de la opresión colonial fueron nuevamente subordi-nados a los intereses metropolitanos (siendo común incluso el empleo deltérmino “recolonización”). Los países que se “desarrollaron” tras la Segun-da Guerra pasaron a experimentar cierta regresión. Las conquistas obtenidaspor la clase trabajadora en los países capitalistas centrales, materializadas enel llamado Estado de bienestar social, fueron atacadas. Y el desmantelami-ento del llamado campo socialista abrió una nueva frontera de expansiónpara el capitalismo, incorporando al mercado mundial una enorme masade trabajadores, impactando fuertemente, para peor, las condicionesgenerales de empleo y salario.

El retroceso generalizado de las posiciones conquistadas por la izquierdaestuvo acompañado de transformaciones en el funcionamiento del capita-lismo y en las condiciones de vida de las clases trabajadoras, tales como lareducción del campesinado, la ampliación de las relaciones asalariadas(“proletarización”) vis a vis la pérdida de peso relativo de la clase operariaindustrial strictu sensu. Todos estos fenómenos tuvieron durísimos efectossobre los partidos de izquierda y sobre otras formas de organización de laclase trabajadora, como los sindicatos.

Unos de los efectos más perniciosos se dio en el terreno ideológico. Enpalabras de Beverly Silver: “la creencia de que no había otra alternativatuvo efecto particularmente desmovilizador en los movimientos obreros.(...) la propia ‘idea de poder’ es una fuente importante del poder de lostrabajadores. Todas las movilizaciones del siglo pasado fueron alimentadaspor la creencia de que los obreros tienen poder y, más que eso, de que supoder puede usarse para efectivamente mejorar sus condiciones de trabajoy de vida. Lo que hizo la globalización, más que cualquier otra cosa (...),‘fue invalidar esa creencia secular en el poder de los trabajadores’ y crear unambiente discursivo que desinfló dramáticamente la moral política popu-lar y las ganas de luchar por los cambios”.

La desmoralización fue aun más profunda porque los primeros intentosde construcción del socialismo parecían haber desmoronado debido al pesode sus propias contradicciones: la debacle política estuvo acompañada deuna derrota social, ideológica y teórica de enormes proporciones, teniendocomo resultado, además, un cambio brutal del equilibrio de fuerzas military geopolítico prevaleciente desde 1945.

Antes de 1917, el capitalismo competía con otras formas de organizaciónsocial; a partir de la Revolución Rusa, el capitalismo pasó a enfrentar la

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competencia de algunos intentos de construir una sociedad poscapitalista;tras la Segunda Guerra, el conflicto capitalismo versus socialismo llegó adefinir los marcos de la política mundial. Pero el siglo XX termina con elcapitalismo triunfante y con el anticapitalismo en su momento de mayorfragilidad.

La ofensiva de los años 1980 obtuvo su principal victoria justamente enel período que va desde la caída del Muro de Berlín hasta la disolución dela Unión Soviética (1989-1991).

Los años 1990 inauguraron un período de hegemonía capitalista sinparangón en la historia, con tres dimensiones: a) en la ideología, el neolibe-ralismo; b) en la economía, el peso de la valorización financiera del capital;c) en la política, la hegemonía de los Estados Unidos.

Como muchas veces ocurre en la historia, el auge del neoliberalismocoincide con las señales de su declinación. Después de la ofensiva de losaños 1980 y del triunfo de los años 1990, la primera década del siglo XXIes de agotamiento y crisis: de la ideología neoliberal, de la especulaciónfinanciera y de la hegemonía unipolar.

América Latina, verdadero laboratorio del neoliberalismo, será tambiénel laboratorio de los primeros experimentos post neoliberales.

Nuestra América

En los años 1980, gran parte de América Latina se encuentra inmersa enun doble proceso: la crisis de la deuda externa y la crisis de las dictadurasmilitares.

La crisis de la deuda fue resultado de la combinación entre: a) la ofertade créditos baratos, pero con intereses flotantes; b) préstamos para financi-ar un patrón de desarrollo que amplió las vulnerabilidades externas; c) laelevación de los intereses, desencadenada por el FED, teniendo como re-sultado el crecimiento desmesurado del servicio de la deuda externa de lospaíses latinoamericanos.

La incapacidad de generar divisas necesarias para servir tales deudas de-semboca en moratorias (técnicas, parciales, generales), renegociaciones conla banca privada, búsqueda de préstamos ante el FMI, condicionados aprogramas de reestructuración de tipo neoliberal (apertura comercial,privatizaciones, reducción de los “gastos” sociales etc.).

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La crisis de la deuda deterioró las condiciones económicas y sociales dela región, acelerando el proceso de desgaste de las dictaduras militares, queen los años 1960 y 1970 fueron la respuesta político-institucional preferentedada por las clases dominantes locales y por los Estados Unidos a cualquieramenaza a sus intereses.

Las dificultades y desgastes alcanzan también a aquellos países que novivieron golpes ni dictaduras, como es el caso de México (afectando alPartido Revolucionario Institucional, cuya prolongada hegemonía fue de-nominada por algunos como “la dictadura perfecta”).

La combinación entre las dos crisis (de las dictaduras y de la deuda exter-na) generó movimientos contradictorios: por un lado, la ampliación de lasdemandas populares por mejores condiciones de vida; por otro lado, elempeoramiento de las condiciones macroeconómicas y de la capacidad deejecución de políticas públicas por parte del Estado.

De esta doble dinámica resultaron combinaciones variadas, en cada paísde la región. En el caso de Brasil, por ejemplo, la “década perdida” desde elpunto de vista económico también fue una década de conquistas parcial-mente materializadas en la Constitución de 1988, cuyas limitaciones fue-ron denunciadas por el Partido de los Trabajadores, pero cuyos avancesdejaban al país “ingobernable”, según expresión del entonces presidente dela República José Sarney.

Frente a esta doble presión, sumada a las alteraciones conservadoras encurso en la situación internacional, sectores cada vez más amplios de lasclases dominantes locales adhieren al neoliberalismo. Con la victoria deCollor (1989) y Fernando Henrique Cardoso (1994), el proceso de rede-mocratización es fuertemente constreñido por las políticas del Consenso deWashington.

El mismo proceso – una redemocratización limitada, “restringida” – tam-bién ocurre en otros países de la región. En los años 1990, la mayor parte deAmérica Latina se encuentra sometida a gobiernos que, con distintas veloci-dades e intensidades, implementan programas de orientación neoliberal.

La principal excepción, si no la única, es Cuba, que no obstante es forzadaa hacer su propio “ajuste”, a causa del colapso de la Unión Soviética, conocidocomo “período especial”.

Tomado en conjunto, el resultado fue: a) un retroceso del proceso deindustrialización ocurrido en la región desde los años 1930; b) la ampliaci-

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ón de las ya inmensas vulnerabilidades externas; c) el recrudecimiento de ladesigualdad social; d) la agudización de los conflictos y la inestabilidadpolítica.

En América Latina, la oposición al neoliberalismo combinó diferentesformas de lucha: a) movilización social; b) distintos niveles de articulacióncontinental, de los que son ejemplos el Foro de São Paulo y el Foro SocialMundial; c) la disputa de elecciones y el ejercicio de gobiernos a nivelnacional, subnacional y local.

Esta oposición se vio beneficiada por la desatención relativa de los Esta-dos Unidos para con su “patio trasero”; y logró capitalizar los efectos nega-tivos del neoliberalismo, incluso sobre los partidos de derecha. El resultadofue una progresiva acumulación de fuerzas por parte de la izquierda quegeneró, desde 1998 (Hugo Chávez) hasta 2009 (Mauricio Funes), una olade victorias en las elecciones para el gobierno nacional en varios países deAmérica Latina.

A los gobiernos resultantes de esta ola, se suman, además:a) el gobierno de Cuba, resultante de la revolución de 1959;b) el gobierno de Chile, resultante del proceso de democratización inici-ado con la derrota plebiscitaria de Pinochet;c) gobiernos originalmente dirigidos por presidentes conservadores quedecidieron aliarse al bloque progresista y de izquierda hegemónico en laregión (un ejemplo destacado de este caso es el presidente Manuel Zalaya,de Honduras).Todos estos gobiernos deben enfrentar tres grandes problemas:a) la “herencia maldita” recibida del neoliberalismo, de las dictaduras,del desarrollismo conservador y hasta del pasado colonial (como enBolivia);b) la oposición de las clases dominantes locales, que cuestionan inclusola legitimidad y el carácter democrático de gobiernos que busquen alte-rar los niveles absurdos de concentración de riqueza e ingreso;c) la influencia de los intereses metropolitanos, europeos y estadouni-denses, sobre la política, los mercados y las riquezas nacionales.En los dos sentidos, en lo enfrentamiento de los tres problemas, Brasil

juega un papel muy importante.

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127Valter Pomar

La política externa del gobierno Lula

Diferentemente del gobierno Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),que implementó el neoliberalismo en Brasil y se alió a sus promotores en elmundo, el gobierno Lula nació de la oposición al neoliberalismo y adoptó,progresivamente, una estrategia de superación desarrollista del mismo.

Las diferencias entre los dos gobiernos se vieron obscurecidas, por algúntiempo, especialmente por la continuidad de una política monetaria orto-doxa, personificada por Henrique Meirelles, presidente del Banco Centralbrasileño. Pero, en el ámbito de la política externa, las diferencias siemprefueron muy visibles. A rigor, podemos decir que la política externa anticipóel movimiento progresista realizado por el conjunto del gobierno Lula,estando desde el principio bajo la hegemonía de concepciones fuertementecríticas al neoliberalismo y a la hegemonía de los Estados Unidos.

Colaboró para esto la existencia, en el Itamaraty, de una corriente naci-onalista, desarrollista y pro integración regional, cuyas principales figurasde liderazgo son precisamente el canciller Celso Amorim y el secretariogeneral Samuel Pinheiro Guimarães.

Contribuyó también la militancia internacionalista del Partido de losTrabajadores y del presidente Lula, expresada en la creación de una asesoríaespecial del presidente de la República encabezada por Marco Aurélio Garcia,actualmente uno de los vicepresidentes nacionales y durante muchos añossecretario de relaciones internacionales del PT.

Fueron favorables, asimismo, para conformar la política externa, las ca-racterísticas geopolíticas del país, el porte de sus grandes empresas y ciertastradiciones de la diplomacia brasileña, incompatibles con el molde estrechoconcebido para nosotros por el neoliberalismo.

La política externa del gobierno Lula se desarrolló en los marcos de unasituación mundial que podríamos resumir como de crisis & transición: a)crisis del ideario neoliberal, en un momento en que el pensamiento críticotodavía se recupera de los efectos de más de dos décadas de defensiva polí-tico-ideológica; b) crisis de la hegemonía estadounidense, sin que haya unhegemon sustituto, lo que estimula la formación de bloques regionales yalianzas transversales; c) crisis del actual patrón de acumulación capitalista,sin que esté visible cuál será la alternativa sistémica; d) crisis del modelo dedesarrollo conservador & neoliberal en América Latina y en Brasil, estando

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en curso la transición hacia un post-neoliberalismo cuyos trazos se definirána lo largo de la propia marcha.

En otras palabras, una situación en la que los modelos antes hegemóni-cos están en crisis, sin que hayan emergido claramente los modelos sustitutos.

Un elemento central de esta situación mundial es la crisis del capitalis-mo neoliberal, en la cual convergen: a) una crisis clásica de acumulación;b) el agotamiento de la “capacidad de gobernanza” de las instituciones deBretton Woods; c) los límites del consumo insostenible de la economíaestadounidense; d) la dinámica de la especulación financiera.

Estas variables señalan el advenimiento de un período más o menosprolongado de inestabilidad internacional, además del surgimiento de “so-luciones” intermedias, temporales e ineficaces.

En el corto y mediano plazos, la inestabilidad está vinculada a la crisisdel capitalismo neoliberal y a la decadencia de la hegemonía norteamerica-na. En el largo plazo, corresponde a la creciente contradicción entre la“globalización” de la sociedad humana versus el carácter limitado de lasinstituciones políticas nacionales e internacionales.

Estas tres dimensiones de la inestabilidad hacen que sea más urgente y,al mismo tiempo, más difícil construir alternativas. El viejo modelo nofunciona adecuadamente, pero sigue inmensamente fuerte, mientras losnuevos modelos económicos y políticos están surgiendo, pero todavía nologran imponerse.

En este contexto se desarrolla, por lo tanto, la política externa del gobi-erno Lula, que respeta, en primer lugar, los parámetros establecidos por laConstitución de la República Federativa de Brasil, aprobada en 1988, cuyoartículo 4o afirma que la “República Federativa de Brasil se rige en susrelaciones internacionales por los siguientes principios”: “independencianacional; prevalencia de los derechos humanos; autodeterminación de lospueblos; no intervención; igualdad entre los Estados; defensa de la paz;solución pacífica de los conflictos; repudio al terrorismo y al racismo; coo-peración entre los pueblos para el progreso de la humanidad; concesión deasilo político”.

El “párrafo único” del mismo artículo 4° afirma además que “la Repú-blica Federativa de Brasil buscará la integración económica, política, socialy cultural de los pueblos de América Latina, apuntando a la formación deuna comunidad latinoamericana de naciones”.

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Basado en estos parámetros constitucionales, el gobierno Lula hizo de supolítica externa un importante instrumento para alcanzar, entre otros, lossiguientes objetivos: a) desarrollo nacional, integración regional y reducci-ón de las vulnerabilidades externas; b) fortalecimiento del papel del Estado,incluso en términos de Defensa de las fronteras marítimas y terrestres, condestaque para la Amazonía legal; c) ampliación del papel internacional delpaís, por ejemplo, obteniendo la condición de miembro permanente delConsejo de Seguridad de la ONU, incidiendo en la reforma de las institu-ciones multilaterales, consolidando relaciones con otros grandes Estadosperiféricos, evitando acuerdos subalternos e apostando fuertemente a laintegración regional.

Veamos de forma más detallada, aunque sea superficialmente, algunasacciones y directrices internacionales de nuestra política externa, señalandodilemas presentes y futuros.

Multilateralismo

En la segunda mitad del siglo pasado, la política externa brasileña sedesarrolló en dos grandes escenarios: la “bipolaridad” y la “unipolaridad”,ambos imponiendo límites y constreñimientos a un gran Estado periféricocomo Brasil.

En los últimos años, especialmente a partir de la crisis internacional de2008, la “unipolaridad” fue siendo remplazada por la “multipolaridad”.Pero, tal como en los dos escenarios anteriores, las grandes potencias siguenconcentrando un inmenso poder económico, militar y político.

Un fuerte aspecto de esta concentración de poder es el militar: el presu-puesto de los Estados Unidos responde, solo, por mitad de los gastos mili-tares totales de los principales países del mundo.

Las potencias utilizan su poder para: a) retardar o incluso evitar refor-mas que democraticen las instituciones; b) crear instituciones e imponeracuerdos que consoliden su propia hegemonía.

Hay, en este sentido, un oligárquico hilo de coherencia entre elvaciamiento de la Asamblea General de la ONU, la violación de ciertasgarantías del Derecho Internacional, la ampliación del radio de acción de laOTAN, la concentración de poderes en el Consejo de Seguridad y la insti-tucionalización de hecho del G20.

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En los tres escenarios mencionados (“bipolaridad”, “unipolaridad”, “mul-tipolaridad”), predominó en la política externa brasileña el deseo de ampli-ar el margen de maniobra del país, gran Estado periférico (área de 8,5millones de metros cuadrados, 15 mil kilómetros de frontera con diez paí-ses, 9 mil kilómetros de costa atlántica, cerca de 200 millones de habitan-tes, integrante de la lista de mayores PBIs etc.).

El gobierno Fernando Henrique Cardoso, al contrario, estuvo signadopor una política externa de reducción de nuestro margen de maniobra.

En este sentido, podemos decir que el gobierno Lula recuperó una de lastradiciones de la diplomacia brasileña, enfatizando:

a) la integración regional;b) el diálogo con otros grandes Estados periféricos;c) la ampliación de la presencia y de las relaciones, incluso comerciales,de Brasil en el mundo;d) la reforma de la ONU, del Fondo Monetario Internacional, BancoMundial y otras instituciones del sistema Bretton Woods;e) la reivindicación de un asiento permanente para Brasil en el Consejode Seguridad de las Naciones Unidas;f ) la protección de los intereses nacionales, en las instituciones de nego-ciaciones multilaterales (por ejemplo, el ALCA, OMC y TNP).Dichos énfasis dados por el gobierno Lula pueden resumirse en el concepto

“Sur-Sur”.La crisis internacional de 2008 confirmó el acierto de esta política y

amplió aun más el radio de acción internacional de Brasil, lo que quedaclaro por el espacio conquistado en instituciones formales o informales,como es el caso del G20 (ex G8).

Con respecto a esto, es importante comprender la novedad, impulsadapor la crisis, de la sustitución del G8 por el G20, su composición y susauto-atribuciones. Dentro de ello, el rol jugado por Brasil, que, sin disponerde un asiento permanente en el Consejo de Seguridad, viene paulatina-mente ganándose un reconocimiento internacional compatible de hechocon este status.

Es importante tener en claro que la política externa brasileña no tienecomo objetivo sustituir, sino convivir en mejores condiciones con un siste-ma internacional profundamente inestable, desigual y concentrador de poder.

Eso se ha buscado a través de dos movimientos: a) por un lado, la “de-mocratización” de las instituciones internacionales; b) por otro lado, el

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intento de obtener voz activa para Brasil (y, por medio de Brasil, para laregión) en todos los espacios formales e informales de poder.

Este segundo movimiento implica, participar, aunque cuestionando ladesigualdad y concentración de poder, de las instituciones en las que seconcentran las decisiones, incluso cuando ello significa asumir compromisos.

Los dos movimientos a veces son contradictorios entre sí, pues los interesesde Brasil no siempre coinciden con los intereses nacionales de sus aliados(demás Estados periféricos y otros países, incluso los de la región).

Además, la política externa del gobierno Lula también expresa las con-tradicciones derivadas de su composición pluriclasista. Esta problemáticaquedó evidenciada en la etapa final de la Ronda Doha, que se vio agrava-da, en aquella circunstancia, por la apuesta hecha por los negociadoresbrasileños, que contra todas las evidencias parecían creer que era posible“salvar” la Ronda y que era mejor algún acuerdo, aunque malo, que ningúnacuerdo.

Dicha postura causó estremecimientos al interior del G20 –en este casoaquél formado en agosto de 2003, que reunía países responsables por el26% de las exportaciones agrícolas mundiales, tales como Sudáfrica, Egipto,Nigeria, Tanzania, Zimbabwe, China, Filipinas, India, Indonesia, Pakistán,Tailandia, Argentina, Bolivia, Brasil, Chile, Cuba, Ecuador, Guatemala,México, Paraguay, Perú, Uruguay y Venezuela.

De cualquier forma, la crisis internacional de 2008 hizo aun más legíti-ma y urgente la reforma de las instituciones internacionales.

Muchas regiones del planeta, empezando por los Estados Unidos y Eu-ropa, siguen experimentando la retracción del empleo, la caída de la pro-ducción, de la renta interna y del comercio internacional. Por otro lado,según el G20, “las condiciones para una recuperación de la demanda priva-da no están totalmente dadas”, lo que significa decir que el endeudamientopúblico sigue siendo fundamental para mantener el nivel de funcionami-ento de la economía, ampliando los cuestionamientos sobre los efectos fu-turos de estos déficit millonarios.

A pesar de ello y de seguidas declaraciones y comunicados, los organis-mos internacionales, el sistema financiero y los gobiernos centrales retardano incluso ignoran la necesidad de adoptar medidas estructurales contra lascausas de la crisis. El motivo de esta postura es obvio: un combate efectivoa las causas de la crisis tendría como subproducto el debilitamiento de

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mecanismos que son tremendamente funcionales a la condición hegemó-nica de las potencias.

En gran medida, esto explica la lentitud y la modestia de las medidasadoptadas desde el estallido de la crisis. Sirven de ejemplo los compromisosasumidos en la reunión del G20 realizada en Pittsburgh en septiembre de2009 acerca de las cuotas del Banco Mundial y del Fondo Monetario Inter-nacional.

Brasil, apoyado por Rusia, India y China, ha pedido la alteración de lascuotas en favor de los Estados periféricos, cambiando composición y reglasque todavía corresponden, en lo fundamental, a la correlación de fuerzasresultante de la Segunda Guerra.

En general, la diplomacia brasileña ha participado activamente de ladiscusión de las medidas anticrisis, de reforma de las instituciones interna-cionales y del patrón económico. Tales medidas son reconocidamente limi-tadas y parciales, teniendo como objetivo evitar un colapso generalizado,que tendría efectos catastróficos en la “periferia” del mundo.

Brasil también manifestó opinión sobre la necesidad de una nueva monedainternacional, al igual que lo hicieron China y otros países.

Claro está que alterar el status del dólar exige, más allá de las compleji-dades técnicas, una profunda subversión de la correlación de fuerzas mun-dial, motivo por el cual no se trata de una cuestión para la que haya soluciónde corto plazo.

Pero el hecho de poner el tema en debate revela, además de la insatisfaccióncon la ya declinante hegemonía estadounidense, la creciente preocupacióncon la sustentabilidad de los déficit de la potencia, ampliados por la inyecciónmillonaria hecha para evitar la bancarrota.

Además de colaborar con la discusión sobre una nueva “arquitectura”política y financiera mundial, Brasil desarrolla una intensa política de coo-peración entre los grandes Estados periféricos, a través de una diplomaciaconocida como “de geometría variable”, especialmente con China, Rusia ySudáfrica (BRIC e IBSA), en un intento de crear lazos económicos, soci-ales, políticos, militares e ideológicos que permitan la convivencia, sinsubordinación o dependencia, con la (a mediano plazo) decadente hege-monía de los Estados Unidos y de la Unión Europea.

El IBSA se formalizó en 2003, como “Foro de Diálogo” entre India,Brasil y Sudáfrica. Entre sus objetivos, destacamos los siguientes:

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133Valter Pomar

a) “respeto a las reglas del Derecho Internacional, del fortalecimiento dela Organización de las Naciones Unidas y del Consejo de Seguridad yprioridad al ejercicio de la diplomacia como medio para el mantenimientode la paz y de la seguridad internacionales”;b) “reformar la Organización de las Naciones Unidas, en particular elConsejo de Seguridad, aumentar la eficiencia de la Asamblea General ydel Consejo Económico y Social de las Naciones Unidas”;c) “nuevas amenazas a la seguridad deben ser enfrentadas por medio deuna cooperación internacional eficaz, articulada y solidaria, en las orga-nizaciones competentes y sobre la base del respeto a la soberanía de losEstados y al Derecho Internacional”;d) “dar mayor impulso a la cooperación” en áreas como biotecnología,fuentes alternativas de energía, espacio exterior, aeronáutica, informáti-ca, agricultura, defensa, transporte, aviación civil, comunicación e in-formación, incluyendo tecnologías digitales;e) empeño en la agenda ambiental e “implementación efectiva de laConvención sobre Diversidad Biológica, en especial de los derechos delos países de origen sobre sus propios recursos genéticos, además de laprotección del conocimiento tradicional asociado”;f ) “que los resultados de la ronda de negociaciones comerciales en cursocontemplen especialmente la reversión de las políticas proteccionistas yprácticas conducentes a distorsiones del comercio, mediante la mejorade la reglas del sistema multilateral de comercio”;g) “articular sus iniciativas de liberalización comercial”;h) “hacer que la arquitectura financiera internacional sea receptiva aldesarrollo y aumentar su eficiencia para prevenir y lidiar con crisis finan-cieras nacionales y regionales” (www.mre.gov.br).Los BRIC, en cambio, no constituyen un grupo formalizado, aunque

en junio de 2009 ocurrió ya una reunión entre los jefes de Estado de estoscuatro grandes Estados: Brasil, Rusia, India y China.

El gobierno Lula viene ampliando los contactos políticos, comerciales yde inversiones, en la región latinoamericana, pero también en Asia, MedioOriente y África, esta última considerada como una de las prioridades de lapolítica externa brasileña.

En este caso, como en otros, se echó mano activamente de la diplomaciadirecta. El presidente Lula visitó personalmente más de quince Estados

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africanos (San Tomé y Príncipe, Angola, Mozambique, Namibia, Sudáfri-ca, Egipto, Libia, Gabón, Cabo Verde, Camerún, Nigeria, Gana, Guinea-Bissau, Senegal, Argelia, Benin y Botsuana) y creció la representación di-plomática brasileña en el continente.

También creció la representación diplomática de países africanos en Bra-sil. Se realizaron dos cumbres entre América del Sur y África, la más recienteen septiembre de 2009.

También implicando al continente africano, tuvo continuidad la Co-munidad de los Países de Lengua Portuguesa, creada en 1996, que reúne aBrasil, Portugal, Timor Oriental, Guinea-Bissau, Cabo Verde, Santo Toméy Príncipe, Mozambique y Angola.

Criticado por la oposición por inútil, dispersivo e ideológico, este esfuerzomultilateral ha colaborado para la ampliación y diversificación del comer-cio internacional de Brasil.

En esta misma orientación, el país ha incrementado la actuación y dis-putado la dirección de varios organismos internacionales y articulaciones.Ejemplos recientes de ello son: a) la creación del G20, que actuó en elámbito de las negociaciones de la Organización Mundial del Comercio; b)la I Conferencia de Jefes de Estado de América del Sur – Países Árabes; c) elIBSA, que reúne a Brasil, India y Sudáfrica.

En todas las oportunidades, el gobierno brasileño viene defendiendo posi-ciones afinadas con las orientaciones tradicionales de la diplomacia brasileña–como el multilateralismo y la paz– cada vez más reforzadas por la explícitadisposición de preservar y ampliar el margen de maniobra de Brasil.

Cabe destacar la oposición de Brasil a la guerra de los Estados Unidoscontra Iraq; las posiciones defendidas por Brasil en la Comisión y ahoraConsejo de Derechos Humanos de la ONU, incluso en casos controverti-dos como el de Sudán; la defensa del derecho al desarrollo de tecnologíapara el uso pacífico de la energía nuclear; la postura frente a los ataques deIsrael contra el territorio palestino; la contribución para una solución pací-fica de las controversias que implican a Irán y Corea del Norte.

Objetivamente, la política externa del gobierno Lula hace que Brasilcompita con los Estados Unidos. Comparada con la de otras potencias, esuna competencia de baja intensidad, incluso porque la doctrina oficial deBrasil es de convivencia pacífica y respetuosa (“cooperación franca” y“divergencia serena”) con los Estados Unidos.

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Pero, justamente por darse en el entorno inmediato de la potencia, lacompetencia con Brasil cobra una inmensa importancia geopolítica y poseeun potencial para, a mediano plazo, constituirse en una amenaza para losEstados Unidos.

Esto se confirma indirectamente al verificar que, aun tras archivar elÁrea de Libre Comercio de las Américas y a pesar de la promesa de unanueva política para América Latina, la administración Obama y el aparatode Estado mantuvieron la política de acuerdos bilaterales y de exhibiciónde fuerza bruta (IV Flota, bases en Colombia, golpe en Honduras,reafirmación del bloqueo contra Cuba).

En este marco se viene entablando el debate sobre la renovación delequipamiento de las Fuerzas Armadas brasileñas, el submarino de propulsiónnuclear y la compra de aviones de combate de la industria bélica francesa.

Integración regional

El gobierno Lula no es sólo parte integrante, sino fuerte protagonista dela ola de victorias electorales progresistas y de izquierda ocurrida en Améri-ca Latina entre 1998 y 2009.

Además, el gobierno Lula ha adoptado a la integración regional como suprincipal objetivo de política externa y busca acelerar la institucionalizaci-ón de la integración regional, reducir la injerencia externa, las desigualda-des y asimetrías, ya sea para actuar internacionalmente como bloque, yasea para aprovechar mejor las potencialidades de América del Sur.

Coexisten en el continente americano cuatro “patrones” de integración:a) el de la subordinación a los EEUU, expresado en el finado Acuerdo deLibre Comercio de las Américas y en los tratados bilaterales de “LibreComercio”;b) los acuerdos subregionales, como el Mercosur (Brasil, Argentina, Uru-guay y Paraguay) y el Pacto Andino (Bolivia, Colombia, Ecuador y Perú);c) el Alba, Alternativa Bolivariana para las Américas (integrada por Ve-nezuela, Cuba, Bolivia, Nicaragua, entre otros);d) la Unasur, Unión de Naciones Sudamericanas (integrada por Brasil,Argentina, Uruguay, Paraguay, Bolivia, Colombia, Ecuador, Perú, Chi-le, Guyana, Suriname y Venezuela).El gobierno Lula se opuso de hecho a la constitución de un Área de

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Libre Comercio de las Américas, por entender que el acuerdo resultaría enuna anexación, en los hechos, de la economía brasileña por parte de laeconomía estadounidense.

La experiencia del NAFTA (North America Free Trade Area, entre Ca-nadá, EEUU y México) y sus efectos sobre México, entre los cuales lacatastrófica expansión del crimen organizado, confirman la corrección dela política brasileña.

Por motivos similares, el gobierno brasileño ha resistido a las presionespor firmar un tratado de comercio con la Unión Europea. Y ha defendidola primacía de la asociación regional sobre los acuerdos bilaterales, inclusoporque ésta crea mejores condiciones para la negociación con otros países ybloques existentes en el mundo.

Los acuerdos subregionales, entre los cuales el Mercosur, tienen ya unalarga historia. Durante la década neoliberal, todos estos acuerdos y susinstituciones fueron adaptados a los vigentes, o sea, fueron vistos comopasos intermedios para la futura adhesión al Área de Libre Comercio de lasAméricas.

Parte de las dificultades enfrentadas en el Mercosur, por ejemplo, serelacionan con esta distorsión neoliberal de un proyecto que, en sus orígenes,preveía la convergencia de políticas de desarrollo.

Con este espíritu de convergencia de políticas de desarrollo, y de ampliaintegración cultural y política, el gobierno Lula ha trabajado para mantenerel Mercosur y cooperar con los demás acuerdos subregionales.

Al mismo tiempo, ha ayudado a poner en el orden del día la necesidadde crear un espacio más amplio de integración que fuera distinto a) a laOrganización de los Estados Americanos, o a las cumbres americanas, euroe iberoamericanas, que cuentan con la presencia de las potencias; b) alGrupo de Rio, que posee una dimensión latinoamericana y caribeña; c) alAlba, que tiene un corte político-ideológico.

Independientemente de lo que podamos pensar acerca de su sostenibili-dad interna, de la naturaleza de los acuerdos firmados, de la materializaci-ón efectiva y de los efectos en los países receptores, el espíritu de solidaridadpresente en el Alba es extremadamente meritorio. Sin embargo, no existecorrelación de fuerzas, ni mecanismos institucionales o situación económi-ca que permitan al conjunto de los países de la región adoptar los principiossolidarios del Alba y/u operar de manera similar al gobierno venezolano.

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137Valter Pomar

En esencia, porque no es sostenible que países capitalistas mantengan unapolítica externa socialista.

Por ello, aunque toda política progresista y de izquierda deba necesaria-mente contener un componente de solidaridad e identidad ideológica, ladimensión principal de la integración, en la actual etapa de la historia lati-noamericana, es la de los acuerdos institucionales entre los Estados, acuerdosque no deben limitarse a los aspectos comerciales (“fenicios”, para usar unaexpresión del senador uruguayo Pepe Mujica).

Esta comprensión de una integración de amplio alcance constituye elpaño de fondo de la creación de la Comunidad Sudamericana de Naciones(2004), cuyo nombre se cambió posteriormente a Unasur (2007). El éxitode la Unasur supone:

a) la cooperación entre gobiernos que son adversarios políticos e ideoló-gicos, lo que en el presente momento significa evitar rompimientos conColombia y Perú;b) el compromiso efectivo de las principales economías de la región, unode los motivos por los cuales es fundamental que el Senado brasileñoapruebe la entrada de Venezuela en el Mercosur;c) hacer prevalecer el interés de Estado, por sobre la dinámica de lasgrandes empresas privadas brasileñas, que desarrollan una política inter-nacional propia, que puede poner en riesgo los objetivos estratégicos deldesarrollo con integración;d) la institucionalización cada vez mayor del proceso, incluso con laconstitución de organismos electos directamente por el voto popular (locual se está tratando de viabilizar, con dificultades, en el caso del Parla-mento del Mercosur).Ya se ha dicho muchas veces, y aquí sólo repetimos, que el ambiente

progresista y de izquierda, construido en nuestra región desde 1998, haofrecido posibilidades inmensas y en cierto sentido inéditas para todos losprogramas y estrategias de corte democrático-popular.

En este sentido, la primera tarea del progresismo en general y de la izqui-erda latinoamericana en particular es preservar esta correlación de fuerzascontinental.

Ocurre que, cuando fuerzas de izquierda logran llegar al gobierno cen-tral de un determinado país, lo hacen con un programa basado en el trípodeigualdad social, democratización política y soberanía nacional.

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138 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Y la defensa de la soberanía nacional no se hace sólo contra las “metró-polis imperialistas”, sino que implica también administrar los conflictosentre países de la región. Conflictos que, durante varios siglos, opusieron alas regiones colonizadas por los españoles y a la región colonizada por losportugueses.

Los conflictos no han sido “inventados” por los actuales gobiernos, sinoque son generalmente una herencia de períodos anteriores, incluso del de-sarrollo dependiente y desigual ocurrido en la región.

En la mayoría de los casos, tales conflictos no podrán ser superados en elcorto plazo: por poseer causas estructurales, sólo podrán alcanzar unasolución a largo plazo, en el marco de un adecuado proceso de integraciónregional. Como subproducto, la exacerbación de estos conflictos sólodisimularía las contradicciones, mucho más relevantes, que tienen con lasmetrópolis.

Por lo tanto, es estratégico impedir que estos conflictos se conviertan encontradicción principal. So pena de alterar la correlación de fuerzas latino-americana en favor de la injerencia externa.

Ya se sabe que los gobiernos progresistas y de izquierda de la regióntrazan el camino del desarrollo y de la integración adoptando distintas es-trategias y con distintas velocidades.

Es necesario respetar y convivir con las múltiples estrategias nacionales;e implementar una estrategia continental común, de integración, demo-cracia, desarrollo y paz.

Con estos objetivos, el gobierno Lula ha implementado dos directrices:a) políticamente, opera basado en el eje Argentina-Brasil-Venezuela. Sin

desconocer las distintas estrategias de las fuerzas progresistas y de izquierdaactuantes en cada uno de estos países, depende de la cooperación entre ellosel éxito del proyecto de integración.

La importancia del eje Argentina-Brasil era reconocido por la diploma-cia brasileña desde hace muchos años. Pero fue recién durante el gobiernoLula cuando Venezuela pasó a ser reconocida, en la práctica, como una delas principales protagonistas del proceso de integración.

b) estructuralmente, busca implementar una política de integración deamplio espectro, incluyendo proyectos de infraestructura, comerciales, decoordinación macroeconómica, de políticas culturales, seguridad y defensa,además de la reducción de asimetrías.

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139Valter Pomar

La solución de los conflictos regionales supone una reducción de la desi-gualdad, no sólo dentro de cada país, sino también entre las economías denuestro subcontinente. La institucionalidad de la integración, tanto multi-lateral como en las relaciones bilaterales, tiene que estar en sintonía coneste propósito.

La reducción de la desigualdad en cada país supone enfrentar la “herenciamaldita” y realizar reformas sociales profundas. Pero ello no es suficientepara eliminar las disparidades existentes entre las economías.

El éxito en la lucha contra la injerencia externa y la constitución de unbloque fuertemente activo en el escenario internacional depende, en últimainstancia, de una política sustentable y continuada de reducción de lasdesigualdades y asimetrías regionales.

Ello exige fuerte inversión de Brasil, país que detenta aproximadamentemitad del territorio, de la población y del producto bruto interno sudame-ricanos.

Las negociaciones con Bolivia (gas) y Paraguay (Itaipu), la disposiciónpermanente de negociar con Argentina y con Venezuela, entre otros, debenverse, por lo tanto, como parte de una política más amplia, que ya fuellamada (inadecuadamente, pues remite al proyecto hegemónico estadou-nidense) Plan Marshall para América del Sur.

Al mismo tiempo, para que la implementación de esta política sea bienrecibida por los países vecinos, es necesario alejar el temor de que esté enmarcha algún tipo de “sub-imperialismo brasileño” (temor muchas vecesreforzado por la actitud arrogante y predatoria de grandes empresasbrasileñas).

Considerando que las asimetrías económicas sólo serán superadas en elmediano plazo, alejar aquel temor exige no sólo que Brasil asuma parteimportante de las inversiones necesarias para tal integración, especialmenteen el ámbito de la infraestructura, incluso “a fondo perdido”, sino princi-palmente que se construya un nivel superior de institucionalidad regional,a través de la Unasur y órganos correlatos, tales como el Consejo de DefensaSudamericano y el Banco del Sur.

Por otra parte, para que haya condiciones internas para la implementa-ción de esta política, debe existir en cada país una mayoría política queperciba las ventajas que el desarrollo de América del Sur trae al desarrollonacional, incluso para el desarrollo brasileño.

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140 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Esto nos lleva a discutir las relaciones entre la política externa y las elec-ciones presidenciales brasileñas, que van a ocurrir en octubre de 2010.

Política externa y elecciones

La crisis internacional ha generado dificultades para la mayoría de losgobiernos progresistas y de izquierda existentes en América Latina,reduciendo su margen de maniobra, interrumpiendo procesos de crecimi-ento y revirtiendo la distribución de la renta.

La crisis ha ocurrido en un contexto de contraofensiva de derecha, queincluye desde victorias electorales (como en Panamá), manipulación con-servadora de los temas de seguridad pública y defensa (México y Colom-bia), hasta la retomada del golpismo (Honduras).

Aunque ha mantenido directrices fundamentales del gobierno anterior,la nueva retórica del gobierno Obama y alguna señalización concreta hanpermitido al gobierno norteamericano recuperar cierto margen de maniobraen la región.

La crisis internacional ha venido acompañada de dificultades tácticas,entre las cuales las debilidades del proceso de integración. Pero, a la vez,como en otros momentos de la historia de la región, las grandes crisis inter-nacionales ofrecen oportunidades estratégicas. Lo que equivale a decir quela crisis abre oportunidades para la izquierda y la derecha, y puede deveniren la profundización o en la reversión del actual período histórico.

Lo novedoso es que esta crisis ocurre en un momento en que las fuerzasprogresistas y de izquierda forman parte de importantes gobiernos de laregión y pueden no sólo denunciar, movilizar y presionar, sino tambiéncombatir los efectos de la crisis, profundizar los cambios estructurales querequieren nuestras sociedades y acelerar el proceso de integración.

En este escenario, el creciente protagonismo global de Brasil debe com-binarse con la reafirmación y ampliación de su compromiso con la integra-ción regional, ya sea porque aquel protagonismo está fuertemente vincula-do a los éxitos latino y sudamericanos, ya sea porque las característicasgeopolíticas del país y de su política externa brindan a Brasil una posicióninsustituible en el proceso de integración regional, y también porque laintegración regional es importante para el éxito del proyecto democrático-popular a nivel nacional.

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141Valter Pomar

Frente a unos retos gigantescos, la política externa implementada por elgobierno Lula es una política de Estado. Pero una parte de las clases domi-nantes brasileñas rechaza los fundamentos de esta política, dando reducidaimportancia a la integración regional, deseando menor protagonismo multi-lateral y prefiriendo mayor subordinación a los intereses de Estados Unidos.

Esto significa que, en el corto plazo, la continuidad de la actual políticaexterna dependerá del resultado de las elecciones presidenciales brasileñas,que ocurrirán en octubre de 2010.

Si la oposición de derecha llega a elegir el próximo presidente de Brasil,lo mismo tendrá efectos directos e inmediatos en la correlación de fuerzasregional, resultando en la postergación de los procesos de integración y enla interrupción del reformismo democrático-popular que desde 1989 ganóespacio en América Latina. Aunque con menor impacto, la misma cuestiónestá en juego en las elecciones presidenciales de Uruguay (octubre de 2010),Bolivia y Chile (diciembre de 2009).

A pesar de que, en este sentido, no es todavía una política de Estado (nopor su concepción, sino por el rechazo de parte importante de las clasesdominantes), la política externa del gobierno Lula tampoco es una políticade partido.

A rigor, la actual política externa de Brasil corresponde a los interesesestratégicos de una “potencia periférica”, intereses que en los marcos delgobierno Lula (y de un futuro gobierno Dilma) comportan una dobledimensión: por un lado, empresarial y capitalista, por otro lado, democrá-tico-popular.

Esta doble dimensión explica diversos aspectos contradictorios de la po-lítica externa (y también interna) del gobierno Lula, como se pudo obser-var en la ya comentada influencia del agronegocio en las posiciones adoptadaspor Brasil en las negociaciones de la Ronda Doha.

Esta constatación exige, de los partidos de izquierda y progresistas inte-grantes del gobierno Lula, la elaboración de una interpretación autónomade la situación internacional y un trabajo constante de seguimiento de lapolítica externa:

a) defendiéndola de los ataques de la oposición de derecha;b) evitando la predominancia de intereses privados y “sub-imperialistas”;c) estimulando una conducta latinoamericana y caribeña;d) reafirmando la caracterización imperialista de la política de las metró-polis;

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142 Miscelânea Internacional – 1998-2013

e) construyendo la dimensión popular y cultural del internacionalismo yde la integración;f ) articulando así esta política externa con el objetivo socialista de laizquierda.Exige, además, una articulación continental con otros partidos, movi-

mientos sociales, intelectualidad progresista e instituciones de distintos ti-pos, para que el proyecto de integración no sea un proyecto abrazado tansólo por los gobiernos y burocracias estatales.

Naturalmente, entre los partidos progresistas y de izquierda latinoame-ricanos existen diferentes interpretaciones sobre la caracterización de la cri-sis internacional (financiera, económica, de hegemonía, de acumulación),sobre el momento que estamos atravesando de la crisis (fin del principio,principio del fin), sobre la posibilidad de construir una nueva “arquitectu-ra” internacional, en los marcos de la hegemonía declinante de los EstadosUnidos, además de las distintas opiniones sobre la naturaleza del mundopost-crisis.

Pero el principal tema en debate hace referencia a cómo tratar las dife-rencias programáticas, estratégicas, tácticas, organizativas, históricas y so-ciológicas existentes en la izquierda latinoamericana, que algunas veces setraducen en tácticas o estrategias distintas por parte de los gobiernos pro-gresistas de la región.

Acerca de este debate, lo fundamental es rechazar cualquier tipo de in-terpretación reduccionista y dicotómica. El reduccionismo (decir que haydos izquierdas en América Latina) ayuda políticamente a la derecha, por-que trae implícita la siguiente conclusión: el crecimiento de “una izquier-da” depende del debilitamiento de la “otra izquierda”, en una ecuaciónperversa que convenientemente quita de escena a los enemigos comunes.

El reduccionismo, por otra parte, es una interpretación teórica incorrecta,incapaz de explicar el fortalecimiento experimentado simultáneamente, desde1989 hasta hoy, por las distintas corrientes de la izquierda latinoamericana.Fortalecimiento que se debe, al menos en parte, precisamente a su diversi-dad, que permitió expresar la diversidad sociológica, cultural, histórica ypolítica de las clases dominadas de nuestro continente.

Si fuera homogénea e uniforme, o expresada solamente en dos corrientes,la izquierda latinoamericana no presentaría la fortaleza actual.

La continuidad de esta fortaleza dependerá, en buena medida, de laarticulación entre las distintas izquierdas. Tal cooperación no excluye la

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143Valter Pomar

lucha ideológica y política; pero esta lucha tiene que ocurrir en los marcosde una máxima cooperación estratégica. Cooperación que fue objetiva-mente favorecida, en los hechos, por la política externa adoptada por elgobierno Lula.

Este texto foi publicado na coleção Cadernos deDebate da Secretaria de Relações Internacionais do PT

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144 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A ilimitada estupidez de Brickman

No dia em que escreverem uma história do governo Lula, um capítuloserá dedicado ao ódio que a direita nutre pelo Marco Aurélio Garcia, vice-presidente nacional do PT e assessor especial do presidente da República.

Claro que outros de nós também temos o prazer de ser alvo de ofensas,besteiras e quetais. Basta, para isso, ser de esquerda, defender publicamenteo que pensamos e ter orgulho de militar no PT.

Mas Marco Aurélio, para além destas características, atua num terrenocada vez mais visível e cada vez mais visado, o internacional.

Motivo pelo qual há contra ele um lobby organizado, que visa desgastá-lo na sociedade, para enfraquecer seu papel no governo.

Para isso, vale tudo, desde tentar intrigar Marco Aurélio com o Itamaraty,até apresentar o professor como um radical quase sanguinário.

Este tipo de ataque soa no mínimo ridículo para nós, que conhecemos osujeito em tela. Mas, como sabemos, o veneno da mídia tem efeitos cumula-tivos junto aos setores que se informam apenas através dos grandes meios.

Por isto, mas também em defesa do grande Lima Barreto, é necessáriocontestar o senhor Carlos Brickman, que em artigo publicado no jornalFolha de S. Paulo (8/01/09), “acusou” Marco Aurélio de, entre outras coisas:

1) “apoiar a eleição de Evo Morales”; 2) “apoiar a eleição de Rafael Correa”;3) “ficar ao lado das FARC”; 4) “fornecer gasolina para que o presidentevenezuelano Hugo Chávez pudesse derrotar os grevistas da Petroleos de Ve-nezuela”; 5) “apoiar a polêmica decisão (de Chavez) de fechar a TV oposici-onista”; 6) dar “total razão aos palestinos do Hamas”, tomando partido “numaluta com a qual o Brasil nada tem a ver”, pois “a briga é deles, não nossa”.

Deixemos de lado a biografia profissional e política de Carlos Brickmane vamos direto ao ponto: isto tudo que ele diz é de uma solene estupidez.

De maneira resumida:1) Foi o conjunto do PT que apoiou Evo Morales e Rafael Correa.

Brickman queria que apoiássemos quem, os candidatos da direita? E desdequando conflitos constituem exclusividade de governos progressistas?

2) Foi o presidente em exercício, Fernando Henrique, que decidiu envi-ar combustível para a Venezuela. Atitude que foi estimulada pelo já eleitopresidente Lula.

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145Valter Pomar

3) Foi o PT que soltou nota pública, dizendo que o presidente HugoChávez agia dentro da lei venezuelana, ao decidir não renovar a concessãode uma empresa de TV. Certamente, trata-se de uma “sutileza” além dacapacidade de entendimento de Brickman, para quem uma concessionáriatorna-se proprietária daquilo que é público.

4) Acusar Marco Aurélio de “aliado das FARC” e de dar “total razão” aoHamas é como dizer que Brickman é uma pessoa honesta no debate políti-co: uma total estultice.

5) Por fim, mas não menos importante: acusar Marco Aurélio de “tomarpartido “numa luta com a qual o Brasil nada tem a ver”, pois “a briga édeles, não nossa”, mostra como certa estupidez pode ser cega.

O que está em curso em Gaza pode ser qualquer coisa, menos uma“briga” inconseqüente, frente a qual o Brasil poderia se manter indiferente.

Pelo contráro, trata-se de um conflito extremamente grave, que incidede maneira dramática na conjuntura internacional. Motivo mais do quesuficiente para o Brasil atuar enfaticamente, pelo fim imediato das hostili-dades e pela paz.

Nada disto é contraditório com opinar, de maneira muito clara, sobre oque está em curso, inclusive sobre o “terrorismo de Estado” praticado pelogoverno de Israel.

O Brasil ganhou um lugar especial na cena internacional, exatamenteporque abandonou a postura subalterna que caracteriza o tucanato.

Em resumo: tudo, absolutamente tudo, que Carlos Brickman fala con-tra Marco Aurélio é produto da mais absoluta estupidez. Podemos, pelocontrário, afirmar o seguinte: ainda bem que o Brasil, o governo e o PTpodem contar com o trabalho do professor.

A única coisa positiva no texto de Brickman é Lima Barreto. Mesmoassim, convenhamos: pobre Lima, sendo utilizado por alguém deste naipe.

Este artigo foi escrito em janeiro de 2009

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146 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A nota certa

Um grupo de 36 militantes petistas divulgou, no dia 16 de janeiro, umacarta manifestando seu “desacordo” com a nota divulgada no dia 4 de ja-neiro, intitulada “PT condena ataques criminosos”.

Os signatários declaram-se “profundamente consternados com “a tragé-dia que vem se desenrolando no Oriente Médio e com o número crescentede vítimas, inclusive de crianças”, mas paradoxalmente sua carta é dedica-da a relativizar as críticas que a nota do PT faz contra o governo de Israel.

Acusando a nota de posicionar “equivocadamente o PT em relação a umconflito de notável complexidade”, os 36 militantes sintetizam sua opiniãonos seguintes pontos:

a) a nota do PT “ignora a posição histórica do Partido, que sempre sepautou pela defesa da coexistência pacífica dos povos”;b) a nota do PT “banaliza e distorce o fenômeno histórico do nazismo”;c) a nota do PT “não registra a necessária condenação ao terrorismo”;d) a nota do PT “não afirma o reconhecimento do direito de existênciade Israel negado pelo Hamas”;e) a nota do PT “não se coaduna com a posição equilibrada assumidapelo governo brasileiro sobre a questão”;f ) a nota do PT “queima, ao invés de construir, pontes para o entendi-mento”.Pode-se concluir, portanto, que a carta dos 36 acusa a nota do PT de

desequilíbrio pró-palestinos.Considerando as circunstâncias, isto deve ser tomado como um elogio,

não como uma crítica. Afinal, frente ao massacre perpetrado em Gaza, emaberta violação do direito internacional, é imperativo que um Partido comoo nosso tome posição aberta e clara, sem subterfúgios nem meias-palavras,em favor dos mais fracos: o povo palestino.

A primeira crítica dos 36 acusa a nota do PT de ignorar “a posiçãohistórica do Partido, que sempre se pautou pela defesa da coexistência pa-cífica dos povos”.

Li e reli a nota divulgada pelo Partido e não consegui entender em queparágrafo, em que frase, em que vírgula nós ameaçamos a “coexistênciapacífica”.

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147Valter Pomar

A única interpretação que me ocorre está contida em cartas que recebemosde sionistas: ao convocar a militância para uma mobilização contra a guerrae pela paz, o PT estaria supostamente ameaçando a coexistência pacíficaentre “palestinos e judeus” aqui no Brasil, importando um conflito que “nãoé nosso”. Mas não consigo crer que os signatários da carta pensem isto.

A segunda crítica dos 36 diz que a nota do PT “banaliza e distorce ofenômeno histórico do nazismo”.

O que diz a nota do PT: “atentados não podem ser respondidos atravésde ações contra civis. A retaliação contra civis é uma prática típica do exér-cito nazista: Lídice e Guernica são dois exemplos disso”.

Ou seja: a nota do PT não afirma uma tese sobre o “fenômeno históricodo nazismo”, nem comete nenhum anacronismo ou simplificação históri-ca. Logo, não podemos ser acusados de “distorcer” algo sobre o qual nãopontificamos. A nota do PT limita-se a apontar um fato: o exército nazistaficou conhecido por retaliar civis. E matar civis, mesmo numa guerra, nãopode ser considerado algo “banal”. Quem “banaliza” a violência é quemaprova, silencia, ou tergiversa sobre o que se passa em Gaza.

O governo de Israel considerou inaceitável a comparação feita pela notado PT, mas não considera inaceitável matar e ferir milhares de civis. Infeliz-mente, os 36 não denunciam nem criticam explicitamente o terrorismo deEstado praticado pelo governo de Israel contra os palestinos, preferindocriticar a nota do PT.

Vale dizer que há muitos textos e manifestos, inclusive patrocinados pormilitantes judeus, que fazem analogia direta entre o Gueto de Varsóvia e aFaixa de Gaza.

A terceira e a quarta crítica dos 36 reclamam que a nota do PT “nãoregistra a necessária condenação ao terrorismo” e “não afirma o reconheci-mento do direito de existência de Israel negado pelo Hamas”.

Estas duas críticas partem de um pressuposto equivocado. Uma notasobre um caso concreto não precisa, obrigatoriamente, fazer um inventáriodas posições históricas do PT. E a eventual ausência desta ou daquela posi-ção, não significa que o Partido tenha alterado seu ponto de vista. Aliás, anota do PT também não cita nossa posição sobre o Estado Palestino.

O fato concreto que provocou a nota foi a agressão do governo de Israelcontra o povo palestino, e não uma inexistente ameaça ao direito dos isra-elenses em ter seu próprio Estado. Sugerir que o Partido desconhece essedireito, por não reafirmá-lo na nota citada, não passa de sofisma.

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Ocorre que a carta dos 36 parece aceitar que o ataque contra a Faixa deGaza é um ato de “legítima defesa” por parte do governo de Israel. A notado PT rechaça explicitamente esta alegação. Aliás, o cronograma do ataquecontra Gaza está diretamente vinculado à transição nos EUA e às eleiçõesisraelenses.

A carta dos 36 assume, mesmo que parcial e implicitamente, alguma daspremissas e justificativas adotadas pelo governo de Israel para seu ataquecontra Gaza. Só isto tornaria imprescindível incluir na nota do PT o “reco-nhecimento do direito de existência de Israel negado pelo Hamas”, quandoo que está realmente em jogo é o direito à sobrevivência do povo palestino,bem como as resoluções internacionais violadas pelo Estado de Israel.

Evidentemente, o PT não defende o Hamas, defende o povo palestino.Também é sabido que condenamos o terrorismo, em todas as suas formas.Mas estamos convencidos de que as posições do Hamas e seus foguetesforam utilizados, pelo governo de Israel, como um pretexto para a barbárieperpetrada em Gaza.

A quinta crítica feita pelos 36 diz que a nota do PT “não se coaduna coma posição equilibrada assumida pelo governo brasileiro sobre a questão”.

Ao dizer que a posição do governo é “equilibrada”, os 36 sugerem serdesequilibrada a posição do PT.

O PT concorda com a posição do governo brasileiro. Achamos que elase coaduna (ou seja, se combina, sem que sejam posições iguais) com aposição expressa pelo PT, na nota de 4 de janeiro.

Vale lembrar que declarações do presidente, do ministro das relaçõesexteriores e do assessor especial utilizaram termos como carnificina, chaci-na, agressão injustificável e terrorismo de Estado.

Seja como for, o PT não precisa copiar a posição do governo. Partido épartido, governo é governo. O que um pode dizer e fazer, o outro nemsempre pode ou deve. E vice-versa.

A última crítica feita pelos 36 beira o grotesco: acusam a nota do PT dequeimar, “ao invés de construir, pontes para o entendimento”.

O PT é a favor da paz. E paz implica dialogar, inclusive com inimigos.Paz não é esquecimento. Nem se constrói sobre mentiras, meias palavras,mal-entendidos. Nem tampouco se faz omitindo a história.

O governo de Israel atacou a Faixa de Gaza. Morreram mais de 1.200palestinos. Milhares foram feridos. A infra-estrutura na região foi ainda

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mais destruída. São ações deste tipo que queimam pontes para o entendi-mento, ameaçam a coexistência pacífica entre os povos, impedem uma pazduradoura, baseada na coexistência pacífica de um Estado Palestino “viávele próspero” e de um Estado de Israel “definitivamente seguro”.

Não haverá segurança nem paz, enquanto houver ocupação, desrespeitoàs resoluções da ONU e enquanto os palestinos foram tratados, pelo gover-no de Israel, como uma sub-raça submetida ao terrorismo de Estado.

A nota do PT tem o mérito de dizer as coisas com simplicidade e clareza,inclusive sobre o papel jogado pelos Estados Unidos e sobre o agravamentoda tensão mundial. Vale dizer que sem uma forte pressão internacional, ogoverno de Israel não mudará de atitude e não negociará. Neste sentido, anota do PT ajuda mais na luta pela paz, do que as posições no mínimotíbias adotadas pela carta dos 36, divulgada quase duas semanas depois danota do Partido e na véspera do encerramento da ofensiva de Israel.

Haveria mais o que dizer, especialmente sobre os antecedentes históricosdo conflito e sobre o direito de um povo resistir à ocupação estrangeira.Mas, tendo em vista o que está em jogo, é preferível que nos limitemos adefender os termos adotados pela nota do PT.

Este artigo foi escrito em janeiro de 2009

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150 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Os equívocos do PSDB

Alberto Goldman, vice-governador de São Paulo, escreveu um artigocriticando a resolução política aprovada pelo Diretório Nacional do PT nodia 10 de fevereiro. O artigo de Goldman foi publicado pelo jornal Folhade S.Paulo no dia 5 de abril.

Desconheço se existe uma resolução do Diretório Nacional do PSDBacerca da crise internacional, seus desdobramentos no Brasil e sua influên-cia nos debates da sucessão presidencial.

Assim, fico sem um parâmetro essencial para saber se a resolução do PT,de cuja redação e aprovação eu participei, é mesmo (como afirma Goldman)“simplista”; ou se o adjetivo é apenas um cacoete típico da arrogância comque os tucanos qualificam qualquer coisa que não tenha origem em suas“mentes brilhantes”.

Fiquei com a impressão, entretanto, que Goldman não leu com atençãoa resolução que critica. Se tivesse lido, teria percebido que antes da consta-tação –ademais, óbvia– de que estamos “diante de uma crise do sistemacapitalista como um todo, na forma neoliberal que assumiu nos últimos 30anos”, há uma descrição e uma análise que o vice-governador tucano nãoquestiona.

Pior ainda: Goldman critica algo que o texto do PT simplesmente nãodiz, a saber, que esta crise “significa um tiro de morte no sistema de produ-ção capitalista”.

Insisto: a resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT não afirma,não insinua, não sugere, em nenhum momento, em nenhuma passagem,em nenhum trecho, que esta crise seja “um tiro de morte” no capitalismo.E, ao contrário do que diz Goldman, o documento do PT apresenta pro-postas concretas e imediatas para enfrentar a crise, inclusive “reformas radi-cais e urgentes dos organismos econômicos e financeiros multilaterais”.

Seria cômodo acusar Goldman de mentiroso, pura e simplesmente. Mastalvez seja mais útil tentar entender por qual motivo ele critica com tantaênfase algo que não está no texto aprovado pelo PT.

Arrisco duas explicações: primeiro, o documento aprovado pelo Dire-tório Nacional do PT reafirma a orientação socialista do Partido, orienta-

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ção que a crise torna ainda mais atual. Segundo, ao nos acusar de estúpi-dos, Goldman desvia a atenção da estupidez tucana.

A profunda hegemonia do capitalismo, hoje, é exata e somente isto: umfato. Deste fato não deriva, como pensa Goldman, que o capitalismo sejaeterno, que a sociedade humana seja incapaz de organizar de outra maneiraa produção e a distribuição das riquezas, que o socialismo tenha se tornadoinviável.

Se não for pedir demais, recomendamos a Goldman que leia a resoluçãodo 3º Congresso do Partido dos Trabalhadores, especialmente o capítulo“socialismo petista”, onde está uma síntese do que defendemos. Um socialis-mo cujos “principais traços” incluem: a mais profunda democratização; umcompromisso internacionalista; o planejamento democrático e ambiental-mente orientado; a propriedade pública dos grandes meios de produção.

O fato de reafirmarmos nossa defesa do socialismo, não significa que acre-ditemos que esta crise é “um tiro de morte” no capitalismo, nem que elanecessariamente vai “apressar a transição” para uma sociedade socialista.

Muito ao contrário de qualquer fatalismo, longe de qualquer otimismode Poliana, a resolução do PT fala o seguinte:

a) “assistimos a uma disputa entre diferentes projetos: forças conserva-doras, progressistas e socialistas competem para definir o desenho domundo pós-crise”;b) é necessário “impedir que a crise jogue o país na recessão; mais do queisto, é preciso transformar a crise numa oportunidade para acelerar atransição, já iniciada pelo governo Lula, em direção a outro modeloeconômico-social”;c) “a vitória do projeto progressista e de esquerda dependerá, em grandemedida, da articulação do campo democrático-popular e da construçãode um programa para o próximo mandato presidencial, que articule oque fizemos desde 2003 com nosso projeto democrático-popular de ho-rizonte socialista”.Nós não causamos a crise. Nós não comemoramos a crise, que do ponto

de vista imediato causa impactos sociais e econômicos negativos para amaior parte do povo, a começar pelo desemprego. Nós não agimos comoos tucanos, que torcem pelo agravamento da crise, na perspectiva de colherdividendos eleitorais em 2010. Nós não nos acovardamos frente à crise,que comprova o acerto das mudanças que estamos fazendo no país e queprecisamos aprofundar.

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É impressionante que o vice-governador, ex-comunista, tenha se torna-do mentalmente tão conservador, a ponto de criticar inclusive isto: queuma crise seja, ao mesmo tempo, risco e oportunidade.

Aliás: se esta crise oferece também oportunidades para o Brasil, é exata-mente na medida em que o governo Lula não seguiu a “trilha aberta pelogoverno FHC”. Pois esta trilha, falemos com clareza, conduzia à privatiza-ção dos bancos públicos e à implantação da Área de Livre Comércio dasAméricas, para ficar apenas nestes dois exemplos.

Olhando ao revés: as dificuldades que temos, para enfrentar esta crise,originam-se exatamente da herança maldita do governo anterior, daquiloem que ainda não conseguimos romper com a “trilha” seguida por FHC.Por exemplo: o peso da especulação financeira e a legislação que contém osinvestimentos públicos.

Esta herança ainda é forte, exatamente porque os neoliberais ainda têmenorme força política. Aliás, que curioso: Goldman atacou coisas que nãoestão na resolução do PT. Mas não se deu ao trabalho de negar que ostucanos são neoliberais.

Pelo menos nisto, pensou mais como ex-comunista do que comoanticomunista, figurino que ele veste quando busca desqualificar quemacha, como nós do PT, que é possível e necessário construir outro tipo desociedade, que não esteja submetido a crises periódicas causadas por ummodo de produção que se organiza em torno do lucro e da exploração.

Este artigo foi escrito em abril de 2009

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Compreender e enfrentar

Houve um tempo em que se achava artificial começar uma análise deconjuntura falando da situação internacional. Hoje acontece o oposto: nocentro da conjuntura internacional e ocupando crescentemente o centro daconjuntura nacional está uma crise que só pode ser compreendida obser-vando a situação de conjunto.

Há um intenso debate ideológico e teórico acerca das causas e da carac-terização da crise. A tese mais popular afirma que estamos diante de umacrise financeira, que tem como pano de fundo as políticas neoliberais im-plementadas nas últimas décadas.

Este tese possui ampla aceitação na esquerda, mas também na direita.Vide Nicolas Sarkozy, para quem a “crise financeira não é a crise do capita-lismo”, mas sim “a crise de um sistema que se afastou dos valores funda-mentais do capitalismo”.

Para setores da direita, argumentar que se trata de uma crise financeira,permite defender o “capitalismo produtivo” e sustentar, como também fazSarkozy, que “o anticapitalismo não oferece nenhuma solução para a criseatual”.

Para setores da esquerda, argumentar que se trata de uma crise do neoli-beralismo permite saborear o gosto da vitória, na polêmica que sustenta-mos contra o monetarismo, o Estado mínimo, a desregulamentação, a fle-xibilização e o Consenso de Washington. Permite, também, escapar oupelo menos colocar em segundo plano o debate acerca do socialismo.

Entretanto, comete um equívoco teórico, com conseqüências políticas eideológicas, não perceber que estamos diante de uma clássica crise do capi-talismo, que evidentemente atinge este capitalismo real que temos diantede nós: o “capitalismo neoliberal”.

Quem separa artificialmente neoliberalismo de capitalismo, capital fi-nanceiro de capital produtivo, comete equívoco metodologicamente simi-lar aos que –no início dos anos 90– negavam estar em curso uma crise dosocialismo, que seria (ao menos na teoria e na nossa vontade) algo bastantediferente da sua materialização concreta na URSS e em outros países.

Mesmo correndo o risco de chover no molhado, é preciso lembrar que:

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1) as grandes empresas capitalistas atuam no mercado financeiro e, aliás,extraem parte expressiva de suas receitas da especulação, dos derivativos,do mercado acionário, dos hedges etc.;

2) o crescimento da “economia real”, ocorrido nos anos 1990, foi azeitadopelo crescimento exuberante dos ativos financeiros e pela oferta de créditobarato para o consumo;

3) o próprio neoliberalismo, como política de Estado, foi uma respostaas baixas taxas de crescimento e a queda nas taxas de lucro, experimentadaspelo capitalismo desde o início dos anos 1970. Portanto, estamos vivendo“a crise da resposta à crise” dos anos setenta;

4) a especulação financeira que assistimos nos últimos anos, combinadacom a oferta de crédito barato, foram em última análise respostas a umacontradição estrutural do capitalismo, a saber: sua tendência a produzircada vez mais mercadorias, com cada vez menos trabalho vivo, gerandosuperprodução de mercadorias e superprodução de capitais. Contradiçãocujo desfecho pode ser adiado, mas que ao fim e ao cabo conduz à destrui-ção em larga escala dos capitais;

5) a desvalorização dos ativos financeiros, a concentração e centralizaçãode capitais (o que inclui o fechamento de empresas), a ampliação do de-semprego e a transformação de dívida privada em dívida pública são algu-mas das respostas clássicas, dadas a uma crise de tipo clássico.

Por isto, entre outros motivos, é que podemos dizer que estamos diantede uma crise do capitalismo (não apenas uma crise financeira ou resultantedo neoliberalismo).

Aliás, com o perdão do neologismo, o capitalismo é um sistema “crísico”.Para citar um estudo recente, feito pelo IPEA: entre 1970 e 2007 ocorre-ram 127 crises bancárias sistêmicas, 208 crises cambiais e 63 episódios decrises de não pagamento de dívida soberana. Ou seja, 3 crises bancárias, 5crises cambiais e 2 não pagamentos por ano!

A novidade existente na crise atual é dupla: sua profundidade e sua du-ração.

A profundidade deriva de um fato simples: nunca o capitalismo foi tãohegemônico e tão poderoso como é hoje. Logo, sua crise também é pordefinição mais profunda, como se percebe quando analisamos outras desuas dimensões (energética, alimentar, ambiental, política, civilizacional).

A duração deriva da combinação entre a crise econômica e o declínio da

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hegemonia dos Estados Unidos, declínio que começa no exato momentoem que a URSS é derrotada, enfraquecendo os motivos que levaram asdemais nações capitalistas a aceitar a hegemonia dos EUA, a começar pelaONU, OTAN e instituições do chamado sistema Bretton Woods.

A caracterização desta crise como capitalista, profunda e de longa dura-ção nos posiciona melhor no debate ideológico e na luta política que estáem curso.

No início dos anos 1990, quando houve a crise geral do socialismo, aburguesia jogou-se numa ofensiva ideológica total, que intimidou e cooptousetores majoritários da esquerda em todo o mundo, no Brasil e no PT.

Aquela ofensiva foi em favor da alternativa ideologicamente extrema (oneoliberalismo), não a favor de um meio-termo social-democrata.

Já agora, quando caiu o “muro de Berlim” deles, o debate ideológico éproporcionalmente tímido e se trava, no essencial, entre neoliberais ekeynesianos, que ideologicamente falando são parentes, pois no limite tra-ta-se de correntes pró-capitalistas, que defendem o uso dos recursos públi-cos em favor do bom funcionamento dos mercados.

A esquerda socialista precisa participar deste debate, oferecendo umacrítica e uma alternativa ao capitalismo de conjunto. Evidentemente, sa-bendo diferenciar o que é tático (o combate a herança neoliberal, especial-mente a hegemonia do capital financeiro), o que é estratégico (a defesa dasreformas estruturais democrático-populares) e o que é programático (a de-fesa do socialismo).

No debate ideológico, um ponto central é o seguinte: se o capitalismoproduz crises periódicas, se hoje ele vive do “crédito”, se ele precisa doEstado para voltar a funcionar, então ele não é um “dado da natureza” edepende da política; logo outra vontade política pode construir uma alter-nativa não-capitalista.

O que nos remete a nossa segunda tarefa diante da crise: além de com-preender, enfrentar.

Do ponto de vista tático, a crise constitui no fundamental uma ameaça,tanto social quanto política, especialmente onde somos governo. Motivospelos quais não devemos comemorar sua eclosão.

Mas, do ponto de vista estratégico, a crise constitui uma imensa oportu-nidade, tanto do ponto de vista ideológico, quanto do ponto estratégico,para aqueles que lutam pelo socialismo. Claro que é também uma opor-

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tunidade para as classes dominantes, risco que devemos sempre levar emconta na análise política.

Do ponto de vista estratégico, o que está em jogo é a construção do pós-neoliberalismo, cujo conteúdo será definido pela luta entre as classes, den-tro de cada Estado, e pela luta entre Estados, na esfera mundial.

Simplificando, podemos dizer que nesta luta há três vertentes:1) a conservadora, a saber, os mesmos que implantaram e lucraram com o

neoliberalismo, buscam definir os parâmetros do pós-neoliberalismo. Esta éa orientação fundamental do governo Obama, que em seu discurso de possedisse explicitamente que os EUA estão “prontos para voltar a liderar”;

2) a progressista, expressa pelos países desenvolvidos ou em desenvolvi-mento, que não estiveram no comando do período neoliberal. Seu objetivoé um capitalismo mais democrático, o que supõe inclusive que o dólardeixe de ser a moeda mundial. Este capitalismo mais democrático para oscapitalistas pode ou não ser acompanhado de mais democracia e igualdadesocial;

3) a socialista, que obviamente luta por um pós-neoliberalismo que sejasocialista.

A vertente mais poderosa, hoje, é a conservadora. Apesar da crise, Esta-dos Unidos, União Européia e Japão seguem controlando a maior parte daeconomia, das forças armadas e da comunicação mundiais. E, paradoxal-mente, a crise produz o medo, na maior parte dos demais países, do efeitoTitanic, a saber: o colapso catastrófico das economias centrais, que puxariatodo o resto para o fundo. Neste contexto, Obama pode ser o homemcerto, na hora certa, dando para alguns a esperança de que os EstadosUnidos seriam capazes de liderar com “suavidade”.

A vertente progressista tem ampliado o seu espaço, que depende emcerta medida do avanço da crise nos países centrais, bem como da disposi-ção de pressão dos chamados “governos progressistas”. Como eles não têmforça suficiente para impor unilateralmente outro desenho, os governosprogressistas buscam um acordo com o G7, nos marcos do G20 e noutrosespaços; mas, como a crise é sistêmica e profunda, os governos saem dereuniões internacionais como as do G20 preocupados em defender seusinteresses uns contra os outros; numa dinâmica que não gera estabilidade,nem desfecho rápido para a crise. A verdade é que o desenvolvimento eco-nômico gerou processos e interconexões mundiais, mas as contradiçõesintercapitalistas impedem que haja um “governo mundial”.

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157Valter Pomar

A vertente socialista depende da ocorrência, em alguns países e regiõesdo mundo, de revoluções anticapitalistas, o que por sua vez está vinculadonão apenas ao aprofundamento da crise, mas principalmente a mudançana percepção popular sobre a crise. Isto porque o aprofundamento da crisenão gera, de per si, revoluções socialistas, especialmente neste período his-tórico em que nos encontramos, que ainda é de defensiva estratégica domovimento socialista, que ainda está lambendo e pensando as feridas daprimeira tentativa de construção do socialismo, realizada no século XX.Tanto é assim que, independentemente da avaliação que façamos sobre otipo de sociedade que existe nos países governados por partidos comunis-tas, podemos dizer que estes países e governos operam no cenário interna-cional em favor da “vertente progressista” citada anteriormente. Quanto aochamado “socialismo do século XXI”, por enquanto ele é uma mistura deanti-imperialismo com capitalismo de Estado distributivista e popular.

Apesar dos senões acima listados, não devemos cair num pessimismomecanicista. Até porque, assim como ocorreu no desfecho de outras gran-des crises, o mundo pós-neoliberal tende a ser uma combinação das trêsvertentes: conservadora, progressista e socialista.

A preços de hoje, podemos dizer duas coisas:a) ainda é forte o risco de um predomínio da vertente conservadora;b) na América Latina existe uma correlação de forças favorável as verten-tes “progressista” e “socialista”.Em outros momentos da história, a América Latina se beneficiou de

crises nas metrópoles. Assim foi nas décadas finais do século XVIII e inici-ais do século XIX, que em nossa região foi marcado pelas independências;assim foi, também, na crise dos anos 1920 e 1930, a partir da qual seacelerou o processo de industrialização de importantes países da AméricaLatina.

Nos anos 1970 acontece, na maior parte dos casos, o contrário: a crisevem acompanhada de um ciclo de ditaduras militares, que prepararam oterreno para o neoliberalismo.

Agora, a correlação de forças nos favorece. A esquerda faz parte de impor-tantes governos na região e pode, mais do que denunciar e mobilizar e pres-sionar, agir tanto para combater os efeitos da crise, quanto para aprofundaras mudanças estruturais que nossas sociedades seguem necessitando.

Evidentemente, como já foi dito antes, o impacto tático imediato da

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158 Miscelânea Internacional – 1998-2013

crise tende a ser negativo, do ponto de vista social, econômico e político.Além disso, a crise tem como efeito colateral dificultar a situação econômi-ca dos países mais radicalizados politicamente (Venezuela, Equador, Bolí-via); aumentando ainda a pressão, vinda dos demais países da região, paraque o Brasil arque com os custos da integração continental.

Frente a este quadro, é transcendental manter (e ampliar) o controle dogoverno brasileiro. O que dependerá em grande medida de nosso sucessono enfrentamento da crise aqui e agora. Tal enfrentamento possui pelomenos cinco dimensões distintas, ligadas entre si, a saber: 1) a ação dogoverno federal, 2) a luta política e social, 3) a oposição aos tucanos econservadores, 4) o debate ideológico e 5) a rearticulação do campo demo-crático-popular.

A ação do governo federal tem um rumo geral correto (priorizar o mer-cado interno, ampliar o investimento público, fortalecer o Estado e acelerara integração), mas tem também grandes flancos: 1) o Banco Central; 2) alentidão com que os recursos chegam na ponta; 3) incoerências na relaçãocom as grandes empresas; 3) ilusões internacionais que persistem, por exem-plo no debate sobre a OMC e acerca do protecionismo.

Na luta política e social, precisamos combinar a mobilização defensiva(especialmente contra o desemprego) com uma pauta ofensiva: redução dajornada de trabalho, ampliação das políticas públicas universais, tributaçãodas grandes riquezas, re-estatização das empresas públicas que foram priva-tizadas, reforma agrária, reforma política e democratização da comunica-ção social.

Na oposição aos tucanos e conservadores, precisamos mostrar o que te-ria acontecido ao Brasil, se os bancos públicos tivessem sido privatizados ese a Alca estivesse implantada. E precisamos denunciar a política da oposi-ção frente à crise (para eles, “quanto pior, melhor”), a começar pelo segun-do e terceiro orçamentos do Brasil (estado e capital de São Paulo, respecti-vamente).

No debate ideológico, precisamos concentrar fogo sobre o pensamentoneoliberal (desmoralizado, mas ainda dominante nos meios de comunica-ção e na academia), mas ao mesmo tempo apresentar críticas e propostassuperiores às formuladas pelos keynesianos, sinceros ou recém-convertidos.Sustentar um desenvolvimentismo democrático-popular, articulado com oobjetivo estratégico socialista.

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159Valter Pomar

Rearticular o campo democrático-popular, para enfrentar a crise, elegeruma presidente da República em 2010, ampliar nossa presença parlamen-tar e em governos estaduais. E para construir e conquistar o poder para asmaiorias, numa equação estratégica que em alguns aspectos recorda aquelaenfrentada pela Unidade Popular chilena, num contexto internacional novoe mais favorável, ao mesmo tempo mais complexo. O desfecho da crise noBrasil depende em última análise desta rearticulação do campo democráti-co-popular e do PT estar à altura das tarefas.

O texto a seguir foi apresentado na Conferência daEsquerda Socialista, realizada nos dias 3 e 4 de abril de 2009

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160 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A tumba está em festa

Antes de falar da vitória de Maurício Funes e da FMLN, é preciso falarda Aliança Republicana Nacionalista, a Arena.

Fundada em 30 de setembro de 1981, Arena é um partido assumida edoutrinariamente de direita, que tem entre seus princípios a luta contra a “pe-netração ideológica e a agressão permanente do comunismo internacional”.

Arena venceu as eleições presidenciais de março de 1989 e desde entãogoverna El Salvador. Seu candidato às eleições de 15 de março de 2009 erao engenheiro Rodrigo Ávila, ex-chefe da Polícia Nacional Civil, graduadona Academia do FBI e consultor internacional em “segurança pública”.

Arena vive e pensa com parâmetros da Guerra Fria, a tal ponto que temum vice-presidente encarregado de “assuntos ideológicos” e um hino queproclama: “pátria si, comunismo no”. E para que não restem dúvidas sobreos métodos, lá também se diz que “El Salvador será la tumba donde losrojos terminarán”.

Desde 1994, Arena vem disputando as eleições presidenciais contra aFrente Farabundo Martí pela Libertação Nacional, guerrilha que se con-verteu em partido político após os Acordos de Paz firmados em 1992.

O desempenho da FMLN nas eleições presidenciais foi crescente: em 1994,Ruben Zamora chegou a 26% dos votos; em 1999, Facundo Guardado ob-teve 29% dos votos; em 2004 Schafk Handal obteve 35% dos votos. Aomesmo tempo, manteve uma intensa vida partidária, forte atuação parla-mentar e nas lutas sociais, bem como sua atividade internacionalista.

Para as eleições de 2009, a FMLN fez um movimento extremamenteousado: decidiu lançar a candidatura de Maurício Funes, conhecido jorna-lista da CNN. Este gesto, seguido por outros, no terreno programático ena condução da campanha, ajudou a FMLN a ganhar o apoio de setores decentro, inclusive empresários.

Noutro cenário, esta flexibilidade talvez não resultasse na vitória. Mas noano de 2009, a conjuntura não favorecia a direita. A administração Obamadisse formalmente que governaria com quem vencesse as eleições, não repe-tindo a ingerência aberta e declarada praticada nas disputas anteriores. Acrise econômica internacional e a onda de vitórias eleitorais da esquerda lati-no-americana também enfraqueceram a candidatura da Arena.

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161Valter Pomar

Esta conjuntura foi essencial para a derrota da direita, apesar da fortunagasta nas eleições, apesar da campanha suja (implementada por gente liga-da à direita mexicana e chilena) e apesar das fraudes cometidas no processoeleitoral.

Todas as pesquisas eleitorais, desde o início da campanha, indicavam avitória de Funes. As duas pesquisas de boca-de-urna apontavam uma van-tagem pró-FMLN que podia chegar a 8 pontos percentuais. Ao final, aesquerda venceu com 51,2% dos votos ou 68 mil votos de vantagem (deum total de 2.630.137 votantes, 1.349.142 votaram na FMLN e 1.280.995votaram na Arena).

A diferença não foi maior por vários motivos, entre os quais a fraude,facilitada pelas características peculiares do processo eleitoral salvadorenho.O “padrão eleitoral” é composto por todos os salvadorenhos que tenham odocumento unificado de identificação (a nossa carteira de identidade). Nesteuniverso, havia comprovadamente um grande número de documentos fal-sos, duplicados, de pessoas que já haviam morrido, de pessoas sem domicílioconhecido, de pessoas que residem no exterior. Em segundo lugar, a votaçãonão é feita por local de residência, mas sim por ordem alfabética (no caso, aprimeira letra do sobrenome paterno), obrigando deslocamentos da popula-ção, num país onde não há transporte público e onde o voto não é obrigató-rio. Em terceiro lugar, a direita arregimentou eleitores em países vizinhos, aquem foram entregues documentos falsos ou de pessoas ausentes do país. Emquarto lugar, o Tribunal Supremo eleitoral é controlado pela Arena, que indi-cou 3 de seus 5 integrantes, inclusive o presidente.

Encerrada a votação, a direita demorou algumas horas para reconhecer aderrota. Ao fazê-lo, pediu “prudência” e “sabedoria” para a esquerda,alertando que o país estava “dividido ao meio”. Esqueceram de dizer que apolarização foi a tônica da campanha da Arena, que “acusava” Funes de“comunista” e de “chavista”.

Funes não é uma coisa nem outra. Em seu discurso de campanha, nacoletiva em que proclamou a vitória e no pronunciamento que fez na festapopular da vitória, deixou claro que fará um governo de esquerda, masadequado às condições econômicas e políticas de El Salvador. Nas váriasentrevistas concedidas depois da eleição, ele também repeliu com muitatranqüilidade as seguidas tentativas de colocá-lo em conflito com a FMLN.

Como sabemos por experiência própria, os maiores desafios começam

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162 Miscelânea Internacional – 1998-2013

agora, especialmente a partir da posse, no dia 1 de junho de 2009. Masuma coisa é certa: a tumba dos vermelhos, onde estão milhares de salvado-renhos e combatentes internacionalistas que deram sua vida na luta pelosocialismo em El Salvador, está em festa. Merecida festa.

Este artigo foi escrito em março de 2009

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163Valter Pomar

Coréia do Norte

Nos dias 20 a 22 de maio de 2009, uma delegação do Partido dos Traba-lhadores visitou a República Popular Democrática da Coreia, onde mantevecontatos com o Partido do Trabalho da Coréia. A delegação foi composta peloentão secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, e por Joa-quim Soriano.

Pyongyang é uma cidade de mais de 2 milhões de habitantes (calcula-seque o país tenha pouco mais de 20 milhões). Foi completamente destruídana guerra de 1950-1953. Tem pouquíssimas casas e muitos prédioshabitacionais, públicos e de empresas.

A cidade é muito limpa e tem um trânsito tranqüilo para uma capital,sendo servida por metrô, ônibus, bonde e um bom número de carros par-ticulares.

A partir das 6 horas da manhã, começa um fluxo intenso de pedestres,principalmente crianças indo para a escola, quase todas utilizando unifor-mes de pioneiros, com um lenço vermelho no pescoço.

O trajar adulto é variado: uniformes de diversos tipos e cores, “túnicasMao” de diferentes talhes, terno e gravata ocidentais, as mulheres usandomil e uma combinações de tailleurs, além de muitas utilizando o traje típi-co local. Poucas roupas esporte, numa formalidade que lembra os anos 50.

Todos os coreanos que avistamos usam na lapela um broche de Kim IlSung, fundador em 1926 da União anti-imperialista contra a ocupaçãojaponesa (1910-1945), base para a criação, em 10 de outubro de 1945, doPartido do Trabalho da Coréia.

O culto à personalidade de Kim Il Sung o apresenta como o “pai dapátria”, por seu papel na guerra contra a ocupação japonesa, na guerra de1950-53 e na edificação econômico-social do país.

Depois de sua morte, em 1994, Kim Il Sung foi transformado constitu-cionalmente em “presidente imortal e eterno”. Seu corpo foi embalsamadoe o antigo palácio presidencial foi transformado em mausoléu.

Depois da morte de Kim Il Sung, seu filho Kim Jong Il assumiu a con-

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164 Miscelânea Internacional – 1998-2013

dução do Partido e o comando militar do país. Duas outras autoridadesimportantes são o premiê e o chefe do Parlamento.

Nas entrevistas que mantiveram conosco, as autoridades coreanasenfatizaram duas questões: a) querem a reunificação das Coreias; b) suapolítica militar é defensiva.

Tendo em vista os processos ocorridos no Vietnã e na Alemanha, um sobhegemonia socialista, outro sobre hegemonia capitalista, perguntamos comoeles imaginavam a unificação coreana. A resposta foi que defendem a unifi-cação da pátria através de um “método independente e pacífico”, levando aum “Estado confederado” que “deixe intactos os regimes do Norte e do Sul”.

Reclamaram que as atuais autoridades sul-coreanas fomentam a con-frontação entre as duas Coréias; e que existe um claro intento de derrubaro regime norte-coreano, sendo que o governo Bush teria ameaçado comum ataque preventivo nuclear. Segundo eles, sem o “dissuasivo nuclear”,“teríamos virado um Iraque ou um Afeganistão”.

Disseram defender a desnuclearização da península coreana, mas consi-deram que para isso os americanos devem abandonar a política de hostili-dade e dar garantias de não-fornecimento de equipamento militar e nucle-ar para a Coreia do Sul. Além disso, exigem um tratamento baseado no“respeito mútuo, soberania e igualdade”.

Eles reclamaram duramente do que chamam de “dupla moral”, segundoa qual só alguns países têm direito à tecnologia e armamento nuclear: “osque apóiam os EUA não têm problemas, os que não seguem os EUA sãomaltratados”.

Acham que existe uma “hostilidade estereotipada” contra a Coreia econsideram que a censura aprovada pelo Conselho de Segurança da ONUé uma “negação clara e flagrante do princípio da igualdade, da soberania,da imparcialidade, que estão na carta da ONU”: “todas as nações têm odireito a usar pacificamente o cosmos”; “nós não podemos lançar, mas osoutros podem?”. E concluem dizendo que “vamos fortalecer a todo vapor opoder nuclear defensivo” e “jamais voltaremos à mesa de negociações”. Ficaclaro, de toda forma, que a política de “priorização militar” é muito maisdo que uma política de segurança. Nas palavras de uma autoridade local:“o argumento segundo o qual a classe operária é a classe revolucionária estáultrapassado, ao menos em nosso caso. Aqui o setor mais revolucionário, avanguarda do processo, são os militares”.

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165Valter Pomar

Uma das maneiras de tratar esta “mentalidade de fortaleza sitiada” éestimulando relações com países que não estão diretamente envolvidos noconflito. Neste sentido, as autoridades com quem nos entrevistamos mani-festaram muita expectativa em relação às possibilidades de cooperação eco-nômica, tecnológica e cultural entre o Brasil e a República Popular Demo-crática da Coreia, que possui uma legislação específica para investimentosestrangeiros. Reclamaram, aliás, que a “instabilidade” prejudica a “confi-ança dos investidores”, pois “coloca as empresas em dúvida sobre o retornode seus investimentos”.

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166 Miscelânea Internacional – 1998-2013

O companheiro Vinícius Wu escreveu um artigo intitulado “Não emnosso nome!”, criticando meu informe acerca da viagem à Coréia.

Ao contrário do que ele insinua, nossa política externa é definida peladireção do Partido, não pela secretaria de Relações Internacionais. O con-vite para visitarmos a Coréia foi feito pelo Partido do Trabalho daquelepaís, por ocasião de uma visita feita em 2008 à sede do PT em Brasília,quando estiveram com vários dirigentes partidários, inclusive com nossopresidente nacional. A delegação que visitou a Coréia foi composta porJoaquim Soriano e Valter Pomar, secretários de Formação e de RelaçõesInternacionais, respectivamente. Um relatório da visita foi apresentado àdireção do Partido e um resumo foi publicado na página eletrônica do PT.

A visita confirmou o que já sabíamos: existem profundas diferenças en-tre o que o PT defende e o modelo vigente na Coréia. Mas nossa diploma-cia não inclui apenas quem pensa ou age como nós. Pelo contrário: mante-mos diferentes níveis de intercâmbio com partidos das mais variadas e con-traditórias orientações políticas e ideológicas, na Palestina e Israel, nos Es-tados Unidos e Rússia, em cada país da Europa e América Latina etc.

Não achamos que diplomacia seja atributo privativo dos Estados. Rela-ções diretas entre organizações não-estatais (partidos e movimentos sociais,por exemplo) podem ajudar a destravar situações como a existente na pe-nínsula coreana.

Nisto reside o principal equívoco de Wu: a maneira como ele fala daCoréia lembra o discurso bushiano sobre o “eixo do mal” e as críticas tucanascontra a suposta tolerância da política externa brasileira frente ao que eleschamam de “governos totalitários”. A abordagem proposta por Wu contri-bui para a mentalidade coreana de “fortaleza sitiada” e legitima aagressividade estrutural dos Estados Unidos.

Nossa posição é outra: colaborar para uma solução pacífica e negociada,através da ampliação de relações com quem não está diretamente envolvidono conflito. Sem abrir mão do nosso ponto de vista, sem deixar de fazercríticas, mas sem transformar as diferenças em impedimento para o diálo-go, nem em obstáculo para nossa presença.

Novamente Coréia

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167Valter Pomar

Não vou responder às considerações pessoais, desnecessárias e desrespei-tosas, feitas por Wu. Exceto para dizer que não há nada de turismo, nem deexótico, no tema da Coréia. Quem supõe isto, não entende o que estáacontecendo no mundo.

Texto publicado em 26 de junho de 2009,na página eletrônica do Partido dos Trabalhadores

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168 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Noutra oportunidade, apresentei meu informe ao Diretório Nacionaldo PT sobre a reunião de Caracas. A seguir, apresento minha opinião sobreo mérito do “Compromisso de Caracas”. Farei isto de maneira proposita-damente sintética, com o objetivo de esclarecer os principais motivos pelosquais o Partido dos Trabalhadores não assina o citado documento.

Início sugerindo que se compare o “Compromisso de Caracas” com otexto-base e com a Declaração aprovada recentemente pelo XV Encontrodo Foro de São Paulo.

No texto-base e na declaração do XV Encontro do Foro, há uma análiseda crise internacional do capitalismo, mostrando seus efeitos políticos con-traditórios. Há, também, uma análise da contra-ofensiva política da direitalatino-americana e de seus aliados nos EUA. Ambos documentos apontammedidas práticas e factíveis para ampliar a operacionalidade do Foro de SPe suas relações com a esquerda e setores progressistas em todo o mundo. Asreflexões do Foro de São Paulo ressaltam o papel das organizações e lideran-ças coletivas (partidos, movimentos sociais, governos) e abordam a situa-ção do conjunto dos governos de esquerda e progressistas, compreendendoque todos são vítimas de ataques.

Realizado em agosto de 2009, o XV Encontro do Foro tratou do temade Honduras e das bases na Colômbia. Meses depois, o “Compromisso deCaracas” não aprofundou a reflexão política sobre ambos os temas, algoessencial, uma vez que as bases e a IV Frota são aspectos militares de umaestratégia política; e sua derrota passa pela luta política, cabendo-nos fazerde tudo (inclusive no terreno da retórica e da diplomacia) para derrotar adireita provocadora que pretende desfechos bélicos.

Quanto aos acordos firmados, achamos nobre o propósito de buscaruma “plataforma de ação conjunta entre os partidos de esquerda do mun-do”. Mas consideramos que a melhor maneira de fazer isto é fortalecer eestimular o diálogo entre os espaços já existentes que reúnem partidos eorganizações de esquerda e progressistas.

A experiência histórica das Internacionais, a situação atual da esquerdamundial e a experiência exitosa que construímos na América Latina e Ca-

Informe sobre a reunião de Caracas

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169Valter Pomar

ribenha, demonstram que o melhor caminho para articular os movimentossociais e as diferentes correntes de esquerda existentes no mundo, não é acriação de uma Internacional, muito menos através de um calendário decurto prazo. Aliás, a inclusão imprevista da proposta de criar uma V Inter-nacional, ao invés de gerar uma concentração de energia contra os adversá-rios comuns, tende a produzir muita polêmica dispersiva e estéril.

Obviamente, temos acordo com diversas das análises e medidas propos-tas no Compromisso de Caracas. Entretanto, os desacordos acima nos le-varam a não assinar o documento. Seguiremos concentrando nossas ener-gias no Foro de São Paulo, que em agosto próximo realizará seu XVI En-contro em Buenos Aires, onde comemoraremos os 20 anos de existênciadesta iniciativa exitosa, que tem conseguido reunir num mesmo espaçofamílias políticas e ideológicas distintas, mas que sabem que só através daunidade na diversidade se conseguirá vencer.

A seguir, segue uma síntese da exposição que fiz durante a reunião deCaracas:

Bom dia, companheiros e companheiras.

Agradeço, em nome do PT e da ssecretaria executiva do Foro de São Pauloo convite feito pelo PSUV.

Vou começar minha exposição debatendo como enfrentar a contra-ofensivada direita.

Esta contra-ofensiva não é uma surpresa.Já no XIV Encontro do FSP percebemos que, em 2009-2010, viveríamos

um ciclo eleitoral principalmente em países governados por nós. Ou seja, adireita poderia derrotar nossos governos; enquanto o contrário seria mais difí-cil.

Dois outros fatores contribuem para a contra-ofensiva: a crise econômica,que oferece possibilidades estratégicas, mas que é um risco tático, especialmenteonde somos governo; e a eleição de Obama, que permitiu aos EUA recuperarcerta margem de manobra.

A contra-ofensiva da direita é política. A dimensão militar é um aspecto,mas não é o principal. E temos que fazer de tudo para que este aspecto não seconverta no principal, pois neste terreno os EUA levam vantagem.

A contra-ofensiva da direita tem pelo menos cinco componentes:

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170 Miscelânea Internacional – 1998-2013

1) fortalecer os três governos de centro-direita (Peru, Colômbia, México);2) atacar os “elos mais fracos da cadeia de governos progressistas” (e sobre isto

devemos falar menos de quão má e desleal e anti-democrática é a direita; efalar mais acerca dos erros que podemos estar cometendo nestes países, queabrem espaço para o ataque da direita);

3) a reciclagem de alguns de seus métodos e candidatos nas campanhaseleitorais (aqui se destaca o oferecimento de candidaturas de novo tipo, empre-sariais, mistura de Sarkozy com Berlusconi);

4) reforçar a presença militar (bases, IV Frota etc.);5) isolar, dividir, estimular a disputa no interior da esquerda.Temos que dar uma resposta política para esta contra-ofensiva política.Colaborar para que as esquerdas do México, Colômbia e Peru se fortaleçam

e ganhem as próximas eleições; apoiar os setores populares em Honduras, Gua-temala, Paraguai etc.; não perder nenhum governo para a direita (indepen-dente das opiniões que possamos ter sobre os limites de cada um destes governos,qualquer derrota será uma vitória de nossos inimigos; aprofundar o processo demudanças, mas considerando atentamente a correlação de forças; e acelerar aintegração continental (o que, no limite, é nosso principal trunfo).

É preciso, também, dar uma resposta política ao aspecto militar. Em síntese, trata-se de isolar Uribe. Para isto, precisamos defender a paz e

evitar qualquer retórica ou gesto que permita aos nossos inimigos nos acusar docontrário (neste sentido, não simpatizo com o slogan “bases pela paz”); precisa-mos deixar claro que as bases militares e a IV Frota não são contra a Venezuela,não são contra Alba, são contra a América do Sul; e precisamos compreenderque, no limite, o que pode interromper a instalação das bases é uma vitória daesquerda nas próximas eleições presidenciais em Colômbia.

A contra-ofensiva da direita é uma decorrência lógica da crise internacionale do declinio da hegemonia estado-unidense; eles precisam recuperar o controlede seu “pateo trasero”; e para isso precisam deter e reverter as mudanças queestão em curso no continente.

O debate sobre as “tentativas de construção do socialismo no século XXI”será pura retórica, se não detivermos a contra-ofensiva da direita.

O PT tem reflexões acumuladas sobre isto, as mais recentes estão na resolu-ção do III Congresso. Para nós, socialismo envolve democracia, internaciona-lismo, propriedade pública, planejamento e desenvolvimento ambientalmentesustentável.

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171Valter Pomar

Nós não utilizamos o termo “socialismo do século XXI”.Ainda estamos num período de “defensiva estratégica” da luta pelo socialis-

mo, no qual se combinam a derrota do chamado "campo socialista", a difícilsituação de Cuba, o socialismo de mercado na China e a força do capitalismo.Nunca o capitalismo foi tão forte, historicamente. Sua crise atual é profunda,exatamente porque sua hegemonia é profunda.

Nossa luta se dá em condições novas: um déficit teórico, uma situaçãointernacional distinta e uma estratégia cujos marcos foram anunciados pelaexperiência da Unidad Popular chilena (1970-1973). Importante perceberque muitos de nós, embora estejamos operando uma estratégia deste tipo, aindapensamos com paradigmas teóricos de outro tipo de estratégia.

Por tudo isto, acreditamos que é necessário levar a sério a idéia da unidadena diversidade. Há uma diversidade de estratégias nacionais e uma diversida-de de concepções. Precisamos articular isto numa estratégia continental co-mum. Porém o mínimo denominador comum desta estratégia continental é aintegração, não o socialismo.

Gostaríamos que fosse o socialismo, porém ainda não é; e não é, não porfalta de vontade, mas principalmente porque vivemos num momento de tran-sição, em que o velho já está morrendo e o novo ainda não se firmou.

Por tudo isto, o PT valoriza extremamente o Foro de SP, que tem como umade suas características mais importantes reunir num mesmo espaço famíliaspolíticas e ideológicas que na Europa não conseguem conversar. Os que aquidestacaram o quanto a situação política na América Latina está melhor do quea Europa, devem compreender que isto se liga a nossa capacidade de articularunidade com diversidade.

Devemos, portanto, combinar a necessária luta ideológica em favor do so-cialismo, com uma estratégia e uma política organizativa mais amplas.

Consideramos importante, neste sentido: fortalecer os laços bilaterais; forta-lecer os organismos que temos (como o Foro de SP); para nós do PT, o Foro deSão Paulo é prioritário; repudiamos a idéia de que existam “duas esquerdas”,há muitas esquerdas em América Latina; recusamos qualquer tipo de disputasde protagonismos e liderança entre nós; e estamos convencidos de que não háfuturo para nosso projeto no Brasil, apartado do futuro da América do Sul e daAmérica Latina.

Claro que há contradições em nossa política interna e externa. Mas nossapolítica internacional demonstra de que lado estamos: lembro aqui a postura

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172 Miscelânea Internacional – 1998-2013

do Brasil frente a Cuba, Honduras, Irã, Palestina e nossa oposição à guerra dosEUA contra o Iraque.

Em 2010 teremos eleições no Brasil. Haverá um confronto entre direita eesquerda, entre neoliberalismo e desenvolvimentismo.

Decidimos que não buscaríamos um terceiro mandato para Lula; decidimoslançar a companheira Dilma Roussef à presidência da República; acreditamosque nossa vitória será ainda mais importante, porque ficará claro que não setrata da vitória de uma pessoa, mas sim a vitória de um projeto, de umaaliança, de um Partido.

No governo Dilma Roussef, o Brasil assistirá à disputa entre o desenvolvi-mentismo conservador e o desenvolvimentismo democrático-popular. Acredi-tamos que este desenvolvimentismo com reformas, com mudanças profundas,nos aproxima do socialismo.

Dois comentários finais: 1) não vou polemizar sobre o tema do Haiti, maso PT não concorda que se trate de uma ocupação e estamos dispostos a reunircom os partidos haitianos para debater o tema, de preferência na presença detodos os partidos de todos os governos de esquerda e progressistas que partici-pam da Minustah, pois não é só o Brasil que está lá; 2) sem a volta de Zelaya,não reconheceremos as eleições em Honduras, mas o fundamental é que o povohondurenho não as reconheça.

Concluo convidando todos os partidos aqui presentes para o IV Congressodo PT e para o XVI Encontro do Foro de SP; e desejando sucesso para ocongresso do PSUV.

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173Valter Pomar

Se ha vuelto lugar común decir que hay dos izquierdas en América Lati-na: una sería “vegetariana”, la otra “carnívora”; una sería radical, la otramoderada; una sería revolucionaria, la otra reformista; una sería socialista,la otra capitalista.

Definiciones dicotómicas de este tipo son hechas por los portavoces(oficiales u oficiosos) del Departamento de Estado de los EUA, con el pro-pósito explícito de provocar discordias en la izquierda latinoamericana,haciéndola luchar entre sí y no contra los enemigos comunes.

Evidentemente, no hay manera ni motivo para negar la existencia dediferencias programáticas, estratégicas, tácticas, organizativas, históricas ysociológicas en la izquierda latinoamericana. Hablaremos de estas diferen-cias más adelante. Pero una interpretación dicotómica de las diferenciasrealmente existentes, además de servir a los propósitos políticos de la dere-cha, expresa una interpretación teórica incorrecta.

El reduccionismo (decir que hay dos izquierdas en América Latina) ayudapolíticamente a la derecha, porque trae implícita la siguiente conclusión: elcrecimiento de una depende del debilitamiento de la otra, en una ecuaciónque convenientemente quita de escena a los enemigos comunes. Elreduccionismo es, por otra parte, una interpretación teórica incorrecta, in-cluso por no lograr explicar el fenómeno histórico de los últimos once años(1998-2009). A saber: el crecimiento simultáneo de las varias izquierdaslatinoamericanas.

Al contrario de los partidarios de la visión reduccionista, bajo cualquierade sus formas, nosotros defendemos que el fortalecimiento experimentado,desde 1998 hasta hoy, por parte de las distintas corrientes de la izquierdalatinoamericana, se debe en parte a su diversidad, que ha permitido expresarla diversidad sociológica, cultural, histórica y política de las clases dominadasde nuestro continente. Si fuera homogénea y uniforme, si fuera tan sólo "unao dos, las izquierdas latinoamericanas no presentarián la fortaleza actual"unao dos, las izquierdas latinoamericanas no presentarián la fortaleza actual.

Defendemos, también, que la continuidad del fortalecimiento de lasizquierdas latinoamericanas dependerá en buena medida de la cooperación

Las diferentes estrategias delas izquierdas latinoamericanas

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174 Miscelânea Internacional – 1998-2013

entre las distintas corrientes existentes. Tal cooperación no excluye la luchaideológica y política entre las múltiples izquierdas; pero esta lucha necesitadarse en los marcos de una máxima cooperación estratégica.

Tal cooperación será más difícil mientras más imperfecta sea nuestracomprensión acerca del proceso que estamos viviendo.

La base político-material que hace posible la cooperación entre la mayoríade las distintas corrientes de la izquierda latinoamericana es la existencia deuna situación estratégica común. Si esta situación va a continuar existiendoo no, dependerá de la lucha político-social que está en curso en este exactomomento.

Las corrientes ultra-radicales o híper-moderadas que se niegan a percibirla existencia de una situación estratégica común son exactamente aquellasque, consciente o inconscientemente, prestan servicio a las clases dominan-tes locales o al imperialismo.

Trazos de la formación histórica

Lo que conocemos hoy como América Latina contribuyó a la llamada“acumulación primitiva” y, desde entonces, está totalmente integrada alcapitalismo mundial. Del debate sobre el carácter de esta integración derivanlas diferentes posiciones existentes acerca de la naturaleza del desarrollorealmente existente en cada país y en el conjunto de la región, acerca de lasposibilidades de la lucha reformista y revolucionaria, del “capitalismo de-mocrático” y del socialismo.

La resistencia nacional a la invasión y explotación por parte de las poten-cias europeas, así como la resistencia de los productores directos a la explo-tación practicada por las clases dominantes locales y extranjeras, ha asumidovariadas formas desde 1492.

El siglo XX –en un ambiente marcado por la creciente industrialización,por el imperialismo, por las guerras mundiales, por la Revolución Rusa,por las revoluciones y guerras anti coloniales– las luchas populares latinoa-mericanas pasaron a combinar, de distintas formas, las demandas por de-mocracia política, soberanía nacional y reforma agraria, con los objetivosanticapitalistas y socialistas.

Hasta la década de 1950, la combinación predominante enfatizaba lasdemandas nacional-democráticas: derrotar al imperialismo y a los latifundios,

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175Valter Pomar

que para algunos constituían “restos feudales”, industrializar la economía,democratizar el Estado y afirmar la soberanía nacional. Esta orientaciónnacional-democrática era compartida por la mayor parte de los socialistas,incluso por los partidos comunistas surgidos a partir de los años 1920.

Denominada en la variante marxista como “etapismo” (primero la revo-lución burguesa, después la revolución socialista), la orientación nacional-democrática fue criticada, dentro de la propia izquierda, por tres motivosprincipales: a) por subestimar los vínculos orgánicos entre latifundio, im-perialismo y capitalismo; b) por creer en la viabilidad de una alianza estra-tégica del proletariado con la “burguesía nacional”; c) por concebir cómo“etapas” relativamente estancadas, lo que sería más adecuado concebir como“flujo”, como “transcrecimiento”.

La formulación más consistente del etapismo, así como su defensa frentea las críticas, fue hecha por los partidos comunistas. Aquí no se hace nece-sario rememorar los detalles del debate, pero es preciso enfatizar dos cosas.Primero, tenían razón los que decían que era necesario relativizar los “obs-táculos” al desarrollo capitalista en América Latina. El “imperialismo” y el“latifundio”, la dependencia y el mercado interno limitado, fueronmetabolizados e incorporados al desarrollo capitalista realmente existente.Por lo tanto, deducir de estos “obstáculos” la posibilidad de una alianzarevolucionaria (anti-imperialista, anti-latifundista) entre la burguesía “na-cional” y el proletariado, era transformar lo secundario (las contradiccionesrealmente existentes, que llevaron a fracciones de la burguesía a adoptaractitudes más radicales) en una contradicción principal. Llevando al errorde extraer de esta contradicción, supuestamente principal, consecuencias(concebir al proletariado como ala izquierda de la revolución democrático-burguesa) sin una base material adecuada.

Segundo, tenían razón los que decían que la lucha por el socialismo enAmérica Latina no podía minimizar las llamadas “tareas pendientes” de larevolución democrático-burguesa.Temas como soberanía nacional, indus-trialización, democratización política, reforma agraria y políticas públicasde bienestar social constituyen aún hoy la materia prima de toda y cualqui-er lucha política implementada por los socialistas en América Latina. Elhecho de que la burguesía no esté en condiciones de dirigir la lucha porestas reivindicaciones no las retira del horizonte político; el hecho de que elproletariado sea llamado a asumir la vanguardia de estas reivindicacionesno elimina su carácter democrático-burgués.

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El debate teórico esbozado arriba sólo puede encontrar completa soluciónen el terreno de la práctica, a saber: la lucha por demandas históricamentedemocrático-burguesas puede cumplir uno u otro papel estratégico, a de-pender de la correlación de fuerzas en ámbito nacional, continental y mun-dial. Si el proletariado tiene fuerza y radicalidad suficientes, la lucha pordemandas democrático-nacionales puede sufrir un “transcrecimiento” ha-cia las transformaciones de tipo socialista. En cambio, si el proletariadoestá débil y subalterno, la lucha por la “revolución democrática” no será nidemocrática, ni revolucionaria, mucho menos acumulará fuerzas hacia elsocialismo.

La discusión sobre el carácter de la revolución (socialista, democráticaetc.) latinoamericana fue siempre simultánea al debate sobre la vía de larevolución: violenta o pacífica, guerrilla o insurrección, etc. Nuevamente,diferentes combinaciones fueron establecidas: desde “etapistas” adeptos delas formas más radicales de la violencia, hasta socialistas imbuidos del másfirme compromiso con la “transición pacífica”.

Las distintas variantes del “etapismo” y del “reformismo” fueron dura-mente cuestionadas por la victoria de la revolución cubana en 1959. Paraalgunos sectores de la izquierda, la discusión estratégica (sobre el carácter ysobre la vía de la revolución) parecía resuelta en favor de un determinado“modelo”. Siendo que la revolución cubana realmente existente era unacosa, y los “modelos” que se formularon a partir de ella eran otra. Divergenciasimilar se dio en el caso ruso de 1917 y en el caso chino de 1949: losmodelos simplificaban y muchas veces contradecían enormemente la estra-tegia realmente implementada.

Observaciones sobre la transición socialista y estrategia

Hay tanta confusión acerca de los términos “capitalismo”, “transición”,“socialismo” y “comunismo”, que se hace necesario explicar lo que se quieredecir, en este texto, con estas palabras.

Por capitalismo entendemos un modo de producción basado en lapropiedad privada de los medios de producción, modo de producción don-de los productores directos son obligados a vender su fuerza de trabajo a loscapitalistas, que se apropian de la “plusvalía” de los asalariados; sicontraponemos al capitalismo otro modo de producción, fundado en la

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propiedad social de los medios de producción, entonces se hace imprescin-dible trabajar con las categorías de “comunismo” (aquel otro modo de pro-ducción) y de “socialismo” (el periodo de transición entre uno y otro modode producción).

Por razones históricas conocidas, el término “comunismo” es rechazadoo simplemente dejado de lado por amplios sectores de la izquierda, inclusopor algunos que se proclaman revolucionarios. Pero, desde el punto devista teórico, el uso del término es esencial, una vez que permite distinguirentre lo que es la “transición” y lo que es el “objetivo final” (o sea, la formamadura de la sociedad que se pretende construir).

Cuando hablamos de socialismo, hablamos de transición entre capitalis-mo y comunismo. Por lo tanto, la transición socialista (o el socialismo) es,por definición, una formación social que combina capitalismo con anti-capitalismo. Lo que define si estamos frente a una formación socialista es laexistencia de un movimiento orgánico, estructural, hacia la produción y lapropriedad social (con todas las complejas consecuencias políticas y soci-ales de esto). En otras palabras, lo que define si estamos frente a una tran-sición socialista es la existencia de un movimiento en dirección a lasocialización de la producción, de la propiedad y del poder político.

Esta definición del socialismo como “movimiento en direción a” contieneal menos dos motivos potenciales de confusión. El primero de ellos es elque considera la transición como un proceso lineal, de acumulaciónprogresiva, tomando cualquiera reculo como señal de regreso al capitalis-mo, como motivo para creer que la transición hacia el socialismo fueinterrumpida. El segundo de ellos es la confusión entre:

a) la lucha que trabamos dentro del capitalismo, en favor del socialismo;b) la construcción o transición socialista.En nuestra opinión, una variable fundamental para eliminar la confusión,

en los dos casos, es saber con quién está el poder político. O sea: en estoestá la diferencia entre reculo y desbandada; entre concesión y capitulación;entre “mejorismo” y lucha por reformas.

Por ejemplo: la diferencia entre la lucha por el socialismo y la transiciónsocialista puede no estar en las medidas en sí, pero necesariamente tieneque estar presente en la política, en la correlación de fuerzas, en el poder delEstado. Esto se debe a que las limitaciones de la base material puedenobligar a un gobierno revolucionario a adoptar medidas pro-capitalistas.

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Pero estas medidas adquieren distintos sentidos estratégicos, cuando sonadoptadas por un gobierno burgués o por un gobierno socialista.

Para transformar la lucha por el socialismo en efectiva transición socia-lista, para comenzar la construcción del socialismo, es preciso controlar elpoder del Estado, o sea, tener los medios para incidir en la estructura de lasociedad, en el control de la economía, en los medios de producción. Claroestá que estos medios son determinados, en última instancia, por la basematerial preexistente: toda la voluntad política del mundo, el más absolutopoder del Estado, no es capaz de transformar una base material pre-capita-lista en materia prima suficiente para la construcción del socialismo. Eneste caso, lo que el poder político puede garantizar, dentro de ciertos límites,es que las políticas de desarrollo capitalista estén al servicio del proyectoestratégico de construir el socialismo.

Mientras la clase trabajadora no tenga el poder de Estado, ella puedeincidir muy poco en las macro determinantes económicas, que producen yreproducen cotidianamente el capitalismo. Sólo con el poder del Estado, laclase trabajadora puede cambiar el patrón de acumulación existente en lasociedad, haciendo que el polo hegemónico deje de ser la propiedad priva-da y la acumulación de capital, pasando a ser la propiedad colectiva y laacumulación social.

La conquista del poder de Estado es un proceso complejo, cuyo puntode cristalización es el establecimiento del monopolio de la violencia. No esque no pueda estar presente una contestación a este monopolio, pero ellano puede ser relevante a punto de poner en cuestión el propio poder delEstado. Además del monopolio de la violencia, la conquista del poder delEstado envuelve otros elementos, tales como la creación de una nueva ins-titucionalidad política y jurídica; la capacidad de gestión de la economía yde la comunicación social; el reconocimiento de hecho y de derecho porparte de otros Estados etc. Además de eso, como ya sabemos, el poder esuna relación social, que se puede ganar y perder. Lo que ocurre en escalamicro con los gobiernos electos, también puede ocurrir en escala macrocon los Estados originarios de grandes revoluciones sociales. Las revolucio-nes sólo son “irreversibles” en algunos discursos, no en la historia real.

Ninguna clase social o bloque de clases llegó al poder de Estado utilizan-do sólo una vía de acumulación de fuerzas o una única vía de toma delpoder. La victoria de la insurrección soviética, de las guerras populares china

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y vietnamita, de la guerra de guerrillas cubana, se harían incomprensibles,si desvinculáramos las formas de lucha que fueron principales en cada caso,de las otras formas de lucha que se hicieron presentes al lado de la forma delucha principal: luchas de masa o de vanguardia, legales o clandestinas,electorales o de acción directa.

Sin embargo, las condiciones históricas de un país o de una épocaconfieren a una determinada forma de lucha, el papel de catalizador y deariete principal en el enfrentamiento con las clases enemigas y su poder deEstado. Pero esta condición de catalizador, de forma de lucha principal, esun producto orgánico de una situación concreta, que no puede sertrasplantada a otra situación histórica.

Hablamos varias veces de la conquista del poder de Estado, siendo necesa-rio recordar lo obvio: si el poder es una relación social, conquistar el poder deEstado exige construir una correlación de fuerzas social distinta, un bloquepolítico-social que apunte a concretar un determinado programa.

¿Qué programa? La respuesta a esta cuestión nos lleva de vuelta al deba-te sobre el “carácter de la revolución”.

En una sociedad capitalista, la construcción de una alternativa históricapara las contradicciones existentes en esta sociedad exige dar inicio a latransición socialista. Pero esta conclusión teórica e histórica, según la cualestá en el “orden del día” superar el capitalismo, cuando es traducida alterreno de la estrategia política, puede ser entendida al menos de dos mane-ras diferentes:

a) la manera izquierdista defiende construir un bloque político-social entorno a un programa directamente socialista;b) la manera “democrático-popular & socialista” defiende construir unbloque político-social en torno a un programa que articule medidas de-mocráticas con medidas socialistas. En las condiciones actuales de desar-rollo del capitalismo, las medidas democráticas no son socialistas, peropueden asumir un sentido anti-capitalista.Para quien cree que socialismo y anti-capitalismo son sinónimos, esto

no pasa de un juego de palabras. Entendiemos que el socialismo es el anti-capitalismo consecuente, aquel anti-capitalismo que implica la superacióndel modo de producción capitalista. Pero, en la vida cotidiana, el capitalis-mo es confrontado de diversas formas: la lucha por mayores salarios, lareforma agraria, la lucha contra los monopolios privados, la defensa de las

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empresas públicas, las políticas públicas de carácter universal, la lucha con-tra el imperialismo etc.

Esas luchas se traban contra aspectos del capitalismo o, a lo sumo, contrala forma hegemónica del capitalismo en una dada situación histórica, noapuntando en sí a la derrota del capitalismo en general, en tanto modo deproducción basado en la propiedad privada y en la extracción de la plusvalía.

O sea: son luchas capitalistas contra el capitalismo. Luchas que en gene-ral apuntan a construir sociedades capitalistas más democráticas, política,económica y socialmente. Sin embargo, bajo otras condiciones, estas luchascapitalistas contra el capitalismo pueden integrar un movimiento queconduzca a la superación del modo de producción capitalista.

En estos casos, es como si al lado del anti-capitalismo o socialismoproletario, existiera un anti-capitalismo pequeño-propietario, un socialis-mo pequeño-burgués.

El bloque político-social capaz de disputar y conquistar el poder de Estadodebe organizarse en torno a un programa que combine medidas (o tareas, oreivindicaciones) socialistas, con medidas anti-capitalistas que no son en sísocialistas. Para usar palabras más precisas, son medidas democráticas, de-mocrático-burguesas, defensoras de la pequeña propiedad contra la granpropiedad, defensoras de lo público (que es diferente de lo social & colectivo)contra lo privado, defensoras de lo nacional contra el imperialismo.

La forma en que los izquierdistas veen la construcción del bloque políti-co-social no es capaz de tener éxito por dos razones. La primera de ellastiene relación con el debate sobre la revolución en América Latina, revolu-ción que, como ya dijimos antes, necesariamente tendrá que hacerse cargode las tareas democráticas. La segunda razón es estrictamente política: lacorrelación de fuerzas que precede a la conquista del poder de Estado y elnivel de conciencia dominante en la clase trabajadora y sus aliados hacenimposibles, por definición, constituir un bloque de poder sólo o principal-mente en torno a la “lucha directa por el socialismo”. O sea: si existe domi-nación capitalista, entonces el nivel de conciencia mayoritario en el pueblono es socialista. Este nivel de conciencia sólo puede hacerse consecuente-mente socialista en el curso del proceso, motivo por el cual el punto departida programático del nuevo bloque político-social no tiene cómo serexplícita o consecuentemente socialista. Claro está que el processo de luchade clases no necesariamente va a alcanzar la “temperatura” necesaria para

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producir un nivel de conciencia socialista en sectores mayoritarios del pueblo;y que se espera que los sectores socialistas actúen tanto en el sentido de“aumentar la temperatura” (estimulando el proceso de luchas en sí), comoen el sentido de elevar el nivel de conciencia.

Por las razones explicadas antes, el bloque político-social capaz de dispu-tar y conquistar el poder de Estado necesita organizarse en torno a lascuestiones de “futuro” (la construcción del socialismo); y principalmenteen torno a las cuestiones del “pasado & presente” (enfrentar los problemasderivados del capitalismo realmente existente).

Lo que significa decir que las fuerzas socialistas sólo conquistan ymantienen el poder del Estado siempre y cuando logran construir mayoríaspolíticas en torno a programas de acción para las cuestiones inmediatas (encircunstancias históricas en que las “cuestiones inmediatas” dicen respectoa temas estructurales). El ejemplo clásico de esto sigue siendo la consigna“pan, paz y tierra”.

La revolución cubana de 1959, la revolución rusa de 1917 y la revoluci-ón china de 1949, resultaron exactamente de la continua radicalizacióndemocrática, popular y nacional. Fueron “revoluciones socialistas” no apriori sino debido al curso que tomaron, al proceso global en el que estabaninsertas.

En este sentido, sólo tiene sentido hablar de “lucha directa por el socia-lismo” si la comprendemos de la siguiente forma: la conquista del poder deEstado apuntando a ejecutar medidas programáticas democrático-popula-res puede venir a ser parte integrante de la transición socialista, sin quehaya necesariamente fases intermedias estancadas. La palabra “necesaria-mente” es fundamental en este análisis: el etapismo es un error porquesupone la necesidad de fases intermedias estancadas; pero esto no quieredecir que estas fases intermedias no vengan a existir, ni que no puedanparecer “estancadas”, como ocurrió en la Nueva Política Economica (NEP)y ocurre ahora en el “socialismo de mercado” chino, que a los ojos demuchos parece ser un periodo prolongado de abandono de la construccióndel socialismo.

La expresión “puede venir a ser” también es fundamental, pues indicaque estamos frente a un problema político, que depende de la correlaciónde fuerzas, del nivel de conciencia de las masas, de la dirección general delproceso. Problema político, que puede producir soluciones que dependerán,

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en último análisis, del nivel de desarrollo material y del potencial producti-vo alcanzado previamente por la sociedad.

Por estos motivos, es necesario combatir dos tipos de izquierdismo:a) por un lado, aquel izquierdismo que se manifiesta en la defensa de unsocialismo abstracto, desvinculado de las luchas anticapitalistas parciales;b) por otro lado, aquel izquierdismo que confunde medidas anti-capita-listas de sentido estricto, con medidas “socialistas” en el sentido amplio.Este segundo tipo de izquierdismo, muy presente en la actual coyuntura

latinoamericana, confunde la radicalización retórica y política de los proce-sos, causada en gran medida por la intransigencia de las clases dominantes,con su radicalización económico-social, olvidando que la superación delcapitalismo exige que haya desarrollo capitalista a ser superado.

A lo que dijimos hasta ahora, debe añadirse otra variable: la línea neo-etapista de la izquierda moderada latinoamericana, que rompió los víncu-los entre las tareas democráticas y la lucha por el socialismo. En algunoscasos, por ser una izquierda que abandonó el socialismo. En otros casos,por ser una izquierda que, en vez de enfrentar y superar, prefiere capitulara la correlación de fuerzas. O aún por ser una izquierda que, incluso cuan-do mantiene un compromiso genuinamente socialista, lo hace a partir deuna “estrategia proceso” (cuya traducción musical está en el verso de unacanción muy popular en Brasil, que dice así: “Deixa a vida me levar...”).

Así, podemos decir que hay por lo menos tres grandes diseños progra-máticos: el izquierdista, el neo-etapista y el democrático-popular. Losizquierdistas no perciben adecuadamente las diferencias; los neo-etapistasven una muralla de China; y los democrático-populares buscan vincularorgánicamente la lucha contra el neoliberalismo y la lucha por el socialis-mo. Estas diferencias se cruzan, de distintas formas, cuando pasamos de ladiscusión programática a la discusión sobre la vía de acumulación de fuer-zas y sobre la vía de toma del poder.

Guerra de guerrillas y vía electoral

La década de 1960 asistió a una radicalización de la lucha de clases entoda América Latina, reflejando la madurez de las contradicciones propiasdel modelo de desarrollo capitalista predominante en la región: dependientey conservador. Esto, en los marcos del recrudecimiento de la injerencia delos EE.UU. en la región y del conflicto entre “campos”.

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En aquel momento, parte de la izquierda latinoamericana, estimuladapor la experiencia cubana y convocada por la consigna de crear “muchosVietnam”, adoptó la estrategia de la “guerra de guerrillas”, la mayoría delas veces bajo la versión “foquista”.

En algunos países, la guerra de guerrillas tenía raíces orgánicas en lasituación nacional. En la mayoría de los casos, sin embargo, no la tenía oesta organicidad no fue suficiente para que prosperara. Con la excepción deNicaragua y de la propia Cuba, en ningún otro lugar de América Latina laguerra de guerrillas desembocó en una victoria revolucionaria. En algunoscasos, como El Salvador y Guatemala, la guerrilla adquirió fuerza suficien-te para conseguir acuerdos de paz que delimitaran el fin del conflicto arma-do; pero en la mayoría de los casos, la guerrilla fue completamente destruida.Hoy, en América Latina, Colombia es el único país donde hay gruposexpresivos que defienden la actualidad táctica de la estrategia guerrillera.

Con el fin del ciclo guerrillero, a finales de los años 1970 e inicio de losaños 1980, comenzó a tomar cuerpo otra estrategia, basada en la combina-ción entre lucha social, disputa de elecciones y ejercicios de gobiernos enámbito nacional, sub nacional y local. Esta estrategia fue coronada, desde1998 (Chávez) hasta 2009 (Funes), por una ola de victorias de partidos deizquierda y progresistas, en las elecciones para los gobiernos nacionales devarios países de América Latina. Esta ola de victorias electorales es productode diversas circunstancias, destacando las siguientes:

a) la desatención relativa de Estados Unidos para con su patio trasero;b) los efectos dañinos del neoliberalismo, inclusive sobre los partidosderechistas;c) la acumulación de fuerzas por parte de la izquierda, especialmente enla combinación entre lucha social y lucha electoral.Actualmente existe una nueva correlación de fuerzas en la región, que

además de impulsar cambios dentro de cada país, limita la injerencia impe-rialista. Esta situación regional convive con otras dos variables, éstas decarácter mundial: la defensiva estratégica de la lucha por el socialismo y lalarga y profunda crisis del capitalismo.

Esta es la base material que hace posible la cooperación entre las distin-tas corrientes de la izquierda latinoamericana: la existencia de una situaci-ón histórica en la cual se cruzan la presencia de la izquierda en múltiplesgobiernos de la región, la defensiva estratégica de la lucha por el socialismoy una larga y profunda crisis del capitalismo.

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Estas son las variables fundamentales de la situación estratégica común atoda América Latina, que hacen posibles y a la vez exigen un alto nivel decooperación entre los diferentes sectores de la izquierda latino-americana.Sin lo cual no se conseguirá superar la defensiva estratégica, ni se consegui-rá evitar los riesgos derivados de la crisis del capitalismo.

Desde el punto de vista de una izquierda socialista, las cuestiones centra-les a tener en cuenta son: ¿Cómo utilizar la existencia de gobiernos deizquierda y progresistas como punto de apoyo en la lucha por el socialismo?¿Cómo coordinar los diferentes procesos en curso, en cada país, de modoque ellos refuercen los unos a los otros?

Integración y estrategia

Al largo del siglo XX, la izquierda latinoamericana y caribeña enfrentódos grandes obstáculos: la fuerza de los adversarios en el plan nacional y lainjerencia externa. Esta última siempre estuvo presente, especialmente enaquellos momentos en que la izquierda intentaba o llegaba efectivamente,ya sea al gobierno central, ya sea al poder. Cuando las clases dominanteslocales no podian contener la izquierda, apelaban a los marines.

Actualmente, el ambiente progresista y de izquierda colabora en las elec-ciones y reelecciones, ayuda a evitar golpes (contra Chávez y Evo Morales,por ejemplo) y fue fundamental en la condena de la invasión a Ecuador portropas de Colombia. Además de inviabilizar o por lo menos minimizarpolíticas de bloqueo económico, que jugaron un papel importante en laestrategia de la derecha contra el gobierno Allende y continúan afectando aCuba.

La existencia de una correlación de fuerzas favorable en la región creamejores condiciones para que cada proceso nacional siga su propio curso.Aunque no resuelva de per se la situación (como se pude ver en el caso deHonduras), la actual correlación de fuerzas regional crea posibilidadesinmensas y en cierto sentido inéditas, para todos los programas y estrategi-as de izquierda. En este sentido, la primera tarea de la izquierda latinoame-ricana es preservar esta correlación de fuerzas continental.

Ocurre que, cuando fuerzas de izquierda consiguen llegar al gobiernocentral de un determinado país, lo hacen con un programa basado en untrípode: igualdad social, democratización política y soberanía nacional.

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Y la defensa de la soberanía nacional no se hace sólo contra las “metró-polis imperialistas”, envuelve también administrar los conflictos entre paí-ses de la región.

Estos conflictos no fueron “inventados” por los actuales gobiernos, siendogeneralmente herencia de periodos anteriores, incluso del desarrollodependiente y desigual ocurrido en la región. En la mayoría de los casos,no podrán ser superados en el corto plazo: por poseer causas estructurales,sólo podrán tener solución en el largo plazo, en los marcos de un adecuadoproceso de integración regional.

La exacerbación de estos conflictos regionales tendría, como subproduc-to, disimular las contradicciones mucho más relevantes con las metrópolisimperialistas.

Por lo tanto, desde el punto de vista estratégico, debemos impedir queestos conflictos se conviertan en contradicción principal pues, si esto suce-de, la correlación de fuerzas latinoamericana se alterará en favor de la inje-rencia externa.

Es sabido que los gobiernos progresistas y de izquierda de la región siguenel camino del desarrollo y de la integración, adoptando diferentes estrategi-as y con diferentes velocidades. Y ya se ha dicho que la posibilidad mayor omenor de éxito, en el ámbito nacional, está vinculada a la existencia de unacorrelación latinoamericana favorable a la posiciones de la izquierda y pro-gresistas.

Por lo tanto, nuestro obstáculo estratégico puede ser resumido así: ¿cómocompatibilizar las múltiples estrategias nacionales, con la construcción deuna estrategia continental común, que preserve la unidad con diversidad?

La solución estructural de los conflictos regionales supone una reducci-ón de la desigualdad, no sólo dentro de cada país, sino también entre laseconomías de nuestro subcontinente. La institucionalidad de la integraci-ón, tanto multilateral como las relaciones bilaterales, tiene que estar sinto-nizada con este propósito.

La reducción de la desigualdad en cada país supone enfrentar la herencia“maldita” y realizar reformas sociales profundas. Pero esto no es suficientepara eliminar las disparidades existentes entre las economías, objetivo queexige combinar, en el largo plazo, medidas de solidaridad, intercambio directoy también medidas de mercado.

Hoy coexisten cuatro “modelos” de convivencia:

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a) el de la subordinación a los EE.UU., expresado en el finado Acuerdode Libre Comercio de las Américas y en los tratados bilaterales de “LibreComercio”;b) los acuerdos subregionales, como el Mercosur (Brasil, Argentina, Uru-guay y Paraguay) y el Pacto Andino (Bolivia, Colombia, Ecuador y Perú);c) el Alba, Alternativa Bolivariana para las Américas (integrada por Ve-nezuela, Cuba, Bolivia, Nicaragua, entre otros);d) la Unasur, Unión de Naciones Sudamericanas (integrada por Brasil,Argentina, Uruguay, Paraguay, Bolivia, Colombia, Ecuador, Perú, Chi-le, Guyana, Suriname y Venezuela).Los gobiernos de izquierda y progresistas obstaculizaran la constitución

de un Área de Libre Comercio de las Américas. La experiencia del NAFTA(North America Free Trade Area, entre Canadá, EEUU y México) y susefectos sobre México, entre los cuales la catastrófica expansión del crimenorganizado, confirman la corrección de la política da izquierda.

Los acuerdos subregionales, entre los cuales el Mercosur, tienen ya unalarga historia. Durante la década neoliberal, todos estos acuerdos y susinstituciones fueron adaptados a los paradigmas vigentes, o sea, fueronvistos como pasos intermedios para la futura adhesión al Área de LibreComercio de las Américas.

El fin de la ALCA y la predominancia de un espíritu de convergencia depolíticas de desarrollo, y de amplia integración cultural y política, puso enla orden del dia la necesidad de crear un espacio más amplio de integraciónque fuera distinto:

a) a la Organización de los Estados Americanos, o a las cumbres ameri-canas, euro e iberoamericanas, que cuentan con la presencia de las po-tencias;b) al Grupo de Rio, que posee una dimensión latinoamericana y caribeña.Independientemente de lo que podamos pensar acerca de su sostenibili-

dad interna, de la naturaleza de los acuerdos firmados, de la materializaci-ón efectiva y de los efectos en los países receptores, el espíritu de solidaridadpresente en el Alba es extremadamente meritorio.

Sin embargo, no existe correlación de fuerzas, ni mecanismos instituci-onales o situación económica que permitan al conjunto de los países de laregión adoptar los principios solidarios del Alba y/u operar de manera si-milar al gobierno venezolano. En esencia, porque no es sostenible que pa-íses capitalistas mantengan una política externa socialista.

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187Valter Pomar

Por ello, aunque toda política progresista y de izquierda deba necesaria-mente contener un componente de solidaridad e identidad ideológica, ladimensión principal de la integración, en la actual etapa de la historia lati-noamericana, es la de los acuerdos institucionales entre los Estados, acuerdosque no deben limitarse a los aspectos comerciales (“fenicios”, para usar unaexpresión del senador uruguayo Pepe Mujica).

Esta comprensión de una integración de amplio alcance constituye elpaño de fondo de la creación de la Comunidad Sudamericana de Naciones(2004), cuyo nombre se cambió posteriormente a Unasur (2007). El éxitode la Unasur (ahí comprendiendo el Banco del Sur y el Consejo de Defensa)supone:

a) la cooperación entre gobiernos que son adversarios políticos e ideoló-gicos, lo que en el presente momento significa evitar rompimientos conColombia y Perú;b) el compromiso efectivo de las principales economías de la región, unode los motivos por los cuales es fundamental que el Senado brasileñoapruebe la entrada de Venezuela en el Mercosur;c) hacer prevalecer el interés de Estado, por sobre la dinámica de lasgrandes empresas privadas brasileñas, que desarrollan una política inter-nacional propia, que puede poner en riesgo los objetivos estratégicos deldesarrollo con integración;d) la institucionalización cada vez mayor del proceso, incluso con laconstitución de organismos electos directamente por el voto popular.Conclusión: en los marcos de una ecuación estratégica común (la de “ser

gobierno como parte de la lucha para ser poder”), debemos operar políticasnacionales distintas, pero combinadas en una estratégica continental común,cuyo ritmo será dado por el sentido y por la velocidad de las transformaci-ones en los mayores países, a comenzar por Brasil. Aunque eso haga máslenta la marcha, es mejor mantener la “vanguardia” bien próxima del “cuerpoprincipal” de la tropa. Lo que nos lleva a discutir cómo utilizar la existenciade gobiernos de izquierda y progresistas como punto de apoyo en la luchapor el socialismo.

Gobiernos electos y lucha por el socialismo

Si excluimos los híper-moderados y los ultra-izquierdistas, podemos decir

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188 Miscelânea Internacional – 1998-2013

que hay dos posiciones básicas entre los socialistas latinoamericanos, frentea los gobiernos progresistas y de izquierda existentes en la región:

a) están lo que ven tales gobiernos sólo como parte del proceso de acu-mulación de fuerzas;b) están los que consideran que estos gobiernos constituyen parte fun-damental de la acumulación de fuerzas y también de la vía de toma delpoder.Ambas posiciones se basan, en primer lugar, en la observancia de los vín-

culos existentes entre reforma y revolución. En la historia de la humanidad,hay periodos de evolución “reformista” y periodos de evolución “revolucio-naria”. La diferencia entre unos y otros reside en tres aspectos combinados: lanaturaleza de los cambios, la forma con que son impuestos los cambios y lavelocidad con que ocurren. Pero la diferencia fundamental es la naturaleza delos cambios. Los “cercamientos”, la difusión de las máquinas y la ofensivaimperialista sobre China, para citar ejemplos de los siglos 18 y 19 y 20,respectivamente, fueron revolucionarios en la medida en que alteraron lasrelaciones sociales de producción. Fue esto, y no la velocidad ni la formaviolenta, lo que definió el carácter revolucionario de los procesos citados.

Los procesos revolucionarios no surgen de la nada, de un momento aotro, por generación espontánea. Las revoluciones constituyen un momen-to de la evolución de las contradicciones de una sociedad, el momento enque estas contradicciones alcanzan un punto de ruptura, de transformaci-ón hacia algo distinto. Dicho de otra forma, las revoluciones ocurren cuan-do una sociedad no puede más evolucionar solamente de manera “refor-mista”. Hay, por lo tanto, continuidad, pero también ruptura, entre losmomentos “reformistas” y los momentos “revolucionarios” de evolución deuna sociedad. La revolución no existiría sin las reformas; pero la revoluciónexiste exactamente porque las reformas no son ya suficientes.

A todo esto se debe añadir que un componente decisivo en la transfor-mación de las reformas en revolución reside en la combinación entre ladisposición de lucha de las clases dominadas y de resistencia de las clasesdominantes. Cuando los de abajo luchan intensamente por cambios y losde arriba ofrecen brutal resistencia, están siendo creadas las condicionespara transformar la lucha por reformas en revolución.

Pasando del ángulo histórico al estratégico, es obvio que los procesoselectorales no son suficientes para iniciar la construcción del socialismo,

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una vez que ellos nos permiten llegar al gobierno, no al poder. Por estemotivo, en las sociedades donde la izquierda consiguió llegar al gobiernopor la vía electoral, es preciso construir un camino hacia el poder que con-sidere el hecho de estar en el gobierno como variable muy relevante de unapolítica revolucionaria, como parte de las circunstancias históricas, no comoun “problema imprevisto” o un “desvío indeseable”.

Curiosamente, la mayor parte de la izquierda no ve dificultad en articu-lar teóricamente el momento reformista y el momento revolucionario de laestrategia, cuando lo que está en cuestión es la lucha sindical o la elecciónde parlamentarios. Pero enfrenta una enorme dificultad, cuando lo queestá en cuestión es la relación entre el ejercicio de un gobierno nacional y lalucha por el poder.

Uno de los motivos para esta dificultad es que, en la mayor parte de loscasos en que asumió electoralmente gobiernos nacionales, la izquierda nologró acumular fuerzas en dirección al socialismo: o abandonó su progra-ma, o fue derrotada electoralmente, o fue derribada por golpes y/ointervenciones extranjeras. Si las revoluciones socialistas son eventos raros,mucho más raras parecen ser las transiciones socialistas a partir de gobier-nos electos.

No obstante, la derrota de experiencias como la de la Unidad Popular,así como la derrota de incontables tentativas revolucionarias “clásicas”, nopermite concluir la inviabilidad de un determinado camino estratégico;permite apenas concluir que, actuando bajo determinadas condiciones his-tóricas y actuando en ellas con determinadas opciones, la izquierda fuederrotada. Para los que piensan que victorias electorales de la izquierdaconstituyen siempre la antesala de la derrota, se hace necesario responder ados cuestiones:

a) ¿cómo acumular fuerzas, en una coyuntura histórica en la que predo-mina la “democracia electoral”?b) ¿cómo conferir legitimidad a las vías clásicas de toma del poder, en unmomento en que la izquierda está consiguiendo victorias electorales?Ya para los que piensan que, en determinadas condiciones históricas,

adoptando determinadas políticas, es posible transformar victorias electo-rales en gobiernos que acumulen fuerzas en dirección al socialismo, es pre-ciso responder sí:

a) ¿tales gobiernos constituyen una especie de “parada” en una ruta que

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190 Miscelânea Internacional – 1998-2013

llevará a un enfrentamiento revolucionario?b) ¿tales gobiernos constituyen parte integrante de una vía de toma delpoder diferente de la insurrección y de la guerra popular?Los que defienden esta segunda posición están llamados a estudiar otra

de las experiencias paradigmáticas de la izquierda latinoamericana: el gobi-erno de la Unidad Popular chilena (1970-1973).

La izquierda híper-moderada considera tener poco que aprender con laexperiencia de la Unidad Popular (UP), una vez que ésta se proponíaexplícitamente como una vía para el socialismo.

Como mucho, usan la experiencia de la UP para instilar un temorreverencial en relación a la derecha, al imperialismo y a las fuerzas armadas,así como para “comprobar” que no se debe “forzar” la correlación de fuerzas.

La izquierda ultra-radical tampoco le da mucha importancia a la UP,que no se encaja en sus paradigmas preferidos: la insurrección, la guerra deguerrillas o, más recientemente, el “movimientismo”.

Como mucho, usan la experiencia de la UP para confirmar sus temores enrelación a la derecha, al imperialismo y a las fuerzas armadas, así como para“comprobar” que es infructífero intentar una vía electoral al socialismo.

A rigor, híper-moderados y ultra-izquierdistas dudan de la posibilidadde utilizar los procesos electorales (y los mandatos de allí resultantes) comopunto de apoyo para la lucha por el socialismo.

Cuando discutimos hoy el papel de los gobiernos nacionales electos en lalucha por el socialismo, lo hacemos en una situación histórica distinta deaquella existente en 1970-1973. Pero las cuestiones fundamentales a estudiary debatir no se han alterado:

a) la composición y el programa de un bloque histórico popular;b) la combinación entre la presencia en el aparato del Estado y la cons-trucción de un contrapoder, especialmente en el caso de las fuerzas ar-madas;c) como lidiar con la actitud de las clases dominantes, que frente aamenazas a su propiedad y a su poder, quiebran la legalidad y empujanel proceso hacia situaciones de ruptura;d) la mayor o menor madurez del capitalismo existente en cada formaci-ón social concreta y la resultante posibilidad de tomar medidas socialis-tas.La gran novedad, que incide sobre los términos de la ecuación arriba

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191Valter Pomar

resumidos, es la constitución, entre 1998 y 2008, de una correlación defuerzas en América Latina que permite limitar la injerencia externa. Mientrasexista esta situación, será posible especular teórica y prácticamente acercade una vía de toma del poder que, aunque también revolucionaria, seadiferente de la insurrección y de la guerra popular.

Este texto es una versión revisada de un artículo publicado en laantología América Latina: Reforma o Revolución,

publicado por Ocean Sul

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192 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Yo tengo 43 años, nací el año 1966 y soy militante político por lo menosdel año 1978, comencé a hacer política en la secundaria. Milité en el parti-do comunista, después me ligue al Partido dos Trabalhadores. Desde 1997hago parte de la directiva nacional del PT. Desde noviembre 2005 hastafebrero de 2010 fue secretario de Relaciones Internacionales del Partido delos Trabajadores de Brasil, hoy soy de la directiva nacional y encargadopela secretaria ejecutiva del foro de San Pablo, que congrega distintos par-tidos de izquierda latinoamericanos. Profesionalmente yo soy gráfico y doctoren historia, aunque no tenga experiencia profesional como maestro.

Soy dirigente del PT, pero todo lo que voy a hablar es mi opiniónpersonal que puede coincidir y en general coincide con la opinión media-na del partido.

*Nosotros tenemos una historia en el siglo XX de luchas sociales, políti-

cas y militares, asi como de construcción de grandes partidos y experimen-tos socialistas.

Hay una serie de acciones del movimiento socialista y sus distintos maticesdel siglo XX que conforman nuestro patrimonio colectivo, un patrimoniocolectivo de la izquierda mundial, aunque nadie se reconozca en todo elpatrimonio, el patrimonio existe y es un patrimonio colectivo, con susaciertos y también con sus errores. Lo mismo no pasa aún en el siglo XXI.

*No existe el socialismo del siglo XX así como no existe el socialismo del

siglo XXI, así como no existe la izquierda en singular. Nuestro movimientoes plural por definición, desde el principio hasta hoy y seguirá siéndolo, lapluralidad histórica, geográfica, sociológica, política, ideológica es un com-ponente genético de la izquierda y del movimiento socialista en particular,por tanto, lo cierto es hablar de “socialismos del siglo XX”, “socialismos delsiglo XXI” y no se trata solamente de un juego de palabras, porque lo queestá en gestión es que aunque no se puede decir que todas las líneas seancorrectas, se puede decir que ninguna estrategia, ninguna concepción pue-de presentarse como un modelo universal la cual sirva para las demás.

*

Palestra para jovenes en Chile

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193Valter Pomar

Mi punto de partida, por lo tanto, es que nosotros tenemos que recono-cer primero el carácter inicial, el carácter aun muy sencillo de la izquierdaen este principio del siglo XXI, su pluralidad y un inmenso déficit teórico.

Lo que predomina en estos días, más que la pluralidad, es una confusióntremenda y un déficit teórico tremendo.

Hay tres grandes temas –el análisis del capitalismo contemporáneo, el análisisde las experiencias socialistas en sus distintas variantes del siglo XX y el debatesobre la estrategia de la izquierda– sobre las cuales estamos muy lejanos de tenerparadigmas comunes, no respuestas comunes pero paradigmas comunes.

*El presidente Rafael Correa dice en su discurso de toma de posesión que

nosotros no vivimos una época de cambios, sino que vivimos un cambio deépocas y muchos de la izquierda hallaron la frese buenísima y pasaron arepetirla, pero yo pienso que hay mucho de optimismo en esta idea y en estaimagen, porque de verdad nosotros estamos inmersos en una crisis tremendaque constituye si una oportunidad para nosotros cambiarmos de época, perotambién consiste en una oportunidad para las fuerzas de derechaaprofundizaren su dominación.

Nosotros tenemos la mirada en America Latina, pero en Europa estamosviendo la derecha aprovechando la crisis para avanzar.

Entonces tenemos que tener claro que más que hablar que ya estamos enuna situación de cambio de época, sería más preciso hablar que estamos sien una época mundial de crisis y transiciones. En cuatro terrenos:

1) Hay una crisis del patrón de acumulación capitalista, pero no estaclaro que patrón de acumulación lo sustituirá.

2) Estamos en un momento de crisis de la hegemonía estadounidense,pero tampoco esta claro que tipo de hegemonía será colocada en su lugar.

3) Estamos en un momento de crisis del patrón de desarrollo conserva-dor y neoliberal en America Latina, pero no esta claro todavía que tipo, quemodelo será construido en lugar de este modelo conservador y neoliberal.

4) Estamos en un momento de crisis del pensamiento neoliberal pero noestá claro que tipo de paradigma será colocada en su lugar.

Entonces vivimos una situación de crisis de los patrones que son hege-mónicos, pero sin tener claro sobre qué tipos de patrones se empecerá ahegemonizar el mundo.

La crisis del patrón de acumulación capitalista es clave y envuelve por lomenos también cuatro dimensiones:

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194 Miscelânea Internacional – 1998-2013

1) una crisis clásica de acumulación. Por eso los empresarios y teóricosdel capitalismo están haciendo recomendaciones firmes y convictas de quese deba leer a Marx;

2) una crisis del carácter financiero que el sistema capitalista asumió eneste último período.

3) una crisis de un patrón específico vinculado al consumo estadouni-dense.

4) una crisis de la institucionalidad creada después de la segunda guerramundial.

Son cuatro cosas combinadas que conforman esta crisis del patrón deacumulación capitalista, lo que genera la principal característica de esteperíodo que estamos viviendo, que es la inestabilidad, una profunda ines-tabilidad en todos los terrenos.

La inestabilidad tiene una dimensión más visible y otra menos visible, ladimensión más visible de la inestabilidad tiene que ver con esta crisis queyo mencioné, la crisis del patrón de acumulación capitalista y la crisis de lahegemonía estadounidense.

Tenemos una situación en que el modelo estadounidense está en crisis ynadie tiene fuerza suficiente para conservar el modelo o para definir elmodelo sustituto y esto crea inestabilidad.

Pero hay otro elemento de inestabilidad que se vincula a la contradiccióncada vez más profunda entre lo que se denominó como globalización –losproblemas son cada vez más globales– y de otra parte el carácter limitado dela institucionalidad política internacional.

O sea, tenemos problemas cada vez más mundiales, pero la institucionali-dad no está a la altura de esos problemas y esto crea inestabilidad también.

Vivimos una situación en que “el viejo esta muriendo y el nuevo aún nonace” y es por esto que nosotros tenemos una dificultad tremenda paraconstruir alternativas y es por esto también que hoy abundan las solucionesparciales, las soluciones transitorias y las soluciones imperfectas para todoslos problemas.

Cito una, la moneda internacional: todos saben que no se saldrá de estasituación en que estamos si la moneda internacional sigue siendo el dólar,pero nadie tiene fuerza para hacer este cambio, lo que hace que se genereuna inestabilidad tremenda. En otros períodos de la historia eso se resolvióde la manera más cruel, la guerra.

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195Valter Pomar

¿Cuáles son los desenlaces para esta situación?, de manera muy sencilla,didáctica y esquemática nosotros podemos decir tenemos ante nosotrostres desenlaces en hipótesis:

1) Un desenlace conservador. Si los que dominaron ayer logran tomarcontrol de la situación y siguen dominando mañana, o de manera mássimplificada, si los Estados Unidos salen de este proceso de crisis internaci-onal manteniendo su hegemonía sobre el mundo.

2) Otro es el desenlace “progresista”. Significa que los países capitalistasque no hacen parte hoy del comando central del mundo logran poner unnuevo modelo internacional que aún siendo capitalista no será hegemoni-zado por el eje atual.

3) Se puede tener un desenlace de tipo socialista, como ya pasó en otrosmomentos de crisis profunda, por ejemplo en principios del siglo XX.

Los tres desenlaces van a depender de la lucha que se da hoy dentro decada país y de la lucha que se da entre los Estados en el terreno internacional.

En mi opinión lo más probable hoy aun es un desenlace conservador,por variados motivos, entre los cuales: a pesar de la crisis, el poderío de losEstados Unidos y de sus socios es tremendo.

Por eso no comparto la idea de que el neoliberalismo está muerto, que estodo pasado, que estamos en otro período histórico.

Aún no, puede pasar, pero aún no es verdad.De otra parte, el fortalecimiento de la izquierda dentro de cada país, y el

fortalecimiento de la integración regional de los países que no hacen partedel club que dominaba el mundo antes, es fundamental, para que se puedahablar de un desenlace progresista o de un desenlace socialista.

O sea, los que quieren que de esta crisis emerja un mundo progresista osocialista, tienen que tener claro que esto depende de cuánto nosotros acu-mulemos de fuerza en cada país, y de cuánto nosotros acumulemos entérminos de integración entre los países, entre los estados, entre los pueblos,que no hacen parte del condominio que gobernaba el mundo.

*Que el mundo futuro sea distinto, dependerá de la situación en la izqui-

erda. La izquierda en todos sus matices, todas, las demócratas, las naciona-listas, los desarrollistas, los socialistas, los comunistas, y todas las que uds.puedan nombrar, todos sus matices sufrieron una derrota tremenda a finesdel siglo XX, tremenda. Y simultánea, porque se habló mucho la caída del

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196 Miscelânea Internacional – 1998-2013

muro de Berlín, pero al mismo tiempo el Welfare Sate, el nacionalismorevolucionario, el desarrollismo progresista, todos se sometieron a una ofen-siva brutal de la derecha y del capital en todo el mundo. Entonces nosotrosvenimos de una derrota brutal.

La izquierda en escala mundial está hoy en un momento de defensivaestratégica.

De 2001 para acá, qué está pasando de nuevo en este escenario de defen-siva estratégica?

La primera, es la asunción del fundamentalismo islámico como un opo-nente del american way of life.

Pero al contrario de la izquierda, del socialismo, del comunismo delsiglo XX, que constituye una alternativa hegemónica o una alternativa con-tra-hegemónica global al capitalismo, el fundamentalismo no es una alter-nativa global.

No estoy diciendo que no es una alternativa porque a mí no me gusta,estoy hablando de que no ofrecen, no tiene capacidad de ofrecer una alter-nativa de conjunto a la sociedad capitalista moderna, hegemonizada porlos Estados Unidos.

Y por tanto, es un enemigo ideal, porque no hay como derrotarlo, peroal mismo tiempo es un enemigo que no constituye una amenaza global alsistema.

La segunda novedad, de este último período de defensiva estratégica, esla transferencia del polo dinámico de la economía mundial para Asia, enparticular el rol que China está jugando.

Sobre esto, lo importante es verificar si China hoy es una alternativaglobal al modelo capitalista anglosajón ¿o no? Hay una pelea de polarizacióny una disputa de hegemonía creciente, entre Estados Unidos y China, esverdad. Pero la cuestión no es esa, la cuestión es saber si lo que existe hoy enChina, lo que China representa, si es o no una alternativa estratégica alcapitalismo hegemónico hoy.

La tercera novedad es el surgimiento de una ola de gobiernos progresis-tas y de izquierda en América Latina.

¿Cuál es la situación específica de América Latina? Miren, de maneramuy simplificada, hasta el 98, la hegemonía en nuestro continente eraclara, neoliberal.

Del 98 hasta el 2008 hubo un cambio impresionante. Se puede hablaren el 2008, en la constitución de la hegemonía de nuevo tipo ¿cuál

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197Valter Pomar

exactamente? No se sabe, pero que no era más neoliberal, no era más. Estose sabe, se sabe lo que no era más. Entonces, en una década, en 10 años, del98, cuando se elige a Chávez, hasta el 2009 cuando se elige Funes, en esteperíodo tuvimos un cambio en la correlación de fuerzas en América Latina.

Este cambio es claro en la política porque hubo un derrocamiento de lospartidos que aplicaban las políticas neoliberales y hubo un ascenso de lospartidos que hacían oposición a las políticas neoliberales. Pero este cambiono es claro así en el terreno de la economía.

En el terreno de la economía todos los países, todos, los países latinoa-mericanos aun siguen hoy en los marcos de la economía hegemónica, delmodelo que fue derrotado en las urnas.

Brasil sigue, Venezuela sigue, Bolivia sigue. En esto tenemos que hablarclaro porque existe una confusión tremenda, en que las personas piensanque tú eliges el presidente y cambias el modelo. No es verdad esto.

Aún en Brasil, cerca del 40% del presupuesto está comprometida condeudas que fueron acumuladas en el período neoliberal. Aún ahora Vene-zuela depende, para su presupuesto, de la venta de petróleo a los gringos.Aún hoy, Bolivia depende, para hacer las políticas sociales, de un modeloprimario exportador.

Entonces, si tu miras señales económicos, podemos decir que, hay cambios,pero aún dentro de una situación de hegemonía del modelo anterior.

En algunos países los cambios son muy profundos, en otros muy chicos,pero de manera generalizada sigue presente la hegemonia del modelo anteri-or en la economía, aunque tengamos avances impresionantes en la política.

En algunos casos, como Venezuela, el discurso oficial del gobierno esque se está construyendo el socialismo del siglo XXI. Y eso genera unacerta confusión, porque el tipo sale en la calle y se encuentra todavía con elcapitalismo del siglo XX. Y no siempre funcionando bien.

*Del 98 hasta el 2008, hubo un cambio tremendo en la correlación de

fuerzas en América Latina, esa es la buena noticia. Pero la mala noticia, esque desde el 2008 para acá, está en curso una contraofensiva de la derechalatinoamericana.

Esto se traduce, primero en una tentativa de desestabilización de lo quevoy a denominar acá de eslabones más debiles de la cadena de gobiernosprogresistas latinoamericanos.

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198 Miscelânea Internacional – 1998-2013

La derecha hizo esto en Panamá, cuando eligió un presidente deultraderecha; hizo esto en Guatemala, donde intentó armar un golpe; estáhaciendo esto permanentemente en Paraguay, e hizo esto con éxito enHonduras.

El segundo aspecto de la ofensiva de la derecha es crear alternativas electo-rales fuertes en los locales donde los gobiernos también son fuertes. Nosotrostuvimos un tremendo ejemplo aquí en Chile. Se está estimulando una nuevaderecha, con una mix de Sarkozy con Berlusconi, tipos empresariales, con undiscurso que se pretiende moderno, dinámico, empresarial, y que se presentanpara disputar el terreno electoral con la izquierda.

Tercero, la derecha está reforzando los gobiernos que son simpáticos alos Estados Unidos. Voy a citar dos casos: México y Colombia. Hay unesfuerzo tremendo de parte del gobierno norteamericano de sustentar, apoyary mantener la derecha en el gobierno en estos países. Y ahora con Piñera enel gobierno de Chile, van agregar Chile o van a intentar agregar Chile aesta red, que lo fundamental que tiene es su oposición a la idea de integra-ción continental.

Porque se trata en definitiva de mantener los países latinoamericanosaislados entre sí, para que se sometan a la hegemonía de los Estados Uni-dos.

El cuarto movimiento, es un movimiento de aislamiento del “eje delmal”, la Alianza Bolivariana. Independiente de cómo evaluemos lo quepasa en Venezuela, Ecuador y Bolivia, los que eventualmente no compartanlo que pasa en estos países, no pueden por esto tener duda alguna de lasnecesidades de solidaridad con los procesos en curso en estos países.

Porque lo que la derecha busca es estimular una división entre nosotros,entre los buenos y los malos, los carnívoros y los vegetarianos, los modera-dos y los radicales, para que primero peguen unos y después pegarán losotros.

Y el quinto aspecto de la contraofensiva de la derecha, es militar. Yo digoquinto aspecto, porque la contraofensiva es política, no es militar.

*Esta contraofensiva de la derecha fue reforzada el año 2008 por dos

apoyos paradojales:El primero fue la crisis internacional: aunque su epicentro sea los Esta-

dos Unidos, causó daños tremendos para muchos países latinoamericanos,

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199Valter Pomar

incluso para los procesos de Venezuela, Bolivia y Ecuador, dado el grado dedependencia de estos países en relación a venta de commodities en el mer-cado internacional, petróleo, gas etc.

Y el segundo aspecto que colaboró con la ofensiva de la derecha, aunquede manera paradoxal, fue la victoria de Obama en Estados Unidos.

Porque si Bush estuviera mandando más tropas para Afganistán o siBush ordenara desembarcar tropas a Haití, no habría duda alguna sobre loque estaba pasando.

Pero es Obama… De manera muy simplificada, el ascenso de Obamacreó una expectativa positiva que amplía las posibilidades de maniobra deEstados Unidos. Y lo que pasa es que para la sociedad norteamericana,Obama tiene un sentido más progresista que la derecha republicana. Nohay duda sobre esto, pero para el mundo, Obama es presidente de losEstados Unidos, y en su discurso de toma de posesión dijo que “los EstadosUnidos están listos para volver a liderar el mundo”.

Hay una dificultad en la operación de la derecha latinoamericana y susaliados estadounidenses: ¿Cómo tratar con el gobierno brasilero?

Es un tema difícil para ellos. Porque está claro para el Departamento deEstado de los Estados Unidos que no pueden asumir una posición explícitade oposición al gobierno de Lula.

Pero por otra parte, está claro que no le interesa la presencia de la izqui-erda en la presidencia de Brasil.

¿Por qué? porque el gobierno brasilero, compra armas de Francia; porqueel gobierno brasileño negocia con Irán; porque el gobierno brasileño, tieneuna postura muy clara en el tema palestino; porque Brasil manda un emba-jador para Corea del Norte; porque el gobierno brasileño acepta la presenciade Zelaya en su embajada en Honduras; o sea, la actitud concreta del gobier-no brasileño crea dificultades para la política de los Estados Unidos.

En los marcos de la situación de crisis y transición, que mencioné antes,en los marcos de la situación de mucha inestabilidad internacional, losEstados Unidos tiene que tener control absoluto de su patio trasero.

Y el gobierno brasileño tiene como aspecto central de su política externala integración continental. Entonces, iniciativas como la constitución de laUNASUR, las conferencias América Latina-África, América Latina-MedioOriente, y otras tantas, constituyen parte fundamental de la política exter-na del gobierno brasilero, tanto con el proposito de aprovechar las potenci-alidades de la región, como también para reducir la ingerencia externa.

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200 Miscelânea Internacional – 1998-2013

*La izquierda latinoamericana, toda vez que vencía en un país, la derecha

perdedora llamaba a sus aliados internacionales. Y así proceso a proceso erasaboteado y derrotado.

La excepción parcial fue Cuba. Bloqueo pero sin invasión. Es obvio quesi tú tienes un proceso de integración entre gobiernos de izquierda progre-sista, eso reduce la injerencia, no acaba con ella, pero la reduce. Y permiteque la correlación de fuerzas de cada país sea la que predomine. O sea, cadapaís seguirá el camino que mayoritariamente su pueblo siga, reduciendo lainjerencia externa.

Hay una disposición creciente del gobierno brasilero de asumir una parteimportante de los custos de la integración. Porque hay disparidades de creci-miento económico entre los países y estas disparidades están en la base de ladificultad de la integración. Entonces la única manera para hacer la integra-ción más rápida y más justa, es que el gobierno brasileño, la economía brasi-leña, se encargue de parte importante de los custos de la integración.

Y no se pierde ni un céntimo con esto. Del punto de vista económico,comercial, capitalista, a Brasil le interesa hacer una inversión a largo plazo,en la ampliación de la integración latinoamericana

El tercer aspecto de la política brasilera que dificulta la actitud de laderecha, es que nosotros no aceptamos que hayan dos izquierdas en Amé-rica Latina. Es un raciocinio equivocado que nosotros no compartimos,porque toda derrota afecta a todos nosotros, no importa nuestra opiniónsobre lo que pasa en cada país.

Hay muchas izquierdas en America Latina, lo que pasa en Bolivia no eslo mismo que lo que pasa en Venezuela, lo que pasa en Ecuador no es lomismo que pasa en Brasil, lo que pasa en Uruguay no es lo mismo que loque pasa en Chile, Nicaragua es muy distinto del Salvador, Cuba es muydistinto de todos los otros, son muchas izquierdas, muchas historias, mu-chas estrategias, mucha situaciones sociológicas distintas y hoy nosotrostrabajamos en los marcos de la diversidad.

Nuestro rol es construir una estrategia continental unitaria, que lo quequiere es la integración y que en cada país la izquierda siga el camino y loscaminos que quiera. No significa pues que nosotros tengamos que compartirlo que se hace en cada país. Significa que nosotros tenemos que entenderque, aún existan muchas diferencias, todas las izquierdas latinoamericanas

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201Valter Pomar

son parte de un movimiento común. Esta coincidencia tiene que ver concausas profundas que son comunes a todos los países, pero en cada paísproducen estrategias, historias y relaciones distintas; sendo asi, la cooperaci-ón entre las izquierdas es fundamental, la cooperación no exime, no excluyela polémica, por lo contrario, pero tiene que ser una polémica entre organiza-ciones, partidos, gobiernos que tengan un punto común de solidaridad, esees un aspecto importante de nuestra política, como gobierno y como partido.

*Bueno, por todo esto que he hablado consideramos fundamental

mantener la mayoría política que tenemos hoy en Brasil y mantener por lotanto la presidencia brasileña.

Nosotros acreditamos que tenemos condiciones de vencer en segundavuelta la elección presidencial, nosotros acreditamos por los datos que te-nemos, por la fuerza que tenemos, por las dificultades de la oposición, peroserá una campaña muy difícil.

*Durante los años 80’ había una crisis del modelo desarrollista conservador

y se conformaron dos polos, cada cual presentó una propuesta se solución:un polo neoliberal y un polo democrático popular y socialista.

Los grupos intermedios fueron cada cual para los extremos y la disputase dio entre estos extremos. Pero la derecha vencio las elecciones de 1989 enBrasil.

En los años 90’ cambio la situación, la pelea fue entre los neoliberales ylos desarrollistas.

Lo curioso es que a la cabeza de los desarrollistas no estaban los parti-dos de centro, estábamos nosotros del PT. Es curioso porque el PT naciócriticando y combatiendo el desarrollismo en Brasil. En los años 90’ poruna serie de circunstancias, nosotros encabezábamos la oposición al neo-liberalismo que fue hecha cada vez más a partir de signos desarrollistas.O sea, los temas propiamente socialistas de izquierda de nuestra platafor-ma programática se colocaran en segundo plano y cada vez más los temasque se colocaban en primer plano era “volver a crecer”, “tener una econo-mía que funcione contra los neoliberales” y “derrotar la hegemonía delcapital financiero”.

Esta fue la polémica de las elecciones de 1994, 1998, 2002, 2006: neolibe-rales contra desarrollistas. Perdemos las dos primeras, vencimos las otras dos.

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202 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Ahora nosotros vivimos un momento de transición: aún hay ese conflic-to entre neoliberales y desarrollistas, pero cada vez más el conflicto queviene ahora es entre distintos tipos de desarrollismos.

Los neoliberales van a apoyar a Serra, pero lo que está en disputa hoy ylo que va a estar en disputa los próximos años en Brasil es qué tipo dedesarrollismo.

Tendremos de vuelta el desarrollismo conservador centrado en las em-presas privadas, en las ganancias privadas? O tendremos un tipo de desar-rollismo que combine desarrollo económico con combate a la desigualdady con ampliación de la democracia?

Ese es el debate de fondo.*

En sus gobiernos, los neoliberales hicieron al país regresar a los años 20’,o sea, volvieron el país a los tiempos agro-exportadores. Los ocho años delgobierno de Lula hicieron que el país volviera de cierta manera a sunormalidad y su normalidad no es el neoliberalismo, su normalidad es eldesarrollismo, que en la historia de Brasil fue siempre hegemonizado por laderecha y por tanto el desarrollo fue combinado con escasa democracia ymucha dictadura, con mucha desigualdad social, porque nuestro país esuno de los más desiguales del mundo y con dependencia externa.

El gobierno de Lula hizo que la situación volviera al “normal” y estosignifica que las próximas peleas se colocarán cada vez más parecidas conlas que tuvimos en los años 80’ en que se enfrentaron los neoliberales de unlado, democrático-populares de otro, sino que entonces la izquierda demo-crático-popular articulaba su proyecto con el proyecto socialista.

Muy bien, esto se traduce en lo concreto en dos posibilidades, en dosalternativas programáticas.

Una posibilidad es que los gobiernos de izquierda hagan políticas públi-cas; la otra posibilidad es que los gobiernos de izquierda hagan políticaspúblicas y también reformas estructurales.

Esta es la discusión que tenemos en Brasil y que de cierta manera hay entodos los países, cómo hacer políticas públicas, o sea, cómo mejorar la vidade las personas comunes en los marcos de la situación que heredamos; perotambién cómo hacer reformas estructurales, o sea, cómo cambiar la situaci-ón heredada.

Entonces, el debate en concreto se trata de cómo combinar políticas públicascon reformas estructurales que cambien la situación de fondo.

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203Valter Pomar

Se trata de un problema político, no teórico y tampoco económico.Miremos el caso de Honduras, el gobierno de Zelaya intentó hacer cambiospara los cuales no tenía fuerza suficiente. Por tanto, la cuestión no es simple,no es apenas una cuestión de voluntad, hay que tener fuerzas para hacercambios estructurales, quien no tiene fuerza puede ser derrotado y hacerque la situación quede peor de lo que estaba, pero por otra parte si tu tienesun gobierno que no se esfuerza por hacer cambios estructurales tú puedescambiar el propio carácter de la izquierda, de una izquierda transformadoratu puedes producir una izquierda conformista con la situación.

Nosotros tenemos un problema adicional muy grave en Brasil: duranteocho años nuestro gobierno consiguió hacer que sectores importantes de lasociedad brasilera sufrieran un proceso de mejora social, que se traduce enla capacidad de tener empleo, tener un salario mejor, tener una renta, po-der consumir y todo lo que tiene que ver con participar de la sociedad demercado.

Pero nosotros no conseguimos hacer cambios equivalentes en el terrenopolítico institucional y cultural, las instituciones brasileras siguen en lofundamental al servicio de otros proyectos, el aparato judiciario, los cuerposlegislativos, gran parte de la burocracia de estado, los aparatosconstitucionales, los aparatos educacionales, los aparatos culturales, siguenal servicio de otros proyectos y esta contradicción entre la mejora social decapas importantes que confían en nosotros, porque vinculan su progresomaterial a los ochos años de gobierno de nosotros, la contradicción entreesto y el retraso ideológico, político y cultural institucional puede sermortal para nosotros.

Si nosotros no enfrentamos este problema político cultural, político ins-titucional cultural podemos tener muchos sucesos en lo económico admi-nistrativo y aún así perder las elecciones, aún así ser derrotados, aún así veruna parte importante de nuestro pueblo aplaudir nuestro gobierno y votara la derecha en las próximas elecciones presidenciales. Este es el tema quemás nos preocupa y que tiene un trasfondo cultural.

La izquierda en el siglo XX podía tener todos los errores del mundo, perotenía una firme convicción de que dependía de nosotros salvar la humanidad.Pero por todo lo que pasó en el siglo XX la verdad es que muchos de nosotroshoy asumimos un papel conformista y no conseguimos enfrentar la derechaen el terreno cultural, conseguimos ganar elecciones pero aún nos movemosdentro de la hegemonía político cultural de la derecha.

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204 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Si nosotros no somos capaces de proponer un futuro distinto, realmentedistinto para las personas, si las diferencias de horizonte entre nosotros y laderecha fueran milimétricas, la derecha va a vencer siempre, a la larga va avencer siempre. Esto no tiene nada que ver con qué vamos a hacer mañana,no tiene que ver con la táctica, tiene que ver con qué visión de mundonosotros compartimos, qué proyectos estratégicos nosotros tenemos, quéprograma de largo plazo para la humanidad nosotros tenemos.

Uma versão editada desta palestra foi publicadapela FES, numa coletânea intitulada América Latina:

nuevos enfoques de desarrollo para el siglo XXI, que reúnetextos de varios expositores da Escola de Verão 2010 da FES

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205Valter Pomar

A situação mundial pode ser caracterizada como de crise & transição:a) crise do ideário neoliberal, num momento em que o pensamentocrítico ainda se recupera dos efeitos de mais de duas décadas de defensivapolítico-ideológica;b) crise da hegemonia estado-unidense, sem que haja um hegemon subs-tituto, o que estimula a formação de blocos regionais e alianças transver-sais;c) crise do atual padrão de acumulação capitalista, sem que esteja visívelqual será a alternativa sistêmica;d) crise do modelo de desenvolvimento conservador & neoliberal naAmérica Latina e no Brasil, estando em curso uma transição para umpós-neoliberalismo, cujos traços serão definidos ao longo da própria ca-minhada.Noutras palavras, uma situação em que os modelos antes hegemônicos es-

tão em crise, sem que tenham emergido claramente os modelos substitutos.Um elemento central desta situação mundial é a crise do capitalismo

neoliberal, na qual convergem:a) uma crise clássica de acumulação;b) o esgotamento da “capacidade de governança” das instituições deBretton Woods;c) os limites do consumo insustentável da economia estado-unidense;d) a dinâmica da especulação financeira.Este conjunto de variáveis aponta para um período mais ou menos pro-

longado de instabilidade internacional, bem como para o surgimento de“soluções” intermediárias, temporárias e ineficazes.

No curto e médio prazos, a instabilidade está vinculada:a) à crise do capitalismo neoliberal ...e ao...b) declínio da hegemonia estado-unidense.No longo prazo, corresponde à crescente contradição entre a “globaliza-

ção” da sociedade humana versus o caráter limitado das instituições políticasnacionais e internacionais.

China e Brasil, nummundo de crise & transição

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206 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Estas três dimensões da instabilidade fazem com que seja mais urgentee, ao mesmo tempo mais difícil, a construção de alternativas.

O velho modelo não funciona adequadamente, mas continua imensa-mente forte, enquanto os novos modelos econômicos e políticos estão sur-gindo, mas ainda não conseguem se impor.

A crise evidenciou o alto custo social e ambiental do capitalismo, espe-cialmente em sua versão neoliberal, fortalecendo ideologicamente os seto-res que defendem um “capitalismo não-neoliberal”.

Fortaleceu também, em muito menor escala, os que propõem uma alter-nativa socialista ao capitalismo.

Mas o fortalecimento ideológico dos setores progressistas e de esquerdase dá nos marcos de uma situação estrutural que ainda conspira a favor deum desenlace conservador para a crise.

Mesmo fortemente atingidos, os países centrais concentram imenso po-der econômico, político e militar.

Isto obriga os demais países do mundo a construir saídas negociadas,inclusive para evitar um colapso generalizado, que teria efeitos catastrófi-cos em toda a periferia, até porque os picos de desenvolvimento ocorridosa partir de 1990, a começar pelo caso chinês, foram em maior ou menormedida tributários do arranjo produtivo adotado pelos países centrais, emparticular a condição de “consumidor de última instância” assumida pelosEstados Unidos.

Além disso, três décadas de hegemonia neoliberal limitaram o horizonteintelectual e a força político-social dos setores críticos.

Estas contradições e limites ficam evidentes quando observamos o quese apresenta como propostas de mudança nas instituições internacionais(sistema ONU, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, BIS).

O desencontro entre o tamanho da crise e a timidez das propostas, numambiente de crescente multipolaridade, enseja a multiplicação dos “G” ede instituições regionais, como se a proliferação das cúpulas compensasse amodéstia das iniciativas concretas.

São especialmente notórias as dificuldades no debate sobre uma novamoeda internacional, bem como a ineficácia das políticas globais de com-bate à pobreza e a desigualdade.

Neste contexto, há duas dinâmicas que merecem atenção diferenciada: oprocesso de integração latino-americano e caribenho, especialmente entre

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207Valter Pomar

os países da América do Sul; e o diálogo entre os países integrantes dosBRIC e do Ibas.

O tema central, nos dois processos, é o seguinte: como consolidar laçoseconômicos, sociais, políticos, militares e ideológicos, que permitam aospaíses integrantes conviver, sem subordinação ou dependência, com o espaçogeopolítico ainda hegemonizado pelos Estados Unidos e União Européia.

A questão subjacente é a seguinte: será possível, mais do que conviver,substituir o arranjo econômico internacional que tem nos Estados Unidosseu elemento organizador (e desorganizador) central, por um novo arranjo,baseado na combinação entre expansão dos mercados internos e intercâm-bio comercial que não seja dependente das ofertas de crédito, insustentá-veis no médio prazo, proporcionadas pela emissão sem lastro de dólares?

Pelos motivos que expusemos antes, estamos diante de disputas de longocurso, que serão travadas num ambiente de acentuada instabilidade, emdois planos distintos porém articulados:

a) a disputa no interior de cada país;b) a competição entre os diferentes estados e blocos regionais.Da complexa articulação entre estes processos podem resultar, grosso

modo, três variantes articuladas:a) a conservadora, no qual os Estados e setores sociais que se beneficia-ram do período neoliberal comandam a distribuição dos custos da crisee mantém sua hegemonia sobre a ordem internacional;b) a progressista, no qual os Estados que não integravam o antigo G7reduzem o impacto da crise e estabelecem as bases de um mundo capita-lista pós-neoliberal;c) a socialista, no qual o agravamento da crise e das contradições –econô-micas, sociais e políticas– provoca, em determinados países e regiões,rupturas com a ordem capitalista.Quando da crise de 1929, os defensores do desenvolvimento planejado

soviético apresentavam-no como alternativa ao modelo liberal capitalista.Ainda que de maneira muito matizada, alguns defensores do “socialis-

mo de mercado chinês” estão ensaiando fazer o mesmo.Em paralelo a isto, tanto na mídia quanto nos centros formuladores

estratégicos, especula-se abertamente acerca dos conflitos presentes e futu-ros entre China e EUA, ressuscitando um padrão de reflexão similar aos da“bipolaridade” que marcou a “Guerra Fria”.

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208 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Em que medida este tipo de reflexão possui correspondência com os rumosseguidos pela China, nos últimos 60 anos? Ou ainda: em que medida o mode-lo chinês se propõe ou pode ser considerado como uma alternativa estruturale estratégica, ao capitalismo anglo-saxão ou ao capitalismo em geral?

A rigor, em se tratando da história da China, há que se considerar operíodo entre a Guerra do Ópio e 1949 como um longo período de transi-ção, que em 1911 obtém uma solução provisória e em 1949 uma soluçãodefinitiva para o grande dilema da “autodeterminação” do povo chinês.

O curso da milenar civilização, interrompido de maneira violenta peloimperialismo europeu e japonês, é desobstruído com a vitória do ExércitoPopular de Libertação dirigido pelo Partido Comunista da China, vitoriosofundamentalmente devido ao seu apoio nas massas camponesas e urbanas.

As reformas chinesas iniciadas em 1978 (de maneira similar à NovaPolítica Econômica soviética implementada nos anos 1920) representaram,por sua vez, a reafirmação de um aspecto central da tradição marxista: aidéia de que um modo de produção só desaparece quando desenvolve todasas forças produtivas que é capaz de conter. Noutras palavras: só é possívelsuperar o capitalismo, desenvolvendo-o. O que, aliás, corresponde à acepçãohegeliana do termo “superação”.

Do ponto de vista teórico, o conceito de socialismo enquanto transiçãoao comunismo, é totalmente compatível com a existência, mesmo que porum longo período, da propriedade privada, de mercado e de relações capi-talistas de produção.

Mas é fato que, para os marxistas do século XIX, a transição seria tem-poralmente curta, uma vez que teria início nos países capitalistas avança-dos; ou, pelo menos, contaria com o apoio destes (tal era a expectativa dosbolcheviques ao tomar o poder em 1917).

A idéia de uma transição “curta” perde sentido, entretanto, quando o pon-to de partida é uma sociedade essencialmente pré-capitalista, fazendo comque o Estado produto da revolução seja obrigado não apenas a controlar, masdestacadamente a estimular a exploração capitalista da força de trabalho,como meio para aumentar a riqueza social e a produtividade média.

Deste ponto de vista, podemos dizer que os comunistas chineses respei-tam a tradição marxista clássica, quando sustentam que estão ainda na “faseinicial do socialismo”, que esta fase durará muitas décadas e que seu objetivonesta fase é o de construir uma sociedade “modestamente acomodada”.

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209Valter Pomar

E são igualmente coerentes quando consideram essencial a preservaçãoda paz, pois conhecem por experiência prática e observação o custo econô-mico-social das guerras e os limites que têm (para um projeto de orientaçãosocialista) o tipo de desenvolvimento proporcionado pelo investimento nocomplexo militar.

Entretanto, a projeção exterior do poderio chinês gera conflitos que po-dem muito bem ser equiparados aos causados pela expansão econômica depaíses capitalistas. Pois o que está em questão, nesse terreno, é a disputa demercados e matérias primas, além de hegemonizar e proteger territórios,assim como preservar reservas financeiras. Sendo assim, é necessário anali-sar em que medida aquela projeção produzirá, não apenas conflitos econô-micos, mas também políticos e inclusive militares.

O que vemos, ao observar a China moderna? Exatamente a busca dacapacidade militar necessária para defender a soberania nacional, protegero entorno geopolítico e dissuadir ataques. Acompanhada, é bom que sediga, de uma política de relações internacionais ainda mais cautelosa doque a dos soviéticos, exceto no entorno geográfico direto.

A inexistência de uma polarização entre capitalismo e socialismo, associ-ada ao enfraquecimento de todas as famílias ligadas ao movimento socialis-ta, faz os comunistas chineses adotarem uma estratégia de baixo perfil.

Esta estratégia decorre de uma interpretação muito realista acerca do atualperíodo histórico. Já nos anos 1970, setores do Partido Comunista chinêsapontavam a existência de um refluxo dos processos revolucionários (efetiva-mente, o Vietnã foi a última grande revolução socialista vitoriosa. O casonicaragüense não foi socialista e a revolução do Irã em 1979 responde a outrotipo de processo histórico). No início dos anos 1990, com a dissolução daURSS e com o unilateralismo estado-unidense, é acertado dizer que o movi-mento socialista entrou num período de “defensiva estratégica”.

Um aspecto adicional do problema é o vínculo estreito entre as econo-mias estado-unidense e chinesa. Num sentido geral, também houvevinculação entre URSS e EUA: não apenas a existência da primeira dava aosegundo pretextos para exercer sua hegemonia, como estimulava o comple-xo industrial-militar. Por isto mesmo, a vitória obtida na Guerra Fria cola-borou para enfraquecer, no curto espaço de uma década, a hegemonia dosEstados Unidos. Do bilateralismo fomos ao multilateralismo, após umbrevíssimo período de unilateralismo.

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210 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Os vínculos entre China e Estados Unidos são de tipo diferente. Desdea diplomacia do ping-pong, na qual os Estados Unidos embarcou na pers-pectiva de derrotar a URSS e reorganizar sua presença no sudeste asiático,a China veio assumindo crescente importância econômica, para o capita-lismo em geral e para os Estados Unidos em particular.

Embora as razões sejam muitas, destaca-se algo absolutamente incom-preensível para os profetas da “morte do trabalho”: a abundância e o baixovalor relativo da força de trabalho chinesa, proporcionando a um capitalis-mo ocidental maduro, envolto com o drama dos retornos decrescentes, ofrescor de altas taxas de mais-valia, associado a um mercado consumidorreprimido.

Trinta anos depois do início das reformas, a China consolidou a condi-ção de pólo do desenvolvimento econômico mundial. Novamente ao con-trário do senso comum vulgar, é pólo exatamente por: a) não concentrar oestoque principal de riquezas acumuladas; b) possuir uma renda per capitabaixa; c) indicando uma composição orgânica do capital mais atraente doque nos países de capitalismo maduro.

Há, portanto, um vínculo direto entre os sucessos da China e a acelera-ção recente da expansão capitalista (e de seus elementos de crise). É comose, décadas depois do eixo socialista ter se deslocado a Leste, o mesmoestivesse ocorrendo no âmbito do capitalismo.

A questão é: o que farão, diante deste processo, os Estados capitalistasocidentais? Assistirão passivamente o declínio de sua hegemonia ou busca-rão deter e reverter o processo? Que conseqüências poderá ter esta opção?

Outra questão, combinada com a primeira: frente à crise no capitalismocentral, que medidas compensatórias a China terá que adotar no interiordo país e no seu entorno asiático? Neste segundo caso, quais as possibilida-des de uma aliança e quais as possibilidades de conflito entre os países daregião?

Por fim, uma terceira questão: em que medida o Estado chinês conse-guirá administrar as tensões decorrentes deste espetacular crescimento? Equais as chances de rompimento no equilíbrio entre as classes sociais chine-sas, que lance o país em um novo período de grandes conflitos sociais?

Não há respostas definitivas para estas questões, pois no limite o que vaiocorrer depende do balanço mutável entre forças econômicas, sociais e po-líticas que estão em operação neste exato momento.

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211Valter Pomar

Feita esta ressalva, podemos dizer que a tendência é de agravamento dastensões internacionais, inclusive no plano militar. Frente a isto, a China vaiprosseguir reforçando a segurança de seu entorno, evitando a todo custoqualquer atitude ofensiva. As ameaças externas contribuirão para reforçar ahegemonia do Partido Comunista sobre a população chinesa. Movimentoscontra-hegemônicos só terão importância, se mudar a percepção social se-gundo a qual o país está prosperando. A novidade pode surgir a partir dosmovimentos pela redistribuição das riquezas criadas. Apesar dos enormesproblemas práticos envolvidos, a verdade é que o Estado chinês segue dan-do mostras de enorme capacidade política e gerencial para lidar com taistensões internas. Noutras palavras, parece haver margem de manobra sufi-ciente para administrar as tensões e evitar a abertura de um período degrandes conflitos sociais, que reduziria ou mesmo ameaçaria a atuação in-ternacional do Estado chinês.

Por isto mesmo, a China constitui um desafio enorme para os estrategis-tas de longo prazo dos Estados capitalistas centrais. Não por constituir um“modelo alternativo” ao capitalismo anglo-saxão ou ao capitalismo em ge-ral, até porque a noção de “modelo alternativo” está muito desmoralizada,por inaplicável. A China constitui um desafio por se constituir num póloautônomo de poder, frente aos quais os modelos herdados da “Guerra Fria”não são aplicáveis (embora nos ajudem a compreender alguns movimentosde parte a parte, na linha de recriar um certo “bilateralismo” tipo G-2).

A China também se constitui num desafio político e teórico importantepara os setores progressistas e de esquerda. Independente da opinião que cadaqual tenha sobre as qualidades do “socialismo de mercado” para a sociedadechinesa, sua projeção externa é extremamente contraditória. A China é umagrande potência, com interesses a defender, plano em que todos os gatos sãopardos. O que acaba enfatizando mais o “mercado” do que o “socialismo”, oque ajuda a explicar por que o “modelo chinês” não é percebido como umaalternativa estrutural e estratégica ao capitalismo em geral.

É verdade é que a posição do Estado brasileiro frente à China não de-pende da orientação ideológica predominante em cada um dos países. Senão ocorrer nada de extraordinário, durante as próximas décadas Brasil eChina serão essenciais na conformação do “mundo que vem aí”. Uma vezque as contradições bilaterais são menores do que as existentes entre, porexemplo, Brasil e Estados Unidos ou entre China e Estados Unidos, há umenorme espaço de cooperação estratégica.

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212 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Isto posto, é essencial estudar a fundo o processo em curso na China ecompreender que os setores políticos dominantes naquele país acreditamfirmemente que seu “presente exitoso” começou a ser construído com avitória comunista na Revolução de 1949. A correta percepção disto, bemcomo das opções estratégicas que daí resultam, podem ajudar no aprofun-damento das relações entre Brasil e China.

Resumo de palestra apresentada na V ConferênciaNacional de Política Externa e Política Internacional,

realizada nos dias 3 e 4 de dezembro de 2009

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213Valter Pomar

Os socialistas do século XXI não podem alegar ignorância acerca doquão complexa e demorada é a luta por superar o capitalismo e transitarpara uma sociedade sem classes, sem Estado, sem exploração nem opressão.A luta pelo poder pode se resolver no prazo de anos, mas a construção deoutra sociedade é um projeto de décadas e séculos.

O capitalismo surgiu na Europa Ocidental e de lá se expandiu para omundo. Talvez influenciados por esta trajetória, os socialistas do séculoXIX imaginavam que as primeiras vitórias do socialismo ocorreriam naEuropa, aonde o capitalismo estivesse mais desenvolvido, notadamente aAlemanha. Mas a primeira revolução socialista vitoriosa ocorreu na Rússiade 1917, na fronteira entre Europa e Ásia, entre Ocidente e Oriente.

Lênin já havia indicado que a Rússia constituía exatamente o “elo maisfraco da cadeia imperialista”. Admitindo ser mais fácil tomar o poder ali doque na Alemanha, Lênin reconhecia, entretanto, que na Rússia seria maisdifícil construir o socialismo, devido ao atraso político, social e econômico.A solução viria, supostamente, da solidariedade da posterior e subseqüenterevolução socialista nos países europeus mais avançados, estimulada exata-mente pelo exemplo do proletariado russo. Entretanto, ainda que de látenha vindo solidariedade, desde 1917 até hoje não houve nenhuma revo-lução socialista vitoriosa nas potências capitalistas ocidentais.

Bloqueada a Oeste, a revolução expandiu-se em direção Leste. Já em 1918,Stalin diria que “o grande significado mundial da Revolução de Outubroconsiste principalmente no fato de ter lançado uma ponte entre o Ocidentesocialista e o Oriente oprimido, constituindo uma nova frente da revoluçãoque, dos proletários do Ocidente, através da revolução da Rússia, chega atéos povos oprimidos do Oriente, contra o imperialismo mundial”.

Ao projetar o socialismo no Oriente, o governo soviético e o PartidoComunista Russo (bolchevique) provocaram mutações no projeto e na es-tratégia originárias de Marx. Para este, o socialismo seria uma etapa detransição entre o capitalismo e o comunismo. Levado ao Oriente, pouco apouco o socialismo passou a ser apresentado como uma etapa de transiçãoentre o pré-capitalismo e o comunismo.

Nem devagar, nem pressa

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214 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Esta novidade era uma heresia à luz do marxismo ocidental do séculoXIX, mas não era uma idéia estranha à tradição socialista russa: os narodniksse caracterizaram exatamente por tentar construir um caminho que fossedo feudalismo russo ao socialismo, sem passar pelo capitalismo. Lênininiciou sua trajetória política combatendo esta teoria, mas o curso dos acon-tecimentos o levou a capitanear um experimento que poderia muito bemser considerado uma variante do “populismo”, acusação que aliás lhe foidirigida à época por seus adversários no movimento social-democrata.

A guerra de 1939-1945, que começou antes na Ásia, com a ofensivajaponesa de 1937, é o pano de fundo da segunda grande revolução socialis-ta vitoriosa. Desta vez não mais em território de fronteira, mas totalmenteoriental: a revolução chinesa de 1949. A rigor, há que se considerar o perí-odo entre a Guerra do Ópio e 1949 como um longo período de transição,que em 1911 obtém uma solução provisória e em 1949 uma solução defi-nitiva para o grande dilema da “autodeterminação” do povo chinês. Ocurso da milenar civilização, interrompido de maneira violenta pelo impe-rialismo europeu e japonês, é desobstruído com a vitória do Exército Popu-lar de Libertação dirigido pelo Partido Comunista da China, vitorioso fun-damentalmente devido ao seu apoio nas massas camponesas e urbanas.

Se o Partido Operário Social-Democrata Russo (apelidado de bolcheviquee, em 1918, renomeado Partido Comunista) soube ser heterodoxo frenteaos seus congêneres europeus, os comunistas chineses souberam ser hetero-doxos diante de muitas das orientações da III Internacional Comunista.Integraram de maneira consistente a teoria do imperialismo, a questão co-lonial, a autodeterminação dos povos e a luta pelo socialismo. Construíramuma engenhosa fórmula que fazia do campesinato força principal da revolu-ção, mas preservando o “papel dirigente do proletariado”, na prática encarna-do no próprio Partido. Inviabilizada a cópia da insurreição urbana de tiporusso, aplicaram uma estratégia de “cerco da cidade pelo campo”, apoiadonuma “guerra popular prolongada”. E através da fórmula da “Nova Demo-cracia”, buscaram construir uma ponte de longo curso entre o atraso econô-mico chinês e o projeto comunista que animava a direção revolucionária.

Sessenta anos depois, seguem visíveis os dois pilares desta ponte: por umlado, a inegociável defesa da soberania nacional; por outro lado, a atentaconsideração dos interesses do campesinato. Curiosamente, será em grandemedida a radicalização dos camponeses pobres (sem os quais a revolução

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215Valter Pomar

não teria vencido) que explica os ziguezagues que marcaram os primeirostrinta anos do poder instalado em 1949. O “grande salto adiante” e a “re-volução cultural proletária” expressavam, em essência, a vontade de ultra-passar o capitalismo, lançando mão do voluntarismo ideológico e apoian-do-se em forças produtivas muito atrasadas. Este socialismo “camponês”fracassou em grande medida por não ter sido capaz de oferecer senão umigualitarismo na pobreza.

As reformas chinesas iniciadas em 1978 (de maneira similar à NovaPolítica Econômica soviética implementada nos anos 1920) representaram,por sua vez, a reafirmação de um aspecto central da tradição marxista: aidéia de que um modo de produção só desaparece quando desenvolve todasas forças produtivas que é capaz de conter. Noutras palavras: só é possívelsuperar o capitalismo, em alguma medida desenvolvendo-o. O que, aliás,corresponde à acepção hegeliana do termo “superação”.

Do ponto de vista teórico, o conceito de socialismo enquanto transiçãoao comunismo é totalmente compatível com a existência, mesmo que porum longo período, da propriedade privada, do mercado e de relações capi-talistas de produção. Mas para os marxistas do século XIX, a transição socia-lista seria temporalmente curta, uma vez que teria início nos países capitalis-tas avançados; ou, pelo menos, contaria com o apoio destes (tal era a expec-tativa dos bolcheviques ao tomar o poder em 1917). A idéia de uma transi-ção “curta” perde sentido, entretanto, quando o ponto de partida é umasociedade essencialmente pré-capitalista, fazendo com que o Estado produtoda revolução seja obrigado não apenas a controlar, mas destacadamente aestimular a exploração capitalista da força de trabalho, como meio para au-mentar a riqueza social e a produtividade média, pressupostos para uma so-ciedade onde haja o máximo possível de abundância e de tempo livre.

Deste ponto de vista, podemos dizer que os comunistas chineses respei-tam a tradição marxista clássica, quando sustentam que estão ainda na“fase inicial do socialismo”, que esta fase durará muitas décadas e que seuobjetivo nesta fase é o de construir uma sociedade “modestamente acomo-dada”. E são igualmente coerentes quando consideram essencial a preserva-ção da paz, pois conhecem por experiência prática e observação o custoeconômico-social das guerras e os limites que têm (para um projeto deorientação socialista) o tipo de desenvolvimento proporcionado pelo inves-timento no complexo militar. Entretanto, a projeção exterior do Estado

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chinês gera conflitos que podem muito bem ser equiparados aos causadospela expansão econômica de países capitalistas. Pois o que está em questão,nesse terreno, é a disputa de mercados e matérias primas, além de hegemo-nizar e proteger territórios, assim como preservar reservas financeiras.

Alguns paralelos com o caso da URSS podem ser traçados. Superadas,por volta de 1925, as expectativas numa revolução socialista imediata nospaíses ocidentais, a estratégia política e militar soviética foi se tornandocada vez mais defensiva. Isto foi acompanhado pela criação de um cinturãode proteção, bem como de “cabeças de ponte” político-ideológicas no interi-or dos países capitalistas centrais. Mas o “expansionismo soviético” foi essen-cialmente uma criação da máquina de propaganda dos Estados Unidos. Opacto com a Alemanha nazista e os ataques contra a Finlândia e a Polôniarespondiam ao mesmo objetivo: operações defensivas, frente ao temor de queInglaterra e França empurrassem os alemães no sentido de buscar seu “espaçovital” no Leste. E quando a Segunda Guerra termina e começa a divisão deáreas de influência, a postura geral da URSS é bastante contida.

Ao tempo que adotava uma linha defensiva no plano político-militar, oPC soviético construiu uma orientação estratégica de buscar o socialismoatravés da coexistência e competição pacífica com o capitalismo. Coerentecom isto, formulou-se também a tese da “transição pacífica” para o socialis-mo, buscando equacionar (no papel, ao menos) outro paradoxo: as revolu-ções socialistas podem ocorrer em condições de guerra, mas as guerras sola-pam as condições de construção do socialismo. Nos anos 1950, o PC chi-nês considerou "revisionista" esta formulação soviética de “transição pacífi-ca”, dando início a um enfrentamento que resultaria na ruptura entre aChina e a URSS, bem como entre os respectivos partidos. Ironicamente, aorientação atual do PC chinês frente ao mundo capitalista é, exatamente,buscar equiparar e superar.

Num certo sentido, a estratégia mundial do Partido Comunista chinês éuma versão concentrada e atualizada daquela que foi adotada pelo PC sovi-ético, especialmente a partir do seu XX congresso (1956). No caso da URSS,esta orientação nem sempre parecia moderada, seja por causa do confrontoentre campo socialista versus capitalista (com momentos “frios” e outros“quentes”, como nas guerras da Coréia e do Vietnã); seja devido à atuaçãodo movimento socialista internacional, em suas variadas ramificações; sejadevido a propaganda anti-comunista.

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217Valter Pomar

Hoje, a inexistência de uma polarização entre “campos” capitalista esocialista, associada ao enfraquecimento de todas as famílias ligadas aomovimento socialista, permite constatar com mais clareza o baixo perfil daestratégia chinesa. Esta estratégia decorre, ao menos em parte, de uma in-terpretação muito realista acerca do atual período histórico. Já nos anos1970, setores do Partido Comunista chinês apontavam a existência de umrefluxo dos processos revolucionários (efetivamente, o Vietnã foi a últimagrande revolução socialista vitoriosa. A revolução nicaragüense não foi so-cialista e a revolução do Irã em 1979 responde a outro tipo de processohistórico).

No início dos anos 1990, com a dissolução da URSS e com o unilatera-lismo estado-unidense, podemos dizer que o conjunto do movimento so-cialista entrou num período de “defensiva estratégica”.

A situação começou a mudar entre 1998 e 2008, primeiro om o estabe-lecimento de vários governos de esquerda na América Latina; e, depois,com a crise internacional. Mas estes acontecimentos não chegaram a alte-rar a natureza do período, que segue sendo de “defensiva estratégica”.

Um sinal disto é o contraste entre a profundidade da crise internacionale a capacidade que os grandes Estados capitalistas tiveram para evitar seutransbordamento político-social.

Outro sinal é a existência de uma contra-ofensiva da direita latinoame-ricana, que recebeu o paradoxal reforço da crise internacional, que criadificuldades econômicas para a maioria dos governos progressistas; e davitória de Obama, cuja imagem positiva (construída midiaticamente e fa-cilitada pelo contraste com Bush) permitiu aos EUA recuperar parte de suamargem de manobra.

Frente a esta situação, a esquerda latino-americana busca não perdernenhum governo para a direita, acelerar o processo de integração regional epersistir no caminho das mudanças estruturais.

A questão prática está em como fazer isto, evitando dois erros: a) ir alémda nossa capacidade de sustentar politicamente os processos; b) ficar aquémdo necessário para que possamos acumular forças em direção ao socialismo.

É verdade que em vários países, o processo em curso já vem sendo cha-mado de “revolução” ou mesmo de “socialismo”. Isto tem vários motivos eno fundo confirma que a América Latina precisa de uma revolução socia-lista. Mas é preciso lembrar que a retórica é incapaz de solucionar proble-mas que ainda não conseguimos resolver na prática.

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Ao longo do século passado, o movimento socialista fez de tudo umpouco: luta social, ideológica, política e militar; construção de partidos ede Internacionais; grandes revoluções vitoriosas e outras derrotadas. E este-ve diretamente envolvido em dois grandes experimentos: o “Estado de bem-estar”, no qual se empenharam os social-democratas; e as tentativas deconstrução do socialismo, dirigidas pelos comunistas.

O movimento socialista do século XX foi derrotado. Mas o repertório deexperiências é imenso. Em contrapartida, as experiências e as tentativas dossocialistas do nosso século ainda são muito limitadas Mesmo que aceite-mos a tese do “curto século XX” iniciado em 1914-1917 e findo em 1989-1991, ainda assim o século XXI começou há pouco. Nesse período, nãovivemos nenhuma grande revolução. Na América Latina, por exemplo, pormais que nos orgulhemos dos governos que conquistamos a partir de 1998,é preciso reconhecer que estamos muito longe da radicalidade política eprofundidade social alcançadas pela revolução cubana de 1959. A luta pelosocialismo no século XXI ainda não protagonizou nenhuma revolução da-quele tipo, capaz de destruir o aparato de Estado e expropriar a antigaclasse dominante. No plano da teoria, estamos atrasados no que toca aanálise do capitalismo contemporâneo, ao balanço das tentativas de cons-trução do socialismo iniciadas no século XX e a elaboração de uma estraté-gia para a luta pelo poder e a construção do socialismo nas condições doséculo XXI.

Talvez seja mais exato falar de socialismos e de estratégias. Nosso movi-mento sempre foi plural, geográfica, sociológica, teórica, organizativa epoliticamente. Isto não implica em igualar as diferentes tradições, masimplica em considerar que todas deram contribuições que, gostemos ounão, formam parte do patrimônio coletivo do movimento socialista.

Um dos motivos da pluralidade socialista é o capitalismo. O modo deprodução capitalista impulsiona uma tendência à uniformização, mas asformações sócio-econômicas hegemonizadas pelo capitalismo, nas distin-tas regiões do mundo e épocas históricas, apresentam diferenças importan-tes. Enquanto for assim, a superação do capitalismo exigirá diferentesestratégias de resistência, de conquista do poder e de construção do socia-lismo. Não significa dizer que todas as estratégias são válidas, mas significaque o movimento socialista deve recusar a idéia de que exista uma únicaestratégia válida para todos os locais e tempos.

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219Valter Pomar

Outro motivo pelo qual devemos usar o plural, é porque as diferentesclasses e setores em luta contra o capitalismo, não possuem os mesmosobjetivos de longo prazo e por isso sua unidade é sempre conflituosa.

Vale dizer que esta pluralidade vai além da existência de distintos parti-dos, programas e estratégias, estratégias; incluindo também aqueles cujohorizonte máximo é melhorar a vida do povo, nos marcos do capitalismo.É preciso considerar, ainda, os que defendem um tipo de socialismo quesupõe preservar formas de organização social pré-capitalistas; e outros paraquem o socialismo confunde-se com o antiimperialismo. Enfim, a ecologiado movimento socialista moderno é tão ampla, que categorias no pluralsão mais adequadas.

O debate sobre o socialismo na América Latina deste início de século XXIdeve nos ajudar a responder como passar: a) da condição de governo, para acondição de poder; b) da situação atual, em que estamos melhorando a vidado povo nos marcos do capitalismo, para uma nova situação, em que possa-mos melhorar a vida do povo nos marcos de uma transição socialista.

Se tivermos sucesso na combinação entre as diferentes estratégias nacio-nais e uma estratégia continental de integração, daremos uma contribuiçãoimportante para que o movimento socialista saia da atual situação de “de-fensiva estratégica” e entre numa situação de “equilíbrio estratégico”, aomenos em nosso continente.

Isto deve ser feito nos marcos de uma crise & transição mundiais, onde secombinam: a) crise do ideário neoliberal, num momento em que o pensa-mento crítico ainda se recupera dos efeitos de mais de duas décadas de defen-siva político-ideológica; b) crise da hegemonia estado-unidense, sem que hajaum hegemon substituto, o que estimula o multilateralismo, a formação deblocos regionais e alianças transversais; c) crise do atual padrão de acumula-ção capitalista, sem que esteja visível qual será a alternativa sistêmica; d) crisedo modelo de desenvolvimento conservador & neoliberal na América Latinae no Brasil, estando em curso uma transição para um pós-neoliberalismo,cujos traços serão definidos ao longo da própria caminhada.

Noutras palavras, uma situação em que os modelos antes hegemônicos es-tão em crise, sem que tenham emergido claramente os modelos substitutos.

Um elemento central desta situação mundial é a crise do capitalismoneoliberal, na qual convergem: a) uma crise clássica de acumulação; b) oesgotamento da “capacidade de governança” das instituições de Bretton

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Woods; c) os limites do consumo insustentável da economia estado-unidense; d) a dinâmica da especulação financeira.

Este conjunto de variáveis aponta para um período mais ou menos pro-longado de instabilidade internacional. No curto e médio prazos, a instabi-lidade está vinculada à crise do capitalismo neoliberal e ao declínio da hege-monia estado-unidense. No longo prazo, corresponde à crescente contradi-ção entre a “globalização” da sociedade humana versus o caráter limitadodas instituições políticas nacionais e internacionais.

Estas várias dimensões da instabilidade fazem com que seja mais urgen-te e, ao mesmo tempo mais difícil, a construção de alternativas. O velhomodelo não funciona adequadamente, mas continua imensamente forte,enquanto os novos modelos econômicos e políticos estão surgindo, masainda não conseguem se impor.

A crise evidenciou o alto custo social e ambiental do capitalismo, especial-mente em sua versão neoliberal, fortalecendo ideologicamente os setores quedefendem um “capitalismo não-neoliberal”. Fortaleceu também, em muitomenor escala, os que propõem uma alternativa socialista ao capitalismo.

Mas o fortalecimento ideológico dos setores progressistas e de esquerdase dá nos marcos de uma situação estrutural que ainda conspira a favor deum desenlace conservador para a crise. Mesmo fortemente atingidos, ospaíses centrais concentram imenso poder econômico, político e militar. Otamanho desta hegemonia capitalista pode ser medido, paradoxalmente,pela profundidade da crise de 2008 e, ao mesmo tempo, pela capacidadeque os grandes Estados capitalistas demonstraram para evitar o transborda-mento político-social da crise, em favor das esquerdas.

Além disso, três décadas de hegemonia neoliberal limitaram o horizonteintelectual e a força político-social dos setores críticos. Estas contradições elimites ficam evidentes quando observamos o desencontro entre o tama-nho da crise e a timidez das propostas e medidas, especialmente sobre umanova moeda internacional, bem como a ineficácia das políticas globais decombate à pobreza e a desigualdade.

É nesse contexto que ganha importância estratégica o processo de inte-gração latino-americano e caribenho, especialmente entre os países daAmérica do Sul.

O tema central, neste processo, é o seguinte: como consolidar laços eco-nômicos, sociais, políticos, militares e ideológicos, que permitam aos paí-

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221Valter Pomar

ses integrantes conviver, sem subordinação ou dependência, com o espaçogeopolítico ainda hegemonizado pelos Estados Unidos e União Européia.

A questão derivada é a seguinte: será possível, mais do que conviver,substituir o arranjo econômico internacional que tem nos Estados Unidosseu elemento organizador (e desorganizador) central, por um novo arranjo,baseado em uma combinação entre expansão dos mercados internos e in-tercâmbio comercial que não seja dependente das ofertas de crédito, insus-tentáveis no médio prazo, proporcionadas pela “emissão sem lastro” dedólares?

Qualquer que seja a resposta para questões, é preciso ter claro que esta-mos frente a disputas de longo curso, que serão travadas num ambiente deacentuada instabilidade, em dois planos distintos, porém articulados: porum lado, a disputa no interior de cada país; por outro lado, a competiçãoentre os diferentes estados e blocos regionais. Dessa disputa podem emergirdesenlaces conservadores ou progressistas; mas também podem emergirsoluções socialistas, comprometidas com a mais profunda democratização,o internacionalismo, o planejamento democrático e ambientalmente ori-entado, bem como com a propriedade pública dos grandes meios de pro-dução. É por isto que trabalhamos.

Este texto começou a circular em janeiro de 2010

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222 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Los organizadores del Foro Internacional “Los nuevos retos de AméricaLatina: Socialismo y Sumak Kawsay” me invitaron a hablar acerca de las“diferencias entre el Socialismo del Siglo XX y el Socialismo del Siglo XXI”.Y propusieron enfatizar dos temas: “la democracia participativa” y el “nuevosujeto revolucionario”.

Los socialistas del siglo XXI no pueden alegar ignorancia acerca de cuancompleja y demorada es la lucha por superar el capitalismo y transitar auna sociedad sin clases, sin Estado, sin explotación ni opresión. La luchapor el poder puede resolverse a lo largo de los años, pero la construcción deotra sociedad es un proyecto de décadas y siglos.

El capitalismo surgió en Europa Occidental y de allá se expandió para elmundo. Quizás influenciados por esta trayectoria, los socialistas del sigloXIX imaginaban que las primeras victorias del socialismo ocurrirían enEuropa, donde el capitalismo estuviese más desarrollado, principalmenteAlemania. Pero la primera revolución socialista victoriosa ocurrió en Rusiael 1917, en la frontera entre Europa y Asia, entre Occidente y Oriente.

Lenin ya había indicado que Rusia constituía exactamente el “vínculomás débil de la cadena imperialista”. Admitiendo ser más fácil tomar elpoder allí que en Alemania, Lenin reconocía, sin embargo, que en Rusiasería más difícil construir el socialismo, debido al atraso político, social yeconómico. La solución vendría, supuestamente, de la solidaridad de laposterior y subsiguiente revolución socialista en los países europeos másavanzados, estimulada exactamente por el ejemplo del proletariado ruso.Sin embargo, si de allá vino la solidaridad desde 1917, hasta hoy no huboninguna revolución socialista victoriosa en las potencias capitalistasoccidentales.

Bloqueada al Oeste, la revolución se expandió en dirección Este. Ya el1918, Stalin diría que “el gran significado mundial de la Revolución deOctubre consiste principalmente en el hecho de haber lanzado un puenteentre el Occidente socialista y el Oriente oprimido, constituyendo un nuevofrente de la revolución que, de los proletarios del Occidente, a través de larevolución de Rusia, llega hasta los pueblos oprimidos de Oriente, contrael imperialismo mundial”.

Algunas ideas sobre la luchapor el socialismo en el siglo XXI

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Al proyectar el socialismo en Oriente, el gobierno soviético y el PartidoComunista Ruso (bolchevique) provocaron mutaciones en el proyecto y laestrategia originarias de Marx. Para este, el socialismo sería una etapa detransición entre el capitalismo y el comunismo. Llevado a Oriente, poco apoco el socialismo pasó a ser presentado como una etapa de transiciónentre el precapitalismo y el comunismo.

Esta novedad era una herejía a la luz del marxismo occidental del sigloXIX, pero no era una idea extraña a la tradición socialista rusa: los narodniksse caracterizaron exactamente por intentar construir un camino que fueradel feudalismo ruso al socialismo, sin pasar por el capitalismo. Lenin iniciósu trayectoria política combatiendo esa teoría, pero el curso de los aconte-cimientos lo llevó a capitanear un experimento que podría muy bien serconsiderado una variante del “populismo”, acusación que por cierto le fuedirigida en la época por sus adversarios en el movimiento socialdemócrata.

La guerra de 1939-1945, que empezó antes en Asia, con la ofensivajaponesa de 1937, es la pantalla de fondo de la segunda gran revoluciónsocialista victoriosa. Esta vez ya no en territorio de frontera, sino totalmen-te oriental: la revolución china de 1949.

Estrictamente, hay que considerar el periodo entre la Guerra del Opio y1949 como un largo periodo de transición, que en 1911 obtiene una soluciónprovisional y en 1949 una solución definitiva para el gran dilema de laautodeterminación del pueblo chino. El curso de la milenaria civilización,interrumpido de manera violenta por el imperialismo europeo y japonés, esdesobstruido con la victoria del Ejército Popular de Libertación, dirigidopor el Partido Comunista de China, victorioso fundamentalmente debidoa su apoyo en las masas campesinas y urbanas.

Se el Partido Obrero Social-Demócrata Ruso (apodado de bolcheviquey, en 1918, renombrado Partido Comunista) supo ser heterodoxo frente asus congéneres europeos, los comunistas chinos supieron ser heterodoxosdelante de muchas de las orientaciones de la III Internacional Comunista.Integraron de manera consistente la teoría del imperialismo, la cuestióncolonial, la autodeterminación de los pueblos y la lucha por el socialismo.Construyeron una ingeniosa fórmula que hacía del campesinado fuerzaprincipal de la revolución, pero preservando el “papel dirigente del proleta-riado”, en la práctica encarnado en el propio Partido. Frustrada la copia dela insurrección urbana de tipo ruso, aplicaron una estrategia de “cerco de la

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224 Miscelânea Internacional – 1998-2013

ciudad por el campo”, apoyado en una “guerra popular prolongada”. Y através de la fórmula de la “Nueva Democracia”, buscaron construir unpuente de largo alcance entre el atraso económico chino y el proyecto co-munista que animaba la dirección revolucionaria.

Sesenta años después, siguen visibles los dos pilares de este puente: porun lado, la innegociable defensa de la soberanía nacional; por otro lado, laatenta consideración de los intereses del campesinado. Curiosamente, seráen gran medida la radicalización de los campesinos pobres (sin los cuales larevolución no habría vencido) que explica los zigzags que marcaron losprimeros treinta años del poder instalado en 1949. El “gran salto adelante”y la “revolución cultural proletaria” expresaban, en esencia, la voluntad derebasar el capitalismo, echando mano del voluntarismo ideológico yapoyándose en fuerzas productivas muy atrasadas. Este socialismo campesinofracasó en gran medida por no haber sido capaz de ofrecer salvo unigualitarismo en la pobreza.

Las reformas chinas principiadas en 1978 (de manera similar a la NuevaPolítica Económica soviética de los años 1920) representaron, a su vez, lareafirmación de un aspecto central de la tradición marxista: la idea de queun modo de producción solo desaparece cuando desarrolla todas las fuerzasproductivas que es capaz de contener. En otras palabras: solo es posiblesuperar el capitalismo, en alguna medida desarrollándolo. Lo que, dichosea de paso, corresponde a la acepción hegeliana del término “superación”.

Desde un punto de vista teórico, el concepto de socialismo como tran-sición al comunismo es totalmente compatible con la existencia, aunquesea por un largo periodo, de la propiedad privada, el mercado y de lasrelaciones capitalistas de producción. Pero para los marxistas del siglo XIX,la transición socialista sería temporalmente corta, una vez que tendría ini-cio en los países capitalistas avanzados; o, por lo menos, contaría con elapoyo de estos (tal era la expectativa de los bolcheviques al tomar el poderen 1917). La idea de una transición corta pierde sentido, sin embargo,cuando el punto de partida es una sociedad esencialmente precapitalista,haciendo que el Estado producto de la revolución sea obligado no solo acontrolar, sino marcadamente a estimular la explotación capitalista de lafuerza de trabajo, como medio para aumentar la riqueza social y laproductividad media, presupuestos para una sociedad donde haya o máxi-mo posible de abundancia y tiempo libre.

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225Valter Pomar

Desde este punto de vista podemos decir que los comunistas chinosrespetan la tradición marxista clásica, cuando sostienen que están todavíaen la “fase inicial del socialismo”, que esta durará muchas décadas y que suobjetivo en esta fase es el de construir una sociedad “modestamente acomo-dada”. Y son igualmente coherentes cuando consideran esencial lapreservación de la paz, pues conocen por experiencia práctica y observaciónel costo económico-social de las guerras y los límites que tiene (para elproyecto de orientación socialista) el tipo de desarrollo proporcionado porla inversión en el complejo militar. Sin embargo, la proyección exterior delEstado chino genera conflictos que pueden muy bien ser equiparados a loscausados por la expansión económica de países capitalistas. Pues lo que estáen cuestión, en este terreno, es la disputa de mercados y materias primas,además de hegemonizar y proteger territorios, así como preservar reservasfinancieras.

Algunas semejanzas con el caso de la URSS pueden ser trazadas. Supera-das, alrededor de 1925, las expectativas en una revolución socialistainmediata en los países occidentales, la estrategia política y militar soviéticafue tornándose cada vez más defensiva. Esto fue acompañado por la creaci-ón de un cinturón de protección, bien como de “cabezas de puente” políti-co ideológicas en el interior de los países capitalistas centrales. Pero el“expansionismo soviético” fue esencialmente una creación de la máquinade propaganda de los Estados Unidos. El pacto con la Alemania nazi y losataques contra Finlandia y Polonia respondían al mismo objetivo: operaci-ones defensivas, frente al temor de que Inglaterra y Francia empujasen a losalemanes en el sentido de buscar su “espacio vital” en el Este. Y cuando laSegunda Guerra termina y comienza la división de áreas de influencia, lapostura general de la URSS es bastante moderada.

Al tiempo que adoptaba una línea defensiva en el plano político-militar,el PC soviético construyó una orientación estratégica de buscar el socialis-mo a través de la coexistencia y competición pacífica con el capitalismo.Coherente con esto, se formuló también la tesis de la “transición pacífica”para el socialismo, buscando resolver (en el papel al menos) otra paradoja:las revoluciones socialistas ocurrieron en general en condiciones de guerra,pero las guerras arruinan las condiciones de construcción del socialismo. En los años 1950, el PC chino acusó la formulación soviética de“revisionismo”, dando inicio a un enfrentamiento que resultaría en la ruptura

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226 Miscelânea Internacional – 1998-2013

entre China y la URSS, así como entre los respectivos partidos. Irónicamente,la orientación actual del PC chino frente al mundo capitalista es,exactamente, buscar equiparar y superar.

En cierto sentido, la estrategia mundial del Partido Comunista chino esuna versión concentrada y actualizada de aquella que fue adoptada por elPC soviético, especialmente a partir de su XX congreso (1956). En el casode la URSS, esta orientación no siempre parecía moderada, sea por causade la confrontación entre el campo socialista versus el capitalista (con mo-mentos “fríos” y otros “calientes”, como en las guerras de Corea y Viet-nam); sea debido a la actuación del movimiento socialista internacional, ensus variadas ramificaciones; sea debido a la propaganda anti-comunista.

Hoy, la no existencia de una polarización entre los “campos” capitalis-ta y socialista, asociada al debilitamiento de todas las familias ligadas almovimiento socialista, permite constatar con más claridad el bajo perfilde la estrategia china. Esta estrategia resulta, al menos en parte, de unainterpretación muy realista acerca del actual periodo histórico. Ya en losaños 1970, sectores del Partido Comunista chino apuntaban a la existen-cia de un reflujo de los procesos revolucionarios (efectivamente, Vietnamfue la última gran revolución socialista victoriosa. La revolución nicara-güense no fue socialista y la revolución de Irán en 1979 responde a otrotipo de proceso histórico).

Al inicio de los años 1990, con la disolución de la URSS e con el unila-teralismo estadounidense, podemos decir que el conjunto del movimientosocialista entró en un periodo de “defensiva estratégica”.

La situación empezó a cambiar entre 1998 y el 2008, primero con laascensión de varios gobiernos de izquierda en América Latina; y, después,con la crisis internacional. Pero estos acontecimientos no llegaran a alterarla naturaleza del periodo, que sigue siendo de “defensiva estratégica”.

Una señal de esto es el contraste entre la profundidad de la crisis interna-cional y la capacidad que los grandes Estados capitalistas tuvieron paraevitar su desbordamiento político-social.

Otra señal es la existencia de una contra ofensiva de la derecha latinoa-mericana, que recibió el paradójico refuerzo de la crisis internacional, quecrea dificultades económicas para la mayoría de los gobiernos progresistas;y de la victoria de Obama, cuya imagen positiva (construida mediáticamentey facilitada por el contraste con Bush) permitió a los EE.UU. recuperarparte de su margen de maniobra.

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Frente a esto, la izquierda latinoamericana busca no perder ningún go-bierno para la derecha, acelerar el proceso de integración regional e insistiren el camino de los cambios estructurales.

La cuestión práctica está en cómo hacer esto, evitando dos errores: a) irmás allá de nuestra capacidad de sustentar políticamente los procesos; b)no alcanzar lo necesario para que podamos acumular fuerzas en direccióndel socialismo.

Es verdad que en varios países, el proceso en curso ya viene siendo llamado“revolución” o incluso “socialismo”. Esto tiene varios motivos, y en el fondoconfirma que América Latina necesita una revolución socialista. Pero esnecesario recordar que la retórica es incapaz de solucionar problemas quetodavía no logramos resolver en la práctica.

A lo largo del siglo pasado, el movimiento socialista hizo de todo unpoco; lucha social, ideológica, política y militar; construcción de partidos yde Internacionales; grandes revoluciones victoriosas y otras derrotadas. Yestuvo directamente involucrado en dos grandes experimentos: el Estadodel bienestar, en el cual se empeñaron los socialdemócratas; y los intentosde construcción del socialismo, dirigidos por los comunistas.

El movimiento socialista del siglo XX fue derrotado, pero el repertoriode experiencias es inmenso. Por el contrario, las experiencias y los intentosde los socialistas de nuestro siglo aún son muy limitadas. Aunque aceptemosla tesis del “corto siglo XX”, iniciado en 1914-1917 y concluido en 1989-1991; aún así, el siglo XXI empezó hace poco. En este periodo, no vivimosninguna gran revolución. En América Latina, por ejemplo, por más quenos enorgullecemos de los gobiernos que conquistamos, debemos recono-cer que estamos muy lejos del radicalismo político y profundidad socialalcanzadas por la revolución cubana de 1959. La lucha por el socialismoen el siglo XXI todavía no protagonizó ninguna revolución de este tipo,capaz de destruir el aparato del Estado y expropiar a la antigua clase domi-nante. En el plano de la teoría, estamos atrasados en lo que respecta alanálisis del capitalismo contemporáneo, al balance de los intentos de cons-trucción del siglo XX, y la elaboración de una estrategia para la lucha por elpoder y la construcción del socialismo en las condiciones del siglo XXI.

Por todo esto, considero prematuro hablar de las “diferencias” entre el socia-lismo del siglo XX y el socialismo de siglos XXI. Creo que es más exacto hablarde socialismos, estrategias y sujetos revolucionarios. Siempre en plural.

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228 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Nuestro movimiento siempre fue plural, geográfica, sociológica, teórica,organizativa y políticamente. Esto no implica igualar las diferentestradiciones, sino que implica considerar que todas dieron contribucionesque, nos guste o no, forman parte del patrimonio colectivo del movimien-to socialista.

Uno de los motivos de la pluralidad socialista es el capitalismo. El modode producción capitalista impulsa una tendencia a la uniformización, perolas formaciones socio-económicas hegemonizadas por el capitalismo, en lasdistintas regiones del mundo y épocas históricas, presentan diferencias im-portantes. Mientras sea así, la superación del capitalismo exigirá diferentesestrategias de resistencia, de conquista del poder e de construcción del so-cialismo. No significa decir que todas las estrategias son válidas, sino quesignifica que el movimiento socialista debe rechazar la idea de que existauna única estrategia válida para todos los lugares y tiempos.

Otro motivo por el cuál debemos usar el plural, es porque las diferentesclases y sectores que luchan contra el capitalismo, no poseen los mismosobjetivos de largo plazo y por eso su unidad es siempre conflictiva.

El proletariado (o sea: la clase de los trabajadores desprovistos de mediosde producción y que venden su fuerza de trabajo para los capitalistas)continúa siendo la clase social objetivamente interesada en una sociedaddonde los medios de producción se vuelvan propiedad colectiva.

Pero el proletariado del siglo XXI no es igual al del siglo XIX o XX;posee en su interior diferentes fracciones de clase, con distintos intereses;sin hablar de las diferencias nacionales. Además de esto, para que el prole-tariado sea revolucionario en la práctica, necesita forjar una alianza con losdemás sectores sociales que están en conflicto con el capitalismo, en cadaépoca y región concreta, alrededor de un programa y de una estrategia. Nosiempre el proletariado es capaz de esto y otros sectores sociales asumen lavanguardia.

Por esto, si en el terreno del análisis teórico del modo de produccióncapitalista podemos hablar de “clase revolucionaria”, en el terreno del análisisestratégico tenemos que utilizar siempre el plural y hacer un “análisis con-creto de la situación concreta”.

Vale decir que la pluralidad de “sujetos revolucionarios” va más allá de laexistencia de distintos partidos, programas y estrategias, incluyendo aquelloscuyo horizonte máximo es mejorar la vida del pueblo, en el marco del

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capitalismo. Es necesario considerar, también, los que defienden un tipo desocialismo que supone preservar formas de organización social precapitalistas;y otros para los cuales el socialismo se confunde con antiimperialismo. Enfin, la ecología del movimiento socialista moderno es tan amplia, que lascategorías en plural son más adecuadas.

El debate sobre el socialismo en América Latina de este inicio del sigloXXI nos debe ayudar a responder cómo pasar: a) de la condición de gobi-erno, a la condición de poder; b) de la situación actual, en que estamosmejorando la vida del pueblo en el marco del capitalismo, para una nuevasituación en que podamos mejorar la vida del pueblo en el marco de unatransición socialista. Un debate que debe tomar en cuenta la experienciaparadigmática del gobierno de la Unidad Popular en el Chile de 1970-1973.

Si tenemos éxito en la combinación entre las diferentes estrategias naci-onales y una estrategia continental de integración, daremos una contribución importante para que el movimiento socialista salga de la actual situaciónde “defensiva estratégica” y entre en una situación de “equilibrio estratégi-co”, al menos en nuestro continente.

Esto se volvió posible debido a la existencia de una situación mundial decrisis & transición: a) crisis de la doctrina neoliberal, en un momento enque el pensamiento crítico todavía se recupera de los efectos de más de dosdécadas de defensiva político ideológica; b) crisis de la hegemonía estadou-nidense, sin que haya un hegemon sustituto, el que estimula la formaciónde bloque regionales y alianzas transversales; c) crisis del modelo de desar-rollo conservador & neoliberal en América Latina y en Brasil, estando encurso una transición para un pos neoliberalismo, cuyos trazos serán defini-dos a lo largo de la propia caminata.

En otras palabras, una situación en que los modelos antes hegemónicosestán en crisis , sin que hayan emergido claramente los modelos sustitutos.

Un elemento central de esta situación mundial es la crisis del capitalis-mo neoliberal, en la cual convergen: a) una crisis clásica de acumulación;b) el agotamiento de la “capacidad de governanza” de las instituciones BretónWoods; c) los límites del consumo insustentable de la economía estadouni-dense; d) la dinámica de especulación financiera.

Este conjunto de variables apunta a un periodo más o menos prolonga-do de inestabilidad internacional. En el corto y mediano plazos, la inestabi-

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230 Miscelânea Internacional – 1998-2013

lidad está vinculada a la crisis del capitalismo neoliberal y al decaimientode la hegemonía estadounidense. En el largo plazo, corresponde a la crecientecontradicción entre la “globalización” de la sociedad humana versus el ca-rácter limitado de las instituciones políticas nacionales e internacionales.

Estas tres dimensiones de la inestabilidad hacen que sea más urgente y,al mismo tiempo más difícil, la construcción de alternativas. El viejo mo-delo no funciona adecuadamente, pero continua inmensamente fuerte,mientras los nuevos modelos económicos y políticos están surgiendo, perotodavía no consiguen imponerse.

La crisis evidenció el alto costo social y ambiental del capitalismo, espe-cialmente en su versión neoliberal, fortaleciendo ideológicamente los sec-tores que defienden un “capitalismo no neoliberal”. Fortaleció también, enmucho menos escala, a los que proponen una alternativa socialista al capi-talismo.

Pero el fortalecimiento ideológico de los sectores progresistas y de laizquierda se da en el marco de una situación estructural que todavía cons-pira a favor de un desenlace conservador para la crisis. Aunque fuertementealcanzados, los países centrales concentran inmenso poder económico, po-lítico y militar. El tamaño de esta hegemonía capitalista puede ser medido,paradójicamente, por la profundidad de la crisis del 2008 y, al mismotiempo, por la capacidad que los grandes Estados capitalistas demostraron para evitar el desbordamiento político social de la crisis, a favor de lasizquierdas.

Además de eso, tres décadas de hegemonía neoliberal limitaron el hori-zonte intelectual y la fuerza político social de los sectores críticos. Estacondiciones y límites son evidentes cuando observamos el desencuentroentre el tamaño de la crisis y la timidez de las propuestas y medidas, espe-cialmente sobre una nueva moneda internacional, así como la ineficacia delas políticas globales de combate a la pobreza y la desigualdad.

Es en ese contexto que gana importancia el proceso de integración lati-noamericano y caribeño, especialmente entre los países de América del Sur.El tema central, en este proceso, es el siguiente: cómo consolidar lazoseconómicos, sociales, políticos, militares e ideológicos que permitan a lospaíses integrantes convivir, sin subordinación o dependencia, con el espaciogeopolítico todavía hegemonizado por los Estados Unidos y la UniónEuropea.

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231Valter Pomar

La cuestión subyacente es la siguiente: ¿será posible, más que convivir,sustituir el arreglo económico internacional que tiene en los Estados Uni-dos su elemento organizador (y desorganizador) central, por un nuevoarreglo, basado en la combinación entre expansión de los mercados inter-nos e intercambio comercial, que no sea dependiente de las ofertas de cré-dito, insustentables a mediano plazo, proporcionadas por la emisión sinbarrera de dólares?

Cualquiera que sea la respuesta para estas cuestiones, es necesario tenerclaro que estamos frente a disputas de larga duración, que ocurren en unambiente de acentuada inestabilidad, en dos planos distintos pero articula-dos: por un lado, la disputa al interior de cada país; por otro, la competenciaentre los diferentes Estados y bloques regionales. De esa disputa puedenemerger desenlaces conservadores o progresistas: pero también puedenemerger soluciones socialistas, comprometidas con la más profunda demo-cratización, el internacionalismo, la planificación democrática y ambien-talmente orientada, así como la propiedad pública de los grandes mediosde producción. Es por esto que trabajamos.

Este texto es una contribución para el Foro Internacional “Los nuevosretos de América Latina: Socialismo y Sumak Kawsay”, realizado en Quito

(Ecuador) en los días 18 y 19 de enero de 2010

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232 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A batalha do Chile

A oposição de direita, no Brasil, está exultante: a recente eleição presiden-cial chilena seria a demonstração de que é possível derrotar uma candidaturaapoiada por um governo bem avaliado por mais de 80% da população.

A direita européia também está contente: a eleição de Piñera (e, antesdele, do presidente do Panamá) demonstraria que o modelo sarkozy-berlusconiano está fazendo escola. Filhote do pinochetismo e enriquecidopela privataria, Piñera é uma demonstração do que os capitalistas enten-dem por “igualdade de oportunidades”.

A direita latina e norte-americana está igualmente feliz: derrotados des-de 1998 na maioria das eleições do subcontinente e recém-derrotados nasdisputas presidenciais ocorridas no Uruguay e Bolívia, os conservadorespodem apresentar o caso chileno como demonstração de que é possívelreverter, nas urnas, “civilizadamente”, sem golpes, a hegemonia da centro-esquerda sulamericana.

Mas felizes mesmo estão os “gorilas” chilenos, que comemoraram ruido-samente, inclusive agitando nas ruas fotografias do falecido ditador, a der-rota da Concertación. É a primeira vez, desde a década dos 1950, que adireita chilena consegue maioria eleitoral.

Eles têm motivos para felicidade. E a esquerda deve botar as barbas demolho.

Em primeiro lugar, porque a vitória de Piñera fortalece o bloco de gover-nos alinhados com os Estados Unidos e opositores da integração continen-tal. Colômbia e Peru ganham, assim, um aliado importante.

Em segundo lugar, porque está vitória não é um fato isolado. Ela fazparte de uma contra-ofensiva desencadeada pela direita latino-americana,apoiada pelo governo dos Estados Unidos e pela direita da União Européia.Esta contra-ofensiva inclui os ataques contra os “elos fracos” da rede degovernos progressistas, como é o caso de Honduras; inclui o fortalecimentoe a extensão da presença militar estado-unidense na região, a exemplo dasbases na Colômbia e da IV Frota; e inclui uma provocação permanentecontra Cuba e Venezuela.

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233Valter Pomar

Em terceiro lugar, mas principalmente, porque a derrota chilena foi pro-duto combinado dos acertos da direita, com os erros da esquerda.

Já se falou muito no mais óbvio destes erros: a esquerda chilena partici-pou do primeiro turno das eleições dividida entre três candidaturas presi-denciais. E, no segundo turno, uma destas candidaturas titubeou no apoioa Eduardo Frei.

Também já se falou de outro erro óbvio: ao contrário da eleição anterior,quando percebeu a necessidade de mudança e lançou Bachelet, desta vez aConcertación foi hiper-conservadora. Escolheu como candidato um de-mocrata-cristão, ex-presidente chileno, com idéias radicalmente modera-das, abrindo uma imensa brecha para que a campanha de Piñera pudesseter como slogan a palavra: “mudança”.

Os erros acima têm relação, é óbvio, com a estratégia geral seguida pelossetores majoritários da esquerda chilena. Esta estratégia foi eficaz no quesi-to “governabilidade”, mas ineficaz nas “mudanças estruturais”. Isso se ex-pressou, por um lado, na incapacidade de alterar os parâmetros constituci-onais herdados do período Pinochet. E, por outro lado, numa política eco-nômica que não foi capaz de superar a desigualdade social.

A influência desta estratégia moderada explica muito, mas não explicatudo. Afinal, foram 5 eleições e 4 vitórias. Neste sentido, há que consideraros acertos da direita (sempre forte e desta vez unificada), a fadiga de mate-rial (quatro governos seguidos) e algumas mudanças político-sociológicasocorridas na sociedade chilena.

Há um quarto elemento, contudo, que deve ser estudado com atenção.Em 1973, o golpe não surpreendeu ninguém. Em 2009-2010, a derrotaestava visível no horizonte. As situações são profundamente distintas, masvale questionar por qual motivo –nos dois casos- a esquerda chilena, maisexatamente seu setor majoritário, foi incapaz de fazer uma correção de rumo.

Entre os vários motivos, cito um que pode ser encontrado nos maisdiferentes países e matizes da esquerda: certa tendência a maximizar osfeitos e minimizar os defeitos. Cuja acumulação, como sabemos, transfor-ma quantidade em qualidade.

Para além do balanço acerca da derrota, é preciso preparar a resistênciacontra os vitoriosos. Há alguns dias, uma decisão judicial cassou a atuaçãolegal do Partido Comunista do Chile, colocando em questão inclusive a pos-se de três parlamentares recém-eleitos. Isso é um sinal do que vem por aí.

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234 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A batalha do Chile continua, lá e em toda a América Latina. Outubro,no Brasil, será um momento absolutamente decisivo. Aprendamos com asderrotas, para saber como evitá-las.

A versão original deste artigo foi publicada napágina eletrônica da revista Caros Amigos

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235Valter Pomar

Felizmente, o debate internacional deixou de ser patrimônio de umaminoria e virou tema popular, como vimos na disputa presidencial de 2006e já estamos vendo nas prévias de 2010. Quem não lembra de Alckminatacando a Bolívia? Ou, recentemente, Serra dando apoio implícito aogolpismo em Honduras?

A política externa do governo Lula ajudou nesta internacionalização dodebate político, à medida que recusamos a postura intimidada dos tucanos epercebemos que o Brasil pode e deve jogar um papel destacado nos grandestemas internacionais, inclusive quando se trata de enfrentar os Estados Uni-dos. A recente visita do Presidente do Irã ao Brasil e a postura de nossogoverno na conferência de Copenhague constituem uma confirmação disto.

Nossa política externa é potencializada por dois fatores “objetivos” e doisfatores “subjetivos”. Os primeiros são: o peso geopolítico do Brasil e a criseinternacional. Os demais são: a tradição nacionalista existente no Itamaratye a tradição internacionalista do Partido dos Trabalhadores. A isto se agregaa desenvoltura com que lançamos mão da diplomacia presidencial.

Desde sua fundação, o PT vem acompanhando, opinando e atuando naesfera internacional, diretamente ou através dos petistas presentes em go-vernos, parlamentos, movimentos sociais e variadas instituições. Ao longodos 30 anos de vida do Partido, houve mudanças de linha, de ênfase, demétodos e de estilo, cuja análise demandaria mais tempo de pesquisa e umartigo maior do que este. Entretanto, há dois traços de nossa atuação quedevem ser destacados.

Um deles é a pluralidade que mantemos na interlocução internacional.Isto deriva, em parte, da pluralidade política e ideológica do Partido, quereuniu desde sua fundação e até hoje, militantes identificados com as maisvariadas famílias da esquerda internacional.

A pluralidade de nossa atuação internacional foi acentuada a partir de2003, quando o PT passou ter influência na política externa do governobrasileiro. Desde então e crescentemente, o leque de nossas relações en-quanto Partido inclui, também, partidos e lideranças com as quais nossogoverno possui algum grau de identidade.

Portanto, não mantemos relações apenas com os que “pensam como

Notas sobre a políticainternacional do PT

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236 Miscelânea Internacional – 1998-2013

nós”; mas também com os que, apesar de maiores ou menores diferençasideológicas, enfrentam na arena internacional problemas políticos simila-res aos que enfrentamos, enquanto partido e/ou governo.

Esta pluralidade não implica em silêncio acerca de questões espinhosas;nem tampouco subordinação das posições partidárias aos interesses “deEstado”. Pelo contrário, há coisas que nosso governo pode fazer (comoreceber o presidente dos EUA ou o chanceler de Israel), sem que isto impe-ça nosso partido de manifestar sua opinião política sobre tais convidados esuas respectivas administrações. Ou questões em que o Partido tem posi-ção há tempos e faz pressão sobre nosso governo, como é o caso do SaharaOcidental e da luta da Frente Polisário. Assim como há temas em que ogoverno tomou a iniciativa e o Partido não tem conseguido acompanharadequadamente, como é o caso do Haiti.

Outra traço de nossa política internacional é a ênfase latino-americana.Embora tal tradição já estivesse presente antes, o latinoamericanismo ga-nhou mais força e organicidade a partir da fundação, em 1990, do Foro deSão Paulo.

Claro que o PT assiste as mais variadas reuniões partidárias, em todo omundo, como as convocadas pela Conferência Permanente de Partidos Polí-ticos Progressistas da América Latina (Copppal) e pela Internacional Socia-lista (sendo que não somos membros, nem mesmo observadores oficiais naIS). Mas nossa prioridade regional é a América Latina; e nosso espaço privi-legiado de debate e articulação é o leque de partidos que integra o Foro deSão Paulo, no qual somos encarregados da Secretaria Executiva.

Além das relações mantidas pelo próprio Partido, o PT tem estimuladorelações bilaterais e multilaterais através do Foro de São Paulo, como é ocaso do intercâmbio com o Partido da Esquerda Européia, o Grupo Parla-mentar da Esquerda Européia e os integrantes da Autoridade NacionalPalestina. Achamos que este método potencializa a região (e não apenasnosso Partido e governo); e acreditamos que o aprofundamento de relaçõesinter-regionais é mais realista e produtivo, do que a tentativa de criar novasorganizações que sejam ou se pretendam mundiais.

A experiência recente tem demonstrado o potencial da esquerda naAmérica Latina, que de conjunto conseguiu preservar parte importante desuas forças, num momento em que o socialismo declinava noutras regiõesdo planeta. A resistência que Cuba oferece, depois do desmanche do cha-mado bloco soviético, é um exemplo disto.

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237Valter Pomar

O potencial da esquerda latino-americana é confirmado, ao longo dosanos 1990 e adiante, com o surgimento do Foro de São Paulo; a gestaçãodo Fórum Social Mundial; e a eleição de uma onda de presidentes progres-sistas e de esquerda, desde 1998 (Hugo Chávez) até 2009 (Maurício Funes).

Olhando para trás, podemos ver que em nossa região a luta social, a lutaeleitoral, a ação de governo e a atuação partidária interagiram na luta con-tra o neoliberalismo, de maneira muito mais intensa e eficaz do que emoutras regiões do mundo. O PT deu importante contribuição para isto,tanto prática quanto teoricamente.

Evidentemente, nada disto ocorreu de maneira linear, uniforme, semcontradições e limitações. Isto fica ainda mais claro agora, em que se tratade coordenar estrategicamente, não apenas partidos e movimentos sociais,mas também a ação de governos nacionais e instituições regionais. Para darconta destas novas tarefas, num cenário marcado pela crise internacional epor uma contra-ofensiva da direita, o PT está chamado a ampliar sua inci-dência em pelo menos dois processos interligados: o debate estratégico e aintegração continental.

A onda de governos de esquerda na América Latina e a crise internacio-nal não foram capazes de modificar a natureza do período aberto, aindanos anos 1980, pela ofensiva neoliberal e pela crise do socialismo. O movi-mento socialista continua, em termos planetários, num período de relativa"defensiva estratégica".

Um sinal disto é o contraste entre a profundidade da crise internacionale capacidade que os grandes Estados capitalistas tiveram para evitar, atéagora pelo menos, seu transbordamento político-social. Outro sinal é aexistência de uma contra-ofensiva da direita latino-americana, de que fa-zem parte as bases militares na Colômbia, o golpe de Estado em Honduras,a eleição de Piñera no Chile e a atitude dos militares estadounidenses frenteà catástrofe no Haiti.

Neste contexto, a esquerda latino-americana busca não perder nenhumgoverno para a direita, acelerar o processo de integração regional e ao mes-mo tempo persistir no caminho das mudanças estruturais. A questão estáem como fazer isto, evitando dois erros: a) ir além da nossa capacidade desustentar politicamente os processos; b) ficar aquém do necessário para quesigamos acumulando forças. Ao revés da famosa imagem: não tão devagarque pareça medo, não tão rápido que pareça provocação.

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238 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Evitar estes erros exige debater a estratégia de luta pelo socialismo naAmérica Latina, ou seja, discutir como passar: a) da condição de governo,para a condição de poder; b) da situação atual, em que estamos melhoran-do a vida do povo nos marcos do capitalismo, para uma nova situação, emque possamos melhorar a vida do povo nos marcos de uma transição socia-lista. Um debate que deve levar em conta a experiência do governo daUnidade Popular no Chile de 1970-1973; assim como exige compreendero caráter estratégico da integração continental.

Este debate já está em curso e nele aparecem todas as diferenças progra-máticas, estratégicas, táticas, organizativas, históricas e sociológicas exis-tentes na esquerda latino-americana, que algumas vezes se traduzem emtáticas ou estratégias distintas por parte dos governos progressistas da re-gião. O PT precisa ampliar sua participação, enquanto partido, neste de-bate, sempre recusando qualquer tipo de interpretação reducionista,dicotômica e divisionista.

O reducionismo (dizer que há “duas esquerdas” na América Latina) aju-da politicamente a direita, porque traz implícita a seguinte conclusão: ocrescimento de “uma esquerda” depende do enfraquecimento da “outraesquerda”, numa equação perversa que convenientemente tira de cena osinimigos comuns.

Fosse homogênea e uniforme, ou expressa somente em duas correntes, aesquerda latino-americana não apresentaria a fortaleza atual. A continuidadedesta fortaleza dependerá, em boa medida, da articulação entre as diferentesesquerdas. Tal cooperação não exclui a luta ideológica e política; mas esta lutaprecisa ocorrer nos marcos de uma máxima cooperação estratégica.

A superação do neoliberalismo e também do capitalismo exigirá diferen-tes estratégias de resistência, de conquista do poder e de construção dosocialismo. Não significa dizer que todas as estratégias são válidas, massignifica que o movimento socialista deve recusar a idéia de que exista umaúnica estratégia válida para todos os locais e tempos. Mas, ao mesmo tem-po, os processos nacionais terão fôlego curto, se não estiverem articuladosnuma estratégia continental.

Tanto o PT quanto o governo Lula consideram que a integração regionalé um objetivo central de nossa política externa. Neste sentido, o governo tembuscado acelerar a institucionalização da integração regional, reduzindo aingerência externa, as desigualdades & assimetrias, seja para atuar internaci-onalmente como bloco, seja para aproveitar melhor as potencialidades da

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239Valter Pomar

América do Sul. Esta compreensão de uma integração de amplo escopo cons-titui o pano de fundo da criação da Comunidade Sul-Americana de Nações(2004), cujo nome foi posteriormente alterado para Unasul (2007).

O sucesso na luta contra a ingerência externa e a constituição de umbloco fortemente ativo no cenário internacional dependem, no limite, deuma política sustentável e continuada de redução das desigualdades & as-simetrias regionais. O que supõe forte investimento brasileiro, nos marcosde uma política mais ampla de “desenvolvimentismo regional” de tipo de-mocrático-popular.

Para que esta política seja bem sucedida, é necessário afastar o temor deque esteja em marcha algum tipo de “sub-imperialismo brasileiro” (temormuitas vezes reforçado pela atitude arrogante e predatória de grandes em-presas brasileiras). Além disso, o crescente protagonismo global do Brasildeve ser combinado com a reafirmação e ampliação de seu compromissocom a integração regional.

Devemos assumir, portanto, parte importante dos investimentos neces-sários para a integração, especialmente no âmbito da infra-estrutura. Paraisto, é preciso que exista no Brasil uma maioria política que perceba asvantagens que o desenvolvimento da América do Sul traz para o desenvol-vimento brasileiro. Sem esta maioria, teremos um prejuízo enorme para osprocessos de integração e uma provável interrupção do reformismo demo-crático-popular que desde 1998 ganhou espaço na região.

Trata-se de demonstrar, entre outras coisas, que nosso protagonismoglobal está fortemente vinculado aos sucessos latino e sul-americano; que aintegração regional é importante para o sucesso do projeto democrático-popular em âmbito nacional; que especialmente no presente cenário deinstabilidade mundial, os blocos regionais são essenciais.

Além de incidir no debate estratégico e na prática da integração conti-nental, o Partido dos Trabalhadores está chamado a ampliar sua presençaem outras regiões do mundo, notadamente a Ásia, a África e os EstadosUnidos. Diversas iniciativas já foram adotadas neste sentido e devem serobjeto de debate e aprovação no IV Congresso do Partido, chamado aatualizar o documento aprovado por unanimidade no III Congresso e queatualmente orienta a atuação da secretaria de relações internacionais do PT.

A versão inicial deste texto foi publicada na ediçãode fevereiro de 2010 da revista Teoria e Debate

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240 Miscelânea Internacional – 1998-2013

O foco da nossa discussão é o balanço da atuação do governo Lula naárea externa, de 2003 até agora. Para fazer essa discussão é necessáriocontextualizar: qual país, qual governo. Mas o risco é o contexto virar oprincipal e o tema da política externa ficar em segundo plano. Por isso vouusar uma expressão diplomática que aprendi nesse convívio: “tomarei nota”do que foi dito a respeito do país e do governo e não vou entrar nas duasdiscussões específicas, sobre as quais eu tenho uma interpretação um pou-co distinta daquela que o Marco Aurélio e o Samuel apresentaram.

Só queria fazer um registro: primeiro, o Marco Aurélio e eu, ele muitomais, somos historiadores de profissão, e é sempre um risco quando diri-gentes partidários abordam a história do seu próprio partido. A verdade éque o pensamento petista sofreu um processo de empobrecimento, que nãoiniciou em 2003. Quem lê as resoluções do partido, percebe que há umprocesso de sofisticação, que se interrompe em um determinado momento,a partir do qual os temas mais programáticos, a discussão sobre os grandescaminhos seguidos pelo país, vai perdendo lugar para uma visão cada vezmais tática, na qual a formulação política passa a ser funcional, no mausentido da palavra.

Esse não é um problema que se resolve fazendo contraposições entre oque o partido fez e aquilo que o governo deixou de fazer. Na verdade,vivemos um fenômeno que está presente em todos os processos latino-americanos: a chegada da esquerda ao governo nacional absorve energias,pensamentos, quadros e empobrece os partidos. Na prática o partido, nosentido histórico da palavra, passa a ser o governo. A Venezuela é um bomexemplo, noutros países há maior resistência a isso. No Brasil há uma vidapartidária que resiste, mas o fenômeno existe.

Eu faço um balanço geral muito positivo da política externa do governoLula. Acho que essa política antecipou a etapa que estamos vivendo, agora,no conjunto do governo. Ou seja, desde o princípio ela foi orientada parao objetivo de defender os interesses nacionais, de buscar um caminho dedesenvolvimento, fortalecimento do Estado e transformar o Brasil numdos pólos, ou parte integrante de um dos pólos de poder em âmbito mun-

Um PAC latinoamericano

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dial. Portanto, foi uma política externa impulsionada por uma visão muitocrítica tanto frente ao neoliberalismo, quanto frente ao papel que os Esta-dos Unidos jogam no cenário internacional. Idéias que até 2005 não eramhegemônicas no conjunto do governo Lula.

Entretanto, acho necessário precisar melhor qual é a natureza da políticaexterna do governo Lula. Nós queremos que seja uma “política de Estado”,uma política amplamente hegemônica na sociedade brasileira, mas aindanão é. E ainda não é uma política de Estado, fundamentalmente porque asclasses dominantes no Brasil não compartilham uma parte importante des-sa política.

Nossa política externa também não é uma política de partido, inclusiveno sentido de ser uma “política de esquerda”. Isto só é possível em momen-tos muito especiais, quando ocorrem grandes crises e processos revolucio-nários. Nesses períodos pode-se esperar que um Estado execute uma “polí-tica de esquerda”. Porém, nos períodos normais a política externa expressa“interesses de Estado”, interesses nacionais que são distintos dos interessesdos partidos que governam esses Estados, mesmo (ou especialmente) quandoeles são de esquerda.

A política externa do governo Lula é a política externa de um Estadoperiférico com enorme potencial. Se a esquerda hegemonizar este Estado,esta política externa pode ter duas dimensões. Uma dimensão é proteger osinteresses nacionais do país. Esses interesses nacionais muitas vezes são osinteresses das empresas capitalistas que atuam no exterior ou são interessesdo Estado no sentido mais amplo da palavra, um Estado capitalista, quetem um potencial “sub-imperialista” que não devemos subestimar, masca-rar e nem disfarçar.

A outra dimensão da política externa do governo Lula é democrático-popular. Um Estado periférico sob hegemonia de esquerda, que busca cons-truir uma nova ordem internacional e busca uma integração continentalcom viés popular e com viés democrático.

Portanto, nossa política externa é contraditória – e devemos recuperar ovalor positivo da palavra contradição – porque ela expressa dois impulsossimultâneos, impulsos que têm níveis de cooperação e contradição entre si.

Desta natureza contraditória da política externa decorre que os partidosde esquerda devem ter uma dupla atitude em relação a ela: têm que defendê-la no seu conjunto contra a direita e, ao mesmo tempo, deve ter uma

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atitude permanente de “vigilância e pressão” para garantir que predomineo viés democrático-popular.

Em dois textos (“As diferentes estratégias das esquerdas latino-america-nas” e “A política externa do governo Lula”), desenvolvo os vários aspectosque deveriam compor esse trabalho de acompanhamento de política exter-na por parte de um partido como o PT.

Primeiro, a defesa dessa política frente aos ataques da oposição de direitae segundo, evitar a predominância dos interesses privados “sub-imperialis-tas”. Às vezes isso significa defender os interesses populares versus os inte-resses capitalistas. Porém, às vezes se trata também de defender os interessesdo desenvolvimento do capitalismo no Brasil, contra os capitalistas indivi-duais que buscam o lucro imediato e impedem uma atuação de longo pra-zo do Estado, mesmo naquilo que os interessa no longo prazo. Por exem-plo, as concessões que foram feitas ao Paraguai e à Bolívia, no médio elongo prazo serão úteis ao grande capital brasileiro, inclusive para os quereclamaram.

Terceiro, estimular um viés latino americano e caribenho. A nossa polí-tica externa, do ponto de vista operacional, será por muito tempo umapolítica de integração da América do Sul, mas ela tem que ter um viésamplo na região. Esse episódio de Honduras é uma coisa muito importan-te, assim como a postura do Brasil frente aos temas de Cuba.

Quarto, reafirmar qual é a natureza da política das metrópoles. Umacoisa é dizer, como fez o Samuel, que temos uma relação histórica com osEstados Unidos e continuará sendo assim pelas próximas décadas. Eles nãovão desaparecer, não vão colapsar, vão continuar sendo um país importantee um Estado importante para nossas relações. Uma das decorrências disto énão assumir uma retórica bélica contra os EUA, o que ademais seria umaestupidez, dada a correlação de forças no terreno militar. Por outro lado,não se pode cair no oposto, que é naturalizar essas relações, não perceber e/ou deixar de destacar a dimensão imperialista da política externa norte-americana, bem como da política externa da União Européia.

Quinto, os partidos têm a obrigação de estimular a construção da di-mensão cultural e popular de massa do internacionalismo e da integração.

Sexto, articular a política externa com o desenho estratégico de longoprazo e aí começo a tratar do segundo ponto que eu queria colocar emdiscussão – o primeiro foi a natureza da política externa, a saber, os cenári-os em que nós vamos atuar nos próximos anos e décadas.

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Vivemos num período de instabilidade internacional de média duração.O ideário neoliberal colapsou, mas não será substituído no curto prazo poroutro pensamento hegemônico, porque o chamado pensamento crítico nassuas variadas dimensões passou 25 anos na defensiva.

A hegemonia dos Estados Unidos sofreu um golpe, mas não acabou. Ahegemonia está em declínio, mas isso não significa que tenha deixado deexistir e, por outro lado, não há no horizonte nenhuma outra potênciahegemônica substituta, o que nos empurra para um mundo de multipola-ridade. Não é porque os Estado Unidos queiram, é porque eles não podemevitar isso e não há outro que possa assumir o lugar dos Estados Unidos. Sóque isso não vai ser um processo tranqüilo, vai ser um processo extrema-mente conflituoso. Basta ver a lentidão com que se produzem reformas naarquitetura do sistema econômico e político internacional, porque umareforma rápida significaria perda de poder por parte das potências, que, porisso, retardam esse processo.

Há uma crise no padrão de acumulação capitalista, sem que haja umaalternativa sistêmica clara no horizonte. E, no caso latino-americano, háuma crise do neoliberalismo e do desenvolvimentismo conservador.

Temos falado muito de crise do neoliberalismo, às vezes deixando dedestacar que o Brasil teve, antes do neoliberalismo, 50 anos de desenvolvi-mentismo, acerca do qual hoje gostamos de destacar os aspectos progressis-tas. Porém, nós construímos a esquerda brasileira contra o padrão domi-nante de desenvolvimentismo.

A batalha eleitoral de 1989 decidiu para que lado seria a superação dodesenvolvimentismo conservador e naquela ocasião foi para a direita. Ocorreque o modelo neoliberal não ofereceu uma saída de longo prazo para oBrasil e agora voltamos, de certa maneira, aos patamares do conflito dosanos 80: se vamos ter outro ciclo de desenvolvimento e qual é a naturezadele. Se conservadora, progressista ou democrático-popular.

Frente a estes cenários, a política externa brasileira faz três movimentos,dois muito claros e um nem tanto.

Primeiro, ela faz um movimento por democratizar a ordem internacional,porque num contexto de crise & transição, quanto menos concentração depoder, melhor para nós seguirmos o caminho que acharmos mais adequado.

Segundo, um movimento para participar dos centros de poder da ordemtal como ela é atualmente, seja com o objetivo de impulsionar mudanças,

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seja com o objetivo de preservar os nossos espaços ou o de buscar os espaçoscorrespondentes à nossa força.

O terceiro movimento, que não considero claro, é a operação em favorde uma mudança na ordem internacional. Este movimento não está tãoclaro, porque quando começamos a discutir o conteúdo desta mudança,nossa reflexão se torna tática novamente.

Falta refletir mais sobre os cenários. Falamos de um processo de transi-ção da atual para outra ordem, que não sabemos qual é, sem atentar queserá um processo hiper conflituoso. Em certa medida, estamos voltando aum padrão de organização do sistema mundial que lembra o pré-1914.

Por exemplo, o tema da moeda. Foi mais “fácil” tratar desta questão,depois da 2a Guerra Mundial, quando havia uma hegemonia clara. Hojeestamos na seguinte situação: existe uma moeda internacional, que noscausa problemas porque expressa uma hegemonia, mas como substituí-lase esta hegemonia ainda existe mesmo em declínio?

Um exemplo de reflexão tática: como enxergamos os Estados Unidos.Na esquerda, o grau de conhecimento sobre os Estados Unidos, sobre astendências de médio e longo prazo naquela sociedade, sobre como ela ope-ra, ainda é muito baixo. A hegemonia americana cria uma espécie de opa-cidade sobre seu funcionamento. Eles nos vendem uma imagem com aqual dialogamos, entretanto, conhecendo pouco da real. Por exemplo, oque é que está na base de situações como Honduras, bases na Colômbia e4a Frota? É uma luta de poder dentro do aparato do Estado norte-america-no? É a continuidade da política de Estado tradicional, independentemen-te de quem está na gestão? É uma sinalização de que os Estados Unidos vãobuscar no médio prazo reverter o cenário internacional, utilizando a suaforça militar? As três coisas?

Para concluir: qual deve ser a novidade da política externa do governoDilma em relação ao governo Lula? A chave já está anunciada pelo próprioLula na posse do Ministro Padilha, quando ele falou que um país como oBrasil tem que ajudar os outros – não me lembro da expressão exata. Amesma idéia está expressa pelo Samuel no livro “Desafios do Brasil numaera dos gigantes”, quando ele fala de um Plano Marshall na América Lati-na. Não gosto da expressão, mas a idéia de fundo é correta.

É preciso desenvolver uma integração que não seja assimétrica para de-ter a vocação “sub-imperialista” que se manifesta nas grandes empresas

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brasileiras presentes na região. Para fazer da região um pólo de poder, nãoapenas do Brasil ou de um pólo de poder que se apóia no seu quintal,precisamos ter uma integração baseada na elevação da capacidade e dasinergia produtiva da região como um todo.

Embora já tenhamos começado a fazê-lo isso tem que adquirir um cará-ter sistêmico, tem que ser o eixo organizador da política de integração nomandato Dilma. Um eixo que não seja o comercial, não seja só a integra-ção política, mas seja uma espécie de PAC latino-americano, para usar estaimagem com os defeitos que ela tem.

Este texto foi publicado pela Editora da Fundação Perseu Abramona coletânea 2003-2010. O Brasil em transformação

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O Partido dos Trabalhadores foi fundado em 1980. Quatro grandes se-tores confluíram na sua criação:

a) sindicalistas do chamado “novo sindicalismo”, especialmente os me-talúrgicos, bancários e petroleiros;b) militantes de organizações de esquerda atuantes na oposição contra aditadura (alguns entraram em caráter individual no PT, outros entrarampor decisão de suas respectivas organizações);c) lideranças populares formadas pelas pastorais e comunidades da Igre-ja Católica, especialmente do setor progressista;d) parlamentares e lideranças atuantes no Partido do Movimento De-mocrático Brasileiro, o PMDB (durante muitos anos, o único partidode oposição legalizado no país).Também em 1980, foi reorganizado Partido Socialista Brasileiro (PSB,

liderado por Miguel Arraes) e foi criado o Partido Democrático Trabalhista(PDT, liderado por Leonel Brizola).

Seguiram atuando na clandestinidade, até 1986, o Partido Comunistado Brasil (PCdoB, liderado por João Amazonas) e o Partido ComunistaBrasileiro (PCB, cuja principal liderança era Roberto Freire).

Outra organização existente na época era o Movimento Revolucionário8 de Outubro, que não se legalizou como partido e atuava no interior doPMDB; só em 2008 o MR-8 decidiu sair do PMDB e criar um partido,cujo nome é Pátria Livre.

Foi em 1989, no segundo turno da campanha presidencial, que o PTadquiriu a condição que mantém até hoje: a de principal partido da es-querda brasileira. Condição que foi mantida ao longo dos anos 1990 eratificada durante os dois mandatos do governo Lula.

A trajetória do PT pode ser dividida nos seguintes períodos: a) 1980-1989, a luta contra a ditadura militar e contra a “transição conservadorapara a democracia”; b) 1990-2002, na oposição aos governos neoliberais;c) 2003-2009, governando o Brasil.

No período 1980-1989, o PT experimentou três grandes modificações:a) como já dissemos, tornou-se principal partido da esquerda brasileira; b)

Aspectos históricose organizativos do PT

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247Valter Pomar

de partido-frente, no interior do qual atuavam diversos “partidos clandesti-nos”, tornou-se um partido com tendências internas; c) de partido centradona luta social, tornou-se alternativa eleitoral de governo.

O PT sempre admitiu, no seu interior, a existência de tendências inter-nas. Vale dizer que desde o início e até hoje, a maioria destas tendênciasatua diretamente nos movimentos sociais, sem que haja qualquer tipo deconstrangimento ou impedimento, uma vez que a “autonomia dos movi-mentos sociais” (reconhecida pelo Partido) se traduz, no mais das vezes, narecusa a centralizar unitariamente a ação da militância petista nestes movi-mentos sociais (pois, em alguns casos, obrigar os militantes petistas –quesão maioria nos movimentos– a ter uma posição única equivaleria a elimi-nar na prática a possibilidade de autonomia).

Como nos anos 1980 algumas das tendências eram, de fato, “partidosdentro do partido”, houve necessidade de uma regulamentação, que foifeita pelo 5o Encontro Nacional do Partido (realizado em 1987).

A regulamentação de tendências aprovada no 5º Encontro e reafirmadapelo 1o Congresso do PT (1991), disciplinou o que seria uma tendênciainterna (no fundamental, seriam correntes de opinião que reconheciam o“caráter estratégico” do PT); definia a necessidade de registro e reconheci-mento pela direção (na prática, sempre bastou comunicar à direção nacionaldo PT); definia os parâmetros de sua atuação (exigindo, por exemplo, que seabstivessem de ter sedes próprias e de aparecer publicamente enquanto ten-dências), proibia finanças internas concorrentes com as do PT e definia querelações internacionais eram privativas do Partido enquanto tal.

Posteriormente, garantiu-se a proporcionalidade na composição das ins-tâncias partidárias, ou seja, toda tendência que atingisse o mínimo de vo-tos necessário teria as respectivas cadeiras no Diretório e na Comissão Exe-cutiva Nacional do PT.

Do ponto de vista formal, a regulamentação das tendências solucionou aquestão e é nos seus marcos que o PT funciona até hoje. Entretanto, outrasdificuldades surgiram, decorrentes: a) do surgimento de outros centros depoder interno, concorrentes com as direções partidárias (bancadas parla-mentares, governos e governantes); b) da desigualdade existente, no interi-or do Partido, no tocante ao acesso à recursos financeiros e materiais.

Outra dificuldade foi o surgimento do auto-denominado “Campo ma-joritário” (1995-2005), agrupamento de várias tendências que constituía

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cerca de 70% do Diretório Nacional do PT. Por ter maioria absoluta prati-camente garantida, este “Campo” começou a adotar posições sem consulta,debate e votação prévia na direção. Este comportamento –que chamáva-mos de “maioria presumida”– foi uma das razões da crise de 2005.

O XIII Encontro Nacional e o 3o Congresso do PT, no balanço da crisede 2005, reconheceram na ausência de democracia, concentração de podere na falta de funcionamento regular das instâncias partidárias, especial-mente em nível nacional, uma das causas da crise.

No período 1990-2002, o PT experimentou os efeitos combinados a) dacrise do chamado socialismo real e b) da ofensiva neoliberal no Brasil. De1990 até 1995, houve uma dura luta interna, acerca do que fazer nestanova situação. Foi só a partir de 1995 que se estabeleceu uma orientaçãomajoritária e hegemônica no Partido, que podemos sintetizar em torno doseguinte: “alianças da esquerda com o centro, em torno de um programaalternativo ao neoliberalismo, visando conquistar o governo federal”.

A eleição de Lula em 2002 evidencia os aspectos positivos daquela ori-entação estratégica; ao mesmo tempo, as dificuldades enfrentadas pelo PTe pelo governo Lula entre 2003-2005 demonstram os aspectos negativosdaquela orientação estratégica.

No período 2003-2009, o PT enfrenta uma situação absolutamente novapara a esquerda brasileira: compor, na condição de principal partido, ogoverno federal. É importante lembrar que o governo Lula não é um gover-no petista; o governo Lula é um governo de coalizão, composto por parti-dos de esquerda, de centro e até de direita (caso do PP, partido criado poriniciativa do setor ideologicamente mais conservador do antigo partido daditadura, o PDS).

O governo Lula possui duas fases: a primeira vai de 2003 até 2005 e asegunda vem de 2006 até hoje. Na primeira fase, a política hegemônica nogoverno é de conciliação com a herança neoliberal. Na segunda fase, apolítica hegemônica no governo é desenvolvimentista.

Curiosamente, na primeira fase o PT tinha mais ministros do que hoje,mas a política implementada pelo governo era mais distante das resoluçõesaprovadas pelo XII Encontro do PT (2001); já na segunda fase, o PT redu-ziu seu número de ministros, mas a política implementada tornou-se maispróxima do programa do PT.

Quais as principais reflexões “político-organizativas” que podemos fazerao longo desta trajetória?

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A primeira delas: o PT é um partido-lago, não um partido-fonte. Nou-tras palavras, o PT não é produto de um programa ao redor do qual senucleiam as pessoas; o PT é produto do movimento de um setor de van-guarda da classe trabalhadora, que arrasta atrás de si diferentes setores so-ciais, políticos e ideológicos. Portanto, influências diferentes que desaguamno “lago” que é o próprio Partido.

Esta característica (partido-lago) ajuda o Partido a manter os seus víncu-los com a classe trabalhadora. Mas, ao mesmo tempo, torna o PT extrema-mente suscetível as mudanças de humor da própria classe. Quanto estaradicaliza, o Partido vai atrás; quanto esta recua, o Partido também recua.Num certo sentido, isto explica por qual motivo o PT é um “partido deretaguarda”, não um “partido de vanguarda”.

Sem dispor de uma doutrina teórica oficial, o “petismo” é basicamenteuma corrente política em torno de alguns pontos de referência (socialismo,democracia, classe trabalhadora, mobilização), combinados e interpretadosde diferentes formas ao longo dos trinta anos de vida do Partido.

Assim é que, quando ocorre a crise do socialismo real, enfatiza-se o cará-ter democrático do Partido. E, quando a direita ataca o PT e o governoLula, em 2005, recorda-se a natureza de classe do Partido, contra as elitesque o golpeiam.

A segunda questão é que, fortemente influenciado pela sua própria atuaçãoprática, o Partido sofreu nos anos 1990 e até hoje uma forte guinada “ins-titucional”. Para exemplificar: de 1980 até 2010, em 30 anos de vida, o PTterá participado de 16 eleições nacionais.

Com uma eleição a cada dois anos (ou seja, um ano intermediário parapagar as contas da anterior e preparar a próxima), há uma deformação navida partidária: “programa” tende a se transformar em “plataforma eleito-ral”; estratégia passa a ser pensar as eleições que vão ocorrer daqui há 4anos; tática passa a ser como ganhar as próximas eleições; política de alian-ças se confunde com coligação eleitoral; militância se transforma em “ca-bos eleitorais”; poder se converte em governo; e a maior parte das finançaspartidárias são conseguidas e são gastas em função de campanhas eleitorais.

Da mesma forma que partidos que atuaram em condições de clandesti-nidade e de luta armada sofrem deformações por conta disto, o PT tambémvem sofrendo fortes deformações organizativas por conta desta rotina elei-toral. Há um viés “governamental” no horizonte intelectual, programático

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e estratégico do Partido; uma transferência de poder, das instâncias parti-dárias, para os governos e bancadas parlamentares; e uma mudança nasrelações internas, se introduzindo diferenças hierárquicas oriundas do Es-tado; e uma tendência a polarizar as relações entre os militantes que estão“nos movimentos”, “no parlamento”, “no governo” e “no Partido”, que decentro diretor estratégico da atuação de todos os militantes, corre o risco dese converter numa agência reguladora voltada a normatizar nossa partici-pação nos processos eleitorais.

Este tipo de deformação foi experimentada nas cidades e nos estados emque fomos governo; e o enfraquecimento experimentado pelo Partido foifatal, contribuindo tanto para nossa derrota eleitoral, quanto para dificul-tar nosso retorno ao governo nas eleições seguintes.

A terceira questão é: se não adotarmos fortes medidas corretivas, pode-mos deixar de ser um partido militante socialista; e nos convertermos numpartido eleitoral trabalhista. Noutras palavras: um partido que organiza aconcorrência eleitoral nos marcos do capitalismo, não a disputa pelo podertendo como objetivo o socialismo.

Com maior ou menor acidez e clareza, o conjunto da direção do PTpercebe estes problemas e medidas têm sido discutidas ou adotadas, paraenfrentar os seguintes problemas:

a) o financiamento da atuação partidária: a maior parte da receita parti-dária é proveniente, hoje, da contribuição de empresas privadas. Não setrata apenas das campanhas eleitorais. A atividade cotidiana do Partidodepende, em grande medida, da contribuição de empresas privadas. Osrecursos provenientes do Fundo Partidário estatal e das contribuiçõesmilitantes não dão conta de financiar os gastos correntes do PT. Nomédio prazo, isto é evidentemente insustentável: um partido de traba-lhadores sustentado por contribuições de grandes empresas;b) o financiamento das campanhas eleitorais: até hoje, o PT não conse-guiu viabilizar o financiamento público das campanhas eleitorais, o quea nosso ver reduziria o custo geral dos processos eleitorais, assim comoreduziria os níveis de corrupção e de oligarquização do legislativo brasi-leiro. Da mesma forma, não conseguimos introduzir o voto em lista. Porconta disto, mesmo no interior do PT as campanhas eleitorais se torna-ram empreendimentos extremamente custosos, ao mesmo tempo quevão consolidando “carreiras políticas” e mandatos dedicados prioritaria-mente à sua própria reeleição;

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c) a redução da democracia interna, resultado da influência (nas dispu-tas internas) do poder econômico, do acesso aos meios de comunicação,da manipulação de máquinas externas (governos, mandatos parlamen-tares, organizações sindicais etc.), tudo isto incidindo sobre uma massade filiados recentes, que não tiveram acesso nem à experiência de luta dedécadas anteriores, tampouco tendo acesso à formação política (pois desdeos anos 1990 até hoje, caiu expressivamente o número de atividades deformação) ou a uma comunicação interna regular (pois o Partido nãopossui uma imprensa regular);d) com a ampliação do número de filiados (ainda pequeno, em relação apopulação geral do país: 1,3 milhão em 200 milhões) e o enfraqueci-mento da vida orgânica (núcleos de base, “setoriais” e diretórios comfuncionamento deficiente), a solução encontrada desde o 1o Congressodo Partido foi a introdução da eleição direta das direções partidárias. OPT realizou eleições diretas em 2001, 2005, 2007 e as realizará nova-mente nos dias 22 de novembro e 6 de dezembro de 2009. O processode eleições diretas demonstrou algumas qualidades, mas também gran-des defeitos. O debate interno prévio à eleição é reduzido, a maioria dosvotantes não é militante ativo, estabelece-se uma distância enorme entrebases (que votam) e direções (que são votados e dirigem), entre outrasdistorções;e) a ausência de formação política por parte da maioria dos filiados, aqual devemos agregar as deficiências na política de formação, bem comoo déficit teórico do próprio Partido frente a questões programáticas eestratégicas;f ) a transformação de várias tendências internas em grupos de pressão,vinculados a interesses eleitorais de uma ou outra liderança interna, ousimplesmente ao controle de cotas de poder nas direções;g) o surgimento de centros paralelos de poder, que concorrem (e muitasvezes suplantam) as instâncias partidárias. Tais centros paralelos de po-der (os governos, as bancadas parlamentares, os dirigentes de algunsmovimentos sociais, lideranças públicas com forte base eleitoral) dificul-tam tremendamente os processos decisórios internos;h) as relações entre Partido e movimentos sociais, bem como as relaçõesentre partido e governo.Os problemas “político-organizativos” acima citados são, como diz o

nome, antes de mais nada políticos. Não se resolvem no terreno adminis-

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trativo, nem serão solucionados através de declaração de interesses.Tampouco decorrem apenas de “opções” feitas por este ou aquele setor quedirige o Partido. Embora as opções, as intenções e os problemas gerenciaispossam ter sua influência, os problemas político-organizativos que afetamo PT só podem ser compreendidos como parte e decorrência do processode luta política-social em que estamos envolvidos, na sociedade brasileiraconcreta.

Neste sentido, é importante não fetichizar o debate organizativo. Comodizia um velho dirigente, a organização tem que estar a serviço da política.E, portanto, é na política (no sentido mais amplo da palavra) que se devebuscar a saída para estes problemas.

Uma das novidades políticas surgidas de nossa experiência de governo é,exatamente, o surgimento do “lulismo”, que podemos definir como a iden-tificação direta de setores importantes da classe trabalhadora com o presi-dente Lula. As relações entre “lulismo” e “petismo” remetem para um temaenfrentado por outras experiências da esquerda: a entrada em cena de ca-madas populares, com um tipo diferente de experiência política, e as influ-ências que isto têm sobre a democracia interna do Partido.

Por fim, dois alertas: optamos por uma análise crítica de nossa trajetória,ressaltando mais nossas dificuldades. Acreditamos que isto seria mais útilpara a reflexão que o PRD mexicano está fazendo, do que se apresentássemosnossas qualidades. Em segundo lugar, este texto traduz nossa opinião, nãoconstituindo uma interpretação oficial do Partido, que pode ser encontradanas resoluções do 3º Congresso (2007). Entretanto, arriscamos dizer queparte importante dos problemas que registramos são vistos de forma igual oumuito semelhante por outros setores e lideranças do Partido.

Este texto foi escrito para subsidiar apresentações feitaspor Rafael Pops e Rubens Alves, entre outros dirigentes

do PT, em diferentes atividades internacionais

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253Valter Pomar

A atual integração latinoamericana e caribenha ocorre num contextointernacional atravessado por três grandes processos: a defensiva estratégicada luta pelo socialismo, a crise do capitalismo neoliberal e o declínio dahegemonia dos Estados Unidos.

A compreensão destes três processos exige remontar à crise internacionaldos anos 1970. Como sabemos, o capitalismo estadounidense e seus alia-dos enfrentaram aquela crise adotando políticas que posteriormente foramdenominadas de neoliberais. Derrotaram ou submeteram à sua influênciaa social-democracia européia, os nacionalismos e desenvolvimentismos pe-riféricos, assim como o socialismo de tipo soviético.

O período 1980/2000 é de derrota para as classes trabalhadoras. Estaderrota pode ser medida objetivamente, em termos de extensão das jorna-das, queda no valor relativo dos salários, piora nas condições de trabalho ena oferta de serviços públicos, assim como redução da democracia real. Doponto de vista das idéias, ocorre um auge do individualismo, em detrimen-to dos valores públicos, sociais e coletivos. Há um recuo não apenas dasidéias anticapitalistas, mas também das idéias keynesianas, reformistas,democráticas e progressistas em geral.

Estrategicamente falando, a derrota ou capitulação da social democraciaeuropéia e do socialismo de tipo soviético abriram um período de defensivaestratégica da luta pelo socialismo, seja na variante anticapitalista, seja navariante reformista.

A crise do socialismo soviético reforçou a sensação de que o capitalismo,na década dos 1990, estava no auge. E, de fato, após séculos de combatecontra inimigos externos e internos, em 1991 o modo de produção capita-lista exibe um nível de hegemonia até então desconhecido. Paradoxalmen-te, a ausência de contrapesos e competidores está na origem da “exuberân-cia” que gera a crise atual.

O neoliberalismo não sucumbiu, nem há evidências de que o capitalis-mo vá sucumbir. Mas o que vivemos, desde 2007, é sem dúvida uma crisedo capitalismo neoliberal, que se manifesta direta ou indiretamente emtodos os terrenos: financeiro, comercial, cambial, energético, alimentar,

Los retos actualesy futuros de la integración

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254 Miscelânea Internacional – 1998-2013

ambiental, ideológico, social, político, militar. Como outras crises, estatentará provocar, para sua superação, um imenso sacrifício de forças pro-dutivas, destruição da natureza, de vidas humanas e de capital acumulado.Sacrifício que tende a se desdobrar em mais conflitos militares, crises polí-ticas e revoltas sociais.

Não se trata de uma crise econômica no sentido estrito. Está em cursouma reacomodação geopolítica, resultante do deslocamento para o Orientedo eixo dinâmico da economia mundial.

O epicentro da crise está nos Estados Unidos. Não apenas por ser aprincipal economia capitalista, mas também por ser a potência hegemôni-ca do mundo capitalista desde 1945 e do mundo desde 1991.

A crise ampliou o questionamento desta hegemonia, que já vinha enfren-tando: a) o aguçamento das contradições intercapitalistas, crescente após aderrota do bloco soviético; b) o fortalecimento de potências concorrentes,especialmente a China, de quem os EUA haviam se aproximado nos anos1970; c) as custosas obrigações derivadas de uma hegemonia mundial.

Os Estados Unidos não deixaram de ser a principal potência econômica,midiática, política e militar do mundo. Mas sua hegemonia está em fasedeclinante, com três desdobramentos possíveis. No primeiro deles, os Esta-dos Unidos mantém sua condição de potência hegemônica mundial e re-gional. No segundo deles, os Estados Unidos perdem sua condição de he-gemonia mundial, mas se mantém como potência regional. No terceirocenário, o mais favorável para ALC, os Estados Unidos deixam de ser po-tência hegemônica mundial e também deixam de ser potência hegemônicaregional.

Em resumo: a integração latinoamericana e caribenha ocorre num mo-mento de profunda crise e instabilidade internacional, que pode resultarem variados desdobramentos, num leque que vai da barbárie ao socialis-mo, passando por diferentes modos de organizar o capitalismo.

Não é possível saber quanto tempo durará este período de instabilidadeinternacional. Isto, bem como o mundo que emergirá depois, dependeráde como se articule a luta política, dentro de cada país, com a luta entreEstados e blocos regionais.

A luta entre Estados e blocos regionais é, hoje, polarizada de um ladopelos Estados Unidos e seus aliados europeus e japoneses; de outro lado,pelos BRICS e seus aliados.

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255Valter Pomar

Diferente do que ocorria antes de 1945, hoje temos uma disputa entreEstados da (quase) antiga periferia e Estados do (quase) antigo centro. E,diferente do que ocorria antes de 1990, a disputa EUA/BRICS se dá nosmarcos do capitalismo. Mas na América Latina e Caribenha há uma vari-ável excêntrica a ser levada em conta: como resultado de um processo inici-ado em 1998, constituiu-se na região uma forte influência da esquerda.

Esta influência da esquerda torna factível que a América Latina e Cari-benha constitua-se, não em cenário passivo, e sim num dos pólos do con-flito geopolítico que está em curso no mundo. Assim como torna factívelfazer, da região, um dos espaços de reconstrução de uma alternativa socia-lista ao capitalismo ou, como desejam outros, de uma alternativa social-democrata de capitalismo.

É neste triplo contexto que se desenvolve o processo de integração: umabatalha mundial intercapitalista; uma batalha regional contra a hegemoniados Estados Unidos sobre o continente; e uma batalha simultaneamentemundial, regional e nacional, acerca de tipos de sociedade e modelos dedesenvolvimento.

O desfecho destas batalhas está sendo decidido, desde agora; no quetoca a integração regional, seu desfecho dependerá no fundamental da res-posta dada a quatro questões que passamos a enumerar.

Primeiro: as forças contrárias a integração e seus aliados metropolitanosconseguirão manter e ampliar as posições que ocupam? Ou, pelo contrário,as forças favoráveis à integração conseguirão manter os governos nacionaisque dirigem e conquistarão novos governos?

Em 2011 e 2012, por exemplo, o povo responderá esta questão na Ar-gentina, na Guatemala, na Nicarágua, na República Dominicana, na Ve-nezuela e no México.

Segundo: as forças favoráveis à integração impulsionarão, nos paísescujos governos hoje integram, mudanças que ampliem a democracia polí-tica e a igualdade social? Dito de outra maneira, a integração será vistapelos povos como prima-irmã da justiça social?

Cabe lembrar: embora a integração possa interessar também à algu-mas forças de centro-direita e possa garantir lucros ao grande Capital, seuimpulso vital está na esquerda política e social. Por isto, se não houverapoio popular ao processo de integração, mais cedo ou mais tarde ele seráderrotado.

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256 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Terceiro: as forças favoráveis à integração conseguirão acelerar o proces-so, a tempo de enfrentar com êxito as ondas de choque da crise internacio-nal, tanto no terreno econômico, quanto no âmbito político e militar?

Para ser mais preciso: em quanto tempo teremos um parlamento regio-nal, uma indústria cultural e de comunicação regional, uma defesa regio-nal, uma moeda regional, uma cidadania regional?

Quarto: as forças favoráveis à integração conseguirão construir a inte-lectualidade orgânica deste processo?

A integração é uma possibilidade. Ela pode se materializar de quatromaneiras distintas: a) sob a hegemonia dos Estados Unidos, tal como seriaa integração caso a ALCA não tivesse sido derrotada; b) sob hegemonia deoutra potência mundial, caso os EUA percam em definitivo sua condiçãoatual; c) sob hegemonia de algum dos países da região, que venha a ocuparo papel que hoje cabe aos Estados Unidos; d) ou sob uma hegemoniacompartilhada, que entre outras coisas garanta aos países economicamentemenos desenvolvidos os meios para superar a desigualdade regional.

Uma integração sob hegemonia compartilhada é, ao mesmo tempo, omais desejável e também o mais difícil de conseguir. Realizar esta remotapossibilidade dependerá de muitas variáveis, entre as quais a criação deuma cultura de massas, latinoamericana e caribenha, comprometida comideais democrático-populares, de esquerda, socialistas.

A criação desta cultura de massas supõe, para além dos aparatos materi-ais (casas editoriais, jornais, revistas, rádios, televisões, provedores de internet,indústria cinematográfica e fonográfica, companhias de teatro e dança, or-questras, museus, escolas e universidades etc.), que tenhamos dezenas demilhões de homens e mulheres envolvidas na produção e reprodução destanova visão de mundo.

O que, por sua vez, supõe e implica na construção de um núcleo duroideológico, forjado a partir da crítica às idéias e à prática do neoliberalismo,do desenvolvimentismo conservador e do colonialismo; que faça a crítica eautocrítica do nacionalismo, do populismo, do desenvolvimentismo pro-gressista e das experiências socialistas do século XX; e que compreenda anatureza do capitalismo no século XXI, enfrentando o debate clássico so-bre os caminhos estratégicos para sua reforma ou para sua revolução.

A crise internacional, associada ao declínio da hegemonia estadouniden-se, abriu uma janela para que a integração latinoamericana ocorra. Não

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257Valter Pomar

sabemos quanto tempo esta janela ficará aberta. Assim é preciso andar omais rápido que a correlação de forças permita.

Resumo de exposição apresentada no debate sobre Geopolítica Sur.Identidades, diversidad y autonomía, no IV Congresso Iberoamericano de

Cultura, en Mar del Plata, del 15 al 17 de septiembre de 2011

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258 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A grande imprensa vem dedicando grande espaço para falar do 11 desetembro de 2001, quando ocorreu o ataque contra as torres do WorldTrade Center, em Nova Iorque.

Nós da esquerda devemos analisar aqueles fatos e suas repercussões. Masdevemos, também, analisar o 11 de setembro de 1973, quando um golpemilitar derrubou o governo da Unidade Popular chilena.

Hoje, em diferentes países da América Latina, as forças de esquerda en-frentam dilemas estratégicos parecidos com aqueles enfrentados pela “viachilena para o socialismo”.

Por exemplo:1. Os Estados Unidos (e seus aliados) continuam se opondo a governos

que busquem democracia, bem-estar social, soberania nacional e integra-ção da região. E não têm compromisso efetivo com a legalidade institucio-nal e eleitoral, nem tampouco com a soberania e autodeterminação dospovos;

2. A grande burguesia segue alérgica a pagar os “custos sociais” de umaelevação constante na qualidade de vida do povo. E, por isto mesmo, estásempre disposta a financiar e participar de movimentos oposicionistas, de-sestabilizadores e golpistas;

3. As camadas médias seguem tratadas como massa de manobra, ideoló-gica, social, política e eleitoral, dos setores conservadores. Os que têm algoa perder, mesmo que seja relativamente pouco, são mobilizados contra osque têm menos ainda, em defesa dos que têm muito mais do que necessi-tam;

4. As forças armadas e a alta burocracia estatal não são neutras. Suaorigem social, seu processo de seleção, treinamento e funcionamento resul-tam num comportamento geneticamente conservador;

5. Na política, a indústria de cultura e comunicação equivale ao papelda indústria de armamentos para a guerra. O controle das televisões, rádi-os, jornais, revistas, editoras de livros, provedores e sítios eletrônicos ajudana mobilização de hoje e forja as mentes de amanhã;

6. Não adianta pintar-se de ouro. Mesmo que a esquerda abra mão, na

O outro 11 de setembro(escrito num domingo, dia 11 de setembro)

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259Valter Pomar

teoria e na prática, do socialismo e da revolução, ainda assim a direita vaienxergar intenções comunistas por trás de cada política compensatória. Eagirá conforme esta visão;

7. A Europa demonstrou que não é possível a coexistência de longoprazo entre capitalismo, bem-estar social, democracia e paz. Na AméricaLatina, os limites da social-democracia e do reformismo são ainda maiores;

8. É decisivo não confundir estratégia com tática, assim como medir acorrelação de forças faz toda a diferença. Mas correlação de forças não épretexto para a imobilidade. Correlação se altera. E se não a alteramos emnosso favor, eles a alteram em favor deles.

A “via chilena” não desembocou no socialismo. E, até hoje pelo menos,não conseguimos construir uma “via eleitoral” para sair do capitalismo.

Por outro lado, a combinação entre luta ideológica, mobilização social,auto-organização das classes trabalhadoras e disputa eleitoral produziu umasituação política inédita na América Latina e em muitos dos países da re-gião.

E isto está ocorrendo numa situação internacional também inédita: amplahegemonia das relações capitalistas e, por isto mesmo, uma brutal crise docapitalismo neoliberal.

Nessas condições, a América Latina pode ser não apenas território deresistência ou de um capitalismo não-neoliberal. Pode ser, também, espaçode construção de uma alternativa ao capitalismo.

Motivos de sobra para estudar e aprender com a experiência da UnidadePopular chilena.

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260 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Em setembro de 2011, o PT e o PCCh realizaram seu quarto seminário teórico,desta vez para tratar dos seguintes assuntos: a reforma do sistema internacional e opapel dos Brics. Além disto, o PC Chinês nos pediu um balanço do governo Lula,do governo Dilma e da situação latino-americana. Este último ficou sob minharesponsabilidade, resultando no texto que segue mais abaixo. Vale dizer que oseminário estava originalmente previsto para março de 2011 e deveria contarcom a participação de José Eduardo Dutra, sendo adiado para setembro de2011. Meu texto, portanto, foi escrito naquela e para aquela ocasião.

Até 1998, os principais governos latino-americanos e caribenhos eramgovernados por partidos alinhados com os Estados Unidos e com o neoli-beralismo.

Desde 1998 até 2009, partidos progressistas e de esquerda venceram aseleições em importantes países da região, entre os quais Brasil, Argentina,Venezuela, Uruguai, Bolívia, Equador, Paraguai, Nicarágua e El Salvador.

Isto alterou a correlação de forças na região. Antes de 1998, predomina-va não apenas o neoliberalismo, mas também uma política internacionalsubordinada aos interesses dos Estados Unidos. Em 2009, predominavauma política internacional autônoma em relação aos interesses dos EstadosUnidos e a busca de uma política econômica alternativa ao neoliberalismo.

Desde 2009, as forças progressistas e de esquerda não conseguiram con-quistar nenhum novo governo, embora tenham conseguindo vencer nova-mente no Brasil. Uruguai, Bolívia e Equador. Já as forças de direita e neo-liberais conquistaram o governo do Chile, vencendo as eleições presidenci-ais também no Panamá. Além disso, as forças de direita e neoliberais pro-moveram um golpe de Estado em Honduras.

Desde 2009, portanto, podemos dizer que se interrompeu a ofensiva deesquerda e progressista iniciada em 1998. E podemos falar, também, numcerto equilíbrio de forças, ainda favorável as forças de esquerda e progressistas.

Em agosto de 2010, o XVI Encontro do Foro de São Paulo, organizaçãoque reúne grande parte da esquerda latino-americana e caribenha, adotouas seguintes diretrizes para o período: 1) não perder nenhum governo para

América Latina para chinês ver

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261Valter Pomar

a direita; 2) aprofundar as mudanças nos países que governamos; 3) acele-rar a integração regional.

O XVI Encontro do Foro de São Paulo também apontou a importânciade conquistarmos novos governos (com destaque para Peru, Colômbia eMéxico) e para a importância de ampliarmos a cooperação entre os parti-dos que integram o Foro de São Paulo. Esta cooperação deve estar presente,inclusive, na troca de informações e na elaboração de um pensamento so-cialismo latino-americano e caribenho.

Um dos temas que têm sido objeto freqüente de nossa reflexão é a aná-lise do que está sendo feito pelos governos de esquerda, populares e pro-gressistas da América Latina e Caribe.

Este é o objetivo de um projeto denominado Observatório de governosprogressistas e de esquerda da América Latina e do Caribe. Este projeto,aprovado pelo XV encontro do Foro de São Paulo, pretende exatamentereunir informações sobre a ação dos citados governos; elaborar uma meto-dologia de análise comparada; e oferecer a matéria-prima indispensávelpara uma análise concreta da situação concreta.

Em todos os governos progressistas e de esquerda e Caribe, é hegemôni-ca a preocupação com o desenvolvimento econômico, seja como reação alógica neoliberal, seja para viabilizar rapidamente o atendimento das ne-cessidades sociais, seja para atender aos reclamos de setores capitalistas, sejacomo parte de uma estratégia socialista de longo prazo, seja como expres-são de uma combinação entre alguns ou todos estes aspectos.

Entre os anos 1930 e 1950, o desenvolvimentismo populista ou conser-vador foi hegemônico em muitos países latino-americanos. O ciclo de gol-pes militares ocorrido, a partir dos anos 1960, foi uma reação da direitapolítica, do grande capital e do imperialismo, contra a radicalização dodesenvolvimentismo populista, muitas vezes aliado com setores socialistas.Nos anos 1970, o desenvolvimentismo conservador entrou em crise, vindodepois a crise das dívidas, o neoliberalismo e as democracias restritas.

Uma das questões que emerge desta análise, portanto, é a necessidade deanalisar as semelhanças e diferenças entre os dois ciclos desenvolvimentis-tas. Isto é particularmente importante, em cinco dimensões: o papel doEstado, a democracia política, a igualdade social, a relação com o meioambiente e a integração regional.

Em todos os países da região, há um fortalecimento do papel econômico

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262 Miscelânea Internacional – 1998-2013

do Estado, não apenas como regulador e indutor, mas também como produ-tor direto e proprietário de alguns bens nacionais (petróleo, água, gás etc.).

Embora em alguns países isso seja apresentado como parte da implanta-ção do socialismo, é mais exato falarmos do crescimento de um setor capi-talista de Estado, indispensável em geral, especialmente quando se preten-dem crescimentos rápidos.

Este processo nos faz retomar o debate clássico acerca do caráter de classedo Estado, o papel da burocracia e o papel do Estado no desenvolvimentoeconômico, inclusive a confusão entre estatismo e socialismo. Não se podefalar que exista nas esquerdas latino-americanas, entretanto, uma visão únicaacerca do papel do Estado.

Em todos os países da região, há um crescimento da participação popularna vida política, sob as mais variadas formas. Isto também ocorreu no ciclodesenvolvimentista do século XX, com a seguinte importante diferença: oatual ciclo, à diferença daquele, é hegemonizado por partidos de esquerda.

Em todos os países, o crescimento da participação popular gerou tensõescom as camadas sociais que antes detinham o monopólio político, com osmeios de comunicação a serviço daquelas camadas sociais e daquele mono-pólio, bem como com a institucionalidade herdada do período anterior(sistemas eleitorais e partidários, justiça, forças de segurança, burocraciaestatal).

Em alguns países, como Bolívia, Equador e Venezuela, foi possível rea-lizar processos constituintes, que buscaram criar uma nova institucionali-dade. Noutros isto não foi possível ou, pelo menos, não foi tentado. Dequalquer forma, há um crescimento das liberdades democráticas, uma ra-dicalização retórica e prática por parte das camadas que antes detinham omonopólio político e a constatação de que a estratégia eleitoral consomeimensas energias, além de causas distorções de variados tipos, nas forças deesquerda.

Como a ampliação dos espaços democráticos das maiorias produz, viade regra, a redução dos espaços antes monopolizados pelas minorias, estasminorias acusam os governos de esquerda de terem tendências autoritáriasou totalitárias. Esta acusação é ridícula, mas há nela um tema que deve serexplorado: como evitar que a ampliação da democracia para as maiorias e aredução dos espaços ilegitimamente ocupados pelas minorias, resulte emperda de apoio junto aos setores médios da população?

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263Valter Pomar

Em toda a região, os governos progressistas e de esquerda adotam políti-cas públicas de combate à pobreza e à desigualdade social. No primeirocaso, os êxitos são visíveis. No segundo caso, há controvérsias.

Há três tipos de políticas sociais, que aparecem de forma combinada:políticas emergenciais, políticas de Estado e reformas estruturais.

As políticas emergenciais (geralmente de transferência monetária direta)estão fortemente presentes em todos os países.

As políticas de Estado (saúde, educação, previdência, pisos salariais etc.) sãouma meta estabelecida para todos, mas totalmente presentes apenas em alguns.

Já as reformas estruturais (ou seja, que alteram a estrutura de proprieda-de ou, pelo menos, que estabeleçam um novo patamar na relação entre asclasses sociais –como é o caso de reformas tributárias fortemente impositivassobre a herança e a riqueza) estão praticamente ausentes, embora freqüen-tem os discursos com muita força.

A ausência ou a fraqueza das reformas estruturais faz com que o desen-volvimento produza redução na pobreza, ao mesmo tempo que reproduz eas vezes até amplia a desigualdade social.

Um aspecto importante: os governos progressistas e de esquerda benefi-ciaram-se, num primeiro momento, de aspectos do modelo produtivo her-dado do período neoliberal, numa conjuntura de ampliação da venda deprodutos primários e disponibilidade de capitais.

A crise internacional de 2008 alterou este cenário, obrigando os gover-nos a tentar introduzir modificações mais intensas no modelo produtivoherdado. O que aguçou a disputa política em todos os países da região,bem como ampliou o conflito distributivo.

Um dos subprodutos do desenvolvimentismo, bem como doreadequamento produzido pela crise de 2008, é a pressão sobre o meio-ambiente.

Em todos os países, inclusive aqueles onde o discurso oficial é pró-ambi-entalista, há um crescente conflito, resultante de uma equação óbvia: se ospaíses ricos não se dispõem a arcar com os custos ambientais e ainda amea-çam a estabilidade econômica e política dos paises pobres, estes são forçadosa escolher entre crescimento rápido (propenso a danos ambientais) ou cresci-mento com alto nível de proteção ambiental (mas muito caro e lento).

A convergência de posições entre alguns grupos ambientalistas, o neoli-beralismo e os interesses estrangeiros na América Latina é, portanto, algo

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264 Miscelânea Internacional – 1998-2013

bastante lógico. A todos interessa baixas taxas de crescimento produtivo.Observado o conjunto dos governos progressistas e de esquerda, é possí-

vel constatar que em todos falta uma “harmonia processual”. Noutras pala-vras: as mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais não evoluem demaneira equilibrada. E este desequilíbrio é a brecha através da qual a opo-sição de direita e as forças imperialistas (européias ou estadounidenses)buscam penetrar e reconquistar o governo.

Este é um dos motivos que torna estratégico o processo de integraçãoregional. Ele permite compensar mutuamente os desequilíbrios, oferecen-do sinergia. Esta é uma outra diferença importante entre o atual ciclo de-senvolvimentista e o anterior. Este tem uma vocação pró-integração regio-nal, que se traduziu na criação da Unasul e da Celac (Comunidade deEstados Latinoamericanos e Caribenhos).

Há, entretanto, diferentes visões acerca do processo de integração.Registramos que a maioria dos governos professa um latinoamericanis-

mo retórico, mas impulsiona de fato o sulamericanismo. Note-se que acontra-ofensiva de direita teve mais êxito e é mais forte exatamente naregião centro-americana e caribenha.

Registramos, também, a existência de visões diferentes acerca do con-teúdo da integração. Entre estas visões, citamos a que defende priorizar oprocesso de integração entre governos ideologicamente afins (caso da Alba);e os que defendem priorizar a integração regional, independente da orien-tação ideológica dos governos.

Por outro lado, há que se considerar que a hegemonia econômica dosEstados Unidos segue poderosa, inclusive em países como Venezuela, Equa-dor e El Salvador (nestes dois últimos casos, as economias foram dolarizadasdurante o período neoliberal).

Há que se considerar igualmente, que a estratégia geral dos EstadosUnidos frente a crise parece ser a mesma adotada em situações similares:aproveitar a hegemonia que ainda possui no âmbito militar, utilizá-la parachantagear em favor de seus interesses econômicos e inclusive forçar situa-ções de guerra. O que gera duas atitudes aparentemente contraditórias, daparte dos governos progressistas latino-americanos: por uma parte, fazertodos os esforços em favor da paz (a exemplo do feito no caso do acordoIrã-Brasil-Turquia); por outro lado, elaborar uma doutrina de defesa regio-nal e preparar forças armadas compatíveis com isto.

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265Valter Pomar

Finalmente, há uma discussão de longo prazo, acerca da estratégia socia-lista. Obviamente, tal discussão exige uma leitura prévia acerca da forma-ção social da região, de suas sub-regiões e países integrantes. Ou seja, énecessário dispor de uma análise das classes sociais e da luta de classes naregião e em cada país.

Como esta análise é muitas vezes deficiente, vários partidos de esquerdada região adotam uma leitura “politicista” acerca do que está ocorrendo nassociedades latinoamericanas. Assim, fala-se do confronto de projetos, doconflito entre esperança e medo, entre mudança e conservadorismo, evi-tando detalhar o conteúdo de classe de cada projeto.

Em certa medida, esta dificuldade decorre do evidente caráter pluriclassistados projetos em disputa, que algumas vezes não se adapta aos nossos esque-mas de análise. Por exemplo: podemos falar que estamos diante de umprocesso socialista, numa determinada sociedade, se nesta sociedade a bur-guesia privada é hegemônica?

A dificuldade é evidente. E, pelo menos algumas vezes, esta dificuldadeé contornada através de uma operação discursiva que borra as diferençasentre o objetivo do partido no governo e o processo realmente em curso nasociedade.

Vale dizer que esta operação discursiva é praticada, antes de mais nada,pela forças da oposição de direita, que tratam como comunista, socialistaou revolucionária, toda e qualquer medida democratizante.

A operação discursiva politicista destaca e valoriza as transformaçõesocorridas no terreno da política, em detrimento das transformações ocorri-das no terreno econômico-social (propriedade, processo de produção e cir-culação, relações capital e trabalho, desigualdade social etc.).

Longe de nós considerar secundária a luta política, no sentido estrito dapalavra. Mas é importante lembrar que as mudanças políticas ocorridas naAmérica Latina, desde 1998, ainda são muito superficiais. Para ser maisexato, o todo é maior do que as partes: na atual situação mundial, o queestá em curso na América Latina é extremamente importante; e o processode conjunto na América Latina é mais importante, qualitativamente, doque o que está em curso em cada país tomado isoladamente.

Nos países analisados, a esquerda controla (às vezes com muitas dificul-dades) o governo, mas ainda está muito longe de controlar o poder. E aexperiência chilena demonstrou que é possível para uma força de esquerda

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266 Miscelânea Internacional – 1998-2013

permanecer no governo, durante um período mais ou menos longo, semque isso implique em transformações profundas, seja na estrutura social,menos ainda na institucionalidade política.

O politicismo analítico estimula uma análise concentrada em respondero que favorece ou não a manutenção de uma determinada força política nopoder. Quando se faz necessário responder o que favorece (ou não) o for-talecimento do poder político, econômico e social de uma determinadaclasse ou aliança de classes.

Finalmente, é importante lembrar que parte da esquerda latino-ameri-cana acredita que exercer o governo é (ou pode ser) parte do caminho parao socialismo.

Esta afirmativa provoca diversos interrogantes, entre os quais:a) em que medida o exercício do governo está transferindo poder para asclasses trabalhadoras?b) em que medida o exercício do governo está contribuindo para trans-formações na estrutura da sociedade, que reduzam a hegemonia do capi-talismo?c) em que medida as mudanças podem ser desfeitas através de vitórias dadireita (risco implícito numa estratégia de tipo eleitoral)?Esses e outros temas estratégicos estão sendo debatidos no processo pre-

paratório do XVII Encontro do Foro de São Paulo, marcado para 17 a 21de maio, em Manágua (Nicarágua).

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267Valter Pomar

Após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidasaprovou a criação do Estado de Israel e do Estado da Palestina, dividindoentre os dois um território ocupado majoritariamente pelo que hoje cha-mamos exatamente de palestinos.

Desde então e até hoje, o Estado de Israel fortificou e ampliou seu terri-tório. Já o Estado da Palestina nunca se estabeleceu e vê seu território virtu-al ocupado militarmente por Israel e reduzido por colônias e muros.

Nos anos 1990, na correlação de forças criada a partir da dissolução daURSS e também a partir da Intifada (levante popular contra a ocupação),a Organização pela Libertação da Palestina aceitou firmar os controversosAcordos de Oslo, que resultaram na instalação da Autoridade Palestina,uma espécie de semi-Estado sediado em Ramalah, cidade próxima a Jeru-salém.

Segundo os acordos, o Estado de Israel era reconhecido pela parte Pales-tina. Em contrapartida, Israel assumia uma série de compromissos queresultariam, mesmo que tarde, na instalação do Estado Palestino.

Mas Israel não cumpriu sua parte, lançando mão de diversos pretextos,inclusive a existência de forças palestinas como o Hamas, que não reconhe-ciam Israel e que disputavam com a OLP e com a Autoridade Palestina.

O fato é que hoje, mais de 50 anos depois da criação dos dois Estados,só há um Estado: Israel. E Israel opera de tal maneira, ocupandoterritórios,criando muros, fazendo check-points militares, prendendo mi-lhares de ativistas, degradando a parte palestina de Jerusalém, que nuncahaverá o Estado palestino, mas sim um único Estado dentro do qual haveráuma população com direitos e outra população sem direitos.

Um modelo que já existiu na história: a África do Sul do apartheid.O que acontece na Palestina nos interessa, não apenas por motivos de

solidariedade humana ou histórica. Ocorre que a região é um dos epicentrosgeopolíticos do mundo, seja por sua localização, seja pelo petróleo.

Israel é uma espécie de porta-aviões terrestre dos Estados Unidos, sobdireção de um governo de direita e controlando armas nucleares. Se nãoencontrarmos uma solução pacífica que permita a coexistência, em igual-

Sobre a Palestina

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268 Miscelânea Internacional – 1998-2013

dade de condições, entre os dois Estados (Israel e Palestina), estaremossempre sujeitos a uma explosão que pode converter-se em um choque mi-litar de consequências imprevisíveis para a humanidade.

O grande obstáculo para a solução pacífica chama-se Estados Unidos.Sob Obama, nada mudou: o governo dos EUA segue dando apoio as posi-ções inaceitáveis de Israel, entre as quais não reconhecer o Estado Palestino.Trata-se de uma potência que não quer ceder os anéis. Algum dia acabaráperdendo os dedos.

Texto escrito para o jornal Movimento, editadopelas secretarias sindical, movimentos populares e setoriais do PT

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269Valter Pomar

O seminário intitulado A crise do capitalismo e o desenvolvimento doBrasil, descrito no http://valterpomar.blogspot.com/2011/11/crise-do-capi-talismo-e-o.html, confirmou mais uma vez o potencial de iniciativas toma-das em conjunto pelos partidos de esquerda (PT, PSB, PCdoB e PDT).

Uma das principais conclusões do seminário é que a crise internacionalé profunda, está se agravando, é duradoura e terá consequências aindadesconhecidas. Outra coincidência foi um otimismo mais ou menos mode-rado, neste contexto de crise internacional, acerca das possibilidades doBrasil. A partir deste consenso, houve um intenso debate sobre um con-junto de temas (ver http://valterpomar.blogspot.com/2011/11/debate-sobre-crise-o-potencial-da.html).

Uma das principais polêmicas foi acerca do inimigo principal. Emboratodos reconheçam que os Estados Unidos (e seus aliados europeus e japo-nês) sejam o principal problema, alguns transformam a China em alvoprincipal de suas críticas e ataques, confirmando indiretamente como se-gue poderosa a hegemonia estadounidense.

Outra polêmica foi acerca da importância, para o Brasil, da integraçãoregional. Por mais surpreendente que possa parecer, alguns continuam ra-ciocinando apenas em termos de “Brasil” e “mundo”, sem levar em consi-deração as vantagens decorrentes de um forte relacionamento, político eeconômico, com os países da América Latina e Caribe.

A principal polêmica, contudo, foi acerca do conteúdo do desenvolvi-mento que defendemos para o Brasil. Ficou evidente a existência de pelomenos quatro posições: a social-liberal, a nacional-desenvolvimentista, asocial-desenvolvimentista e o desenvolvimentismo democrático-popular.

O social-liberalismo (política defendida pelos tucanos) não teve nenhumporta-voz no seminário. Mas sua influência segue forte, como se pode cons-tatar verificando a lentidão com que vem caindo a taxa de juros.

O nacional-desenvolvimentismo está em ascenso. Sua questão funda-mental está na retomada do crescimento econômico, através de uma fortepolítica industrial. Os chamados temas sociais são agregados da análise edas propostas.

China e outras polêmicas

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270 Miscelânea Internacional – 1998-2013

O social-desenvolvimentismo, embora seja retoricamente hegemônico,está enfrentando dificuldades. Afinal, é cada vez mais difícil compatibilizarinvestimento com redução das desigualdades, sem tocar no capital finan-ceiro e sem fazer reformas estruturais, especialmente num ambiente de cri-se internacional.

O desenvolvimentismo democrático-popular (ou seja, crescimento comreformas estruturais) é ainda minoritário, apesar de ser o único consequentecom a orientação socialista dos partidos que promoveram o seminário dasquatro fundações.

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271Valter Pomar

“FARC deveriam declarar cessar-fogo unilateral”, diz secretário do Forode São Paulo.

Vinte anos após sua criação, o Foro de São Paulo, organização que reúneos partidos de esquerda latino-americanos, realiza sua 16a edição de 17 a 20de agosto, em Buenos Aires. Para os movimentos progressistas, é um mo-mento para fazer o balanço de mais de uma década de governo em boaparte dos países latino-americanos, avalia Valter Pomar, secretário-executi-vo do Foro e militante do PT (Partido dos Trabalhadores).

Em entrevista ao Opera Mundi, Pomar disse acreditar que estes gover-nos tiveram forte impacto na vida da população. Porém, acha que “estesavanços ainda não se tornaram estruturais” e podem ser revertidos em casode derrota eleitoral.

Segundo ele, o Foro, depois de ter sido um espaço de resistência contraa ofensiva neoliberal, deve se converter em um espaço de formulação deestratégias que permitam fazer deste ciclo de governos progressistas “o pon-to de partida de um novo modelo de desenvolvimento para a região”. Naentrevista, Pomar falou também sobre as FARC e defendeu que a melhorestratégia para o grupo guerrilheiro agora é declarar um cessar-fogo unila-teral e negociar um acordo de paz com o novo governo colombiano.

Qual é o balanço de uma década de governos progressistas na AméricaLatina?

Mais democracia, qualidade de vida, soberania e integração. Os exem-plos são muitos. Incluem mudanças constitucionais, aumento da partici-pação eleitoral, crescimento do número de organizações sociais, surgimen-to de novos meios de comunicação, eleição de juízes, mudanças em algu-mas Forças Armadas. Temos mais gente alfabetizada, mais serviços de saú-de, menos fome, direito a casa, mais empregos, aposentadorias maiores.Há que lembrar também o controle sobre as riquezas naturais de cada país,assim como mais diálogo, cooperação e criação de instituições como a Uniãodas Nações Sul-Americanas, a Unasul.

Mas estes avanços ainda não se tornaram estruturais, não se converte

“FARC deveriam declararcessar fogo unilateral”

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272 Miscelânea Internacional – 1998-2013

ram num outro modelo de desenvolvimento, de tipo democrático-popular.Enquanto isto não ocorrer, a permanência do que fazemos a partir dosgovernos dependerá de estarmos no governo. E governos se ganham e seperdem. Para que se construa um novo modelo, permanente, é precisodemocratizar a estrutura de propriedade e fazer com que a infraestruturasocial se torne o centro da dinâmica da acumulação.

O sr. acha que a direita está em condição de recuperar o terreno perdi-do, como ocorreu no Chile?

Nunca devemos subestimar a direita, especialmente quando os EUAtentam recuperar sua influência na região. Também devemos lembrar que,à medida que a direita neoliberal típica perde espaço, estas forças buscamoutros porta-vozes. No Brasil, a provável terceira derrota do PSDB e doDEM já faz setores conservadores especularem sobre uma alternativa dis-tinta em 2014. Finalmente, devemos lembrar que o objetivo da esquerdanão é eleger presidentes, mas, sim, mudar as sociedades. E pode ocorrer,como no Chile, de a esquerda chegar ao governo e não mudar a sociedadecomo pretendemos.

O sr. acha que existem ondas políticas que se alternam, e que depoisda esquerda nos anos 2000 pode ser a vez da direita na década 2010?

A história não é circular. Se fosse, viria por aí uma onda de golpes mili-tares, similares aos que sucederam o ciclo desenvolvimentista-populista dosanos 1950. Por outro lado, é preciso tomar cuidado com uma análise“politicista”, que dá excessiva atenção a eventos institucionais. A questãode fundo é saber se a esquerda que chegou ao governo na América Latinafará mudanças estruturais. Se conseguirmos, uma eventual vitória da direi-ta numa eleição nacional terá pequeno impacto. Se não conseguirmos, es-tar no governo não terá grande significado.

Alguns governos, como o da Venezuela, consideram que existe um riscomilitar contra os governos de esquerda.

A contra-ofensiva da direita é política. Uma das facetas desta contra-ofensiva política é militar, ou seja, a carta militar é jogada para fazer pres-são política. Neste momento, considero pouquíssimo provável uma agres-são direta dos EUA contra algum país governado pela esquerda. Agora,Honduras, as bases na Colômbia e a 4º Frota não são ficção. Estão relaci-

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273Valter Pomar

onadas com algo simples: os EUA perderam terreno ideológico, político eeconômico na região e no mundo, mas sua força militar é incomparável.Interessa a eles levar a disputa para o terreno militar, mesmo que sob aforma de pressão. Por isto é estratégico que o conflito na Colômbia deixede ser militar e passe a ser político-eleitoral.

A oposição brasileira voltou a acusar o PT de associação com as FARC,e Uribe acusou Chávez de protegê-la. Qual é a razão de existir da guerri-lha hoje?

Não existe solução militar para o conflito na Colômbia. Nem o governoSantos acabará com a guerrilha, nem a guerrilha tomará o poder. É precisoum acordo. A melhor coisa que as FARC podem fazer neste momento éanunciar sua disposição de fazer um acordo de paz. E, para deixar claro queestá falando sério, libertar as pessoas que mantém em seu poder, declararum cessar-fogo unilateral e se dispor a aceitar uma mediação externa – daUnasul, por exemplo. Seria um ganho para o povo e para a esquerda co-lombiana e poria fim ao pretexto dos EUA e da direita colombiana paramanter viva a guerra, que para eles é um negócio.

As FARC e outras organizações guerrilheiras participaram ou partici-pam do Foro? Mesmo que não tenham sido integrantes formais, já esti-veram presentes em reuniões da entidade?

A resposta para as duas questões é não. Mas isto não tem a menor rele-vância. Primeiro, porque, quando o Foro de São Paulo surgiu, havia lutaarmada e negociações em vários países da região. Exemplo clássico: a FMLNde El Salvador. Hoje o presidente de El Salvador é da FMLN. Motivo peloqual não faz o menor sentido tratar com preconceito organizações que re-correram a luta armada que, sob determinadas condições históricas é uminstrumento legítimo, do qual lançaram mão Nelson Mandela, Pepe Mujica,Daniel Ortega, Raúl Castro e outros. Segundo, porque o Foro é uma ins-tituição aberta, com reuniões públicas, provavelmente frequentadas poragentes da CIA e por outros serviços mais eficientes. Terceiro, porque oimportante é saber que papel o Foro pode jogar, agora, em 2010, paraconstruir a paz na Colômbia. O resto é diversionismo: o sonho de JoséSerra e Índio da Costa é achar alguém que dê uma declaração que possavirar manchete em seus jornais oficiais.

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274 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Numa recente entrevista, Fernando Henrique Cardoso disse que, nopoder, a esquerda latino-americana, e especialmente o PT, tinha viradosocial-democrata. O que acha dessa avaliação?

De qual social-democracia ele fala? Da revolucionária, que foi até a Pri-meira Guerra? Da socialista, que foi até o pós-Segunda Guerra? Da refor-mista, até a crise dos anos 1970? O risco dessa comparação é nos fazerperder de vista que o capitalismo latino-americano não é o europeu, não éimperialista. Portanto, a margem de manobra para compatibilizar capita-lismo, democracia e bem estar social é muito menor. Por outro lado, apressão dos EUA e a burguesia local fazem com que os social-democratassinceros da América Latina sejam mais radicais que os europeus. Na práti-ca, um social-democrata na America Latina vai entrar em conflito com ocapitalismo e com o imperialismo. Assim, parece-me aproveitável nesteraciocínio de FHC o reconhecimento indireto de que o PSDB é tudo,menos social-democrata.

Mas o sr. acha que os partidos de esquerda que estão no governo naAmérica Latina abandonaram suas reivindicações revolucionárias?

Uma parcela dos partidos de esquerda que estão no governo hoje nãoexistia em 1980, o que torna pouco válida a comparação. Por outro lado,não concordo que a maioria dos partidos de esquerda abandonou reivindi-cações de mudanças radicais. No fundo, há uma dificuldade em entenderque vivemos um período de defensiva estratégica da luta pelo socialismo.O que é ser revolucionário num período em que as revoluções não estão naordem do dia? Em minha opinião, é ter uma política de acumulação deforças que tenha como objetivo criar as condições para mudanças revoluci-onárias. Ser revolucionário significa defender que, para acabar com a ex-ploração e a opressão capitalista, é necessária uma revolução político-social.A maioria dos partidos de esquerda latino-americanos tem, no seu interior,correntes revolucionárias e correntes não revolucionárias, numa combina-ção indispensável neste momento. E o único teste para saber se um partidoé revolucionário ou não é ver se ele dirigiu uma revolução. Discurso, fé,autoproclamação e acusação dos inimigos não contam.

Com a esquerda no poder, qual é sua avaliação do papel dos movi-mentos sociais nesses países?

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275Valter Pomar

A rigor, a esquerda não está no poder em nenhum país da região, excetoCuba. Em Cuba, houve uma revolução em 1959, e o Estado cubano foiconstruído por esta revolução. Não há distinção qualitativa entre os objeti-vos do governo e do Estado. Já nos países em que, desde 1998, partidos deesquerda elegeram o presidente, o Estado é herdeiro de décadas ou séculosa serviço das classes dominantes. Parcelas expressivas do aparato de Estadoseguem controladas diretamente por representantes delas, que na práticamantêm o poder, embora não tenham o governo. Os movimentos sociaisforam essenciais para a vitória eleitoral. E são decisivos para construir ocaminho que nos leve da condição atual de governo para a condição depoder.

Como qualificaria a política do governo Obama em relação a região?Obama mudou as palavras, mas não os gestos. A política geral para a

região segue a mesma. No seu discurso de posse disse que os EUA estavamprontos para voltar a liderar. E o que os EUA têm pronto para isto? Seuaparato militar. Claro que para quem se iludiu com Obama deve ter tidouma decepção.

Qual é a função do Foro?O Foro passou por várias fases. De sua criação a 1998, foi um espaço de

resistência contra a ofensiva neoliberal. Depois, converteu-se num espaçode articulação da ofensiva eleitoral dos partidos de esquerda. Esta ofensivase deteve em 2009, com a posse de Mauricio Funes, em El Salvador. Desdeentão, precisamos nos converter em um espaço de formulação e de articu-lação de uma estratégia que permitam fazer deste ciclo de governos pro-gressistas e de esquerda o ponto de partida de um novo modelo de desen-volvimento, sem deixar de ser útil aos partidos de esquerda da região queainda não são governo. Se não formos capazes de dar este salto, o Foro nãoserá capaz de ajudar a esquerda latino-americana a conseguir respostas paraproblemas de fundo: mudar o model o e sair da condição de melhorar avida do povo dentro do capitalismo para a condição de melhorar a vida dopovo nos marcos do socialismo.

Em novembro passado, Chávez defendeu a criação da Quinta Interna-cional.

A intenção é boa, mas a proposta não é adequada. O próprio Chávez

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276 Miscelânea Internacional – 1998-2013

percebeu isto. Uma curiosidade: a esquerda ultrassectária existente em al-guns países do mundo viu na proposta a chance de colocar uma cunhaentre a esquerda brasileira, especialmente o PT, e a esquerda venezuelana,especialmente o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Quebra-ram a cara. O melhor é reforçar o Foro de SP e ampliar a articulação entreo Foro e partidos de outras regiões do mundo, sem a pretensão de serlaboratório para ninguém: como o capitalismo é diferente em cada região,lutar contra ele exige esquerdas também diferentes.

Entrevista concedida à Lamia Oualalou, foidivulgada pelo Opera Mundi em 07/08/2010

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277Valter Pomar

¿Capriles Radonski encarna la visión política de la revolución brasi-leña y del Partido de los Trabajadores?

VP: Lo que está pasando en Venezuela es muy semejante a lo que pasaen otros países de Latinoamericana y el Caribe: la derecha tiene muchadificultad de presentarse con sus consignas y busca metamorfosearse,mimetizarse y presentarse con un discurso distinto. Si no hace esto no tienela menor posibilidad electoral y política.

En muchos países empezó a pasar esta cosa curiosa de un candidato dederecha decir que él quiere hacer aquí (en su país) lo que la izquierda estáhaciendo en otro país.

Estuve recientemente en Perú, en la primera vuelta de las elecciones y laseñora dueña del hotel donde yo estaba hospedado me dijo que estabaenojada por Ollanta y que en Perú lo que hacía falta era un hombre comoLula. Le dije que en Perú Lula apoyaba a Humala y se quedó escandalizadapero le expliqué que los cambios que hicimos en Brasil en el sentido de másdemocracia, más soberanía nacional, más desarrollo económico, más justiciasocial, más integración continental es lo mismo que Ollanta Humaladefendía en Perú.

Haciendo la comparación, la situación en Venezuela es la misma. Loque hicimos en Brasil es lo que Chávez hizo acá, lo que está haciendo y quequeremos que siga haciendo.

Hallamos gracioso que alguien de derecha quiera presentarse como sifuera nosotros en otro país

Yo comprendo los motivos por lo que lo hacen, pero no tiene el menorsentido.

RNV: Qué mensaje tiene a los sectores políticos:VP: No tenemos dudas, para América Latina y el Caribe nos interesa

que el Gobierno de Chávez siga. Brasil, Uruguay, Argentina, Peru, Nicara-gua, El Salvador, Cuba, Paraguay, Ecuador y Bolivia son países y historiasdistintas, sociedades, cultura y geografías distintas, pero tenemos una unidaden torno a cuestiones fundamentales: estamos en contra del neoliberalis-

Versão da entrevista concedidaà Rádio Nacional de Venezuela (RNV)

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278 Miscelânea Internacional – 1998-2013

mo, a favor de la integración y por eso la lucha de Chávez aquí es la quenosotros tenemos en Brasil, la que Mujica tiene en Uruguay, Lugo en Para-guay etc.

RNV: Papel de Venezuela y Brasil en la geopolítica mundialVP: Vivimos un momento de transición porque Estados Unidos está en

un momento de declive muy peligroso, y hay un ascenso de otras potenciasque no van a jugar el mismo rol de Estados Unidos. Por otra parte, esoocurre en un momento de crisis internacional del capitalismo. Es una tran-sición que va a durar décadas. Hay dos maneras de posicionarse frente aesto: una es que cada país busque jugar un papel independiente; otro esque cada país busque concertar una integración con sus vecinos para quejuntos jueguen un papel.

Venezuela tiene su importancia individual y Brasil también, pero la po-sibilidad de incidir verdaderamente en este proceso de transición y que nosprotejamos de la agresión externa y que posamos cumplir un rol diferenci-ado en el futuro, sólo es posible si nosotros lográramos un nivel de unidadmuy fuerte entre Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguay, Paraguay, Bolivia,Ecuador, Peru, los países caribeños, centroamericanos, incluso Colombia,Chile y México.

RNV: ¿Qué gobierno cree que garantice esa unidad en Venezuela?Por supuesto, que siga Chávez. La derecha latinoamericana, una parte

de ella, está comenzando a tener interés en la integración, pero no tieneninterés de una integración entre los pueblos, sino entre las empresas. Esa esuna diferencia fundamental. No les interesa una integración que beneficiea los pueblos, esta depende de que sea una integración entre la izquierda.

Si me preguntas si el PT tiene opinión sobre lo que es mejor para Amé-rica Latina y el Caribe yo no tengo dudas: que venza Chávez. Una victoriade la derecha en Venezuela causaría un problema enorme para los procesosde integración.

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279Valter Pomar

Ensayo sobre una ventana abierta

Este ensayo aborda cuatro temas: en qué situación se encontraba la iz-quierda latinoamericana en su conjunto en el año 1991; qué pasó con estaizquierda desde entonces; cuál es su situación actual; cuáles son sus pers-pectivas.

El contexto de 1991 fue escogido debido a la desaparición de la UniónSoviética, sobre el cual hablaremos a continuación.

Pero antes es preciso recordar que la desaparición de la UniónSoviética fue, en sí misma, el punto final de un intento iniciado en 1917,intento que consistió inicialmente en tomar el poder y empezar la cons-trucción del socialismo en un país de bajo desarrollo capitalista, con laexpectativa de que esto estimularía revoluciónes en los países del capitalis-mo más desarrollado, revoluciones que a su vez ayudarían a la transiciónsocialista en la propia Rusia.

Sucede que en las décadas siguientes a octubre de 1917 no se produjorevolución victoriosa alguna en los países capitalistas desarrollados. Por elcontrario, hubo un giro a la derecha, en especial en Alemania. Y, hecho elbalance global de la II Guerra Mundial y de sus consecuencias, no estare-mos lejos de la verdad al decir que las implicaciones derivadas de la existen-cia de la Unión Soviética salvaron a la democracia parlamentaria burguesa,forzaron a la instalación del llamado Estado de bienestar social, estimularonla formación de un cártel internacional bajo el liderazgo de los EstadosUnidos y, a fin de cuentas, ayudaron al capitalismo a vivir «años dorados»de expansión que por su vez resultaron en la emergencia de una nuevaetapa capitalista, la que vivimos hoy.

El «campo socialista» surgido después de la II Guerra Mundial nocumplió, para la Unión Soviética, el papel que supuestamente las revoluci-ones de los países avanzados cumplirían a favor de la Rusia revolucionariade 1917. Básicamente, China y las democracias populares del Este europeotambién eran países de bajo desarrollo capitalista. Por ello, tomado de con-junto, el esfuerzo del llamado campo socialista tuvo como consecuenciageneralizar un determinado patrón de desarrollo industrial, que en los pa-íses capitalistas ya estaba siendo superado, en el contexto de un sistema

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280 Miscelânea Internacional – 1998-2013

político que ya era cuestionado interna y externamente por sectores de lapropia clase trabajadora. Asimismo, en condiciones normales de tempera-tura y presión, no era desatinada la idea de que a largo plazo el llamadocampo socialista podría competir y derrotar al campo capitalista, pero hoyestá claro que só seria asi si el proprio capitalismo no sufriera una transfor-mación cualitativa.

Sucede que el «campo capitalista» surgido después de la II Guerra Mundialera un adversario más difícil, entre otros motivos porque la alianza interim-perialista contra la URSS y las consecuencias macroeconómicas del welfarestate, combinadas con la continuidad del imperialismo, facilitaron un de-sarrollo intenso de las fuerzas productivas capitalistas. Desarrollo que laUnión Soviética y sus aliados no lograron alcanzar, salvo en segmentos es-pecíficos, compartimentados y/o con alto costo social, como la industriaarmamentista.

En este contexto, la crisis de los años setenta cumplió un papel distintoa aquel de la crisis ocurrida en los años treinta. En los años treinta se pro-dujo una «crisis de madurez» del capitalismo de tipo imperialista clásico,crisis que desembocó en la II Guerra Mundial, en la ampliación del camposocialista, en el surgimiento del Estado de bienestar social y en la descolo-nización. Ya la crisis de los años setenta fue «de crecimiento», detonando latransición del capitalismo imperialista clásico a una etapa distinta del capi-talismo, el capitalismo imperialista neoliberal que vivimos hoy.

La socialdemocracia en Europa Occidental, el comunismo tipo soviéti-co, el nacional desarrollismo latinoamericano, así como los nacionalismosafricanos y asiáticos fueron forjados en la lucha y en las victorias parcialesobtenidas contra el capitalismo imperialista clásico. Pero no tuvieron elmismo éxito al enfrentarse al tipo de capitalismo que emergió de la crisis delos años setenta. Mejor dicho, una variante, el comunismo chino, optó porun cambio estratégico, y exhibe treinta años después resultados impresio-nantes desde el punto de vista de la potencia económica, pero con compli-caciones políticas y geopolíticas muy específicas.

La desaparición de la URSS y de las democracias populares del Esteeuropeo fue, por tanto, resultado de una de las batallas de un proceso másamplio, a saber, la transición entre dos etapas del capitalismo: la del impe-rialismo clásico y la del imperialismo neoliberal. Evidentemente, fue unabatalla de enorme significado estratégico, aunque algunas de sus implicaci-

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281Valter Pomar

ones solo ahora están quedando claras. Pero la verdad es que parte de losfenómenos ocurridos después de 1991 ya estaba en curso en los años ochenta,y fueron acelerados, pero no propiamente creados, por el fin de la URSS.

Se observamos la correlación mundial de fuerzas desde el punto de vistade las clases, el período inmediatamente anterior y posterior a 1991 es dederrota para las clases trabajadoras. Esta derrota puede ser medida objetiva-mente, en término de extensión de las jornadas, valor relativo de los salarios,condiciones de trabajo, oferta de servicios públicos y de democracia real.

Desde el punto de vista de las ideas, en el período mencionado vivimosun auge del individualismo, en detrimento de los ideales públicos, socialesy colectivos, y la simultánea ofensiva de las ideas pro capitalistas, acom-pañada del retroceso, muchas veces en desbandada carrera, de las ideasanticapitalistas.

Políticamente, se produjo un fortalecimiento de los partidos de derecha,y la conversión de muchos partidos de izquierda a posiciones decentroderecha. Militarmente, se creó un desequilibrio global a favor de laOTAN, y de los Estados Unidos en particular.

Veinte años después, observada globalmente, la situación cambió unpoco, pero no tanto. El capitalismo neoliberal entró en un período de cri-sis, se agudizaron los conflictos intercapitalistas, algunas creencias neolibe-rales ya no tienen la credibilidad de antes. Además de eso, en algunas regionesdel mundo, las ideas anticapitalistas volvieron a ganar espacio.

Pero, al observar las condiciones objetivas de vida de la clase trabajadoraen todo el mundo, veremos que hoy la desigualdad es mayor que en losaños setenta, ochenta o que en 1991.

Veremos también una clase trabajadora diferente.Primero, es mayor: existen más proletarios en el mundo hoy que en

1970, 1980 ó 1991. Segundo, la clase trabajadora es hoy más intercomuni-cada, sea por los lazos objetivos entre los procesos productivos, sea por elconsumo de productos fabricados en lugares distantes. Tercero y paradóji-camente, es una clase trabajadora más fragmentada subjetivamente, seadebido a las condiciones materiales de vista (comparemos, por ejemplo, elpersonal de limpieza de los grandes centros comerciales, con las personasque van a ellos a hacer sus compras), sea debido a los cambios ocurridos enlos lugares de trabajo. Esto, pese a los avances de las comunicaciones,incluyendo la Internet.

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En otras palabras: la ofensiva desencadenada por el capitalismo contra laclase trabajadora, a partir de la crisis de los años setenta, perdió aliento. Enalgunos lugares, estamos logrando incluso recuperar parte del espacio per-dido. Pero el escenario aun tiene mucho de tierra arrasada. En el planoideológico, esto se traduce en una tremenda confusión y déficit teórico.

Desde el punto de vista ideológico y teórico, el movimiento anticapita-lista de hoy también es muy diferente del que existía entre los años 1970 y1991.

En aquel momento, a pesar de la existencia de «disidencias» variadas, elanticapitalismo todavía estaba hegemonizado por una corriente específica:el marxismo de tipo soviético.

La idea fundamental de este marxismo era la creencia en la capacidad deconstruir el socialismo a partir de un capitalismo poco desarrollado. A par-tir de aquella creencia, se desarrolló un conjunto de otras tesis al respectodel proceso de construcción del socialismo, entre las cuales se destacaba lade una «democracia bajo control del partido».

Lo que fué una consecuencia lógica: si las condiciones objetivas no favo-recen la construcción del socialismo, es preciso compensarlo con dosisdescomunales de «condiciones subjetivas», que al final puede significarimponer a la mayoría (de la sociedad) el punto de vista de la minoría (no elpunto de vista de la clase trabajadora, sino el punto de vista de una parteminoritaria dentro de la propia clase trabajadora).

La disolución de la URSS desmontó el marxismo de tipo soviético.Esto no quiere decir que todo aquello que se hizo en su nombre haya

sido errado, no tenga valor histórico, no deba defenderse o no haya sido laalternativa realmente existente (o el que podríamos denominar de malmenor) en determinadas circunstancias.

Cuando hablamos de desmontaje de marxismo de tipo soviético, quere-mos decir que fracasó una de sus ideas fundamentales: la de que era posibleconstruir el socialismo a partir de un capitalismo poco desarrollado, ideaque asumió varias formas, como la del «socialismo en un solo país», y quegeneró una confusión, que sigue existiendo hoy, entre lo que és transiciónsocialista y lo que és el comunismo.

Esta confusión se basa, entre otras cosas, en el siguiente hecho: en laexperiencia soviética, por diversos motivos, hubo una intento más o menosintenso, más o menos exitoso, de buscar eliminar de la transición socialista

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la existencia de la propiedad privada y del mercado capitalistas, algo que dehecho solo podría ocurrir en un momento más avanzado del proceso detransición al comunismo.

En la práctica, fue una tentativa de socializar las relaciones de producci-ón en un contexto de bajo desarrollo de las fuerzas productivas, adoptandola forma de un comunismo para el cual aún no había suficiente contenidoeconómico.

Por este y otros motivos, el marxismo de tipo soviético fue una escuelateórica que entorpeció -más que ayudó-, al desarrollo del análisis marxistade la realidad y de la estrategia a adoptar, tanto en los países capitalistasdesarrollados, como en los de bajo desarrollo capitalista.

A pesar de esto, el desmontaje del marxismo de tipo soviético, incluidoen esto el desmontaje de sus periódicos, editoriales y escuelas, lejos de ayudar,efectivamente perjudicó al conjunto de las tradiciones marxistas, socialistasno marxistas y anticapitalistas no socialistas.

Entre otros motivos, porque ayudó a destruir la creencia, que hasta en-tonces era compartida por centenas de millones de personas, de que elmundo caminaba hacia el socialismo, de que el capitalismo es un períodohistórico que algún día tendrá fin, de que la lucha por una nueva sociedades la principal tarea de la clase trabajadora y otras ideas similares.

Esta creencia tenía y sigue teniendo una base científica muy sólida, perola ciencia indica cuáles son las tendencias posibles del desarrollo histórico.Convertir estas tendencias en realidad depende de la lucha política. Y laintensidad de esta lucha política dependia en parte de la motivación mili-tante de centenas de millones, que durante décadas identificaban, como sifuesen la misma cosa, la lucha por el socialismo y lo que existía en la URSS.Y que, ante el fin de una, concluyeron que el otro también había finalizado.

El desmontaje del marxismo de tipo soviético no desembocó, ni fueseguido de un fortalecimiento de las corrientes también inspiradas en elmarxismo que se oponían a él.

La más conocida de estas corrientes, el trotskismo, nació de la críticacontra el socialismo en un solo país, pero como no podía dejar de hacer,terminó concentrando su crítica en las dimensiones políticas del fenómeno(el denominado estalinismo, la burocracia, la crisis de dirección etc). Estedesarrollo de la crítica trotskista fue en parte una consecuencia lógica: elsocialismo de tipo soviético resistió y consolidó una hegemonía en la izqui-

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erda, a lo largo de muchas décadas, desmintiendo en apariencia aquelloque, en efecto, era su problema central, el intento de construir el socialismoa partir del capitalismo poco desarrollado.

Esto provocó que el trotskismo realmente existente no diese la debidaatención a las debilidades estructurales del socialismo real, concentrandolas esperanzas en la posibilidad de éxito de una «revolución política» quecorregiría el curso de la «verdadera revolución secuestrada por la burocraciaestalinista». Al hacer esto, contradecían los fundamentos de su propia críti-ca al «socialismo en un solo país». Y, como se vió, al fin y al cabo lasrevoluciones políticas realmente existentes abrieron el paso al capitalismoen toda la línea.

Como resultado, pese a que un cierto acento trotskista se ha tornado hege-mónico entre los que critican al marxismo de tipo soviético, la tradición trotskistano logró convertirse en el núcleo teórico a partir del cual se pueda realizar hoy,ni la crítica al socialismo del siglo XX, ni la discusión sobre la estrategia socia-lista en el siglo XXI, pues para ello sería y será preciso abordar de maneraadecuada la relación entre desarrollo capitalista y transición socialista.

El eurocomunismo también fracasó como alternativa. Además de todoslos equívocos políticos que puedan haber sido cometidos por aquellos par-tidos, el intento de transitar pacíficamente del «capitalismo organizado»europeo de los años 1950 y 1960, en dirección a un «socialismo renovado»,enfrentaba un dilema de origen: aquellas sociedades expresaban, en sí mismo,un equilibrio inestable, entre el «campo» socialista y el capitalista, entre laburguesía y los trabajadores de cada país, así como entre el nivel de riquezaproducido en cada país y el plus que se extraía de la periferia.

El intento de avanzar, del welfare state en dirección a la transición socia-lista, rompía aquel equilibrio inestable, desestabilizando las libertades de-mocráticas que eran la premisa de una transición pacífica. Recuérdese laOperación Gladio.

El desmontaje del marxismo de tipo soviético tampoco provocó el forta-lecimiento teórico de las corrientes socialdemócratas, originadas de un troncocomún en 1875.

La socialdemocracia posterior a 1914 enfrentó inmensas dificultades parasobrevivir, como quedó claro en sus bastiones alemán y austriaco. Su éxitoposterior a la II Guerra Mundial fue, en buena medida, un efecto colateralde la existencia de la URSS. Sin ella, tal vez la democracia burguesa hubiese

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colapsado ante el nazismo; e igualmente sin la URSS, el welfare state y el«capitalismo organizado» difícilmente hubieran existido. Lo que ocurrió conposterioridad refuerza esta interpretación; la desaparición de la URSS destruyólas bases económicas, sociales y políticas de aquella socialdemocracia.

La era de oro de la socialdemocracia fue también la era de oro del capi-talismo, y tanto una como el otro dependían en gran medida de la existen-cia de la URSS. Caída ésta, aquella también se vino abajo, aunque a unavelocidad más lenta que la del colapso del comunismo soviético.

¿Y los chinos? Ellos parecen haber aprendido de la experiencia soviéticay prefirieron hacer ejecutar un retroceso estratégico, haciendo grandesconcesiones al capitalismo. En parte como resultado de estas concesiones(que según algunos no serían apenas concesiones, sino conversiones), elmarxismo de tipo chino es internacionalmente menos atractivo de lo quefue, en su época de gloria, el marxismo de tipo soviético en todas sus vari-antes, incluso la variante maoísta.

En resumen de todo lo dicho, el desmontaje del marxismo de tipo sovi-ético no fue seguido de la aparición de otra tradición hegemónica en elseno de la izquierda mundial. Lo que ocupó su lugar, mas que una pluralidad,fue una inmensa confusión, que a los amantes de las analogías históricaslos hace pensar en lo que fue el movimiento socialista después de la derrotade las revoluciones de 1848.

Conviene recordar que fue exactamente en el intervalo entre 1848 y1895, a través de la combinación entre los procesos objetivos del desarollocapitalista, con la lucha ideológica dentro y fuera del movimiento socialis-ta, que se formó el núcleo fundamental de las ideas marxistas.

Paradójicamente, al mismo tiempo desta confusión ideológica en elmovimiento socialista, lo que viene ocurriendo en el mundo desde la crisisde los años setenta, particularmente después de 1991, confirma el aciertode las ideas fundadoras del marxismo, especialmente la idea de que el au-mento de la productividad humana, aumento que el capitalismo incentiva,crea al mismo tiempo las bases materiales y la necesidad de una sociedad deotro tipo, basada en la apropiación colectiva de aquello que es producto deltrabajo colectivo.

Por supuesto, esta sociedad de otro tipo, que conviene seguir llamandocomunista, para diferenciarla de la transición socialista en dirección al comu-nismo, no será, pese a todo, producto espontáneo de la sociedad capitalista.

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La tendencia «espontánea» del capitalismo es generar explotación, revueltay crisis, acompañada de guerras. Si la clase trabajadora, la clase de los queproducen la riqueza através de su trabajo, no se organiza para superar alcapitalismo, este podrá continuar existiendo por mucho tiempo aún, hastaque alcanze sus propios límites, destruyendo a todos y todo.

La superación del capitalismo como modo de producción depende ysupone la existencia de un nivel de desarrollo material que convierta laexplotación en algo totalmente anacrónico. Con otras palabras, supone unaumento de la productividad social que «desvalorice» cada vez más losproductos del trabajo (o sea, que reduzca casi a cero el tiempo de trabajosocialmente necesario), haciendo posible conjugar el máximo de abundanciacon el mínimo de trabajo.

Ya lo que es la superación del capitalismo como fenómeno históricoconcreto depende de la lucha política, o sea, depende de que los trabajado-res, la clase productora de riquezas, se convierta en clase hegemónica yreorganice la sociedad, lo que implica un proceso politico (revolucion) yuna transición político-sócio-economica (socialismo) al final del cual seconstruirá otro modo de producción (el comunismo).

Luchar por estes objetivos, como es evidente, sigue suponiendo combi-nar conciencia y organización, táctica y estrategia, reforma y revolución.

Se trata de luchar para superar la explotación y la opresión típicas delcapitalismo. En este sentido, es una lucha contemporánea al capitalismo. Porotro lado, se trata de luchar por superar la sociedad de clases, o sea, superartoda una época histórica en que una parte de la sociedad explota el trabajo dela otra. En este sentido, se trata de una lucha que posee identidad con lalucha de las clases explotadas en modos de producción anteriores al capitalis-mo. Y se identifica también con otras luchas que se libran, en el capitalismo,contra mecanismos de opresión y explotación que no son estrictamente eco-nómicos, tales como el racismo, el machismo y la homofobia.

Debemos hacer el máximo esfuerzo para que una lucha potencie a lasotras y viceversa, pero debemos también recordar que son luchas conectadas,interdependientes, pero no son la misma cosa. Las luchas contra el racis-mo, contra la homofobia, contra el machismo, los conflictos generaciona-les y otros, tienen sus propias raíces, demandan sus propios combates y sussoluciones específicas.

Lo que decimos en los párrafos anteriores muchas veces no encuentrahoy traducción política consistente en Oceanía, África, Europa y los Esta-

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dos Unidos. Ya en América Latina estamos asistiendo, hoy, a intentos con-sistentes varios de enfrentar estos temas e iniciar un nuevo ciclo socialista,un debate y una acción práctica que, como apuntó recientemente el histo-riador Eric Hobsbawm, se alcanza recurriendo en gran medida a la gramá-tica del marxismo.

Esto nos remite a las cuestiones planteadas al inicio de este ensayo: a lasituación en que se encontraba la izquierda latinoamericana en su conjun-to, en el año 1991; que sucedió con esta izquierda desde entonces; cuál essu situación actual; y cuáles son sus perspectivas.

La izquierda latinoamericana fue globalmente derrotada en los añossesenta y principios de los años setenta: la Revolución Cubana fue bloque-ada; otros procesos populares, nacionalistas y revolucionarios fueron derro-tados; las guerrillas latinoamericanas no tuvieron éxito; la experiencia de laUnidad Popular terminó de forma trágica; y grande parte del continentefue sometido a dictaduras de facto y de derecho.

Entre finales de los años setenta e inicio de los ochenta, hubo unainflexión: las grandes luchas sociales en Brasil y la victoria de la guerrillasandinista son dos ejemplos de esto. Durante la década de 1980, lasdictaduras ceden espacio. Pero en su lugar surgen democracias restringidasy cada vez más influenciadas por el neoliberalismo. Las victorias de Colloren Brasil (1989) y de Chamorro en Nicaragua (1990), entre otras, marcaronentonces el princípio de una década de hegemonía neoliberal.

Fue exactamente en este contexto que, en 1990, inmediatamente antesde la disolución de la URSS, una gran parte de la izquierda latinoamerica-na decidió encontrarse en un seminario cuyas derivaciones dieron origen alForo de São Paulo.

La disolución de la URSS tuvo impactos materiales directos sobre Cuba.Ya sobre los demás países, en especial sobre sus izquierdas, los impactos fue-ron principalmente ideológicos y políticos. Pero la proximidad amenazadorade los Estados Unidos, la lucha reciente contra las dictaduras y los embatescontra el neoliberalismo naciente parecen haber funcionado como una«vacuna», que limitó los efectos desmoralizantes que la crisis del socialismotuvo sobre vastos sectores de la izquierda en otras regiones del mundo.

No es que no haya habido deserciones, traiciones y conversiones ideoló-gicas. Pero, visto de conjunto y de manera comparativa, la izquierda latino-americana salió mejor que su congénere europea.

En esto influyeron por lo menos cuatro factores.

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Primero: debido al «lugar» ocupado por nuestra región en la división deltrabajo vigente en el período imperialista clásico, no tuvimos en nuestrocontinente una experiencia socialdemócrata equivalente al Estado debienestar social, que cristalizase la creencia de que era posible conciliarcapitalismo, democracia y bienestar social. Lo que llegó más próximo deesto (el populismo, especialmente el argentino) fue combatido con violenciabrutal por las oligarquías y por el imperialismo. Con otras palabras, inclusodonde la izquierda luchaba por banderas de tipo democrático-capitalista, laburguesía realmente existente era en general un sólido adversario. Aunqueesto no haya eliminado las ilusiones, dio a las luchas de los años ochenta unsesgo mucho más radical, sin el cual algunos éxitos de la resistencia alneoliberalismo no habrían sido posibles.

Segundo: a pesar de los equívocos, de las limitaciones y principalmentea pesar del retroceso causado por la combinación entre el bloqueo estadou-nidense y el colapso de la URSS, la valiente resistencia cubana impidió queasistiésemos, entre nosotros, el espectaculo deprimente y desmoralizanteasistido en muchas paragens del Este europeo y de la propia URSS. Ademásde eso, ciertas características de la sociedad cubana seguían y siguen siendoun diferencial positivo, para el trabajador pobre de la mayoría de los paíseslatinoamericanos; no era así en Europa, en gran parte de los casos. Por lotanto, fue más fácil, para grandes sectores de la izquierda latinoamericana,mantener la defensa del socialismo, percibir las especificidades nacionales ymantener una actitud más crítica en cuanto a modelos supuestamenteuniversales, especialmente los venidos de otras regiones.

Tercero: la hegemonía neoliberal, combinada con el predominio esta-dounidense ocasionado por la desaparición de la URSS, era efectivamentey fue percibida inmediatamente como un riesgo, no solo para las izquier-das, sino para la soberanía nacional y para el desarrollo económico latino-americano. Para muchas organizaciones de la izquierda regional, estopermitió compensar con nacionalismo y desarrollismo lo que se perdía o sediluía en términos de contenido programático socialista y revolucionario.

Cuarto: el fin de la URSS abrió inmensas oportunidades de expansiónpara las potencias capitalistas, especialmente para los Estados Unidos ypara la naciente Unión Europea. De ahí se derivó una concentración deesfuerzos en el Este europeo y en el Oriente Medio, acompañada de unacierta «despreocupación sistémica» con lo que estaba ocurriendo en el de-nominado patio trasero latinoamericano. Esto explica no el hecho en sí,

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sino la velocidad con que los partidos críticos del neoliberalismo llegaron algobierno, a partir de 1998, en importantes países de la región.

Paradójicamente, fue a partir destas victórias que se evidenciaron ciertasconsecuencias del fin de la URSS, así como las derivadas del surgimientodel capitalismo neoliberal. Implicaciones que pesaban sobre las acciones dela izquierda latinoamericana, exactamente en el momento en que esta iz-quierda comenzaba a conquistar los gobiernos nacionales de sus países.

Comencemos por las ideológicas. Las izquierdas que llegan al gobierno apartir de 1998, pero también aquellas que se mantuvieron desde entonces enla oposición, en algunos casos contra la derecha, en otros casos incluso contralos gobiernos progresistas y de centroizquierda, no lograron superar laconfusión ideológica y tampoco lograron resolver el déficit teórico que seexpresa en tres terrenos fundamentales: del balance de los intentos de cons-trucción del socialismo del siglo XX, de análisis del capitalismo del siglo XXIy de la elaboración de una estrategia adecuada al nuevo período histórico.

Los intentos de elaborar una teoría sobre el «socialismo del siglo XXI» soncaleidoscópicos; los análisis del capitalismo imperialista neoliberal aún sontentativos; y los resultados prácticos muestran los límites de las distintas es-trategias. La confusión se agrava por la influencia de ciertas «escuelas» muyactivas en la izquierda, como el desarrollismo, el etapismo o el movimientis-mo, sin hablar de cierto culto al martirio («pocos pero buenos», «cuanto peor,mejor» y otros del mismo género) que tiene evidentes raíces cristianas.

Claro que la confusión ideológica y la limitación teórica no constituyenun problema tan grave, cuando el viento está a favor. En cierto sentido,ocurre lo contrario. Una cierta dosis de ignorancia acerca de los límitesmateriales ayuda, al no saber que «es imposible», a extender mucho loslímites de lo posible. Pero cuando el viento no sopla a favor, la claridadteórica y la consistencia ideológica se tornan activos fundamentales. Y ahora,en 2012, estamos en un momento de vientos contradictorios.

Hablemos ahora de las implicaciones políticas. La principal de ellas esque, salvo raras excepciones, el conjunto de las izquierdas latinoamericanasincorporó la competencia electoral, la accion parlamentaria y la gestióngubernamental en su arsenal estratégico. O sea, incorporó un arma típicadel arsenal socialdemócrata, en el exacto momento en que en el viejo mun-do los aspectos progresistas de la democracia electoral burguesa y de lasocialdemocracia clásica están en declive.

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La incorporación de la competencia electoral, de la accion parlamentariay de la gestión gubernamental como armas fue posible por diversos moti-vos. De parte de las izquierdas, podemos citar la derrota político militar delas experiencias guerrilleras, la reducción de los perjuicios (bien fundados ono) contra la «democracia burguesa», y la dinámica particular que permitióuna más o menos exitosa combinación entre lucha social y electoral en cadapaís. Pero para que aquellas armas pudiesen ser utilizadas con cierto éxitopor las izquierdas, desde el final de los años noventa hasta ahora, es precisoconsiderar también el cambio relativo en la actitud de los Estados Unidos,de las derechas y de las burguesías locales, que en varios países no tuvieronlos medios y/o los motivos para bloquear electoralmente a las izquierdas.

Pero, pasada cierta euforia inicial, las distintas izquierdas latinoamerica-nas se toparon con los límites derivados del que podemos denominar caminoelectoral. De diferentes maneras, hasta porque las izquierdas, los procesos ylas culturas políticas son distintas, se fueron evidenciando las diferenciasentre Estado y gobierno; la difícil combinación entre democracia represen-tativa y democracia directa; los límites de la participación popular y de losmovimientos sociales; las diferencias entre legalidad revolucionaria y legalidadinstitucional. Además, los mecanismos de defensa del Estado burgués -como la burocracia, la justicia, la corrupción y las fuerzas armadas- siguenoperando con eficiencia, para constreñir a los gobiernos progresistas y deizquierda. Sea como fuere, hoy mas que antes queda en evidencia que laizquierda latinoamericana necesita una mayor comprensión de las experi-encias regionales y mundiales en que las armas electorales, parlamentares ygubernamentales fueron utilizadas como medio para intentar hacer latransformacion socialista o socialdemocrata de la sociedad.

La ausencia de claridad al respecto, mejor dicho, las diferentes interpretacionessobre el tema, vienen produciendo desde 1998 agudas controversias dentro dela izquierda latinoamericana, entre dos polos y sus variantes intermedias: losque pretenden avanzar más rápido y los que temen avanzar más rápido delo que la correlación de fuerzas supuestamente permite.

Las dos cuestiones anteriores se combinan con una tercera, algo máscompleja, referida a la comprensión de la etapa histórica en que vivimos yde los conflictos que están en juego en América Latina.

Como dijimos antes, el fin de la URSS debe ser visto en el contexto deuna transición entre el capitalismo imperialista clásico y el capitalismo ne-oliberal, imperialista también, pero distinto al anterior.

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El capitalismo imperialista clásico atravesó por dos momentos: uno mar-cado por la contradicción interimperialista, otro marcado por la disputa en-tre «campo socialista» y «campo imperialista». En estos dos momentos, juntoa las contradicciones citadas, existían también las contradicciones internas decada país, así como las existentes entre las metrópolis y las periferias.

Con el fin de la URSS, desapareció también la disputa entre «campos».Ya la contradicción intercapitalista se acentuó y derivó en una nueva vari-ante: la disputa entre los antiguos centros (Estados Unidos, Unión Europeay Japón) y los nuevos centros emergentes (como China y sus aliados, losllamados BRICS).

La lucha entre estos centros (viejos y nuevos) y sus respectivas periferiasasume distintas formas, asi como son diversas las disputas internas de cadapaís. Lo importante es percebir que se trata, en lo fundamental, de disputasintercapitalistas: el socialismo se encuentra todavía en un período de defen-siva estratégica.

En el caso de América Latina, por ejemplo, hace más de diez años laizquierda viene ampliando su participación en los gobiernos y enfrentandocon mayor o menor decisión el neoliberalismo, pero por todas partes elcapitalismo sigue siendo hegemónico.

Esto no impide a algunos sectores de la izquierda de apellidar el procesopolítico en curso en sus respectivos países con nombres combativos (dife-rentes variantes de «revolución»), ni impide a otros sectores de la izquierda«resolver» las dificultades objetivas acusando a los partidos gobernantes defalta de combatividad y de firmeza de propósitos, lo que sin dudas es verdaden varios casos. Pero, más allá de las traiciones, del voluntarismo y deldeseo, la verdad parece ser la siguiente: incluso donde la izquierda gobernantesigue fiel a los propósitos socialistas y comunistas, las condiciones materi-ales de la época en que vivimos imponen límites objetivos.

Esencialmente, tales límites constriñen a los gobiernos de izquierda, in-cluso a los políticamente más radicales, a recurrir a métodos capitalistaspara producir desarrollo económico, aumentar la productividad sistémicade las economías, ampliar el control sobre las riquezas nacionales, reducirla dependencia externa y el poder del capital transnacional, especialmenteel financiero. E, incluso, tales límites constriñen el financiamiento de laspolíticas sociales.

Cabe recordar que el capitalismo imperialista neoliberal provocó un re-troceso en el desarrollo económico latinoamericano. Una de las consecuen-

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cias políticas de ese retroceso fue la paulatina dislocación, a favor de laoposición de izquierda, de sectores de la burguesía y de las capas medias.Esa dislocación hizo posible la victoria electoral de los actuales gobiernosprogresistas y de izquierda, y generó gobiernos pluriclasistas, vinculadosgenéticamente a la defensa de economías plurales, con un amplio predominiode la propiedad privada, en sus variadas expresiones, incluso las máscontradictorias, como la propiedad cooperativa y el capitalismo de Estado.

Vale decir que esta situación no es contradictoria con una de las conclusionesque se pueden sacar de las experiencias socialistas del siglo XX: la socializaciónde las relaciones de producción depende de la socialización de las fuerzasproductivas. Y esta por su vez exige métodos capitalistas, con una intensidadinversa al nivel prévio de desarrollo económico.

Al llegar a este punto, podemos resumir lo dicho de la siguiente forma.En el año 1991, la izquierda latinoamericana venía de un doble proceso dederrotas: primero, la derrota del ciclo guerrillero de los años sesenta y seten-ta; después, la derrota del ciclo de redemocratización de los años ochenta.El fin de la URSS y el ascenso del neoliberalismo e un primer momentoacentuan la derrota, pero al cabo desenbocan en la abertura de un tercerperíodo, cuyo desenlace es distinto: se inicia en 1998 un ciclo de victoriaselectorales, que resulta en una correlación de fuerzas regional favorable,que aún se mantiene.

Las condiciones internas y externas que hicieron posible este ciclo devictorias permitieron a estos gobiernos, en un primer momento, ampliarlos niveles de soberanía nacional, democracia política, bienestar social ydesarrollo económico de sus países y poblaciones. Pero en lo fundamentalesto se hizo redistribuyendo la renta de manera distinta, sin alterar la ma-triz de producción y distribución de la riqueza.

En un segundo momento, las limitaciones de la propia matriz de pro-ducción y distribución de la riqueza, acentuadas por otras variables -políti-cas, ideológicas, estratégicas, económicas, sociológicas, geopolíticas- hacenque los niveles de soberanía nacional, democracia política, bienestar socialy desarrollo económico se mantengan dentro de límites más estrechos de loque esperados inicialmente por la izquierda, gobernante u oposicionista.

Estamos hoy en este segundo momento, que coincide con unagravamiento de la situación internacional, que repercute de dos manerasfundamentales sobre la región: por un lado, complica sobremanera la si-

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tuación de las economías que dependen del mercado internacional; porotro lado, aumenta la presión de las metrópolis sobre la región, concluyendoaquel período de cierta «desatención estratégica» que facilitó ciertas victoriaselectorales.

Las limitaciones internas y el cambio de ambiente externo tienden aagudizar el conflicto, dentro de cada país, no solamente entre izquierdas yderechas, sino tambien entre las fuerzas sociales y políticas que componenlo que llamamos izquierda(s); pueden, también, exacerbar algunas diferen-cias entre los gobiernos de la región.

Dicho esto: ¿cuáles son las perspectivas?Hay que considerar, en primer lugar, la incidencia sobre la región de

macro variables sobre las cuales no tenemos incidencia directa: la velocidady la profundidad de la crisis internacional, los conflictos entre las grandespotencias, la extensión e impacto de las guerras. Destacamos, entre las macrovariables, aquellas vinculadas al futuro de los Estados Unidos: ¿Recuperarásu hegemonía global? ¿Concentrará energías en su hegemonía regional?¿Agotará sus energías en el conflicto interno de su propio país?

Hay que considerar, en segundo lugar, el comportamiento de la burguesíalatinoamericana, en especial, de los sectores transnacionalizados: ¿Cuál essu conducta frente a los gobiernos progresistas y de izquierda? ¿Cuál es sudisposición con respecto a los procesos regionales de integración? ¿Cuál essu capacidad de competir con las burguesías metropolitanas y aspirar a unpapel más sólido en el escenario mundial? Del «humor» de la burguesíadependerá la estabilidad de la vía electoral y la solidez de los gobiernospluriclasistas. O, invirtiendo el argumento, su «falta de humor» radicalizarálas condiciones de la lucha de clases en la región y en cada país.

En tercer lugar, está la capacidad y disposición de los sectores hegemóni-cos de las izquierdas -partidos políticos, movimientos sociales, intelectualidady gobiernos.

La pregunta es: ¿Hasta dónde estos sectores hegemónicos están dispuestosy conseguirán rebasar los límites del período actual, y con qué velocidad?Dicho de otra manera, cuánto conseguirán aprovechar esta coyuntura po-lítica inédita en la historia regional, para profundizar las condiciones deintegración regional, soberanía nacional, democratización política, ampli-ación del bienestar social y del desarrollo económico. Y principalmente, sivan a lograr o no alterar los patrones estructurales de dependencia externay concentración de la propiedad imperantes en la región hace siglos.

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Considerando estas tres grandes dimensiones del problema, podemosresumir así las perspectivas: potencialidades objetivas, dificultades subjeti-vas y tiempo escaso.

Potencialidades objetivas: sin olvidar las alternativas negativas, el escenariointernacional y las condiciones existentes hoy en América Latina, en espe-cial en América del Sur, hacen posibles dos grandes alternativas positivas, asaber, un ciclo de desarrollo capitalista con trazos socialdemócratas y/o unnuevo ciclo de construcción del socialismo.

En cuanto a esta segunda alternativa, estamos, desde el punto de vistamaterial, relativamente mejor que la Rusia de 1917, que China de 1949,que Cuba de 1959 y que la Nicaragua de 1979.

Dificultades subjetivas: hoy, los que tienen la voluntad no tienen la fuerza,y los que tienen la fuerza no han demostrado la voluntad de adoptar, a unavelocidad y con una intensidad adecuadas, las medidas necesarias para apro-vechar las posibilidades abiertas por la situación internacional y por la cor-relación regional de fuerzas. Un detalle importante: no hay tiempo ni materiaprima para formar otra izquierda hegemonica. O bien la izquierda hege-monica que tenemos aprovecha la ventana abierta, o será la pérdida de unaoportunidad.

El tiempo está escaseando: la evolución de la crisis internacional tiende aproducir una creciente inestabilidad que sabotea las condiciones de actuaci-ón de la izquierda regional. La posibilidad de utilizar gobiernos electos parahacer transformaciones significativas en las sociedades latinoamericanas nova a durar para siempre. La ventana abierta a final de los años noventa toda-vía no se cerró. Pero la tempestad que se aproxima puede hacerlo.

Concluyo reafirmando que el juego aún no ha terminado, motivo por elcual debemos trabajar para que las izquierdas latinoamericanas, en especialaquellas que estan gobernando, y dentro de ellas la izquierda brasileña,haga lo que debe y puede hacer. Si ello sucede, podremos superar con éxitoel actual período de defensiva estratégica de la lucha por el socialismo. Enresumen, la ventana sigue abierta.

Contribución para el seminario del PT de México realizadoen marzo de 2012. La versión original de este texto hace parte

de la antologia La izquierda latinoamericana a 20 añosdel derrumbe, publicada pela editora Ocean Sul

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295Valter Pomar

Entrevista à Welttrends

Os movimentos sociais eram um fator político importante na lutapara que o PT e Lula ganhassem as eleições no ano 2002. Eles foram abase social para começar projetos de mudança no Brasil. Como foramjustificadas as esperanças e lutas dos movimentos durante o governo deLula?

Para responder a esta pergunta, é necessário lembrar que um movimentosocial é sempre um movimento político. Quando um setor social se movi-menta em luta por suas reivindicações, ele provoca reações políticas nosdemais setores sociais. Mesmo que as reivindicações não incluam nenhumademanda política, a mobilização em si é um ato político, mesmo que seusatores não tenham consciência disto.

Também para responder a esta pergunta, é preciso distinguir dois perío-dos. Um período começa no final dos anos 70 e vai até o final dos anos 80:é um período de fortes lutas sociais. Um segundo período começa no iníciodos anos 90 e de certa forma vem até hoje. É um período de descenso, derefluxos, de perda de intensidade das lutas sociais.

No primeiro período (anos 80), a luta político-eleitoral capitaneada peloPartido dos Trabalhadores capitalizou grande parte das lutas sociais dasclasses trabalhadoras e de outros setores (tais como jovens, mulheres e ne-gros, que são majoritariamente trabalhadores). Mesmo quando não haviaesta intenção, mesmo quando esta conexão era indireta, as lutas sociaisalimentaram, convergiram, se conectaram com as lutas político-eleitoraisprotagonizadas pelo PT.

No segundo período (anos 90), as lutas sociais foram reduzindo de in-tensidade. Mas isto não interrompeu o processo de formação de consciên-cia. O que antes seguia um percurso (muita luta social e depois voto noPT), passou a seguir outro percurso (menos luta social e mesmo assim votono PT), mas com o mesmo destino.

A questão é que este percurso era o de grande parte da classe trabalhado-ra, mas certamente não envolvia toda a classe trabalhadora. O que significadizer que não é ele que explica a vitória eleitoral da candidatura presidenci-al de Lula em 2002. Para que aquela vitória tenha sido possível, foi neces-

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296 Miscelânea Internacional – 1998-2013

sário um outro processo de consciência, este causado não pela luta social,mas sim pela decepção com o neoliberalismo.

Este segundo processo fez com que setores importantes da classe dospequenos proprietários urbanos, uma fração importante da classe trabalha-dora (composta por assalariados de alta renda e mesmo setores minoritáriosda burguesia) votassem em Lula. Somados aos setores da classe trabalhado-ra descritos nos parágrafos anteriores, constituiu-se uma maioria em favorde Lula.

Portanto, os setores da classe trabalhadora mobilizados, organizados ementidades de massa como a CUT e o MST, foram parte do processo queelegeu Lula em 2002, mas não foram a única parte.

Aqui é necessário deixar claro o que entendemos por “movimentos so-ciais”. Existem algum que confundem movimentos sociais com as organi-zações de massa. Os que pensam assim confundem o movimento dos sem-terra brasileiros com a organização MST; confundem o movimento dosestudantes universitários brasileiros com a organização UNE; confundemo movimento dos trabalhadores brasileiros com a CUT.

Esta confusão gera dois equívocos. O primeiro equívoco é confundir oponto de vista da maioria dos integrantes de um setor social, com o pontode vista da base de uma organização que tenta dirigir aquele setor social oucom o ponto de vista dos dirigentes daquela organização. O segundo equí-voco é não perceber que os movimentos são maiores e mais diversos que asorganizações. Por exemplo: há várias centrais sindicais e vários movimen-tos camponeses no Brasil. A CUT e o MST não são os únicos e nem sem-pre são hegemônicos. Além disso, há uma grande parte, geralmente majo-ritária, da base social que não se organiza e muitas vezes não se reconhecenas organizações, nem participa dos movimentos de luta.

Podemos dizer, por exemplo, que em 2002 uma parte significativa daclasse trabalhadora brasileira não estava em movimento (em luta), nemestava organizada. Parte importante destas pessoas não votou em Lula em2002. Mas votou em Lula em 2006, compensando a perda de votos quetivemos no primeiro turno das eleições presidenciais daquele ano, quandoparte dos setores médios e parte dos trabalhadores organizados se decepci-onaram conosco.

Feitas estas considerações todas, posso responder assim a pergunta feita:a base social das organizações de massa melhorou de vida durante os dez

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297Valter Pomar

anos em que um petista ocupa a presidência da República. Ao mesmotempo, a maioria dos dirigentes das organizações de massa têm uma posi-ção crítica sobre estes dez anos.

Qual foi a participação dos movimentos durante a reeleição de Lulano ano 2006?

O primeiro governo Lula foi um choque para muitos dirigentes de orga-nizações de massa, assim como para muitos dirigentes do PT. Apesar detodos os sinais em contrário, havia gente que imaginava que Lula iria darum “cavalo de pau em transatlântico”. Esta gente não percebia, inclusive, acomposição do voto que elegeu Lula em 2003, oriundo em boa parte desetores decepcionados com o governo neoliberal; setores que não eram osmesmos que haviam votado em Lula em 1989, 1994 e 1998. Ao não per-ceber a composição da votação de Lula, não percebiam adequadamente acorrelação de forças existente no país em 2003 e 2004. Por outro lado, osque estavam dirigindo o governo percebiam esta correlação de forças, masexageravam nas concessões aos novos aliados e nos agrados aos inimigos. Oresultado final foi um governo muito mais moderado do que o necessário euma decepção muito maior do que a inevitável naquelas circunstâncias.

Em decorrência disto, o que predominou num primeiro momento foi aexpectativa. Depois, a decepção de alguns setores (minoritários no conjun-to da classe trabalhadora e, também, minoritários nas organizações de mas-sa) gerou mobilizações contra o governo Lula, especialmente por parte dossindicados de trabalhadores nos serviços públicos.

Estávamos nisto quando o PT foi mal nas eleições municipais de 2004,perdeu a presidência da Câmara dos Deputados no início de 2005, a partirdo que teve início uma campanha de desestabilização por parte da oposi-ção, com o claro objetivo de derrubar o governo Lula.

Neste momento, a maioria dos dirigentes e militantes dos movimentossociais se mobilizaram fortemente em favor do governo. Que, por sua vez,iniciou uma inflexão em direção a uma política mais progressista, menosneoliberal, com menos concessões do que a predominante em 2003 e 2004.

Nas eleições presidenciais de 2006, finalmente, ocorre um fenômenocurioso. No primeiro turno, Lula perde os votos de parte dos setores médi-os e de parte dos trabalhadores que o haviam apoiado em 2002. Em com-pensação, recebe o voto de parte dos trabalhadores mais pobres que não o

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298 Miscelânea Internacional – 1998-2013

haviam apoiado em 2002 e que agora, depois de quatro anos de governo,votam nele maciçamente. No segundo turno das eleições presidenciais, di-retamente contra o candidato da direita, Lula recupera grande parte dosvotos que perdera e obtém uma vitória estrondosa.

Quem são os trabalhadores mais pobres? Em parte eram aqueles quenão faziam parte das organizações de massa, que não participavam doschamados movimentos sociais. Não foram organizados e politizados pelaluta, mas sim nos processos eleitorais. Podemos dizer que o movimentosocial e político deles seguiu um caminho diferente.

Ocorreram mudanças nas relações dos movimentos no governo de Dilma?Sim. Lula foi dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no final

dos anos 70 e início dos 80, fundador e dirigente do Partido dos Trabalha-dores, foi candidato nas eleições de 1982 (governador), 1986 (deputado),1989, 1994, 1998, 2002 e 2006 (em todos estes anos, à presidência daRepública). O grau de conhecimento, confiança, entrosamento entre Lulae amplos setores da classe trabalhadora é muito maior do que o de Dilma.

Isto impacta de diversas formas na relação entre o governo Dilma e osmovimentos. Na minha opinião, o impacto é estrategicamente positivo, poisreforça a idéia de que governo é governo, partido é partido, movimento émovimento, e que deve haver autonomia entre estas diferenças instituições.

Um papel importante jogou o Movimento dos Sem Terra. Foram rea-lizadas as exigências deste movimento para uma reforma agrária?

Claro que não. O Brasil nunca viveu uma reforma agrária que mereçaeste nome, ou seja, na qual os latifúndios são expropriados e a terra entre-gue aos camponeses. O que existe no Brasil é um processo de compra deterras: o Estado paga aos latifundários e entrega terra aos camponeses. Esteprocesso pode ser mais ou menos rápido, mais ou menos intenso, mas nãoé reforma agrária, pois ao pagar aos latifundários você está mantendo acorrelação de forças em termos de riqueza e poder, apenas trocando terrapor dinheiro.

Além de não ser reforma agrário, em termos quantitativos o processo dedistribuição de terras durante o governo Lula não experimentou um saltode qualidade em relação ao que ocorria nos governos neoliberais. Há umapolêmica sobre a quantidade de terra distribuída, mas mesmo se tomarmosos números fornecidos pelo próprio governo, maiores do que os números

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299Valter Pomar

aceitos pelo MST, ainda assim não se trata de um salto de qualidade. Nofinal das contas, como devido ao boom internacional de comodities, oagronegócio viveu um período de vacas gordas durante 2003-2007, o fatoé que a concentração de terras aumentou.

Mas atenção: se este fato irritou, com razão, a direção dos movimentossem-terra, isto não quer dizer que a base dos sem-terra e outros movimen-tos camponeses tenha se decepcionado com o governo Lula. Pelo contrário.O conjunto das políticas econômicas e sociais do governo, mais o apoiocreditício aos pequenos proprietários com-terra, mais as políticas sociaisdirecionadas aos sem-terra assentados, geraram um apoio muito forte aogoverno Lula na base camponesa. Noutras palavras: a crítica existente nasdireções das organizações não tinha grande respaldo na base social das or-ganizações.

Quais consequências tiveram os programas sociais realizados duranteo governo de Dilma nos movimentos sociais? Como se refletem as polí-ticas assistencialistas na situação social e política das camadas mais po-bres do povo brasileiro?

Para responder a esta pergunta, é preciso primeiro considerar o conjuntodos 10 anos de presidência petista (Lula+Dilma). Nestes dez anos, a vidado povo trabalhador melhorou. Mas isto não foi produto de políticas assis-tencialistas. A vida do povo melhorou porque houve crescimento econômi-co, mais empregos, aumento do salário mínimo e das aposentadorias, maiscrédito bancário para o consumo. Feitas as contas, as políticas assistencia-listas contribuíram, mas contribuíram percentualmente menos, para amelhoria da vida do povo.

O efeito prático disto é que a pressão por lutas sociais diminuiu. Claro:se a vida está melhorando, diminui a necessidade de mobilizações e greves.Isto tem impacto sobre o funcionamento, a motivação e a orientação polí-tica das organizações sociais de massa.

No governo Dilma, começa a ocorrer uma mudança. A vida continuamelhorando, mas a ritmos mais lentos. Esta redução no ritmo tem relaçãocom a crise internacional, com o esgotamento dos recursos estatais (semreforma nos impostos e sem reduzir o serviço da dívida pública, os recursosestatais não são suficientes para os investimentos necessários) e tambémcom a reação dos setores conservadores (que mantiveram no geral intacto

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300 Miscelânea Internacional – 1998-2013

seu controle dos meios de comunicação, da Justiça, maioria no parlamen-to, nos governos estaduais e municipais).

Esta nova situação começa a se refletir num crescimento da mobilizaçãosocial e numa atitude mais crítica e ativa por parte das organizações demassa.

Ao lado dos Sem-Terra existem outros movimentos, como o movi-mento dos quilombolas, dos indígenas e outros. Qual é a situação destesmovimentos na fase atual?

É bom lembrar que mais de 80% da população brasileira mora nas cida-des. O Brasil é um país capitalista, urbano, industrializado. Logo, para quehaja mudanças profundas, é preciso que haja movimento por parte da clas-se trabalhadora assalariada urbana. Os movimentos camponeses, os movi-mentos indígenas e outros movimentos de base rural têm importância, masrelativa.

No caso dos indígenas e dos quilombolas, ambos experimentaram gan-hos durante o governo Lula, especialmente sob a forma de demarcação dereservas e titulação de terras. Hoje está em curso uma contra-ofensiva dadireita. No caso dos quilombolas, por exemplo, o parlamento quer chamarpara si responsabilidades que eram do governo; e como o setor ruralista époderoso no parlamento, isto significa uma ameaça.

Qual é a perspectiva de uma relação progressista, nos próximos anos, entremovimentos e o governo?

Depende. Como disse antes, há movimentos e movimentos. E o gover-no, por sua vez, é uma coligação entre forças de esquerda, centro e atédireita. Não há nada garantido. Nós do Partido dos Trabalhadores traba-lhamos para que o governo atenda as reivindicações dos movimentos so-ciais vinculados a classe trabalhadora e aos pequenos proprietários campo-neses, com e sem terra, bem como as reivindicações do movimento demulheres, jovens, negros e LGBT, entre outros.

Este é a primeira versão de uma entrevistaconcedida a revista alemã Welttrends

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301Valter Pomar

Atilio A. Boron:um balanço equivocado

Acabo de receber um correio do Servicio Informativo “Alai-amlatina”,contendo artigo de Atílio A. Boron intitulado Foro de Sao Paulo: balancedesde Caracas.

Boron esteve presente, a convite dos anfitriões venezuelanos, na mesa prin-cipal do ato de encerramento do XVIII Encontro do Foro de São Paulo. Nãosei se esteve presente em outros Foros, não sei se participou de outros mo-mentos do XVIII Foro. O que sei é que seu balanço é equivocado.

Começo pelos equívocos factuais. Boron diz que no se entiende como lasautoridades del FSP le negaron el derecho a la palabra -¡no sólo el ingreso de laMarcha Patriótica como una organización política afiliada al foro, pese atodos los avales presentados por partidos políticos dentro y fuera de Colombia-a la Senadora Piedad Córdoba.

De fato, se fosse verdade, não seria compreensível. Mas o que diz Boronnão é verdade.

A Marcha Patriótica solicitou ingresso no Foro de São Paulo através decorreio eletrônico enviado na mesma semana em que realizou-se o XVIIIEncontro do Foro. As normas do Foro, normas que nos permitiram chegarinteiros até aqui, estabelecem que para uma organização ingressar, é neces-sário o consenso de todos os partidos nacionais, depois o consenso do Gru-po de Trabalho e depois o consenso da Assembléia do Foro.

Apesar da boa vontade geral, como o pedido foi feito demasiado tarde,não foi possível a todos os partidos colombianos responder a tempo seestão de acordo com a entrada da Marcha Patriótica. E sem o apoio explí-cito e formal dos partidos nacionais, onde existem, não há como aprovar oingresso de uma nova organização, seja qual for, tenha que avales tiver.

Boron diz que as autoridades do Foro (quem serão estas autoridades?)negaram à Piedad Córdoba o direito à palavra. Minha pergunta é: a quemela teria solicitado este direito? E quem teria negado? Aguardo que Boronresponda.

Até então, só posso dizer o que sei e o que presenciei, na condição desecretário executivo do Foro e de coordenador de várias das reuniões ocor-ridas durante o XVIII Encontro. E o que sei e o que presenciei é que, se ela

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302 Miscelânea Internacional – 1998-2013

tivesse solicitado, teríamos concedido a palavra, como concedemos a váriosoutros convidados.

Boron fala de argucias leguleyas, inadmisibles en una entidad que dice serde izquierda, nos privaron de escuchar su testimonio, lo que no pasó inadver-tido para el presidente Chávez. Mesmo que fosse verdade o que ele diz, sobreter sido negada a palavra, é assustador é ver alguém de esquerda escreveralgo deste naipe, como se Chavez fosse um bedel ou vigia noturno, e Boronseu estafeta. Definitivamente, erudição marxista e comportamento ade-quado são coisas distintas.

Boron também diz que otro tanto se hizo con los hondureños de Libertad yRefundación (LIBRE), partido que representa mejor que ningún otro laresistencia al gobierno de Porfirio Lobo. Simplesmente não entendo o queBoron quer dizer. De que otro tanto, de que exclusão ele está falando?

Para quem não está informado: durante a reunião do Grupo de Trabalhodo Foro de São Paulo, no dia 3 de julho, foi debatida a relação entre oLIBRE e o Foro de São Paulo. Formalmente, quem faz parte do Foro é aFrente de Resistência. Ficou decidido na reunião do GT que, tão logo oLIBRE solicite integração ao Foro, será integrado, mas que este pedidodeve ser feito por eles, uma vez que há setores que integram o Libre e nãointegram a Frente de Resistência. E o fato é que o LIBRE não fez chegar àsecretaria executiva do Foro sua solicitação de ingresso.

Portanto, tanto no caso da Colômbia quanto no caso de Honduras,Boron está na melhor das hipóteses mal informado. Nesses dois casos,seria útil que ele seguisse o conselho que dá ao Foro: uma discusión frater-nal pero profunda, sin concesiones, y a salvo de cualquier clase de trabas buro-cráticas o formalistas que la asfixien. Se ele tivesse perguntado a alguma das“autoridades do Foro” (ele deve conhecer quem são, já que as cita), teriadescoberto que as coisas não passaram-se como ele diz.

Minha impressão, contudo, é que Boron está mais preocupado em pon-tificar, do que em pesquisar. Sem contar que ele parece meio descontentecom o sucesso do Foro, motivo pelo qual se esforça em atribuir o sucessodeste XVIII Encontro a todos, menos ao Foro mesmo.

Boron diz que el balance final del cónclave es, en un cierto sentido, positi-vo, aunque en algunos aspectos que veremos a continuación hay muchas cosaspara mejorar. Positivo porque en el multitudinario evento se dieron cita unagran cantidad de partidos y movimientos que tuvieron la posibilidad de inter-

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303Valter Pomar

cambiar opiniones, comparar experiencias y realizar un rico y necesarioaprendizaje recíproco. Positivo también porque ante el conocido eclecticismoideológico del foro -del cual participan partidos que sólo por un alarde de laimaginación podrían categorizarse como de izquierda- el discurso de cierrepronunciado por el Comandante Chávez fijó una nueva agenda que los parti-dos y organizaciones del FSP deberían considerar muy cuidadosamente en suspróximos encuentros.

As frases anteriores contém dois raciocínios encadeados, um incorreto eo outro pior que isto.

O raciocínio incorreto está na crítica que Boron faz ao conocido eclecticismoideológico del foro -del cual participan partidos que sólo por un alarde de laimaginación podrían categorizarse como de izquierda. Quem diz isto sim-plesmente não entendeu nada acerca dos motivos pelos quais o Foro che-gou aonde chegou, 22 anos depois. Se o Foro não fosse “eclético”, políticae ideológicamente, ele seria mais uma destas “internacionais” estéreis querondam por aí. Por outro lado, o fato de ser “eclético” não impediu o Forode manter uma atitude essencialmente correta ao longo de duas décadas, oque é tempo suficiente para testar a consistência de certas idéias e iniciati-vas.

Pior que incorreto é dizer que Chávez teria fixadouna nueva agenda quelos partidos y organizaciones del FSP deberían considerar muy cuidadosamen-te en sus próximos encuentros. Pessoalmente, concordo com algumas coisas ediscordo de outras coisas que Chavez disse no seu discurso final. Mas ésimplesmente falso dizer que ele colocou uma nueva agenda. Os temas queChavez tratou fazem parte do debate do Foro, há muito tempo. Inclusivealgo que Boron faz questão de omitir, que é a necessidade de ir além daesquerda.

Por exemplo: Boron diz que más allá de la crítica necesaria al neoliberalis-mo y su todavía hoy pesada herencia, el problema es el capitalismo, lo que hayque vencer y subvertir es el capitalismo. Verdade. Tanto é verdade, que aDeclaração final do XVIII Encontro fala diretamente de socialismo. E istonum foro “eclético”, onde nem todos os integrantes são socialistas!!

Portanto, é uma besteira dizer que isto seria uma das principales debili-dades teóricas de la Declaración de Caracas aprobada por el FSP. Debilidadehaveria, isto sim, se a Declaração final gastasse 99% do seu tempo falandodo socialismo e apenas 1% apontando como enfrentar o capitalismo neoli-

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304 Miscelânea Internacional – 1998-2013

beral e o imperialismo. A Declaração indica as tarefas políticas fundamen-tais do período; sem vencê-las, o socialismo, a integração e o combate aoneoliberalismo ficarão apenas na retórica.

Acontece que Boron parece ter uma péssima impressão acerca das orga-nizações que integram o Foro. Segundo sua caricatura, somos partidos queacreditam que o socialismo cairá del cielo como producto de un determinismoeconómico, sino por la intervención del plural y heterogéneo sujeto revolucio-nario. Também segundo sua caricatura, somos organizações que não sabe-riam o que fazer, no dia seguinte ao XVIII Encontro.

A caricatura é tão ridícula, que Boron toma o cuidado de atribuí-la aChávez. Fico simplesmente envergonhado quando vejo alguém de tão lar-ga trajetória como Boron, usar deste tipo de expediente retórico para toni-ficar suas posições.

Se Boron fosse menos mal-humorado com o Foro, se tivesse um pingoda tolerância que predica aos outros, se tivesse perguntado a opinião dequalquer um dos integrantes do Grupo de Trabalho, teria descoberto queuma de nossas preocupações centrais consiste exatamente em aumentarnossa organicidade. O problema é que isto é fácil de dizer, mas muitodifícil de fazer.

Não sei qual a experiência prática de Boron, como dirigente político-partidário. O que sei, a partir da minha experiência no PT e no Foro deSão Paulo, é que nós não estamos desentendiéndonos alegremente de la deci-siva problemática de la organización. O que ocorre é que a decisiva proble-mática da organização, numa instituição internacional e plural como o Foro,é muito mais complexa do que numa organização nacional. Além do mais,nem sempre os que falam em organização são os mais bem sucedidos emtermos organizativos.

Boron simplica tanto o problema, que chega a confundir as situações doForo de São Paulo e do Foro Social Mundial. A comparação entre uma eoutra não faz o menor sentido, até porque no FSM os partidos são recusa-dos e a hegemonia é de grupos que por princípio são contra a definição deprioridades político-programáticas.

Haveria outras coisas a dizer, acerca do balanço feito por Boron.Vejamos o que ele diz sobre o Haiti, por exemplo:La declaración aprobada

en Caracas condena las tentativas golpistas en contra de Evo Morales, MelZelaya, Rafael Correa y la más reciente contra Fernando Lugo. Olvida señalar,

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305Valter Pomar

lamentablemente, el golpe perpetrado contra Jean-Bertrand Aristide en Haití,en el año 2004. Falla grave porque no se puede disociar este olvido de ladesafortunada presencia de tropas de varios países latinoamericanos –Brasil,Chile, Argentina, entre otros- en Haití cuando en realidad lo que hace falta enese sufrido país son médicos, enfermeros, maestros.

Talvez Boron não saiba, mas as Declarações finais são consensuadas nasreuniões do Grupo de Trabalho. Do qual participaram, neste XVIII En-contro, dirigentes haitianos. Que apresentaram uma resolução, aprovadaem Plenário, acerca da situação do Haiti. É legítimo debater se esta resolu-ção e a Declaração deveriam ou não fazer referência a derrubada de Aristide.Mas beira a má fé vincular este suposto olvido a desafortunada presencia detropas de varios países latinoamericanos –Brasil, Chile, Argentina, entre otros,omitindo quem são estes outros, omissão (mais que olvido) que serve parareforçar uma insinuação que Boron deveria explicitar, para que o debatepossa ser feito a claras.

Para que não me acusem também de mal humor, reconheço que Borontem razão quando reclama que poderíamos ter incluido na Declaração aexigência del cierre de las bases militares que se extienden por toda AméricaLatina y el Caribe. De toda forma, o tema (inclusive seus desdobramentoscolombianos) foi largamente tratado em vários momentos do Foro, inclu-sive num taller e num seminário. Reconheço, também, que a frase acercados limitados logros dos TLCs permite mesmo dupla interpretação.

Concordo, finalmente, que vivemos um momento em que amoderação, lejos de ser una virtud se convierte en un pecado mortal.Aliás, aprecio muito a recomendação de “audacia, audacia, audacia”. Quetal frase tenha sido dita por Danton comprova, de quebra, que nem todoradicalismo verbal é consequente.

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306 Miscelânea Internacional – 1998-2013

O PT e o Foro de São Paulo

O XVIII Encontro do Foro de São Paulo foi realizado entre os dias 3 e 6de julho de 2010, na cidade de Caracas (Venezuela). Participaramdelegados(as) e convidados (as) de mais de cem organizações, em sua mai-oria latino-americanas e caribenhas, mas também europeias, africanas easiáticas.

O PT participou com uma delegação integrada, entre outras pessoas,pela secretária de Relações Internacionais (SRI), Iole Iliada; pelo secretáriode Movimentos Sociais, Renato Simões; pelo secretário nacional de Cultu-ra, Edmilson Souza Santos; pelo secretário nacional de Juventude, Jeffersonde Lima; pela secretária nacional de Combate ao Racismo, Cida Abreu;pela secretária nacional de Mulheres, Laisy Moriére; por vários membrosdo Diretório Nacional, entre os quais Joaquim Soriano, José Dirceu e LuizDulci; por integrantes da equipe da SRI e da Fundação Perseu Abramo; etambém pelas senadoras Ana Rita (ES) e Angela Portela (RR).

O partido também contribuiu com a distribuição, a todas as delegaçõesque assistiram ao XVIII Encontro, de uma revista de 44 páginas, comtextos em espanhol, sobre o Brasil, os governos Lula e Dilma, os diversosaspectos da ação partidária e, ainda, com nossa opinião sobre a conjunturalatino-americana. Por fim, durante a plenária de encerramento, coube aLuiz Dulci apresentar o vídeo com a mensagem do companheiro Lula aoXVIII Encontro do Foro de São Paulo. Lula fez um balanço da trajetória daesquerda latino-americana e caribenha agrupada no Foro e declarou, comtodas as letras, que a vitória de Chávez será uma vitória do conjunto daesquerda regional.

A memória do encontro será divulgada, incluindo as atas das reuniõesdo Grupo de Trabalho e das três secretarias regionais (Cone Sul, Andino-Amazônica e Meso-América e Caribe), a síntese das catorze oficinas, trêsencontros (de jovens, de mulheres e de parlamentares) e dois seminários(um sobre governos e outro sobre descolonização), além do documento-base, as resoluções e moções, bem como a Declaração Final. Toda essadocumentação (incluindo vídeos) pode ser acessada nas páginas eletrônicasdo Partido dos Trabalhadores e do Foro de São Paulo.

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307Valter Pomar

Ainda no mês de agosto, o Grupo de Trabalho se reúne para discutircomo implementar o plano de trabalho aprovado, com destaque para asolidariedade com o povo, o governo e a esquerda venezuelanos, que cami-nham para vencer a eleição presidencial de 7 de outubro, mas enfrentamdesde já e seguirão enfrentando depois os ataques da direita local e doimperialismo estadunidense. A primeira atividade de solidariedade ocorreno dia 24 de julho, quando esperamos que em todo o mundo se promo-vam atividades em torno do aniversário de Simon Bolívar e de apoio àreeleição de Hugo Chávez.

A reunião do Grupo de Trabalho terá grande importância, porque alémdas tarefas imediatas discutiremos o próprio funcionamento cotidiano doForo de São Paulo. Criado no início dos anos 1990, noutra época histórica,o Foro possui debilidades organizativas que precisam ser urgentementesuperadas. Não é fácil fazer isso, entre outros motivos porque é e devecontinuar sendo um espaço plural, do ponto de vista político-ideológico.Portanto, soluções que poderiam ser cabíveis numa Internacional centrali-zada não são exequíveis num espaço com as características do Foro de SãoPaulo, que funciona na base do consenso, do respeito e da tolerância.

Algumas das ações e medidas necessárias já foram debatidas em reuniõesanteriores do Grupo de Trabalho:

1. A implementação de campanhas continentais e mundiais (por exem-plo, a campanha de solidariedade a Venezuela, que foi objeto de uma reso-lução específica do XVIII Encontro);

2. A solidariedade para com as organizações do Foro em determinadospaíses (os casos mais urgentes, nesse momento, são os de Honduras e Para-guai);

3. Sempre e quando solicitado pelas respectivas organizações nacionais,participar do debate e ajudar a enfrentar coletivamente os desafios locais (éo caso do Peru e de El Salvador, onde, por diferentes motivos, a presença doForo pode jogar um papel importante);

4. Ampliar o intercâmbio de ideias, de informações, de experiências e demilitantes entre as organizações integrantes do Foro de São Paulo (porexemplo, através de uma escola latino-americana);

5. Organizar de maneira mais sistemática o debate sobre os grandestemas estratégicos, como a natureza do capitalismo do século 21, o balançodas tentativas de construção do socialismo no século 20, nossos caminhospara o poder na América Latina etc.;

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308 Miscelânea Internacional – 1998-2013

6. Melhorar o funcionamento do Grupo de Trabalho, das secretariasregionais e da secretaria executiva (o que exigirá, entre outras coisas, quealguns partidos encarreguem dirigentes para cuidar especificamente dasquestões do Foro de São Paulo).

Essas e outras medidas com o objetivo de superar nossas debilidadesorganizativas devem respeitar uma cláusula pétrea: manter a natureza ori-ginal do Foro, ou seja, seu caráter plural e com decisões consensuais. Aexperiência dos últimos vinte anos mostrou que essa natureza não é umobstáculo nem para os avanços práticos, nem para os acertos teóricos. Emcontrapartida, há vários exemplos do fracasso de outras experiências inter-nacionais, mais centralizadas e homogêneas. Mas, nos últimos cinco anos,a experiência revelou que é preciso buscar mais consensos e fazer maioresesforços para levar tais consensos à prática.

Também nisso o Partido dos Trabalhadores está chamado a continuarjogando um papel importante no Foro de São Paulo. Hoje, por decisão doGrupo de Trabalho, o PT indica o secretário executivo do Foro. Caso apróxima reunião do GT mantenha essa indicação, o partido precisa res-ponder em dois sentidos: primeiro, ampliando os recursos humanos dispo-níveis para a tarefa; segundo, ampliando o intercâmbio entre os países daregião e o Brasil. O ideal é que o PT, além do secretário executivo e dasecretaria técnica, disponibilize mais três dirigentes, que possam acompa-nhar de maneira permanente as secretarias regionais: Cone Sul, Andino-Amazônica, Meso-América e Caribe. Esse reforço é indispensável para darconta das tarefas indicadas anteriormente e de outras que certamente serãoaprovadas na reunião do Grupo de Trabalho.

No terreno do intercâmbio, cito algumas iniciativas que podem ser ado-tadas: um plano de publicações, em português, sobre temas latino-ameri-canos e caribenhos (com destaque para as experiências dos governos pro-gressistas e de esquerda); um plano de publicações, em espanhol, das expe-riências e opiniões políticas do Partido dos Trabalhadores; o intercâmbiosistemático de delegações, especialmente entre jovens; e um plano de visitasde dirigentes petistas a todos os países da região.

A situação brasileira é pouco conhecida, o que colabora para uma leituraequivocada acerca do papel que nosso país joga na região. Por exemplo: areativação da IV Frota, o golpe do Paraguai e a tentativa de impedir aadesão da Venezuela ao Mercosul têm diversos objetivos e alvos. Mas está

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309Valter Pomar

claro para nós, embora nem sempre esteja claro para todos, o quanto adireita e o imperialismo consideram crucial cercar e recuperar o Brasil parasua órbita de influência.

Até por isso, o empenho do governo brasileiro para o êxito da integraçãoregional (por meio de organismos como a Celac, a Unasul e o Mercosul,entre outros) e o do PT para o êxito da esquerda regional (com o fortaleci-mento do Foro de São Paulo, por exemplo) constituem não apenas um atode solidariedade para com os demais, mas também atitudes que contribui-rão para o êxito do processo brasileiro.

O momento atual torna esse empenho ainda mais urgente. A principalcaracterística da conjuntura latino-americana continua sendo a forte pre-sença da esquerda, seja hegemonizando governos, seja protagonizando aoposição dos principais países da região. Mas também é verdade que, já háalguns anos, está em curso uma contraofensiva da direita e do imperialis-mo. Exemplo disso foi o que se passou em Honduras, mas também noPanamá, em Costa Rica e no Chile, para ficar apenas nesses casos. O ocor-rido no vizinho Paraguai confirmou aquilo que, a partir do Foro de SãoPaulo, temos alertado seguidamente: está em curso uma contraofensiva dasforças de direita, que é facilitada pelos efeitos da crise internacional, assimcomo pelas debilidades e contradições dos governos progressistas e de es-querda.

Sobre esse último aspecto, podemos dizer que a ofensiva iniciada entre1998 e 2002, com as eleições de Chávez e Lula, parece estar encontrandoseus próprios limites. E as forças de direita, não apesar da crise, mas exata-mente por causa da crise internacional, deflagraram desde a eleição de Obama(!) uma contraofensiva, que por enquanto vem nos golpeando nos elosmais fracos, como Honduras e Paraguai.

Quando no Foro de São Paulo começamos, há alguns anos, a falar dessacontraofensiva, não eram poucos os que discordavam, chamando atençãopara nossas fortalezas e avanços, assim como para as contradições no cam-po inimigo. Tudo verdade. Acontece que, mesmo nos marcos de uma con-traofensiva do inimigo, podemos obter vitórias – ainda que algumas pos-sam reacender velhos problemas, como em certa medida está se passandono Peru, após a vitória de Ollanta Humala. Também é verdade que asdificuldades e contradições no campo inimigo são imensas. Mas não seconfundam as coisas: a contraofensiva da direita faz parte do esforço delesexatamente para enfrentar suas crises e contradições.

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310 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Assim é que avançamos mais sob o governo Bush, do que sob o governoObama. Assim é que a crise na Europa produz resultados contraditórios,como ocorreu nas eleições francesas e gregas. Assim é que prossegue a esca-lada militar, com riscos cada vez maiores de Síria e Irã serem convertidospelo imperialismo no epicentro de um conflito de imensas proporções.Assim é, também, que voltamos a ouvir a palavra golpe no Cone Sul.

Esse debate de fundo, acerca da conjuntura internacional e latino-ame-ricana, tem relação com o que estamos vendo nas eleições 2012 no Brasil,tema que evidentemente escapa dos objetivos deste texto. Assim, cabe ape-nas reiterar o que já dissemos antes: o XVIII Encontro foi um grandesucesso, mas, para enfrentar a atual conjuntura, precisamos de mais e me-lhor Foro de São Paulo, e isso será tanto mais fácil de conseguir quantomais o PT possa contribuir.

Texto para a revista Teoria e Debate

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311Valter Pomar

Bom dia a todos e todas.Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite para o Foro de São

Paulo contribuir com a Universidade de Verão do PIE.Para aqueles que ainda não conhecem o que é o Foro de São Paulo,

recomendo ler dois textos: o Documento Base e a Declaração Final doXVIII Encontro do Foro de São Paulo, realizado de 3 a 6 de julho de 2012,em Caracas, Venezuela.

Estes dois textos foram traduzidos para o inglês e enviados para a orga-nização desta Universidade de Verão, para que fossem distribuídos entre osparticipantes.

Também solicitei que fossem distribuídos dois outros textos, igualmen-te traduzidos para o inglês: as resoluções do 4º Congresso do Partido dosTrabalhadores do Brasil, de cuja direção nacional eu faço parte; e um textode minha autoria, intitulado Una ventana abierta, em que apresento demaneira mais detalhada o que aqui vou falar de maneira mais resumida.

O tema desta nossa mesa é The crisis in Europa as a part of the globalcrisis.

Vou contribuir com este tema falando de três assuntos: como encaramosa crise global; como estamos reagindo a ela; e como estamos vendo a situa-ção na Europa.

Concordamos que se trata de uma crise global, ainda que ela não afetede maneira igual todas as regiões, países, setores sociais e dimensões da vidahumana. Vou resumir, a seguir, as principais variáveis que enxergamos nes-ta crise global.

Consideramos que se trata, em primeiro lugar, de uma crise do capitalis-mo neoliberal, ou seja, uma crise do padrão de acumulação capitalisa quese tornou hegemônico a partir da crise dos anos 1970.

Esta crise do capitalismo neoliberal se expressa e se traduz em diversascrises articuladas: financeira, comercial, ambiental, política, militar etc.Por razões de tempo, não vou abordar estes diferentes aspectos, mas ressaltoque é desta análise concreta que se pode extrair diretrizes políticas paraenfrentar a crise.

Rascunho da palestra feitana Universidade do PIE

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312 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A crise do capitalismo neoliberal se articula com outra variável: o deslo-camento do centro geopolítico do mundo, que parece estar se movimentodo Ocidente de volta para o Oriente, depois de pelo menos 500 anos.

Uma terceira variável da crise global é o declínio da hegemonia dos Es-tados Unidos. Evidentemente, declínio não é fim. Além disso, como esta-mos vendo, as classes dominantes dos Estados Unidos estão agindo agressi-vamente para tentar reverter este declinio: dentro do país, operando umgiro ainda mais reacionário, do ponto de vista social, político e ideológico;fora do país, lançando mão de seu aparato de mídia, do monopólio dodólar e da força das armas.

A crise global possui uma quarta variável, que é o conflito entre doismodelos de capitalismo: o de tipo neoliberal versus o capitalismo de Esta-do, conflito que visualizamos, ainda que de maneira imperfeita, no choqueentre a aliança Estados Unidos mais União Européia versus os chamadosBrics (Brasil, Rússia, India, China e África do Sul).

Ainda a respeito desta variável, quero destacar o seguinte: o principal con-flito existente hoje no mundo é intercapitalista, entre modelos distintos decapitalismo. A alternativa socialista ainda encontra-se num momento de de-fensiva estratégica e compreender isto é algo politicamente fundamental.

Uma quinta variável da crise global é a incerteza acerca de qual será seudesfecho. Na verdade, o desfecho está sendo construído na luta entre Esta-dos e, dentro de cada Estado, entre as diferentes classes sociais.

O pano de fundo desta luta remete para uma idéia clássica do marxis-mo: a contradição profunda entre o desenvolvimento das forças produtivascapitalistas, entre a capacidade da humanidade criar riquezas, versus o ca-ráter limitado das relações de produção baseadas na propriedade privada ena apropriação privada desta imensa riqueza.

Esta contradição profunda pode ser traduzida assim: os problemas sãocada vez mais globais e não serão resolvidos enquanto o poder estiver con-centrado nas mãos de um punhado de capitalistas, empresas transnacionaise uns poucos e poderosos Estados nacionais.

A incerteza acerca do desfecho da crise global resultado, exatamente, dainexistência de um poder capaz de construir tal solução.

Evidentemente, isto não será assim para sempre. O que está ocorrendoneste momento nos Estados Unidos, na Europa e no Oriente Médio fazemparte de um plano mais ou menos articulado de superação da crise, do

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313Valter Pomar

ponto de vista das classes sociais e dos países que dominaram e se benefici-aram do período neoliberal.

A questão é: as classes trabalhadoras e os países explorados conseguirãoreunir a força política necessária para vencer esta disputa? Entendendo aquivencer como 1) derrotar o neoliberalismo, 2) derrotar o capitalismo e 3)iniciar a transição para uma sociedade socialista avançada?

Evidentemente não temos como saber. Mas podemos dizer, com certeza,que o processo que está em curso na América Latina, desde 1998 e 2002, comas eleições dos presidentes Chavez e Lula, é um ponto de apoio para a luta dasclasses trabalhadoras e para a luta dos países explorados de todo o mundo.

Como podemos resumir o que está ocorrendo na América Latina?Sendo muito sintético, as forças que se opuseram ao neoliberalismo conse-

guiram conquistar vários dos principais governos da região; e onde não so-mos governo, nos convertemos geralmente na principal força oposicionista.

Graças a isto, houve uma mudança na correlação de forças na região quechamamos de América Latina e Caribe. Esta mudança tornou possívelampliar os níveis de democracia política e as condições sociais de nossapopulação. Ao mesmo tempo, ampliamos os graus de soberania nacional eintegração regional.

Evidentemente, tudo isto ocorre em meio a fortes contradições, de todotipo. Não estamos falando de processos perfeitos, destes que só existem noslaboratórios dos chamados cientistas políticos. Estamos falando de proces-sos reais, feitos por pessoas reais, nos marcos de uma correlação de forçasmundial ainda profundamente difícil para quem é de esquerda.

É preciso destacar, ainda, que desde a eleição de Obama, estamos so-frendo um forte contraataque por parte dos Estados Unidos e dos setoresconservadores de nossa região. Exemplo disto são as vitórias eleitorais dadireita na Guatemala, no Panamá, na Costa Rica e no Chile; assim comoos golpes em Honduras e Paraguai; ou ainda a recriação da IV Frota navaldos Estados Unidos, decisão que vinculamos a tentativa de controlar asreservas de petróleo da Venezuela e do Brasil.

Seja como for, a experiência da América Latina e do Caribe demonstramque é possível, mesmo nos marcos de uma situação global ainda muito difícilpara a esquerda, avançar, vencer, construir alternativas e projetar esperanças.

Por fim, estamos convencidos de que não venceremos sozinhos. Se nãohouver mudanças na correlação de forças em outras regiões do mundo, maiscedo ou mais tarde sofreremos um retrocesso na América Latina e Caribe.

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314 Miscelânea Internacional – 1998-2013

É por isso que o Foro de São Paulo está investindo na organização dosmigrantes latinoamericanos nos Estados Unidos e na Europa.

É por isto, também, que temos a expectativa de que a esquerda européiaseja capaz de defender o estado de bem-estar, seja capaz de defender asliberdades democráticas, seja capaz de derrotar a integração conservadoracontrolada principalmente pelo capital financeiro alemão e francês, sejacapaz de enfraquecer o imperialismo e o colonialismo europeu e seja capaz,principalmente, de fazer a classe trabalhadora se tornar novamente prota-gonista.

Por fim, gostaria de destacar que o tema central, do nosso ponto devista, está na política, na capacidade de reunir as forças sociais e políticas deesquerda em torno de um projeto político que ganhe o apoio da maioria dapopulação.

É isto que estamos fazendo na América Latina e, pelo menos até agora,temos conseguido progressos importantes.

Muito obrigado!

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315Valter Pomar

Como creo ser de vuestro conocimiento, estoy en Grecia representandoel Foro de São Paulo en la Universidad de Verano del PIE.

Por este motivo, y también considerando las tareas generadas por lasresoluciones del XVIII Encuentro del Foro, era mi intención dar por cerra-da mi participación en la polémica epistolar sobre el balance del Encuentrode Caracas.

Entretanto, por razones institucionales, tengo la obligación de aclararalgunas cuestiones.

En primer lugar: es obvio que la Declaración final del XVIII Encuentrodel Foro, así como todas las otras resoluciones y debates ahí realizados,contiene lacunas.

Pero el esencial es que las deliberaciones del Foro fueron excelentes yapuntan las batallas esenciales del periodo -entre las cuales resalto la defensade Venezuela, destacada por Lula en el mensaje enviado al Foro.

El esfuerzo que hacen algunos, en indicar la imperfección de los arbus-tos, impide ver la belleza del bosque.

En segundo lugar: como es obvio para quien conoce el mínimo funcio-namiento del Foro de São Paulo, no está al alcance de la SecretaríaEjecutiva aceptar o recusar disidencias, divergencias o polémicas.

El Foro puede discutir y revisar todo, a cualquier momento. A la Secre-taría Ejecutiva cabe respetar y hacer cumplir las normas y decisiones colec-tivamente adoptadas.

Por ejemplo: el orden del día de la plenaria final del XVIII Encuentrofue debatido y deliberado en el Grupo de Trabajo; y también fue el Grupode Trabajo quien deliberó quien sería responsable por la coordinación delacto de inauguración y del acto de clausura del XVIII Encuentro del Foro,inclusive la definición de quien sería invitado y quien hablaría.

En tercero lugar: referente al tema colombiano, reitero que no huboninguna falta de respeto a absolutamente nadie. Hubo sólo cumplimientode las reglas del Foro.

Reitero, también, que en ningún momento fui procurado por cualquierportavoz de la Marcha Patriótica, para pedir la palabra y/o presentar una

Polêmica epistolarA los integrantes del Grupo de Trabajo

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316 Miscelânea Internacional – 1998-2013

propuesta al Foro. La lectura atenta de lo que está escrito en la carta envi-ada por dirigentes de la Marcha lo deja evidente.

Sin embargo, lo que realmente importa es que: 1) la resolución aprobadapor el Foro de São Paulo acerca de Colombia expresa lo que todos pensa-mos; 2) hace poco el Polo Democrático Alternativo nos informó que aprobópor unanimidad la entrada de la Marcha en el Foro.

O sea: exceptuando malentendidos y disputas de protagonismo, no haydivergencias relevantes; talvez sea esto lo que frustre algunos.

En cuarto lugar: cuanto al tema hondureño, reitero que el Frente deResistencia es parte del Foro de São Paulo y el LIBRE podrá ser parte sisolicitar, lo que aún no ha hecho.

Es obvio que el GT podría haber incluido en la programación de laplenaria final una exposición sobre el tema hondureño y/o los camaradashondureños podrían haber solicitado la palabra al Grupo de Trabajo. Peroesto no ocurrió.

Hasta el momento, no recibí ningún mensaje de los camaradashondureños, dirigida al GT o a la Secretaría Ejecutiva, reclamando opidiendo aclaración.

De cualquier manera, me parece que la importancia conferida a Hondu-ras y a la Resistencia no se puede medir por el hecho de que le hemos dado ono el tiempo en la última sesión plenaria de este XVIII Encuentro.

Además de lo que se dice acerca de Honduras en las resoluciones delXVIII Encuentro, es bueno recordar el énfasis dado a la situación hondureñaen los Foros realizados en Buenos Aires y Managua.

Una vez más, como en el caso de Colombia, exceptuando malentendi-dos y disputas de protagonismo, la verdad es que no existe ningunadivergencia política acerca de lo que el Foro deliberó sobre Honduras.

A menos, por supuesto, para aquellos que deseen alentar diferencias queno existen.

En quinto lugar: el XVIII Encuentro dejó evidente la confluencia entre elForo y el proceso venezolano, entre el PT y el PSUV, entre Chávez y Lula.

Es por eso que, donde algunos ven en el discurso de clausura hecho porChávez una nuevaagenda, yo veo la misma agenda. Además, como dijo Lula,la victoria de Chávez es nuestra victoria.

Es cierto que hay, tanto en la derecha cuanto en la extrema izquierda,personas que nos prefieren enfrentados. Ellos quedarán hablando sólos.

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317Valter Pomar

En sexto lugar: la polémica es bienvenida y la trabaremos donde y cuan-do siempre hicimos, en el lugar y en la hora correctas.

Por supuesto, rechazando dos posiciones: 1) la sumisión intelectual delos que quieren se presentar como voceros de los liderazgos; 2) la actitudirresponsable de los que, en medio de la batalla, hacen ataques públicoscontra sus compañeros.

Y siempre buscando reafirmar determinadas ideas y profundizar deter-minadas reflexiones, que ya son parte de nuestro patrimonio común.

Por ejemplo: no es responsabilidad de los partidos cobrar del Foro SocialMundial que organicelas energías canalizadas hacia la conquista del poder.

Algunas debilidades del Foro Social Mundial no se refieren a la lucha porpoder, sino a algo más simple: transformar la dispersión de los debates enun programa unificado de movilización.

Otros ejemplos: es un error acusar al Foro de São Paulo de privilegiar demanera excluyente una sola forma de organización, el partido político, y unasola estrategia derivada de esa forma organizacional: la electoral; también esun error decir que los grandes avances democráticos de los últimos tiemposfueron resultados de arrolladoras insurrecciones populares y no del funciona-miento del sistema de partidos; igualmente equivocado es decir que el Forode São Paulo parte de la ingenua creencia de que el socialismo sobrevendrácomo la caída de una fruta madura o, peor aún, la cínica convicción de que elsocialismo es un proyecto que ya fracasó.

Quién dice esto no ha leído las resoluciones del Foro de São Paulo, nosigue nuestros debates y no ve nuestra acción.

Lo que ha ocurrido desde 1998 en América Latina fue el exito de varia-das combinaciones entre lucha social, lucha electoral, acción de gobiernosy acción de partidos. Estos partidos, a su vez, también son muy heterogéneos.

No hay que confundir estrategia electoral con estrategia que incorpora elelectoral. Y no nos iludimos acerca de la crisis del capitalismo y del neolibe-ralismo: por más profunda que sea la crisis, sólo serán superadas si la izqui-erda salir victoriosa en una batalla económica, política y cultural de largaduración. De lo contrario, el capitalismo puede sobrevivir, aunque a uncosto social enorme.

También por esto y para esto precisamos de organización, incluso departidos que, además de principios ideológicos, teóricos y estratégicos, tenganinteligencia táctica y organizativa.

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318 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Inteligencia, en nuestro caso, incluye la mejora del Foro de São Paulo,sin cambiar su naturaleza plural y consensual; sin confundirlo con unaInternacional centralizada; sin imaginar que el Foro reemplaza o se sobreponea los partidos que lo componen, muchos de los cuales cultivan otros espaciosde articulación internacional, con los cuales muchas veces el propio Forodebe mantener un intenso intercambio.

Este es el espíritu que, en mi opinión, debe servirnos de guía en laspróximas semanas, cuando el Grupo de Trabajo se reunir para debatir comoponer en práctica las resoluciones del XVIII Encuentro y como mejorarnuestros métodos de funcionamiento.

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319Valter Pomar

El XVIII Encuentro del Foro de São Paulo fue realizado entre los días 3y 6 de julio de 2012, en la ciudad de Caracas, Venezuela.

Participaron más de cien organizaciones, en su mayoría latinoamerica-nas y caribeñas, pero también europeas, africanas y asiáticas.

El Foro coincidió con el golpe en Paraguay y con la entrada de Venezuelaal Mercosur, episodios frente a los cuales hubo un alto nivel de coordinaci-ón entre los partidos del Foro, empezando por el PT de Brasil y el PSUV deVenezuela, vaciando el discurso común entre sectores de derecha y de ultra-izquierda, acerca de la existencia de “dos izquierdas” confrontadas y anta-gónicas en América Latina.

A este respecto, vale citar el mensaje grabado en video y dirigido porLula al XVII Encuentro. En dicho mensaje, Lula hace un balance positivode la trayectoria de la izquierda agrupada en el Foro y declara, con todas lasletras: Chávez, tu victoria será nuestra victoria.

En la página electrónica www.forosaopaulo.org.br está disponible laMemoria del XVIII Encuentro, incluidas las actas de las reuniones delGrupo de Trabajo, de las secretarías regionales Cono Sur, Andino-Amazónicay Mesoamérica y Caribe, la síntesis de los catorce talleres, de los encuentrosde jóvenes, de mujeres y de parlamentarios, de los seminarios sobre gobier-nos y sobre descolonización, el documento-base, las resoluciones y mociones,al igual que la Declaración Final.

Posteriormente al XVIII Encuentro, entre los días 17 y 19 de agosto de2012, el Grupo de Trabajo (instancia equivalente a la coordinación delForo) se reunió para planificar la implementación del plan aprobado,teniendo como puntos de destaque: el apoyo a la izquierda venezolana, enla elección presidencial de 7 de octubre; Ecuador, donde habrá eleccionespresidenciales en 2013; Paraguay, Colombia y Haití; la constitución desecretarías regionales del Foro en los Estados Unidos y en Europa; las rela-ciones de la izquierda latinoamericana con sus contrapartes en Medio Ori-ente y África del Norte, en el África Subsahariana y en Asia.

En la reunión del Grupo de Trabajo, se trabó un debate de fondo acercade los desafíos presentes y futuros del Foro de São Paulo.

La Internacionallatinoamericana e caribeña

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320 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Creado a principios de los años 1990, en otra época histórica, el Foropresenta debilidades teóricas, políticas y organizativas que necesitan serurgentemente superadas.

No es fácil hacerlo, entre otros motivos porque el Foro es y debe seguirsiendo un espacio plural, desde el punto de vista político-ideológico. Por lotanto, soluciones que podrían ser admisibles (aunque no fueran acertadas)en una Internacional centralizada, no son ejecutables en un espacio con lascaracterísticas del Foro.

Sin embargo, la coyuntura internacional y regional, así como los desafíosque enfrentamos en cada uno de nuestros países, exigen cambios urgentes.

La principal característica de la coyuntura latinoamericana sigue siendola fuerte presencia de la izquierda, ya sea hegemonizando gobiernos, ya seaprotagonizando la oposición de los principales países de la región.

Pero también es cierto que, desde hace ya algunos años, está en cursouna contraofensiva de la derecha y del imperialismo, que es facilitada porlos efectos de la crisis internacional, así como por las debilidades y contra-dicciones de los gobiernos progresistas y de izquierda. Un ejemplo de elloes lo sucedido en Paraguay, pero también en Honduras, en Panamá, enCosta Rica y en Chile, por mencionar tan solo estos casos.

Dicho de otra manera, la ofensiva iniciada entre 1998 y 2002, con laselecciones de Chávez y Lula, parece estar encontrando sus propios límites.Y las fuerzas de derecha, no a pesar de la crisis, sino exactamente a causa dela crisis internacional, han deflagrado desde la elección de Obama unacontraofensiva, que por ahora solo ha tenido éxito en los eslabones másdébiles.

Cuando en el Foro de São Paulo, hace algunos años, advertimos sobreesta contraofensiva, no fueron pocos los que discordaron, llamando laatención hacia nuestras fortalezas y avances, y a las contradicciones en elcampo enemigo.

Todo eso es cierto, pero ocurre que, incluso en los marcos de una contra-ofensiva del enemigo, podemos obtener victorias – aunque algunas puedanreencender viejos problemas, como en cierta medida está pasando en Perú,tras la victoria de Ollanta Humala.

También es cierto que las dificultades y contradicciones en el campoenemigo son inmensas. Pero no hay que confundir las cosas: la contraofen-siva de la derecha forma parte de su esfuerzo exactamente para enfrentarsus crisis y contradicciones.

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321Valter Pomar

Así fue como avanzamos más con el gobierno Bush que con el gobiernoObama. Así es como la crisis en Europa produce resultados contradictorios,como ocurrió en las elecciones francesas y griegas. Así es como prosigue laescalada militar, con riesgos cada vez mayores de que Siria e Irán seanconvertidos por el imperialismo en el epicentro de un conflicto de inmensasproporciones. Así es, también, como volvemos a oír la palabra golpe en elCono Sur.

Pasemos en revista los aspectos principales de la coyuntura y del períodohistórico en el que estamos.

El elemento principal es la crisis internacional. Se trata de una crisis delcapitalismo neoliberal, una crisis de larga duración, que alterna momentosagudos con períodos de aparente tranquilidad.

Su epicentro hoy está en Europa, pero su impacto es mundial, creandoun ambiente de inestabilidad económica, social y política, con repercusionesmilitares.

Las capas dominantes en Europa y Estados Unidos, hasta el presentemomento, consideran que la salida para la crisis es más de lo mismo, mo-tivo por el cual están patrocinando tanto el desmonte del Welfare State enEuropa, como operaciones militares en la periferia.

De no existir una alternativa políticamente poderosa, la opción de lascapas dominantes conducirá al mundo hacia más capitalismo y barbarie.

Por supuesto, no hay consenso acerca de la naturaleza de las alternativas,que van desde un capitalismo de Estado duro, pasando por la socialdemo-cracia clásica, hasta el socialismo anticapitalista. Y, cabe decir, las alternati-vas son políticamente más débiles allí donde la crisis es más fuerte.

Un segundo elemento, directamente conectado con el primero, es eldeclive de la hegemonía de los Estados Unidos.

Este declive es un fenómeno de prolongada duración y paradójicamentetiene que ver con el éxito de los EEUU en la “guerra fría”. Pero lo másimportante es el comportamiento de la clase dominante estadounidensefrente a esta situación. Sean cavernícolas como Romney o adeptos del “softpower” como Obama, todas las fracciones de la clase dominante en losEEUU comparten la obsesión de volver a liderar el mundo. Motivo por elcual acentúan el manejo de sus factores de poder: los medios, el dólar yespecialmente las armas. Lo cual empuja la situación mundial hacia unescenario de aún más inestabilidad, al mismo tiempo que sigue intocada la

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322 Miscelânea Internacional – 1998-2013

razón de fondo del declive – la pérdida de participación relativa de losEEUU en el PIB mundial.

Un tercer elemento de la situación mundial es un desplazamiento geo-político, del centro del mundo, hacia el Asia. Este desplazamiento se con-funde con la emergencia de los Brics y la polarización entre ellos y el núcleoanglosajón hegemonizado por el neoliberalismo. Tanto el desplazamientogeopolítico como la emergencia de los Brics son tendencias y por lo tantono son irreversibles. Incluso porque las Asias y los Brics son muchos: Bra-sil, China, India y Rusia tienen intereses y posibilidades contradictorios.

De todos modos, el desplazamiento y la emergencia de la multipolari-dad tienen, como consecuencia política, en este ambiente de crisis econó-mica y de decadencia de la potencia hegemónica, una inestabilidad creciente.

Supuestamente, un contexto de crisis e inestabilidad constituyen unaoportunidad para la emergencia de soluciones antisistémicas. Pero, si loviejo está mal de salud, lo nuevo aún tiene poca fuerza. La verdad es que,tomándolo globalmente, las izquierdas socialistas siguen en una situaciónde defensiva estratégica. Motivo por el cual pueden emerger solucionesreaccionarias.

Si bien el contexto global es éste, en la América Latina y Caribeña estamosen mejores condiciones, ya sea para manejar los efectos de la crisis, ya sea paraconstruir una alternativa sistémica al capitalismo, lo que ayudaría la izquier-da mundial a salir de esta situación global de defensiva estratégica.

Pero, y siempre hay un pero, la verdad es que en América Latina y elCaribe hay señales crecientes de agotamiento de las distintas estrategiasadoptadas, hasta ahora, por las distintas izquierdas. Y, no por coincidencia,está en curso una contraofensiva de la derecha.

Para superar los límites de las estrategias y para derrotar la contraofensi-va de la derecha, hay que profundizar el proceso de cambio; para ello siguesiendo necesario saber manejar el carácter desigual y combinado de la iz-quierda latinoamericana, que actúa en escenarios diferentes, con ritmos,programas y estrategias diferentes.

Las diferencias hacen que la integración regional sea el terreno común,el marco dentro del cual podremos articular los diferentes programas, estra-tegias, tipos y ritmos de la izquierda latinoamericana.

En pocas palabras, si no conseguimos éxito en hacer más rápida y pro-funda la integración, la contraofensiva de la derecha será victoriosa, total o

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323Valter Pomar

parcialmente. Y el ritmo y profundidad de la integración dependen, al me-nos en parte, de la voluntad política de los pueblos y gobiernos.

En un resumen esquemático: actuamos bajo condiciones objetivas queposibilitan y exigen más, pero las condiciones subjetivas que tenemos noestán a la altura, no nos permiten aprovechar adecuadamente las posibilidadesexistentes. Lo cual le está abriendo espacio a la ultraizquierda y principal-mente a la derecha.

Mejorar la inteligencia política y las condiciones orgánicas de funciona-miento del Foro de São Paulo es el equivalente partidario de lo quenecesitamos hacer en términos de integración regional: no resuelve todoslos problemas estratégicos/político-organizativos existentes en la región y/oen cada país, pero crea el ambiente en el cual mejor podemos resolver estosproblemas.

Cuando hablamos de mejorar el funcionamiento orgánico del Foro deSão Paulo, estamos por supuesto descartando la necesidad y la posibilidadde construir una institución paralela al Foro; y también negando la necesi-dad y la posibilidad de alterar la naturaleza del Foro.

El Foro de São Paulo debe continuar: articulando partidos políticos(manteniendo diálogo con los movimientos sociales, sin que estos movi-mientos sean miembros); siendo un Foro (y no un partido centralizado,pero es necesario extraer el máximo posible de unidad de acción); siendolatinoamericano y caribeño (y no mundial, a pesar de que debemos ampli-ar los contactos internacionales); siendo plural (conteniendo, en su interi-or, diferentes corrientes ideológicas y políticas, lo que no implica en vacilarfrente a los conflictos fundamentales).

Llegamos a las conclusiones arriba expuestas a partir de:H un diagnóstico político acerca del rol de los partidos y movimientos,

de la necesidad de instancias propias y de autonomía entre estos distintosinstrumentos de las capas trabajadoras. A ese respecto, cabe recordar quelos movimientos son fundamentales para ganar y para sostener, pero lospartidos son imprescindibles para gobernar y orientar estratégicamente.

H un análisis histórico de las llamadas Internacionales. Hay muchamitología al respecto, pero la relación entre el accionar práctico de las In-ternacionales y lo sucedido en los procesos revolucionarios no es fácil degeneralizar. Basta decir que la revolución rusa se hizo contra la opiniónmayoritaria en la Segunda Internacional; la revolución china tuvo éxitos

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324 Miscelânea Internacional – 1998-2013

cuando siguió un rumbo contrario a la opinión mayoritaria en la TerceraInternacional; y podríamos seguir listando.

H una mirada sobre los límites objetivos y subjetivos de construirproyectos centralizados supranacionales. La historia de la Tercera Interna-cional está llena de ejemplos de esto, desde la tentación de copiar modelos,hasta la centralización de facto por un partido hegemónico;

H la observación de las dificultades objetivas y subjetivas, en la actualcoyuntura, para crear una organización que articule las izquierdas de todoel mundo;

H y, por otra parte, la constatación de las potencialidades del cuadrolatinoamericano, que torna posible, necesaria y extremamente eficaz launidad en la diversidad que conseguimos construir en el Foro, por razonesque ya identifiqué en otro texto (Ensayo sobre una ventana abierta).

No basta, con todo, reafirmar al Foro de São Paulo como la mejor síntesisposible, en el actual cuadro histórico.

Hacerlo sería no percibir que hubo cambios impresionantes en la realidadobjetiva, y que tenemos un déficit teórico y político que rellenar; llenar estevacío exige que el Foro se convierta él propio en uno de los espacios paradebates políticos y teóricos de fondo.

Hacerlo sería, además, no percibir que, a pesar de estos cambios impre-sionantes en la realidad objetiva, que ampliaron la audiencia, el alcance y laextensión del Foro, seguimos funcionando de manera similar a la quefuncionábamos hace 10 ó 20 años.

Se hace necesario superar el modo de funcionamiento artesanal con elque nos seguimos manejando. Y que, es forzoso decir, es el modo de funci-onamiento de casi todos nuestros partidos.

Al mismo tiempo y paradójicamente, hay que reconocer que profundi-zar el debate de fondo y superar el funcionamiento artesanal puede generartensiones de nuevo tipo, que precisarán ser bien dimensionadas.

Un ejemplo de esto: necesitamos ampliar el diálogo y la articulaciónentre los partidos-que-hoy-están-en-el-gobierno, pero esto no puede im-plicar desconsiderar el rol de los partidos-que-hoy-están-en-la-oposición.

Desde un punto de vista práctico, mejorar el funcionamiento orgánicodel Foro significa dotarlo de instrumentos, de medios, de herramientas quenos permitan: a) perseguir los objetivos de largo plazo establecidos cuandode su fundación; b) implementar el plan de trabajo aprobado en sus encu-

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325Valter Pomar

entros y demás instancias deliberativas; c) actualizar permanentementenuestra acción, especialmente en vista de la contraofensiva deflagrada porla derecha, lo que incluye la capacidad de anticiparse a los movimientossubversivos.

Algunas de las acciones y medidas necesarias ya han sido debatidas enreuniones anteriores del Grupo de Trabajo:

1. La implementación de campañas continentales y mundiales (por ejem-plo, la campaña de solidaridad a Venezuela, que fue objeto de una resoluci-ón específica del XVIII Encuentro);

2. La solidaridad para con las organizaciones del Foro en determinadospaíses (los casos más urgentes, en este momento, son los de Honduras yParaguay);

3. Siempre y cuando sea solicitado por las respectivas organizacionesnacionales, participar del debate y ayudar a enfrentar colectivamente losdesafíos locales (es el caso de Perú y de El Salvador, donde, por diferentesmotivos, la presencia do Foro puede jugar un papel importante);

4. Ampliar el intercambio de ideas, de informaciones, de experiencias yde militantes entre las organizaciones integrantes del Foro de São Paulo(por ejemplo, a través de una escuela latinoamericana);

5. Organizar de manera más sistemática el debate sobre los grandes te-mas estratégicos, como la naturaleza del capitalismo del siglo 21, el balancede las tentativas de construcción del socialismo en el siglo 20, nuestroscaminos hacia el poder en América Latina etc.;

6. Mejorar el funcionamiento del Grupo de Trabajo, de las secretaríasregionales y de la secretaría ejecutiva (lo cual exigirá, entre otras cosas, quealgunos partidos encarguen a dirigentes la tarea de cuidar específicamentelas cuestiones del Foro de São Paulo).

Estas y otras medidas con el objetivo de superar nuestras debilidadesorganizativas deben respetar una cláusula pétrea: mantener la naturalezaoriginal del Foro, o sea, su carácter plural y con decisiones consensuales.

La experiencia de los últimos veinte años mostró que esa naturaleza no esun obstáculo ni para los avances prácticos, ni para los aciertos teóricos. Encontrapartida, hay varios ejemplos de fracaso de otras experiencias internaci-onales, más centralizadas y homogéneas. No obstante, en los últimos cincoaños, la experiencia ha revelado que es necesario buscar más consensos yhacer mayores esfuerzos para llevar a la práctica tales consensos.

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326 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Para concluir, una palabra sobre el papel del Partido de los Trabajadoresde Brasil. Nuestras resoluciones establecen un lugar muy especial para elForo de São Paulo. Por otra parte, por decisión del Grupo de Trabajo, el PTindica el secretario ejecutivo del Foro.

Pese a esto, aunque el papel de Brasil y del PT son reconocidos, la situa-ción brasileña es poco conocida, lo cual colabora para una lectura equivo-cada acerca del papel geopolítico de Brasil.

Por ejemplo: la reactivación de la IV Flota, el golpe de Paraguay y latentativa de impedir la adhesión de Venezuela al Mercosur tienen diversosobjetivos y blancos. Pero está claro para nosotros, aunque no siempre estáclaro para todos, cuánto la derecha y el imperialismo consideran crucialcercar y recuperar a Brasil para su órbita de influencia.

Incluso por eso, el empeño del gobierno brasileño para el éxito de laintegración regional (por medio de organismos como la Celac, la Unasur yel Mercosur, entre otros) y el empeño del PT para el éxito de la izquierdaregional (con el fortalecimiento del Foro de São Paulo, por ejemplo) cons-tituyen no solo un acto de solidaridad para con los demás, sino tambiénactitudes que contribuirán para el éxito del proceso brasileño.

Este debate de fondo, acerca de la coyuntura internacional y latinoame-ricana, guarda relación con lo que estamos viendo en las elecciones de 2012en Brasil, tema que evidentemente escapa a los objetivos de este texto. Así,cabe tan solo reiterar lo que hemos dicho antes: el XVIII Encuentro fue ungran éxito, pero, para enfrentar la actual coyuntura, necesitamos más ymejor Foro de São Paulo, y ello será tanto más fácil de conseguir cuantomás el PT pueda contribuir.

Texto para la revista Nueva Sociedad

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327Valter Pomar

Al compañero Gustavo CarvajalA los compañeros y compañeras presentes en el Encuentro de la

COPPPALMis atribuciones en la Dirección del PT, en este momento de la campaña

electoral, me impiden de estar con ustedes ahora. Pido vuestra comprensióny me pongo a la disposición para cualquier tarea deliberada por la COPPPAL.

Seguramente la compañera Laisy (que tiene la doble felicidad de estarahí, al mismo tiempo que eligió el alcalde de Goiânia ya en la primeravuelta) podrá dar más elementos sobre el proceso electoral brasileño.

De mi parte, me gustaría transmitir algunas ideas y informaciones, basadasen el debate trabado en este día 10 de octubre, en la reunión del DirectorioNacional del PT.

En el día 7 de octubre, el pueblo brasileño compareció a las urnas, paraelegir las autoridades ejecutivas y legislativas de cada uno de los 5567municipios brasileños.

En 50 municipios, habrá segunda vuelta el día 28 de octubre.El PT fue el partido más votado en la primera vuelta, obteniendo 17,2

millones de votos, sumando los que nos escogieron para gobernar y legislar,con aquellos que nos atribuyeron el rol de principal fuerza de oposición.

Elegimos ya en la primera vuelta 626 alcaldes y alcaldesas, entre loscuales 13 en ciudades con más de 150 mil electores.

Ampliamos nuestra presencia en los legislativos municipales, con másde 5 mil concejales.

Petistas disputan la segunda vuelta en 22 ciudades, entre las cuales SãoPaulo.

El resultado electoral del PT ocurrió a partir de una combinación defactores: la creatividad y pertinencia de las propuestas que presentamospara resolver los problemas de cada municipio; el ejemplo globalmenteexitoso de nuestros gobiernos municipales, estaduales y federal; el prestigiode nuestras candidaturas y liderazgos, con destaque para Lula y Dilma;nuestra capacidad de construir alianzas sociales y políticas, teniendo comoreferencia la base de apoyo de nuestro gobierno federal; y, como factor

Carta para a Copppal

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328 Miscelânea Internacional – 1998-2013

principal, destacamos el empeño, la persistencia y la combatividad de lamilitancia petista, millones de hombres y mujeres que, en sus locales deresidencia, estudio, trabajo y recreación, sostuvieron con convicción lasbanderas del PT.

Nuestro resultado en las elecciones municipales gana un significado aúnmas grande, cuando tenemos en consideración que fue obtenido en medio auna intensa campaña, promovida por la oposición de derecha y sus aliados enlos medios de comunicación, cuyo reto explícito es criminalizar el PT.

En Brasil, la oposición neoliberal (PSDB, DEM y PPS), todavía experi-mente crecientes dificultades, no está y nunca estuvo muerta, actuandorecíprocamente con el populismo de derecha, muchas veces travestido deiniciativas religioso-empresariales.

Las grandes empresas de comunicación hacen una campaña permanentecontra el PT y contra las ideas y prácticas da izquierda. Está cada vez másclaro que, o democratizamos la comunicación, o los monopolios de losmedios de comunicación seguirán amenazando la democracia.

La financiación privada de las campañas electorales sigue deformando lavoluntad popular. La reforma política sigue siendo un reto fundamentaldel PT en 2013.

No es la primera, tampoco será la última vez, que los sectores conserva-dores de Brasil demuestran su intolerancia; su falta de vocación democráti-ca; su hipocresía, los dos pesos y dos medidas con que abordan temas comola libertad de comunicación, la financiación de las campañas electorales, elfuncionamiento del judiciario; su incapacidad de convivir con la organiza-ción independiente de la clase trabajadora brasileña. Pero la voz del pueblosuplantó la de aquellos que vaticinaban la destrucción del Partido de losTrabajadores.

El voto popular trajo valiosas enseñanzas al PT, que deben ser debatidose incorporados por nuestra militancia, inclusive para garantizar un resulta-do victorioso en la segunda vuelta.

Daremos especial atención para conquistar el apoyo de cerca de unaparte importante del electorado brasileño, que en la primera vuelta seabstuvo, votó en blanco o nulo.

En la segunda vuelta, sin jamás perder de vista el carácter municipal delas elecciones, daremos seguimiento al debate entre diferentes proyectosnacionales, la defensa de nuestro Partido y de nuestras administraciones, aempezar por los gobiernos Lula y Dilma.

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329Valter Pomar

El resultado del PT en la primero vuelta de las elecciones municipalesbrasileñas, así como la victoria del Gran Polo Patriótico en las eleccionespresidenciales venezolanas igualmente realizadas el día 7 de octubre, con-firman la fuerza de la izquierda democrática, popular y socialista latinoa-mericana e caribeña. Ampliar nuestra victoria en la segunda vuelta es másuna garantía de que Brasil seguirá en el rumbo cierto, de paz, integración,bien estar social y desarrollo.

Un abrazoValter Pomar

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330 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, recebe o Fórum Social Mundialde solidariedade a Palestina. De 27 a 30 de novembro de 2012, milhares deinternacionalistas participarão de centenas de atividades, incluindo atospúblicos, debates, seminários e palestras, todas girando em torno de umtema: os direitos do povo palestino, a paz, a sua terra e a uma vida digna.Página 13 ouviu a respeito à opinião de dois dirigentes do Partido dosTrabalhadores: Valter Pomar e Ary Vanazzi. Pomar é membro do DiretórioNacional do Partido dos Trabalhadores e secretário executivo do Foro deSão Paulo. Vanazzi é prefeito de São Leopoldo e presidente da FAMURS.

Página 13. Vanazzi, o FSM mundial nasceu em Porto Alegre. Agora,Porto Alegre recebe esta edição dedicada aos palestinos. Nos diga, o queé que os gaúchos têm?

O Rio Grande do Sul é um estado muito politizado. Isto vem de antesda ditadura militar, vem de antes da República até. Olívio Dutra foi eleitoprefeito de Porto Alegre em 1988 e governador em 1998. Muitas políticaspúblicas consagradas, como orçamento participativo, tiveram origem aqui.Tanto a prefeitura, quanto o governo estadual compreenderam a impor-tância de sediar um evento como o Fórum Social Mundial, numa épocaem que muita gente ainda preferia ir a Davos, participar do Fórum Econô-mico Mundial. Com altos e baixos, esta tradição democrática, popular, in-ternacionalista, segue viva. E apesar das pressões do atual governo de Israel ede seus aliados, os gaúchos decidiram ser anfitriões deste grande evento desolidariedade a este povo cheio de esperança que são os palestinos.

Página 13. Pomar, à esquerda latinoamericana e o PT em particularsão muito apreciados noutras partes do mundo. Por quais motivos istoocorre?

Tanto a direita quanto a esquerda olham com atenção para nós. AtéObama chamou Lula de o cara mais popular do mundo... O fato históricoè que quando existe crise nas metrópoles, abre-se uma janela de oportuni-dades para nossa região. Na época da revolução francesa e das guerras

Vanazzi e Pomar falam da Palestina

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331Valter Pomar

napoleônicas, aproveitamos para fazer nossa independência. Na crise dos30, vários países deflagraram sua industrialização. Nos anos 70, ocorreu ocontrario, com ditaduras abrindo caminho para o neoliberalismo. Na criseatual, estamos tendo um ciclo de governos progressistas e de esquerda,indicando uma possibilidade, a de que nossa região seja um dos pólos dopoder mundial.

Página 13. Vanazzi e Pomar, a crise mundial do capitalismo tem im-pactado fortemente diversos países da Europa. Qual é a situação da Amé-rica Latina e do Brasil em particular?

Vanazzi. Na primeira onda da crise, em 2007, o Brasil reagiu muitobem. Não aceitamos fazer política de ajuste, não aceitamos reduzir o cres-cimento, não aceitamos produzir desemprego. Resultado, o Brasil cresceue muito. Agora, quando a crise se prolonga, a coisa esta mais complicada.

Valter. O que ocorre è que o prolongamento da crise nos afeta, assimcomo os remédios adotados pelos governos de direita. A recessão na Euro-pa e a impressão de dólares nos Estados Unidos afetam nossa economia.Por isto estamos crescendo menos. O grande desafio do governo Dilma éproteger a economia nacional e voltar a crescer muito, pois sem crescimen-to, não tem desenvolvimento.

Página 13. Pomar, dia 1 de janeiro de 2013 está aí. Serão 10 anos daprimeira posse de Lula. Como você avalia este período de presidênciapetista, especialmente no tocante a política externa?

A política externa do governo Lula foi extremamente positiva, baseadana integração regional, nas relações sul sul, na prioridade para a África, nabusca de uma nova ordem internacional, multipolar. Já a política internateve duas fases, ate 2005 predominou a herança maldita do governo FHC,a partir de 2006 fizemos uma inflexão desenvolvimentista. Mas o principaldo caminho ainda precisa ser trilhado.

Página 13. Vanazzi, você tem experiência como dirigente partidário,deputado, secretário de Estado e prefeito. Como você avalia a política derelações internacionais da esquerda brasileira, especialmente a do PT?

O PT é internacionalista desde que foi criado. Apoiamos a revoluçãosandinista, lutamos contra o apartheid, criticamos o que ocorria nos países

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332 Miscelânea Internacional – 1998-2013

do Leste Europeu, apoiamos nossos vizinhos que ainda viviam sob ditadura.A partir dos anos 1990, ajudamos a construir o Foro de SP. E uma décadadepois ajudamos a sustentar o Fórum Social Mundial. O desafio agora èfazer mais e melhor, pois do mesmo jeito que o Brasil e a América Latina, oPT è acompanhado com muita atenção e interesse pela esquerda mundial.

Página 13. Pomar e Vanazzi, e a Palestina? Pomar. O povo palestino tem direito a seu território, a sua nação, a seu

Estado. E tem o direito de viver em paz, sem ocupação, sem guerra, sem arepressão cotidiana a que os palestinos são submetidos pelo governo deIsrael e pelos seus aliados, em especial os Estados Unidos.

Vanazzi. O PT apóia a convivência pacifica e democrática entre os doisEstados, Israel e Palestina. Mas o governo de Israel faz de tudo para invia-bilizar o Estado palestino. Ocupa ilegalmente territórios palestinos, impe-de a Autoridade Palestina de funcionar, impede o reconhecimento da Pa-lestina pela ONU.

Página 13. Vanazzi e Pomar. Ceticismo ou esperança?Pomar. Esperança, sempre. Mas para ter esperança, é preciso lutar. Lutar

contra o governo de Israel, a direita sionista, os Estados Unidos, as monar-quias árabes, a direita européia e mesmo contra uma esquerda entre aspasque existe em todo o mundo, uma esquerda que esquece que na luta doopressor contra o oprimido, a gente sempre tem lado. Podemos vencer, sehouver muita solidariedade internacional.

Vanazzi. Também sou da turma da esperança. Agora, sou daqueles espe-rançosos céticos. A luta contra a ocupação israelense, pelo direito dos pales-tinos a terem sua própria terra, è uma luta que já durou e ainda vai durarmuitas décadas. Mas de uma coisa tenho certeza, só vamos vencer se opovo palestino estiver unificado. Se houver unidade entre os palestinos, avitória virá.

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333Valter Pomar

Buenas noches, compañeros y compañeras. Gracias por la invitación. Yotengo que ser muy sintético porque a las 9 en punto tengo que salir alaeropuerto. Entonces, voy a hacer mías las palabras de saludo de Javier, alas embajadoras, a los que están acá de los partidos, a todos ustedes; y voya dedicar mi tiempo sobre la situación internacional y sobre la situación enAmérica Latina; a partir del punto de vista que tengo, que es de la Secreta-ría Ejecutiva del Foro.

Lo primero que quería decir, ya lo hice hoy por la tarde, el escenariointernacional está cada día más complicado.

Miren lo que pasó en el congreso del PC chino. La prensa habló sobre lastensiones internas; pero lo fundamental son las conclusiones que el partidosacó y que van a ser reflejar el accionar de la potencia china en el próximoperiodo que no pretende hacer ningún cambio fundamental en su políticay; por lo tanto la tensión con Estados Unidos va a seguir.

Miren lo que pasó en las elecciones de Estados Unidos, donde Obamavenció con una ventaja popular muy chiquita y lo que significa que haciaafuera, hacia el mundo va a seguir con la política internacional muy dura,porque sin esto pierde apoyo interno. Y, política internacional muy durasignifica proseguir en la impresión de dólares y, principalmente proseguiren la presión militar sobre los países que no comparten la visión de EstadosUnidos.

Miren lo que pasa en Palestina, donde el gobierno de Israel, una vez más,se pone a hacer terrorismo de Estado contra civiles, a pretexto de los ataquesque sufre. Pero, es curioso que siempre el saldo de muertos sea que por cadaisraelí muerto, mueren 30, 40, 50 palestinos que no disponen de mediospara defenderse de las bombas, de los volquetes, de los ataques del gobiernode Israel. Y, miren lo que está pasando en las cercanías, en Siria y en Irán;donde está muy claro que Estados Unidos, Israel y algunas potencias europeas,tienen el plan de desencadenar algún tipo de ataque que puede ser simple-mente el origen de un conflicto militar de largas proporciones.

Y miren también lo que pasa en Europa. Europa fue durante muchotiempo presentada como el ejemplo de que el Capitalismo puede convivir

Lima, noviembre 2012

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334 Miscelânea Internacional – 1998-2013

con el bienestar social y con la democracia y, hoy por hoy, es un ejemplo detodo lo contrario. Es un ejemplo de una sociedad que está comandada porgrupos que defienden la austeridad como principio, que buscan desmante-lar el estado de bienestar social, que se oponen con desprecio a las decisio-nes democráticas. Siempre recuerdo la loca reacción de Sarkozy y de Merkelcuando, el entonces primer Ministro griego Socialista, pensó en hacer unplebiscito popular para que el pueblo griego decidiera sobre el plan deausteridad. Y, esto fue presentado como una locura. O sea, la cuna de lademocracia occidental no puede dejar que el pueblo decida sobre su desti-no. Entonces, si observamos estos 4 ejemplos: China, Estados Unidos,Palestina y Europa; podemos decir que la inestabilidad, la crisis sigue y seprofundizará en los próximos años. Lo que significa un escenario, por unaparte muy peligroso para América Latina. No debemos minimizar lospeligros de esta situación internacional. Pero, también significa una ventanaabierta para cambios en nuestra región; tanto cambios en términos de lasrelaciones de la región con el mundo, como cambios en términos de lasituación social interna de cada país.

Hablé hoy por la tarde y repito acá para ustedes:En los momentos en que las metrópolis están envueltas en crisis, también

fueran los momentos en que nuestros países aprovecharon la situación paraseguir adelante haciendo cambios. Fue así en la Revolución Francesa y lasguerras napoleónicas, fue así en los años 30; y puede pasar así ahora. O sea,nosotros tenemos que aprovechar la situación para profundizar el proceso deintegración y para hacer cambios en las estructuras de los países de la región.

Pero, hay que reconocer que no estamos más como estábamos en el2001, 2002, 2003, en un proceso de ofensiva de la izquierda regional.Nosotros tuvimos una etapa inicial que empezó con las victorias de Chávezy Lula, que fue una etapa de ofensiva de la izquierda Latinoamericana.Después tuvimos, desde la victoria de Obama, un proceso de contra ofen-siva de la derecha en escala regional, y hoy vivimos una situación y uncierto equilibro muy inestable entre la derecha y la izquierda. Pero, el equi-librio no les sirve. El equilibrio puede ser bueno tácticamente, pero, estra-tégicamente, el equilibrio es malo para las fuerzas que quieren cambiar el“statu quo”.

El equilibrio a largo plazo sirve a las fuerzas que quieren mantener el“statu quo”. Por eso, para nosotros es fundamental buscar maneras de cam-

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335Valter Pomar

biar la situación en favor de nosotros. ¿Cuáles son los puntos fundamenta-les que nosotros debemos prestar atención?

Primero, es necesario acelerar el proceso de integración regional.Está claro, clarito, que no hay salida para nuestros procesos nacionales.

Cada proceso tiene su particularidad, tiene su ritmo, tiene su programa,tiene su manera de accionar. Pero, no tenemos posibilidad de victoria aislada.O hacemos un proceso de integración que nos proteja a todos, o seremosderrotados uno a uno, separadamente.

En este sentido, es muy importante que dejemos claro que los procesosde integración regional se plasman en instituciones como la CELAC, comola UNASUR, como el ALBA, y no en instituciones como el denominadoArco del Pacífico que -en nuestra opinión-, es un instrumento de otroproceso, de otro proyecto; es un instrumento al servicio de otro tipo desociedad.

En segundo lugar, es fundamental ampliar el diálogo y la cooperaciónentre los partidos que integran el Foro de Sao Paulo, entre los movimientossociales que nosotros apreciamos, entre los pueblos de nuestros países.

Vamos a tener en enero, un encuentro del grupo de trabajo del Foro deSao Paulo en Quito. Vamos a tener en el próximo año, en Brasil, el XIXEncuentro del Foro de Sao Paulo. A nosotros nos gustaría hacerlo en Bolivia,pero los compañeros del MAS de Bolivia proponen que se haga en Boliviaen el 2014; pero será también un momento importante. Y, hay que tomareste tema de la cooperación entre los partidos del Foro como un tema muyen serio.

Hablo, por ejemplo de la situación en Paraguay. En Paraguay nosotrostuvimos un Golpe de Estado. Aún así, los partidos que integran la izquier-da paraguaya tomaron la increíble decisión de ir separadas. Y, van a concurrirseparadas en frentes distintos al proceso electoral. O sea, el tema de launidad de la izquierda sigue siendo fundamental y no es obvio, no es claroque todos compartan esto; porque, la dinámica política, muchas veces noshace maximizar las peleas que existen; que son reales.

En tercer lugar, nosotros consideramos fundamental no perder los espaciosque la izquierda conquistó de la derecha en los últimos años. El compañerode Alianza País ya habló de la elección cercana en febrero en Ecuador.Tenemos también, como lo dice el compañero del Frente Farabundo Martí,una elección que será muy difícil en El Salvador. Yo quiero dejar muy claro

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esto. Yo entiendo que será una elección durísima, porque en América delSur la influencia de Estados Unidos es menor; nosotros conocemos que esmenor, pero muy peligrosa. Pero, en América Central, ellos considerancomo su “quintal” (pateo trasero) y no omitirán ningún esfuerzo paraderrotarnos en El Salvador; por eso la solidaridad con la elección de Salva-dor Sánchez Cerén es, de verdad, fundamental. No es un tema cualquiera.

Nosotros tenemos Cuba, tenemos Nicaragua, pero El Salvador será unabatalla muy seria, muy dura, y que tenemos que dar atención.

Y, por supuesto, a nosotros no nos interesa perder el espacio conquistadopor la izquierda en Perú. Quiero decir con mucha tranquilidad para loscompañeros: a nosotros nos interesa que el Partido Nacionalista Peruanotenga una participación muy activa en el Foro de Sao Paulo. A nosotros nosinteresa que los compañeros de Ciudadanos por el Cambio ingresen alForo de Sao Paulo. Tenemos todo el interés en involucrar como fuere en lasolidaridad a la Alcaldesa de Lima, a Susana Villarán.

Y, no tenemos ninguna voluntad de que el gobierno de Ollanta Humalase aparte del proceso de cambio de América Latina.

Yo hablé a los compañeros hoy por la tarde y hablo de confianza con loscompañeros.

Vengo de un país, Brasil, que muchas veces se les ha presentado comoun país donde la izquierda gobierna, que hacemos cambios profundos ytodo lo demás. Pero, nosotros pasamos por una experiencia durísima en losdos primeros años del gobierno de Lula. No fue una experiencia fácil.

A fines del primer año de gobierno Lula, en 2003, la Dirección Nacionaldel PT se reunió para expulsar 2 diputados y un Senador que tenían unapostura crítica en relación al gobierno. Y yo, por ejemplo voté en contra dela expulsion, porque tenía la absoluta certeza que es un error hacerlo. Comose demostró que era un error.

En el 2004, nosotros enfrentamos una crisis profunda en el país. En el2005, ¿qué pasó? Es que la derecha -como yo siempre digo-, no nos faltanunca. Yo siempre hablo en broma que la derecha no nos faltará, la burguesíano nos faltará. Y no nos faltó en Brasil.

Cuando había una pelea muy dura dentro del gobierno de Lula, habíauna crítica profunda de sectores amplios de la izquierda, de los movimien-tos sociales contra las concesiones que el gobierno hacía a la derecha, a lossectores del gran capital. Lo que pasó es que la derecha, la derecha real, no

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hizo ningún caso de las concesiones y se puso un plan para derribar algobierno. Y hubo una reacción muy fuerte de los movimientos sociales, delas izquierdas, del PT.

Y, no solamente la derecha no consiguió derribar al gobierno de Lula,como el gobierno de Lula a partir del 2006 hizo una inflexión importantee hizo un gobierno mucho mejor, que es este gobierno que nosotros recor-damos cuando hablamos del gobierno de Lula y no de lo que pasó en losdos primeros años. Y digo eso sin la menor pretensión de comparar lasituación de Perú con la situación de Brasil, pero solamente para compartiruna experiencia personal que me demuestra que es muy importante noceder espacio al enemigo y sí combatir la pelea para mantener los espaciosconquistados.

E insisto que, nosotros hemos dicho directamente a las personas delPartido Nacionalista Peruano que dirigen el gobierno; que hay que mantener,en el mismo campo, el gobierno del compañero Ollanta Humala y lasfuerzas progresistas y de izquierda que fueron las que lo eligieron. Él sedebe mantener en este campo porque este es su campo; los otros no van ahacer caso en la próxima elección presidencial y sabrán de qué lado están.

El cuarto punto que quería hablar para ustedes, dice respecto al procesode paz.

A nosotros no nos interesa que América Latina sea campo de experimen-tos militares, de bases militares de la cuarta flota, de conflictos entre lospaíses de la región y; por supuesto, tenemos todo el interés que el procesode paz en Colombia tenga éxito. No será fácil, pero es fundamental que elresultado de las negociaciones que están en curso en La Habana sea laDeclaración de cese de la guerra y una paz justa, democrática y que permi-ta que el pueblo de Colombia decida libremente su destino y pueda cons-truir un destino progresista, democrático, popular y socialista para Co-lombia y sin guerra.

Y al final, y con esto yo concluyo, porque son las 9 horas y tengo queirme ya mismo.

Yo concluyo diciendo que el quinto punto… Hablé de acelerar el procesode integración. Hablé de ampliar el diálogo y cooperación entre los parti-dos del Foro. Hablé de no perder los espacios conquistados. Hablé delproceso de paz.

Y el quinto punto es la construcción de un pensamiento regional de

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izquierda, democrático, popular, socialista, de masas en Latinoamérica yEl Caribe.

Nosotros, muchas veces olvidamos que hace muy poco tiempo la izqui-erda fue declarada muerta y que la historia fue declarada cesada. Parece quefue en otro siglo. Fue en otro siglo, pero hace poco tiempo. Muy pocotiempo; y pasados 20 años, la izquierda sigue creciendo. Pero, ¡atención!

Los daños que nos causaron los últimos veinte años están lejos de sersuperados. Los daños materiales, porque se destruyó la economía y la soci-edad de muchos de nuestros países. Y, los daños culturales e intelectuales;porque las nuevas generaciones que están siendo formadas, que fueron for-madas en los últimos veinte años, fueron formadas en un ambiente intelec-tual, cultural y moral degradante. Y hay que reconstruir un pensamiento yuna cultura socialista, de izquierda, de masas, progresista, democrática,popular en Latinoamérica y El Caribe.

Y no se trata solamente de recuperar los libros viejos que son viejos y sonóptimos de leer. Eso no basta. Hay que construir un pensamiento nuevopara una época nueva en que estamos y hay que tener disposición de hacerlo.Lo que no es fácil. Porque, construir un pensamiento nuevo significa tenerapertura para debatir con mucha tolerancia, no solamente las viejas dife-rencias que tenemos entre nosotros y vamos a seguir teniendo por los pró-ximos cien años…

Yo siempre recuerdo la opinión de un chino sobre qué opinión él teníasobre la Revolución Francesa: él dice que “es muy temprano para decir,muy temprano”... Entonces, habrá mucho tiempo aún para pelearnos; pero,principalmente, tenemos que tener mucha paciencia y tolerancia para cons-truir un pensamiento nuevo que dé cuenta de comprender este capitalis-mo en que vivimos hoy. Que dé cuenta de hacer un balance del socialismoque tuvimos y que lo queremos construir. Y que dé cuenta principalmentede construir una estrategia que tenga éxito, porque a la larga lo que quere-mos es cambiar el mundo; no queremos ser oposición para siempre; noqueremos ser solamente gobierno. Queremos hacer un cambio profundoen las condiciones de vida de la humanidad.

Es esto lo que quería hablar para ustedes. Muchas gracias por la atención.Muchas gracias por la invitación y ¡Viva Perú!

Intervenção no ato político da SecretariaAndino-amazônica do Foro de São Paulo

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339Valter Pomar

MOISES ROCHA, Moderador, Secretario de Relaciones Internaciona-les del Partido Comunista Peruano.

En el programa de hoy en la tarde, vamos a tocar el punto de la ExperienciaBrasilera, estará a cargo del compañero Valter Pomar, miembro de la direc-ción nacional del Partido de los Trabajadores -PT de Brasil y SecretarioEjecutivo del Foro de Sao Paulo, tendrá 45 minutos para exponer el tema,después habrá dos comentarios, uno del compañero Eleazar Briceño, SubSecretario General del Partido Comunista del Perú Patria Roja y delcompañero Renán Raffo miembro de la Comisión Política del PartidoComunista Peruano. El compañero Valter Pomar tiene la palabra.

VALTER POMAR, Expositor:Buenas tardes compañeros y compañeras, yo quiero antes que nada hacer

un agradecimiento a los compañeros y compañeras de los partidos delForo de Sao Paulo-Perú por la invitación a participar en esta actividad,debo también hacer una presentación de mi mismo, que por una parte yase dice que soy el Secretario Ejecutivo del Foro de Sao Paulo, pero tambiénestoy acá en el cargo de representar al Partido de los Trabajadores de Bra-sil, así que en esta exposición que voy hacer acá y en la otra por la nochetengan seguro que voy hablar un poco en nombre de estas dos organizaci-ones; algunas cosas son mi opinión personal, creo que esto quedará muyclaro a lo largo de la exposición.

Yo repartí un pequeño libro, estaba en las sillas cuando ustedes llegaron,es una colección de artículos que escribí cuando estaba a cargo de la Secre-taría de Relaciones Internacionales del PT.

Algunos de los artículos están en portugués, otros en castellano, perocreo que de manera general como es una literatura política sea comprensibley en algunos de estos textos hay parte de los temas que voy a exponer acá,yo me había propuesto hablar de dos temas, de América Latina un pococómo está la situación en general y de Brasil en particular, la situación delgobierno y la situación de PT, pero como vamos a tener otra sección en lanoche, yo voy hablar poco de América Latina ahora para hablar más en lanoche, me voy a concentrar en Brasil en este momento, sobre el mundo y

La experiencia brasilera

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sobre América Latina quería hacer sólo cuatro flashes, para que tengan unpoco en cuenta la situación, nosotros tuvimos en los últimos treinta días,cuatro episodios muy marcados.

El congreso de Partido Comunista Chino, la elección presidencial enEstados Unidos, la cumbre de Cádiz que fue realizada en momentos demovilización de gremios -en general en muchos países-, de Europa y elataque del gobierno de Israel contra Gaza y todo lo que está pasando en la Región como la situación en Siria y la situación Iraní, esos cuatro aspectosconfirman que vivimos en un momento internacional de profunda crisis yde profunda inestabilidad internacional, que esto es al mismo tiempo muy peligroso, pero también abre una ventana de oportunidad muy im-portante para nosotros en América Latina, porque, fue exactamente enmomentos de crisis internacional profunda como esta que estamos viviendo,que Latinoamérica y el Caribe siguieron adelante.

Fue en la época de la Revolución Francesa y de las guerras napoleónicas,que acá tuvimos las independencias; fue en la crisis de los 30 que en muchospaíses tuvimos la industrialización; fue asi, aunque negativamente, en lacrisis de los 70, que nos encontró en un ciclo de dictaduras militares queabrieron paso al neoliberalismo; está siendo así en estos momentos, o sea,esta crisis internacional crea un ambiente que nos permite hacer dos cosassimultáneas, por una parte, cambiar las relaciones internacionales entrenosotros mismos, países de la Región y entre la Región y el mundo, cambi-ar las relaciones internacionales y al mismo tiempo hacer cambios socialesdentro de cada uno de nuestros países. Esta situación de crisis e inestabili-dad internacional abre la posibilidad de hacer cambios internos y externosmuy profundos.

Si nosotros miramos el proceso de cambio que estamos haciendo enLatinoamérica, lo primero a decir es que en un proceso muy reciente,nosotros lo colocamos en una fecha 1998 con la elección de Chávez yluego en 2002 con la elección de Lula, en ese cuatrienio empieza un proceso,o sea estamos en la mejor de las posibilidades con 12, 14 años de cambioque históricamente hablando es nada.

Es un proceso muy reciente, es un proceso también aún muy limitado,debemos dejar esto en claro. Una cosa es la pelea con la derecha en defensade nuestros gobiernos, cuando hacemos el trabajo de alentar lo bueno quehicimos y lo malo que ellos están haciendo, otra cosa es entre nosotros

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hacer una evaluación crítica, objetiva del proceso de cambio en Latinoa-mérica en este periodo de una década y media, insisto es un proceso aúnmuy limitado, no solamente desde un punto de vista temporal, sino tambi-én sobre otros puntos de vista, es limitado desde el punto de vista de lacapacidad de producción de riqueza en la Región, la Región Latinoaméricay Caribe tienen que ampliar mucho su capacidad de producción de riquezapara poder atender no solamente lo que hoy los pueblos necesitan, sinoprincipalmente lo que queremos que tenga.

Segundo, hay que cambiar mucho, y se cambió poco, lo que se produce,los países que están más avanzados desde el punto de vista de capacidadproductiva aún producen cosas que corresponden en general al americanway of life, digo el caso de Brasil, donde una de las principales industriasnacionales que tiene un papel fundamental en la dinámica económica delpaís es la industria de automóviles privados.

Lo tercero, además de cuánto se produce y de lo qué se produce, haytambién el cómo se produce, los procesos productivos en Latinoamérica yel Caribe causan un daño tremendo en los productores y en la naturaleza.

Además está la repartición de la riqueza, no solamente, cómo, cuál, cuántariqueza se produce, pero cómo se reparte la riqueza producida, la verdadque aunque en algunos de nuestros países los niveles de desigualdad hanbajado en general, las desigualdades en Latinoamérica y el Caribe siguensiendo de las mayores del mundo, lo que significa que la repartición de lariqueza producida está cambiando muy lentamente. Y, quién controla elpoder, y en nuestra Región siguen siendo en general las clases sociales queson propietarias de los medios de producción, mismo en los países dondefuerzas progresistas y de izquierda asumen el gobierno nacional, el poderreal el poder fáctico sigue en las manos de los de siempre, entonces esimportante tener en cuenta que el proceso de cambio en Latinoamérica eslimitado temporalmente y es muy limitado también en términos de sucontenido, no podría ser mucho más diferente, porque no vivimos en estos15 años un proceso de revolución política y social, y el sentido de lo que fuela Revolución Rusa, la Revolución China, de la Revolución Cubana,nosotros elegimos gobiernos más o menos comprometidos con el cambio,pero que tienen que actuar en una coyuntura internacional, una coyuntu-ra nacional y obedeciendo más o menos una institucionalidad que ponenlímites muy fuertes, que tienen sus orígenes en el hecho que son gobiernos

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elegidos y no en gobiernos que son productos de procesos revolucionariosclásicos.

El proceso de cambios que está en curso, hoy vive un momento de ciertoempate, de cierto equilibrio estratégico que no va a durar mucho, sea por-que nosotros vamos a volver a avanzar sea porque ellos pueden vencer enalgunos países que hoy nosotros gobernamos.

Bien esto es, hablo esto para empezar a hablar de Brasil, nosotrosgobernamos el país desde el 1ro. de enero de 2003, por lo tanto vamos a seren un par de meses 10 años de Gobierno Federal Nacional dirigido por unaalianza de partidos que tienen a su cabeza al Partido de los Trabajadoresexpresado primero por Lula y hoy por Dilma Rousseff, estamos por tanto auna década de gobiernos nacionales que tienen como protagonismo a laizquierda, pero que no son gobiernos de izquierda porque es importanteque quede claro son gobiernos de centro izquierda con aliados de derechaincluso, tampoco estos diez años fueron de un gobierno de la clase trabaja-dora y de los campesinos, el gobierno Lula y el gobierno Dilma es ungobierno no solamente políticamente plural pero también socialmente plu-ral, es un gobierno de alianza de clases entre un sector de la clase trabajado-ra, campesina y citadina y un sector medio y un sector de las capasempresariales del país, esto también es muy importante tener en cuentapara saber los logros y los límites de este gobierno concreto que estamoshablando.

Brasil, este país que estamos gobernando, es el mayor país de Latinoa-mérica y del Caribe, yo creo, tenemos 197 millones de habitantes más omenos, y tenemos un producto interno bruto importante y un grado dedesarrollo industrial también muy fuerte, producto de un siglo de acumu-lación, somos un país que tiene una fortaleza económica y una burguesíamuy poderosa, este es el país que nosotros gobernamos.

Que podemos hablar de la situación muy en general del país, primeroque tenemos desde el punto de vista de la capacidad productiva un retrasoimportante en el ámbito industrial y tecnológico, podemos decir que Brasilaunque tenga comparativamente a otros países latinoamericanos, unapotencia industrial muy fuerte, tiene un retraso en los términos de sucapacidad industrial y tecnológica y este retraso fue producido en la décadaneoliberal, en la década neoliberal se reestructuró el aparato estatal, sereestructuró y se demolió los aparatos que estaban involucrados en los

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trabajos de ciencia y tecnología aplicada, estimuló una cosa absolutamenteloca que es la privatización de estos institutos, de estas actividades quesolamente pueden tener un fuerte soporte estatal, hizo una apertura denuestra economía a la competencia industrial de otros países que desestimulóo destruyó parte de nuestra capacidad industrial, resultado de la décadaneoliberal, es como si se hiciera al país regresar 20, 30, 40 años de nuestrahistoria desde el punto de vista macroeconómico haciendo lo que el apara-to agro industrial, lo que nosotros denominamos agronegocio, asumieraun protagonismo que estaba perdiendo o sea antes del neoliberalismo, laindustria tenía más peso relativo lo que hoy, lo que significa que hubo unretroceso que nosotros estamos trabajando mucho para compensar, paravolver a tener una industria relativamente más poderosa y una capacidadtecnológica que sea top en comparación de otros países.

Una segunda característica es que aún predomina en nuestro país uninmenso grado de explotación, o sea la fuerza de trabajo es sobreexplotadacon jornadas largas, y con remuneración muy baja, o sea los capitalistasbrasileros como en muchas otras partes de Latinoamérica se aprovechanmucho de la plusvalía absoluta, de la sobreexplotación de la fuerza de tra-bajo y al mismo tiempo hay un inmenso desperdicio social, sea las tierrasque no producen alimentos, sea la infraestructura que dificulta el tránsitode las mercaderías de las personas, sea las debilidades logísticas del país, sea del grado de aglomeración de los grandes centros urbanos que tienen unimpacto también de la productividad global del país de la baja y así va.

Un tercer aspecto que es importante que quede claro para ustedes esque Brasil hoy tiene menos desigualdad social que teníamos en la épocaneoliberal, pero tenemos más desigualdad social que teníamos antes de laépoca neoliberal, o sea lo que conseguimos hacer o lo que estamosconsiguiendo hacer poco a poco es hacer con que Brasil regrese desde elpunto de vista de la igualdad social a la situación que tenía antes que losneoliberales llegasen al gobierno, pero recuerden nosotros como partidotenemos treinta años o sea creamos el PT para enfrentar los niveles dedesigualdad social que existían cuando lo creamos, desigualdad que seprofundizó en el periodo neoliberal y que acá estamos haciendo lo justopara regresar a los niveles existentes cuando creamos el partido para combatirla desigualdad que existía entonces, o sea es una situación que coloca en undilema muy importante para un partido de izquierda como somos nosotros,lo que haremos como gobierno después de esta operación inicial.

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344 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Ustedes conocen el tipo que tenía una sala muy chiquitita y la familia todareclamaba y el tipo trae un chivo, entonces todos pasan a reclamarle el chivo,entonces el tipo saca el chivo y todos las personas se ponen contentas.

Pero haciendo la comparación, la sala de nosotros era muy chiquitita,los neoliberales trajeron un chivo, nosotros como gobierno estamos sacan-do el chivo, pero cuando el chivo salga, la sala quedará chiquitita como eraantes y esto es un problema no es retórica, con las nuevas generacionesnosotros pelamos en las elecciones del 2002 para ganar la presidencia,decíamos en el 2006 queremos romper con el pasado neoliberal, cuandopeleamos las elecciones del 2010 y elegimos a Dilma decíamos no quere-mos volver al pasado neoliberal, pero cuando pelearemos la elección en el2018, 2014, el pasado seremos nosotros porque una parcela de la poblaci-ón que votará no había nacido cuando empezamos el proceso en ese mo-mento. Las personas no quedarán contentas con lo que tienen, quierenseguir adelante.

Un cuarto elemento que hay que tomar en cuenta es el tamaño de laizquierda brasilera, yo dije que nosotros gobernamos el país hace 10 años,pero en la elección municipal que tuvimos en octubre de 2010, todos lospartidos de izquierda sacamos menos del 25% de los votos, está claro, o seao, la izquierda brasilera en el mejor sentido de la palabra, el Partido de losTrabajadores, el Partido Comunista Brasilero, el Partido Socialista Brasilero,el Partido Democrático Laboralista, el Partido del Socialismo y de la Libertad,el Partido Socialista de los Trabajadores Unificado, el Partido de la CausaObrera y el Partido Patria Libre, todos estos partidos sumados de izquierdano llegamos más que escasamente al 25 % de votos válidos de los electores, lo que significa decir que la izquierda no es fuerza mayoritaria ni tampocohegemónica en la sociedad brasilera, cuando yo dije que el gobierno de Lula,como de Dilma no son gobiernos de izquierda en el sentido macro de lapalabra tiene que ver con esto, la fuerza de la izquierda brasilera es más omenos un cuarto del electorado nacional, y si nosotros analizamos la fuerzaque tenemos en la batalla de ideas, la fuerza que tenemos en los medios decomunicación, la fuerza que tenemos en las iglesias, veremos que es más omenos esto en todos los sitios y esto tiene que ver con tres.

El primero, que hubo un cambio muy fuerte en Brasil y en el últimoperiodo y en términos culturales y esto también afectó a la izquierda.

La izquierda fue en los años 60, 70, 80 y 90 una fuerza minoritaria

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345Valter Pomar

numéricamente, pero una fuerza de vanguardia que se proponía cambiosprofundos en el país y tenía la vanguardia del proceso de cambios y tomabauna actitud protagonista del debate de ideas.

En este periodo que estamos en el gobierno quien está ofensivo en labatalla de ideas y en el debate de los derechos reproductivos de las mujeresy el debate sobre la edad de penalización de los jóvenes y los debates religi-osos y muchos debates civiles y el debate sobre los más variados temas de lacultura de la ideología de la política, es la derecha, está en plena ofensiva deideas contra nosotros lo que es increíble, porque cuando teníamos menosfuerza, no estábamos en el gobierno, teníamos más capacidad ofensiva,más impacto y hoy pasa al revés y esto tiene que ver con dos cosas quequería destacar:

La primera es que la izquierda cuando llega al gobierno muy fácilmentecede a el pragmatismo y se coloca a “hacer las cosas” y el gobierno a “admi-nistrar”, a manejar lo cotidiano, pero nosotros no sólo queremos gobernar,queremos el poder y disputar el poder es disputar el imaginario futuro de lapoblación, disputar las grandes visiones del mundo de las personas. Laderecha nunca abre la mano, cuando gobierna, de hacer lucha ideológica,nunca, miren por ejemplo lo que pasa en España, el día de hoy que tene-mos un gobierno de derecha que está sacando derechos de la población,pero no abre la mano para hacer debate de ideas, miren lo que pasa en losEstados Unidos en que la derecha hace un debate ideológico brutal, brutal.

Entonces, el primer punto es que nosotros mismos, la izquierda tuvimosuna actitud tibia en el tema del debate ideológico después que llegamos algobierno.

Y, el segundo punto, es el más simple y complicado al mismo tiempo,nosotros tuvimos un gran éxito con el gobierno de Lula que se siguió conDilma de elevar el nivel de vida de parcelas expresivas de nuestra población.Nosotros tuvimos más de 30 millones de brasileras y brasileros que elevaronsus ingresos, mejoraron su condición de vida, pero qué paso, pasó que esaspersonas tuvieron un progreso material, pero no tuvieron un progreso equi-valente en términos de visión política ideológica y voy a clarificar con unosdatos que nosotros mismos hicimos.

En este sector social que cambió para mejorar la vida gracias a nuestraspolíticas, 70 % de estas personas que dicen que están mejor, que estánviviendo mejor, dicen que esto se debe a su esfuerzo personal no a las políti-

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cas públicas, mira son personas que cambiaron para mejorar sus vidas perogracias a lo que nosotros como gobierno hicimos, pero que no reconocenesto en los términos de la política y por tanto no están disponibles paraauto organizarse como trabajadores, por otra parte, están muy disponibles para aceptar orientaciones, por ejemplo de los sectores de derecha, de algu-nas iglesias brasileras que defienden la teología de la prosperidad, que es elesfuerzo individual que saca de la situación de la miseria y no la organiza-ción, la lucha política, el cambio social.

Entonces, primero el tema de la cultura en el sentido amplio de la palabra,la visión del mundo, la concepción del mundo, del debate cultural en elsentido más amplio de la palabra, eso tiene que cambiar, y esto tiene quever con una cosa que no hicimos tampoco, un amplio proceso de democra-tización de la comunicación social en el país, las estructuras que fomentanideologías, que difunden una visión del mundo siguen en las mismas ma-nos en lo fundamental.

Otro aspecto que explica este hecho raro, que nosotros tenemos laPresidencia de la República por tercera vez, pero en las elecciones, la izqui-erda en el sentido preciso tiene un cuarto del electorado nacional, es que losniveles de auto organización de las clases trabajadoras de Brasil no cambiaráncualitativamente, o sea el rol de los sindicatos, el rol de las centrales sindicales,de los movimientos sociales, de los movimientos barriales, de los movi-mientos juveniles, de los movimientos de mujeres, de los movimientos in-dígenas, de los movimiento de combate contra el racismo y todos los demásno sufrían un ascenso cualitativo después de una década de gobiernos,algunos dicen, los que nos critican como la ultra izquierda, dicen que estopasa porque el gobierno ha desmovilizado a la organización social, otrosdicen que esto pasa porque una parte de los dirigentes de los movimientosse fueron al gobierno, al parlamento, a la burocracia, pueden ser que lasdos cosas tengan algún grado de hecho, pero a mi juicio lo que de verdadtiene peso es el proceso de cambios que hicimos en Brasil desde queasumimos el gobierno empezó en una situación en que una gran parte de laclase trabajadora brasilera estaba profundamente golpeada por el neolibe-ralismo, e irónicamente esta parte golpeada, que tuvo una gran victoriaeligiendo a Lula, hace ingresar a la clase trabajadora un sector nuevo queestaba en el subproletariado que no tenía experiencia sindical, que no teníaexperiencia política y esto hace que surja hoy en Brasil una nueva clasetrabajadora, y que aún no sabemos como lidiar con ella.

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347Valter Pomar

Lo que en parte explica que los niveles de auto organización no hayansufrido un salto cualitativo después de una década de gobierno, lo que por suparte ayuda a entender que tengamos una especie de tope de crecimientoelectoral pero lo que hemos atendido en la elección presidencial y tomamoscomo criterio la votación que tuvimos para el Congreso Nacional, la Cámarade los Diputados Nacionales vamos a saber que en el 2002 cuando elegimosa Lula, en el 2006 cuando reelegimos a Lula, en el 2010 cuando elegimos aDilma nuestra bancada llevo más o menos el mismo tamaño, significa decirque hay una especie de techo invisible que para crecer más es necesario uncambio político cultural profundo, una democratización de medios de co-municación y en especial sería necesario un proceso de auto organización dela clase trabajadora independiente de los procesos electorales.

Nosotros no estamos teniendo el mismo avance que tuvimos en los años80 en términos de hacer control social en relación con el Estado, nosotrosen los años 80 creamos un método de presupuesto participativo paraposibilitar que la población en general, independiente de que partido fue-ra, independiente de estar organizado o no en movimientos sociales parti-cipe en la designación de las recetas de las alcaldias, lo que denominamos elpresupuesto participativo, un ejemplo principal de una serie de mecanis-mos que teníamos de control social del aparato del Estado, pues bien, losaños noventa y ahora el gobierno federal, nosotros tuvimos muchas experi-encias de gobiernos provinciales y ahora tres experiencias de gobiernosnacionales, pero no conseguimos mecanismos de control que tuviesen laeficacia de los presupuestos participativos, lo que significa decir que lamaquinaria del Estado funciona con las características clásicas de la maqui-naria anterior, que no fue creada por nosotros, que no fue creada paraservir a las mayorías.

Brasil es un país que tuvo un salto muy fuerte de crecimiento económicocasi todo el siglo 20, tuvo un salto muy fuerte en términos de crecimientoeconómico, industrial, tecnológico entre los años 30 y los años 80, hubomuchas crisis, muchos golpes de estado, dictaduras, hubo de todo, pero lalínea de crecimiento y desarrollo fue una constante lo que se peleaba erasobre qué desarrollo, en qué sentido, en beneficio de quién, pero nunca seabandonó la meta del desarrollo.

Cuando los neoliberales llegan al gobierno en los años 90, ahí sí, estameta se abandonó, los neoliberales son una fuerza política e ideológica

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348 Miscelânea Internacional – 1998-2013

contra natura en Brasil, comenzaron a sustentar la idea de que Brasil teníaque abandonar la obsesión por el crecimiento y tenía que contentar y bus-car un lugar en el mundo que sería un lugar periférico y punto, por estouna parte de la propia burguesía brasilera no estaba contenta de tener en elcomando del país un sector que tenía como fijación el no crecimiento.

Nuestra llegada al gobierno de Brasil no fue por lo tanto hasta ahora lallegada de una fuerza que tenga la capacidad de hacer reformas estructura-les o de construir un camino hacia el socialismo, nada de eso, lo que dehecho conseguimos fue recolocar el debate nacional en los términos clásicos,qué desarrollo? El tema es qué desarrollo y en beneficio de quién, integra-do a quién, con qué política internacional, con qué política social y este esel debate que está en curso en Brasil hoy y que debe estar en curso cada vezmás, el debate sobre la naturaleza del desarrollismo, el desarrollismo enBrasil fue en la mayoría de los tiempos un desarrollismo conservador o seaun desarrollismo que mantuvo el poder político concentrado en pocas manos,que mantuvo y profundizó la desigualdad social y que mantuvo una relaci-ón de dependencia con las metrópolis.

El desafío que nosotros tenemos como izquierda en Brasil es colocar a laorden del día el desarrollismo de otra naturaleza que sea democrático ypopular o sea que sea enfocado en la reducción de la dependencia, reducci-ón de la desigualdad y ampliación de la democracia, nosotros podemosdecir que hicimos una pequeña parte de esto, y aún siendo pequeña fuerecompensada por la población con tres victorias seguidas en las eleccionespresidenciales, lo desafío es que estamos en un momento internacional ynacional de impasse, lo que hicimos hasta ahora fue suficiente para recolocaren debate el desarrollismo, la naturaleza del desarrollismo, lo que está colo-cado para nosotros hoy es dar un paso adelante, debatir cuál desarrollismoe implementar medidas que nosotros en Brasil denominamos ReformasEstructurales, que puedan cambiar las estructuras económicas y políticasdel país.

No está dado que vamos a tener sucesos en esta tarea, que esto quedemuy claro, porque esta tarea de hacer un país democrática y popular, es latarea que hoy tiene el apoyo de un cuarto de la población. Nosotros tuvimosmayoría para hacer la otra tarea, que es empezar el olvido del neoliberalis-mo y colocar en la orden del día el desarrollismo, para esto tuvimos mayoríay lo hicimos relativamente bien, pero para la otra tarea el 25 % es muy

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349Valter Pomar

poco y por eso nuestro desafío hoy esta más en el terreno de la política, osea, como hacer que los partidos de izquierda, los movimientos sociales, lossectores progresistas, democráticos de la intelectualidad, nos coloquemosde acuerdo en términos de un programa de acción que posibilite haceralgo de calidad, hacer un saldo de la situación actual y que estamosimplementando políticas públicas para una situación futura que hagamosunas reformas estructurales en la sociedad brasilera y el desafío no funda-mental es político y concluyo apuntalando los dos temas de la política quemás nos preocupan:

El primero es el de la democratización de la comunicación social, losniveles de concentración de la comunicación en Brasil son brutales, comoen toda América Latina, nosotros tenemos más o menos seis empresas enBrasil que controlan casi todo lo fundamental y esto crea una situación enque estos actores tienen más fuerza política que las fuerzas sociales, tienenmás capacidad de accionar aliados, lo que les da legitimidad política, legalidadpolítica y haciendo esto con concesiones del Estado, conste que no estoyhablando de los propietarios privados de periódicos, sino de cadenas deradio y televisión que son concesiones públicas.

Y el segundo elemento es el de la ley electoral, que hace con que hoy laselecciones en Brasil tengan un dominio brutal del poder económico, lalegislación brasilera permite el financiamiento empresarial y hace que lascampañas electorales sean como torneos financieros y que fuerzas que notenían expresión social y política pasan a tener porque cuentan con el apoyode la plata de los sectores empresariales, para nosotros estos dos puntos sonlos que tienen que cambiar con mucha velocidad, para hacer la acumula-ción necesaria para cambiar lo demás.

Gracias!

Exposição feita no seminário da Secretaria Andino-Amazônica doForo de São Paulo, novembro de 2012, em Lima

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350 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Como você vê a contraposição entre o Consenso de Washington e opacto da nova governança global e desenvolvimento lançado por Lula?

O Consenso de Washington está ideologicamente desmoralizado. Mascontinua econômica e politicamente poderoso. As políticas de austeridade,de orientação neoliberal, continuam sendo hegemônicas na Europa, EUAe Japão. Tudo que atua no sentido de superar estas políticas é positivo.Mas, evidente, nem tudo que se propõe a superar o neoliberalismo, teráêxito, nem o fará em benefício dos trabalhadores. Uma parte da esquerdaeuropéia e brasileira, por exemplo, ataca o neoliberalismo, mas continuaprisioneira de conceitos e práticas herdeiras do Consenso de Washington.

O senhor poderia tecer considerações sobre a visão mundial sobre oLula como estadista, e a onda de ataques que ele recebe pela imprensabrasileira?

A imprensa brasileira é, majoritariamente, propriedade e porta-voz dasclasses dominantes. E a posição hegemônica das classes dominantes brasi-leiras, acerca do PT e de Lula, é “na falta de alternativa, suportar; aceitarjamais, e fazer tudo para que seja passageiro e não volte mais”. Fora do paísa visão é mais matizada. Mas não nos iludamos: Lula é elogiado comoestadista quando interessa, mas quando não interessa o atacam, como ocorreuno caso das negociações entre Irã, Turquia e Brasil.

À luz da favelização do mundo e sua mundialização do Brasil, qualimplicação traz à posição do Brasil no campo diplomático internacional?

Nosso governo deve trabalhar para que o Brasil lidere um bloco de paíseslatino-americanos e caribenhos. Devemos trabalhar, também, para que aintegração regional seja combinada com uma mudança profunda na or-dem econômico social de nossos países. E se preparar para enfrentamentoscada vez mais duros com os que se pretendem donos do mundo.

Como o senhor observa a proposta de Lula de retomar as Caravanasda Cidadania?

Respostas ao Tiago Aguiar

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351Valter Pomar

Acho bom que o Lula viaje o país. Mas, pensando estrategicamente, omais importante é que o PT e as demais organizações da classe trabalhado-ra se fortaleçam. Precisamos de mais petismo, mais cutismo, mais organi-zação e consciência de classe. O lulismo é importante do ponto de vistatático, mas o petismo é decisivo estrategicamente.

(http://www.tiagoazevedodeaguiar.net/2012/12/16/sobre-globalização-lulismo-e-o-petismo)

16 de dezembro de 2012

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352 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Vivemos um momento de crise. Crise econômica, social, política, mili-tar, ideológica, ambiental, energética. Alguns falam em crise civilizacional.

A crise não é igual para todos. Pessoas e países experimentam e reagem àcrise de maneiras diferentes.

Como serão as coisas depois da crise? Podem ser iguais, piores oumelhores, a depender das soluções que prevaleçam aqui e agora, hoje eamanhã.

Da reação que tenhamos frente à crise, pode surgir um mundo melhor.Nossa América Latina e Caribenha já deu vários exemplos de como as

crises podem ser momentos de mudança.Quando a Europa entrou em crise, na Era das Revoluções (1750-1850),

o Novo Mundo aproveitou para seguir um caminho próprio, através dasindependências.

Depois, as metrópoles européias e os Estados Unidos converteram nova-mente nosso território em fonte de riquezas, mercado consumidor e localpara exportação de capitais.

Antes colonialismo, agora imperialismo, as veias seguiam abertas.Quando veio a nova crise, entre 1914 e 1945, com direito a duas Guer-

ras Mundiais e uma grande depressão econômica, parcelas importantes danossa região conseguiram industrializar-se, buscando somar independên-cia política com independência econômica.

Na década de 1970, nova crise. Para enfrentá-la, os grandes capitalistasdeflagraram uma campanha ideológica, política e econômica cujo objetivoera desmontar todos os avanços e conquistas que os trabalhadores e ospovos haviam conseguido, depois de 1945.

A lista de vítimas do neoliberalismo é extensa: os países africanos quehaviam conquistado sua independência política, foram recolonizados eco-nomicamente; os países latinoamericanos envolvidos na crise da dívida ex-terna tiveram suas economias destruídas, privatizadas e saqueadas; na Eu-ropa, começou o desmonte das políticas de bem-estar social; e o socialismoexistente na URSS caiu sob o efeito combinado de seus próprios problemase dos ataques externos.

A Pátria Grande e a outra economia

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353Valter Pomar

Os neoliberais pensaram que este seria o fim da história. Mas desde2007 vivemos uma nova grande crise, com três dimensões: a crise do neo-liberalismo (ou seja, da economia controlada por grandes bancos e transna-cionais); a crise dos Estados Unidos (que como todo Império, chegou na-quela fase em que não consegue mais financiar os custos de sua própriamanutenção); e a crise do Velho Mundo (que desde 1500 hegemoniza omundo, mas agora está vendo o poder deslocar-se em direção à outras regi-ões do planeta Terra).

Esta crise pode constituir-se numa grande chance para a América Latinae Caribenha construir uma alternativa para si e ajudar a construir umaalternativa para o mundo.

Nossa região possui enorme potencial natural, aqüífero, biogenético,energético, humano, cultural, tecnológico e político.

Este potencial está distribuído por todo o território continental. Este éum dos motivos que tornam necessária a integração regional, através deinstituições como a Unasul e a Celac (Comunidade de estados latinoame-ricanos e caribenhos).

Precisamos de um modelo de integração que esteja à serviço de melhorara vida da maioria de nossos povos. Isto significa integração política e cultu-ral, mas também integração social e econômica.

Precisamos sair da situação atual, onde temos uma economia à serviçode gerar lucros para uma minoria, para uma economia organizada em tor-no do objetivo de elevar continuamente a qualidade de vida de todos.

Uma economia que coloque a riqueza produzida pela população latino-americana, à serviço dos que produziram esta riqueza.

Isto exige três grandes mudanças.A primeira mudança é acabar com a ditadura dos bancos e da especula-

ção financeira.No curto prazo, reduzir a taxa de juros e empurrar o capital especulativo

em direção ao investimento produtivo.No médio prazo, reformar o sistema financeiro, fortalecendo o setor

financeiro público, criando um banco público para financiar os pequenos/médios e democratizando o setor privado.

Democratizar o setor privado significa estabelecer um limite para o ta-manho dos bancos privados: o modelo atual, de poucos bancos gigantes-cos, deve ser substituído por um novo modelo, onde coexistirão váriosbancos públicos de grande porte e alguns bancos privados de médio porte.

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354 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A segunda mudança é acabar com o oligopólio das transnacionais (ou seja:um pequeno número de empresas, que controlam toda uma área econômica).

As transnacionais não têm compromisso com os interesses nacionais,nem têm compromisso com as necessidades populares.

Nas áreas essenciais para a segurança e o bem-estar da população – taiscomo a produção e distribuição de alimentos, saúde e produção de remédi-os, educação e comunicação, fornecimento de água e saneamento, telefo-nia e energia elétrica, gás e petróleo, entre outras- – é preciso ampliar apresença de empresas públicas, de empresas cooperativas, de empresas demédio e pequeno porte.

No médio prazo, precisamos reorganizar o parque produtivo nacional eregional. Precisamos de autonomia em todos os ramos fundamentais daindústria moderna, para não dependermos de outras regiões do mundo. Eprecisamos, também, de maior capacidade produtiva, para atender as ne-cessidades quantitativas e qualitativas do conjunto da população latinoa-mericana e caribenha.

A terceira mudança é realizar quatro grandes reformas estruturais: a re-forma tributária, a reforma agrária, a reforma urbana e a Consolidação dasLeis Sociais.

A reforma tributária visa adotar um sistema progressivo de impostos, ondequem tem mais, paga mais. E onde exista um imposto sobre grandes riquezas.

A reforma agrária, associada a maior investimento nos pequenos e médi-os proprietários rurais, visa ampliar a produção de alimentos, barateando opreço da comida para a maioria da população e garantindo os estoquesnecessários para que tenhamos segurança alimentar.

A reforma urbana visa diminuir o custo e melhorar a qualidade de vidados que vivem nas cidades (no caso do Brasil, 80% da população), atravésdo transporte coletivo, da garantia de habitação decente e da reconstruçãode nossas cidades.

A Consolidação das Leis Sociais permitirá a formação de uma populaçãopolitizada, solidária, profundamente culta e altamente produtiva.

De um lado, trata-se de universalizar as políticas sociais de saúde e edu-cação, cultura e esportes, comunicação, ciência e tecnologia.

De outro lado, a Consolidação das Leis Sociais significa ampliar os di-reitos do Trabalho: menor jornada de trabalho, maiores salários, aposenta-doria digna.

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355Valter Pomar

Para fazer as mudanças citadas acima, os países mais ricos da região(como Brasil, Argentina e Venezuela) terão que ajudar os países mais po-bres (como Paraguai e Nicarágua).

A integração é necessária para superar tanto as desigualdades sociais,quanto as desigualdades regionais. A integração também é necessária paraenfrentar a oposição política das grandes potências (como os Estados Uni-dos) e das classes dominantes de cada país da região, que lançam mão dediversos mecanismos para manter a sociedade funcionando a seu serviço.

Por tudo isto, a integração exige a formação de uma consciência latino-americana, democrática e popular, comprometida com um novo mundo.

Hoje, a maioria dos que vivem em nosso continente formam sua visãode mundo com base nas idéias difundidas pela indústria cultural, pelosgrandes meios de comunicação, pelas escolas tradicionais e por visões reli-giosas conservadoras. Além disso, a maioria trabalha submetida à uma dis-ciplina concebida exatamente pelos que controlam a sociedade que quere-mos mudar.

Para mudar isto precisamos de investimento público em cultura, demo-cratização da comunicação social, mudança no conteúdo dos currículosescolares e reforma política.

Se não fizermos isto, se nos contentarmos em reconstruir aquilo que foidestruído pelo neoliberalismo, ao final da operação estaremos de volta aoponto de partida, ou seja, a como éramos e vivíamos antes do neoliberalis-mo, época em que nossos pais e avós lutavam por um mundo melhor,porque aquele também lhes parecia insuportável.

Nosso desafios são enormes. Há motivos de otimismo? Sim, claro.Nunca os setores populares latinoamericanos tiveram tanta força. Preci-

samos aproveitar esta força para realizar as mudanças necessárias.Se tivermos êxito, teremos Pátria Grande.

Texto escrito para a Agenda Latinoamericana 2013

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356 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Como o Foro de São Paulo recebeu o documento conjunto do Insti-tuto Lula e a Fundação Jean Jaurès, ligada ao PS francês?

O Foro de São Paulo tomou conhecimento do documento depois queele foi divulgado. Portanto, não temos uma posição oficial a respeito. Ago-ra, de maneira geral, estimulamos tudo aquilo que entra em contradiçãocom o pensamento neoliberal.

Essa nova iniciativa pode ser vista como uma ampliação do Foro deSão Paulo para além das fronteiras da América Latina, cuja fundaçãotambém contou com apoio de Lula?

Do ponto de vista formal, não. Nem o Foro de São Paulo, nem mesmoo PT, estão institucionalmente envolvidos na iniciativa. Do ponto de vistapolítico, entretanto, representa um reconhecimento —por parte de umsetor da esquerda européia— de que o enfrentamento ao neoliberalismoencontra-se num certo sentido mais avançado na América Latina do quena Europa. Neste sentido, representa uma confirmação de teses que o Forode São Paulo abraçou desde sua fundação, em 1990.

De acordo com a assessoria do Instituto Lula, a ideia é aglutinar fun-dações partidárias para discutir novos modelos de globalização. Comoessa discussão pode se transformar em ação e transformação política?

A iniciativa das duas fundações atua no plano da reflexão, do intercâm-bio, da formulação. E não se propõe a ser “a”, mas sim “uma das” iniciati-vas. Repudiamos o pensamento único neoliberal, não apenas por ser neoli-beral, mas também por ter a ambição de ser único. Valorizamos a diversi-dade. Inclusive porque existem, entre nós que nos propomos alternativosao neoliberalismo, diferentes visões acerca do crescimento, do desenvolvi-mento, do capitalismo e do socialismo. Para nós, do PT, por exemplo, nãobasta “crescimento”, é preciso desenvolvimento com ampliação da demo-cracia, da igualdade, da soberania e da integração.

Que resultados práticos o Foro de São Paulo tem colhido em seus

Respostas ao Tadeu, do Brasil de Fato

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357Valter Pomar

mais de 20 anos de atuação na América Latina? Quais as expectativaspara a inicitiva do Instituto Lula e Fundação Jean Jaurès a nível global?

O Foro de São Paulo é uma iniciativa exitosa: começamos em 1990 comum único partido de governo, hoje estamos presentes em importantes go-vernos da região. Começamos com os Estados Unidos falando de unipola-ridade, hoje a hegemonia deles está em declínio. Começamos com o socia-lismo em crise, hoje é o capitalismo que está em crise. Começamos quandoo neoliberalismo se dizia triunfante, hoje estão em decadência. Por tudoisto, podemos ter orgulho do feito. Mas não somos da turma do “grandepassado pela frente”. O mais importante está por fazer, está por vir. Nestesentido, quando mais cedo toda a esquerda européia romper com as ilusõese práticas social-liberais, melhor. Até porque, como diziam os mestres doséculo XIX, o progresso social deve conduzir ao socialismo.

Dezembro de 2012

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358 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Você acha que a doença do presidente afeta o proceso regional demudancas e as políticas de integração regional?

A doença não afeta o processo, no sentido mais profundo da palavra. AVenezuela vive um processo de mudanças que vem desde 1998. Tais mu-danças se traduziram em uma nova Constituição, em novo funcionamentodas instituições – inclusive partidárias e militares – e principalmente numnovo patamar de consciência popular. As forças populares venceram, comfolga maior ou menor, quase todas as eleições desde 1998, com a exceçãoda reforma constitucional. Portanto, o que os venezuelanos chamam de“chavismo” não depende mais da presença direta de Chávez.

Obviamente, a doença lança vários desafios sobre o funcionamento in-terno do chamado chavismo, por exemplo o de criar novas lideranças pú-blicas e de estabelecer mecanismos eficazes de direção coletiva. Nada queseja impossível de fazer. E Chávez deu uma ajuda importante nisto, aoindicar Maduro.

Tem mantido contato com dirigentes venezuelanos nesses dias, o queeles falam da situacao e da ofensiva da direita politica e midiática?

Tenho acompanhado a blogosfera e a mídia venezuelana. Me parece quea direita venezuelana vive um dilema: ou bem entende que o chavismo éum processo histórico profundo e aceita o papel de oposição dentro dosmarcos constitucionais; ou bem cai no conto de que o chavismo é umacidente, dependente de um líder, e nesse caso embarca numa aventura.

A presidenta Dilma esta informada o tempo todo sobre Venezuela(Kennedy Alencar dixit), ela pode cumprir um rol importante caso aoposição venezuelana queira gerar crise ou procure ameaçar a ordem de-mocrática na Venezuela?

A Celac, a Unasul, o Mercosul, todos os governos da região, a começarpelo Brasil, acompanham atentamente a situação. E não permitiriam qual-quer ameaça a soberania popular na Venezuela. Mas prefiro apostar que adireita venezuelana vai pensar duas vezes antes de partir para uma provoca-

Entrevista ao Dario do Pagina 12

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359Valter Pomar

ção, provocação que num momento de apreensão e dor, pode gerar umareação espontânea da população, cujas consequências aí sim seriam difíceisde prever.

Íntegra da entrevista concedida ao Dario Pignotti,do Página 12, no dia 6 de janeiro de 2013, sobre Venezuela:

http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/index.html

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360 Miscelânea Internacional – 1998-2013

O Instituto Lula promoveu, no dia 21 de janeiro de 2013, um encontrocom intelectuais sul-americanos, para debater os “caminhos progressistas para odesenvolvimento e a integração regional”.

Abaixo, a versão resumida do que falei neste seminário, na parte da tarde,quando se discutia o tema “estágio atual, desafios e perspectivas da integraçãoregional”. Uma versão editada será enviada, proximamente, ao Instituto Lula.

Meu posto de observação, para opinar sobre o tema integração, é o Forode São Paulo, do qual sou secretário-executivo desde 2005.

Todos os partidos do Foro consideram que a integração é algo central,estratégico, seja como proteção contra ingerências externas em geral e con-tra os impactos da atual crise internacional em particular; seja para apro-veitar melhor todo o potencial regional; e, também, como “guarda-chuva”para os diferentes projetos estratégicos que os partidos do Foro perseguem.

Dos que defendem o socialismo, aos que defendem um novo modelo dedesenvolvimento capitalista, todos reconhecem que a integração é um fatordecisivo para limitar o alcance e a ingerência da aliança conservadora entreas oligarquias locais e seus aliados metropolitanos.

Agora, os partidos que integram o Foro também reconhecem a existên-cia de um déficit teórico. Não apenas nos itens indicados até aqui, nesteencontro (o balanço da década de governos progressistas e de esquerda, aintegração regional), mas também em três outros temas.

Os temas nos quais se aponta a existência de um déficit teórico são: aanálise do capitalismo do século XXI, pois muitos continuam operandocom uma interpretação acerca do capitalismo que corresponde ao séculoXX; o balanço das experiências socialistas, social-democratas e nacional-desenvolvimentistas do século XX, pois muitos repetem erros edesconsideram acertos daquelas experiências; e a estratégia, pois no imagi-nário de grande parte da esquerda latinoamericana Che ainda suplantaAllende, apessar de que estamos todos envolvidos hoje numa experiênciaque tem mais a aprender com Allende do que com Che.

Claro que o déficit teórico não significa “pouca produção intelectual”,mas sim a relativa debilidade desta produção.

Intervenção no semináriodo Instituto Lula

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361Valter Pomar

No caso do Brasil, as causas desta debilidade são pelo menos três.Em primeiro lugar, a perda de status da “classe média tradicional” em-

purra parcelas deste setor social seja para posturas esquerdistas, seja paraposturas conservadoras proclives ao fascismo. E como a classe média é abase de grande parte da intelectualidade, inclusive a de esquerda, isto afetaa produção teórica.

Em segundo lugar, o impacto do neoliberalismo e da tripla crise (dosocialismo soviético, da social-democracia e do nacional-desenvolvimentis-mo) no terreno da cultura, da educação e da comunicação social.

Este impacto afeta os mecanismos de formação e promoção da intelectu-alidade, não favorecendo o pensamento de esquerda.

Por outro lado, a influência neoliberal na cultura, educação e comunica-ção obstaculiza a formação de um pensamento de massas: não haverá umacultura popular, com dezenas e dezenas de milhões a favor da integração, senão tivermos uma indústria cultural, uma educação pública e uma comu-nicação de massas de novo tipo.

Sem esta mudança, continuaremos colhendo o que foi registrado narecente pesquisa que aponta o PT como partido mais querido (24%, con-tra 6% do PMDB e 5% do PSDB), mas no contexto de uma redução nonúmero de pessoas que têm preferência partidária (caímos de 61% em1988 para 44% em 2012).

Em terceiro lugar, há diferenças políticas sobre como se articulam nossasduas grandes tarefas: superar a hegemonia neoliberal e realizar reformasestruturais que superem o desenvolvimentismo conservador.

Estas diferenças políticas geram duas posturas: ou um governismo exa-cerbado, que só tem olhos para o que é “possível fazer” aqui e agora, ata-cando qualquer postura crítica; e um esquerdismo também exacerbado,que só tem olhos para o objetivo final, desconsiderando qualquer análiserealista da correlação de forças.

O governismo e o esquerdismo expressam um mesmo fenômeno: a rup-tura entre teoria e prática, entre objetivos finais e os meios políticos, entreestratégia e tática.

Neste sentido, aplaudo o que disse o Lula na fala inicial deste seminário:precisamos de uma “doutrina”, pois afirmar isto equivale a reconhecer anecessidade de uma conexão forte entre teoria e política.

Aliás, não é por acaso que nos damos conta desta necessidade de doutri-

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362 Miscelânea Internacional – 1998-2013

na, neste momento, em que atingimos um sucesso parcial, mas em quetambém percebemos que para seguir adiante será preciso alterar a maneiracomo viemos nos comportando até agora.

Agora, como outros, eu prefiro não falar de doutrina. Sem entrar emoutras considerações, eu prefiro não falar de doutrina, porque acho quenão devemos cair no erro de construir “uma” doutrina; devemos sim cons-tituir um campo de idéias, que terá um núcleo duro, composto pela priori-dade ao social, pela defesa da ampliação das liberdades democráticas, pelaafirmação do papel do Estado, pela combinação entre soberania nacional eintegração regional.

Agora, este campo de idéias compreende um leque de posições que nãocabe nas palavras “doutrina” e “progressista”.

É importante assinalar que o tempo corre contra nós.Não está dado que vamos conseguir passar da ênfase à superação do

neoliberalismo, para a ênfase nas reformas estruturais.A desacumulação que estamos vendo na esquerda mexicana e colombi-

ana, mais a operação denominada “Arco do Pacífico”, são alguns dos sinaisde que a situação está se complicando. E está se complicando, entre outrosmotivos, porque as oligarquias, a começar da brasileira, não querem alterarde maneira estrutural a repartição da riqueza entre Capital e Trabalho e dãosinais de que não vão respeitar as regras do seu próprio jogo, se estas regraslevam-nas a perder o jogo: vide Paraguai e Honduras.

O caso de Honduras confirma, por outro lado, que devemos manteruma orientação latinoamericanista e caribenha. É claro que nosso focoimediato é a integração da América do Sul. Mas para esta integração tersucesso, é inescapável enfrentar a hegemonia dos Estados Unidos junto aoMéxico, Caribe e América Central.

Por fim, não haverá integração sem Brasil. Talvez sejamos o país menoslatinoamericano da região, mas somos também o capitalismo mais poten-te, que tem melhores condições para ajudar a financiar a integração.

Mas para podermos fazer isto, teremos que afastar a sombra de que somossub-imperialistas, o que exigirá entre outras coisas mais presença do Estado emais controle sobre a atuação das transnacionais privadas brasileiras.

Um bom momento para prosseguir esta discussão será o XIX Encontrodo Foro de São Paulo, que será realizado no Brasil, na cidade de São Paulo,de 31 de julho a 4 de agosto de 2013.

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363Valter Pomar

Como o PT está acompanhando a doença do presidente venezuelano,Hugo Chavez?

O presidente Hugo Chávez é um aliado do Brasil, do governo Dilma edo PT. Além disso, é amigo pessoal de várias pessoas da esquerda brasileira.Acho que isto responde a tua pergunta.

As lideranças do partido recebem, de alguma maneira, notícias perió-dicas sobre a saúde de Chávez? Se sim, quais lideranças estão mais próxi-mas do assunto e de onde chegam essas notícias?

Acompanhamos através de vários canais: grande imprensa, blogosfera,embaixadas, governos, contatos partidários e pessoais. As fontes e os conta-tos são múltiplos, aqui e lá.

Há algum tipo de temor por parte do partido ou do governo brasileiro

quanto à quebra institucional na Venezuela? Esse temor viria de umadivisão entre os chavistas ou de uma tentativa de golpe da oposição?

Não há temor algum. O governo venezuelano, o Pólo Patriótico e oPSUV estão unidos, em torno das orientações recebidas de Chávez antes deir para Cuba. E a oposição está dividida, com um setor importante consci-ente de que a chamada revolução bolivariana é um processo político-socialmuito consistente, que não depende nem se resume a uma pessoa, por maisimportante que seja. Motivo pelo qual acho difícil que eles embarquemnuma aventura. Claro que sempre haverá uma minoria tresloucada e pro-vocadora, mas isto está precificado.

Qual é a melhor solução para a Venezuela num momento em que o dia

da posse se aproxima e o presidente eleito parece não ter condições desaúde para assumir o cargo?

A melhor solução está prevista na Constituição e será adotada pela As-sembléia Nacional venezuelana.

Qual seria o impacto, na visão do PT e em relação ao Brasil, de umaVenezuela sem Hugo Chávez?

Portal Terra

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364 Miscelânea Internacional – 1998-2013

No curto prazo, esperamos que Chávez se restabeleça e esta situação nãoocorra pelos próximos 20 ou 30 anos, pelo menos. No médio e longoprazo, isto obviamente vai ocorrer. E na nossa opinião, o que deve serconsiderado é a solidez econômica, social, institucional e cultural das mu-danças que vem sendo implementadas desde 1998. Na nossa opinião, sãomudanças sólidas o suficiente, para prever que as relações estratégicas entreBrasil e Venezuela continuarão muito intensas, no mesmo rumo atual.

O PT avalia que haverá algum problema durante a transição de gover-no caso Chávez não se recupere para presidir o país? Se sim, que tipo deproblema? Se não, por que será uma transição tranquila?

Como disse, nosso desejo, torcida e esperança é que Chávez se restabele-ça e cumpra seu mandato. Caso isto não ocorra, não esperamos nenhumtipo de problema. As instituições e a democracia são fortes na Venezuela, oPSUV e seus aliados são hegemônicos, os setores aventureiros e provocado-res da oposição parecem minoritários.

O vice-presidente, Nicolás Maduro, tem mantido contato com o go-verno dos Estados Unidos. É possível que haja maior aproximação entreVenezuela e EUA num futuro pós-Chávez?

Não tenho informação sobre contatos recentes entre os governos da Ve-nezuela e dos Estados Unidos. O que lembro é que Hugo Chávez disse, nacampanha eleitoral presidencial, que se fosse eleitor nos EUA votaria emObama. Portanto, é óbvio que da parte da Venezuela há disposição parauma aproximação. Quem não parece querer manter uma relação normal éo governo dos EUA. Os gringos é que precisam decidir se vão normalizarou não as relações com a Venezuela.

O Mercosul, que incorporou oficialmente a Venezuela em 2012, pode

ser afetado de alguma forma com uma mudança na presidênciavenezuelana?

A integração da Venezuela ao Mercosul é uma decisão de Estado, não degoverno. Logo, independe de quem governo o país.

http://terramagazine.terra.com.br/bobfernandes/blog/2013/01/08/pt-nao-conta-com-golpe-e-preve-chavez-na-venezuela-por-mais-30-anos/

9/01/2013

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365Valter Pomar

Um dos temas da política internacional mais abordados e exploradospela grande mídia nos últimos dias, e que fatalmente estará na pauta dareunião do Grupo de Trabalho do Foro em Quito, é a situação atual naVenezuela com a doença do presidente Hugo Chávez. Esses fatos afetampoliticamente a região? Qual deve ser a posição que será tirada dessareunião sobre a Venezuela?

Em primeiro lugar, Chávez é conhecido e amigo de muitos dos dirigen-tes do PT e dos partidos do Foro de São Paulo. Assim, quando torcemospela sua recuperação, não há apenas uma avaliação política envolvida.

Quanto a situação venezuelana, os fatos são conhecidos: o presidente foireeleito, a posse deveria ter ocorrido dia 10 de janeiro, Chávez estava impos-sibilitado de comparecer, a Justiça venezuelana se pronunciou, o governosegue funcionando sob a coordenação do vice-presidente Nicolás Maduro.

Frente a isto, a oposição venezuelana está dividida, predominando nestemomento aqueles que parecem ter percebido que o chavismo não é umapessoa, é um movimento político-social; que as mudanças iniciadas em1998 são profundas e que não serão revertidas com golpes de azar.

Como quer que a evolua a situação de Chávez, há alguns desafios decurto e médio prazo para a esquerda venezuelana, em particular para oPSUV, entre os quais a constituição de novas lideranças públicas, de massa;e de organismos e métodos coletivos de direção.

Se estes desafios forem bem resolvidos, não haverá retrocessos, nem emescala venezuelana, nem em escala regional. Acredito ser esta a opinião dospartidos que estarão presentes na reunião do Grupo de Trabalho do Foro deSão Paulo, dia 17 de janeiro, em Quito, Equador.

Em 2013 haverá eleições presidenciais no Equador e no Paraguai e oForo de São Paulo vem acompanhando de perto o cenário político nessesdois países. Qual a avaliação sobre a situação política no Equador gover-nado atualmente pelo presidente Rafael Correa?

A maioria dos partidos do Foro apóia a reeleição do presidente RafaelCorrea. Digo a maioria, porque no Equador há 6 partidos que pertencem

Entrevista sobre o GT de Quito

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366 Miscelânea Internacional – 1998-2013

ao Foro, e alguns destes partidos não apóiam Correa. Situação similar a doBrasil: o PCB e o PPS fazem parte do Foro, assim como o Pátria Livre, oPDT, o PSB, o PCdoB e o PT.

Apesar das diferenças de escala e nível de industrialização, também hásimilaridades na situação estratégica: o governo Correa está combatendo aherança neoliberal, adotando medidas de desenvolvimento econômico, polí-ticas sociais fortes, resgate da soberania sobre as riquezas nacionais, apoiandoa integração regional e mudanças na chamada arquitetura internacional.

Isto provoca conflitos com os Estados Unidos e aliados europeus; gera,também, conflitos com setores importantes da burguesia equatoriana; egera, ainda, conflitos com bases populares que apoiaram a primeira eleiçãode Correa, mas foram se distanciando, como é o caso de parte dos movi-mentos indígenas.

Salvo ocorra uma catástrofe, Correa vencerá as eleições presidenciais doEquador. Uma dúvida é como será o desempenho do seu partido, o PátriaAltiva i Soberana (PAIS). Para nós, como é óbvio, interessa não apenas areeleição de Correa, mas também que o PAIS se fortaleça.

E no Paraguai, após o golpe que derrubou o presidente Fernando Lugo,há chances de retomada do poder central pelas organizações de esquerda?

Em geral eu respondo este tipo de pergunta lembrando que, com rarasexceções, a esquerda latinoamericana detém apenas parcelas do governo: opoder mesmo segue com os de sempre. No caso do Paraguai, durante ogoverno Lugo, isto era ainda mais verdadeiro. E uma das razões disto, entretantas, é que tínhamos o presidente da República, mas não tínhamos umarepresentação parlamentar expressiva, em parte porque a esquerda estavadividida.

O grave é que a divisão se aprofundou após o golpe. A tal ponto quetemos três candidaturas presidenciais oriundas da esquerda. Se isto se man-tiver até as eleições de abril, se reduzem muito as chances de elegeremos opresidente, ou pelo menos uma bancada parlamentar expressiva.

O esforço que estamos fazendo, tanto o Foro quanto bilateralmente ospartidos de esquerda da região, é no sentido da reunificação da esquerdaparaguaia, seja para aumentar as chances de vitória, ou pelo menos paraque sejamos a segunda força política e com isto possamos futuramentevoltar a governar o Paraguai.

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367Valter Pomar

Agora, como em todas as partes, vale lembrar a luta política as vezes nospresenteia com surpresas inesperadas e positivas.

Outro assunto que deverá estar na pauta do Grupo de Trabalho doFSP em Quito são as negociações de paz na Colômbia. Como estão essasnegociações? Há chances reais de se alcançar a paz entre o governo co-lombiano e as Farc?

Há chances reais de um acordo de paz, se o governo colombiano estiverdisposto a fazer algumas concessões, entre elas a adoção de uma políticaagrária e agrícola em benefício dos camponeses e trabalhadores agrícolas.Em tese isto é possível, exatamente porque há uma divisão na classe domi-nante colombiana, divisão que é política, entre apoiadores de Uribe e deSantos, e que tem também uma base econômica, que reside entre outrascoisas no conflito entre o setor latifundiário mais atrasado, do qual Uribe éuma das expressões, e outros setores econômicos.

Para o presidente Santos, um acordo de paz consagraria sua vitória pes-soal e a da sua fração de classe, sobre Uribe e companhia. Neste sentido,temos que fazer de tudo para que as negociações terminem em bom termo.O que seria facilitado pela interrupção das ações militares ofensivas porparte do governo; a guerrilha já o fez, unilateralmente.

Cabe lembrar que um acordo de paz concluiria um processo e abririaoutro. E neste novo processo, as diferentes esquerdas colombianas preci-sam de uma grande força social, política e eleitoral. O PT tem um protoco-lo de cooperação com o Pólo Democrático Alternativo de Colombia, aCUT brasileira mantém relações com a CUT colombiana, e esperamosque as diferentes forças políticas de esquerda existentes na Colombia seviabilizem como alternativa de governo, para disputar tanto com Santos,quanto com Uribe...

Que outros temas prioritários estão na pauta da reunião do GT doForo em Quito? Quais as próximas agendas políticas do Foro de SãoPaulo?

A reunião do Grupo de Trabalho terá duas partes.Na primeira delas, vamos fazer uma análise da situação mundial, da

situação regional e da situação de cada país.Do ponto de vista macro, a crise internacional prossegue e as classes

dominantes nos EUA e na Europa continuam adotando políticas que cau-

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368 Miscelânea Internacional – 1998-2013

sam mais crise e prejudicam os demais países. Motivo pelo qual é impor-tante continuar trabalhando por mudanças nas instituições internacionais,realizar acordos estratégicos com outros países e blocos regionais, defendera paz, ser solidário com lutas de outros povos, como os palestinos e gregos.E especialmente acelerar a integração regional, que é um de nossos meca-nismos de proteção e desenvolvimento.

Além disso, aos partidos do Foro compete continuar administrando efazendo mudanças onde a esquerda governa. Assim como fazer oposição emuita luta político-social onde a direita governa, como é o caso de Chile,da Colombia e do México, entre outros. Países que, por sinal, se articulamno chamado Arco do Pacífico.

A segunda parte da reunião do Grupo de Trabalho será dedicada a revi-sar a agenda político-organizativa do Foro de São Paulo. Isto inclui desdemedidas práticas de apoio e solidariedade, inclusive a processos eleitoraisque vão ocorrer proximamente em vários países, como é o caso de Hondu-ras e El Salvador; até definir data, local e programa do primeiro curso deformação política do Foro de São Paulo, em três etapas, tendo como temacentral a integração regional.

Já foram definidos a data e o local do próximo encontro do Foro?Ainda não. Há várias possibilidades, entre as quais a Colômbia e a Bo-

lívia. O Partido dos Trabalhadores e o PCdoB propuseram, como alterna-tiva, o Brasil. A última vez que fizemos o Foro no Brasil foi em 2005. Seráótimo fazê-lo novamente aqui, neste ano de 2013.

Janeiro de 2013

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369Valter Pomar

¿Cuáles son los desafíos que asoman luego de 10 años de gobierno delPT en Brasil?

En perspectiva histórica lo que hicimos con relativo éxito en estos diezaños de gobierno puede ser resumido a una sola idea, que es sacar el neoli-beralismo de la escena nacional. Pero sucede que en la historia de Brasil, elneoliberalismo es una excepción. La regla de la historia nacional es de undesarrollismo conservador, que se asemeja al neoliberalismo en el hecho deque mantiene una sociedad con tasas muy altas de desigualdad y de depen-dencia externa, tasas muy bajas de democracia, pero no tiene nada que vercon el neoliberalismo respecto al rol del estado y el peso de la industria enel proyecto nacional. Entre los años ’30 y los años ‘50 pasamos de ser unanación agro-exportadora a una potencia industrial, a una velocidad superi-or a la de otros países en la misma época e incluso superior a lo que sucedehoy, porque tuvimos tasas de crecimiento de diez puntos en algunos años.Entonces, hoy estamos desplazando al neoliberalismo, aún no lo hemoshecho pero lo estamos haciendo. Esto llevará a que la sociedad brasileñaregrese a su situación normal, que es la de una pelea entre dos vías dedesarrollo: la vía del desarrollismo conservador y la vía del desarrollismoprogresista, apoyado por los setores democrático-populares. Y en la historiabrasileña siempre el desarrollo conservador fue predominante, porque sig-nifica un desarrollo que mantiene las estructuras sociales heredadas delperíodo anterior. Cuando ganamos la elección presidencial de 2002, lo queestaba en el imaginario del país es que una vez superado el neoliberalismose podría pasar a una etapa desarrollista progresista. Lo que estamos viendoen estos diez años es que en realidad hay un juego cruzado de alianzas: enalgunas cuestiones nosotros nos aliamos con el desarrollismo conservadorcontra el neoliberalismo, pero en otras el neoliberalismo se alía con lossectores desarrollistas conservadores contra nosotros. Vemos que cuantomás éxito tenemos en desplazar al neoliberalismo, más el país amenaza conregresar a la hegemonía del desarrollismo conservador. Y eso no ocurre porcasualidad. El camino que adoptamos para sacar al neoliberalismo del paístrajo como efecto colateral un debilitamiento de nuestra visión estratégica,

“El desafío es cómo pasara una segunda etapa”

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370 Miscelânea Internacional – 1998-2013

programática, organizativa. Esto es el dilema, el lío en que estamos. Nuestrodesafío es cómo pasar a la segunda etapa del proceso.

¿Cómo se procesa este debate al interior del PT?La situación interna del PT es muy difícil de explicar, porque hay distin-

tos componentes entrecruzados. Hay un componente más ideológico. Den-tro del PT conviven, con mayor o menor belicosidad, una corriente clara-mente social-liberal que tiene como su principal expresión pública a Anto-nio Palocci que fue Ministro de Hacienda en el primer gobierno de Lula;una corriente nacional desarrollista – Dilma es su expresión más clara- quetiene una influencia tremenda; una corriente social-demócrata clásica queentiende que Brasil puede tener un Welfare-State tropical; y hay unacorriente socialista clásica que defiende la sustitución del capitalismo porotro modo de producción. Otro aspecto de la interna del PT, es un aspectogeneracional. Tenemos la generación que creó el PT, que luchó bajo ladictadura, que luchó contra la transición conservadora de los ochenta, lageneración que luchó contra el neoliberalismo en los noventa, y hay unanueva generación que conoce el PT en el gobierno. Son tres experienciasgeneracionales muy distintas y por motivos obvios la tercera generación esmayoría. El PT tenía algo como 300.000 afiliados durante los ‘90 y hoytenemos 1.800.000. O sea, hubo un crecimiento tremendo de afiliacionesque provienen del período del PT gobierno, no del PT oposición a la dic-tadura o de la transición, no del PT oposición al neoliberalismo. Esta masade afiliados tiene una cultura política muy limitada desde el punto de vistade su experiencia personal, característica que es acentuada por el hecho deque en este período el partido debilitó mucho su labor educacional internay también en este período el debate programático en el país tuvo unempobrecimiento. Hay que agregar un tercer componente sociológico, tam-bién muy fuerte, que es que hubo un cambio en la base social del PT.Nosotros teníamos un partido proletario, en el sentido amplio de la palabra,en los ochenta; y hoy tenemos un partido popular, en el sentido más fuertede la palabra. Hay una nueva clase trabajadora -que muchos dentro del PTy muchos afuera denominan erróneamente de clase media, pero no lo es-que está en movimiento pero tiene poca experiencia de lucha tradicionalcomo clase, tiene poca conciencia de clase para sí, pero es crecientementemayoritaria. Y por último hay un cuarto componente, más organizativo,

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371Valter Pomar

que es que el PT en su comienzo era un partido claramente de militancia,después evolucionó para un partido de afiliados y hoy es un partido deelectores. Gran parte de sus 1.800.000 afiliados, no son afiliados en elsentido clásico de la palabra, sino que son lo mismo que un elector. Enton-ces, estos varios elementos que mencioné -las distintas corrientes ideológi-cas, el problema generacional, el sociológico y la estructura organizativa-contribuyeron a que el debate político dentro del PT se haya debilitadomucho en los últimos años. La mayoría de los cuadros que el partido tieneen puestos de mando en todo el país no están involucrados de maneraorgánica en un proceso de debate estratégico, participan poco de la diná-mica normal del partido y no se plantean los temas de reformas estructura-les. Pero en los cuadros principales sí hay una percepción creciente de quenosotros hasta acá llegamos con la estrategia que teníamos, el partido quetenemos, los movimientos sociales que tenemos, la coyuntura que tene-mos, y que para seguir adelante hay que construir otra cosa de calidaddistinta en términos organizativos, políticos y estratégicos. Sobre este puntono hay una respuesta única, hay un abanico de respuestas distintas.

¿Qué lecciones implicaría el derrotero de la social-democracia europeapara la discusión sobre ese horizonte estratégico al que hacías mención?

La experiencia socialdemócrata europea fue durante muchos años unparadigma para los sectores socialdemócratas del PT. Pero lo que pasó, yaen los años noventa y después, es que se debilitó mucho este modelo pordos razones. Primero, porque la “socialdemocracia fuerte”, el estado debienestar social, fue un efecto pasajero de una situación de equilibrio mun-dial, entre el campo socialista y el campo capitalista. Una vez que uno caeel otro se va. Y en segundo lugar, “la socialdemocracia flaca” que se consolidóa partir de los ’80 en algunos países de Europa y en los ‘90 en casi todaspartes, es una social-democracia que tiene muy poco de “social” y de “de-mocracia”. Entonces, la social-democracia como tal perdió fuerza comoparadigma en los debates ideológicos dentro del PT, pero esto no significóen estas circunstancias un fortalecimiento de los sectores socialistas sinouna deriva de importantes sectores socialistas y socialdemócratas hacia elnacional desarrollismo. Con el socialismo debilitado y la social-democraciaempantanada, creció mucho en la gramática de la izquierda en Brasil du-rante la última parte del siglo XX, el nacional desarrollismo.

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372 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A la hora de la profundización, además de la discusión ideológica pesatambién la correlación de fuerzas…

Sí, y en esto estamos muy retrasados y muy complicados. Porque elproblema fundamental en este terreno es que para hacer estos cambios másprofundos hay que tener una fuerza política muy significativa que nosotrostodavía no tenemos. La izquierda en Brasil, la suma de todos los sectores,sean oficialistas u oposición al gobierno, pasamos poco del 30% de losvotos en las elecciones. La fuerza social organizada tampoco es predomi-nante, la mayoría de los trabajadores brasileños no está organizada en sin-dicatos o movimientos barriales. La mayoría de la juventud tampoco estáorganizada. Los medios de comunicación siguen tan monopolizados comoantes de que llegáramos al gobierno. El aparato de estado no evidencióninguna transformación efectiva, en el sentido radical, en este período. Lasiglesias en los ’70 y ’80 tenían una predominancia progresista; hoy es alrevés, tienen una orientación conservadora y aún las que apoyan al gobier-no son prisioneras de la teología de la prosperidad. Por otra parte, las capassociales que mejoraron su capacidad de consumo en estos diez años, norelacionan esto con nuestra presencia en el gobierno. Entonces, si tú reúnestodos estos elementos puedes tener la certeza de que la situación en el ámbitopolítico es muy complicada. Puedo resumirlo así: una vez que el neolibera-lismo va siendo desplazado de escena, los partidos que tradicionalmente lodefendieron y lo defienden, también pierden terreno, pero lo que pasa esque una parte de la coalición del gobierno nacional empieza a enfrentarsecon el PT.

¿Cómo juega la oposición de derecha en ese esquema?El plan de la oposición y también de los sectores conservadores que son

parte de nuestro gobierno, es hacer una concertación entre ellos en la primerao en la segunda vuelta presidencial de 2014. Esto nos coloca en la obligaciónde que en los próximos dos años libremos una batalla política muy intensapor la hegemonía en la sociedad a favor de un cambio más profundo. Tedoy un ejemplo: los grandes indicadores sociales del país están mejorando,pero vuelven a los niveles que tenían en los años ochenta y ahí van a parar.Pero ahí estaban cuando nosotros creamos el PT. Para que el cambio seamás profundo falta lo que defendíamos en los ochenta, cambios estructura-les y no solamente sacar al neoliberalismo de escena. Curiosamente algunos

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373Valter Pomar

sectores conservadores están haciendo mención, demagógicamente, al hechode que despues de dez anos de gobierno petista, seguimos un país desigual.Nuestro desafío es impedir que ellos consoliden esa demagogia y que seamosnosotros mismos quienes presentemos una mirada de más largo plazo, com-binada con nuestro fortalecimiento político. De lo contrario, el peligroque veo hacia 2014 no es que seamos víctimas de una derrota electoral sinode una derrota política en la que pasemos de sepultar al neoliberalismo arevivir el desarrollismo conservador tradicional en el país.

¿Cómo influye el hostigamiento mediático al PT en esa situación?Hay una preocupación muy fuerte por la ofensiva de la derecha contra

nosotros. Esta ofensiva tiene como elemento principal este tema de lacorrupción con un elemento muy fuerte de demagogia en los ataques.Aunque estamos muy tranquilos en que desde que llegamos al gobierno, loque aumentó es el combate a la corrupción y no la corrupción, es verdadque aumentó el número de casos de corrupción -y es obvio que pasaríaesto- involucrando miembros de nuestro partido. ¡Es claro! Entonces estoofrece a nuestros enemigos un componente de veracidad -entre comillas- alos ataques que hacen contra nosotros. Por otra parte, deberíamos haberadoptado una actitud más proactiva de combate a la corrupción, en espe-cial en su componente más estructural, que es el financiamiento privadoempresarial de las actividades electorales, que es legal en el país -la burguesíalo hizo para sí no para nosotros-, pero que introduce un componente decorrupción política, ideológica y administrativa en toda la actividad políti-ca de Brasil. Nosotros como partido minoritario, opositor, éramos los quemás denunciábamos esto y hoy, además de denunciar la hipocresía o dema-gogia de la derecha debemos también tomar medidas proactivas, principal-mente viabilizando la reforma política, sin la cual este componenteestructural de corrupción seguirá vigente. El fondo de la cuestión es quenuestro partido, que es un partido de izquierda, que representa los sectorespopulares, se acostumbró a hacer campañas electorales gracias a los recur-sos que las empresas privadas aportan, todo dentro de la ley. Pero pocoimporta desde el punto de vista político que sean o no legales, porque elproblema de fondo continúa. Un partido de trabajadores no puede depen-der financieramente de recursos empresariales. Está claro que hay ahí unadeformación brutal que no es sostenible.

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374 Miscelânea Internacional – 1998-2013

¿En qué medida las operaciones mediáticas, al concentrarse sobre elPT, debilitan su posición relativa tendiente a profundizar el proceso desu aislamiento al interior de la alianza de gobierno?

Nosotros tuvimos la primer gran crisis en 2005. En aquel momentohubo una actitud, que yo creo absolutamente correcta, de hacer un blindajeen defensa del gobierno. El partido asumió para sí el manejo de la situacióny la responsabilidad de los hechos, y esto no fue una puesta en escena, unteatro, la verdad es que esa crisis tuvo que ver con un manejo incorrecto delas finanzas partidarias. Esta actitud después se convirtió en una especie defórmula que se adoptó en estos casos: la idea es que el gobierno no debeasumir para sí la defensa de los hechos que son de responsabilidad delpartido. No me parece que esto sea malo, en comparación con otros proce-sos latinoamericanos nosotros acá tenemos una vida partidaria autónomacon relación al gobierno. El problema entonces es otro. El partido en estosaños perdió mucho protagonismo social y la participación en los gobiernosy en los procesos electorales se fue convirtiendo en su principal labor. Estohizo que el partido haya perdido potencia social, potencia política, quedandouna lacuna que no es, ni pode ser, ocupada por el gobierno. Volviendo a loque mencioné anteriormente, nosotros necesitamos hacer una reforma po-lítica pero no conseguimos, desde 2003 hasta hoy, hacer que este debategane a la sociedad. No hay manera de hacerlo desde el gobierno ni desde elparlamento. Habría que desencadenar un movimiento político social, quetenga al partido y a los partidos de izquierda aliados como protagonistas.Pero la verdad es que el partido se acostumbró demasiado a salir a las callesen los procesos electorales y centrar el debate político sobre los temas quehacen al gobierno. Y el gobierno, por su parte, se acostumbró a relegar alpartido algunos temas que sí son de su responsabilidad. Por ejemplo: nocompete al gobierno presentar un proyecto de reforma política, es un temaparlamentario y partidario, pero sí compete al gobierno presentar un proyectode reforma de la comunicación social en el país, y en esto el gobierno actúacomo si no fuera su tarea. Entonces, una cierta división del trabajo que sefue dando hace que el gobierno y el partido no cumplan con sus laboresrespectivas en algunos proyectos de mayor dimensión. Este es uno de losdebates en los que nosotros hemos insistido dentro del PT y en consecuen-cia buscamos influenciar al gobierno. Por una parte debemos salir a la calle,y por otra parte el gobierno debe tomar las riendas de algunos procesos de

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375Valter Pomar

cambio más estructurales que son su responsabilidad al vincularse con la cosapública en el sentido más amplio de la palabra y con la institucionalidad.

En relación a esto último, habría que destacar que en América Latina,junto a la oposición de los medios, el entramado institucional heredado delneoliberalismo es un límite a los procesos de cambio allí donde no seprodujeron reformas constitucionales…

Claro. Volvamos al caso del juicio contra los dirigentes del PT. Parahacerlo, los tipos subvirtieron una serie de procedimientos jurídicos tradi-cionales. Nosotros tenemos una broma aquí en Brasil que dice “para losamigos todo, para los enemigos la ley”. Pero en este caso para los enemigosni la ley, ellos cambiaron aspectos importantes de la aplicación de la leypara hacer el juicio. Porque, en verdad ¿de qué los están los acusando? Dehacer uso de la llamada “caixa dois”, el financiamiento privado no declara-do públicamente. Pero como dije antes, esto que se convirtió, según laSuprema Corte del país, en el símbolo máximo de la corrupción, es la regladel funcionamiento normal de todo el sistema político brasilero en los últi-mos treinta años. Pusieron en marcha una maquinaria jurídica y no sécómo van a hacer para mantener una coherencia. Mi impresión en este ymuchos otros casos, es que se está creando una situación en que la institu-cionalidad que tenemos ya no sirve para la derecha, porque la verdad ellosestán siendo derrotados hace tres elecciones presidenciales, pero tampocosirve para nosotros. Y tanto una como otra facción política del país no seproponen solucionar el tema en un ámbito correcto, que sería una asambleaconstituyente. Esto significa una crisis crónica en la que la composiciónmomentánea de las relaciones de poder determina hacia dónde se va dentrode un armado institucional que está cuestionado. Esto es un problema quetenemos en Brasil. La solución adoptada por nosotros, que es parte de latradición nacional, de hacer cambios lentos seguros, graduales, minimalistas,no se adapta a una situación internacional y nacional que exige cada vezmás cambios un poco más profundos y veloces.

Parece difícil combinar estabilidad y cambios…Mira, nosotros tenemos un paradigma mental porque somos de izquier-

da en Latinoamérica, que es la Revolución Cubana. Pero lo que estamoshaciendo en los países que gobernamos, es un proceso que si tiene algúnparentesco es con la Unidad Popular en Chile, que en resumen se proponía

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hacer un área de propiedad social y una transformación institucional através de una Asamblea Popular. En algunos países de Latinoamérica, elneoliberalismo primero, y la crisis del neoliberalismo después, hicieron tierraarrasada de la política institucional. Se trata de los casos de Bolivia, Ecua-dor y Venezuela. No pasó así en Brasil, en Uruguay, en Paraguay, Perú,Argentina - el caso de Argentina es curioso porque sufrió en algunos aspec-tos una crisis de gran profundidad pero el esqueleto del sistema político sepreservó. En estos países, el problema es que la necesitad de un cambio, dela reforma estatal profunda sigue vigente. Porque no es posible hacer cambiosestructurales, realmente profundos, sin otra institucionalidad. Volviendo aBrasil, el problema para nosotros es cómo crear las condiciones políticas “afrío” para hacer una revisión constitucional allí donde la crisis institucionalno se produjo de forma espontánea con la caída del neoliberalismo. Pero sila cosa no es hecha por nuestra iniciativa, el peligro que podemos sufrir esque la situación internacional por una parte produzca una regresión en loque hicimos en el terreno social y económico y a la vez desencadene unacrisis interna que ponga en cuestión nuestra permanencia en el gobierno.Entonces, el tiempo es corto, la ventana es chica, se puede cerrar. Y elproblema es que como nos acostumbramos a una situación -entre comillas-más o menos normal, esta urgencia no está clara para el común de la gente.

¿Cuál es la gravitación que tiene el escenario regional en estasdiscusiones?

Voy a contestar con el caso de Brasil. Supuestamente la potencia econó-mica de Brasil y su insularidad, podrían llevarnos a concluir que pocoimportan lo que pasa más allá de sus fronteras. Pero esto no es exactamenteverdad. Desde el punto de vista político interno, la influencia de lo regionalno es tan importante, pero desde el punto de vista económico sí lo es. Laposibilidad de que tengamos un proceso de desarrollo económico capaz deelevar sustancialmente el nivel de vida de la población brasileña y de apro-vechar la potencialidad natural, ambiental, hidroeléctrica, energética quetenemos supone un plan de desarrollo regional. Entonces, yo no creo quelo regional sea una precondición significativamente influyente sobre la po-lítica brasilera, pero la posibilidad de implementar otro proyecto de desar-rollo no se materializará si no estamos integrados, en especial a Venezuela ya Argentina. Para otros países es distinto. Hay países para quienes la influ-

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encia regional tiene un impacto político directo, es el caso de Uruguay,claro está. Pero lo fundamental es siempre el nivel de conciencia, de organi-zación y la hegemonía en cada país. Conversando con compañeros de Para-guay o de Honduras, yo percibí en algunos la idea de que el elementofundamental para que el golpe tuviera éxito fue la influencia externa. Yo nocreo esto, la influencia fundamental fue la debilidad o la fortaleza de lossectores sociales internos. Pero el nivel de desarrollo económico necesariopara proporcionar a nuestros pueblos estándares de vida correspondientes alo que se universalizó en Europa en los años ‘60 por ejemplo, supone unaescala continental, aún para un país como Brasil.

Reportaje a Valter Pomar(Dirección nacional del PT)

Toer – Federico Montero

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Agradezco, en nombre del Foro de São Paulo, la invitación para hablar alos delegados y delegadas al Congreso del Partido Comunista Francés.

Voy a aprovechar esta oportunidad para compartir con ustedes algunasopiniones y resoluciones que adoptamos en la reciente reunión que hicimosen enero de 2013, en Quito.

El primero que se destacó fue que la crisis internacional sigue. Aunquecon diferencias de impacto de región a región, de país a país, de sectoreconómico a sector económico, de capa social a capa social, la verdad esque la crisis sigue y es alrededor de ella, de sus efectos y de la busca desoluciones que se organiza la lucha entre Estados y clases sociales en escalanacional y global.

La crisis internacional sigue en parte por los determinantes estructuralesdel capitalismo en esta etapa de imperialismo financiero; en parte porquelas capas dominantes en Estados Unidos y Europa siguen comprometidascon políticas de tipo neoliberal, de austeridad a ultranza, de explotacióncontra sus poblaciones, de saqueo y guerra contra las denominadas perife-rias del mundo, y también de enfrentamiento contra los países, chicos ograndes, que se proponen a construir alternativas al neoliberalismo, al im-perialismo, a las fuerzas aún hegemónicas en el planeta; y también en parteporque todavía no se constituyeron, por lo menos en la escala necesaria,fuerzas de cambio capaces de superar la crisis en beneficio de otro tipo desociedad.

La continuidad de la crisis, la postura de las capas dominantes y ladebilidad relativa de las fuerzas progresistas y de izquierda indican queseguiremos viviendo en un periodo de inestabilidad global, marcada porcrisis económicas, por grandes conflictos sociales, por cada vez más peligrosasguerras. No se puede prever cuanto tiempo durará esta inestabilidad, ni sepuede saber cuales tendencias prevalecerán en mediano plazo, ya que ellodepende de la lucha que se está labrando hoy entre las clases sociales encada país y entre los Estados en escala regional y global.

Es en este contexto que analizamos la situación de Estados Unidos.Estados Unidos sufre un doble problema: por una parte, un deterioro de

Saludo al Congreso del PCF

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su hegemonía mundial; por otra parte, un agotamiento relativo de su estruc-tura productiva. Los dos procesos, por supuesto, están vinculados. Enfrentarexitosamente los dos, desde el punto de vista das capas dominantes,reestructurando la economía de los EUA y recuperando su rol hegemónicoen el ámbito mundial, implica entre otras cosas un alto grado de unidad de laclase dominante estadounidense, que solo tiende a ocurrir en un ambiente deagudo conflicto militar internacional y/o de colapso interno.

En lo que toca al primero, EUA no están hoy en condiciones geopolíti-cas y económicas de trabar un conflicto que tenga los efectos colateralesbenéficos que tuvo la Segunda Guerra para su economía. En lo que toca alsegundo punto, no hay colapso, sino un importante deterioro, que por suparte genera un ambiente interno de malestar, que constituye el telón defondo de la confrontación política y social entre las fuerzas políticas esta-dounidenses, estimulando la postura de tensión permanente en escala glo-bal, proclive a solucionar todos los conflictos por medios militares.

Para complicar la situación, una de sus consecuencias es el impasse polí-tico y cierto equilibrio entre los partidos Republicano y Demócrata. Portodo esto que decimos, nuestra expectativa es que el segundo mandato deObama sea, en la mejor hipótesis, similar al primero. Lo que no constituyeuna buena noticia, ni para el mundo, ni para América Latina, ni por el ladode la economía, ni por el lado de la política.

Consideramos que el conflicto entre EUA y sus aliados versus los BRICSes una de las expresiones de un proceso de larga duración, a saber, el despla-zamiento geopolítico del centro dinámico del mundo en dirección a Asia.

La competencia entre los denominados BRICS y el bloque liderado porEstados Unidos se refleja en distintas regiones, como África pero tambiénAmérica Latina, lanzando muchos desafíos para América Latina y el Cari-be, que no pretende sustituir la hegemonía de Estados Unidos por otra,venga donde venga.

El denominado Arco del Pacífico, iniciativa estimulada por EstadosUnidos para quebrantar los esfuerzos de integración autónomos comoUNASUR y MERCOSUR, también hace parte de los cambios de la polí-tica estratégica de EUA, en el sentido de concentrar esfuerzos en Asia.

En cuanto a Europa, lo que asistimos es el compromiso de las capasdominantes europeas con las políticas de austeridad a ultranza, con el des-monte del denominado estado de bienestar social y con la reafirmaciónde la Europa de los negocios, por sobre la Europa democrática.

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Esta opción conduce a un proceso de centralización antidemocrática yantipopular, que provoca reacciones diversas, desde el crecimiento simultá-neo de la izquierda y de la ultraderecha (como en Grecia), pasando porcuestionamientos a la unidad nacional (como en España), estímulo al mi-litarismo (como se vio en diversas acciones de Italia y Francia en los mesesrecientes), amenazas de ruptura con la Unión Europea(como hace el gobi-erno inglés) etc.

En cuanto a Alemania, no tenemos expectativa de que las elecciones deeste ano cambien las posiciones del gobierno alemán, no solamente porquelas encuestas de hoy favorezcan a Merkel, sino por que la política de Merkelhegemoniza gran parte de la sociedad alemana.

En cuanto a la socialdemocracia europea, tanto donde está en la oposici-ón, como en Alemania, como donde está en el gobierno, como en Francia,nuestra evaluación es que no consigue proponer ni llevar a cabo un progra-ma realmente alternativo.

Por otra parte, con excepciones importantes (como en Grecia), la izqui-erda europea aún no ha logrado convertirse en alternativa de gobierno. Loque lanza sombras pesimistas sobre la capacidad de Europa para salir de lacrisis, por la izquierda, por lo menos en el corto plazo.

En este punto es importante registrar los exitos y dar continuidad altrabajo conjunto entre el Partido de la Izquierda Europea y el Foro de SãoPaulo.

El Foro de São Paulo sigue con atención la situación en el Norte deÁfrica, Medio Oriente y cercanías. Como en otros períodos de la historia,esta región concentra conflictos y contradicciones, que de por sí ya sontrágicas para sus pueblos, pero que hoy pueden evolucionar de manera aúnmás terrible para toda la humanidad.

Algunas situaciones son más urgentes. Las elecciones en Israel, ocurridaspoco después de la reunión del GT, reafirmaron que en el gobierno seguiránlos que de hecho se oponen a solución de los dos Estados y, además, defiendenmedidas antidemocráticas, racistas y militaristas. Esto constituye unaamenaza más, no solamente para los palestinos y para Irán, sino para la pazmundial.

Los conflictos en Siria y Malí, por su parte, confirman que está en cursoun proceso de desestabilización de la región, que tiene como propósitofacilitar y buscar legitimar la presencia de potencias europeas y de Estados

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381Valter Pomar

Unidos, bajo los pretextos de combate al terrorismo o de la hipócrita res-ponsabilidad de proteger.

De manera general, el Foro de São Paulo entiende que es necesario hacerllegar a los partidos socialdemócratas europeos nuestra evaluación críticaacerca de su accionar frente a la crisis actual, frente a las políticas neolibera-les, frente al tema de los migrantes y, en este momento particular, frente alas actitudes de tipo colonial existentes en Europa acerca de situacionescomo las de Libia, Siria, Malí e Irán.

Además, esperamos que las izquierdas europeas asuman una firme pos-tura antiimperialista y anticolonialista, no cediendo a los discursos sobre laresponsabilidad de proteger o similares.

Así como esperamos una actitud firme de apoyo a la lucha anticolonialen América Latina y el Caribe, sea en el caso de Malvinas, de Puerto Ricoo de las denominadas posesiones de ultramar de Holanda y Francia, entreotras.

La mirada del Foro de São Paulo sobre la situación mundial constituyóel punto de partida de la evaluación de los logros, desafíos, debilidades ycontradicciones del proceso de integración regional latinoamericano ycaribeño, donde resaltamos la importancia de la Comunidad de EstadosLatinoamericanos y Caribeños –CELAC y de la Unasur.

Por supuesto, la integracion se apoya en la fortaleza de nuestros movi-mientos sociales, partidos y gobiernos, como es el caso de Uruguay y Cuba,Nicaragua y Bolivia, Argentina y Brasil, El Salvador y Ecuador etc.

Esperamos que las izquierdas europeas nos ayuden a divulgar más loslogros de los gobiernos progresistas y de izquierda. Sabemos que todosestos gobiernos están colocados frente a la necesidad de profundizar loscambios. Pero lo que se hizo hasta ahora, en términos de integración regio-nal, soberanía nacional, igualdad social y democratización política es muyimportante.

Esperamos, también, que la izquierda europea reafirme su solidaridadcon el pueblo y el gobierno de Cuba, en especial su lucha contra el bloqueoy a favor de la libertad de los cinco héroes.

Esperamos, asimismo, solidariedad con el pueblo y el gobierno de Vene-zuela, así como el apoyo a la reelección de Rafael Correa, el próximo 17 defebrero.

Además de Ecuador, en 2013 y 2014 van a ocurrir procesos electoralespresidenciales en Paraguay, Chile, El Salvador y Honduras.

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En el caso del Paraguay, con elecciones el 21 de abril, es importante que lasizquierdas europeas apoyen los esfuerzos unitarios de la izquierda guaraní, quetiene que vencer o por lo menos polarizar la pelea electoral del 21 de abril.

Para los golpistas, es sumamente útil que no se construya la unidad yque la izquierda no quede entre los dos primeros lugares. Hay que pedir laatención de ustedes para la situación de los campesinos presos y el falso deljuicio que les están haciendo, además de su huelga de hambre. Debemosdemandar respeto a los derechos humanos y políticos de la poblaciónparaguaya, así como a su derecho a la libre manifestación.

Hay dos países donde el actual control del gobierno nacional por partede la derecha constituye un limitador estratégico para el proceso pleno deintegración regional.

Uno es México, otro es Colombia. La integración solo será plenamentelatinoamericana y caribeña cuando México esté gobernado por la izquier-da. Y la integración sudamericana será mucho más sólida cuando Colom-bia esté gobernada por la izquierda.

En el caso específico de Colombia, esperamos que las izquierdas europeasden fuerte apoyo al proceso de negociación FARC-Santos. Se trata no solode viabilizar la paz, sino también evitar que la política colombiana sigapolarizada entre santistas y uribistas.

Entendemos que, en el actual contexto internacional, la América Latina yCaribeña sigue ofreciendo mejores condiciones para sacar la lucha por elsocialismo de la situación de defensiva estratégica.

Sabemos que la profundización de los cambios y la aceleración de laintegración regional serán más fáciles si tenemos éxito en la construcciónde una cultura de masas, democrática, popular, de izquierda, en pro de laintegración y de un nuevo modelo de desarrollo.

Lo que, a su vez, tiene como uno de sus presupuestos el fortalecimientode las organizaciones de la izquierda política y social en América Latina y elCaribe, con destaque para la mejora de las condiciones de funcionamientodel Foro de São Paulo.

Nuestra experiencia, desde que creamos el Foro de São Paulo en 1990,es que fortalecer y perfeccionar el Foro de São Paulo es el equivalentepartidario de la profundización de la integración regional: no resuelve to-dos los problemas estratégicos/político-organizativos existentes en la re-gión y/o en cada país, pero crea el ambiente en el cual mejor podemosresolver estos problemas.

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383Valter Pomar

Todos los partidos del Foro consideran que la integración es fundamen-tal, estratégica, sea como protección contra la injerencia externa en generaly los impactos de la actual crisis internacional en particular, sea para hacerun mejor uso del potencial regional; y también como “paraguas” para losdiversos proyectos estratégicos que los partidos del Foro persiguen.

De los que defienden el socialismo a los que abogan por un nuevo mo-delo de desarrollo capitalista, todos reconocen que la integración es unfactor clave para limitar el alcance y la injerencia de la alianza conservadoraentre los oligarcas locales y sus aliados metropolitanos.

Ahora permítanme hablar no más como secretario ejecutivo del Foro deSão Paulo, sino como miembro de la dirección nacional del Partido dosTrabalhadores.

Nos parece que las izquierdas en todo el mundo -y en Latinoamérica y elCaribe no es distinto-, tenemos un déficit teórico, que retrasa y distorsionala ejecución de nuestros objetivos.

Este déficit teórico abarca la propia integración regional, el balance demás de una década de gobiernos progresistas y de izquierda, así como otrostres temas: el análisis del capitalismo del siglo XXI, pues muchos aún estánoperando con una interpretación sobre el capitalismo que corresponde alsiglo XX, el balance de las experiencias socialistas, socialdemócratas y naci-onal-desarrollistas del siglo XX, pues muchos repiten algunos de los erroresy desconsideran algunos de los éxitos y enseñanzas de aquellas experiencias;y la estrategia, pues en el imaginario de gran parte de la izquierda latinoa-mericana el Che todavía suplanta a Allende, a pesar de que por lo menoshoy estamos todos involucrados en una experiencia que tiene más que apren-der con Allende que con el Che.

Por supuesto, cuando hablamos de déficit teórico, no estamos diciendoque existe “poca producción intelectual”, sino que nos referimos a ladebilidad de esta producción.

En el caso específico del Brasil, las causas de esta debilidad son al menos tres.En primer lugar, la pérdida del status de la “clase media tradicional”

presiona a partes de este sector social a tener posturas muy conservadoras,inclusive proclives al fascismo, al mismo tiempo que impulsa otros sectoreshacia posturas izquierdistas. Y como la clase media es la base social de granparte de la intelectualidad, inclusive de la izquierda, ello afecta la produc-ción teórica.

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384 Miscelânea Internacional – 1998-2013

En segundo lugar, hay el impacto e influencia del neoliberalismo y de latriple crisis (del socialismo soviético, de la socialdemocracia y del nacional-desarrollismo) en el campo de la cultura, de la educación y de la comunica-ción social.

Este impacto e influencia afectan a los mecanismos de formación y promociónde la intelectualidad, y no favorecen al pensamiento de izquierda.

La influencia neoliberal en la cultura, educación y comunicación impidela formación de un pensamiento de masas basado en los valores de la izquier-da: no habrá una cultura popular, con decenas y decenas de millones en favorde la soberanía con integración, de la democracia, de la igualdad social y deun desarrollo de nuevo tipo, a menos que tengamos una industria cultural,una educación pública y una comunicación de masas de nuevo tipo.

Sin estos cambios, vamos a seguir cosechando lo que se registró en unareciente encuesta que señaló al Partido dos Trabalhadores, del Brasil, comoel partido más querido (24% versus 6% del centrista Partido del Movimi-ento Democrático Brasileño y 5% del derechista Partido de la SocialDemocracia Brasileña), pero en el contexto de una reducción en el númerode personas que declaran tener alguna preferencia partidaria (hemos caídodel 61% en 1988 al 44% en 2012).

En tercer lugar, hay en las izquierdas brasileñas diferencias políticas so-bre cómo articular nuestras dos grandes tareas: la superación de la hegemo-nía neoliberal y la realización de reformas estructurales que van más allá deldesarrollismo conservador.

Estas diferencias políticas generan dos posturas simétricamenteincorrectas: o un gobiernismo exacerbado, que solo tiene ojos para lo quees “posible hacer” aquí y ahora, atacando a cualquier postura crítica; o unizquierdismo también exacerbado, que solo tiene ojos para el objetivofinal, sin tener en cuenta cualquier análisis realista de la correlación defuerzas.

En algún sentido, el gobiernismo y el izquierdismo expresan un mismofenómeno: la división entre teoría y práctica, entre objetivos finales y mediospolíticos, entre estrategia y táctica.

Para superar esta situación, necesitamos de una fuerte conexión entre teoríay política. Especialmente ahora, cuando hemos alcanzado un éxito parcial,pero cuando también nos damos cuenta que para seguir adelante hay quecambiar aspectos importantes de la estrategia que adoptamos hasta ahora.

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385Valter Pomar

Necesitamos tornar hegemónico nuestro campo de ideas, cuyo núcleoduro es formado por la prioridad a lo social, la ampliación de las libertadesdemocráticas, la afirmación del papel del Estado, la combinación entresoberanía nacional e integración regional. Por supuesto, este campo de lasideas comprende una gama de posiciones que van de los “progresistas”hasta los socialistas revolucionarios. Y esto es positivo: una de las experien-cias del Foro de São Paulo es que no se debe temer la diversidad, inclusoideológica, dentro de las izquierdas.

Para finalizar, quero decir que la coyuntura mundial y latinoamericanaexige más velocidad de nuestra parte, si quisermos pasar del énfasis a lasuperación del neoliberalismo al énfasis en las reformas estructurales. Másvelocidad en la integración, más velocidad en los cambios dondegobernamos, más eficácia donde somos oposición y, en general, más unidadde las izquierdas latinoamericanas y caribenas. Y, como es obvio, mas diá-logo y cooperacion entre el Foro de São Paulo y las izquierdas de Oceania,Ásia, África, Estados Unidos y Europa.

Invito a ustedes a proseguir la discusión sobre estos temas, durante elXIX Encuentro del Foro de São Paulo, que tendrá lugar en Brasil, en laciudad de São Paulo, del 31 de julio al 4 de agosto de 2013.

Lido no dia 8 de fevereiro de 2013

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386 Miscelânea Internacional – 1998-2013

1. No discurso sobre o Estado da União, Obama anunciou seu apoio aum tratado entre EU e UE, que segundo ele ajudaria a criar empregos nosEstados Unidos. Logo em seguida, as partes anunciaram o início das nego-ciações, de um tratado que em tese abrangeria metade da produção e umterço do comércio mundial. O anúncio foi recebido, pela oposição brasilei-ra, como suposta prova de que nossa política externa estaria totalmenteerrada, pois ela teria nos afastado dos Estados Unidos e da Europa.

2. O que há por trás do anúncio? Primeiro, as necessidades da políticainterna tanto dos Estados Unidos, quanto da Europa, que precisam sinali-zar medidas que supostamente resultem em crescimento com geração deempregos. Segundo, a disposição de reorganizar as bases da aliança atlânti-ca. Terceiro, o desejo de evitar o deslocamento geopolítico em direção àÁsia.

3. Noutras palavras: as negociações EUA-UE, em torno deste TLC, de-vem ser colocadas lado a lado com duas outras iniciativas: o chamado Arcodo Pacífico e o TLC Ásia-Pacífico. São medidas que pretendem superar acrise, reafirmar a hegemonia mundial e sobre as Américas por parte dosEUA, assim como impedir o deslocamento do centro mundial em direçãoà Ásia, sob hegemonia chinesa.

4. Não cabem dúvidas quanto as intenções, mas cabe questionar aschances de sucesso. Em primeiro lugar, um TLC deste tipo teria quaisconsequências práticas, tendo em vista o nível de comércio já existenteentre ambas as regiões? Em segundo lugar, o estado das economias dosEUA e da UE permitem este tipo de sinergia virtuosa? Em terceiro lugar,qual o impacto efetivo que isto terá sobre as demais economias mundiais eem que prazo? Em quarto lugar, quanto tempo será necessário para negoci-ar um tratado deste tipo, supondo que as resistências em ambas regiões sejaefetivamente superável? Em quinto lugar, quais os desdobramentos políti-cos? Em sexto lugar, há algo que pudéssemos ou que possamos fazer arespeito?

5. Sobre as três primeiras questões, sou de opinião que devemos minimizaros efeitos práticos, pelo menos os de curto prazo. Sobre a quarta questão,

Estados Unidos e Europa

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387Valter Pomar

sou de opinião que as dificuldades são imensas e o tempo longo. Sobre aquinta questão, penso que devemos levar muito a sério a intenção dosEUA no sentido de recuperar a hegemonia e reverter o deslocamento geo-político. Sobre a sexta questão, a resposta é: a única coisa virtuosa quepodíamos e que podemos fazer a respeito é acelerar a velocidade da integra-ção regional e das medidas de proteção das economias latinoamericanas,especialmente a brasileira, pois a alternativa realmente existente era e con-tinua sendo ao estilo da Alca. Portanto, inaceitável.

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388 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Parte da mídia tem repercutido reportagem de uma revista, na qual seafirma que o PT teria sido convidado a participar de uma reunião na Em-baixada de Cuba, onde teria sido distribuído um “dossiê” contra a blogueirae se articulado uma campanha contra a presença da blogueira cubana YoaniSánchez no Brasil. Isto é verdade?

Não, não é verdade. O PT não foi convidado, nem participou de ne-nhuma reunião com este propósito. Aliás, ninguém precisa receber dossiêspara saber quem é Yoani Sánchez. Basta ler o que publicou a respeito delaa revista Veja, por um lado, e o site Opera Mundi, por outro lado. Alias,recomendo ler as 40 perguntas de Lamrani Salim para Yoani Sánchez emsua turnê mundial (http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/27260/40+perguntas+para+yoani+sanchez+em+sua+turne+mundial.shtml). Édemolidor.

De toda forma, a passagem dela pelo Brasil tem provocado vários pro-testos e a grande mídia insiste em citar o PT, ou militantes petistas,como parte das manifestações contrárias à presença dela em nosso País.Qual a sua posição?

Esta senhora está fazendo uma tourné mundial. O que ela mais deseja érepercussão mídiatica. Acho que ela não tem relevância que justifique fazeratos contra a presença dela. Na minha opinião, não compensa. Até porquealguns desses atos podem acabar ajudando a mídia a apresentá-la comouma frágil vítima de gente que a estaria impedindo de falar. Penso quecompensa muito mais insistir que ela responda as tais 40 perguntas que jácitei, todas de autoria de Lamrani Salim. Por exemplo: Quem organiza efinancia sua turnê mundial? Quem se esconde atrás de seu site desdecuba.net,cujo servidor está hospedado na Alemanha pela empresa Cronos AGRegensburg, registrado sob o nome de Josef Biechele, que hospeda tam-bém sites de extrema direita? Como pôde fazer seu registro de domínio pormeio da empresa norte-americana GoDady, já que isto está formalmenteproibido pela legislação sobre as sanções econômicas? Por que cerca de seus50 mil seguidores são na verdade contas fantasmas ou inativas? Voce conti-

Entrevista concedida ao site do PT

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389Valter Pomar

nua pensando que “havia uma liberdade de imprensa plural e aberta, pro-gramas de rádio de toda tendência política” sob a ditadura de FulgencioBatista entre 1952 e 1958?

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) tem participado de atividadescom a presença da blogueira. Como vê essa participação?

O senador é maior de idade e vacinado, logo penso que ele não correperigo. Como dirigente petista, acho um erro. E como seu eleitor, é claro quelamento profundamente que ele empreste sua credibilidade para uma pessoacomo Yoani Sánchez. Espero, contudo, que Suplicy use suas táticas Columboe consiga dela as respostas para perguntas tão simples como as que fez LamraniSalim. Espero, especialmente, que Suplicy pegunte para Yoani se ela condenaa imposição de sanções econômicas dos Estados Unidos contra Cuba? Seela está a favor da extradição de Luis Posada Carriles, exilado cubano e ex-agente da CIA, responsável por mais de uma centena de assassinatos, quereconheceu publicamente seus crimes e que vive livremente em Miami gra-ças à proteção de Washington? Se ela está a favor da devolução da base navalde Guantánamo que os Estados Unidos ocupam? Se ela é favorável à liberta-ção dos cinco presos políticos cubanos presos nos Estados Unidos desde 1998por se infiltrarem em organizações terroristas do exílio cubano na Florida?Quem sabe Suplicy não consegue dela as respostas para isto. Seria um grandefavor que ele prestaria a verdade e, por tabela, a Cuba. Claro que, neste caso,a revista Veja acusaria o PT de ter conspirado contra a presença de Yoani,destacando Suplicy para acompanhá-la.

Fevereiro de 2013

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390 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Recentemente você escreveu que “a chamada revolução bolivariana éum processo político-social muito consistente, que não depende nem seresume a uma pessoa”. Mas neste momento, qual a medida da falta deHugo Chávez, como liderança, na América Latina?

Continuo achando a mesma coisa que achava quando escrevi o textoque você leu. Existe um processo social na Venezuela que é encabeçado poruma pessoa, que não foi criado por essa pessoa. Um processo social dessamagnitude que sobrevive ao longo de 14 anos, ampliando seu espaço, con-solidando políticas, fortalecendo instrumentos, esse processo não dependede uma só pessoa. É um processo político-social que mobiliza milhões depessoas. Então não tenho por que acreditar nessa tese de que uma vez queuma pessoa desapareça, morra, o processo acaba. A grande questão é: queliderança vai substituir essa que morreu?

Nicolás Maduro tem condições de se consolidar como liderança?Acho que o Maduro será eleito presidente da República e evidentemente

cumprirá um papel destacado. Mas a minha opinião é que vai ocorrer aconstituição de uma liderança coletiva. Porque é evidente que o tipo de lide-rança que foi criado na primeira fase da revolução bolivariana não é copiável,não tem como refazer o tipo de lealdade política que se estabelece num mo-vimento social e político no seu início e achar que esse mesmo movimentoem etapas mais avançadas vai criar lideranças individuais semelhantes.

É óbvio que o tipo de liderança que Chávez representou foi possívelporque ele foi produzido por esse movimento político-social ocorrido naVenezuela desde o início. As lideranças que surgiram, depois ou ao longodo processo, e as que vão surgir no futuro são de tipos diferentes. O maisprovável é que tenhamos o surgimento de uma liderança coletiva, que podeser o Grande Pólo Patriótico, o PSUV, um grupo de dirigentes, mas nãoacredito na ideia de que vai haver uma espécie de um segundo Chávez parasubstituir o primeiro.

Grande parte dos analistas sérios – não estou falando dos “picaretas” –que dizem que o Maduro vai ter dificuldades é porque ficam se perguntan-

Entrevista à Rede Brasil Atual

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391Valter Pomar

do se Nicolás Maduro vai substituir o Chávez. Claro que não vai. Nãoporque o Maduro não tenha características individuais valiosas..

Ele não tem o carisma de Chávez...O carisma não é um fenômeno dado, é um fenômeno construído histo-

ricamente. E o processo histórico que construiu o tipo de liderançacarismática do Chávez corresponde à fase inicial do processo, e nós estamosem outra fase. Vou dar um exemplo brasileiro. As pesquisas de opiniãomostram que Dilma tem mais votos hoje do que Lula. Mas ninguém duvi-da que o Lula tem mais carisma que a Dilma, não é verdade? O certo seriadizer que o tipo de carisma do Lula é um; o tipo de carisma da Dilma éoutro.

O tipo de carisma do Lula corresponde a um período social em que essecarisma foi constituído. O da Dilma foi constituído em um período degoverno, ainda que ela também absorva a participação política anteriordela na luta armada. Isso é muito interessante: o que compõe o persona-gem carismático da Dilma hoje é uma mistura entre o que ela era na lutacontra a ditadura e o que ela foi desde que entrou no governo Lula.

O Maduro terá outro tipo de liderança, diferente da do Chávez, pelasimples razão de que são lideranças constituídas socialmente de maneira eem momentos históricos distintos. Essa questão, na minha opinião, é poli-ticamente irrelevante. A questão relevante é saber: o Maduro vai ser eleito?O PSUV vai continuar com seus aliados governando o país? A minha opi-nião é que sim. Porque a base social do processo é muito consistente.

Mas você concorda que o Partido Socialista Unido da Venezuela,o PSUV, partido de Chávez, não é uma instituição tão consolidada quantooutras na América, como o PT, e que a situação partidária na Venezuelaé mais frágil do que no Uruguai, Argentina...

Não concordo. A pergunta feita parte de um paradigma escondido. Oque é uma estrutura partidária consolidada? Como se mede isso? Pelo nú-mero de votos? Se é isso, eles estão muito bem. Se for a capacidade de fazertransformações sociais, estão muito bem. Pela capacidade de renovar lide-ranças? Se for isso eles vão confirmar essa capacidade agora.

Não tem um partido na América Latina que possa ser padrão para osoutros, porque cada um atua numa realidade completamente distinta. E

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392 Miscelânea Internacional – 1998-2013

mesmo que a gente busque os parâmetros mais universais, como númerode votos em relação ao total da população, capacidade de fazer transforma-ções políticas e ter hegemonia sobre o processo, capacidade de renovar, ternovas gerações dirigentes, eles estão muito bem.

Por exemplo, nós já passamos aqui no Brasil pelo teste de renovar umageração, a eleição da Dilma. Eles não passaram por esse teste ainda, vãopassar daqui a 30 dias. Mas em compensação eles estão melhor que nós noquesito percentual de apoio da população, e no quesito capacidade hege-mônica, ou seja, capacidade de fazer mudanças coerentes com seu progra-ma. Meu critério é esse: eles passaram em dois de três testes e vão passarpelo terceiro daqui a 30 dias. Se passarem por esse, estão no primeiro time.Terão demonstrado força eleitoral, capacidade hegemônica e de renovaçãode dirigentes

Evo Morales disse que “Chávez continua sendo comandante das for-ças libertárias da América”. Como você compara Lula e Chávez comolideranças regionais e também dentro dos respectivos países?

Eu não faço esse tipo de comparação por razões políticas. Não ajuda.Muito menos neste momento. Conseguimos chegar onde chegamos naAmérica Latina porque conseguimos cooperar, e a cooperação pressupõeliderança compartilhada, e não disputa de protagonismo. Essa necessidadeprossegue. O sucesso lá e o sucesso aqui se somam. Disputa de protagonis-mo atrapalha.

A presidenta Dilma disse, ao comentar a morte de Chávez que “emmuitas ocasiões o governo brasileiro não concordou integralmente como presidente Hugo Chávez”. A que diferenças Dilma estaria se referindo?

Não faço a menor ideia, e se eu fosse ela eu não teria falado isso. A horaé de reforçar convergências.

A morte de Chávez é mais sentida e tem mais repercussão nos paíseshispânicos, nossos vizinhos na América... Isso é óbvio... Por que?

O Brasil tem uma longa história de estar de costas para a América Lati-na. Colonização portuguesa aqui, colonização espanhola ali; aqui teve umaindependência conduzida pelo monarca português e seu filho, lá teve umaguerra de independência; aqui, depois da independência a gente teve uma

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393Valter Pomar

longa monarquia com escravidão, lá tivemos, em muitos países, repúblicacom abolição; construiu-se uma cultura de “nuestra América”, uma culturacomum nos países hispânicos que aqui não se construiu.

Falar de Bolívar aqui, para qualquer cidadão, não é a mesma coisa. Emqualquer país latino-americano de língua hispânica você vai ver que aspessoas têm uma consciência histórica muito mais integrada. Mesmo entreas pessoas que tenham opiniões políticas antagônicas. Bolívar é um heróinacional e regional para diferentes correntes políticas.

Então a figura do Chávez é culturalmente muito mais impactante para opovo de fala hispânica do que para os brasileiros, embora para a militânciapolítica de esquerda, PT, PCdoB, a morte dele tenha sido muito sentida.Mesmo a intelectualidade progressista, democrática, e aquela que é conser-vadora, sabe da importância histórica do Chávez.

A era Chávez foi revolucionária ou reformista?Esse período histórico que estamos vivendo na América Latina é de re-

formismo revolucionário, uma expressão inventada, que eu saiba, por umautor inglês chamado Ralph Miliband, nos anos 70, exatamente para falarde processos que, não sendo revoluções clássicas como foi a revolução rus-sa, chinesa, cubana – em que as forças transformadoras tomam o poder doEstado e fazem quase que tábula rasa das instituições políticas –, usam opoder para reformar a realidade econômica e social. Miliband e outros di-ziam que há situações em que as forças transformadoras não tomam opoder, elas ocupam partes do aparato do Estado e vão fazendo as transfor-mações. Então não é propriamente uma solução revolucionária, mas tam-bém não é um processo simples de reformas.

Brasil e Venezuela são semelhantes nessa avaliação?Fazem parte do mesmo processo histórico, mas não vivem a mesma

situação. No Brasil temos uma situação anterior a essa. Ainda estamosnuma etapa de superar a herança neoliberal.

Há quem diga – e não pessoas necessariamente conservadoras – que adependência do petróleo da Venezuela e a indústria incipiente prejudi-cam o país, o que pode se agravar se o processo do ponto de vista econô-mico não for bem conduzido...

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394 Miscelânea Internacional – 1998-2013

De fato a economia venezuelana é fortemente dependente de um únicoproduto. Essa dependência foi criada nos últimos 100 anos. O Chávezherdou essa limitação, entre outras coisas. O que pode ser discutido é emque medida, durante esses 14 anos, se conseguiu reduzir essa dependência.E também deve se discutir o que mais precisa ser feito para reduzir essadependência.

Mas vamos combinar que isso é uma operação dificílima, como se sabe,olhando para todos os países produtores de petróleo. A tendência, por razõesde economia política, de as pessoas se concentrarem na produção desse beme importarem o resto é muito grande. Pelo que conheço da Venezuela, elescontinuarão a fazer um esforço de industrialização e de segurança alimentar.

Têm consciência do problema e estão trabalhando para superá-lo. Seesse problema não for superado, isso se torna uma trava, não de curto, masde longo prazo, ao processo de transformação venezuelano. Não existe umasociedade igualitária moderna, profundamente democrática se ela não tiveruma economia de alto grau de autossuficiência, uma autonomia econômi-ca expressiva.

A oposição venezuelana, no início da era Chávez, aparecia como mui-to feroz, e hoje, depois de muito tempo, comparando com o Brasil, ondeo governo popular, com Dilma, está no terceiro mandato, a impressãonão é de que a oposição na Venezuela evoluiu e percebe a mudança e abrasileira é que hoje não consegue evoluir?

Existem duas posturas, na oposição conservadora em todos os países daAmérica Latina. Um setor busca se aproximar, conciliar, conviver com umahegemonia de centro-esquerda, às vezes mais, às vezes menos radical. Eoutro setor não faz nenhum acordo, nenhuma conciliação, promove guerraaberta. Esses dois setores cooperam, essas duas linhas convivem, lá e aqui.Estão presentes e atuantes de uma forma ou outra, dependendo do mo-mento, das circunstâncias, cooperando. Aliás, deixe-me dizer: que nota la-mentável a de Obama (http://www.redebrasilatual.com.br/temas/internacio-nal/2013/03/obama-ve-novo-capitulo-da-historia-da-venezuela-e-pede-relacao-construtiva).

Não sabe nem fazer hipocrisia. É uma nota quase comemorando a mor-te de Chávez...

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395Valter Pomar

Os Estados Unidos, seus aliados europeus e latino-americanos pensamque a morte de Hugo Chávez abre uma brecha, através da qual eles pode-rão desestabilizar o governo venezuelano e afetar o conjunto da esquerdaregional, especialmente naqueles países que recebem mais apoio materialda Venezuela (Cuba e Nicarágua, entre outros).

Não devemos subestimar este plano. Mas ao menos no curto prazo, estáocorrendo o contrário: um mobilizar e cerrar fileiras dos setores popularesliderados por Chávez, indicando a vitória de Nicolas Maduro nas eleiçõespresidenciais de 14 de abril próximo.

A partir desta eleição, pesarão os desafios de médio prazo, que são basi-camente quatro: estabelecer uma direção coletiva, tanto pública quantointerna, para o processo de transformações em curso na Venezuela; enfren-tar as debilidades do processo, especialmente as econômicas de longo pra-zo, tais como segurança alimentar e industrialização; ajudar a superar certa“crise de direção” presente no processo de integração regional; e enfrentar odebate sobre a herança ideológica, teórica, programática e cultural do“chavismo”.

Este último desafio será continental. A direita tomou a iniciativa deaproveitar as exéquias para desqualificar o conjunto da obra. As recentesedições de Veja e Época, com capas e matérias dedicadas a pintar Chávezcomo autoritário, são exemplos disto.

Cabe ao PT e ao conjunto das forças de esquerda defender a experiênciado governo Chávez (1999-2013), que ampliou o bem estar social, a demo-cracia e a soberania venezuelanas, além de ter ajudado a impulsionar aintegração regional e de ter sido, como bem disse a presidenta Dilma, umgrande amigo do Brasil.

Além de fazer esta defesa, é importante que o PT e o conjunto da esquer-da debatam os ensinamentos que a experiência venezuelana proporciona,acerca dos problemas e das possibilidades de uma estratégia de transição aosocialismo, a partir da conquista eleitoral de governos, nas atuais condiçõeslatinoamericanas e caribenhas.

O chamado chavismo tem pelo menos cinco características que mere-

Coluna na Teoria e Debate

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396 Miscelânea Internacional – 1998-2013

cem ser destacadas e analisadas no detalhe: a preocupação em construiruma doutrina de massas, vinculando o passado (Bolívar), o presente (inte-gração) e o futuro (“socialismo do século XXI”); uma linha militar, segun-do a qual a revolução bolivariana é pacífica, mas não é desarmada; uminternacionalismo hiperativo, com um forte componente de solidariedadematerial; o destaque para a participação democrática, inclusive mas nãoapenas eleitoral; a compreensão de que a polarização politico-ideológica é,no fundamental, positiva.

Portanto, a experiência de Chávez deve ser analisada em conjunto com aexperiência de Allende (1970-1973); e não pode ser reduzida ou confundi-da com a experiência de governos militares nacionalistas, como os existen-tes no Peru e na Bolívia.

Devemos, em especial, evitar que o debate acerca da experiênciavenezuelana ressuscite a “teoria” das “duas esquerdas”, a “carnívora” e a“vegetariana”. Como já ficou amplamente demonstrado, há várias esquer-das na região e seu êxito depende da unidade na diversidade, ou seja, daconvivência de diferentes estratégias nacionais, nos marcos de uma estraté-gia continental compartilhada.

Sobre este aspecto do problema, considerando a situação venezuelana,sabendo como está a Argentina, e lembrando que o Brasil já entrou emperíodo eleitoral, podemos prever que o processo de integração regionalseguirá sofrendo uma certa “crise de direção”.

Numa conjuntura internacional como a que vivemos, que exige maisvelocidade e intensidade na integração, devemos tomar medidas urgentespara superar esta situação.

Será um ano importante, também, para ajudar no êxito da negociaçãoFARC-Santos; ampliar as relações com a esquerda peruana e com o gover-no Humala; colaborar na vitória da centro-esquerda nas eleições chilenas,com base num programa de maior colaboração com Unasul e Mercosul; eprestar solidariedade à esquerda nas eleições do Paraguai (21 de abril),Honduras e El Salvador.

12 de março de 2013

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397Valter Pomar

Vamos organizar a análise dos acontecimentos na região em torno deduas variáveis principais: a dinâmica interna de cada país e a dinâmica daintegração regional.

A dinâmica da integração regional vai considerar de um lado as forçasfavoráveis a uma integração subordinada, versus aquelas favoráveis a umaintegração autônoma.

Consideramos que as forças pró-integração autônoma iniciaram umarápida ofensiva a partir das eleições de Chavez (1998) e Lula (2002).

Esta ofensiva perdeu impulso nos últimos anos, em decorrência de fato-res distintos, mas confluentes, entre os quais:

1. A crise internacional, que tem efeitos diferenciados em cada região,país, setor de atividade econômica e classe social. Os impactos diretos eindiretos da crise sobre a América Latina e Caribenha vão prosseguir porbastante tempo.

2. A contraofensiva dos Estados Unidos e aliados, o movimento maisrecente foi anunciado por Barack Obama, no discurso sobre o Estado daUnião: um tratado entre Estados Unidos e União Européia, que em teseabrangeria metade da produção e um terço do comércio mundial.

O anúncio reflete as necessidades da política interna tanto dos EstadosUnidos, quanto da Europa, que precisam sinalizar medidas que supostamen-te resultem em crescimento com geração de empregos. Segundo, a disposiçãode reorganizar as bases da aliança atlântica. Terceiro, o desejo de evitar odeslocamento geopolítico em direção à Ásia e fazer pressão sobre os Brics.

Um TLC deste tipo teria quais consequências práticas, tendo em vista onível de comércio já existente entre ambas as regiões? O estado das econo-mias dos EUA e da UE permite este tipo de sinergia virtuosa? Qual oimpacto efetivo que isto terá sobre as demais economias mundiais e em queprazo? Quanto tempo será necessário para negociar um tratado deste tipo,supondo que as resistências em ambas regiões seja efetivamente superável?Quais os desdobramentos políticos? Há algo que possamos fazer a respeito?

Devemos minimizar os efeitos práticos, pelo menos os de curto prazo.Sobre a quarta questão, as dificuldades são imensas e o tempo longo. Mas

Roteiro sobre políticainternacional latino-americana

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398 Miscelânea Internacional – 1998-2013

devemos levar muito a sério a intenção dos EUA no sentido de recuperar ahegemonia e reverter o deslocamento geopolítico.

A única coisa virtuosa que podíamos e que podemos fazer a respeito éacelerar a velocidade da integração regional e das medidas de proteção daseconomias nacionais, pois a alternativa realmente existente era e continuasendo ao estilo da Alca. Portanto, inaceitáveis.

As negociações EUA-UE, em torno do TLC, devem ser colocadas lado alado com duas outras iniciativas já conhecidas: o chamado Arco do Pacífi-co e o TLC Ásia-Pacífico. São medidas que pretendem superar a crise,reafirmar a hegemonia mundial e sobre as Américas por parte dos EUA,assim como impedir o deslocamento do centro mundial em direção à Ásia,sob hegemonia chinesa. Aliás, a presença da China na América Latina tam-bém é um tema que merecerá acompanhamento permanente.

A crise internacional, a contraofensiva dos Estados Unidos e aliados,somadas as dificuldades e debilidades dos setores progressistas e de esquer-da, produziram uma situação, hoje, de equilíbrio relativo entre as forçaspró-integração subordinada e as forças pró-integração autônoma.

3. Sobre as contradições internas a cada país, o quadro geral ainda épositivo: desde 1998, nos países em que partidos de esquerda chegaram aogoverno, não houve nenhum caso de derrota pela via eleitoral. A recentereeleição de Correa confirma isto.

Mas, por outro lado, são evidentes as limitações, especialmente dos go-vernos gerados pelas três últimas vitórias eleitorais (ou seja, não reeleições):Paraguai, El Salvador e Peru.

No primeiro caso, o governo Lugo foi vítima de um golpe. E nos doisúltimos casos, os governos estão sob forte pressão das políticas estado-unidenses.

De maneira geral, na América Central, México e Caribe, se mantém ahegemonia política e econômica da integração subordinada.

A resistência de Cuba, a força eleitoral da FSLN e a presença do governoFunes, entre outros, não deve nos confundir quanto a isto.

Já na América do Sul, há uma hegemonia política das forças pró-inte-gração autônoma. Mas nos últimos anos, a crise internacional e as contra-dições internas ampliaram as dificuldades, especialmente no eixo Brasil-Argentina-Venezuela.

No caso do Brasil: não há integração sem um papel mais ativo do Brasil,

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399Valter Pomar

no plano político e econômico. Mas nossa atuação prática está muito aquémdo necessário.

No caso da Argentina: o agravamento da situação econômica e a cres-cente mobilização da oposição ampliam as pressões sobre o kirchnerismo.No caso da Venezuela, a sucessão de Chavez terá consequências que aindanão estão claras.

Evidente que não vai durar para sempre a situação atual, de equilíbriorelativo entre as forças pró “integração subordinada” e as forças pró “inte-gração autônoma” Ademais, a situação de equilíbrio tende a favorecer, nomédio prazo, aqueles que são favoráveis à integração subordinada.

Tudo indica que o ano de 2013 será absolutamente decisivo: será o anode controlar os problemas econômicos da Argentina, acomodar politica-mente a situação na Venezuela, relançar o crescimento acelerado no Brasil.

Será o momento, também, de acelerar o processo de integração regional,para o que será necessária uma atitude mais pró-ativa do tripé Brasil-Ar-gentina-Venezuela.

Será o momento de neutralizar a operação Arco do Pacífico, através de trêsmovimentos: ajudar a que tenha êxito o processo de negociação FARC-San-tos; recuperar o governo peruano para o projeto de integração regional; tra-balhar pela vitória da centro-esquerda nas eleições chilenas, com base numprograma de maior colaboração do Chile com Unasul e Mercosul.

Será um momento, ainda, de reforçar a institucionalidade da esquerdana Venezuela, Bolívia e Equador, aprendendo com os últimos aconteci-mentos na Venezuela, que confirmam a necessidade de múltiplas lideran-ças de massa e fortes organizações partidárias.

No curto prazo, temos pela frente a eleição paraguaia, no dia 21 de abril.As forças de esquerda estão divididas em três listas parlamentares e trêscandidaturas presidenciais. A esquerda pode sofrer uma derrota não apenaseleitoral, mas também política.

No caso do México, América Central e Caribe, cabe analisar os movi-mentos iniciais do novo governo mexicano, acompanhar de perto o proces-so eleitoral salvadorenho, e estabelecer vínculos mais profundos com asnovas gerações dirigentes na Nicarágua e em Cuba.

No caso de Cuba, a visita de Yoani Sanchez ao Brasil mostra como umaparcela da direita segue aferrada a um padrão de luta ideológica típica daGuerra Fria. E mostra, também, que na esquerda há tanto quem caia na

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400 Miscelânea Internacional – 1998-2013

provocação, quando quem seja seduzido pelo discurso da direita, ao pontode apresentar Yoani como uma Mandela tropical.

Por fim: embora a contradição principal seja “integração autônoma”versus “integração subordinada”, a dinâmica regional é atravessada por outrasvariáveis, em especial a contradição entre “neoliberalismo conservador” versus“desenvolvimento com bem estar social”.

Na maior parte dos países da região, só vai haver desenvolvimento combem estar social (seja na forma mitigada, seja na forma de transição socia-lista), se houver integração autônoma. E, por outro lado, só haverá apoiosocial para a integração, se ela aparecer aos olhos da maioria do povo comoum instrumento para o desenvolvimento com bem estar social.

Neste sentido, embora o projeto de integração seja entre Estados e povos,e não entre governos ideologicamente afins, é muito importante reforçar edestacar nosso projeto ideológico simultaneamente generoso e radical.

Isto remete para uma questão de longa duração, que é a constituição deum pensamento latinoamericano e caribenho de massas, em favor da inte-gração e de medidas democrático-populares e socialistas.

Neste terreno, da luta cultural no sentido amplo da palavra, o Brasilsegue entre os países mais atrasados.

Para grupo de conjuntura da Fundação Perseu Abramo

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401Valter Pomar

O principal fato deste período é a morte de Hugo Chávez.Seguindo o roteiro apresentado na reunião anterior, devemos analisar o

impacto da morte do Chávez sobre a dinâmica interna de cada país e sobrea dinâmica da integração regional.

Comecemos pela Venezuela. O impacto imediato é o mobilizar e cerrarfileiras dos setores populares liderados por Chávez, indicando a vitória deNicolas Maduro nas eleições presidenciais de 14 de abril próximo.

Por isto mesmo, a oposição terá que escolher entre disputar ou não, jáque ao participar reconhecerá a legitimidade do processo, ampliará a mobi-lização do chavismo e pode proporcionar a Nicolas Maduro uma votaçãosimilar ou até superior a obtida por Chávez na eleição presidencial de outu-bro de 2012.

Nesta decisão, vai pesar a disputa interna à oposição: se por um ladonova derrota pode enfraquecer Henrique Capriles, por outro lado lançaroutro nome pode fortalecer uma alternativa a Capriles e ao mesmo tempoenfraquecer eleitoralmente a oposição, em 14 de abril e posteriormente.

Seja como for, se não houver nenhuma novidade, a tendência é NicolasMaduro ser o próximo presidente da República Bolivariana da Venezuela.Aí começam os desafios de médio prazo, que são basicamente três: 1) esta-belecer uma direção coletiva, tanto pública quanto interna, para o“bolivarianismo”; 2) enfrentar as debilidades do processo, especialmente aseconômicas; 3) e um terceiro desafio, já enfrentado em processos similares,diz respeito a como lidar com a herança ideológica, teórica, programática,cultural do próprio chavismo.

Este desafio, é importante dizer, não se limita aos próprios venezuela-nos. Especialmente por iniciativa da direita, está em curso um balanço daexperiência venezuelana; sendo que no caso da direita, isto tem não apenascom o objetivo de desqualificar o que foi feito, mas também de caracterizarcomo “autoritarismo populista e voluntarista” o conjunto das orientaçõesdo que acostumamos chamar de chavismo.

É importante que o conjunto da esquerda participe deste debate, umavez que a experiência do governo Chávez (1999-2013) tem inúmeros ensi-

Roteiro 11 de março

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402 Miscelânea Internacional – 1998-2013

namentos a nos dar acerca dos problemas e das possibilidades de uma estra-tégia de transição ao socialismo, a partir da conquista eleitoral de governos,nas atuais condições latinoamericanas e caribenhas.

Para além daqueles pontos óbvios, acerca dos quais nos compete defen-der o governo de Hugo Chávez, cabe considerar que o chavismo tem qua-tro características que merecem ser destacadas e analisadas neste debate: 1-a preocupação em construir uma doutrina, vinculando o passado (Bolívar),o presente (integração) e o futuro (socialismo do século XXI); 2-uma linhamilitar, segundo a qual a revolução bolivariana é pacífica, mas não é desar-mada; 3-um internacionalismo hiperativo, com um forte componente desolidariedade material; 4-um forte destaque para a participação democráti-ca, inclusive eleitoral, do povo; 5-a compreensão de que a polarização é, nofundamental, positiva.

O debate sobre o balanço da experiência venezuelana está recolocandosobre a mesa a “teoria” das “duas esquerdas”, a “carnívora” e a “vegetaria-na”; assim como recoloca o debate sobre os dois caminhos da AméricaLatina, o supostamente exitoso “Arco do Pacífico” em aliança com os EUAversus os caminhos propostos pela Alba, Celac, Unasul e Mercosul.

Isto nos remete para a discussão acerca do impacto da morte de HugoChávez sobre os demais países da região e, também, sobre o processo deintegração.

Os Estados Unidos e seus aliados europeus enxergam no fato uma bre-cha, por onde poderiam penetrar e desestabilizar o processo bolivariano e,com isso, afetar o conjunto da esquerda regional, especialmente aquelespaíses que receberam mais apoio da Venezuela (Cuba e Nicarágua, entreoutros).

Paradoxalmente, esta possibilidade (desestabilização da Venezuela) nãoé de total agrado de alguns governos de centro-direita existentes na região.Especialmente no caso do governo colombiano, a existência de um fortepólo chavista cumpre um papel de contraponto e de estabilização regional,útil para Santos tanto no conflito com as Farc quanto no conflito comUribe.

No caso dos países receptores da solidariedade material venezuelana, éimportante considerar que –mesmo na hipótese mais provável da vitória deMaduro— o ritmo, a extensão e a capacidade de pronta-resposta da Vene-zuela tendem a reduzir-se, pelo menos por algum tempo.

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403Valter Pomar

Considerando que o Brasil já entrou em período eleitoral, e consideran-do a situação argentina e venezuelana, podemos prever que o processo deintegração regional poderá sofrer, ao menos no curto prazo, uma certa “cri-se de direção”.

Lembramos, a este respeito, o que foi dito no Roteiro de 25 de fevereiro:“a crise internacional, a contraofensiva dos Estados Unidos e aliados, so-madas as dificuldades e debilidades dos setores progressistas e de esquerda,produziram uma situação, hoje, de equilíbrio relativo entre as forças pró-integração subordinada e as forças pró-integração autônoma. (...) Evidenteque não vai durar para sempre a situação atual, de equilíbrio relativo entreas forças pró “integração subordinada” e as forças pró “integração autôno-ma” Ademais, a situação de equilíbrio tende a favorecer, no médio prazo,aqueles que são favoráveis à integração subordinada”.

Reafirmamos também que 2013 “será o ano de controlar os problemaseconômicos da Argentina, acomodar politicamente a situação na Venezue-la, relançar o crescimento acelerado no Brasil.”

“Será o momento, também, de acelerar o processo de integração regio-nal, para o que será necessária uma atitude mais pró-ativa do tripé Brasil-Argentina-Venezuela”.

“Será o momento de neutralizar a operação Arco do Pacífico, através detrês movimentos: ajudar a que tenha êxito o processo de negociação FARC-Santos; recuperar o governo peruano para o projeto de integração regional;trabalhar pela vitória da centro-esquerda nas eleições chilenas, com basenum programa de maior colaboração do Chile com Unasul e Mercosul.”

“Será um momento, ainda, de reforçar a institucionalidade da esquerdana Venezuela, Bolívia e Equador, aprendendo com os últimos aconteci-mentos na Venezuela, que confirmam a necessidade de múltiplas lideran-ças de massa e fortes organizações partidárias.”

“No curto prazo, temos pela frente a eleição paraguaia, no dia 21 de abril.”“No caso do México, América Central e Caribe, cabe analisar os movi-

mentos iniciais do novo governo mexicano, acompanhar de perto o proces-so eleitoral salvadorenho, e estabelecer vínculos mais profundos com asnovas gerações dirigentes na Nicarágua e em Cuba.”

Roteiro para discussão sobre situação latino-americana,para reunião do Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo

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404 Miscelânea Internacional – 1998-2013

O Grupo de Trabalho do Foro de São Paulo reuniu-se no dia 17 destemês. Um dos temas discutidos na reunião foi a Venezuela que terá eleiçõespresidenciais em abril. Quais foram os encaminhamento do GT?

Decidimos retomar a campanha em solidariedade a Venezuela. Faremosuma reunião extraordinária do Grupo de Trabalho em Caracas, para mani-festar nosso apoio à candidatura presidencial de Nicolás Maduro. E esta-mos estimulando que em todos os países, ocorram atividades similares,bem como declarações de apoio de partidos, movimentos sociais e persona-lidades. E estamos estimulando a que todos acompanhem o processo elei-toral, através de observadores ou fazendo vigílias em seu próprio país, nodia da votação. Queremos que o processo de mudanças iniciada em 1999,com a posse de Hugo Chávez tenha continuidade e para isso Maduro devevencer as eleições de 14 de abril.

O Paraguai também é outro país do nosso continente com eleições emabril próximo. Alguma orientação especial para o acompanhamento dasituação lá?

As eleições no Paraguai serão no dia 21 de abril. Embora as pesquisas nãosejam confiáveis, o mais provável é que vença o candidato do Partido Colorado,entre outras razões porque as forças de centro-esquerda que apoiaram a elei-ção de Lugo hoje estão divididas. Passada a eleição, caso o prognóstico seconfirme, teremos que ver em que bases conviver com o novo governo. Econversar com os partidos amigos, para ver em que podemos ajudar.

E sobre as negociações de paz na Colômbia entre o governo e as Farc

foi tirada alguma decisão?A posição do Foro, desde sempre, é a favor da paz. Esperamos, portanto,

que as negociações em curso na cidade de Havana tenham sucesso. Issosupõe, entre outras coisas, que as partes não tentem conseguir, na negoci-ação, aquilo que não conseguiram guerreando: as FARC não conseguiramtomar o poder, o governo não conseguiu destruir as FARC. Supõe, tam-bém, isolar o setor mais direitista da sociedade colombiana, cujo porta-voz

Página do PT Nacional

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405Valter Pomar

é o ex-presidente Uribe. Este setor quer dar continuidade à guerra. Supõe,ainda, que haja pressão nacional e internacional em favor da paz; pensandonisto, convocamos para o dia 8 de abril, em Bogotá, uma modesta ativida-de do Foro de São Paulo, onde vamos intercambiar com diferentes forçaspolíticas acerca do tema.

Fale um pouco sobre os cursos de formação política do Foro de SãoPaulo.

O sucesso da esquerda latinoamericana e caribenha passa pela integra-ção. E a integração exige a criação de uma cultura política de massas,integracionista, democrática e popular. E para que esta cultura surja, épreciso entre várias outras coisas um potente pensamento de esquerda. Eeste pensamento supõe interpretação das novas realidades e formação polí-tica das novas gerações, em bases regionais, não apenas nacionais. Por istotemos estimulado o diálogo entre as escolas, os centros de formação e asfundações dos partidos que compõem o Foro de São Paulo. E deste diálogosurgiu o curso de formação realizado no México, nos dias 18 e 19 de mar-ço; e também o curso que vamos realizar em São Paulo, nos dias 29 e 30 dejulho, sempre tendo como eixo temático a integração.

O Brasil vai sediar em julho o XIX Encontro do Foro. O que foi defi-nido nesta reunião do sobre esse grande evento?

Definimos o tema, a saber: aprofundar as mudanças e acelerar a integra-ção. Definimos a data: de 31 de julho a 4 de agosto. Definimos o local: nacidade de São Paulo. Definimos a programação, que inclui cinco grandesencontros: de mulheres, de juventudes, de afrodescendentes, de parlamen-tares, de autoridades locais e subnacionais; inclui sete grandes seminários:sobre África, sobre Oriente Médio, sobre Europa, sobre Estados Unidos,sobre os Brics, sobre os governos progressistas e de esquerda, e sobre aexperiência do governo Hugo Chavez; inclui mais de 20 oficinas, sobrevariados temas; além das atividades do Foro estrito senso, como as plenári-as e reuniões regionais. Proximamente vamos divulgar a programação com-pleta, divulgar o documento base e começar a fazer as inscrições de quemdeseja participar.

Como será a participação do Foro de São Paulo no Fórum Social Mun-dial que ocorrerá na Tunísia este ano?

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406 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Faremos dois seminários, graças a cooperação da Fundação Perseu Abramoe da Fundação Maurício Grabois, com o objetivo de intercambiar pontosde vista e combinar ações comuns, principalmente entre as esquerdas daÁfrica e da América Latina e Caribe.

Este ano será promovido, em Havana (Cuba), o Encontro de Petistase Núcleos do PT no exterior. A programação já está definida?

O Encontro de Petistas e Núcleos do PT no exterior será realizado nosdias 27 e 28 de abril. Teremos três grandes assuntos: Cuba, a conjuntura ea ação dos petistas no exterior. Quanto a Cuba, o objetivo é receber infor-mações sobre o processo de reformas que está em curso. Sobre a conjuntu-ra, a idéia é debater os temas abordados na convocatória do Quinto Con-gresso do Partido. E quanto ao último ponto, pretendemos retomar temasque já foram objeto de discussão noutros encontros, especialmente a defesados direitos econômicos, sociais e políticos dos migrantes brasileiros. OEPTEX vai coincidir com a presença, em Cuba, de uma delegaçãoencabeçada pelo presidente do PT, Rui Falcão.

http://www.pt.org.br/noticias/view/foro_de_saeo_paulo_grupo_de_trabalho_define_tarefas_e_prepara_xix_encontro

22/03/2013

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407Valter Pomar

O mês de abril será marcado por dois processos eleitorais: no Paraguai,dia 21 de abril, tudo caminha para a vitória do Partido Colorado, com aspesquisas disponíveis situando as esquerdas em terceiro lugar, na melhordas hipóteses; na Venezuela, dia 14 de abril, tudo caminha para a vitória deNicolas Maduro, candidato do Grande Pólo Patriótico.

Já contando com a vitória de Maduro, a oposição e seus aliados interna-cionais buscarão sabotar o funcionamento do governo e da economiavenezuelana, dificultar o funcionamento da direção coletiva do processobolivariano e, não menos importante, desmoralizar o chamado chavismo.

É preciso defender o legado de transformações sociais, econômicas epolíticas do governo Chávez (1999-2013), inclusive porque a experiênciavenezuelana nos dá inúmeros ensinamentos acerca dos problemas e daspossibilidades de uma estratégia de superação do neoliberalismo, de cons-trução de outro modelo de desenvolvimento e de transição ao socialismo, apartir da conquista eleitoral de governos, nas atuais condições históricas.

O XIX Encontro do Foro de São Paulo (31 de julho a 4 de agosto de2013, na cidade de São Paulo) realizará um seminário de balanço da con-tribuição que Hugo Chávez deu ao processo de transformações que está emcurso na América Latina e Caribe, destacando seu compromisso com ademocracia e a mobilização popular, seu internacionalismo militante e anti-imperialista, sua visão acerca da história de nossa região e sua defesa dosocialismo.

É preciso atentar que as forças imperialistas e seus aliados regionais bus-cam principalmente prejudicar o processo de integração regional, em bene-fício por exemplo de iniciativas como o chamado “Arco do Pacífico”.

Neste sentido, os partidos e governos da América Latina e Caribe devemdar maior concretude e velocidade ao processo de integração, especialmen-te no âmbito do Mercosul, Unasul e Celac.

A situação mundial exige urgência: como mostra o caso do Chipre, a criseinternacional prossegue; como demonstra a Itália, a crise tem profundasrepercussões políticas; e como vemos na Síria e noutras regiões, são cadavez mais graves as repercussões militares.

Debate de conjunturaem 25 de março de 2013

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408 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Noutro dos lados da moeda, os Estados Unidos continuam esforçando-se para recuperar a hegemonia, por exemplo através da desvalorização dodólar, dos acordos de livre comércio, da busca de autonomia energética edos ajustes na política de segurança.

Neste contexto, alguns de nossos desafios de curto prazo são:1. superar as dificuldades políticas e econômicas existentes na Argentina,

Brasil e Venezuela. Embora as situações sejam distintas, a ocorrência simultâ-nea de dificuldades gera uma “crise de direção” no processo de integração;

2. ajudar na elaboração e implementação da política dos setores progres-sistas e de esquerda, no Chile, no Peru, na Colômbia e no México.

No caso do Chile, trata-se de vencer as eleições presidenciais (17/11/2013), com base num compromisso efetivo com a integração regional.

No caso do Peru, trata-se de repactuar este mesmo compromisso com ogoverno Ollanta Humala, sem subestimar a força da direita, que no dia 17/3/2013 fracassou na tentativa de revogar o mandato da prefeita de Lima,mas demonstrou força.

No caso da Colômbia, trata-se de derrotar o uribismo e contribuir parao êxito das negociações entre as FARC e o governo, êxito que dependeessencialmente das partes compreenderem que não podem conseguir naMesa aquilo que não conseguiram na guerra; mas ao mesmo tempo trata-se de ajudar a esquerda política e social colombiana a capitalizar os bônusda paz, que não podem ser apropriados exclusivamente por Santos.

No caso do México trata-se de reunificar a esquerda mexicana, hojefragmentada entre diferentes posturas frente ao governo do PRI;

3. colaborar para que os setores progressistas e de esquerda vençam aseleições em Honduras (10/11/2013) e El Salvador (2014), lembrando quea América Central é região amplamente hegemonizada pelos Estados Uni-dos e por uma direita que adota métodos da Guerra Fria.

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409Valter Pomar

Como era a esquerda latino-americana antes de Chávez y como mu-dou ela sob sua influência?

Embora só em 2002, com a eleição de Lula, se tenha consolidado umatendência, foi com a eleição de Chavez, em 1998, que se inaugurou a ondade governos de esquerda e progressistas na América Latina. Todos estesgovernos, os partidos e lideranças que os encabeçam, fazem parte de umúnico processo, dentro do qual cada um aporta suas próprias característi-cas. Na minha opinião, Chavez aportou quatro diferenciais: primeiro, abusca de constituir um pensamento que vinculasse o futuro (“socialismodo século XXI”), o presente (integração) e o passado (bolivarianismo); se-gundo, uma solidariedade internacionalista muito intensa, que ajudou eajuda a reforçar materialmente outros povos, países e movimentos amigos;terceiro, uma doutrina militar, baseada na idéia de que uma revolução paraser pacífica, não pode ser desarmada; e, em quarto lugar, uma forte apostana democracia, sob todas as suas formas, inclusive a eleitoral. Embora to-dos estes quatro elementos estivessem e estejam presentes em outros pro-cessos, partidos e lideranças, acredito que a atuação prática de Chavez lhesdeu um destaque diferencial.

Qual foi a contribuição de Chávez ao PT e os movimentos de esquer-da de América do Sul, ao Foro de São Paulo?

Basicamente, o que já citei. O governo Chavez demonstrou que é possí-vel fazer mudanças profundas em uma sociedade, ter uma postura interna-cionalista e anti-imperialista, defender o socialismo como objetivo e, aomesmo tempo, manter o apoio popular e o controle do aparato de Estado.Claro que o processo bolivariano tem suas contradições, insuficiências edebilidades, mas o saldo global é positivo e estimula a esquerda continen-tal, que tem o desafio de aprender sem copiar, pois a realidade venezuelanatem especifidades e o que vale ali, geralmente não vale noutros lugares.Neste sentido, seu apoio e participação no Foro de São Paulo revela queChávez era adepto da mesma opinião que temos: a esquerda é forte, naAmérica Latina, entre outras coisas porque aprendemos que é possível ex-trair força da unidade na diversidade.

France-Presse

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410 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Como o senhor lembra ao Chávez, quando o conheceu a primeira vez,por exemplo, ou lembra algum episódio sobre ele que possa mostrar ointeresse do Chávez na esquerda latino-americana?

Eu destaco o discurso que ele fez, no encerramento do XVIII Encontrodo Foro de São Paulo, em Caracas. E sua alegria ao assistir, pouco antes dediscursar, um vídeo em que Lula dizia: “sua vitória será nossa vitória”. Eleainda não havia visto o vídeo e ficou mais que contente, emocionado.

O que perde a esquerda d continente com la partida do líder venezue-

lano? Como o senhor vê o futuro sem ele (integração, lideranças, etc.)?Como disse a Dilma, referindo-se ao Brasil, mas isto vale para todos os

povos da região, perdemos em primeiro lugar um amigo e um camarada.Isto não tem jeito, não tem conserto. Quanto ao futuro, a luta continua.Particularmente na Venezuela, o processo bolivariano é muito forte e vaiseguir, mais que nunca sob direção coletiva, tendo Nicolás Maduro comoprotagonista principal. Aliás, esta também devemos a Chavez: ele se jogoude corpo e alma na eleição presidencial de 2012 e, depois da vitória, aoconstatar a recidiva da doença, equacionou sua própria sucessão, evitandoconflitos e perda de tempo. A direita reclama disto, mas convenhamos:bem que eles gostariam de ter líderes com este nível de entrega pessoal eresponsabilidade histórica.

Entrevista concedida a Hector Velasco, da AFP em março de 2013

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411Valter Pomar

A Venezuela ainda está em clima de comoção pela perda de HugoChávez. Você que foi um dos representantes do PT na cerimônia dehomenagem a Chávez, poderia descrever o drama vivido pela maioria dapopulação venezuelana.

Tenho dúvida se drama é a palavra exata. Os setores populares estãocomovidos, estão tristes, mas ao mesmo tempo a moral é muito alta, háuma imensa combatividade. O povo venezuelano é muito politizado, tantoo chavismo quanto a oposição. A fila para o velório é imensa, fala-se emcerca de 100 mil pessoas ao dia.

Muito se tem falado sobre o legado político de Chávez. Qual é a realimportância dele, não somente para a Venezuela, mas para a própria Amé-rica Latina?

Eu acho o mesmo que está na nota do Partido dos Trabalhadores: Chávezficará para a história como um dos heróis da América Latina. Claro que adireita não pensa isto e está fazendo de tudo para desqualificar as realizaçõesdo seu governo. Exemplo disto é a revista Veja e a revista Época desta sema-na. É importante que o PT enfrente este debate, até porque a experiência dogoverno Chávez (1999-2013) tem muito a nos ensinar acerca dos problemase das possibilidades de uma estratégia de transição ao socialismo, a partir daconquista eleitoral de governos, nas atuais condições históricas.

A postura antineoliberal, as idéias antiimperialistas e a crença na Re-volução Bolivariana de Chávez influenciaram vários líderes na AméricaLatina, como Rafael Correa, no Equador, Evo Morales, na Bolívia, emesmo Ollanta Humala, no Peru. O bolivarismo continuará influenci-ando novos líderes no continente?

De fato, a prática e o pensamento de Chávez influenciaram e vão conti-nuar influenciando por muito tempo diversos setores da esquerda regionale mundial. Claro que varia muito a natureza e a amplitude desta influên-cia, seus aspectos negativos e positivos. Precisamos levar em conta que aquiloque chamamos de “pensamento chavista” inclui pelo menos cinco traços: a

Entrevista sobre Venezuelapara a página do PT

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412 Miscelânea Internacional – 1998-2013

preocupação em construir uma doutrina, vinculando o passado (Bolívar),o presente (integração) e o futuro (socialismo do século XXI); uma linhamilitar, segundo a qual a revolução bolivariana é pacífica, mas não é desar-mada; um internacionalismo hiperativo, com um forte componente desolidariedade material; a valorização da participação democrática, não ape-nas eleitoral, do povo; e a compreensão de que a polarização político-ideo-lógica é, no fundamental, positiva. De toda forma, o “chavismo” surgiu eprosperou sob determinadas condições históricas, políticas e sociais, moti-vo pelo qual é um erro imaginar que trata-se de um modelo a copiar.

O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães manifestou preocupaçãocom as “incertezas políticas” para o continente latino-americano após amorte de Chávez e pediu vigilância aos governos de Dilma Rousseff e deCristina Kirchner. Você vê algum risco real?

De fato, os Estados Unidos e seus aliados, tanto na Europa quanto aquina América Latina, querem aproveitar a morte do Chávez para desestabili-zar o processo venezuelano e, com isso, afetar o conjunto da esquerda re-gional, especialmente naqueles países que receberam mais apoio da Vene-zuela (Cuba e Nicarágua, entre outros).

Também é fato que, por razões políticas e econômicas, a extensão, oritmo e a capacidade de pronta-resposta da Venezuela tendem a reduzir-se,pelo menos por algum tempo.

Considerando que o Brasil já entrou de fato em período de disputa elei-toral, e considerando a situação argentina e venezuelana, podemos preverque o processo de integração regional continuará sofrendo, ao menos nocurto prazo, uma certa “crise de direção”. Numa conjuntura internacionalcomo a que vivemos, que exige mais velocidade e intensidade na integra-ção, devemos mesmo estar preocupados e precisamos mesmo tomar medi-das urgentes.

Na sua opinião, qual é o maior desafio político para a Venezuela semseu grande líder?

Além de eleger Maduro e dar continuidade ao processo, eu apontaria omesmo desafio de outros processos similares: consolidar institucionalmenteas transformações políticas e sociais que estão em curso naquele país, fazen-do com que funcionem a base de direções coletivas e não dependam da

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413Valter Pomar

capacidade individual deste ou daquele líder. E isto não vale apenas para aVenezuela: em vários outros países, inclusive aqui no Brasil, é comum ou-vir as pessoas falarem de “grandes líderes”, “chefes” e “comandantes”, semse dar conta de que do ponto de vista estratégico isto geralmente é umelemento de debilidade, não de força.

Qual o poder de fato da oposição venezuelana comandada por Caprilles?Muito poder. Tem apoio internacional externo, apoio empresarial inter-

no, força nos meios de comunicação, controlam espaços institucionais etem um eleitorado expressivo, ao redor de 40%. Não devemos subestimara força da oposição venezuelana. O importante, na minha opinião, é isolaros setores golpistas e anti-democráticos da oposição. Na Venezuela, há li-berdade de imprensa e liberdade de organização partidária, portanto a opo-sição pode, dentro da legalidade, disputar a direção do país e o controle dogoverno.

Nicolás Maduro, considerado o sucessor de Chávez, será eleito presi-dente nas eleições de abril?

Chávez, antes de ir para Havana fazer seu tratamento, disse em cadeianacional de TV algo mais ou menos assim: se algo me acontecer, peço quevotem em Nicolás Maduro. Ao fazê-lo, Chávez evitou qualquer tipo de dis-puta interna nas fileiras do chavismo; e também tornou possível este sloganpopular que se ouve nas ruas de Caracas: “com Chávez e Maduro, o povoestá seguro”. Nenhum analista, nem mesmo da oposição venezuelana, duvi-da que Nicolás Maduro será eleito presidente no dia 14 de abril. Aí é que vãocomeçar os grandes desafios. Para ajudar, cabe a nós fazer aquilo que está nanota divulgada pelo PT, no dia da morte de Chávez: dar todo o apoio paraque a Venezuela continue no caminho das transformações econômicas, so-ciais e políticas iniciadas em 1999, quando Chávez tomou posse.

Março de 2013

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414 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Como o senhor explicaria a forma do governo de esquerda no PT?Ao assumir governos, em âmbito municipal, estadual e nacional, o PT

busca implementar algumas diretrizes básicas, entre as quais a participaçãopopular, a transparência e a inversão de prioridades. No âmbito nacional,isto se materializa em governos democráticos, comprometidos com o bem-estar social das maiorias, com o desenvolvimento econômico combinadocom a redução estrutural das desigualdades, com a soberania nacional com-binada com a integração regional.

O Governo Chávez poderia ser tomado como um exemplo para osdemais partidos de esquerda? Ele exerceu alguma influencia no territóriobrasileiro, principalmente no PT?

O governo Chávez (1999-2013) democratizou a Venezuela, ampliou obem estar do povo venezuelano, reforçou a soberania nacional da Venezue-la, apoiou decididamente a integração regional sul e latinoamericana e ca-ribenha, defendeu a democratização das relações internacionais. Além dis-so, o governo Chávez estabelecia como seu horizonte a construção do so-cialismo. A experiência do governo Chávez teve e continuará tendo in-fluência sobre o conjunto dos partidos de esquerda, no mundo e no nossocontinente. Evidentemente, não deve ser visto como modelo, mas deve serdefendido e estudado.

Como é um partido socialista, de esquerda, liderar um país capitalista?É contraditório, como tudo na vida. Mas é bem melhor, para o Brasil,

ser governado por nós do que ser governado por partidos neoliberais...Somos um partido comprometido com o socialismo, ou seja, comprometi-do com a construção de uma sociedade sem exploração nem opressão. Mascomo atuamos em um país capitalista, nosso esforço estratégico deve ser —estando ou não no governo— implementar medidas que transfiram poderdas minorias para as maiorias, para os trabalhadores, para as camadas po-pulares. Transferir poder para as maiorias significa, por exemplo, democra-tizar a propriedade, a riqueza, a renda, garantir emprego, salários, aposen-

Entrevista dia 13 de março

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415Valter Pomar

tadorias, ampliar o peso do Trabalho na riqueza nacional, democratizar oEstado, os aparatos de comunicação, a indústria cultural, ampliar a ofertade serviços públicos, colocar a economia sobre controle social, público etc.

Se fosse implantar um regime socialista total, quais seriam as dificul-dades?

Não sei bem o que voce quer dizer quando fala de “regime socialistatotal”. Mas uma sociedade sem exploração nem opressão não se “implan-ta”, se constrói. Trata-se de um processo político, social, econômico e cul-tural de longa duração. Que exige, entre outras coisas, que a classe traba-lhadora aprenda a resolver as grandes questões da sociedade, não comofazem os capitalistas, em benefício de uma minoria, mas sim em benefíciode uma maioria. E este aprendizado é feito a quente, através da atividadepolítica, nos movimentos sociais, nos partidos, nos locais de trabalho eestudo, nas relações familiares, nos parlamentos, nos governos etc.

O modelo do governo de Chávez, Bolivariano, foi bom ou ruim? Elepoderia ser tomado como exemplo para o Brasil?

Para a Venezuela, foi ótimo. Hoje a Venezuela tem mais democracia,mais bem estar e mais soberania nacional do que nunca teve, antes deChávez. E também foi ótimo para a América Latina e para o mundo, entreoutras coisas porque demonstrou —como outros governos da AméricaLatina, como o nosso no Brasil, também estão demonstrando— que épossível governar em benefício das maiorias. Trata-se de uma experiênciaque deve ser estudada por nós. E constitui um exemplo num sentido muitoconcreto: o compromisso com o povo, com a democracia, com os interessesnacionais, com o socialismo. Mas, como já disse, nós não trabalhamos coma idéia de que existam modelos que devem ser copiados.

O Partido dos Trabalhadores teria planos, a longo ou curto prazo, detornar o Brasil um país socialista por completo?

O Partido dos Trabalhadores é um partido socialista e, portanto, temoscomo objetivo que o mundo e também nosso país sejam socialistas, ouseja, sociedades em exploração nem opressão.

Gostaria de comentar alguma outra coisa ainda não mencionada e quejulgue importante?

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416 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Sim. Há grandes meios de comunicação, no Brasil e no mundo, quededicam-se a desqualificar o que foi o governo Chávez, sua prática e suateoria. Para fazer isto, mentem descaradamente. Mas não importa o quedigam: não daqui há 100 anos, já hoje Chávez é um dos grandes heróislatinoamericanos. E é um herói, porque o povo venezuelano é heróico,politizado e vai dar continuidade as transformações iniciadas em 1999,elegendo Nicolás Maduro como presidente no próximo dia 14 de abril.

Íntegra da entrevista concedida em13 de março de 2013 para a jornalista, Isadora Stentzler

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417Valter Pomar

O Partido Socialista de Chile e o Instituto Igualdad realizaram, no dia18 de abril de 2013, um seminário internacional denominado “Nuevoscaminos y desafios para la izquierda y el progresismo en América Latina”.O seminário foi realizado no Hotel Plaza San Francisco, em Santiago doChile. Do Brasíl estávamos Luis Soares Dulci e este que vos escreve.

Participei do painel sobre “Popular y nacional: la izquierda y los nuevosmovimientos sociales en América Latina”, ao lado de Mônica Xavier (sena-dora e presidente da Frente Amplio do Uruguay), Isabel Allende (senadorae vice-presidente do PS Chile), Santiago Flores (deputado e dirigente daFrente Farabundo Martí de El Salvador). A coordenação do painel foi deCarola Riveros, vice-presidenta da Mulher do Partido Socialista de Chile.

O que segue é a versão completa e revisada do que falei no seminário.Completa, porque incluo trechos que tive que cortar da exposição oral,para poder caber no tempo estabelecido pelos organizadores. Revisada, poisnão é uma reprodução literal do que foi falado e transmitido ao vivo pelapágina do PS de Chile.

Boa tarde.Agradeço o convite.A experiência do Partido Socialista de Chile e do governo da Unidade Po-

pular do Chile são muito importantes, tanto para o Partido dos Trabalhadoresquanto para o Foro de São Paulo.

O Partido Socialista de Chile faz parte do Foro de São Paulo. E mantémum antiga relação com o Partido dos Trabalhadores.

Pessoalmente, estou convencido de que muitos dos problemas essenciais queenfrentamos hoje, na América Latina e Caribe, foram antecipados pela experi-ência da Unidade Popular.

Mais que isto: o Chile foi um “laboratório” noutros aspectos, da ditadura,do neoliberalismo, das democracias restritas, dos êxitos e problemas das coali-zões de centro-esquerda.

Por isto, considero fundamental debater a experiência chilena, tema quedesenvolvo num dos artigos da coletânea publicada pelo PT, com artigos sobrea nossa política de relações internacionais.

Exposição feita no semináriodo Partido Socialista de Chile

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Agora vou tratar do tema proposto pelos organizadores: “Popular y nacio-nal: la izquierda y los nuevos movimientos sociales en América Latina”.

Falarei em caráter pessoal.E vou adotar o mesmo procedimento adotado pelo senador Camilo Escalona,

no primeiro painel, ou seja, principiarei criticando os “interrogantes” que fo-ram propostos pelos organizadores deste seminário.

O primeiro interrogante diz assim: “como es y como debe ser la relacion dela izquierda con el mundo social”.

Penso que é mais adequado falar da relação entre partidos e movimentos,entre luta social e institucionalidade.

Não se trata de uma questão de termos, de palavras.Para nós, não faz sentido contrapor esquerda e mundo social, entendido por

isto movimentos sociais.Temos no Brasil uma esquerda que é e quer continuar sendo político-social.Sobre isto, uma “anedota”: uma companheira foi a um seminário convoca-

do pelo PSOE, que ocorreu simultaneamente a grandes manifestações de ruacontra as políticas austeritárias. Para espanto da companheira, próceres do PPe também do PSOE questionaram os parlamentares de esquerda que se soma-ram a estas manifestações, porque na opiniões deles o papel dos partidos éparlamentar.

A verdade é que nós não compartilhamos a visão social-democrata clássica,do século XIX, que estabelecia uma separação demasiado escolástica entre lutaeconômica e luta política, assim como diferenciava de maneira demasiadoabsoluta os papéis do partido e do sindicato. É preciso ver como continuum oque se via como estanque. E é preciso entender que as organizações assumemdiferentes papéis, em diferentes momentos.

Por isto, embora existam entre nós tanto o administrativismo quanto omovimentismo, estas duas correntes (que alguns classificam como parte de umaespécie de neoliberalismo de esquerda) têm dificuldade de se consolidarteóricamente. Ou seja: mesmo os que praticam estas posturas não conseguemsustentá-las no plano da teoria.

O segundo interrogante proposto pelos organizadores do seminário diz as-sim: “como disenar mecanismos eficientes y eficaces para la participación yincorporación de los movimientos sociales en el proceso democrático”.

Nós não falaríamos isto.Falaríamos de participação popular no Estado, controle social sobre o Esta-

do, de dar conteúdo real, social, à democracia formal.

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419Valter Pomar

Não falaríamos de “incorporar” os movimentos sociais no “processo demo-crático”.

Para nós, os movimentos sociais são parte fundamental do processo demo-crático.

E a vida institucional não é “o” processo democrático, mas sim parte doprocesso democrático.

A democracia não se expressa apenas na institucionalidade.Existe e deve ser considerada a legitimidade democrática das ruas, a demo-

cracia direta e a democracia participativa.Um dos problemas postos para nós, portanto, é como democratizar, através

da luta social, da democracia direta e participativa, a vida institucional.Claro que esta visão tem que ver com nossa história.Em 513 anos, tivemos 389 de monarquia, 36 de ditadura, 45 de democra-

cia eleitoral muito restrita. Só a partir de 1989 vivemos uma democraciaeleitoral mais ampla e foi neste período que, em meros 13 anos, chegamos àpresidência da República.

Mas não chegamos por causa das instituições, mas em grande medida apesardelas. O que nos levou a vencer a presidência foi a combinação de luta social,luta institucional, construção partidária e disputa político-cultural na socie-dade. Mais, é claro, a crise e o desgaste político dos neoliberais brasileiros,encabeçados pelo Partido da Social-Democracia brasileira.

Com tudo isto, não quero dizer que tenhamos, no Brasil, uma única visão,nem tampouco uma visão teórica clara acerca destes temas.

Como já foi dito aquilo pelo Dulci, predomina em alguns setores da esquer-da brasileira uma tradição empirista.

Mas esta tradição, que num certo momento foi útil e essencial para avançar-mos, hoje atrapalha nosso avanço. Precisamos de teoria, de mais e melhorteoria.

Temos um déficit teórico em três terrenos fundamentais: na análise do capita-lismo do século XXI; no debate sobre as experiências socialistas/social-democratas/nacional-desenvolvimentistas do século XX; e no debate sobre a estratégia.

E falar de estratégia é falar de Estado e de classes sociais, que são exatamenteos temas que precisamos tratar neste painel sobre “Popular y nacional: la iz-quierda y los nuevos movimientos sociales en América Latina”.

Para complicar, aconteceram mudanças importantes no Brasil, nas últimasduas décadas; e na última década, em parte por conta de nossos êxitos, reapa-receram problemas velhos e surgiram problemas novos.

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420 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A seguir vou sumariar alguns destes problemas.Primeiro, uma mudança geracional que tem efeitos políticos: para parte

crescente da população brasileira, nós, nosso partido, nossa esquerda, nossogoverno, fazem parte do passado.

Enquanto isto, na própria esquerda, contraditóriamente, há um envelheci-mento prematuro: novos quadros surgem já envelhecidos e burocratizados.

Segundo, uma mudança sociológica: a elevação da capacidade de consumogerou, não uma nova “classe média” como equivocadamente se diz, mas simuma nova fração da classe trabalhadora.

Uma fração que é majoritariamente conservadora, muito suscetível à influên-cia da direita, sem a experiência de luta da antiga classe trabalhadora.

Mas atenção: coisas parecidas se diziam, também, da classe trabalhadorabrasileira dos anos 70. Um importante sociólogo de então dizia que os meta-lúrgicos seriam a melhor expressão do conservadorismo predominante na classetrabalhadora de então. Mas logo depois começaram as greves no ABC e o restoda história vocês conhecem...

Ironicamente, se não tomarmos as devidas medidas, algo desta natureza podeocorrer contra nós, não a nosso favor. Aliás, a direita sindical e religiosa está sededicando fortemente a organizar esta nova fração da classe trabalhadora.

Terceiro: ainda vivemos no Brasil um prolongado refluxo das lutas sociais.Tivemos um pico nos anos 1980. Depois um descenso nos anos 1990, por

conta do neoliberalismo. Depois acontece algo curioso na década de governoencabeçado pelo PT: as melhorias sociais foram produto, principalmente, daslutas do passado, não das lutas do presente.

Por outro lado, surgiram novas lutas e demandas, que não são adequada-mente canalizadas pelas organizações da esquerda.

Quarto: o que foi descrito anteriormente gera um processo lento e defeituosode “reposição de estoques”.

No exato momento em que precisamos de mais quadros, pois temos que darconta, simultaneamente, das “velhas” e das novas tarefas, neste exato momentoo processo político-social gera menos quadros e, pior, gera um tipo específico dequadros, mais institucionalizado e menos ligado às lutas sociais.

O que gera um desequilíbrio na nossa estratégia, que previa combinar lutasocial e institucional, o que por sua vez supõe uma distribuição adequada dequadros em cada tarefa.

A isto se agrega a dificuldade gerada pelo pouco investimento em formaçãopolítica, somada a um processo mais amplo, a saber, a deformação política de

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massas gerada pelos meios de comunicação, pela indústria cultural, pelo apara-to educacional e pelas igrejas conservadoras.

Quinto: a isto tudo se soma uma nova situação política. Antes articuláva-mos partido e movimento, na luta contra governo e Estado. Hoje temos quearticular partido, movimento e governo, na luta contra Estado e direita.

Ou, se quisermos complexificar, temos que articular partidos e movimentose governos, no plural; e lutamos também contra parcelas de governos que,embora encabeçados por nós. são controlados pela direita, que conta com par-tidos e também movimentos sociais.

Neste ponto da exposição, eu gostaria de deixar claro que discordo da visãoexposta por Camilo Escalona, acerca da alternância como variável fundamental.

Explico: uma coisa é defender modelos políticos em que a alternância sejapossível, em que a minoria possa se converter em maioria.

Outra coisa é estar preparado para a alternância, para sermos derrotados, paraatuarmos na oposição e não achamos que estaremos eternamente no governo.

Agora, uma terceira coisa, completamente distinta e errada, é achar positivaa alternância entre esquerda e direita.

Não quero que a direita governe, nem que volte a governar nenhum país daAmérica Latina e não consigo entender que isto possa ser considerado, sobqualquer aspecto, como algo positivo.

Vale a pena observar como procede a burguesia: ela admite a alternância dediferentes partidos no governo, não apenas quando estes partidos aceitam suahegemonia, mas principalmente porque controla o Estado.

Nosso problema é de natureza distinta: nós não controlamos o Estado. Se ocontrolássemos, a alternância entre partidos de esquerda não seria nenhumproblema. E mesmo uma eventual chegada da direita ao governo não seria umcompleto desastre.

Isto que acabo de falar nos remete para outro ponto, a saber: é preciso levarem conta e valorizar a pluralidade na própria esquerda. Alguns dos que criti-cam as teorias de “partido único”, têm ao mesmo tempo muita dificuldade delidar com a pluralidade na própria esquerda.

Seja como for, o tema é: temos que mudar o Estado, mudar sua natureza,não apenas sua forma.

E para isto temos que entender a disputa de espaços no aparelho de Estado,como parte de uma tarefa mais ampla, que é disputar a direção global dasociedade. E precisamos lembrar que, no tocante ao Estado, a disputa funda-

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mental não é por espaços, mas sim por aproveitar estes espaços para alterar anatureza do Estado.

Sexto ponto, que decorre do falado anteriormente: precisamos desmontar osmecanismos profundos que protegem os interesses da classe dominante, entre osquais: a influência do dinheiro na política; a estrutura judicial dedicada adefender os interesses dos poderosos; a violência sistemática, tema que inclui ovelho debate sobre as forças armadas, mas que inclui outros aspectos, como asegurança pública; e a articulação entre meios de comunicação, indústria cul-tural e aparatos educacionais.

Sétimo ponto, também decorrente do anterior: é preciso constituir uma cul-tura de massas, não apenas progressista, mas de esquerda.

O uso abusivo do termo “progressista” é, na minha opinião, uma concessãoindevida e anacrônica.

Quero os progressistas ao nosso lado, mas o que existe de mais progressista nomundo é a esquerda e o que precisamos é reconstituir uma cultura de massas deesquerda, em torno da igualdade, da democracia e do internacionalismo, devi-damente articulado com a defesa da soberania nacional.

Neste ponto, aproveito para dizer que concordo com Camilo Escalona noseguinte: não há “modelos”.

Temos diferentes esquerdas e diferentes estratégias nacionais. Mas é precisoconstruir uma estratégia continental, articulada em torno da integração. Poissem integração, nenhuma das nossas estratégias terá êxito. Salvo, é claro, os quedefendem submeter-se aos interesses dos Estados Unidos, aí incluídas suas polí-ticas de “livre comércio” e seus tratados inspirados na Alca.

Nossa cultura de massas de esquerda deve revalorizar a política. Mas não apolítica em geral. Devemos valorizar a nossa política, que deve ser uma políti-ca plebéia, baseada na idéia de que a sociedade deve governar a si mesma,portanto que política não é profissão.

Aliás, esta idéia da política como profissão, como carreira, é um dos grandesobstáculos que enfrentramos na relação com a juventude e com os setores popu-lares em geral. Muitos quadros da esquerda abandonaram a visão de revoluci-onário profissional e aderiram a idéia do político profissional. Ou seja, aderi-ram a idéia de que a política é um labor privativo de um grupo especialapartado da sociedade.

Oitavo ponto: nesta situação que estamos, precisamos de mais e melhorarticulação entre luta social e luta institucional.

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423Valter Pomar

Não se trata apenas, como foi dito aqui, de “escutar” os movimentos; nem setrata apenas de “estimular dirigentes dos movimentos a virar parlamentares”.

A questão é de outra natureza: trata-se de entender que uma estratégia deesquerda precisa atuar dentro e fora do Estado, precisa combinar os diferentesaspectos e formas da luta político-social da classe trabalhadora.

Aqui é preciso recuperar aquela noção de partido no “amplo” da palavra,bem como a idéia de que o partido deve ser um organizador e educador dasociedade para sua transformação; e recusar a visão de partido como organiza-ção técnico-administrativa-burocrática que tem como objetivo exclusivo con-quistar nacos, espaços de poder no aparato de Estado.

Como o tempo acabou, convido a que todos leiam o livreto de artigos sobrea política internacional do PT; convido, também, a que participem do XIXEncontro do Foro de São Paulo, de 31 de julho a 4 de agosto de 2013, destavez na cidade de São Paulo, Brasil.

A esse respeito, quero dizer ao Camilo Escalona —que segundo entendipropôs criar uma articulação internacional dos “socialistas democráticos”— omesmo que disse a um amigo que de maneira simétrica propôs articular os“socialistas revolucionários”.

Eu disse algo como: cada um pode e deve fazer o que achar certo fazer, masmantenhamos as pontes e evitemos a cristalização de famílias contrapostas talcomo existe na Europa. O Foro de São Paulo é uma destas pontes, reunindotodas as famílias da esquerda latinoamericana. E é esta unidade na diversida-de que nos fez chegar até aqui, melhor do que está a esquerda em outras regiõesdo mundo.

Pessoalmente, acho que os que continuam sonhando com organizações in-ternacionais ideológicamente homogêneas não entendem direito o que vemocorrendo desde 1998 e tampouco entendem a natureza do período estratégicoem que estamos.

Por fim: diferente do que foi dito por alguém no primeiro painel desteseminário, eu não acho que o neoliberalismo “bate em retirada”.

Pelo contrário: eles estão numa brutal ofensiva, como se vê na Europa e nasações dos Estados Unidos e mesmo no que está ocorrendo na Venezuela e noParaguay.

O que mudou, em relação à época de Thatcher, é que naquele momento amaior parte da classe trabalhadora e das esquerdas perdeu a segurança de queo futuro seria nosso.

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Hoje, pelo contrário, a maior parte de nós voltou a perceber que só poderáexistir futuro para a humanidade graças a nós, graças à esquerda.

Muito obrigado.

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425Valter Pomar

Neste roteiro, abordaremos os seguintes temas: o resultado das eleiçõesda Venezuela (14 de abril), o resultado das eleições do Paraguai (21 deabril), as negociações entre as Farc e o governo colombiano, o calendáriogeral de eleições em 2013-2014.

Venezuela

No caso da Venezuela, há quatro aspectos que devemos avaliar: o resul-tado da eleição em si, fazendo um comparativo com o resultado de Cháveze Capriles em outubro de 2012; quais os planos da direita venezuelana e dogoverno dos EUA pós-eleição; como anda a constituição de um núcleodirigente coletivo para a “revolução bolivariana”; e a situação econômica,mais exatamente as medidas de médio prazo visando reduzir a dependênciafrente à renda petróleo.

Os dados oficiais sobre as eleições venezuelanas podem ser encontradosno endereço

http://www.cne.gob.ve/resultado_presidencial_2013/r/1/reg_000000.htmlNa Venezuela, o voto é facultativo. O Conselho Nacional Eleitoral ado-

tou, para as eleições de 14 de abril de 2013, o mesmo padrão adotado naeleição de outubro de 2012. Estavam habilitados a votar 18.904.364 pes-soas. Compareceram efetivamente 14.983.953 (79,78%).

Destes, Nicolas Maduro recebeu 7.575.704 votos ou 50,78%. JáHenrique Capriles recebeu 7.302.648 votos ou 48,95%. Registram-se66.691 (0,44%) votos nulos. Havia outras 4 candidaturas presidenciais,que receberam ao todo 38.910 votos, ou seja, 0,24%.

A diferença entre Maduro e Capriles foi de 273.056 votos (1,83%).Para efeito de comparação, em outubro de 2012 Chavez recebeu

8.191.132 votos (55%) e Capriles recebeu 6.591.304 votos (44,31%). Umadiferença de 10,76 pontos percentuais.

Também para efeitos de comparação: em 2012 o comparecimento foi de80,48%, caindo para 79,78% em 2013. Capriles ganhou em 3 dos 24estados em 2012; em 2013 ganhou em 8 dos 24 estados.

Conjuntura regional

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O chavismo perdeu 615.428 votos. A oposição ganhou 711.344 votos.Hipótese: que a maior parte dos votos perdidos pelo chavismo tenha setransformado em “não comparecimento”. Outra hipótese: que a maior partedos novos votos da oposição tenham vindo de quem não havia compareci-do em 2012.

Mesmo que isto seja verdade, o fato político é que a direita teve maisêxito na disputa das margens (ou seja, dos setores que não fazem parte dovoto duro, nem da oposição, nem da situação).

Entre os vários expedientes utilizados pela oposição de direita, citamos:maximizar os efeitos negativos da ausência de Chávez para o chavismo;apontar e atacar as debilidades (supostas ou reais) do governo de Chávez,com destaque para os temas da ineficiência e da corrupção; insistir nosproblemas econômicos, sociais e de segurança do país.

No dia da votação e nos dias imediatamente subsequentes, a oposiçãoflertou abertamente com a “insurreição”: questionou e desconheceu o re-sultado; exigiu verbalmente, mas demorou a solicitar formalmente, a“recontagem” integral; estimulou mobilizações violentas, que resultaramem vários mortos e dezenas de feridos, na imensa maioria pessoas vincula-das ao governo e ao chavismo; e pôs em dúvida a lisura do Conselho Naci-onal Eleitoral (CNE).

A lisura do processo eleitoral venezuelano, a solidariedade das forçasarmadas, a mobilização dos chavistas, o reconhecimento internacional aMaduro, bem como diferenças no seio da própria oposição, obrigaram osgolpistas a recuar. Sinais disto: o cancelamento de uma concentração con-vocada para defronte ao CNE e a solicitação formal da recontagem de100%. Vale dizer que já no dia 14 Maduro havia dito que não se opunha atal “recontagem”.

Encerrada a “recontagem” e confirmado Maduro (como ninguém, nemmesmo a oposição, duvida), e supondo que a oposição mude de atitude,começarão as maiores dificuldades para o governo Maduro: superar as difi-culdades econômicas e consolidar uma direção coletiva para o processobolivariano.

Vale lembrar que a legislação venezuelana prevê que 20% dos eleitorespodem solicitar um plebiscito revocatório, que neste caso ocorreria na me-tade do mandato, em 2016.

Do ponto de vista econômico, o principal problema estrutural é a brutaldependência da economia venezuelana frente às exportações petrolíferas.

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Não será possível manter nem ampliar o bem estar da população, semsuperar esta dependência, ampliando a produção interna, inclusive de ali-mentos. Isto implica numa estratégia e num programa de ação que, embo-ra já explicitados por Chávez em outubro de 2013, certamente provocarãopolêmica no interior da direção do processo bolivariano.

Seja como for, está claro que no próximo período, a esquerda venezuelanavai ter que se concentrar na frente interna. Como dissemos noutro mo-mento, embora as situações sejam distintas, a ocorrência simultânea dedificuldades na Venezuela, Brasil e Argentina pode gerar uma “crise dedireção” no processo de integração.

Paraguai

Horacio Cartes, do Partido Colorado, venceu as eleições presidenciaiscom 45,8% dos votos. Em segundo lugar ficou Efraim Alegre, do PartidoLiberal Radical Autêntico, com 36,94. As duas principais candidaturaspresidenciais da esquerda paraguaia ficaram, respectivamente, em terceiroe em quarto lugar: Mario Ferreiro recebeu 5,88% dos votos e Anibal CarrilloIramain ficou com 3,32%.

De um certo ponto de vista, portanto, a eleição de 21 de abril de 2013foi a consumação do golpe de 22 de junho de 2012. Sendo que os golpistasdo PLRA abriram o caminho para o retorno dos Colorados, partido quegovernou o Paraguay durante décadas.

Do ponto de vista regional, o Paraguay será readmitido nos vários orga-nismos de que foi excluído por causa do golpe. A tendência é que o gover-no Cartes maneje com cuidado suas relações com o Mercosul, Unasul eCelac, entre outros motivos para neutralizar ao menos parcialmente asfortíssimas acusações que pesam contra ele. Mas do ponto de vista político,teremos mais um governo de direita na região.

Também pensando no futuro, o tema central é saber se os diferentessetores da esquerda paraguaia conseguirão se unificar em torno de um pla-no de ação.

Vale registrar a alternância de desempenhos entre os dois principais blo-cos da esquerda paraguaia: Mario Ferreiro (Avanza País) se saiu melhor naeleição presidencial, com 5,88% dos votos; já a lista de Anibal Carrilo(Frente Guassu) teve melhor desempenho na disputa para o Senado, ob-

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428 Miscelânea Internacional – 1998-2013

tendo 9,59% dos votos (no Senado, Avanza País recebeu 4,99% dos vo-tos). Enquanto na Câmara dos Deputados, foi Avanza País que teve me-lhor desempenho, com 8,05% dos votos, enquanto a Frente Guassu teve2,84% dos votos.

Noutras palavras: confirmou-se a opinião do PT e de inúmeros setores daesquerda latinoamericana, acerca do gravíssimo erro da divisão em duas oumais candidaturas e listas eleitorais. E, considerando conjuntamente o resul-tado na Venezuela e no Paraguay, bem como outros acontecimentos e proces-sos, confirma-se que estamos diante de uma contraofensiva da direita.

Colômbia

Por fim, algumas reflexões acerca da situação na Colômbia, onde no dia8 de abril realizamos um seminário do Foro de São Paulo em apoio aoprocesso de paz.

As negociações em curso em Havana, entre o Governo da Colômbia e asForças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), podem resultar numacordo que ponha fim a uma guerra que dura mais de 40 anos.

Mas há vários obstáculos à paz. O primeiro deles é a postura das forçaspolíticas e sociais encabeçadas pelo ex-presidente colombiano Álvaro Uribe.Estas forças não estão interessadas no fim do conflito militar.

É importante lembrar que a guerra “justifica” a presença militar dosEUA na América Latina, significa negócios e também cobertura para arepressão sistemática à esquerda política e social: é sabido que o maiornúmero de mortos nos anos recentes é de civis, especialmente sindicalistas.

Outro obstáculo à paz é a tentativa de obter na mesa de negociação,aquilo que não se conseguiu através da guerra. O governo não conseguiudestruir as Farc, que operam de fato desde 1964. A guerrilha, por sua vez,não conseguiu atingir seus objetivos estratégicos.

Isto não quer dizer que as negociações ocorram num ambiente de equi-líbrio. Nos últimos anos, o governo impôs duros golpes à guerrilha. Estesgolpes, mais as mudanças no cenário político-social colombiano, condu-zem à seguinte conclusão: a guerrilha pode continuar existindo por déca-das, mas ao menos no horizonte visível ela deixou de ser uma ameaça estra-tégica para a oligarquia colombiana.

Pelo contrário, a existência da guerra tornou-se funcional para um setorimportante da direita colombiana, que utiliza o medo, a repressão, o apoio

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financeiro e militar dos EUA para evitar que a esquerda colombiana tenhachance de fazer aquilo que fez a esquerda em outros países da América Latinae Caribenha: chegar ao governo através da luta social, política e eleitoral.

Um terceiro obstáculo à paz na Colômbia é o tempo. O ambiente mun-dial e o calendário da política regional e colombiana indicam que o mo-mento para o “melhor acordo possível” é agora, já, de imediato.

É um erro acreditar que mais tempo de negociação vai resultar em maisconcessões da parte do governo, em favor das demandas da guerrilha.

Os acontecimentos na península coreana e na Síria são indicadores dotipo de ambiente internacional em que estão ocorrendo as negociações. E oquadro na América Latina é de equilíbrio relativo, com dificuldades para obloco de esquerda e progressista. Portanto, o “melhor acordo possível” podeser conseguido agora, não depois.

Um quarto obstáculo à paz é a memória do que ocorreu em tentativasanteriores, especialmente nos anos 1980, quando a União Patriótica co-lombiana, surgida no curso de outro processo de paz entre governo e Farc,foi vítima de um extermínio planificado e executado pelo conluio entresetores do Estado, forças armadas e grupos paramilitares de direita.

Fala-se de até 4 mil assassinados/as, inclusive dois candidatos à presidênciada República. Em termos relativos, as maiores baixas das Farc ocorreramexatamente naquele momento. Por isto, sem garantias, não haverá paz.

Por fim, é preciso entender que a paz é uma bandeira tática para umsetor da direita colombiana (expressa no governo Santos). Este setor reúneparcelas do empresariado e das elites políticas que, de maneira simplificada,consideram que neste momento a Colômbia tem mais a ganhar mantendoum pé em cada canoa: na integração sulamericana e na área de influênciados EUA, por exemplo o chamado Arco do Pacífico.

Evidentemente, a paz desejada por Santos é aquela que não altera asbases do modelo econômico e das políticas neoliberais que seguem hege-mônicas na Colômbia.

Neste sentido, é muito importante que a esquerda colombiana evite con-fundir o apoio à paz, com o apoio ao governo e à reeleição de Santos. Algoque não é fácil de fazer, seja porque Santos é politicamente audacioso,como demonstrou em sua participação na Marcha pela Paz do dia 9 deabril; seja porque um setor da esquerda considera a paz tão estratégica, quede fato vem “baixando a guarda” frente ao governo Santos.

Um exemplo disto é a proposta de prorrogar o mandato de Santos eadiar as eleições, para que o processo eleitoral não perturbe as negociações.

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430 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Esta proposta baseia-se em duas premissas: a de que mais tempo denegociação vai gerar mais concessões do governo às demandas político-sociais da guerrilha; e a de que o processo eleitoral é um jogo de cartasmarcadas, portanto o adiamento não seria tão prejudicial e poderia ser atévantajoso, pois em tese o ambiente e as regras eleitorais podem modificar-se para melhor.

É fato que a centro-esquerda colombiana, em suas variadas correntes(progressistas, Pólo Democrático Alternativo, Marcha Patriótica e outrossetores) está num péssimo momento eleitoral.

Mas mudar as regras do jogo (ou adiar o jogo) quando estamos perden-do abre as portas para o oposto. Por outro lado, o argumento segundo oqual o calendário eleitoral atrapalha as negociações de paz esquece que ogrande ativo eleitoral de Santos é a paz.

Este ativo pode ser apresentado sob duas formas: a paz assinada ou a pazcondicionada à reeleição. Ou seja: a pressão do calendário eleitoral ajudano engajamento de Santos no processo de paz. Eliminar este acicate seriaprejudicial ao processo de paz, sem falar que faria de Uribe o defensor danormalidade constitucional.

Resta o seguinte argumento: nas eleições, será muito difícil para a(s)candidatura(s) de centro-esquerda disputar simultaneamente contra San-tos e contra quem o grupo de Uribe apresente. Mas este problema políticonão se resolve adiando as eleições, pois não se trata de um problema estri-tamente eleitoral.

E um problema que estará posto, também, para as forças progressistas ede centro-esquerda fora da Colômbia. Razões de Estado levarão muitossetores a defender, de fato, o apoio a Santos, o que não será um fato novona história da esquerda mundial. De toda forma, cabe à esquerda colombi-ana achar o caminho adequado. E cabe ao Partido dos Trabalhadores man-ter relações com todos os setores, por exemplo com o Pólo DemocráticoAlternativo e sua candidata presidencial Clara Lopez Obregon.

Finalmente, é importante firmar que:a) a paz é uma bandeira simultaneamente tática e estratégica para aesquerda: só em condições de paz, ou seja, em condições “normais” deluta política e social, a esquerda colombiana terá chance de se converterem alternativa de governo e alternativa de poder.b) o fim da guerra é apenas o começo. Muito terá que ser feito para,através das “armas da política”, derrotar as forças neoliberais e oligárquicascolombianas, Uribe e Santos incluídos.

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431Valter Pomar

Próximas eleições

Tendo em vista o que dissemos anteriormente acerca do cenário regional(contraofensiva da direita e risco de uma crise de direção no processo deintegração), é importante debater com antecipação qual postura adotare-mos frente ao intenso calendário eleitoral regional, de agora até 2014:

30 de junio de 2013: elecciones primarias en Chile 11 de agosto de 2013: elecciones primarias en Argentina 27 de octubre de 2013: elecciones legislativas en Argentina (mitad de la

Cámara de Diputados y un tercio del Senado) 10 de noviembre de 2013: elecciones generales en Honduras 17 de noviembre de 2013: primera vuelta de las elecciones en Chile

(Presidente, Diputados, Senadores e por la primera vez también ConsejerosRegionales) 15 de diciembre de 2013: segunda vuelta de las elecciones en Chile 02 de febrero de 2014: primera vuelta de las elecciones presidenciales en

El Salvador 02 de febrero de 2014: elecciones presidenciales y legislativas en Costa

Rica 09 de marzo de 2014: segunda vuelta de las elecciones en El Salvador 09 de marzo de 2014: elecciones legislativas en Colombia 04 de mayo de 2014: elecciones generales en Panamá 25 de mayo de 2014: elecciones presidenciales en Colombia mayo de 2014: elecciones legislativas en República Dominicana 1er de junio de 2014: elecciones primarias en Uruguay 05 de octubre de 2014: primera vuelta de las elecciones en Brasil (Presi-

dente, Gobernadores, Senadores, Diputados Federales y Estaduales) 26 de octubre de 2014: segunda vuelta de las elecciones en Brasil 26 de octubre de 2014: primera vuelta de las elecciones presidenciales y

legislativas en Uruguay 30 de noviembre de 2014: segunda vuelta de las elecciones en Uruguay diciembre de 2014: elecciones generales en Bolivia.

Contribuição para o Grupo de reflexão sobrea conjuntura, em sua reunião de 22 de abril de 2013

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432 Miscelânea Internacional – 1998-2013

1. Documento apresentado pelos anfitriões é uma contribuição ao deba-te. Não foi escrito para ser uma resolução. Por isto não é necessário proporemendas ou fazer críticas no detalhe.

2. Concordo com o ponto 13 do documento: “nada de esto es irreversible”.3. Agrego: estamos em um momento de máximo risco, pode ocorrer

uma reversão de conjunto, pois está em curso uma brutal contraofensiva.4. Alguns setores tinham (e ainda tem) imensa dificuldade em admitir

isto. Se deixam ofuscar pelo cenário estratégico (crise do capitalismo) e nãopercebem o cenário tático (momento de contraofensiva).

5. Exemplo: os que se “enojam” por dizermos que o momento para fazero “melhor acordo” na Colômbia é agora. Não se trata de fazer acordo aqualquer custo, mas sim de perceber que as condições vão se tornar maisdifíceis e que do ponto de visto continental fazer a paz agora é fundamen-tal.

6. Outro exemplo: somos pela unidade, mas é preciso entender que nos-sa unidade é na diversidade. A unidade programática e estratégica realmen-te possível, nas condições atuais, é em torno da integração regional. Não éem torno do socialismo. Há setores que são pró-integração, são anti-neoli-berais, são anti-imperialistas, e não são socialistas.

7. Terceiro exemplo: o documento fala que há um “crescente esgotamen-to das políticas adotadas”, e diz que este crescente esgotamento é porquetais políticas são “reformistas”. Na verdade, há situações distintas. Há casosem que o esgotamento ocorre porque as políticas são pouco ou nada refor-mistas. Há outros casos em que o êxito das reformas criou uma nova situa-ção. E há o caso citado.

8. Por fim, não é correto considerar inimigo quem considera que a “re-volução cubana é irrepetível”. Para começo de conversa, todo fenômenohistórico é singular e, portanto, irrepetível. Mais que isto: o processo dehoje é distinto, não somente vivemos noutra época histórica, mas tambéma estratégia hegemônica é distinta. A revolução cubana tomou o poder paraconstituir governo. Os processos atuais chegam ao governo na perspectivade construir o poder.

Síntese da intervenção nareunião do Foro em Havana

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433Valter Pomar

9. Claro que a revolução cubana dá exemplos de internacionalismo, desolidariedade e de unidade que são úteis. Mas mesmo estes exemplos nãopodem ser copiados, até porque no caso de Cuba foram produto de umprocesso que durou muito tempo e teve peculiaridades irrepetíveis.

29 de abril de 2013

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434 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A delegação foi composta por Rui Falcão, presidente nacional do PT;Iriny Lopes, secretária de relações internacionais do PT; João Vaccari, te-soureiro nacional do PT; José Guimarães, líder do PT na Câmara dos De-putados; Ângela Portela, senadora; Francisco Campos e Valter Pomar, inte-grantes do Diretório Nacional.

A programação incluiu entrevistas aos meios de comunicação; reuniõescom integrantes do Comitê Central do Partido Comunista, entre os quaisJosé Ramon Balaguer e Machado Ventura; contatos com integrantes dogoverno e parlamento, como Marcelino Medina, vice-ministro do Minis-tério de Relações Exteriores, Ana María Mari Machado, vice-presidenta daAssembléia Nacional do Poder Popular, Marino Murillo Jorge, vice-presi-dente do Conselho de Ministros, Kenia Serrano, deputada e presidenta doInstituto Cubano de Amizade com os Povos (ICAP), além de Miguel Ma-rio Díaz-Canell, membro do Buró Político do Comitê Central do PartidoComunista e primeiro vice-presidente do Conselho de Estado e do Conse-lho de Ministros da República de Cuba

A delegação também participou do V Encontro de Petistas e Núcleos doPT no Exterior; manteve um encontro com a Agência de Promoção dasExportações do Brasil em Cuba (APEX) e com o Embaixador do Brasil emCuba, José Eduardo Martins Felicio.

Além disso, participou da reunião do Grupo de Trabalho do Foro de SaoPaulo, realizou um intercâmbio con familiares dos cubanos presos nos Es-tados Unidos e esteve na comemoração do Día Internacional dos Trabalha-dores.

De abril de 1961 até hoje, Cuba busca construir o socialismo. Numaprimeira etapa, tentou um caminho próprio, tanto do ponto de vista polí-tico quanto econômico.

Simbolicamente, esta etapa “experimental” pode dar-se por encerrada em8 de outubro de 1967, quando Che Guevara foi assassinado na Bolívia.Naquele momento ficou claro que, pelo menos temporariamente, estava en-cerrado um ciclo revolucionário latinoamericano e caribenho, obrigando Cubaa depender do apoio soviético mais do que os cubanos certamente gostariam.

Cuba, maio de 2013

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435Valter Pomar

Numa segunda etapa, a transição socialista em Cuba tornou-se alta-mente dependente do modelo soviético. Esta etapa começa a encerrar-sepor decisão unilateral da URSS, no período Gorbachev; e se encerrou demaneira abrupta com a dissolução da URSS, em 1991.

Entre 1989 e 1991, entre a dissolução dos regimes socialistas no LesteEuropeu e o fim da URSS, as exportações cubanas se reduziram em 62% eas importações caíram pela metade.

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos ampliaram o bloqueio e todo tipode sabotagem contra a Ilha, na expectativa de que Cuba tivesse o mesmodestino dos regimes dirigidos pelos partidos comunistas do Leste Europeu.

Durante esta terceira etapa, há um forte debate sobre como sobreviver eprosseguir socialista, nas terríveis condições dos anos 1990, com unilatera-lismo, neoliberalismo e colapso do socialismo.

O problema de fundo enfrentado por Cuba é clássico: uma revoluçãonum país de baixo desenvolvimento capitalista, cercado e hostilizado peloimperialismo, só pode realizar uma transição socialista exitosa se contarcom a) apoio externo e/ou b) achar maneiras próprias de desenvolver suacapacidade econômica, suas forças produtivas.

O apoio externo, proveniente da União Soviética, entre 1961 e 1991,permitiu a Cuba manter um padrão de vida superior à sua própria capaci-dade produtiva. O desaparecimento da URSS obrigou a superestruturacubana a depender de uma economia marcada por fortes limitações.

Cuba foi colocada diante da necessidade de substituir as importaçõesbaratas, oriundas principalmente da URSS e do Leste Europeu, por produ-ção nacional e/ou importações caras vindas do mundo capitalista, alterna-tiva que implicava gerar divisas em moeda estrangeira, para pagar as im-portações.

No curtíssimo prazo, as receitas (em moeda conversível) necessárias paraisto vieram em parte do turismo, em parte de exportações. Mas as receitasarrecadadas, especialmente no contexto do bloqueio, não eram suficientespara financiar o funcionamento geral da economia, as políticas públicas eos salários bancados pelo Estado, o que foi gerando um crescente déficit.

Cuba segue, hoje, diante da necessidade de garantir segurança alimen-tar, autonomia energética e industrial.

Ao longo da terceira etapa (1991-2013), o governo cubano experimen-tou três políticas distintas.

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436 Miscelânea Internacional – 1998-2013

A primeira ficou conhecida como “período especial”, em que foi adota-da uma “economia de guerra em período de paz”.

O segundo tipo de política foi adotado quando teve início o ciclo devitórias eleitorais das forças progressistas e de esquerda na América Latina eCaribe.

O terceiro tipo de política começa depois que Raul Castro assume ogoverno, devido ao afastamento de Fidel, por motivos de saúde.

A política atual está descrita num documento chamado “Lineamientospara la Política Económica y Social del Partido y la Revolución”, um con-junto de orientações aprovadas pelo Sexto Congresso do Partido Comunis-ta de Cuba, realizado em 2011.

Tendo como objetivo construir um “socialismo próspero y sostenible”,os “Lineamientos” reafirmam a propriedade social dos meios de produçãofundamentais e falam em “atualização do modelo”.

A leitura dos “Lineamientos” e as ações práticas decorrentes não constitu-em, entretanto, uma mera “atualização”, mas sim o abandono de um deter-minado “modelo” de construção do socialismo, baseado na quase exclusivapropriedade estatal dos meios de produção, em favor de outro caminho que,para desenvolver as forças produtivas indispensáveis ao socialismo, apela paradiferentes formas de propriedade privada e relações de mercado.

Este outro caminho, na medida em que busca dar uso produtivo para acapacidade de trabalho de amplos setores da população cubana, tambémimplica em legalizar e em alguns casos ampliar a desigualdade social. Oque tanto resolve quanto cria velhos e novos problemas.

As reformas (termo mais adequado que “atualização do modelo”) gerampolêmicas. A direita não gosta da reafirmação do socialismo, nem da ma-nutenção do Partido Comunista no comando do Estado cubano: Raul Castrodeixou claro que não foi eleito para fazer Cuba voltar a ser capitalista.

Por outro lado, setores de esquerda não apreciam as “concessões ao capitalis-mo”, além dos que defendem que as reformas sejam acompanhadas de maisdebate e democracia popular, inclusive para tratar das citadas desigualdades.

Para além destas polêmicas, há a conjuntura internacional e latinoame-ricana. O resultado da eleição venezuelana de 14 de abril mostra, entreoutras coisas, os riscos embutidos em qualquer dependência. Há o fatorEstados Unidos, que mantém o bloqueio, sendo que o almejado fim dobloqueio também contém seus perigos: uma invasão de dólares. Além disso,

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437Valter Pomar

há as dificuldades em si do processo de reformas, entre as quais aquelas deri-vadas de mais de 50 anos de poder, com suas conquistas, mas também comsuas debilidades, sentidas com muita força pelas gerações mais recentes.

Estas dificuldades exigem manter e aprofundar nossas relações com Cuba.Claro que as reformas em Cuba abrem espaço para negócios que interes-sam a setores empresariais. Claro, também, que o fortalecimento de Cubainteressa à política de integração regional, que de fato constitui uma políti-ca de Estado, para além da esquerda.

Mas no caso específico do Partido dos Trabalhadores e de outros setoresda esquerda brasileira, a decisão de manter e aprofundar as relações comCuba incluem motivações de outra natureza.

Cuba é um dos pontos altos da luta antiimperialista, pela soberania na-cional, contra a ingerência externa, e esta luta nos diz respeito. Cuba cons-titui a primeira tentativa de construir um país socialista na nossa região domundo, e esta luta também nos diz respeito. Portanto, o sucesso de Cubatambém é, pelo menos em alguma medida, nosso sucesso.

Vale dizer que o governo cubano e o Partido Comunista apreciam tre-mendamente as relações com o governo Dilma e o apoio constante do PT.A recíproca é e deve seguir sendo verdadeira.

Box informativoCuba é uma ilha situada no mar do Caribe, com 110.922 km2 de exten-

são. O PIB é de 54 bilhões de dólares; a dívida externa de aproximadamen-te 12 bilhões. O IDH (2003) era de 0,817, o que naquele momento colo-cava Cuba em 8º lugar na América Latina e 52º lugar no mundo.

A população gira ao redor de 11.164.000 habitantes, 76% urbanos.Quase 2% da população latinoamericana e 0,16% da população mundial,números que em 1950 eram 3,5% e 0,23% respectivamente. Uma tendên-cia ao envelhecimento.

O principal fato político da história cubana foi e segue sendo a luta pelaindependência.

Como a oligarquia cubana era altamente integrada a metrópole, a lutapela independência frente a Espanha foi travada em grande medida pelasclasses exploradas; o que por sua vez deu à luta pela independência umcaráter político e social muito radical.

Na luta pela independência, há três marcos: a guerra de 1868-1878(derrotada); a guerra de 1895-1902 (parcialmente vitoriosa); e a revoluçãode 1953-1959 (vitoriosa).

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438 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Na guerra de 1895-1902, quando os revolucionários estavam para ven-cer a guerra de independência, os Estados Unidos invadiram Cuba a pre-texto de “ajudar” na luta contra a Espanha.

Por isto, quando é proclamada, em 20 de maio de 1902, a República deCuba nasce constitucionalmente atrelada aos Estados Unidos. A chamadaEmenda Platt legalizava o direito dos EUA intervirem em Cuba.

A história de Cuba, de 1902 até 1959, girou ao redor da luta de inde-pendência contra os Estados Unidos.

Esta luta passa por diversas etapas, a última das quais se combina com aluta contra a ditadura surgida a partir de março de 1952, quando ocorreum golpe encabeçado pelo sargento Fulgencio Batista.

Uma das reações a este golpe é o ataque ao Quartel Moncada, ataqueliderado por Fidel Castro, jovem advogado ligado ao Partido Ortodoxo,partido que provavelmente venceria as eleições canceladas devido ao golpe.

O ataque ao Moncada, realizado no dia 26 de julho de 1953, é massa-crado e os poucos sobreviventes, entre eles Fidel, são condenados à prisão.

Anistiados em 1955, fundam o Movimento 26 de julho, vão para oexílio e desencadeiam um plano político-militar que os levaria ao poder,em 1 de janeiro de 1959.

É importante ter claro que o M26 de julho era uma organização políti-co-militar, com forte base urbana; existiam outras forças com muita pre-sença de massa, como o Diretório Revolucionário e o Partido Popular So-cialista (o PC local), além de um forte movimento estudantil e sindical.

A revolução vitoriosa em 1959 foi democrática, nacional e popular.Converteu-se em anti-imperialista e socialista à medida que as ações dogoverno revolucionário entraram em choque com os interesses políticos eeconômicos dos Estados Unidos.

O marco da conversão de uma revolução democrático-popular em umarevolução socialista foi o discurso feito por Fidel Castro, dia 15 de abril de1961, na véspera da invasão da Praia Girón, episódio também conhecidocomo Baia dos Porcos, quando um grupo de mercenários contratados, trei-nados e armados pelos Estados Unidos desembarcou na Ilha, sendo cerca-do e derrotado pelas forças armadas cubanas.

Entre 28 de abril e 1 de maio de 2013, uma delegaçãodo Partido dos Trabalhadores visitou Havana, Cuba

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439Valter Pomar

Estimadas compañeras y compañeros:Saludamos la realización del Encuentro del Foro de Sao Paulo en Nueva

York.Es importante que el Foro se articule también en Estados Unidos, bus-

cando llevar nuestras luchas a las y los inmigrantes de nuestros países, quetienen cada vez maior importância política, cultural, social y economica enEstados Unidos.

Es importante, también, que ustedes se hagan presentes en el XIX En-cuentro del Foro de Sao Paulo, convocado con el objetivo de hacer unamplio diagnóstico de la situación internacional y aprobar un plan de acci-ón regional, teniendo como objetivos centrais profundizar los cambios yacelerar la integración regional.

Resumo abajo las discusiones desarrolladas en el documento base delXIX Encuentro:

1. La situación política y económica internacional, de profunda crisisdel capitalismo; deterioro de la hegemonía de EUA; emergencia de nuevoscentros de poder; profundas crisis sociales y políticas; contraofensiva deEUA y aliados; inestabilidad sistémica, con la posibilidad de conflictosmilitares cada vez más peligrosos.

2. En América Latina y el Caribe, desde fines del siglo XX e inicio delsiglo XXI, está en curso un proceso de cambio que ofrece esperanzas yalternativas para este mundo en crisis. Es importante profundizar estoscambios y acelerar el proceso de integración regional -objetivo estratégicodel Foro de São Paulo-, neutralizar la operación Arco del Pacífico, ayudar aque tenga éxito el proceso de negociación entre las FARC y el gobiernoSantos, reforzar la institucionalidad política de nuestros gobiernos, ademásde prestar solidaridad a las fuerzas de izquierda que entablan luchas socialesy participan de procesos electorales, donde somos y donde aun no somosgobierno.

3. Los partidos políticos del Foro de Sao Paulo tienen, entre otras tareas,el rol de orientar nuestros gobiernos a profundizar los cambios y acelerar laintegración; organizar las fuerzas sociales para sustentar nuestros gobiernos

Saudação ao encontro doForo de São Paulo em Nova York

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440 Miscelânea Internacional – 1998-2013

o para hacer oposición a los gobiernos de derecha; y construir un pensami-ento de masas, latinoamericano y caribeño, integracionista, democrático-popular y socialista.

4. Mantener nuestra lucha contra contra el colonialismo y el imperialis-mo, lucha que tiene una de sus más intensas expresiones en la defensa deCuba, así como los casos de Puerto Rico, Malvinas y otras colonias británicasen el Atlántico Sur, Guyana Francesa, Martinica y Guadalupe.

5. En todos estos cados, para nuestro éxito, tenemos como desafío parti-cipar de la organización y lucha del pueblo de Estados Unidos.

La organización del Foro de São Paulo en Estados Unidos es una de lasformas de nuestra lucha por la integración latinoamericana y caribeña, parala profundización de los cambios en nuestros países y para la defensa denuestros pueblos.

Deseando êxito total al Encuentro del Foro en Estados Unidos, un granabrazo,

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441Valter Pomar

Al editorPágina 12

Escribo para hacer una aclaración acerca de lo publicado por Página 12,en artículo intitulado “Un trago amargo para Binner”.

El Partido Socialista (PS) de Argentina no fue expulsado del Foro de SaoPaulo.

Lo que existe es una propuesta de retirar el PS de Argentina de la respec-tiva delegación unitaria que representa ese país en el Grupo de Trabajo delForo.

Esta propuesta debe ser sometida a discusión en el Grupo de Trabajo,que se reunirá el día 31 de julio de 2013, en Sao Paulo, Brasil, en lasvísperas del XIX Encuentro del Foro de Sao Paulo.

No hacer parte del GT es, por supuesto, algo distinto de no hacer partedel Foro.

Aclaro, además, que no hay ningún mecanismo estatutario en el Foro deSao Paulo que permita expulsar una organizacion miembro.

Reitero, por fin, que el Foro de Sao Paulo ha expresado de manera cons-tante una posición unánime en defensa de las candidaturas de Hugo Chávezy Nicolás Maduro, así como nuestro rechazo a las acciones de sectoresgolpistas de la derecha venezolana, acciones que resultaron en varios muertosy heridos luego de las elecciones.

La defensa de Venezuela constituye hoy un “divisor de aguas” entreprogreso/retraso, integración/imperialismo, izquierda/derecha en AméricaLatina y el Caribe.

Atentamente,

Valter PomarSecretario Ejecutivo del Foro de Sao Paulo

Carta para o jornal Página 12

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442 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Los sujetos políticos y La construción de alternativas de izquierda

Este seminário faz parte de um programa de cooperação entre o Foro deSão Paulo e o Partido da Esquerda Européia.

Nosso ponto de partida deve ser sempre a “análise concreta da situaçãoconcreta”.

Conjuntura histórica marcada pela 1) crise global, pelo 2) declínio dahegemonia dos Estados Unidos, pela 3) emergência de novos pólos de po-der mundial, pela 4) instabilidade e por conflitos políticos, sociais e milita-res cada vez mais intensos e perigosos.

Quais os desfechos? Depende da luta entre forças políticas e sociais,dentro de cada país; e da luta entre Estados e blocos regionais, em âmbitomundial.

Estes são os “sujeitos políticos”.América Latina e Caribe sofrem os efeitos desta situação mundial, mas

ao mesmo tempo constitui uma região marcada pela presença de movi-mentos sociais, partidos políticos e governos que não apenas têm consegui-do reduzir os impactos da crise, como também têm conseguido implemen-tar políticas públicas e colher resultados práticos que constituem inspiraçãoe esperança para amplos setores da humanidade.

E temos conseguido construir caminhos diferenciados de integração,por exemplo com a Unasul e a Celac.

E isto porque recusamos as políticas “austeritárias”.Isto ocorre apesar da geralmente brutal resistência das elites locais e de seus

aliados, notadamente as classes dominantes de Estados Unidos e Europa.Esta resistência assume a forma de uma contra-ofensiva ideológica, políti-

ca, econômica e militar, de que são mostra os golpes em Honduras e noParaguai, as bases militares instaladas na região e o relançamento da IV Frotados EUA, o cerco contra a Venezuela e a continuidade do bloqueio contraCuba, a criação do chamado Arco do Pacifico e os tratados transoceânicos,assim como a pressão judicial e midiática sobre todos os governos progressis-tas e de esquerda da região, a começar pelo Brasil e Argentina

Palestra em Santiago de Compostela

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443Valter Pomar

A história nos ensina a não confiar, nem subestimar, o imperialismo e ocapitalismo. Embora a crise seja profunda, o capitalismo já demonstrou terum fôlego surpreendente, equivalente a sua capacidade de destruir a natu-reza e a humanidade.

Percebe-se este fôlego na América Latina, onde apesar das vitórias parci-ais obtidas pela esquerda, as forças conservadoras, neoliberais e capitalistasmantêm sua hegemonia no terreno econômico-social, o controle das insti-tuições internacionais e do poderio militar, além de conservar o governonacional em importantes países da região.

Embora costumem lançar mão, cedo ou tarde, da violência militar, asclasses dominantes de cada um de nossos países e o imperialismo investemcotidianamente na luta política e ideológica, para o que contam com umimenso aparato educacional, uma indústria cultural potente e o oligopólioda comunicação de massas.

A partir destas plataformas, buscam entre outros objetivos manipular aseu favor as diferenças estratégicas e programáticas existentes entre os go-vernos, partidos e movimentos empenhados no “giro à esquerda” que nos-so subcontinente vive desde 1998.

Alguns destes governos, partidos e movimentos declaram abertamenteseu objetivo de construir o socialismo.

Outros trabalham, assumidamente ou não, pela constituição de socie-dades com alta dose de bem-estar social, democracia política e soberanianacional, mas nos marcos do capitalismo.

Importantes setores, embora integrantes de partidos de esquerda, ado-tam premissas neoliberais e dedicam-se a combater, como inimigo princi-pal, o que chamam de “populismo”.

Há também profundas diferenças estratégicas acerca das formas de luta evias de tomada do poder, bem como sobre qual deve ser a relação dosgovernos eleitos com as classes dominantes de cada país, da Europa e dosEstados Unidos. Igualmente são distintas a visão e a postura frente aoschamados BRICS.

Tais diferenças programáticas e estratégicas tornam particularmente com-plexo o debate sobre a natureza e o papel dos governos encabeçados por presi-dentes integrantes dos partidos de esquerda e progressistas de nossa região.

Neste debate, há desde aqueles que manifestam o temor de que nossosgovernos tentem colaborar na construção de um novo ciclo histórico, sem

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444 Miscelânea Internacional – 1998-2013

que existam as condições econômicas, políticas e ideológicas necessáriaspara enfrentar com sucesso as classes dominantes; até aqueles que alertamsobre o risco de nossa presença nos governos não contribuir para alterar asestruturas mais profundas de nossas sociedades e do conjunto da AméricaLatina, o que resultaria numa desmoralização que abriria caminho para adireita recuperar a cabeça dos respectivos governos nacionais.

Para construir respostas adequadas para este tipo de debate, a esquerdalatino-americana precisará construir soluções novas, para situações igual-mente novas.

Recusar o 1) pensamento neoliberal, o 2) conservadorismo em geral, o3) social-liberalismo e o 4) melhorismo.

Recusar também a impotência esquerdista (poucos mas bons), omovimentismo (neoliberalismo de esquerda), o pachamismo (todo desen-volvimento é ruim), o milenarismo (tudo ou nada) e a vocação ao martírio.

Novamente insistir na ideia da análise concreta, como orientação para aação política.

Isto começa enfrentando nosso triplo “déficit teórico”: a análise do capi-talismo do século XXI; o balanço das experiências socialistas, social-demo-cratas, desenvolvimentistas e nacionalistas do século XX; e a discussão so-bre como articular, numa estratégia continental unitária, as diferentes es-tratégias nacionais e variantes da transição socialista.

Apesar do déficit teórico, não é certo que tudo seja incerto. A classetrabalhadora continua sendo o “sujeito” fundamental. Claro que plural,com gênero, com diferenças geracionais, étnicas... mas classe trabalhadora.

Até porque as imensas contradições que existem no mundo, hoje, nãopodem ser solucionadas pelos interesses privados representados por umpequeno número de poderosos Estados e governos.

A solução de fundo exige o controle social das riquezas geradas socialmente.Soluções públicas e sociais para problemas que são públicos e sociais,

embora causados por interesses privados.É verdade que as forças socialistas ainda estão na defensiva, o que tem

múltiplas explicações, sociológicas, políticas, teóricas.Mas se não rompermos com esta situação, podemos ter ou mais do mes-

mo ou até mesmo uma grande catástrofe.Isto exige política, organização, luta pelo poder, teoria como guia para

ação. Se teremos êxito ou não, não sabemos. Mas o pior que pode aconte-

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445Valter Pomar

cer conosco é não tentar, com todas as nossas forças, aproveitar a atualsituação para colocar o mundo de ponta cabeça.

Por isto o esforço de organizar os migrantes, especialmente os latinoa-mericanos e caribenhos, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.

Por isto o Foro de São Paulo, a cujo próximo encontro estão convidados.E convidadas!

31 de maio de 2013

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446 Miscelânea Internacional – 1998-2013

O secretário executivo do Foro de São Paulo e dirigente do PT, ValterPomar, participa na próxima sexta-feira (14 de junho) da Convenção Na-cional de Solidariedade a Cuba que ocorrerá na cidade de Foz do Iguaçu,no Paraná.

Pomar também representará a direção nacional do Partido dos Trabalha-dores nessa XXI Convenção Nacional, um movimento criado no Brasilpara fazer a defesa da ilha que até hoje é vítima de bloqueio e agressão porparte dos Estados Unidos.

O dirigente também falou ao Portal do PT sobre a situação política atualem Honduras e El Salvador que terão eleições presidenciais. Segundo ele, acentro-esquerda hondurenha tem chances reais de vencer a disputa, enquan-to em El Salvador a FMLN que governa o país lidera as pesquisas de opinião.

O secretário executivo abordou também as posições do Foro de SãoPaulo com relação aos cenários de crise financeira e política na Europa e oconflito bélico na Síria.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Na próxima sexta-feira acontece em Foz do Iguaçu a Convenção Naci-onal de Solidariedade a Cuba após a realização de várias plenárias estadu-ais. Você vai participar pelo Foro e pelo PT. Qual o objetivo desse movi-mento e qual mensagem política será transmitida para Cuba no atualmomento?

Existe no Brasil um forte movimento de solidariedade a Cuba, por diver-sos motivos: porque Cuba foi e segue sendo solidária, porque Cuba é vítimade bloqueio e agressão por parte dos EUA, e também pelo que Cuba significacomo projeto de sociedade. É este movimento de solidariedade, que vai mui-to além dos partidos de esquerda, que organiza as convenções de solidarieda-de. Esta é a XXI Convenção. A mensagem principal que vamos transmitir,em nome do PT, é a mesma que transmitimos quando uma delegação doPartido esteve na Ilha em abril-maio deste ano: contem conosco para defen-der a soberania de Cuba. Defesa que se faz, é bom dizer, inclusive quandofazemos a defesa da qualidade dos médicos formados em Cuba.

XXI Convenção Nacionalde Solidariedade a Cuba

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447Valter Pomar

Honduras terá eleição presidencial no dia 10 de novembro deste ano.Como está o quadro eleitoral no país?

As pesquisas indicam um quadro favorável à centro-esquerda. A candi-data da centro-esquerda é a companheira Xiomara, cuja candidatura seráoficializada na convenção do Partido Libre, no próximo domingo, 16 dejunho. Estarei presente nesta Convenção. O objetivo é recuperar pelo votoo governo que nos tomaram através de um golpe. Evidentemente, a direitae os Estados Unidos, que foram cúmplices ativos do golpe, farão de tudopara impedir a vitória de Xiomara. A esquerda hondurenha tem denunci-ado a ação de grupos paramilitares e ameaças de fraude. Nos cabe apoiar,inclusive divulgando ao máximo o que está ocorrendo lá.

Você esteve em El Salvador no início de junho, onde manteve váriasreuniões com dirigentes da FMLN e com o presidente Maurício Funes eVanda Pignato. Lá também haverá eleição presidencial este ano. Comoavalia o cenário político em El Salvador e as chances de uma nova vitóriada FMLN na disputa?

O candidato da FMLN é Salvador Sanchez Ceren, atual vice-presidentede El Salvador. Existem duas outras candidaturas: uma de um partido cha-mado Arena, que é de direita-direita-muito-de-direita; e outra candidatu-ra, de centro-direita, do ex-presidente Saca. A FMLN lidera as pesquisaspresidenciais, inclusive começa a aparecer vencendo as projeções de segun-do turno. Um grande trunfo da FMLN são as realizações do governo Mau-rício Funes. Por exemplo o programa Cidade Mulher, dirigido pela VandaPignato, que durante anos foi militante petista e que hoje aparece nas pes-quisas com uma popularidade superior a de Maurício. O ideal para a FMLNé vencer as eleições no primeiro turno, como fez Maurício, para evitar queno segundo turno os eleitorados da direita e da centro-direita se unifiquemcontra nós. É bom dizer que as eleições hondurenhas, que são em novem-bro de 2013, vão influenciar as eleições de El Salvador, que são em feverei-ro de 2014. É bom lembrar, também, que o governo de Maurício Funes émuito identificado com a experiência do governo Lula: vencer lá terá umsignificado especial para nós.

O Foro de São Paulo participou do seminário sobre migrantes emSantiago de Compostela, na Espanha. Qual a sua avaliação do evento?

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448 Miscelânea Internacional – 1998-2013

O Foro vem implementando um trabalho de organização dos migranteslatinoamericanos e caribenhos, especialmente aqueles que vivem nos Esta-dos Unidos e na Europa. No caso dos Estados Unidos, criamos recente-mente a Secretaria EUA do Foro. No caso da Europa, o seminário sobremigrações foi exatamente uma iniciativa conjunta entre o Foro de SP, suaSecretaria Europa e o Partido da Esquerda Européia. As discussões do se-minário foram bastante interessantes e podem ser vistas na internet, atravésdo endereço http://forodesaopaulo.org/?p=2728

Qual a opinião do Foro de São Paulo sobre os vários protestos que conti-nuam a ocorrer em países da Europa contra as medidas econômicas de aus-teridade adotadas diante da crise financeira? E as manifestações na Turquia?

O Foro de São Paulo não fez, ainda, uma discussão sobre os acontecimen-tos na Turquia. E, certamente, vão aparecer diferentes opiniões, sendo queno Foro tomamos o cuidado de não nos dividirmos em torno de temasextracontinentais. Da minha parte, acho importante chamar a atenção parao fato de que a situação naquela região só faz complicar-se, e que a ingerênciaexterna é um dos fatores que tem pesado nisto. Quanto a Europa, o Foro deSão Paulo tem destacado o óbvio: as políticas de austeridade prescritas peloFMI não serviram para a América Latina e não vão servir para a Europa,exceto em benefício de uma minoria de financistas, privatistas e quetais.

O Foro continua acompanhando a grave crise na Síria, onde a guerracivil parece que ainda vai durar muito tempo. Qual a análise sobre o futurodo conflito?

Nossa opinião é que os conflitos entre os sírios devem ser resolvidos pelossírios, através de meios pacíficos. A presença de armas, mercenários, inteli-gência e verbas de outros países estão transformando o conflito sírio numconflito militar internacional. A ingerência externa é, como já disse, um com-ponente negativo e desagregador. As classes dominantes nos EUA e na Euro-pa consideram que a Síria é o caminho para Teerã. E acreditam na guerracomo fórmula quase universal para defender seus interesses privados. Parteda grande imprensa investe nisto, demonizando o governo sírio e o governoiraniano, para assim justificar a agressão externa. O desfecho disto pode seruma catástrofe mundial. Por isto defender a paz é tão importante.

Entrevista publicada pelo Portal do PT em 11/06/2013

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449Valter Pomar

Cosa c’è alla base della rivolta che si sta sviluppando in Brasile?O transporte público no Brasil é de péssima qualidade e muito caro.Sempre existiram movimentos sociais em defesa de mais qualidade no

transporte e tarifas mais baratas.Um destes movimentos chama-se Movimento Passe Livre.Trata-se de um movimento dirigido por jovens trabalhadores e jovens

filhos de trabalhadores.Este movimento é forte especialmente na cidade de São Paulo.No dia 13 de junho, uma manifestação convocada por este movimento

foi brutalmente reprimida pela Polícia Militar, que no Brasil é dirigidapelos governadores de estado.

No caso, quem fez a repressão brutal foi a PM dirigida pelo governo doPartido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), de direita, que faz oposi-ção ao governo federal do PT.

A reação popular à repressão foi intensa. Grandes manifestações de soli-dariedade foram realizadas, com muito mais gente presente do que namanifestação inicial.

Neste momento, as manifestações trouxeram a tona a imensa insatisfa-ção social que existe na juventude brasileira, contra as condições de vidaexistentes nas grandes cidades e contra o sistema político brasileiro.

Neste momento, a direita brasileira e a mídia mudaram de posição fren-te às manifestações.

A grande mídia, que até então ridicularizava o movimento Passe Livre eapoiava a repressão, passou a defender as manifestações, mas ao mesmotempo passou a tentar influir na pauta do movimento, direcionando-o contrao governo federal.

O objetivo da direita é direcionar a insatisfação social contra o governo;e dirigir a insatisfação política contra o PT.

Foi neste contexto que ocorreu um terceiro ciclo de manifestações, du-rante as quais grupos paramilitares de ultra-direita agrediram os militantesde esquerda que estavam apoiando as manifestações desde o início.

C’è chi sostiene che alla base della protesta, soprattutto dei giovani,

Entrevista ao jornal L’Unitá

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450 Miscelânea Internacional – 1998-2013

c’è una crescente diseguaglianza sociale a cui il governo non fa fronte euna denuncia della corruzione

As manifestações são basicamente de jovens.Jovens filhos de trabalhadores e jovens trabalhadores.Estas pessoas não viveram a crise dos anos 1980, não viveram os gover-

nos neoliberais, só conhecem os governos do PT, não tem parâmetros pes-soais para saber que o Brasil está melhor.

O que eles sabem é que a vida continua dura.Nas últimas manifestações, entretanto, começaram a participar setores

de “classe média alta”, que são contra o Movimento Passe Livre, são contraas reivindicações sociais de esquerda, e que estão nas manifestações apenaspara questionar o governo federal e o PT.

Estes setores de elite, apoiados pela mídia, buscam direcionar a insatisfa-ção contra o governo e contra o PT, utilizando para isto vários argumentos,entre os quais a corrupção.

Segundo eles, a política brasileira é corrupta, o que é em parte verdade;e a culpa seria do PT, o que é mentira. Mas uma mentira repetida todo dia,nas televisões, acaba parecendo verdade aos olhos de quem assiste televisãotodo dia.

La rivolta in atto è anche il segno di una crisi nel rapporto tra cetipopolari e classe media con i governi a Guida Pt?

O que está ocorrendo é algo absolutamente previsível.Acontece que setores da esquerda brasileira adotaram uma postura

tecnocrática.Os tecnocráticos consideram que o povo é “paciente”. Paciente no senti-

do de ser objeto (e não sujeito). E paciente no sentido de ter paciência, deaguardar.

E, de fato, o povo é muitas vezes paciente.Mas as vezes ocorre do povo deixar de ser paciente, tornar-se sujeito e

querer as coisas agora, já.E isto é ótimo.A pior coisa que pode acontecer para um país é a passividade do povo,

especialmente de sua juventude.As mobilizações que estão ocorrendo são uma grande oportunidade para

forçar nosso governo a acelerar as mudanças socio-economicas e para de-mocratizar o Brasil.

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451Valter Pomar

Além do maís, são uma oportunidade para os partidos de esquerda e osmovimentos sociais perceberem o quão distantes estão das novas geraçõesda classe trabalhadora.

Claro que a direita tenta dirigir o movimento, claro que a mídia tentacapturar a consciência das pessoas, mas esta disputa faz parte do processo.

Il Brasile si sente orfano di Lula? C’è chi sostiene che l’attuale presi-dente, Dilma Rousseff, si sia distaccata dalla linea del suo predecessore.

Isto é uma ilusão de ótica.Dilma Roussef dá prosseguimento à mesma política de Lula.Ocorre que as condições internacionais e nacionais mudaram.E, devido a estas mudanças, a política implementada por Lula não é

mais suficiente.O governo precisa de outra estratégia, que permita fazer mudanças mais

profundas e mais rápidas.Outra estratégia significa mais conflito com o grande capital, com os

partidos de direita e com os meios de comunicação.

La rivolta investe anche gli ingenti investimenti fatti per il Mondialedi calcio del 2014. Il Brasile ha voltalo le spalle al calcio? O chiede piùinvestimenti nella sanità, nell’istruzione, nei trasporti, e meno negli stadi?

Do ponto de vista orçamentário, isto não é verdade.Os gastos com a Copa são uma pequena proporção dos gastos gerais do

pais.O tema é político.O governo tem dado atenção aos investimentos na Copa e isto é justo.Mas ele precisaria mostrar que está dando a mesma atenção para a qua-

lidade das escolas, dos centros de saúde, do transporte público etc.O problema de fundo é político: nós melhoramos o país. Mas o Brasil

continua profundamente desigual. E isto precisa mudar, rápido.Por isto, o Partido dos Trabalhadores apoia as manifestações. Não temos

medo do povo nas ruas. É a combinação entre luta social e ação de governoque pode mudar o país.

E achamos ótimo que isto tenha ocorrido agora, um ano antes das elei-ções, o que nos dará tempo para fazer as correções necessárias.

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452 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Lá, sim, precisamos

O Foro de São Paulo estabeleceu, entre seus objetivos, atuar junto àpopulação de origem latino-americana e caribenha, residente nos EstadosUnidos e na Europa.

Essa população apresenta características muito variadas: país de origem,motivo da migração, tempo de permanência no país, grau de integração àsociedade local, padrão de vida, vínculos com o país de origem etc. Mas amaioria migrou por razões econômicas e constitui uma fração muito explo-rada do proletariado local, submetida a duras condições de trabalho, reduzi-dos direitos sociais e políticos, além de vítima de preconceito e perseguições.

Quais os objetivos do Foro? Em primeiro lugar, estimular a populaçãode origem latino-caribenha a organizar-se, socialmente, sindicalmente, po-liticamente, incorporando-se a organizações locais, instituições, movimen-tos e partidos políticos da esquerda europeia. Conquistar direitos sociais epolíticos, tanto no país de moradia quanto no de origem. Em segundolugar, fazer com que essa população, de origem latino-caribenha, apoie osprocessos de transformação que estão em curso em nossa região.

Com esse propósito, o Foro constituiu duas novas secretarias regionais:a Secretaria Europa e a Secretaria Estados Unidos, cada uma integradapelos partidos políticos de nossa região que possuem militância organizadanos EUA e na União Europeia. O PT, por exemplo, possui núcleos queatuam tanto nos Estados Unidos quanto em diversos países europeus, comoPortugal, Espanha, França, Inglaterra e Bélgica.

Ainda estamos em fase de implantação, mas está evidente que se trata deuma atividade estratégica. Fortalecer a esquerda na Europa e nos EstadosUnidos reduz a pressão sobre cada um de nossos países e sobre o conjuntode nossa região. Principalmente nos Estados Unidos, os latino-americanose caribenhos constituem um segmento cada vez mais importante da popu-lação e do eleitorado, tendo provavelmente contribuído de maneira signifi-cativa para a vitória de Obama nas últimas eleições presidenciais.

Isso nos remete a um terceiro motivo pelo qual organizar os latino-ame-ricanos e caribenhos se trata de uma atividade estratégica. A direita europeiae norte-americana desenvolve um trabalho político-ideológico permanente

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453Valter Pomar

na América Latina e Caribe, contribuindo inclusive financeiramente paraorganizações sociais e políticas vinculadas a seus interesses. De nossa parte,devemos também “atuar na retaguarda”, por exemplo, estimular os latino-americanos e caribenhos residentes nos Estados Unidos a organizar umpartido político de esquerda, de massas, democrático e socialista, que que-bre a hegemonia de democratas e republicanos. Lá, sim, precisamos deuma terceira via.

Texto publicado pela Teoria e Debate no dia 24/06/2013

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454 Miscelânea Internacional – 1998-2013

1. Agradecimento aos organizadores, participantes, Maria Regina e MarcoAurélio Garcia.

2. Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e Marco Aurélio Garciasão os principais intelectuais orgânicos da política externa que estamosdebatendo aqui. Os três são alvo frequente do ataque da mídia conservado-ra e da intelectualidade da direita.

3. Na divisão de trabalho proposta pelos organizadores, me cabe falar dotema da integração, de seus avanços, impasses e perspectivas, do ponto devista do Foro de São Paulo.

4. O Foro de São Paulo é uma instituição criada por iniciativa principal-mente do PT, a partir de um seminário realizado em 199, na cidade de SãoPaulo. O que mudou desde então?

5. Qual era, resumidamente, a situação do mundo e da região em 1990?Ofensiva neoliberal, crise do socialismo, predomínio quase imperial dosEstados Unidos. Indicador da situação: durante muitos anos, Cuba era oúnico país da região governado por um partido de esquerda.

6. Qual a situação hoje? Crise do neoliberalismo, recuperação do socia-lismo, “declínio” relativo dos Estados Unidos. Um indicador: partidos doForo governam ou participam de governos em mais de 10 países da regiãoe são principal força de oposição em outros.

7. O que explica esta mudança? O desgaste do neoliberalismo e os acer-tos do nosso lado. Principal acerto: uma correta articulação entre luta deidéias, luta social, luta política, ação governos. Um bom exemplo disto: aderrota da Alca, em 2005.

8. O Foro participou e contribuiu para esta mudança na correlação deforças na América Latina e Caribe (ALC).

9. Como o Foro enxerga o tema da integração?10. Não é tema novo. Mas ganha mais importância e urgência na nova

situação.11. Como caracterizamos esta nova situação? Deslocamento geopolítico

em direção à Ásia, declínio relativo dos EUA (e sua reação a este declínio),crise (estrutural, global, impactos diferenciados), instabilidade, tendência(reativa) a formar blocos.

Uma nova política externaAvanços, impasses e desafios da integração

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455Valter Pomar

11. Este quadro acentua o conflito entre as duas políticas de integraçãoexistentes no nosso continente: a subordinada (Nafta, Alca, TLCs, AliançaPacífico) e a autônoma (Celac, Unasul, Alba, Mercosul.ponto.2).

[Estados Unidos vai ser mais agressivo externamente. Situação econô-mica interna e fratura social/política interna os empurram para buscarconflitos externos. Precisamos nos preparar para um cenário de maioresconflitos.]

12. Que tipo de integração o Foro defende?13. Autonomia, por razões defensivas (proteção contra ondas de choque

e redução da ingerência externa) e aproveitamento do potencial (o quetemos e a sinergia: todo maior que a soma das partes).

14. Encaramos integração como processo de longa duração, multifacéticoe estrutural. Estrutural do ponto de vista político (soberania popular), eco-nômico (infraestrutura produtiva regional), cultural (pensamento latinoa-mericano e caribenho de massas). E capaz de superar assimetrias.

15. Foro compreende integração como processo em disputa. Não é ape-nas tema da esquerda. Há um conflito entre integração subordinada e au-tônoma. Há governos de centro-direita que participam (e queremos queparticipem) das instituições da integração. E há, também, conflito entrediferentes “vias de desenvolvimento” (capitalismo, socialismo).

16. Como Foro é espaço plural, nosso mínimo denominador comum é:não ao neoliberalismo, não ao imperialismo, defesa de uma soberania com-patível com a integração, desenvolvimento que gere mais democracia, igual-dade, bem-estar.

17. Foro defende integração latinoamericana e caribenha. Claro que no“sul” é mais “fácil”. Mas integração consequente tem que ser LAC, porqueenvolve disputar com Estados Unidos. Lembrando, ademais, que não se podefazer em latinoamérica sem falar de México, Cuba, Haiti e sem falar de aca-bar com o colonialismo na região (por exemplo Porto Rico e Malvinas).

18. Foro tem enorme expectativa quanto ao Brasil. Reconhece papelpositivo do Brasil. Tem expectativa de que Brasil jogue papel mais ativo.

19. Pessoalmente, percebo existir no Foro, dentre os partidos do Foro,três tipos de críticas à nossa política externa.

20. Primeiro, a partir de 2011, uma inflexão em direção a idéia do Bra-sil-potência isolada-membro dos Brics, em detrimento da linha Brasil-inte-grante da região LAC.

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456 Miscelânea Internacional – 1998-2013

21. Segundo, uma timidez imensa. Um exemplo: como um país quedeu asilo ao ex-ditador paraguaio não toma a iniciativa de asilar Snowden?Outro exemplo: a demora em casos como o Banco do Sul.

22. Terceiro, a crítica ao “subimperialismo”.23. Não acho que o Brasil seja subimperialista. Mas é interessante ver

que esta crítica se dirige não exatamente à ação do Estado, mas a falta deação do governo brasileiro, frente a atitude de empresas brasileiras no exte-rior. Como resolver isto?

24. Recuperando o perfil alto da política externa brasileira, subordinan-do a ação das empresas brasileiras aos interesses da política externa e con-vertendo nossa política de externa, de política de governo em política deEstado.

25. Isso exige enfrentar e derrotar os que defendem uma política exter-na subordinada aos EUA, a saber: setores da intelectualidade de direita e damídia, setores da elite política do país e setores do empresariado.

26. Quanto ao debate sobre o modelo de desenvolvimento, é precisoconcluir a superação da herança neoliberal e construir um desenvolvimen-tismo democrático popular. Estamos longe disto ainda, embora sem dúvi-da estejamos melhor do que sob FHC, assim como estamos melhor do queestaríamos se Alckmin ou Serra tivessem vencido as eleições presidenciais.Mas ainda estamos longe do que queremos e as mobilizações de rua, pormais direitos sociais e por mais democracia, são importantes como pontode apoio para obtermos mais.

[Não se trata de regular o capitalismo. Se trata de alterar o padrão, de-mocratizando o poder (meios de comunicação, reforma do Estado, refor-ma política), a renda (redução do peso do KFinaneiro, ampliação da massade salários, reforma tributária) e a propriedade. Por isto desenvolvimentodemocrático e popular tende a chocar-se com capitalismo.]

27. Industrialista convicto, defensor dos avanços tecnológicos, opostoao pensamento pachamamico e contrário aos preconceitos religiosos frentea ciência, considero um erro minimizar ou ridicularizar os temas ambien-tais e os direitos dos povos indígenas, entre outros. A história do desenvol-vimento no Brasil é trágica deste ponto de vista e nosso desenvolvimentonão deve incorrer neste tipo de opção criminosa.

[Principal problema ambiental é decorrência de um modelo apoiado noamerican way of life, ou seja, consumo individual. É preciso ampliar a

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457Valter Pomar

oferta de bens e serviços públicos. O caso do transporte é exemplar.][O tratamento agressivo contra os povos indígenas tem relação com as

concessões econômicas, políticas e ideológicas ao agronegócio. Necessida-de de segurança alimentar, energia e proteção de fronteiras é compatívelcom defesa dos direitos dos povos indígenas.]

28. Por fim, e também pessoalmente, é claro que há uma queda no perfile uma certa inflexão na política externa, pós 2011. Alguns atribuem isto apersonalidade dos envolvidos. Claro que há diferenças de personalidade.Mas o tema central é político.

29. Na política, mais do que analisar a inflexão feita, é importante cha-mar a atenção para o ambiente distinto. Mudou o ambiente interno, pois ogrande capital está fazendo oposição ao governo Dilma, essencialmenteporque está insatisfeito com os níveis de emprego, de salário e com o queinvestimos em políticas sociais. E mudou o ambiente internacional, sejapor conta da crise (de marolinha a tsunami), seja pela contraofensiva que adireita vem fazendo em âmbito regional desde 2008.

30. Qual deve ser a nossa reação a isto: aprofundar as mudanças e acele-rar a integração.

31. Apesar dos perigos, motivos para otimismo: crise nas metrópoles éoportunidade para a periferia. E pela primeira vez esta oportunidade ocorreconosco governando grande número de países da região.

[Em 2013-2014 muitas eleições na região. Política externa estará emquestão. Para ganhar, será necessário repactuar com nossa base social/elei-toral. Dilma reagiu bem ao processo de mobilizações e está em condiçõesde repactuar, vencer e principalmente fazer um segundo mandato melhordo que o atual.]

32. Finalmente, convidar para o XIX Encontro do Foro de São Paulo.

Palestra na Conferência 2003-2013(roteiro escrito da intervenção, que foi depois transmitida ao vivo)

[entre colchetes, temas que foram objeto de perguntas]

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458 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Aprofundar as mudanças,acelerar a integração

O Foro de São Paulo é uma organização criada nos anos 1990, a partirde um seminário internacional convocado pelo Partido dos Trabalhadoresdo Brasil. Trata-se de uma articulação de partidos políticos da AméricaLatina e Caribe, que faz Encontros mais ou menos anuais.

No caso do Brasil, os partidos integrantes são, além do PT, o PartidoComunista do Brasil, o Partido Socialista Brasileiro, o Partido Democráti-co Trabalhista, o Partido Comunista Brasileiro e o Partido Pátria Livre.

Este ano, o XIX Encontro será no Brasil, na cidade de São Paulo, de 29de julho a 4 de agosto. Participarão dirigentes de partidos políticos, lide-ranças sociais, parlamentares, gobernantes, além de observadores e convi-dados vindos da Europa, África, Ásia e Estados Unidos.

As atividades do Encontro serão realizadas nos hotéis Braston São Paulo(Rua Martins Fontes, 330 – Consolação) e Novotel Jaraguá (Rua MartinsFontes, 71 – Consolação ).

O ato de abertura, que deve contar com a presença do ex Presidente LuizInácio Lula da Silva, será na Quadra dos Bancários (Rua Tabatinguera,192 – Centro).

Os debates do XIX Encontro serão orientados por um Documento Base,disponível na página www.forosaopaulo.org. Não se trata de uma “teseguia”, que será submetida à posterior emenda e votação, mas tão somentede uma contribuição ao debate.

O Encontro propriamente dito será precedido pela II Escola de forma-ção política do Foro de São Paulo, que abordará os seguintes temas: “Aintegração na história de Nossa América”; “A integração do ponto de vistados Estados Unidos, Europa e Ásia”; “A questão migratória e os processosde integração”; “Análise dos diferentes instrumentos e instituições do pro-cesso de integração: CELAC, UNASUL, ALBA, MERCOSUL, PactoAndino, SICA, Parlamentos etc.”; “A crise atual do capitalismo, os novosacordos e processos de integração em outras regiões do mundo e a integra-ção latino-americana”; “Os desafios presentes e futuros da integração”.

Às vésperas do XIX Encontro, a convite do Partido dos Trabalhadoresdo Brasil, será realizada uma reunião entre os partidos membros do Foro de

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459Valter Pomar

São Paulo que governam e integram o governo dos países do MERCO-SUL, tanto com os membros plenos quanto com os associados. O objetivoé discutir as medidas concretas que podem ser tomadas para acelerar oprocesso de integração nesse âmbito.

Já como parte do XIX Encontro, teremos cinco encontros setoriais: o V Encontro de Juventudes do Foro de São Paulo, com ênfase nos

seguintes temas: A juventude em defesa dos projetos de governo departidos membros do Foro de São Paulo; A integração latino-americanae o projeto de desenvolvimento regional e a nova geração; As políticaspúblicas de juventude para o desenvolvimento da América Latina e doCaribe;

o II Encontro de Mulheres do Foro de São Paulo, com ênfase nos se-guintes temas: O impacto da crise na vida das mulheres; As mulheres ea integração regional da América Latina e do Caribe – o fortalecimentodas lutas sociais do ponto de vista das mulheres; Participação políticadas mulheres – sub-representação das mulheres nos espaços de poder;

o I Encontro de Afrodescendentes do Foro de São Paulo, com ênfase nosseguintes temas: O papel dos negros e das negras dos partidos do Forode São Paulo; Experiências dos governos da América Latina e do Caribenas políticas de promoção de igualdade racial;

o Encontro de Parlamentares dos partidos do Foro de São Paulo, com oobjetivo principal de articular nossa intervenção nos parlamentos regionais;

o Encontro de Autoridades Locais e Subnacionais dos partidos do FSP.Também como parte do XIX Encontro, teremos 7 seminários: a) África

e América Latina; b) BRICS e América Latina; c) Oriente Médio e Áfricado Norte; d) Estados Unidos; e) Europa; f ) o III Seminário de balanço dosgovernos progressistas e de esquerda; g) A contribuição de Hugo Chávezpara o processo de mudança na América Latina e no Caribe.

A programação inclui, ainda, 21 oficinas temáticas: a) Políticas de saúdemental e drogas; b) Luta pela democracia na Internet e nas redes sociais; c)Luta pela paz e contra o militarismo; d) Movimentos sociais e participaçãopopular; e) Políticas sociais; f ) Processos eleitorais; g) Povos originários; h)Recursos naturais; i) Segurança e soberania agroalimentares; j) Trabalha-dores da arte e da cultura; k) União e integração latino-americana e caribe-nha; l) Colonialismo e autodeterminação; m) Defesa; n) Democratizaçãoda informação e da comunicação; o) Desenvolvimento econômico; p) Esta-

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460 Miscelânea Internacional – 1998-2013

do, democracia e participação popular; q) Meio ambiente e mudança cli-mática; r) Migrações; s) Movimento LGBT; t) Movimentos sindicais; u)Segurança e narcotráfico.

Além disso, teremos as reuniões do Grupo de Trabalho, das Secretariasregionais, a reunião da Comissão de Fundações e Escolas ou Centros deCapacitação, as plenárias do XIX Encontro e o ato inaugural.

Todas essas atividades terão como eixo temático aprofundar as mudan-ças e acelerar a integração regional.

Em formato de livro

Durante o XIX Encontro, será lançado o livro Foro de São Paulo: cons-truindo a integração latinoamericana e caribenha (Editora da FundaçãoPerseu Abramo). No livro, os autores Roberto Regalado e Valter Pomarfalam da história, do funcionamento, dos desafios atuais e futuros do Forode São Paulo. Trechos do início e do final do citado livro compõem opresente artigo.

O XIX Encontro ocorre numa conjuntura histórica marcada pela criseglobal, pelo declínio da hegemonia dos Estados Unidos, pela emergênciade novos pólos de poder mundial, pela instabilidade e por conflitos políti-cos, sociais e militares cada vez mais intensos e perigosos.

América Latina e Caribe sofrem os efeitos desta situação mundial, masao mesmo tempo constituem uma região marcada pela presença de movi-mentos sociais, partidos políticos e governos que não apenas têm consegui-do reduzir os impactos da crise, como também têm conseguido implemen-tar políticas públicas e colher resultados práticos que constituem inspiraçãoe esperança para amplos setores da humanidade.

Como é óbvio, isto ocorre apesar da geralmente brutal resistência daselites locais e de seus aliados, notadamente as classes dominantes de Esta-dos Unidos e Europa. No momento em que escrevemos esta apresentação,esta resistência assume a forma de uma contra-ofensiva ideológica, política,econômica e militar, de que são mostra os golpes em Honduras e no Para-guai, as bases militares instaladas na região e o relançamento da IV Frotados EUA, o cerco contra a Venezuela e a continuidade do bloqueio contraCuba, a criação do chamado Arco do Pacifico e os tratados transoceânicos,assim como a pressão judicial e midiática sobre todos os governos progres-sistas e de esquerda da região, a começar pelo Brasil.

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461Valter Pomar

A história nos ensina a não confiar, nem subestimar, o imperialismo e ocapitalismo. Embora a crise seja profunda, o capitalismo já demonstrou terum fôlego surpreendente, equivalente a sua capacidade de destruir a natu-reza e a humanidade. Percebe-se este fôlego na América Latina, onde ape-sar das vitórias parciais obtidas pela esquerda, as forças conservadoras, neo-liberais e capitalistas mantêm sua hegemonia no terreno econômico-social,o controle das instituições internacionais e do poderio militar, além deconservar o governo nacional em importantes países da região.

Embora costumem lançar mão, cedo ou tarde, da violência militar, asclasses dominantes de cada um de nossos países e o imperialismo investemcotidianamente na luta política e ideológica, para o que contam com umimenso aparato educacional, uma indústria cultural potente e o oligopólioda comunicação de massas. A partir destas plataformas, buscam entre ou-tros objetivos manipular a seu favor as diferenças estratégicas e programá-ticas existentes entre os governos, partidos e movimentos empenhados no“giro à esquerda” que nosso subcontinente vive desde 1998.

Alguns destes governos, partidos e movimentos declaram abertamenteseu objetivo de construir o socialismo. Outros trabalham, assumidamenteou não, pela constituição de sociedades com alta dose de bem-estar social,democracia política e soberania nacional, mas nos marcos do capitalismo.Importantes setores, embora integrantes de partidos de esquerda, adotampremissas neoliberais. Há também profundas diferenças estratégicas acercadas formas de luta e vias de tomada do poder, bem como sobre qual deveser a relação dos governos eleitos com as classes dominantes de cada país,da Europa e dos Estados Unidos. Igualmente são distintas a visão e a pos-tura frente aos chamados BRICS. Tais diferenças programáticas e estratégi-cas tornam particularmente complexo o debate sobre a natureza e o papeldos governos encabeçados por presidentes integrantes dos partidos de es-querda e progressistas de nossa região.

Neste debate, há desde aqueles que manifestam o temor de que nossosgovernos tentem colaborar na construção de um novo ciclo histórico, semque existam as condições econômicas, políticas e ideológicas necessáriaspara enfrentar com sucesso as classes dominantes; até aqueles que alertamsobre o risco de nossa presença nos governos não contribuir para alterar asestruturas mais profundas de nossas sociedades e do conjunto da AméricaLatina, o que resultaria numa desmoralização que abriria caminho para adireita recuperar a cabeça dos respectivos governos nacionais.

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462 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Para construir respostas adequadas para este tipo de debate, a esquerdalatino-americana precisará construir soluções novas, para situações igual-mente novas. E isto começa enfrentando nosso triplo “déficit teórico”: aanálise do capitalismo do século XXI; o balanço das experiências socialis-tas, social-democratas, desenvolvimentistas e nacionalistas do século XX; ea discussão sobre como articular, numa estratégia continental unitária, asdiferentes estratégias nacionais e variantes da transição socialista.

O Foro de São Paulo é um dos espaços onde este debate ocorre. Umespaço privilegiado, marcado pela diversidade e pelo calor típico dos deba-tes vinculados à ação prática, à disputa concreta, à luta de classes e aoconflito entre governos e Estados.

Na Bolívia e adianteOs meses posteriores ao XIX Encontro serão marcados por um intenso

calendário eleitoral, que começa em outubro de 2014 com eleições legisla-tivas na Argentina.

Considerando apenas as eleições presidenciais, a disputa começa porHonduras, onde as esquerdas apoiam Xiomara Castro Zelaya, candidatapelo Partido Libertad y Refundación (Libre). Anteriormente, Xiomaramilitava no Partido Liberal. Xiomara é esposa de Juan Manuel Zelaya, ex-presidente eleito pelo Partido Liberal e deposto em 28/6/2009 por umgolpe jurídico-militar. As pesquisas indicam que ela tem boa chance devencer. Seu programa inclui a convocação de uma Assembléia NacionalConstituinte.

Entre novembro e dezembro de 2013, Michelle Bachelet pode voltar apresidir o Chile, apoiada por uma coligação agora integrada desde o pri-meiro turno pelo Partido Comunista. E em fevereiro-março de 2014 tere-mos a disputa presidencial em El Salvador. O candidato da esquerdasalvadorenha é Salvador Sanchez Ceren, atual vice-presidente de El Salva-dor e dirigente da Frente Farabundo Marti. As chances de vitória da es-querda dependem principalmente de dois fatores: o apoio do presidenteMaurício Funes a Salvador Sanchez Ceren e a divisão da direita local.

A sequência de eleições prossegue até o último trimestre, quando teremoseleições no Brasil, Uruguai e Bolívia, as duas primeiras em outubro e a últi-ma em dezembro de 2014. Não é preciso dizer que trata-se de um ano quepode reafirmar ou alterar profundamente a correlação de forças na região.

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463Valter Pomar

Nosso sucesso nas eleições e principalmente depois delas depende emboa medida da articulação adequada entre a ação dos governos, partidos emovimentos sociais. E, tendo em vista que a direita local está articuladacom o imperialismo, nosso sucesso dependerá cada vez mais, da solidarie-dade e da integração regional.

Todos os partidos do Foro e todos os governos influenciados por nósconsideram que a integração é algo central, estratégico, seja como proteçãocontra ingerências externas em geral e contra os impactos da atual criseinternacional em particular; seja para aproveitar melhor todo o potencialregional; e, também, como “guarda-chuva” para os diferentes projetos es-tratégicos que os partidos do Foro perseguem.

Dos que defendem o socialismo, aos que defendem um novo modelo dedesenvolvimento capitalista, todos reconhecem que a integração é um fatordecisivo para limitar o alcance e a ingerência da aliança conservadora entreas oligarquias locais e seus aliados metropolitanos.

Entretanto, todos reconhecem que o ritmo da integração é muito maislento do que o necessário para enfrentar a atual situação mundial, de profun-da crise, declínio da hegemonía dos EUA, emergencia de novos centros depoder, profundas crises sociais e políticas, contra-ofensiva dos EUA e aliados,inestabilidade sistémica e conflitos militares cada vez mais perigosos.

Neste contexto, cabe aos partidos do Foro de São Paulo, entre outrastarefas, tomar as medidas necessárias para aprofundar as mudanças em cadapaís e acelerar a integração entre países, enfrentando o colonialismo e oimperialismo; organizar as forças sociais necessárias para sustentar nossosgovernos e, também, para fazer oposição aos governos da direita; articulara presença da esquerda latinoamericana e caribenha em outros espaços ge-ográficos, a começar pelos Estados Unidos e Europa; e construir um pensa-mento de massas, latinoamericano e caribenho, integracionista, democrá-tico-popular e socialista.

A construção deste pensamento de massas, de uma cultura de massas é,dentre as tarefas de longo prazo, talvez a mais estratégica.

Em geral, os partidos do Foro reconhecem este necessidade e reconhe-cem, também, que sofremos um “déficit teórico” em temas como a análisedo capitalismo do século XXI; o balanço das experiências socialistas, social-democratas e nacional-desenvolvimentistas do século XX; o balanço dadécada de governos progressistas e de esquerda; a construção de uma estra-

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464 Miscelânea Internacional – 1998-2013

tégia continental de integração e desenvolvimento, que respeitando a neces-sária diversidade, consiga articular nossas diferentes estratégias nacionais.

Olhando com prudência, é inevitável concluir que o Foro de São Paulonão é capaz de dar conta do conjunto destas tarefas, até porque ele é a expres-são das virtudes e limitações dos partidos e movimentos que o constituem.

Neste sentido, como diz o ditado, não se deve pedir “peras a los olmos”.Porém e contraditoriamente, sem o Foro de São Paulo, sem o ethos, sem oanima que nos levou a criá-lo e a mantê-lo durante todos estes anos, a esquer-da tampouco conseguirá dar conta deste conjunto de tarefas. Neste sentido,o Foro tem um pouco de carvalho, mas também tem um pouco de pereira.

Seja como for, a história do Foro de São Paulo já é parte indissolúvel dahistória da esquerda latino-americana durante a última década do séculoXX e a primeira do XXI.

Esperamos que o XIX Encontro do Foro possa contribuir para um enga-jamento ainda maior da esquerda brasileira, especialmente o engajamentodo Partido dos Trabalhadores do Brasil, nessa história viva que, com suasvirtudes e defeitos, com seus acertos e erros, escreve dia a dia a esquerdalatino-americana em favor de um futuro de democracia, desenvolvimento,integração e socialismo.

Texto distribuído dia 19 julho de 2013

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Entre os dias 29 de julho e 4 de agosto de 2013, a capital paulistanarecebeu o XIX Encontro do Foro de São Paulo, para debater como apro-fundar as mudanças e como acelerar a integração regional latino-americanae caribenha. Antes, o Brasil já recebera o Foro em três outras ocasiões:1990, 1997 e 2005.

O XIX Encontro foi organizado por partidos brasileiros que integram oForo de São Paulo: o Partido dos Trabalhadores, o PC do B, o PSB, o PDT,o PPL e o PCB.

Formalmente, o PPS também é integrante do Foro de São Paulo, mas oúltimo Encontro de que participou foi em 2010, em Buenos Aires.

Vale dizer, também, que o PCB divulgou um documento, assinado porseu Comitê Central, acusando o Foro de estar hegemonizado pelo refor-mismo. Quanto ao PSB e ao PDT, participaram com baixo perfil das ativi-dades. Quem mais se empenhou, na organização e/ou na mobilização,foram o PT, o PCdoB e o PPL.

O XIX Encontro do Foro foi o primeiro realizado depois da morte dopresidente venezuelano Hugo Chávez e da eleição de seu sucessor, NicolasMaduro. Dois episódios que deixaram claro, para os que resistiam a perce-ber e reconhecer, que estamos em uma nova etapa política na região, mar-cada principalmente pela contra-ofensiva da direita local, apoiada por seusaliados nos Estados Unidos e Europa.

Para derrotar esta contra-ofensiva da direita, não bastam medidas táti-cas: é necessário, também, um salto de qualidade no processo de mudançasem cada país e também no processo de integração regional.

Isto se faz necessário e urgente porque, além da contra-ofensiva da direi-ta, vivemos também o esgotamento do “padrão” que caracterizou a primei-ra etapa do ciclo progressista e de esquerda.

Esta primeira etapa se estendeu das eleições de Chávez e de Lula (1998-2002), até a eclosão da crise internacional e a posse de Obama (2008).

A partir de então, entramos em outra etapa, na qual estamos hoje, mar-cada exatamente pela combinação entre a crise internacional, a contra-ofensiva da direita e o esgotamento daquele “padrão”, que basicamente

Muito trabalho pela frente

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466 Miscelânea Internacional – 1998-2013

consiste em redirecionar também para os setores populares a renda e ariqueza geradas em nossas sociedades.

Este redirecionamento foi possível de fazer, por algum tempo e comalgum nível de êxito, como demonstra a comparação entre os indicadoresdesta etapa vis a vis o período neoliberal antecedente, em qualquer dospaíses governados pelas forças progressistas e de esquerda.

Ocorre que a organização política, social e econômica capitalista hege-mônica em nossa região não permite —especialmente num contexto decrise internacional— a ampliação continuada da igualdade, da democra-cia, da soberania e da integração regional.

É por isto que, à medida que o tempo passa, tende a diminuir o ritmo e aqualidade das “mudanças”, reafirmando-se as determinantes do status quo: adependência, a democracia restrita e a desigualdade. A crise internacional nãocausou, mas certamente acelerou esta tendência ao esgotamento do padrão.

Por isto, falar em continuar as mudanças exige mudança de padrão. Éisto que nos leva a falar da necessidade urgente de realizar reformas estrutu-rais em nossas sociedades, que nos permitam ampliar qualitativa e rapida-mente a produtividade social, o bem-estar, a democracia política e a inte-gração regional. E a “sustentabilidade” destas reformas estruturais depen-de, em boa medida, da integração regional.

Destaco que a necessidade de mudança de padrão também se aplica parapaíses como a Venezuela, altamente dependente da produção e comerciali-zação do petróleo, o que é insuficiente frente às necessidades econômicas,sociais, políticas e militares da República Bolivariana.

O XIX Encontrou ocorreu logo depois da visita do Papa Francisco aoBrasil. Os governantes da região comemoraram um papa de nacionalidadeargentina. E setores da esquerda regional chegam a alimentar expectativaspositivas, o que é compreensível se lembrarmos do Papa anterior.

Mas há, também, setores muito preocupados, por três motivos: primei-ro, devido ao papel da Igreja católica durante a ditadura militar argentina;segundo, devido ao papel jogado por outro Papa no combate ao socialis-mo, tal como existia no Leste Europeu; terceiro, devido à crescente influên-cia dos conservadores no interior da igreja católica.

Reforçando estes motivos de preocupação, recordo o papel da Democra-cia Cristã no pós-Segunda Guerra, para neutralizar e combater a esquerdasocialdemocrata e comunista em vários países europeus.

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467Valter Pomar

Durante o XIX Encontro, também foi muito discutido o processo demobilização social ocorrido no Brasil no mês de junho, seus impactos pre-sentes e futuros.

Havia uma grande curiosidade a respeito, especialmente por parte da-queles que ainda analisam a política regional em termos de “duas esquer-das”. Vale dizer que um dos ensinamentos que se pode extrair das mobili-zações de junho é que a direita brasileira, como a venezuelana, disputa amídia, as urnas e agora também as ruas conosco. E que as esquerdas, apesardas diferenças existentes entre os vários países da região, enfrentam algunsdilemas muito semelhantes.

Sobre a integração regional, ficou claro mais uma vez tratar-se de umprocesso em disputa.

Primeiro, disputa contra o imperialismo, que deseja uma integração su-balterna às metrópoles, como no projeto da Alca.

Segundo, disputa contra a grande burguesia, que deseja uma integraçãofocada nos mercados e no lucro de curto prazo, o que levaria a uma integra-ção que aprofundaria as disparidades regionais e sociais, o que por sua vezacabaria nos levando a uma integração subalterna aos gringos.

Terceiro, existe ainda a disputa, no campo progressista e de esquerda,entre diferentes ritmos e vias de desenvolvimento e integração. Um de nos-sos desafios é, precisamente, evitar que estas diferenças convertam-se emantagonismos —o que até agora temos conseguido.

A integração é, portanto, um processo “a quente”, no curso do qual a es-querda precisa operar, simultaneamente, no plano político, econômico e cultu-ral. Para isto, os governos são fundamentais, mas insuficientes. Os partidos,assim como os movimentos sociais e o mundo da cultura são essenciais.

Outro dos desafios da integração, para além daqueles provocados peloimperialismo estadounidense e europeu, pelos governos de direita e pelasburguesias locais, é a relação com a China, especialmente neste momentode inflexão em direção ao seu mercado interno.

Esta inflexão pode ter vários efeitos colaterais, entre os quais nos fazervoltar ao “estado normal” de economias dependentes, vítimas de desigual-dade crescente nos termos de troca entre produtos de baixo e de alto valoragregado. Risco ao qual devemos responder, não reforçando o reclamo anti-China estimulado pelas “viúvas” dos EUA, mas sim optando para valer porum ciclo de desenvolvimento econômico interno e regional, impulsionado

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468 Miscelânea Internacional – 1998-2013

pelo Estado e baseado na ampliação de infraestruturas, políticas universaise capacidade de consumo, caminho para o que já foi dito antes: a amplia-ção qualitativa, rápida e “sustentável” da produtividade social, do bem-estar, da democracia política e da integração regional.

Observando de conjunto a situação, constata-se um acirramento daluta de classes na região, um acirramento no conflito entre alguns paísesda região, bem como um acirramento de nossa relação com as potênciasimperialistas.

O que foi descrito até agora tem como pano de fundo o deslocamento docentro geopolítico do mundo, do Ocidente em direção ao Oriente; o declínioda hegemonia dos Estados Unidos; e a crise internacional do capitalismo.

Trata-se de processos em curso, de desfecho incerto e que ainda podemser revertidos em favor das classes sociais e dos Estados que hegemonizaramo mundo no período neoliberal.

Independente do desfecho, as três variáveis citadas criam um ambientede instabilidade e crises, sociais, políticas e militares. O que conduz à for-mação de blocos regionais, inclusive enquanto instrumentos de proteção.

Este é, precisamente, o divisor de águas no continente americano: oconflito entre dois grandes projetos de integração regional. Por um lado oprojeto de integração subordinada aos Estados Unidos, simbolizado pelaAlca (Área de Livre Comércio das Américas); por outro lado, o projeto deintegração autônoma, simbolizado pela Celac (Comunidade de EstadosLatino-americanos e Caribenhos).

O projeto de integração autônomo não é, em si, socialista. Mas a inte-gração é uma condição fundamental para o sucesso econômico e políticode uma transição socialista.

A integração permite limitar as ações que o imperialismo e as classesdominantes de cada país promovem, de maneira permanente, contra a es-querda latino-americana.

A integração, por outro lado, cria a “economia de escala” e a “sinergia”indispensáveis para superar as limitações materiais, produtivas, econômi-cas, que dificultam a transição socialista em cada país da região.

Desde 1998, as forças favoráveis à uma integração autônoma da regiãoconquistaram eleições em importantes países da região. Mas a partir de2008, como já dissemos, começou uma contra-ofensiva das forças favorá-veis à integração subordinada aos Estados Unidos.

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469Valter Pomar

Hoje vivemos uma situação de “equilíbrio relativo” entre os dois proje-tos de integração (autônoma e subordinada).

Politicamente, uma situação de equilíbrio relativo pode ser favorável àsforças da esquerda. Mas historicamente, uma situação de equilíbrio relati-vo tende a favorecer as forças que representam o status quo, pois o equilí-brio significa a continuidade da ordem hegemônica, que em nosso casoainda é capitalista, dependente e neoliberal.

Neste sentido, é fundamental buscar caminhos para seguir avançando.É para isto que apontam as resoluções do XIX Encontro, quando falam

em aprofundar as mudanças e acelerar a integração; ou quando falamos embuscar vitórias no ciclo eleitoral que começa em novembro de 2013 (Chilee Honduras) e prossegue até dezembro de 2014 (Bolívia); ou, ainda, quan-do falamos de fortalecer as lutas sociais, os partidos de esquerda e os gover-nos progressistas da região.

Entretanto, para seguir avançando há que derrotar obstáculos podero-sos. Vários deles foram objeto de discussão e deliberação pelo XIX Encon-tro, cujas resoluções, Declaração Final e Documento base devem ser estu-dados com atenção.

Mas há um obstáculo que não foi adequadamente debatido, a saber,nosso déficit teórico em pelo menos três grandes temas: o balanço das ten-tativas de construção do socialismo no século XX; a análise do capitalismono século XXI; e a estratégia socialista, na América Latina de hoje.

Quando falamos em déficit teórico, nos referimos simultaneamente ànecessidade de superar interpretações equivocadas e à necessidade de cons-truir interpretações novas, que sirvam como núcleo central de uma culturasocialista de massas para este século XXI.

O imaginário da esquerda latino-americana é ainda fortemente influen-ciado por paradigmas que certamente contribuíram muito para que che-gássemos até aqui; mas que, ao mesmo tempo, criam algumas dificuldadesquando se trata de enfrentar os desafios presentes e futuros.

Ainda é muito forte, entre nós, a influência de paradigmas oriundos doidealismo religioso, seja na versão cristã, seja na versão “pachamamica”.Influências que levam alguns a confundir marxismo com “machismo”, comose a certamente indispensável dose de “sacrifício” e “valentia” fosse suficien-te para superar qualquer obstáculo.

Outras fortes influências são o movimentismo, por um lado, e por outro

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470 Miscelânea Internacional – 1998-2013

lado o paradigma revolucionário representado pela heroica Cuba de 1953-1959, em boa medida representada na figura do Che.

Finalmente, há uma fortíssima influência tanto do nacional-desenvolvi-mentismo (base para defesa de “alianças estratégicas” com setores da bur-guesia), quanto do socialismo de Estado (fonte de muitas das dificuldadespara entender o papel do mercado na transição socialista).

A formação de uma cultura socialista de massas, bem como a construçãode um programa e de uma estratégia adequados ao período histórico quevivemos, exigirá superar (no sentido dialético do termo, o que implicatambém em preservar num patamar distinto) estas influências.

Nesta tarefa de superação, será muito útil estudar duas experiências his-tóricas e o debate travado a partir delas: o cercano Chile da Unidade Popu-lar (1970-1973) e a lejana China das reformas (1978-2013).

Afinal, na América Latina e Caribe de hoje vivemos, no fundamental,experiências nas quais não se tomou o poder revolucionariamente; onde seestá tentando construindo um novo poder através de uma complexa guerrade posições; onde é fundamental impulsionar o desenvolvimento produti-vo; mas onde também é fundamental definir a natureza deste desenvolvi-mento e qual o papel que o capitalismo pode e deve jogar nele.

Especificamente no caso do Chile, o aniversário dos 40 anos do golpe deEstado será uma oportunidade ímpar para discutir os caminhos para aconstrução do “poder popular” e da “área de propriedade social”, propostaspela Unidade Popular e que constituem temas atuais para as esquerdasagrupadas no Foro de São Paulo.

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471Valter Pomar

Saudação aos participantes da escola de verão do PCFO PT mantém ótimas relações com o PCF, recentemente recebemos

uma delegação do Partido, encabeçada por Pierre Laurent, que esteve coma direção nacional do Partido, com o ex-presidente Lula e com a presidentaDilma.

Por conta destas ótimas relações, gostaríamos muito de participarpresencialmente da escola de verão.

Infelizmente, por razões de nossa agenda aqui no Brasil, não foi possívelparticipar presencialmente

Construímos então esta alternativa, gravar um vídeo sobre o tema quenos foi proposto pelos organizadores da escola: “Brasil, a esquerda frente àcontestação popular”

Como se trata de uma escola, é importante iniciar com algumas infor-mações preliminares sobre o Brasil

O Brasil é um país capitalista, mas o capitalismo se desenvolveu tardia-mente no Brasil, basicamente a partir dos anos 1930.

Desde então e até o final da década de 1970, foram 50 anos de intensodesenvolvimento capitalista.

Ao longo destas cinco décadas, o tipo de desenvolvimento que vivemosfoi baseado em três fatores:

a) uma intensa articulação entre Estado, capital estrangeiro e capitalprivado nacional;b) uma exploração intensiva e extensiva da força de trabalho, inclusivelançando mão de formas de exploração pré-capitalistas, como o trabalhoescravo e a subordinação do trabalhador camponês ao latifundiário;c) o uso recorrente de ditaduras ou democracias restritas, sem o que nãoteria sido possível o nível de exploração a que nossa classe trabalhadorafoi submetida.No final dos anos 70, estes três fatores entraram em crise: a ditadura

militar iniciada em 1964 estava sob forte questionamento, as classes traba-lhadoras estavam em rebelião aberta e o modelo econômico estava esgota-do por razões internas e externas.

Roteiro para vídeo enviadoà escola de verão do PCF

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472 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Os anos 1980 foram de intensa disputa de rumos no Brasil. Um sinaldesta disputa foi a organização do PT, da CUT, do MST e a reorganizaçãoda UNE. Outro sinal foi a convocação de uma Constituinte restrita, em1987-1988. E, um terceiro sinal, foi a disputa presidencial de 1989, emque tivemos mais de 10 candidaturas presidenciais, das quais foram aosegundo turno duas, exatamente as que representavam as posições extre-mas: Collor e Lula.

O segundo turno das eleições de 1989 foi uma novidade na história doBrasil. A novidade não estava na disputa entre dois blocos políticos. Estadisputa já tinha ocorrido diversas vezes ao longo de nossa história, contra-pondo setores democráticos a conservadores, setores populares a oligarqui-as, setores nacionalistas a entreguistas.

A novidade é que pela primeira vez os setores democráticos, populares,nacionalistas, foram liderados pela esquerda.

Entretanto, fomos derrotados em 1989 e seguiu-se uma década sob he-gemonia neoliberal. Na maior parte desta década neoliberal, estivemos soba presidência de FHC, do PSDB.

O resultado prático da década neoliberal foi retrocesso democrático, re-trocesso social, retrocesso econômico.

Foi neste ambiente de retrocesso, que incluía um refluxo das lutas so-ciais, que vencemos as eleições de 2002. É importante destacar isto: nossavitória em 2002 não se deu num ambiente de ascenso das lutas de massas.Vencemos, principalmente devido ao desgaste do lado de lá.

Claro que não teríamos vencido não houvesse acúmulo de forças dolado de cá. Lula disputou e perdeu as eleições de 1994 e 1998, antes devencer em 2002. Mas o fator decisivo foi o desgaste do lado de lá.

É importante ter isto claro, pois o refluxo das lutas sociais é um doselementos que explica, mesmo que não justifique, a relativa moderaçãodos nossos 10 anos de governo.

Entre 2003 e 2013, o Brasil está sob presidência de um petista: primeiroLula, até 2010, e em seguida Dilma, a partir de 2011 e até agora.

Mas o governo Lula, assim como o governo Dilma, não são petistas. Sãogovernos de coalizão, integrados por partidos de esquerda, centro e atédireita.

São, também, governos de coalizão social, entre setores da classe traba-lhadora, setores médios e setores do grande empresariado.

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473Valter Pomar

Vale lembrar que o sistema político brasileiro é presidencialista, não par-lamentarista. Mas o Congresso tem muita força. E a esquerda não temmaioria, nem na Câmara dos Deputados, nem entre os senadores.

Isto posto, qual o balanço que podemos fazer destes 10 anos? Que opovo vive melhor do que vivia na época do governo FHC, assim comoestamos melhor do que estaríamos caso os candidatos do PSDB tivessemvencido as eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010.

Este viver melhor significa mais empregos, mais salários, mais capacida-de de consumo. Significou, também, avanços muito relevantes em algumasáreas, como o acesso a energia elétrica, as cotas para afrodescendentes etc.

Mas não houve, ao longo destes dez anos, mudanças estruturais na ofer-ta de serviços públicos, nem nos padrões de propriedade e riqueza. Emborao povo viva melhor, a desigualdade ainda é brutal no Brasil.

Tampouco houve mudanças estruturais no funcionamento do Estado,da política e da comunicação social no Brasil.

O Estado brasileiro é o desenhado pela Constituição de 1987-1988, quepreservou muito do estado ditatorial. Posteriormente, no período neolibe-ral, este Estado foi alterado parcialmente, para pior.

O sistema político brasileiro é baseado no financiamento privado em-presarial das campanhas eleitorais, no voto nominal (e não no voto emlistas partidárias), além de outras distorções importantes que agridem oconceito básico da democracia: a igualdade entre todos.

E a comunicação social é oligopolizada, controlada por um grupo deempresas familiares, todas vinculadas aos interesses da direita e do grandecapital.

Ou seja: entre 2003 e 2013 a vida do povo brasileiro melhorou, masficaram pendentes importantes mudanças estruturais. E, a partir de 2011,estas mudanças estruturais tornaram-se mais difíceis de fazer, devido aosimpactos da crise internacional sobre a sociedade brasileira.

Entre os muitos impactos e efeitos colaterais da crise, está uma mudançana atitude de setores importantes do grande capital frente ao nosso gover-no. No ambiente de crise, o grande capital pressiona nosso governo paraque adote medidas que reduzam o “custo da força de trabalho”.

Evidentemente, nos negamos a isto. Como disse a presidenta Dilma, elanão foi eleita para reduzir o emprego, os salários e os serviços sociais àdisposição do povo brasileiro.

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474 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Em decorrência, apesar dos subsídios e das concessões feitas pelo gover-no, o grande capital não aposta na ampliação dos investimentos e do cres-cimento econômico.

É esta a queda de braço que estava em curso no Brasil, até maio de 2013:por um lado, o grande capital pressionando o governo a cortar, por outrolado o governo pressionando o grande capital a investir.

Era este o contexto, quando explodiram as manifestações de junho de2013.

Aqui vale a pena recapitular, de maneira esquemática, os quatro mo-mentos da onda de manifestações:

1. as primeiras manifestações, encabeçadas por um Movimento PasseLivre. Vale explicar que este Movimento existe há muitos anos, que seusdirigentes em geral são próximos ao PT, especialmente na cidade de SãoPaulo. As manifestações mais expressivas, realizadas em SP, foram brutal-mente reprimidas pela polícia, que no Brasil são vinculadas ao governoestadual. No caso, ao governo Alckmin, que é do PSDB.

2. a segunda onda de manifestações, de solidariedade aos que foramreprimidos e de denúncia da brutalidade policial. Novamente, nestas ma-nifestações predominou a esquerda. O crescimento das manifestações le-vou as prefeituras e governos estaduais a, um atrás do outro, cancelar osaumentos das tarifas de transporte coletivo.

3. a terceira onda de manifestações, para comemorar o resultado. Nestasmanifestações, há dois componentes novos. Ao lado dos jovens trabalha-dores e filhos de trabalhadores, começam a participar setores que aqui noBrasil chamamos de classe média alta. E a grande mídia, que originalmentese opusera aos movimentos, começa a apoiar a mobilização, ao mesmotempo que busca direcioná-la contra o governo Dilma e contra o PT.

4. finalmente, há uma quarta onda de manifestações, com dimensões maisreduzidas e com diferentes propósitos. Os sindicalistas, os médicos etc.

Qual foi a atitude das esquerdas?A esquerda que faz oposição ao governo Dilma (refiro-me ao PSOL, ao

PSTU e a outros grupos) tinha a expectativa de que estes movimentosfossem colocar o governo contra a parede e que a esquerda seria a maiorbeneficiada disto. Ledo engano.

A esquerda que apoia o governo Dilma (especialmente PT e PCdoB)adotaram outra postura. No caso do PT, de Lula e de Dilma:

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475Valter Pomar

1-reconhecer a legitimidade2-reconhecer a importância3-mostrar a coincidência de propósitos4-salientar a diferença com o quadro de outras regiões do mundo5-apontar medidas concretas (saúde, educação)6-propor um plebiscito, constituinte, reforma políticaA direita reagiu mal. Nega-se a fazer reformas.Ensinamentos:1-há uma nova geração2-há uma nova classe trabalhadora3-há um envelhecimento e uma burocratização e uma institucionalização4-a direita aproveita e disputa as ruas5-sem democratizar comunicação, riscos crescentes6-abriu-se um novo momento da luta de classes no país7-disputa de 2014 será duríssimaEspero que este resumo ajude no debate que vocês estão fazendo na

Escola de Verão do PCF.Bom debate e obrigado por vosso convite e por vossa atenção.

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476 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Um primeiro ponto se refere a um comentario que você fez numaentrevista com Opera Mundi, sobre o um certo “esgotamento” do mode-lo de distribuição de renda e promoção social adotado pelos paises pro-gressistas da America Latina.

Se bem é verdade que o modelo funcionou, é também verdade que nosprotestos no Brasil ou na Argentina participam forças de esquerda, ouque existem dissidência sérias dentro do bolivarianismo venezolano.

Nesse panorama, e na sua opinião, qual seria o próximo passo, qual orumo que devem tomar os governos progressistas para evitar o desgasteque (quase sempre) provoca a democracia representativa. Foi conversadoisso nas primeiras reuniões do Foro?

Primeiro, o esgotamento é relativo, em triplo sentido. Por umlado, esgotou-se no sentido de que deu o mais certo que podia dar. Poroutro lado, esgotou-se no sentido de que gerou forças sociais que desejammais do que tiveram até agora. E, por fim, esgotou-se no sentido de que asclasses dominantes tem cada vez menos tolerância frente ao prosseguimen-to desta experiência de distribuição de renda.

As dissidências da esquerda política e social dizem respeito aos que dese-jam mais do que tiveram até agora. Já os movimentos antidemocráticosestão relacionados a reação das classes dominantes.

A solução para estes problemas passa, na nossa opinião, por aprofundaro processo de mudanças, não apenas na economia, mas também na políti-ca. Ou seja: mais democracia econömica, mais democracia social, maisdemocracia política.

Você coincide com quem pensa que, em parte, por causa de esse “esgo-

tamento” é que recupera terreno, pelo menos em termos eleitorais, adireita na Venezuela, no Paraguai e outros paises da America Latina?

A direita recupera terreno em parte por conta de nossas debilidades eerros, em parte por conta dos imensos apoios que possui. O esgotamentorelativo de nossa estratégia vincula-se a isto, como já expus. Mas ocrescimento da direita não inclui apenas nem principalmente métodos de-

Entrevista a Eduardo Davis,da Agência EFE

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477Valter Pomar

mocráticos; passa pela combinação de formas de luta na mídia, nas ruas,nas eleições, nos golpes, na sabotagem, na ingerëncia externa.

E a ultima por enquanto. Nesse panorama, a crise global esta começan-do a chegar a America Latina, seja pelo freio da economia chinesa ou pelaqueda dos preços das materias primas. Na maioria dos paises governadospela esquerda o centroesquerda as mudanças foram mais sociais que econó-micas e dentro do modelo capitalista, ainda na Venezuela.

Diante da ameaça da crise e num panorama de baixo crescimento, osgovernos progressistas não estão frente a necessidade de avançar mais áesquerda?

A saída é pela esquerda, no sentido de reduzir a influëncia economica,social e política do grande capital, especialmente do grande capital transna-cional e financeiro, bem como das potências imperialistas. E, por outrolado, aumentar a presença do investimento público, do Estado, das peque-nas e médias empresas, das cooperativas; e aumentar a força política dasclasses trabalhadoras e dos setores médios progressistas.

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478 Miscelânea Internacional – 1998-2013

La XIX edición del Foro de Sao Paulo, los de asistentes manifestaronsu apoyo a países progresistas. ¿Cómo se traduce este apoyo en la políticade los gobiernos?

Quando o Foro foi criado, havia apenas um governo encabeçado pelaesquerda: Cuba. Hoje governamos parte importante dos países da região.Isto se deve, ao menos em parte, a ação dos partidos que integram o Foro.Nossa postura é apoiar estes governos, trabalhar pela sua continuidade,criar apoio na sociedade para que eles executem um programa de mudan-ças profundas, pressionar para que eles acelerem a integração, trabalharpara que eles não se tornem prisioneiros do status quo.

También se debatió el aterrizaje forzado del presidente Evo Morales en Viena.¿Qué puede hacer el FSP aparte de publicar declaraciones de solidaridad?

As declarações são importantes. Os países europeus responsáveis peloato de pirataria contra Evo agiram como colônias dos Estados Unidos. Eagiram assim, porque seus governos expressam os interesses dos capitaistransnacionais europeus, que não querem que América Latina seja inde-pendente. Denunciar isto é importante. Mas, é claro, a verdadeira reaçãoestá em continuar no caminho de nossa independência, política, econômi-ca, ideológica e também militar.

En los últimos años se fundó varias organizaciones regionales como laCELAC, UNASUR o ALBA. ¿Qué papel juega el FSP en este contexto?

O Foro de São Paulo foi e segue sendo um dos laborátorios onde sedesenha a institucionalidade da integração. Nossa integração é autõnoma.Por isto combatemos a integração desejada pelos Estados Unidos, umaintegração cujo símbolo é a OEA, subalterna aos gringos. Nossa integraçãoé popular. Por isto, combatemos a integração tal como desejada pela gran-de burguesia latinoamericana, que quer integrar apenas os mercados, o queresultaria numa integração que geraria ainda mais disparidades.

Al mismo tiempo hay una contra-integración de los países aliados de

Entrevista para Neues Deutschland

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479Valter Pomar

los EE.UU. – la Alianza del Pacífico. ¿Eso significa que la izquierda lati-noamericana se mete a la defensiva?

Há uma contraofensiva da direita, iniciada em 2008. Esta contraofensi-va assume diferentes formas, entre as quais a criação desta Aliança do Pací-fico. Esta aliança não é uma ameaça do ponto de vista estritamente econô-mico, mas é claro que é uma ameaça política, uma cunha enfiada no cora-ção do Mercosul e da Unasul. Para quebrar a cunha, precisamos vencer aeleição no Chile, reconquistar o coração do governo peruano, fazer a pazna Colômbia e ampliar a força da oposição no México.

(Pero) hay incluso intentos de la OTAN de instalarse en América La-tina. ¿Qué efectos tendría y cómo se lo puede evitar?

Existe a cortina de fumaça, que foi a declaração do Juan Manuel Santos,e existem os fatos: base militar da Inglaterra nas Malvinas argentinas, re-construção da IV Frota dos EUA, ampliação das bases nas colônias euro-péias no Caribe, mais recursos e especialistas militares em vários países,entre os quais a Colombia. Eles se posicionam para pressionar e para, naspalavras deles, ter todas as alternativas sobre a mesa. Para evitar isto, épreciso reforçar o Conselho da Defesa da Unasul.

6. Mientras la posición hacía Siria e Irán es bastante controvertida den-tro de la izquierda europea, el FSP se solidarizó con estos gobiernos. ¿Cómoexplicaría a sus compañeros europeos la solidaridad con estos países, to-mando en cuenta el carácter neoliberal del liderazgo de Assad y la represióncontra la izquierda en Irán?

São duas coisas diferentes. O Foro de São Paulo é solidário com os povosda Líbia, da Síria e do Irã. Entendemos que estes povos tem o direito dedefinir, livremente, o que desejarem. E somos contra toda e qualquer inge-rência externa, a qualquer pretexto.

Na Líbia, a pretexto de apoiar o povo contra um ditador, houve ummassacre organizado pela Otan, com direito ao linchamento televisionadode Kadafi e a desestabilização da região inteira. Na Síria, a pretexto deapoiar o povo contra um ditador, as potências européias estão armandogrupos fundamentalistas. No Irã, a pretexto de conter o fundamentalismo,preparam outra guerra.

A esquerda européia não pode incorporar a arrogância da burguesia euro-péia. A Europa não tem lições de democracia, civilização e humanidade a dar a

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480 Miscelânea Internacional – 1998-2013

absolutamente ninguém. Há séculos, sempre em nome de alguma causa subli-me, potências européias invadiram as Américas, a África, a Àsia e a Oceania. Eo resultado sempre foi desfavorável para o povo e para a democracia.

A posição do Foro não é de apoio a este ou aquele governo. A posição doForo é contra, absoluta e totalmente contra, qualquer ingerência externa.Até porque sabemos que por trás das tropas supostamente libertadoras doseuropeus e dos ianques, caminham os interesses mais vis do grande capital.

http://www.neues-deutschland.de/artikel/829617.gegen-iran-wird-ein-krieg-vorbereitet.html?sstr=valter|pomar

8 de agosto de 2013

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481Valter Pomar

Tema: “As esquerdas e a integração latinoamericana”Porque falamos de esquerdas.Porque falar de integração latino-americana hoje.O contexto atual: deslocamento geopolítico, declínio dos EUA, crise

internacional, instabilidade, formação de blocos.Dois blocos em disputa nas Américas: Alca x Celac.Projeto Alca: entre 1995 e 2005. Sobrevive hoje nos TLCs e no Arco do

Pacífico, parte na verdade do Transpacífico.Projeto Celac: entre 1998 e 2008. Materializado no giro dado ao Merco-

sul, na Alba, na Unasul, na Celac.O vigor do projeto Celac deriva do giro que houve na correlação de

forças na América Latina, especialmente na América do Sul, a partir daeleição de Chávez e Lula.

Ofensiva da esquerda, contraofensiva da direita, equilíbrio atual.O equilíbrio pode ser rompido no ciclo eleitoral entre 2013 e 2014 (Chile-

Bolívia).O equilíbrio favorece o status quo. O tema da integração precisa dar um

salto em três terrenos: cultura, política, economia.Economia: integração da infraestrutura. Ciclo de desenvolvimento ba-

seado no Estado, bens públicos, mercado regional.Política: mecanismos de planejamento regional e parlamento regional.Cultura: a necessidade um pensamento de massas latino-americanista.As esquerdas frente a isto: diferenças táticas, estratégicas e doutrinarias.Ponto em comum: integração.O projeto de integração autônomo não é, em si, socialista. Mas a inte-

gração é uma condição fundamental para o sucesso econômico e políticode uma transição socialista.

A integração permite limitar as ações que o imperialismo e as classesdominantes de cada país promovem, de maneira permanente, contra a es-querda latino-americana.

A integração, por outro lado, cria a “economia de escala” e a “sinergia”indispensáveis para superar as limitações materiais, produtivas, econômi-cas, que dificultam a transição socialista em cada país da região.

Roteiro de palestra feitaem atividade do CEPPAC, UnB

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482 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Por outro lado, diferenças sobre ritmos etc.Influência de paradigmas oriundos do idealismo religioso, seja na versão

cristã, seja na versão “pachamamica”. Influência do movimentismo.Influência do paradigma revolucionário Cuba 1953-1959.Fortíssima influência do nacional-desenvolvimentismo (base para defe-

sa de “alianças estratégicas” com setores da burguesia).Influência do socialismo de Estado (fonte de muitas das dificuldades

para entender o papel do mercado na transição socialista).A formação de uma cultura socialista de massas, bem como a construção

de um programa e de uma estratégia adequados ao período histórico quevivemos, exigirá superar (no sentido dialético do termo, o que implicatambém em preservar num patamar distinto) estas influências.

Nesta tarefa de superação, será muito útil estudar duas experiências his-tóricas e o debate travado a partir delas: ocercano Chile da Unidade Popu-lar (1970-1973) e a lejanaChina das reformas (1978-2013).

11/09/2013

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483Valter Pomar

1. Aos 40 anos do golpe, cabe em primeiro lugar render homenagem aosque tombaram, tanto resistindo ao golpe quanto lutando contra a ditadu-ra. Cabe, também, render homenagem aos que ajudaram a construir avitória da Unidade Popular e seus três anos de governo, que melhoraram avida dos trabalhadores e das trabalhadoras do Chile.

2. Para além da homenagem aos que lutaram, ontem, pelos mesmosideais e objetivos pelos quais lutamos hoje, cabe perguntar: a experiênciahistórica da Unidade Popular e do golpe pode nos ajudar a enfrentar osdesafios atuais da esquerda? Nossa resposta para esta pergunta é: sim.

3. Já foi dito que a esquerda precisa enfrentar e superar três déficitsteóricos: a análise do capitalismo do século XXI, o balanço do socialismodo século XX e o debate sobre a estratégia. É exatamente sobre este terceirotema que a experiência chilena de 1970-1973 pode nos ajudar e muito.

4. A construção do socialismo supõe que a classe trabalhadora tenhapoder para reorganizar a sociedade. O tema do poder, no que consiste,como construí-lo, como conquistá-lo, é portanto a questão chave em todareflexão política.

5. Durante o século XIX, os socialistas enxergavam o tema do poderatravés do prisma oferecido pela revolução francesa: 1789, 1948, 1871eram os paradigmas clássicos ao redor dos quais girava o imaginário deanarquistas, sindicalistas revolucionários, socialistas, social-democratas,narodniks, comunistas etc.

6. As revoluções russas de 1905, fevereiro de 1917 e outubro de 1917ofereceram um novo paradigma. E foi ao redor dele que girou, durantedécadas, a reflexão política, tática e estratégica dos diferentes setores daesquerda mundial.

7. Os paradigmas “francês” e “russo” tinham semelhanças: o protagonis-mo da plebe urbana, o papel ambíguo das massas camponesas, a insurrei-ção seguida de guerra civil e contra inimigos externos, o caráter “perma-nente” da revolução, o fantasma do “Termidor”.

8. O isolamento da Rússia soviética e a derrota das tentativas revolucio-nárias na Alemanha, na Romênia e na Itália, entre outras, resultará nos

Unidade Popular,40 anos depois do golpe

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484 Miscelânea Internacional – 1998-2013

anos 1920 e 1930 numa reflexão acerca da estratégia a adotar: a) nos paísescapitalistas desenvolvidos; n) nos países que não faziam parte do núcleometropolitano central.

9. Tal reflexão era simultânea a outros debates, igualmente complexos,acerca da construção do socialismo na URSS, de qual devia ser a políticainternacional de um Estado socialista, sobre a evolução do capitalismo e doimperialismo pós-Primeira Guerra Mundial e sobre como se posicionarfrente a cada vez mais provável (segunda) guerra mundial.

10. Os escritos de Gramsci datam deste período, embora sua influência(em variadas versões e releituras) vá se estabelecer após a Segunda Guerra,em uma situação mundial distinta daquela que serviu de base para as refle-xões do comunista italiano.

11. De toda forma, até o final da Segunda Guerra, quando a esquerdadebatia os temas do poder, predominava o paradigma da revolução russa:direção partidária, protagonismo das plebes urbanas, acúmulo de forças vialutas sindicais e políticas, duplo poder, insurreição, guerra civil, construçãodo socialismo. Tal “modelo” estava presente inclusive nos que defendiam asFrentes Populares e as alianças estratégicas com a burguesia, nas políticasconhecidas como etapistas.

12. Um novo paradigma, qualitativamente distinto, surgirá com a vitó-ria da revolução chinesa de 1949. O papel do Partido continua destacado,mas trata-se de um partido-exército. O protagonismo é das massas campo-nesas, que devem “cercar as cidades”. O acúmulo de forças inclui experiên-cias precoces de duplo poder, com libertação de territórios, formação degovernos e do exército popular. A insurreição urbana, quando existe, é emapoio a ação da guerra popular prolongada.

13. A estes dois paradigmas (“russo” e “chinês”) soma-se um terceiro,que foi o da guerra de libertação nacional. Esta vai aparecer sob a formaanti-nazista, em países como Albânia, Iugoslávia, Grécia (neste último caso,os comunistas são derrotados pela intervenção britânica), Itália e França(nestes dois últimos casos, a política dos partidos comunistas não foi a detransformar a guerra em revolução). E vai aparecer como guerra anticolonialtípica, como no caso do Vietnã, Laos, Camboja, Angola, Moçambique.

14. Estes três paradigmas influenciavam o debate político e estratégicoda esquerda latino-americana, dos anos 1920 aos anos 1950. Há toda umaliteratura a respeito, que vale a pena revisitar sempre, especialmente aquela

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485Valter Pomar

dedicada a estudar o impacto da grande revolução mexicana, anterior àvitória da revolução socialista russa.

15. Uma mudança importante ocorre com a vitória da revolução cubanade 1959: uma revolução democrática anti-ditatorial, baseada na combina-ção entre diferentes formas de luta e organização, com ênfase na combina-ção entre guerrilha no campo e insurreição urbana; que uma vez vitoriosase revela cada vez mais democrático-popular e antiimperialista; e que numcerto momento converte-se em revolução socialista.

16. A revolução cubana, especialmente suas interpretações de tipo“foquista”, infuencia fortemente a esquerda latinoamericana nos anos 1960e 1970. Mas, com a parcial exceção da revolução nicaraguense, as estratégi-cas inspiradas no exemplo cubano não são vitoriosas em nenhuma parte. Omesmo, entretanto, deve ser dito das demais estratégias, até o final dosanos 60. Aliás, poderíamos dizer que se as revoluções são fenômenos raros,as revoluções vitoriosas são ainda mais raras e profundamente singulares:há mais constância nos motivos de derrota do que nas razões de vitória.

17. É neste contexto que surge a experiência do governo da UnidadePopular chilena, entre 1970 e 1973. Neste ponto há que se distinguir duasabordagens, ambas necessárias. Uma consiste no estudo da experiência his-tórica. Outra consiste no debate teórico acerca da estratégia proposta.

18. A experiência histórica da UP, os antecedentes da vitória, as vicissi-tudes do governo, o golpe, a ditadura que veio em seguida (com semelhan-ças e diferenças frente a outras ditaduras contemporâneas), as políticas neo-liberais e os governos de centro-esquerda posteriores, são de uma riquezaimensa para os que fazemos parte de governos “progressistas e de esquerda”na América Latina de 2013.

19. Mas e do ponto de vista estritamente estratégico? Em que medida aexperiência da UP constitui um paradigma positivo, útil, para construiruma nova estratégia para as esquerdas latinoamericanas?

20. Reformista demais para os revolucionários, revolucionária demaispara os reformistas, a estratégia experimentada pela UP ficou numa espéciede limbo até 1998. Desde então, diversos governos da região passaram atentar construir o socialismo a partir de governos produto, não de revolu-ções, mas de vitórias eleitorais. Ao mesmo tempo, outros partidos socialis-tas tiveram que integrar em seus esquemas estratégicos o papel de governosque buscavam implementar reformas mais ou menos profundas no capita-

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486 Miscelânea Internacional – 1998-2013

lismo. Nos dois casos, remete-se à orientação estratégia materializada nogoverno da UP, evidentemente a busca de construir um “caminho chilenocom final feliz”.

21. Aqui cabe fazer uma distinção importante: para alguns setores daesquerda latinoamericana, os governos da região que são integrados e/oudirigidos pela esquerda são funcionais ao esquema de dominação imperia-lista e capitalista, e/ou correspondem a um período passageiro de governosreformistas, após o qual a luta de classe voltará a condições que exigemesquemas revolucionários clássicos.

22. Para um segundo setor, a revolução (e, em alguns casos, o socialis-mo) não faz mais parte do horizonte estratégico, não cabendo diferenciarluta pelo governo e luta pelo poder.

23. Portanto, seja para o esquerdismo, seja para o melhorismo, a experi-ência da Unidade Popular chilena não tem o que nos ensinar, do ponto devista estratégico, salvo do ponto de vista negativo.

24. Já para aqueles setores que continuam tendo o socialismo comoobjetivo estratégico, e que portanto querem que a classe trabalhadora te-nha o poder necessário para construir o socialismo, o “case” da UP é estra-tegicamente atual: como converter a parcela de poder obtida num processoeleitoral, não apenas em melhorias concretas para a vida do povo, nãoapenas em reformas estruturais, mas também numa parcela de poder quepermita iniciar a transição socialista? Observando a experiência chilena,adiantamos a seguir alguns temas que serão posteriormente debatidos demaneira detalhada.

25. Em primeiro lugar, é preciso construir um sólido apoio nas classestrabalhadoras, o que inclui articular sob um comando estratégico único amaior parte das organizações políticas e sociais. A combinação entre lutainstitucional e eleitoral, ação parlamentar e de governos, luta social e cons-trução partidária, só é virtuosa quando articulada politicamente.

26. Em segundo lugar, é preciso ganhar o apoio dos setores médios,dividir as classes dominantes e isolar o inimigo principal. Impedindo queocorra o contrário: que a classe dominante isole a esquerda, ganhe o apoiodos setores médios e divida as classes trabalhadoras.

27. Em terceiro lugar, é preciso combinar disputa política com disputacultural. A construção do poder necessário para iniciar uma transição socia-lista é indissociável da construção de outra hegemonia ideológica, cultural.

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487Valter Pomar

28. O que remete, em quarto lugar, para a necessidade de ganhar apoionos organismos para-estatais, ou seja, organismos aparentemente privados,mas que executam funções públicas, como é o caso das igrejas, das escolas,da indústria cultural e dos meios de comunicação.

29. Em quinto lugar, é preciso conquistar uma maioria eleitoral que sejasuficiente para ter hegemonia de esquerda nos organismos executivos elegislativos fundamentais. É insuficiente ter a presidência da República,mas sem maioria no Congresso, nem nos governos subnacionais funda-mentais.

30. Em sexto lugar, é preciso impedir a sabotagem e a subversão prove-nientes dos organismos de Estado não eletivos, principalmente a alta buro-cracia, a Justiça e as forças armadas. Trata-se de democratizar o acesso,estabelecer controle social, mudar as doutrinas vigentes e, fundamental-mente, garantir o respeito a legalidade que advém da soberania popular.Motivo pelo qual é tão decisiva a realização de processos constituintes.

31. Em sétimo lugar, é preciso construir uma rede de solidariedade eproteção internacional, que reduza a ingerência externa que as metrópolescapitalistas centrais fazem sobre processos socialistas nacionais.

32. Em oitavo lugar, é preciso construir um programa de transforma-ções que não seja artificial, ou seja, que parta dos problemas reais enfrenta-dos pela sociedade e que construa soluções que atendam às necessidadesdas camadas populares, respeitando os níveis de consciência e a correlaçãode forças em cada momento, mas sempre tendo em perspectiva que cadapasso gera novas necessidades, novos conflitos e novas reações, cabendo àdireção política do processo se antecipar.

33. No caso chileno, este programa se traduziu em dois eixos fundamen-tais: o poder popular e a área de propriedade social. O que nos remete paraum nono tema, que é como fazer a conversão de uma economia dominadapelo capitalismo privado, em uma economia capitalista hegemonizada pelocapitalismo estatal, sob condução de um governo de esquerda.

34. Finalmente, é preciso discutir sempre como manter a iniciativa táti-ca, especialmente no momento em que há momentos de impasse estratégi-co. A experiência chilena foi derrotada por diversos motivos, mas é um errodizer que ela teria sido inevitavelmente derrotada. E se quisermos localizarum dos motivos teóricos para a derrota, ele consiste em confundir a defesaestratégica da legalidade, com a passividade legalista frente à subversão de

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488 Miscelânea Internacional – 1998-2013

direita. A história poderia ter sido diferente se, frente ao Tancazo (http://www.youtube.com/watch?v=1Tt5xVR-NTU), o presidente Allende tivesseacatado as propostas do General Prats de afastar os comandantes golpistas(http://www.ebc.com.br/noticias/40-anos-do-golpe/2013/09/o-tancazo-o-golpe-fracassado-de-29-de-junho). O legalismo corresponde a visão estática daconsciência popular. A legalidade é sempre uma mediação entre a lei (queexpressa a correlação de forças passada) e a legitimidade (que expressa acorrelação de forças presente). A burguesia sabe disto muito bem e nãodeixa de invocar o suposto apoio popular, quando lhe interessa desrespeitara legalidade, sempre que esta está do lado da esquerda.

35. A partir destes parâmetros, cabe analisar o processo político em cur-so em países como Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador.

http://www.fiesta.pce.es/2013/programa.htm

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489Valter Pomar

Tras haber ganado tres elecciones presidenciales, ¿cómo ve usted queel PT ha cambiado la historia política brasileña?

La historia política brasileña está signada por tres grandes característi-cas: la dependencia externa, la desigualdad social y la democracia restringi-da. En los 513 años de historia de Brasil, tuvimos más o menos 322 deimperio, 388 de esclavitud y 389 de monarquía. En los hasta ahora 124años de República, tuvimos cerca de 42 años de gobiernos oligárquicos(1889-1930), cerca de 36 años de dictadura asumida (1930-1945 y 1964-1985), 18 de gobiernos ”democráticos” (1946-1964) que prohibían la libreorganización partidaria de izquierda, más algunos años de autodenominadatransición democrática (1985-1989) que preservaron buena parte de lamemoria dictatorial. Sobran algo como 23 años de democracia electoral,tan “libre” cuanto puede ser la liberdad bajo el capitalismo. Fue exactamenteen este último período cuando ya tuvimos 10 años de gobiernos petistas. Osea, el crecimiento del PT y su llegada a la presidencia de la Repúblicaocuren y fueron posibles exactamente en el mayor período – hasta ahora –de vida democrática del país, malgrado los limites impuestos por el oligopólioda comunicacion, por la influencia del poder economico y por una legislacionelectoral conservadora. Aun asi, por primera vez un partido de izquierda,con origen y base en el mundo del Trabajo, llega al cargo máximo delgobierno brasileño. La cuestión, obviamente, es si se trata de una excepción,un hiato en la historia brasileña; o si es el punto de partida para un cambiomás profundo.

Bajo el gobierno del PT el Itamaraty ha hecho sentir la presencia bra-

sileña en el mundo entero, en especial África, América Latina y Asia, enlo diplomático, económico y geopolítico estratégico. ¿Cómo ve usted ellugar de Brasil en el escenario político mundial actual? ¿Ve que los valo-res del PT se reflejan en la política exterior brasileña?

Desde el punto de vista geopolítico, Brasil es una potencia mediana.Tenemos territorios, población y riquezas relevantes, tenemos una situaci-ón política interna muy favorable. Pero nuestra capacidad industrial y tec-

Entrevista para CarmeloRuiz de Porto Rico

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490 Miscelânea Internacional – 1998-2013

nológica está por debajo de nuestras posibilidades y necesidades. Y notenemos capacidad militar defensiva, en un mundo cada vez más peligroso.Esto que acabo de decir ya era así cuando el PT llegó al gobierno. Lo quecambió fue la decisión, adoptada por nosotros, de desacoplar los destinosdel país de los deseos de los Estados Unidos y sus aliados. Desde el puntode vista teórico, esta decisión es fruto de la convergencia entre el pensami-ento estratégico del PT y sus aliados de izquierda con una vertiente nacio-nalista existente en el Itamaraty. El problema es que desacoplar no alcanza:mientras exista el imperialismo, en particular el de los Estados Unidos,tendremos que adoptar una actitud más activa en el área internacional. Yen este punto hay diferencias de opinión, tanto en el gobierno como en elPT, acerca de cómo ir y hasta dónde ir. Esta fue una de mis preocupaciones,durante mi periodo como secretario de relaciones internacionales del PT.

¿Qué función usted desempeña actualmente en el PT? Durante los

años de su militancia en el PT, ¿qué cargos o posiciones ha tenido ante-riormente?

Hoy soy miembro del Directorio Nacional del PT, una instancia que reú-ne 84 dirigentes y se elige a través del voto directo de los afiliados del Partido,que actualmente son algo como 1 millón 723 mil, de los cuales aproximada-mente 806 mil participaran de las proximas elecciones internas, que ocurrencada 4 años. Mi mandato en la Direcion Nacional termina el 10 de noviembrede 2013 y la nueva dirección debe asumir hasta el 15 diciembre de 2013. Yoingrese al Directorio Nacional del PT en 1997, por lo que hace 16 años queestoy allí, habiendo sido tercer vicepresidente nacional y también secretariode relaciones internacionales, función que acumulé con la de secretarioejecutivo del Foro de São Paulo, siendo que esta última actividad la cumplohasta hoy. Antes de ser del Directorio Nacional del PT, fui militante de base,integrante de un núcleo partidario, actue en un directorio zonal, fur miembrode un directorio municipal y tambien secretario de comunicación del directorioregional del PT de São Paulo, que es el principal estado (provincia) del país.Mis áreas básicas de actuación en el Partido fueron comunicación y formaci-ón política. Nunca he asumido ningún cargo electivo y en los gobiernos lomáximo que hice fue ser asesor de comunicación del alcalde David Capistrano(en la ciudad de Santos, SP) y secretario municipal de cultura, deportes yturismo (en la ciudad de Campinas, SP).

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491Valter Pomar

Se aproximan las elecciones internas del PT, donde usted es candidatoa la presidencia del partido. ¿Cómo funciona ese proceso electoral? ¿Hayalgún organismo gubernamental que supervisa elecciones internaspartidistas?

Las elecciones internas del Partido son supervisadas por el propio Parti-do. No aceptamos injerencia estatal. Las elecciones partidarias antes se hacíanen congresos, que llamábamos también encuentros nacionales. Desde 2001pasamos a hacer las elecciones a través del voto directo de los afiliados. Yatuvimos elecciones directas en 2001, 2005, 2007 y 2009. Ésta es la quintaelección directa. En un mismo día, en todo el país, los afiliados eligen susdirecciones para los niveles zonal, municipal, estadual y nacional. Además,eligen los presidentes en todos estos niveles. Por ende, en las ciudades don-de hay zonales, el afiliado vota 8 veces. Para votar y ser votado, es necesariotener por lo menos 1 año de afiliación y estar al día con sus contribucionesfinancieras para con el Partido. Para ser electo, en el caso de los presidentes,es necesario inscribirse en la fecha definida en nuestro reglamento, siendoque solo puede ser candidato aquel que tenga el apoyo minimo del 0,1%de los afiliados en el ámbito respectivo (nacional, estadual, municipal ozonal). Para la dirección nacional, es necesario presentar una lista de nombres,con algunas características: presencia en por lo menos 9 estados del país,paridad entre hombres y mujeres, 20% de jóvenes y de cupo étnico, acom-pañada de un texto que presente las bases políticas de esa respectiva lista. Anivel nacional, tenemos 8 listas (que nosotros llamamos chapas) y 6 candi-daturas a presidencia nacional. Yo soy candidato a la presidencia nacionaldel PT (ya disputé este mismo cargo en 2005 y 2007) y formo parte de unalista llamada “La esperanza es roja”.

¿Cuántas tendencias hay compitiendo por el liderato del partido en

esas elecciones internas? Cómo se diferencian ideológicamente? ¿Cuálde éstas es actualmente la más fuerte dentro del PT?

Como decía, hay 8 listas (o chapas) nacionales. De éstas, cinco son im-pulsadas, cada una de ellas, básicamente por una única tendencia (“El Tra-bajo”, “Izquierda Marxista”, “Militancia Socialista”, “Articulación de Iz-quierda”, “Mensaje al Partido”); hay una lista impulsada por una agrupaciónregional; y hay dos listas basadas en alianzas entre tendencias (una basadaen las tendências “Movimiento PT” + “Izquierda Popular Socialista”; otra

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492 Miscelânea Internacional – 1998-2013

badada en las tendencias “Construyendo un Nuevo Brasil” + “Partido deLucha y Masas” + “Nuevo Rumbo”). O sea, a nivel nacional hay por lomenos dez tendencias actuantes. Pero algunas tendencias (es el caso de“Construyendo un Nuevo Brasil”, “Movimiento PT” y “Mensaje alPartido”) son en sí mismas federaciones de tendencias menores, gruposregionales y mandatos parlamentarios. Así, lo más correcto es decir quetenemos más de 10 tendencias en el Partido hoy.

Desde el punto de vista ideológico, empero, la cosa es distinta. Existenhoy, en el Partido, por lo menos cuatro grandes corrientes: los sociales-liberales, bastante minoritarios pero todavía muy influyentes, basicamentedebido a sus lazos con sectores del empresariado; los desarrollistas; los soci-aldemócratas clásicos; y los socialistas clásicos. La principal corriente inter-na, hoy, es desarrollista, lo cual es positivo si pensamos que nuestro princi-pal enemigo todavía es el neoliberalismo; pero es por lo menos insuficientesi pensamos que nuestro objetivo principal no es el desarrollo capitalistasino el socialismo.

Cada una de estas cuatro grandes corrientes ideológicas tiene represen-tantes en varias de las tendencias partidarias. Algunas (como “El Trabajo” e“Izquierda Marxista”) son muy pequeñas y homogeneas desde el punto devista ideológico. Pero otras tienen una pluralidad mayor y podemos encon-trar dirigentes con posiciones ideológicas conflictivas entre sí, conviviendoy disputando en la misma tendencia. Esto se explica, en parte, porque enlos últimos años varias tendencias internas del PT dejaron de ser principal-mente corrientes de opinión y se convirtieron, al menos parcialmente, enestructuras más o menos permanentes de disputa de “espacios de poder” enlas estructuras partidarias.

Desde el punto de vista numérico, y considerando además la influenciaque poseen en los debates internos, la principal corriente o tendencia es“Construyendo un Nuevo Brasil”, que, junto con sus aliados, obtuvo másdel 50% de los votos en las elecciones internas de 2009. Después vienen“Movimiento PT” y “Mensaje al Partido”. Luego está la “Articulación deIzquierda”, tendencia de la que formo parte, y a continuación las demás.Pero esto puede cambiar en las elecciones de 2013.

Díganos un poco sobre la Articulación de Izquierda. ¿Qué es? ¿Cuándo

y por qué se formó?

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493Valter Pomar

La ”Articulación de Izquierda” surgió en 1993, tenemos entonces 20 añosde existencia. Nuestra historia, nuestra interpretación acerca del socialismo,del mundo, de la región y de Brasil, así como nuestras posiciones programá-ticas, estratégicas y organizativas, están disponibles en cientos de documen-tos, resoluciones, libros y ejemplares de nuestro periódico Página 13. Y todoello puede ser consultado en la página electrónica www.pagina13.org.br

La “Articulación de Izquierda”, como el nombre sugiere, surgió de unaescisión de la tendencia “Articulación”, que fue mayoritaria y hegemónicaen el PT entre 1983 y 1993. La escisión se debió básicamente a lo siguien-te: entendimos que un sector de la que era entonces mi tendencia, la“Articulación”, estaba haciendo un giro hacia la derecha y nos organizamospara derrotar esa inflexión y mantener las posiciones tradicionales delpetismo. Ganamos el primer round de esta disputa, dirigimos el PT entre1993 y 1995. En 1995, el otro sector de la ”Articulación” ganó la disputa,eligió a José Dirceu como presidente del PT y, desde entonces, formamosparte de la minoría de izquierda. Algunas veces más influyentes, a vecesmenos influyentes, pero minoría, oscilando de mas de 30% a menos de10% del Partido desde 1993 hasta ahora. La novedad, en estas eleccionesinternas de 2013, es que no está descartado que la ”Articulación deIzquierda”quede afuera de la comisión ejecutiva nacional del PT, de la cualformamos parte desde 1993. La ejecutiva nacional es compuesta por 22personas, escogidas dentre las 84 del Diretório Nacional. Quedar afuera dela ejecutiva tendría un efecto dañoso para la pluralidad y la accion del PT yespecialmente para la propia tendencia, motivo por lo cual estamostrabajando duro para que esto no ocurra. Trabajar duro significa fiscalizarel cumplimiento de los procedimientos reglamentarios del Partido, perosignifica principalmente difundier nuestras opiniones y buscar el voto de labase del Partido, especialmente de la militancia “clásica” petista, que estácon nosotros no por estarmos en el gobierno, que está con nosotros porconcordar con el programa del Partido. En general, el mismo esfuerzo estásiendo realizado por las demás tendencias de la izquierda petista. Pero debi-do a nuestra historia, a nuestra presencia nacional y también debido anuestras formulaciones, la ”Articulación de Izquierda”, la lista de la cualformamos parte (“La Esperanza es Roja”) y nuestras candidaturas tienen,comparativamente a otros grupos de la izquierda petista, más chances deéxito en esta lucha por mantener la representación en la ejecutiva nacional

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494 Miscelânea Internacional – 1998-2013

del Partido. Por esto esperamos que el afiliado simpático a la “izquierdapetista”, pero sin tendencia interna definida, pueda ser proclive a votar connosotros.

¿Siente usted y sus compañeros de la Articulación que están

compitiendo en condiciones de igualdad? ¿Ha llegado su mensaje a to-dos los cuadros del PT en Brasil?

Nosotros defendemos que las direcciones partidarias fueses elegidas enlos congresos partidarios, por los delegados y delegadas. Creemos que elmétodo de la elección directa, en un partido donde los organismos de baseno existen o funcionan mal, es inadecuado, pues convierte al militante enelector: uno es convocado a votar cada 4 años. Además, la elección directatermina atrayendo el mismo tipo de problema que enfrentamos en las elec-ciones burguesas: desigualdades materiales, desigualdades comunicacionales,distorsiones variadas tales como transporte de afiliados y fallas en lafiscalización etc.

Para dar un ejemplo, tenemos algo como 806 mil afiliados aptos para vo-tar. Parte de éstos pagó su propia cotización partidaria. Los demás, quizásmás de la mitad, tuvieron su cotización pagada por tendencias, mandatoslegislativos etc. O sea, no son propriamente militantes del PT, son afiliados-electores, muy propensos a votar en las candidaturas que parezcan ser lasoficiales del Partido, sin preocuparse con entender las diferencias internas.

Para agravar el cuadro, los debates entre las candidaturas presidencialesnacionales, hasta ahora fueron 5, reunieron menos de mil personaspresencialmente y cerca de 20 mil miraron por la Internet. Es decir, hastaahora, apenas una minoría está siguiendo las discusiones.

De no alterarse ese cuadro, de ahora hasta el 10 y 24 de noviembre, laelección resultará en una dirección nacional en la que una única tendenciatendrá la mayoría absoluta y varias tendencias internas podran ser exclui-das de la dirección.

Por supuesto que está el otro lado de la moneda: la llamada izquierdapetista se presenta a estas elecciones dividida en 5 listas nacionales. Estetipo de táctica electoral amplía el efecto negativo de las reglas electoralesinternas. Los errores de la minoría de izquierda, por lo tanto, tambiénpesan mucho en el resultado final: en otras elecciones internas la izquierdatuvo más votos que los que probablemente tendrá ahora.

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495Valter Pomar

El PT llegó al poder y lo ha mantenido mediante una política de alianzascon diversos sectores. ¿Cree usted que al Partido le conviene aliarse conpartidos no izquierdistas como el PMDB y el PP? ¿Hasta qué punto esviable ampliar el arco de alianzas, sin que se pierda la orientación progra-mática del PT?

Nosotros no hemos llegado al poder, hemos llegado al gobierno. En Bra-sil, el poder está en manos de la clase dominante y esto no ha cambiado desde2003. Ellos controlan amplios sectores de la economía, hegemonizan la prensa,gran parte de los aparatos culturales, educativos y religiosos, al igual que losgobiernos municipales (4500 de los 5500, por lo menos), de los gobiernos delos estados (22 de los 27) y tienen gran presencia en la burocracia estatal, enel poder judicial, en las fuerzas armadas y de seguridad.

Para cambiar esto escenario, es necesario combinar acción partidaria,lucha social, lucha institucional y disputa de ideas. Y necesitamos alianzas,estratégicas y tácticas. El problema es que en los últimos años hemos hechomuchas alianzas tácticas y dejado de lado la cohesión de nuestro campo dealianzas estratégico. Esto, que es un problema en sí, se volvió un problemamás grave desde 2011 hasta ahora, básicamente porque ya hicimos todo loque se podía hacer, sin lanzar mano de cambios mas profundos, para mejorarla vida del pueblo, ampliar la democracia, la soberanía y la integración.Diciéndolo mejor: básicamente todo lo que se podía hacer en los marcosdados, sin hacer cambios estructurales en el país, ya lo hicimos. De ahoraen adelante, tendremos que hacer cambios profundos, tales como la refor-ma impositiva, la reforma política, la aprobación de una ley de mediosdemocrática, la reforma agraria, la reforma urbana, la reducción de la jor-nada de trabajo a 40 horas, el fortalecimiento de las políticas estructuralesde salud y educación etc. Sin estas reformas estructurales, no seguiremosavanzando como antes y, peor, podemos tener retrocesos en las condicionesde vida de la poblacion. Para hacer tales reformas, necesitamos aliados quelas defiendan, cosa que los aliados tácticos, de centro-derecha, no hacen. ElPT tendrá que rumbear hacia la izquierda o perderemos, paulatinamente,capacidad de transformar el país. Este es el nudo que debemos enfrentar,cuando debatamos la política de alianzas.

¿Cómo ve el panorama político nacional de cara a las elecciones de

2014? ¿Cree usted que algunos aliados actuales del PT vayan a sumarse ala oposición en una primera o segunda vuelta?

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496 Miscelânea Internacional – 1998-2013

Algunos aliados ya se han ido y otros más se irán. Esto tiene relación conlo que he dicho antes: hemos cambiado el país, el pueblo vive mejor hoyque antes. De aquí en adelante, para seguir cambiando, necesitamos refor-mas estructurales. Ni el gran capital, ni el imperialismo aceptan eso. Porello, los sectores de centro-derecha de nuestro arco de alianzas empiezan aalejarse de nosotros: ellos representan, en nuestro arco de alianzas,exactamente fraciones empresariales que dicen “hasta aquí llegamos, másallá no vamos”. En verdad, hay sectores empresariales y de la derecha quedefiendem abertamente retrocesos en terminos de empleo, salarios y políti-cas sociales. A pesar de ello, apesar destos ex-aliados, venceremos, desdeque empecemos dejando claro al pueblo qué es lo que está en juego.

Por supuesto que 2014 será una elección muy difícil y disputada en dosvueltas. En la segunda vuelta, nuestra victoria será más fácil si el adversarioes Aécio Neves, del Partido de la Socialdemocracia (PSDB). Y será unavictoria más difícil si el adversario es, por ejemplo, Eduardo Campos, delPartido Socialista (PSB). Pero, en cualquier caso, la segunda vuelta seráuna disputa entre dos proyectos antagónicos, como viene ocurriendo entodas las elecciones presidenciales desde 1989.

¿Cómo ha cambiado el PT desde que era partido de oposición hasta

hoy, que lleva una década en el poder? Tras una década en el poder, ¿vealgún riesgo de que pierda su coherencia ideológica?

En cierto sentido, estamos mejor hoy que antes. Es mejor ser gobiernoque ser oposición, entre otros motivos porque al estar nosotros en el gobi-erno, podemos transformar nuestro programa en realidad y, objetivamen-te, esto ha ayudado a mejorar la vida de la gente. No obstante, el caminoque hemos elegido desde 1995 para mejorar la vida de la gente – vía cambiossin reformas profundas, a través de alianzas con sectores de la derecha y delgran empresariado – tiene un costo organizativo, electoral, político e ideo-lógico. Si el Partido no adopta inmediatamente medidas correctivas, en ellargo plazo podemos convertirnos en, como decimos medio en broma, “unpartido que tiene un gran pasado por delante”.

De usted obtener la presidencia del partido, ¿qué cambios instituiría

en el PT? En el caso de que yo gane la elección presidencial, eso sería una señal de

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497Valter Pomar

que hay una mayoría en el Partido dispuesta a cambiar de estrategia,adoptando una estrategia democrático-popular y socialista, o sea, cambiarpara mejor la vida del pueblo a través de reformas en las estructuras depoder y riqueza en el país. Dispuesta a cambiar de táctica, adoptando paralas elecciones de 2014 el objetivo de reelegir a Dilma, creando condicionespara que ella haga un segundo mandato presidencial mejor que el actual, locual se traduciría en un compromiso efectivo, tanto del Partido como delgobierno a favor de la reforma política, impositiva, Ley de la Prensa Demo-crática, reformas agraria y urbana, 40 horas de jornada laboral sin reducci-ón de salario, más recursos y calidad en las políticas públicas universales,como salud, educación, cultura y transportes etc. Y dispuesta a cambiarorganizativamente el Partido, viabilizando nuestra autonomía financiera(hoy, gran parte de nuestros recursos provienen del Estado o de donacionesempresariales); masificando la formación política; creando medios de co-municación de masas y reanudando lazos con los movimientos sociales, enespecial con las juventudes trabajadoras.

¿Cuantos años hace que usted milita en el PT y viniendo de una

tradición comunista por qué escoge el PT en vez del PC do Brasil u otro? No “vengo de una tradición comunista”, yo soy comunista en el sentido

de que defiendo una sociedade sin opresion ni exploracion, sin clases soci-ales y sin Estado, una sociedad basada en la propriedade comum de losmedios de produccion y de las riquezas creadas coletivamente por lahumanidad. Esto aclarado, yo milito de hecho en el PT desde las eleccionesde 1982. Antes de eso, formé parte de una disidencia del Partido Comunis-ta do Brasil (PCdoB), disidencia cuyos integrantes en su gran maioria haningresado en el PT, como es el caso de José Genoíno (ex-presidente del PT)y Tarso Genro (actual gobernador del estado del Rio Grande do Sul, cercanoal Uruguay). El motivo central de nuestra entonces disidencia, estamoshablando de hechos ocurridos mas o menos entre 1978 y 1982, era nuestracrítica al denominado etapismo: la idea de que primero debiamos hacer larevolución democrático-burguesa, para después podermos hacer la revolu-ción socialista. El “etapismo” creava asi una “muralla china” entre las tareasdemocráticas y las tareas socialistas. Las resoluciones congresuales del PT,especialmente en el año 1987, hacían una dura crítica al “etapismo” y enparticular a uno de sus efectos prácticos, la subordinación táctica de la

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498 Miscelânea Internacional – 1998-2013

izquierda a las fuerzas liberal-burguesas. Por una de esas ironías de la historia,treinta anos despues, la actual mayoría del PT ha reciclado algunas tesisetapistas, tesis que en mi opinión también son de hecho compartidas por laactual mayoría del PCdoB. Pero lo fundamental, en mi opinión, es lo si-guiente: los profundos vínculos del PT con la clase trabajadora.Son esosvínculos que, en lo fundamental, justifican que personas de izquierda revo-lucionarios, comunistas, socialistas, sean petistas, integrantes del Partidodos Trabalhadores de Brasil. Penso que esto está claro para los amigos delPT en el mundo, especialmente en el Foro de São Paulo.

¿Desde cuando está involucrado con el Foro de Sao Paulo? ¿Nos puede

explicar la importancia del FSP en la izquierda latinoamericana? Tuve la fortuna de estar presente en la fundación del Foro de São Paulo,

representando el Instituto Cajamar, que era de hecho la escuela de cuadrosdel PT. Pero fue solamente en 2005 que me integré a las actividades de lasecretaría de relaciones internacionales del PT y desde entonces estoy alfrente de la secretaría ejecutiva del Foro de São Paulo. Creo que la impor-tancia del Foro reside en algo muy sencillo: nosotros hemos contribuidomucho para que en América Latina y el Caribe seamos hoy lo que somos,un conjunto de experiencias políticas y sociales que despiertan la expectati-va y la esperanza de grandes sectores de la humanidad.

Si llega a ganar la presidencia del PT, ¿sería incompatible con su puesto

actual de secretario ejecutivo del FSP? ¿Podría desempeñar ambas funciones? De ser electo presidente del PT, no seguiré como secretario ejecutivo del

Foro de São Paulo. De no ser electo para la comisión ejecutiva nacional delPT, tampoco estaré actuando en el Foro. E incluso si soy electo para laejecutiva de mi Partido, no es automático que yo siga en la secretaría ejecutivadel Foro. Por una parte, cabe a la dirección del PT indicar quién quedaráal frente de la secretaría de relaciones internacionales; no hay nada decididoa respecto. Por otra parte, cabe al Grupo de Trabajo del Foro decir si está deacuerdo con que el PT siga al frente de la secretaría ejecutiva del Foro; nohay nada de automático. Sea como fuere, de mi parte estoy mucho satisfechocon la experiencia que he tenido desde 2005: en lo personal he aprendidomucho y creo que contribui en lo que pude para el fortalecimiento del Foroy también para el labor internacional del PT.

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499Valter Pomar

Estuvo unos breves días de intenso trabajo en Puerto Rico invitadopor el Frente Socialista y los partidos de la delegación de Puerto Rico enel Grupo de Trabajo del FSP. ¿qué le llamó más la atención en su visita?

Que Puerto Rico es latinoamericano y caribeño. Es un absurdo quePuerto Rico esté sometido a dominación colonial. Un absurdo revelador,sin embargo, de lo que son en realidad los Estados Unidos.