MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo...

79
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO HAITI: AVANÇOS E DESAFIOS RODRIGO MAESTRELLI Autorizo que a presente Monografia seja apresentada e defendida em Banca Pública Orientador(a) Itajaí, 08/11/2010_____ Itajaí, novembro de 2010

Transcript of MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo...

Page 1: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPSCURSO DE DIREITO

MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO HAITI: AVANÇOS E DESAFIOS

RODRIGO MAESTRELLI

Autorizo que a presente Monografia seja apresentada e defendida em

Banca Pública

Orientador(a)

Itajaí, 08/11/2010_____

Itajaí, novembro de 2010

Page 2: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPSCURSO DE DIREITO

MISSÃO DAS NAÇÕES PARA A ESTABILIZAÇÃO DO HAITI: AVANÇOS E DESAFIOS

RODRIGO MAESTRELLI

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito.

Orientador: Professor Msc. Guilherme Bez Marques

Itajaí, novembro de 2010

Page 3: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

AGRADECIMENTO

Aos meus pais Sérgio e Lacy, por sempre

acreditarem e apoiarem os meus planos.

Aos meus irmãos Sérgio e Luís, pelas palavras de

incentivo na conclusão deste trabalho.

Ao professor e orientador Guilherme Bez Marques,

por ter tornado a conclusão deste trabalho possível.

Ao grande amigo Guilherme Augusto Doin, pela

constante e valiosa troca de idéias.

Aos amigos Fernando Luigi Fontanella, Jorge

Henrique Zanatta e Thiago Simas, pelo inestimável

companheirismo.

Page 4: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

DEDICATÓRIA

A todos aqueles que lutam incessantemente por um

mundo mais justo e perfeito.

Page 5: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, novembro de 2010

Rodrigo MaestrelliGraduando

Page 6: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Rodrigo Maestrelli, sob o título Missão

das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti: avanços e desafios, foi submetida

em 23 de novembro de 2010 à banca examinadora composta pelos seguintes

professores: Guilherme Bez Marques (Orientador e Presidente da Banca), Márcia

Sarubbi Lippmann (Examinadora) e aprovada com a nota ____________________.

Itajaí, 23 de novembro de 2010

Professor Msc. Guilherme Bez MarquesOrientador e Presidente da Banca

Professor Msc. Márcia Sarubbi LippmannCoordenação da Monografia

Page 7: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGNU Assembléia Geral das Nações Unidas CSNU Conselho de Segurança das Nações UnidasMINUSTAH Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti

OCHAEscritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários

ONU Organização das Nações Unidas

Page 8: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Diplomacia Preventiva - Conflict Prevention

“[...] a ação destinada a previnir o surgimento de disputas, impedir que as disputas

existentes se transformem em conflitos armados ou, em último caso, diminuir a

amplitude e o impacto dos conflitos em andamento”.1

Manutenção da paz

“[...] é uma dentre uma série de atividades realizadas pelas Nações Unidas e outros

atores internacionais para manter a paz e a segurança internacionais em todo o

mundo. [...] é uma técnica destinada a preservar a paz, porém frágil, onde a luta foi

interrompida, e auxiliar na implementação dos acordos alcançados pelos

pacificadores. Ao longo dos anos, a manutenção da paz tem evoluído a partir de um

modelo essencialmente militar de observar o cessar-fogo e de separação de forças

depois de guerras inter-estatais, a incorporar um modelo complexo de muitos

elementos - militares, policiais e civis - que trabalham juntos para ajudar a lançar as

bases uma paz sustentável.”. 2

Organização das Nações Unidas - ONU

“[...] uma organização internacional, de caráter geral, baseada no princípio da

soberana igualdade de todos os Estados amantes da paz e aberta à participação de

todos esses Estados, grandes e pequenos, para a manutenção da paz e da

segurança internacional.”. 3

1 TSCHUMI, André Vinícius. Princípio da Segurança Coletiva e a Manutenção da Paz Internacional. Curitiba: Juruá. 2007. p. 258.2 UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations. General Guidelines for Peacekeeping Operations. 2008. Disponível em: <www.peacekeepingbestpractices.unlb.org/.../Capstone_Doctrine_ ENG.pdf> Acesso em 16 de outubro de 2010.3 ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio de Janeiro: Forense. 2002 p. 25.

Page 9: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

8

Page 10: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................XI

INTRODUÇÃO....................................................................................12

A HISTÓRIA HAITIANA E A CONJUNTURA INTERNA E INTERNACIONAL..............................................................................14

1.1REPÚBLICA DO HAITI.....................................................................................14

1.2UMA HISTÓRIA DE DISPUTAS.......................................................................16

1.3A REAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS FRENTE À CRISE HAITIANA ............27

EM BUSCA DA PAZ ..........................................................................30

2.1A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU.........................................30

2.1.1A Carta de São Francisco e seu compromisso com a paz.......................362.1.2As operações de manutenção da paz da ONU .........................................402.1.2.1Breve Histórico....................................................................................................402.1.2.2Definição, princípios e criação ..........................................................................45

A MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO HAITI – MINUSTAH............................................................................51

3.1AS PRINCIPAIS CAUSAS PARA SUA INSTITUIÇÃO....................................51

3.1.1 A segurança pública no Haiti ....................................................................513.1.2O caos político..............................................................................................53

3.2CARACTERIZAÇÃO DA MISSÃO...................................................................55

3.2.1O mandato ....................................................................................................563.2.1.1Resolução 1542 (2004)........................................................................................573.2.1.2Demais resoluções..............................................................................................59

3.3ANÁLISE DOS RESULTADOS........................................................................59

3.3.1Segurança......................................................................................................593.3.1.1Restabelecimento da Paz .................................................................................603.3.1.2Reestruturação da Polícia Nacional Haitiana - PNH ........................................613.3.1.3Desarmamento, Desmobilização e Reintegração.............................................613.3.1.4O sistema judiciário e prisional ........................................................................623.3.2Processo Político..........................................................................................633.3.2.1Processo Eleitoral...............................................................................................63

Page 11: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

3.3.2.2Reconciliação e diálogo político........................................................................633.3.2.3Desenvolvimento das instituições estatais haitianas......................................643.3.3Direitos Humanos.........................................................................................653.3.4Os maiores desafios ....................................................................................653.3.4.1O devastador terremoto de 2010........................................................................663.3.4.2A resposta das Nações Unidas..........................................................................673.3.5O Haiti hoje....................................................................................................683.3.5.1Saúde pública .....................................................................................................683.3.5.2Furacão Tomas....................................................................................................69

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................71

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS............................................74

x

Page 12: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

RESUMO

O Haiti, pequeno país situado na área do Caribe, ocupa cerca

de 1/3 da parte oeste da antiga ilha de Hispaniola, a qual divide com a República

Dominicana. Sua descoberta se deu no ano de 1492, pelo navegador Cristóvão

Colombo. A história haitiana é marcada por crises ininterruptas, de ordem social,

econômica e política. Em 2004, após a renúncia do Presidente Jean-Bertrand

Aristide, o clima que se instalou no Haiti era caótico. Seu sucessor, Boniface

Alexandre, em caráter emergencial, solicitou o apoio das Nações Unidas a fim de

restabelecer o Estado de Direito e evitar uma sangrenta guerra civil. Desta forma,

tendo em vista o primordial propósito da Organização das Nações Unidas, qual seja

a manutenção da paz e da segurança internacionais, o Conselho de Segurança

instituiu, por meio da resolução 1542 (2004), a Missão das Nações Unidas para a

Estabilização do Haiti – MINUSTAH, a qual estaria incumbida de restaurar um

ambiente seguro e estável, promover o processo político, bem como proteger os

direitos humanos. No decorrer da Missão, um devastador terremoto assola o país:

mais de 220.000 pessoas morreram, cerca de 300.000 ficaram feridos e

aproximadamente um quarto da população desabrigada. É neste contexto que

surgem mais desafios para a missão, os quais podem comprometer seriamente os

seus avanços já alcançados.

Page 13: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a análise da atuação

da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti – MINUSTAH.

O seu objetivo é demonstrar quais foram os avanços

conquistados pela MINUSTAH nos seus seis anos de autuação bem como quais são

os seus desafios, considerando ainda os devastadores desastres naturais que

assolaram o país.

Para tanto, apresenta-se, no Capítulo 1, a conjuntura interna e

internacional do Haiti, através de uma viagem histórica que compreende o período

de sua descoberta, ocorrida no ano de 1492, culminando com a renúncia do

Presidente Jean-Bertrand Aristide em 2004.

Por seguinte, no Capítulo 2, buscou-se apresentar um

panorama histórico da Organização das Nações Unidas, seu comprometimento com

a paz mundial através da Carta de São Francisco, e da evolução e caracterização

das suas missões de paz.

No Capítulo 3, tratou-se da Missão das Nações Unidas para a

Estabilização do Haiti – MINUSTAH, elencando-se seus avanços e desafios.

Abordou-se ainda o avassalador terremoto ocorrido em 12 de janeiro de 2010, suas

conseqüências para o país, bem como a vulnerabilidade na qual se encontra o Haiti,

no diz respeito aos desastres naturais.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a Missão

das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti - MINUSTAH.

Page 14: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Para a presente monografia foram levantados os seguintes

problemas:

Apesar dos empecilhos evidenciados em função dos problemas

internos e externos, é possível afirmar que a implantação da MINUSTAH trouxe

avanços para o Haiti? Quais são os avanços e os desafios da MINUSTAH?

Para o primeiro problema foi levantada a seguinte hipótese:

Sim, apesar dos empecilhos internos e externos, a MINUSTAH trouxe avanços para

o Haiti.

O segundo problema foi norteado na hipótese de que os

maiores avanços estão nas áreas de segurança e processo político. Já os desafios

encontram-se na área dos direitos humanos.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano e o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é

composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

13

Page 15: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Capítulo 1

A HISTÓRIA HAITIANA E A CONJUNTURA INTERNA E INTERNACIONAL

1.1 REPÚBLICA DO HAITI

O Haiti4, país de 27.750 km², está situado na área do Caribe,

ocupando cerca de 1/3 dos 75.000 km² da parte oeste da antiga ilha de Hispaniola, a

qual divide com a República Dominicana5. É banhado pelo Mar do Caribe e pelo

Oceano Atlântico do Norte, possuindo o clima tropical.

Figura 1: Mapa do Haiti. Fonte: Perry Castañeda Library

4 O vocábulo Haiti é de origem caribe, Ahti, o qual, por sua vez, significa “montanha”. Seu nome oficial é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik Dayti. 5 VALLER FILHO, Wladimir. O Brasil e a crise haitiana – A cooperação técnica como instrumento de solidariedade e de ação diplomática. Brasília: FUNAG, 2007. p. 141.

Page 16: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Sua capital encontra-se em Porto Príncipe (Port-au-Prince),

estando seu território dividido de forma administrativa em 10 Departamentos.6 Os

idiomas oficiais são o francês, oriundo de sua colonização, e o créole7, uma espécie

de dialeto.

A forma de governo é a República, possuindo atualmente como

chefe de Estado o Presidente René Preval, eleito pelo povo em 2006 para um

mandato de cinco anos. Já o chefe de governo, o Primeiro Ministro Jean-Max

Bellerive, foi escolhido pelo Presidente e ratificado pela Assembléia Nacional. Esta,

por sua vez, é bicameral, sendo composta pelo Senado (com 30 assentos -

membros eleitos por voto popular para mandatos de seis anos e um terço eleito a

cada dois anos) e da Câmara dos Deputados (99 assentos - membros eleitos por

voto popular para servir mandatos de quatro anos).

A população, estimada em 9,035 milhões, é composta por 95%

de negros, e 5% de mulatos e brancos. A religião católica, praticada por cerca de

80% da população, é a predominante, seguida pela protestante que soma

aproximadamente 16%. Auferem-se, as outras religiões, o valor de 3%, e ainda 1%

aos haitianos que afirmam não pertencer a nenhuma religião, sendo que mais da

metade da população é adepta a prática do vodu8.

Quanto à economia haitiana, cumpre ressaltar que, apesar da

melhora que esta vem sofrendo, o país é ainda o mais pobre do hemisfério

ocidental, com 80% de sua população vivendo abaixo da linha da pobreza.

Aproximadamente 2/3 de sua população dependem do setor agrícola, principalmente

da agricultura de subsistência, permanecendo constantemente vulnerável pelos

desastres naturais. Destaca-se ainda o setor industrial, compreendido pelo

refinamento de açúcar, farinha, têxteis, dentre outros.

6 Os Departmentos são: Artibonite, Centre, Grand'Anse, Nippes, Nord, Nord-Est, Nord-Ouest, Ouest, Sud e Sud-Est. 7 O créole haitiano foi criado pelos próprios negros escravos que, apesar diferir-se do francês, possui como base esta língua. 8 O vodu é um sincretismo religioso semelhante ao candomblé brasileiro.

15

Page 17: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Conforme se observa, a bandeira haitiana é formada por duas

faixas horizontais em azul e vermelho, com um retângulo branco abrigando o brasão

de armas, o qual contém uma palmeira

ladeada por bandeiras e dois canhões.

Extrai-se ainda do retângulo os seguintes

dizeres: “L'UNION FAIT LA FORCE (união faz

a força). Suas cores foram retiradas do

Tricolor francês e representam a união dos

negros e mulatos.9

A história haitiana é marcada por crises ininterruptas, de ordem

social, econômica e política. As causas que ensejaram a instituição da Missão das

Nações Unidas para Estabilização do Haiti – MINUSTAH, só poderão ser

compreendidas por meio de uma viagem histórica, a qual abrange o período de sua

descoberta, ocorrida no ano de 1492, culminando com a renúncia do Presidente

Jean-Bertrand Aristide em 2004.

1.2 UMA HISTÓRIA DE DISPUTAS

A descoberta do Haiti se deu no ano de 1492, pelo navegador

Cristóvão Colombo, o qual batizou a ilha caribenha de Hispaniola. Tal episódio

estabeleceu o marco da chegada dos espanhóis ao Novo Mundo manifestando-se,

neste mesmo momento, o intuito de exploração bem como o de impor os hábitos

europeus aos nativos, conforme se colhe do relato do navegador italiano:

Creiam Vossas Majestades [...] que estas terras são tão boas e férteis, sobretudo as desta ilha Espanhola, que não há ninguém capaz de exprimir em palavras e que só pode acreditar quem já viu. E estes índios são tão dóceis e bons para receber ordens e fazê-los trabalhar, semear e tudo mais que for preciso, e para construir povoados, e aprender a andar vestidos e a seguir nossos costumes.10

9 Os dados até aqui mencionados, salvo se já referenciados, foram colhidos no site da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos da América (CIA) CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook 2010. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/ha.html> Acesso em 08 outubro 2010.10 COLOMBO, Cristóvão. Diários da descoberta da América – as quatro viagens e o testamento. Porto Alegre: L&P editores, 2005. p. 79-80.

16

Page 18: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Desta forma, munidos de modernos navios e armamentos para

a época, e ainda impulsionados pela ambição de extrair todas as riquezas que

aquelas terras poderiam lhes oferecer, os europeus procederam à colonização da

ilha, o que por conseqüência dizimou a população indígena rapidamente. Tal

assertiva se confirma nas palavras de Grondin ao relatar que:

[...] quando Cristóvão Colombo desembarcou, encontravam-se ali entre 300 e 500 mil habitantes autóctones. [...] Submetidos a um regime de escravidão disfarçada para procura do ouro, e vítimas de maus tratos e de epidemias ocasionadas por enfermidades européias, os chamados “índios” foram rapidamente dizimados até sua destruição total. Em 1510 restavam 50 mil índios; eram 15 mil em 1520 e 5 mil em 1530. Alguns levantes violentos como o de Enriquillo, em 1519, não obtiveram êxito contra o poder dos espanhóis. No censo de 1604, os índios já não são mais mencionados, restando deles apenas algumas recordações culturais: peças arqueológicas, cerâmicas, instrumentos musicais. 11

As riquezas provenientes da Hispaniola, inicialmente dominada

pelos espanhóis, despertaram também a cobiça dos franceses, os quais avançaram

para a parte ocidental da Ilha. Este fato gerou inúmeras batalhas entre os dois

países europeus que só acabaram após a assinatura do Tratado de Ryswick, em

1697. Este Tratado dividiu o território da então ilha de Hispaniola, cedendo-se a

parte ocidental à França, continuando a região oriental sob domínio espanhol.12.

Com a alta produtividade de cana-de-açúcar, o Haiti passou a

ser conhecido como a “Pérola das Antilhas”, sendo que as riquezas dela extraídas

eram suficientes para custear as guerras do império napoleônico. Seitenfus afirma

que “a mais rica colônia da monarquia francesa contava, na época, com sete mil e

oitocentas propriedades agrícolas, onde se produziam café, algodão e, sobretudo

açúcar.”13. O prof. Marcelo Grondin vai mais além, relatando que

O Haiti, muito conhecido como “a pérola das Antilhas”, era realmente uma jóia entre as colônias. No último quarto do século XVII, era a única colônia que produzia, ao mesmo tempo, açúcar, café, anil, e algodão em grande escala. [...] Era tal a riqueza da colônia do Haiti

11 GRONDIN, Marcelo. Haiti: cultura, poder e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 24-26.12 SEITENFUS, Ricardo. Haiti: A soberania dos ditadores. Porto Alegre: SóLivos, 1994. p. 27. 13 Ibidem, p. 28.

17

Page 19: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

que a França, derrotada pela Inglaterra, preferiu ceder, pelo tratado de Paris (1763), a colônia do Canadá a perder o Haiti.14

O rápido desenvolvimento econômico da colônia, bem como a

carência de mão-de-obra indígena, a qual se encontrava praticamente extinta,

geraram a necessidade de novas forças de trabalho. Assim, foram trazidos escravos

das mais diversas regiões da África15, conforme se constata nas palavras de

Grondin:

[...] O desaparecimento dessa mão-de-obra gratuita obrigou os colonialistas europeus a importar mão-de-obra africana desde o início do século XVI. Começou, então, no Caribe, o fenômeno da escravidão, que transformaria o Caribe atual numa das maiores, senão a maior, concentrações negras depois da África.16

Com o passar dos anos, já no fim do século XVII, a sociedade

haitiana era composta por dois grupos: os mulatos, descendentes dos colonizadores

franceses, e os negros, oriundos de diferentes tribos africanas, assim definidos nas

palavras de Irene Pessôa de Lima Câmara:

[...] os mulatos [...] alfabetizados, portadores de uma mentalidade “europeizante” e mais preparados para os postos de comando, ascenderam socialmente e constituíram uma classe privilegiada, que se distinguira da massa da população negra, esta analfabeta, praticamente do culto vodu e ciosa de suas origens africanas.17

Desta forma, houve uma divisão de classes, onde os mulatos,

por obterem mais oportunidades, tiveram a chance de transformarem-se em

proprietários de terra e enriquecer, diferente dos negros, que laboravam

incansavelmente nas plantações de cana-de-açúcar e café, sendo que em

determinadas ocasiões, tornavam-se escravos dos próprios mulatos.

Assim, no final do século XVIII, exaustos da escravidão e

impulsionados pela idéia da libertação do domínio colonial, os negros incentivados

14 GRONDIN, Marcelo. Haiti: cultura, poder e desenvolvimento. p. 53.15 “Esses contingentes sucessivos de escravos provinham de populações e culturas diversas da África Equatorial: Congos, Ibos, Fans, Quincos, Daomeus, Kaplaou, Mandingas, Moundongos, Aradas, Senegaleses, etc.” Ibidem, p. 36. 16 Ibidem, p.14. 17 CÂMARA, Irene P. de Lima. Em nome da democracia: A OEA e a crise haitina – 1991 – 1994. Brasília: Instituto Rio Branco; Fundação Alexandra Gusmão; Centro de Estudos Estratégicos, 1998. p. 50.

18

Page 20: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

por Boukman18 e Toussaint L`Ouverture19 iniciaram uma incansável luta em busca da

tão sonhada liberdade, conforme se colhe da obra “Os jacobinos negros” de C. L. R.

James:

“Em agosto de 1791, passados dois anos da Revolução Francesa e dos seus reflexos em São Domingos, os escravos se revoltaram. Em uma luta que se estendeu por doze anos, eles derrotaram, por sua vez, os brancos locais e os soldados da monarquia francesa. Debelaram também uma invasão espanhola, uma expedição britânica com algo em torno de sessenta mil homens e uma expedição francesa de semelhantes dimensões comandada pelo cunhado de Bonaparte.”20

Ao longo dos anos, Louverture tomou militarmente a cidade de

São Domingos, transformando-se em líder absoluto da ilha de Hispaniola. No dia 9

de maio de 1801, elaborou uma Constituição, atribuindo-se o título de governador e

general vitalício. A primeira Carta Constitucional da América Latina dispôs

expressamente em seu artigo terceiro: “A escravatura está para sempre abolida, não

podem existir escravos sobre este território.”.21

Contudo, os franceses, observando a debilidade dos negros

por conta da luta por sua liberdade, enviaram uma expedição junto à ilha, colocando

fim à rebelião liderado por Toussaint, sendo este capturado e preso na frança. Jean-

Jacques Dessalines22, seu braço direito, passou a ser o novo líder dos negros que

em determinados momentos, se uniram aos mulatos no duelo contra os europeus,

em prol da independência de sua nação.

18 Dutty Boukman, jamaicano, foi um houngan (sacerdote do Vodu haitiano), conduzindo a cerimônia considerada catalizadora da revolta de escravos, a qual marcou o começo da Revolução Haitiana. 19 François-Dominique Toussaint Louverture Toussaint Bréda, (20 de maio de 1743 - 8 de abril de 1803) foi um dos lideres da revolução haitiana. Nasceu em Saint-Domingue, dedicando-se incansavelmente à luta pela independência, conduzindo os africanos escravizados a uma vitória sobre os europeus. Assim, aboliu a escravidão e assegurou o controle da colônia pelos nativos em 1797, enquanto era nominalmente seu governador. Foi preso pelos franceses e exilado em Fort de Joux, morrendo de pneumonia. 20 JAMES, C. L. R.. Os jacobinos negros - Toussant l´Ouverture e a Revolução de São Domingos. Tradução: Afonso Teixeira Filho. São Paulo: Boitempo, 2002. p.15.21 SEITENFUS, Ricardo. Haiti: A soberania dos ditadores. p. 22 Jean-Jacques Dessalines ( Haiti, 20 de setembro de 1758 - Grande-Rivière-du-Nord, 17 de outubro de 1806) foi o braço direito de Toussaint Louverture, participando das revoltas de escravos da colônia francesa. Após a prisão de Louverture, lutou contra os europeus em prol da independência, conquistando-a em 1804. Proclamou-se imperador com o nome de Jacques I, sendo traído e assassinado por seus colaboradores Alexandre Pétion e Henri Christophe, os quais dividiram a ilha em dois países.

19

Page 21: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Após 13 anos de sangrentas batalhas, negros e mulatos

proclamaram no dia 1 de janeiro de 1804 a independência de seu país. É neste

momento, que:

A ilha recupera seu nome indígena, Haiti, que significa país das montanhas. Surge a bandeira nacional, simbolizando a união entre os negros, representados pela cor preta, e os mulatos, cujo símbolo é o vermelho. A divisa: a liberdade ou a morte.23

Ainda temendo uma nova colonização, os haitianos tomaram

também a parte oriental da ilha, na época colônia espanhola, massacrando todos os

europeus que se encontravam na região, inclusive mulheres e crianças:

Depois de obter sua independência, em 1804, e na qualidade de substituto da autoridade política francesa, a nova república do Haiti passou a lutar pelo controle da ilha cedida anteriormente pela Espanha à França. Uma primeira ocupação, que durou somente dois anos (1804-1805), foi seguida por uma ocupação prolongada de vinte e dois anos (1822 – 1844), através da qual Haiti procurava extrair fundos para pagar a alta indenização de guerra exigida pela França.24

Durante aproximadamente 40 anos, a Hispaniola permaneceu

sob domínio dos negros, já que em 1844 a independência da República Dominicana

voltou a dividir a ilha, ocupando-se 2/3 de seu território.25

Cumpre salientar que mesmo unidos em certos momentos na

causa comum contra os europeus, “negros e mulatos [...] passaram a hostilizar-se

numa forma sui generis de racismo, medido nem tanto por preconceitos raciais e

culturais, mas pelas ambições de cada grupo de exercer o controle político do

Estado emergente.”.26

Passados pouco mais de 100 anos, com negros e mulatos se

intercalando governos, golpes e contragolpes, com a economia visivelmente falida, o

Haiti não conseguia mais sustentar sua soberania, solicitando apoio aos Estados

Unidos no ano de 1915. Os norte-americanos enviaram uma tropa de fuzileiros

23 SEITENFUS, Ricardo. Haiti: A soberania dos ditadores. p.32.24 GRONDIN, Marcelo. Haiti: cultura, poder e desenvolvimento. p. 28.25 Idem.26 CÂMARA, Irene P. de Lima. Em nome da democracia: A OEA e a crise haitina – 1991 – 1994. p. 50.

20

Page 22: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

navais em 28 de julho daquele mesmo ano, conforme se constata nos dizeres de

Seitenfus:

O caos generalizado interrompe-se, em 28 de julho de 1915, quando o país é ocupado pelas forças militares norte-americanas, utilizando para tanto quatrocentos marines. Seguindo a ufanista concepção do destino manifesto, ou seja, a crença de que, por indicação da Providência Divina, os Estados Unidos deveriam manter a ordem e a paz na Bacia do Caribe e na América Central, o Haiti transforma-se em colônia de Washington até 1934.27

Pelo período de quase 20 anos, os Estados Unidos

proporcionaram um razoável progresso das condições de vida do povo haitiano.

Houve certa estabilidade econômica, com a ordenação das finanças públicas e até a

introdução de empresas transnacionais. Inclusive, foram construídas escolas e

hospitais, bem como grandes obras públicas, como o Palácio Nacional.28

Criou-se, ainda, a Guarda Nacional, uma força repressiva que

tinha por objetivo preservar os interesses da elite, neste caso, a classe minoritária

dos mulatos. A ocupação norte-america se finda no ano de 1934, devido à nova

política adotada pelo presidente Roosevelt.29

A temporada que imediatamente sucedeu os 11 anos do fim da

ocupação norte-americana foi marcada por um processo político do qual os negros

foram mantidos às margens, permanecendo a nação haitiana sob comando de

governantes mulatos, em administrações corruptas e incompetentes.30

Somente em 1945 que Dumarsais Estimé, um representante da

maioria negra, é eleito pela Assembléia Nacional. No entanto, em 1950 é derrubado

por um golpe de Estado, encabeça pelas elites e Forças Armadas Haitianas,

assumindo o poder o Coronel Paul Magloire. Nesta mesma época, um novo grupo

intelectual negro já se organizava politicamente nos centros acadêmicos de Porto

Príncipe. Agindo de forma clandestina e liderados por Jean François Durvalier, este

grupo promoveu uma violenta campanha contra o governo de Magloire, culminado

27 SEITENFUS, Ricardo. Haiti: A soberania dos ditadores. p. 35.28 Idem. 29 Idem. 30 CÂMARA, Irene P. de Lima. Em nome da democracia: A OEA e a crise haitina – 1991 – 1994. p. 51.

21

Page 23: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

com sua renúncia em 1956, e conseqüentemente a vitória do próprio Duvalier nas

eleições presidências ocorridas em 1957.31

A Era Duvalier perdurou por quase três décadas.

Compreendeu dois ditadores, Papa Doc e Baby Doc, assim definidos,

respectivamente, nas palavras de Grondin:

Jean François Duvalier era um profissional de alta cultura intelectual, como é de costume na alta cultura haitiana, formadas na melhores instituições estrangeiras. Depois de terminar seus estudos de medicina na Universidade D’Etat de Port-au-Prince – cujos títulos são automaticamente reconhecidos pela Sorbonne de Paris – Duvalier especializou-se em sociologia na própria Sorbonne, onde reforçou suas relações com os membros do movimento da “negritude”, particularmente com Leopold Seghor, que seria presidente de Senegal.

E continua, fazendo menção a Jean Claude Duvalier:

O filho não tinha a estatura intelectual, profissional e política do pai. Mais dedicado às diversões que aos estudos, avançava penosamente pelo segundo ano de direito quando foi surpreendido pela morte do pai e pela pesada herança da presidência vitalícia.32

Inicialmente, François Duvalier “em discurso a nação, prometeu

unidade e reconciliação nacionais, comprometimento com a Constituição, o

pluralismo ideológico, a liberdade de imprensa, e o reconhecimento dos direitos

sindicais”33.

Porém, o que se viu foi o flagrante desrespeito à Carta Magna

haitiana, com uma Era caracterizada principalmente pela brutalidade com que seus

ditadores tratavam a oposição bem como o terror e medo que era espalhado entre a

população do Haiti. Para tanto, o ditador criou

[...] uma milícia popular, denominada de Voluntários da Segurança Nacional, mas batizada pelo povo de tonton macoutes. Ela será encarregada do triplo papel de garantir a segurança pessoal de

31 Ibidem, p. 51-52. 32 Ibidem, p. 48. 33 CÂMARA, Irene P. de Lima. Em nome da democracia: A OEA e a crise haitina – 1991 – 1994. p. 52

22

Page 24: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Duvalier, controlar as Forças Armadas tradicionais e reprimir qualquer veleidade da oposição.34

Desta forma, os 14 anos de governo de Papa Doc foram

marcados pelo abuso de sua tirania, com a dissolução da Assembléia Nacional em

1961 e ainda a aprovação de uma nova Carta Constitucional, que lhe garantia a

presidência vitalícia. Já em 1971, pouco antes de morrer, obrigou o Legislativo a

reduzir a idade mínima para o exercício do cargo presidencial de 40 para 18 anos,

com o intuito de “legalizar” a nomeação de seu filho Jean-Claude para sucedê-lo.35

Assim, após a morte de François ocorrida em 1979, Baby Doc

ascende ao poder. À época com 19 anos, era desprovido da experiência e

ambições políticas, necessitando da ajuda de sua mãe para governar o país, como

nos explica Grondin:

[...] a maior ajuda recebida pelo jovem presidente foi a onipresença de sua mãe, sem a qual o filho não teria conseguido permanecer no governo. Depois da morte de François Duvalier, “mama Simone”, como é conhecida, tomou o poder e governou por trás do pano. [...] Continuação autêntica da figura do marido, novo elemento hegemônico da elite negra e da pequena burguesia, passou a controlar o governo, os políticos, que conhece muito bem, os mulatos, que odeia e, particularmente, o importante corpo dos Tontons Macoutes.36

Pressionado pela opinião pública internacional e pela

ocorrência de levantes populares em diversas cidades haitianas em 7 de fevereiro

de 1986, Jean-Claude Duvalier deixa o Haiti para exilar-se na França, deixando

constituído um Conselho Nacional de Governo, sob o comando do General Henri

Namphy.

Entretanto, mesmo Baby Doc deixando o país, o autoritarismo

e a crescente onda de violência continuaram a aflorar no Haiti, como se verifica nas

palavras de Câmara:

O fim do governo de Jean-Claude Duvalier não exorcizou do Haiti os demônios de seu arraigado autoritarismo. O duvalierismo

34 SEITENFUS, Ricardo. Haiti: A soberania dos ditadores. p.36.35 CÂMARA, Irene P. de Lima. Em nome da democracia: A OEA e a crise haitina – 1991 – 1994. p. 53.36 GRONDIN, Marcelo. Haiti: cultura, poder e desenvolvimento. p. 50.

23

Page 25: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

permaneceria sem o Duvaliers, reunindo à sua volta expoentes do antigo regime, os macoutes, a oligarquia rural, as elites urbanas e as Forças Armadas, desejosos de manter o status quo do “escravagismo” da ditadura. 37

Os quatro anos subseqüentes foram marcados por uma

situação sócio-econômica caótica com uma forte instabilidade política. O país

continuava dividido: de um lado a “força duvalierista”, resistente a qualquer medida

liberalizante; do outro a força democrática, também “chamada operação de

déchoukaj, ou seja, a cassação política dos macoutes e sua punição pelos crimes de

que fossem responsáveis”. Nesse período, o Haiti teve cinco governos, dos quais

três eram militares, tendo sido ainda, em 1987, promulgado pelo General Henry

Namphy, uma nova constituição, que por incrível que pareça, tinha cunho

democrático. 38

Sob a administração da juíza da Suprema Corte de Justiça,

Ertha Pascal-Trouillot e após as lideranças políticas assumirem o compromisso com

a democratização do país, o Haiti, em dezembro de 1990, tem finalmente sua

primeira eleição presidencial democrática:

Foi na administração de Trouillot que, pela primeira vez na história haitiana, as lideranças políticas se dispuseram a assumir um autêntico compromisso com a democratização das instituições políticas nacionais. Eleições presidências foram marcadas para dezembro de 1990; uma lei eleitoral aprovada em meados do ano; e um conselho Eleitoral Provisório instituído para administrar o processo eleitoral.39

Diante de tal situação, o criador do partido Fanmi Lavalas,

padre Jean-Bertrand Aristide, com o apoio da Frente Nacional para a Mudança e a

Democracia (Front National pour le Changement et La Democratie – FNCD), da

Coalizão de pequenos partidos antiduvalieristas, bem como da camada mais

carente da população, vence as eleições com 67,48% dos votos de 1,6 milhões dos

eleitores, após uma campanha que tinha como fundamentos a democratização e

respeito aos direitos humanos.40

37 CÂMARA, Irene P. de Lima. Em nome da democracia: A OEA e a crise haitina – 1991 – 1994. p. 54.38 Ibidem, p. 55-56. 39 Ibidem p. 55. 40 Ibidem, p. 59-60.

24

Page 26: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Ao assumir o Governo, no dia 7 de fevereiro de 1991, o

Presidente deu início ao seu mandato constitucional de cinco anos. A palavra de

ordem usada por Aristide, Lavalas (torrente em créole) “continha a promessa de

moralização da máquina governamental, pelo afastamento dos macoutes antigos

expoentes duvalieristas dos cargos públicos federais ou Departamentais.”.41

Também conhecido como Père Titid, Aristide causava grande

inquietude entre as classes dominantes42, os militares e a oposição de direita, a qual

passou a exercer fortes pressões junto ao Parlamento. Tal desconforto era causado

pela prática de sua política “lavalassiana”, as quais compreendiam o grande poder

de mobilização das camadas mais pobres, a substituição de duvalieristas que

possuíam altos cargos no Estado por correligionários de seu partido43.

Ademais, o recém presidente, com o intuito de beneficiar

imediatamente as camadas mais necessitadas, pretendia lançar um programa

econômico de emergência, que tinha como bandeira a justiça social. Gerar

empregos, aumentar salários, melhorar o atendimento em escolas e hospitais eram

alguns de seus objetivos.

Porém, as causas político-administrativas e de ordem

econômica não eram os únicos fatores que geravam o descontentamento dos

setores conservadores e conseqüentemente sua destituição em 30 de setembro de

1991. Duas outras razões corroboraram fortemente para a ocorrência de tal fato,

conforme se vislumbra nas palavras de Câmara:

A primeira teria a ver com o posicionamento assumido por Aristide perante a comunidade internacional no discurso Os Dez Mandamentos Democráticos, que pronunciou, em seu estilo político religioso, por ocasião da 46ª Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas. Em seu pronunciamento, o Presidente haitiano comprometeu-se a dar combate ao comércio de entorpecentes, conclamando as diversas nações a se comprometerem... com uma luta mais eficaz contra o flagelo das drogas diversas que corroem homem e mulheres.

41 Idem. 42 Seis grandes famílias, à época, detinham o poder econômico no país, a saber: Brandt, Mews, Accra, Biggio, Behemanns Madsen, 43 Ibidem, p. 60.

25

Page 27: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

E segue:

[...] A segunda razão [...] o inflamado discurso dirigido por Aristide à nação em 26 de setembro de 1991, [...]. Insinuando que o povo deveria recorrer à violência para combater as forças da opressão, o Presidente teria feito infeliz alusão ao “suplício do colar” ou Père Lebrun, prática de longo tempo conhecida da população haitiana e que consistia em imobilizar a vítima, amarrando-lhe os braços, para incendiá-la com um pneu banhado em gasolina que lhe era colocado em torno de seu corpo. 44

O narcotráfico representava para os jovens soldados do

Exército e das forças policiais do Haiti uma fonte compensadora para seus salários

reduzidos. Já o segundo discurso teria acabado com a tolerância dos militares

haitianos, e estes, liderados pelo General de Exército Raoul Cedras, por mais uma

vez, aplicaram o golpe militar no dia 30 de setembro de 1991, depondo Jean-

Bertrand Aristide sem ao menos completar oito meses no poder.45

Aristide foi exilado nos Estados Unidos e após três anos de

negociações46 entre o então golpista Raoul Cedras, a Organização das Nações

Unidas – ONU, a Organização dos Estados Americanos - OEA, e a França, retorna

ao governo em 12 de outubro de 1994 a fim de cumprir seu mandato inicialmente

interrompido, permanecendo até 7 de fevereiro de 1996.47

Assim, tendo findado a legislatura, os haitianos clamaram por

novas eleições, saindo vitorioso desta vez o candidato René Preval, forte aliado

político de Jean-Betrand Aristide, ficando na liderança da nação por cinco anos, ou

seja, até 7 de fevereiro de 2001.48

Novamente são realizadas eleições, e Aristide é eleito pelo

povo haitiano com aproximadamente 92% dos votos. Fortes eram as especulações

44 Ibidem, p. 64-65. 45 Ibidem, 64.46 As negociações se resumiram basicamente em uma brusca imposição de sanções econômicas por parte da comunidade internacional sobre o Haiti, as quais somente agravaram o estado de pobreza do povo haitiano. 47 DANTAS, George Felipe de Lima. ONU, Hispaniola e Haiti: algumas considerações sobre a participação brasileira na MINUSTAH -- Uma Missão de Segurança Pública? Disponível em <cascavel.cpd.ufsm.br/tede/tde_busca/processaArquivo.php?> Acesso em 15/09/2010. 48 Ibidem.

26

Page 28: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

de que tais eleições teriam cunho fraudulento. Por mais uma vez, Père Titid passa

por um governo muito conturbado, como assim nos explica Dantas:

Aristide, reeleito com 92% dos votos, reassume a presidência em 7 de fevereiro de 2001. O segundo mandato de Jean-Bertrand não deixa de ser acidentado como o primeiro. Aristide tem de deixar o Haiti em 29 de fevereiro de 2004, por força de um exílio auto-imposto, alegando com isso tentar evitar um "banho de sangue" entre seus correligionários e opositores. Aponta também que a situação de crise seria fruto de um complô envolvendo forças conservadoras dos EUA e da França.49

Frisa-se nesse contexto que o Presidente da Suprema Corte

Boniface Alexandre assumiu o cargo de presidente interino do país, solicitando

imediato apoio à Organização das Nações Unidas - ONU.

1.3 A REAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS FRENTE À CRISE HAITIANA

No início da década de 90 o Haiti se encontrava em uma

situação devastadora. A onda de violência somada à deterioração das estruturas

sócio-econômicas geravam, por sua vez, uma gritante afronta aos direitos humanos.

Além disso, o embargo econômico e as demais medidas impostas pela Comunidade

Internacional fizeram com que a realidade vivida pelos haitianos se tornasse um

caos.

Tais fatos fizeram com que a Organização das Nações Unidas

– ONU tomasse uma atitude, qual seja a instituição de missões no país. Desta

forma, durante o período de 1993 a 2000, foram desenvolvidas as seguintes

missões:

Missão Resolução Período Objetivos

United Nations

Mission in Haiti –

UNMIH50

867/1993 Setembro

de 1993 a

junho de

Cooperar com a

implementação das

determinações do acordo de

49 Idem. 50 UNITED NATIONS Department of Peacekeeping Operations (DPKO) Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/unmihmandate.html> Acesso em 20/08/2010.

27

Page 29: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

940/1994

975/1995

1048/1996

1996 Governors Islands; Assistir o

governo democrático a manter

um ambiente estável;

Profissionalizar as Forças

Armadas e criar uma força de

polícia separada; Estabelecer

um ambiente viável à

realização de eleições livres e

justas

United Nations

Support Mission in

Haiti - UNSMIH51

1063/1996 Julho de

1996 a

julho de

1997

Assistir o governo na

profissionalização da polícia;

Manter um entorno seguro e

estável necessário ao sucesso

do estabelecimento e

treinamento de uma força

policial nacional efetiva;

Coordenar as atividades do

sistema da ONU na promoção

da construção de instituições,

reconciliação nacional e

reabilitação econômica;

United Nations

Transition Mission

in Haiti - UNTMIH52

1123/1997 Agosto a

novembro

de 1997

Assistir o governo através do

suporte e contribuição à

profissionalização da PNH;

Treinamento de unidades

especializadas em controle de

multidões, força de reação

Tradução nossa. 51 UNITED NATIONS Department of Peacekeeping Operations (DPKO)Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/unsmih.htm> Acesso em 20/08/2010. Tradução nossa. 52 UNITED NATIONS Department of Peacekeeping Operations (DPKO) Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/untmih.htm> Acesso em 20/08/2010. Tradução nossa.

28

Page 30: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

rápida e a segurança do

palácio nacional;

United Nations

Civilian Police

Mission in Haiti –

MIPONUH53

1141/1997 Dezembro

de 1997 a

Março de

2000

Assistir o Governo na

profissionalização da Polícia

Nacional, com ênfase especial

na assistência em nível de

supervisão e treinamento de

unidades de polícia

especializadas;

Aconselhamento sobre o

desempenho da polícia,

guiando agentes policiais em

deveres do cotidiano e

mantendo coordenação

próxima aos conselheiros

técnicos da Polícia fundada

pelo Programa de

Desenvolvimento da ONU e

doadores bilaterais.

Diante do fracasso das missões acima mencionadas, nos

quatro anos subseqüentes à UNITED NATIONS Civilian Police Mission in Haiti, a

situação do país somente piorou. Uma nova intervenção por parte da Comunidade

Internacional era imprescindível. Frente a esta situação, no ano de 2004, a

Organização das Nações Unidas determinou, por meio da Resolução 1529 (2004), o

estabelecimento de uma Força Multinacional de Paz, formada pelos Estados Unidos,

França, Chile e Canadá.

A citada força de paz tinha por principais objetivos garantir a

governabilidade do Presidente interino Boniface Alexandre e preparar o país para a

53 UNITED NATIONS Department of Peacekeeping Operations (DPKO) Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/miponuh.htm> Acesso em 20/08/2010. Tradução nossa.

29

Page 31: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

chegada das tropas de uma nova Missão, qual seja a Missão das Nações Unidas

para a Estabilização do Haiti – MINUSTAH, instituída pela Resolução 1542 (2004).54

Capítulo 2

EM BUSCA DA PAZ

2.1 A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU

Após a Segunda Guerra Mundial, se fez necessária a criação

de uma organização que garantisse a paz e a segurança pelo mundo, tendo em

54 CORBELLINI, Mariana Dalalana. Haiti: Da Crise à MINUTAH. Porto Alegre, 2009. 155f.Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

30

Page 32: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

vista as atrocidades e as mazelas que este conflito mundial trouxe para a

humanidade.

Assim, após incansáveis trabalhos e incessantes discussões

entre representantes de cerca de 50 países, foi elaborada a Carta das Nações

Unidas na cidade de São Francisco – CA, sendo então ratificada no dia 24 de

outubro de 1945. Nesta data nasce oficialmente a Organização das Nações Unidas -

ONU.

A idéia da nova organização mundial foi ventilada pelo então

presidente americano Franklin Roosevelt e pelo primeiro ministro inglês Winston

Churchill na Carta do Atlântico de agosto de 1941, aproximadamente quatro meses

antes do ataque nipônico a Pearl Harbor.55 Os planos para a sua criação ganharam

espaço durante o conflito que ensangüentou o mundo, período este compreendido

entre 1939 e 1945, conforme nos explica Viotti:

A Organização das Nações começa a ser discutida antes do fim da Segunda Guerra Mundial. A primeira menção a um “sistema amplo e permanente de segurança geral” está na Carta do Atlântico (1941), entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Em Durbanton Oaks (1944), delegados dos chamados “quatro grandes” – EUA, Inglaterra, URSS e China – acordaram um texto-base, que seria apresentado para discussão e votação em São Francisco. No dia 26 de junho de 1945, representantes de 50 países assinaram a Carta da ONU.56

Neste mesmo sentido, nos explanam Herz e Hoffmann:

Embora a formação de uma organização multilateral universal não fosse consenso desde o início das negociações, o tema da segurança coletiva dominou os debates entre as delegações dos Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética. O texto básico foi então examinado pelos participantes da Conferência de São Francisco em abril de 1945, quando a ONU foi criada por cinqüenta países. Em 24 de outubro de mesmo ano, com a ratificação da carta pelos futuros membros do Conselho e pela maioria dos países, a ONU passou a existir oficialmente.57

55 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 25.56 VIOTTI, Aurélio Romanini de Abranches. Ações humanitárias pelo Conselho de Segurança: entre a Cruz Vermelha e Clausewitz. p. 82.57 HERZ, Mônica. HOFFMANN, Andrea R. Organizações internacionais: história e práticas. p. 97.

31

Page 33: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

A ONU pode ser compreendida de diversas formas. Araújo a

define como sendo:

“[...] uma organização internacional, de caráter geral, baseada no princípio da soberana igualdade de todos os Estados amantes da paz e aberta à participação de todos esses Estados, grandes e pequenos, para a manutenção da paz e da segurança internacional.”.58

Já Herz e Hoffmann alegam ser:

“[...] uma organização intergovernamental, sendo a arena mais universal para a negociação de normas internacionais, mas também é um ator assumindo posições e produzindo idéias dentro dos limites estabelecidos pelos os estados que a constituíram.”.59

As Nações Unidas conta hoje com 192 Estados soberanos, tem

por objetivos manter a paz e a segurança pelo mundo, promover o progresso social,

melhores padrões de vida e direitos humanos, além de fomentar relações cordiais

entre as nações. Saliba nos elenca os princípios norteadores da Organização, a

saber: “igualdade, boa-fé, solução pacífica de disputas, proibição da ameaça ou uso

da força e da não intervenção em assuntos internos.”.60

A ONU possui sua sede central na cidade de Nova York,

apresentando ainda sedes em Genebra (Suíça), Viena (Áustria), Nairóbi (Quênia) e

escritórios espalhados pelo mundo todo.

A Carta de São Francisco institui os seis órgãos componentes

da estrutura principal da Organização, a saber: a Assembléia Geral, o Conselho de

Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela, a Corte

Internacional de Justiça e o Secretariado.

A Assembléia Geral, formada atualmente por 192 Estados

membros, é o principal órgão deliberativo da ONU. Sua função, dentre outras, é a de

discutir questões condizentes às finalidades da Organização. Pode a Assembléia

fazer recomendações ao Conselho de Segurança nos assuntos de sua competência 58 ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais p. 25. 59 HERZ, Mônica. HOFFMANN, Andrea R. Organizações internacionais: história e práticas. p. 98. 60 SALIBA, Aziz Tuffi Saliba. Conselho de Segurança da ONU. Sanções e limites jurídicos. Curitiba: Juruá. 2009. p. 115-6

32

Page 34: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

e estabelecer programas a serem desenvolvidos pelo Secretariado. Cumpre ainda à

Assembléia Geral definir prioridades, convocar conferências internacionais, aprovar

o orçamento e adotar resoluções em diversos temas. Vale ressaltar que tais

resoluções não obrigam os países que fazem parte respeitá-las, servindo elas para

expressar a opinião da maioria dos Estados membros.61

Sobre este órgão das Nações Unidas extrai-se das palavras de

Herz e Hoffmann o seguinte:

A norma de igualdade entre Estados soberanos é expressa no funcionamento da Assembléia Geral, pois o princípio de um voto para cada Estado é a base do processo decisório e é seu órgão mais representativo. A Assembléia é a grande arena da ONU na qual as mais diversas questões são discutidas. Muitas vezes ela funciona como o corpo legislativo da ONU, com suas resoluções estabelecendo a base para novas normas do direito internacional e com a produção de tratados multilaterais.62

Além das atribuições acima, vale salientar que a Assembléia

Geral poderá versar acerca de assuntos condizentes à paz e à segurança

internacionais, caso haja a impossibilidade do Conselho de Segurança em fazê-lo,

por meio da convocação de uma Sessão Especial de Emergência.63

Ademais, outras duas competências da Assembléia-Geral,

condizentes as Missões de paz de ONU merecem ser destacadas. A primeira diz

respeito ao estabelecimento de princípios e regras. Por meio do Comitê Especial

sobre Operações de Manutenção da Paz, a Assembléia delibera questões

financeiras, administrativas e organizacionais, além da segurança dos boinas azuis64

em terreno.65

61 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 30.62 HERZ, Mônica. HOFFMANN, Andrea R. Organizações Internacionais: historia e práticas. p. 97.63 FONTOURA, Paulo Roberto C. T. da. O Brasil e as operações de manutenção de paz das Nações Unidas. p. 59. 64 Este termo se refere aos componentes das tropas multinacionais que servem nas Forças de Paz da ONU. Tal expressão é devida pelo fato de que essas tropas utilizam boinas e capacetes na cor azul, sendo esta representativa das Nações Unidas.65 FONTOURA, Paulo Roberto C. T. da. O Brasil e as operações de manutenção de paz das Nações Unidas. p. 109.

33

Page 35: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

A segunda se refere à aprovação do orçamento das operações.

Fontoura nos descreve as cinco fases deste processo orçamentário, culminando

com o papel decisivo da Assembléia-Geral, senão vejamos:

[…] (a) preparação de um orçamento preliminar pelo Secretário-Geral para informação dos membros do Conselho de Segurança; (b) proposta do orçamento definitivo por parte do Secretariado; (c) consideração do orçamento pelo Comitê Consultivo em Questões Administrativas e Orçamentárias (ACABq); (d) exame conjunto da proposta de orçamento elaborado pelo Secretariado e do relatório do ACABq pela V CoMissão do AGNU; e (e) aprovação do Orçamento pela AGNU;66

Já o Conselho de Segurança, composto por cinco Estados

permanentes67 com direito de veto e dez membros eleitos pela Assembléia Geral,

possui como função principal a manutenção da paz e da segurança nas relações

internacionais. No que tange as suas atribuições, Araujo nos destaca as seguintes:

[...] solicitar aos Estados-membros a aplicação de sanções econômicas ou outras medidas capazes de evitar ou deter qualquer agressão; recomendar a Assembléia a admissão de novos membros e as condições sob as quais os Estados poderão tornar-se partes do Estatuto da Corte Internacional de Justiça; recomendar a Assembléia a suspensão e expulsão de Estados-membros da Organização; exercer as funções de tutela das Nações Unidas nas “zonas estratégicas”.68

É de extrema relevância frisar que cabe ao CSNU tratar de

“qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão”, além de deliberar

acerca de questões internas dos Estados-membros desde que em consonância com

o Capítulo VII da Carta de São Francisco. Já que não há uma definição clara que

diga respeito ao termo “ameaça” é conferido ao CSNU o amplo poder discricionário

de defini-lo. 69

O Conselho Econômico e Social – ECOSOC é composto por

54 Estados-membros eleitos pela Assembléia Geral por dois terços dos Estados

66 Ibidem p. 108. 67 Os Estados permanentes são: EUA, França, Rússia, China e Grã-Bretanha.68 ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. p.37.69 FONTOURA, Paulo Roberto C. T. da. O Brasil e as operações de manutenção de paz das Nações Unidas. p. 53.

34

Page 36: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

presentes e votantes para um período de três anos. A eleição ocorre anualmente

para a renovação de um terço desse Órgão, permitindo-se a reeleição.

Referido órgão vem regulamentado nos artigos 61 a 72 da

Carta de São Francisco de 1945. Sobre ele, Silva assevera que “[…] é o órgão

encarregado não só dos assuntos econômicos e sociais […] mas igualmente do

respeito e proteção aos direitos humanos e liberdades fundamentais.70

Assim, o principal objetivo desse Conselho é criar condições de

estabilidade e bem estar para os países. Para tanto, suas funções compreendem

“assuntos de caráter econômico, social, cultural, sanitário, bem como os que digam

respeito à observância dos direitos do homem, tendo em vista assegurar dos

indivíduos e o respeito às liberdades fundamentais para todos.”.71

O Conselho de Tutela, atualmente com suas atividades

suspensas, tinha o papel de monitorar a administração dos territórios que ainda não

haviam conquistado a plena capacidade de governo, fazendo visitas e

confeccionando relatórios sob as condições desses povos. Herz e Hoffmann revelam

que “[...] suas atividades foram interrompidas quando a ilha de Palau adquiriu

independência em 1994.”.72

A Corte Internacional de Justiça, principal órgão do Judiciário

da ONU, possui sua sede em Haia, na Holanda. Sua tarefa compreende a resolução

de litígios entre os Estados, fornecendo ainda consultas aos países bem com as

Organizações Não-Governamentais. As palavras de Herz e Hoffmann nos ilustram a

sua composição e o seu papel, senão vejamos:

A Corte Internacional de Justiça, formada por quinze juízes eleitos para um mandato de nove anos, emite decisões sobre disputas legais entre Estados e opiniões sobre questões legais referidas a ela. A Corte contribui para a resolução pacífica das disputas, particularmente quando a definição de fronteiras marítimas e terrestres é contestada. Os trabalhos foram iniciados em 1946, quando a Corte substituiu a Corte Internacional Permanente de Justiça, em Haia.73

70 SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2.ed. Belo Horizonte: Delrey, 2002, 312-371 ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. p. 4172 HERZ, Mônica. HOFFMANN, Andrea R. Organizações Internacionais: história e práticas. p. 10173 Idem.

35

Page 37: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

O Secretariado é o órgão administrativo da ONU. É constituído

pelo Secretário-Geral74, eleito pela Assembléia Geral para um mandato de cinco

anos e, por outros funcionários das Nações Unidas. Acerca do Secretário-Geral,

Rodrigues ressalta que

O papel e a função do Secretário-Geral está crescendo em importância nas questões de paz e segurança, principalmente nas crises que requerem o exercício dos “bons ofícios” e da diplomacia preventiva. No entanto, sua função se resume na persuasão, não podendo iniciar medidas de contenção de conflitos como as forças de manutenção da paz e outras sanções previstas no capítulo VII. Estas são funções exclusivas do Conselho de Segurança.75

Já o corpo de funcionários das Nações Unidas trabalha nas

sedes de Nova York, Genebra, Viena, Nairóbi, além dos demais escritórios e

Departamentos espalhados pelo mundo.

Cumpre ressaltar outra atribuição importantíssima do

Secretariado, qual seja a condução de uma Missão de paz. Para tanto este órgão

conta principalmente com ajuda do Departamento de Operações de Manutenção da

Paz (Department of Peacekeeping Operations – DPKO), o qual é incumbido de

preparar, planejar, dirigir e gerenciar, de forma política e executiva, as referidas

operações.76

2.1.1 A Carta de São Francisco e seu compromisso com a paz

A Carta de São Francisco, também conhecida como a Carta

das Nações Unidas, foi o documento fundador da ONU. Conforme já relatado, ela

entrou em vigor no dia 24 de outubro de 1945, após a ratificação da maioria dos

Estados-membros que participaram da Conferência das Nações Unidas sobre

Organização Internacional ocorrida na cidade de São Francisco/EUA, entre os

meses de abril e junho do mesmo ano.

74 O Secretário Geral é o chefe administrados da ONU. 75 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 31. 76 UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations UNITED NATIONS Peacekeeping. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping /info/mission>. Acesso em: 16 de outubro de 2010.

36

Page 38: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

A estrutura da Carta compreende 19 capítulos, possuindo ao

todo 111 artigos. Seu conteúdo “expressa interesses comuns de seus Estados-

membros, como a necessidade de limites mútuos e a observância recíproca de

certas normas, como a promoção dos direitos humanos.”.77

Viotti tece ainda as seguintes considerações sobre ela, quando

menciona que:

[...] a Carta é, de certo modo, uma “Constituição” embrionária da comunidade internacional, seja pela extensão e complexidade de suas funções, seja pela posição hierárquica dos princípios e obrigações nela assumidos frente a outras normas de Direito Internacional. É na verdade um tratado sui generis, que estabelece organização com “vida própria” e personalidade jurídica distinta de seus membros. Ao aderir à organização, o Estado-membro consente não apenas a número de obrigações bem definidas, como também a estatuto jurídico próprio, de participação quase-universal e definido nas competências e nos poderes de seus órgãos, como a AGNU e o CSNU.78

Ao manusearmos a Carta das Nações Unidas, nos deparamos

prontamente com o principal objetivo da Organização, qual seja a manutenção da

paz e da segurança internacionais. O seu art. 1 (1) deixa bem claro tal assertiva,

senão vejamos:

Artigo 1

Os propósitos das Nações unidas são:

1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;79

77 VIOTTI, Aurélio Romanini de Abranches. Ações humanitárias pelo Conselho de Segurança: entre a Cruz Vermelha e Clausewitz. p. 83. 78 Idem. 79 NAÇÔES UNIDAS. Carta da Organização das Nações Unidas. São Francisco, 26 de junho de 1945. Disponível em: < http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php> Acesso em 18 de outubro de 2010.

37

Page 39: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Além disso, a primeira alínea do preâmbulo também elucida o

desejo de “preservar as futuras gerações do flagelo da guerra, que por duas vezes,

no espaço de nossa vida, trouxe sofrimentos indivisíveis para a humanidade.”.80

Diante deste primado propósito da ONU, cabe definir na Carta

a localização dos preceitos que compõem o sistema de segurança coletiva81. Este

sistema, conforme destaca Fontoura, “é reforçado por um conjunto de propósitos e

princípios, capitulados nos artigos 1 e 2 daquele instrumento82, que deve nortear o

relacionamento dos Estados no cenário internacional.”.83

O aparato de manutenção da paz e da segurança

internacionais, termos estes que a Carta das Nações consagrou e evitou assim usar

outros como “segurança coletiva” e “guerra”, têm suas principais medidas previstas

nos Capítulos VI e VII. Neste sentido, nos explica Rodrigues que:

A Carta, no Capítulo VI, prevê os meios pacíficos de resolução de conflitos. Fracassados estes, o Conselho pode optar por outras medidas para fazer cumprir suas decisões que vão desde sanções que não envolvem o emprego de forças armadas até ações militares intervencionistas.84

Desta forma, não havendo a resolução da lide entre os Estados

por meios pacíficos (negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem,

solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio

pacífico), o Conselho de Segurança poderá usar-se do Capítulo VII, o qual abrange

“Ação relativa à ameaça à paz, rupturas da paz e atos de agressão” a fim de que

sejam efetivadas as suas decisões.

80 Idem81 Para Herz e Hoffmann o sistema de segurança coletiva “é um mecanismo de administração do sistema internacional mais estreitamente vinculado às organizações internacionais. O sistema é baseado na idéia de criação de um mecanismo internacional que conjuga compromissos de Estados nacionais para evitar, ou até suprimir a agressão de um Estado contra o outro. HERZ, Mônica. HOFFMANN, Andrea R. Organizações Internacionais: historia e práticas. p.99 Já a Comissão de Medidas Coletivas, em relatório de 1951, definiu a segurança coletiva como sendo um “plano para um sistema de sanções que possa evitar a ação de qualquer Estado tentado a cometer agressão ou, não o conseguindo, assegurar que o agressor tenha de se defrontar não unicamente com sua vítima, mas com a força unida da comunidade internacional”. FONTOURA, Paulo Roberto C. T. da. O Brasil e as operações de manutenção de paz das Nações Unidas. p. 50. 82 Leia-se Carta das Nações Unidas. 83 FONTOURA, Paulo Roberto C. T. da. O Brasil e as operações de manutenção de paz das Nações Unidas. p. 50. 84 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos: A prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 33.

38

Page 40: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

É deste capítulo que se extraem as sanções e a intervenção

militar. O artigo 41 nos apresenta as eventuais sanções não militares que poderão

ser empregadas, com o intuito da resolução do litígio, sem o emprego da força:

O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas.85

Rodrigues salienta que “[...] no contexto da globalização,

prolongadas sanções podem ser bastante prejudiciais para o país alvo, tornando-se

uma medida de freqüente uso na tentativa de resolução de conflitos”. Neste sentido

a mesma autora nos cita os exemplos abaixo:

Sanções econômicas gerais foram aplicadas à Rodésia de 1966 a 1979, ao Iraque após a invasão do Kuwait em 1990 e a Servia e Montenegro em 1992. Embargos de suprimentos de armas foram impostos à África do Sul em 1977, à antiga Iugoslávia em 1991, à Somália e à Libéria em 1992 e restrições ao fornecimento de petróleo ao Haiti em junho de 1993. [...] Sanções ajudaram a restaurar o regime democrático no Haiti e as medidas econômicas impostas à Iugoslávia foram uma das razões pelas quais o presidente sérvio Slobodan Milosevic foi persuadido a negociar o Acordo Dayton.86

Com relação à intervenção militar autorizada pelo Conselho de

Segurança, necessário se faz a menção de alguns dispositivos presentes no capítulo

VII da Carta de São Francisco. Trata-se dos artigos 42, segundo o qual poderá o

CSNU levar a efeito ações por meio de forças aéreas, navais ou terrestres a fim de

manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais; 43, que expressa que

todos os membros devem disponibilizar forças armadas, assistência, facilidades,

incluindo direito de passagem necessários à manutenção da paz e da segurança

internacionais; e 45 o qual, por sua vez, sujeita os Estados-membros a manterem

em prontidão contingentes de forças aéreas nacionais para a execução combinada

de uma ação coercitiva internacional.

85 NAÇÔES UNIDAS. Carta da Organização das Nações Unidas. São Francisco, 26 de junho de 1945. Disponível em: < http://www.onu-brasil.org.br/documentos _carta.php> Acesso em 18 de outubro de 2010.86 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 37.

39

Page 41: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Além disso, outra hipótese que possibilita a utilização da força

armada é o direito à legítima defesa, conforme traz o artigo 51 ao prescrever que

“Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual

ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações

Unidas”.87

Acerca da legítima defesa, Ávila e Rangel argumentam que ela

“[...] exige o descumprimento do Direito Internacional por uma parte, e apenas uma

parte. Tão-somente o recurso ilegal à força cria a possibilidade de tal mecanismo ser

utilizado. [...] é um direito do Estado ofendido, mas jamais uma obrigação.”.88

2.1.2 As operações de manutenção da paz da ONU

As operações de manutenção da paz da ONU passaram por

transformações com o passar dos anos, haja vista as constantes modificações

ocorridas no cenário internacional nos últimos 60 anos. Assim, num primeiro

momento, imprescindível é a apresentação de um breve histórico acerca dessas

operações a fim de uma melhor compreensão de seu conceito e seus objetivos.

2.1.2.1 Breve Histórico

As operações de manutenção da paz clássicas ou “classical

peacekeeping” foram as primeiras operações de manutenção da paz, sendo elas

desenvolvidas entre 1947 a 1985. Foram ao todo realizadas treze missões, as quais

por sua vez compreenderam o período da Guerra Fria.

Segundo Rodrigues, as operações de manutenção clássicas,

também conhecidas como tradicionais, são distinguidas das outras missões

empreendidas pela ONU pelas seguintes características:

[...] a existência de um cessar fogo, o consentimento e a cooperação de todas as partes envolvidas no conflito, a pretensão de não ser uma medida coercitiva, o uso de armamentos leves, como veículos

87 NAÇÔES UNIDAS. Carta da Organização das Nações Unidas. São Francisco, 26 de junho de 1945. Disponível em: < http://www.onu-brasil.org.br/documentos _carta.php> Acesso em 18 de outubro de 2010.88 ÁVILA, Rafael. RANGEL, Leandro de Alencar. A Guerra e o direito internacional. Belo Horizonte: Del Rey. 2009. p. 128-9.

40

Page 42: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

de transporte e helicópteros de carga, e a imparcialidade da operação realizada pelo Secretário Geral.89

Herz e Hoffmann nos explicam que “As primeiras missões de

observação da ONU, compostas por observadores militares foram aprovadas já em

1947 e 1948.”, ressaltando ainda que “As missões de observação são formadas por

um pequeno contingente desarmado distribuído em uma região após o

estabelecimento de um cessar fogo.”.90

Ainda, segundo as autoras, a primeira Missão tinha por objetivo

verificar o apoio externo recebido pela guerrilha grega – Comitê das Nações Unidas

para os Bálcãs, e a segunda visava o monitoramento do cessar fogo nas fronteiras

israelenses – UNITED NATIONS Truce Supervision Organization – UNTSO, a qual

se encontra ainda na ativa.

Contudo, um segundo tipo de operação de paz surge na

década de 50, conforme se extrai das palavras de Herz e Hoffmann:

A crise do canal de Suez em 1956 permitiu o desenvolvimento do novo conceito de operações de paz. Em 1956 foi criada a primeira força de manutenção da paz e o termo “operação de manutenção da paz” foi incorporado ao vocabulário da ONU (UNEF I – UNITED NATIONS Emergency Force). A operação tinha como mandato a separação de forças israelenses e egípcias e durou onze anos. [...] As forças foram lideradas por um general canadense. [...] O peso da neutralidade e as funções das operações de paz foram articulados nesse contexto. [...] Essa Missão foi peculiar já que foi criada pela Assembléia Geral, dada a obstrução do processo decisório pelos vetos britânicos e franceses.

Durante a Guerra Fria, as divergências políticas e ideológicas

entre os membros permanentes do Conselho de Segurança fizeram com eles

engessassem as instituições das missões de paz, através do uso exagerado do

poder de veto.

Porém, uma operação ainda merece destaque nesta

temporada. Não por ter sido uma grandiosa Missão, muito pelo contrário, senão

vejamos os dizeres de Rodrigues: 89 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 48.90 HERZ, Mônica. HOFFMANN, Andrea R. Organizações internacionais: historia e práticas. p. 108.

41

Page 43: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

[...] a operação iniciada no Congo ilustra os limites das novas medidas militar. A criação da ONUC (UN Operation in the Congo) quase levou a ONU à falência e ocasionou a morte do Secretário Geral Hammarskjold. [...] As forças da ONU se tornaram um exército armado a serviço do governo, perdendo a cooperação das partes em luta e de muitos países que davam suporte a operação.91

Findo o período da Guerra Fria, a proliferação das operações

de manutenção de paz aumenta significativamente. Uma nova era se inicia no

campo das missões de paz, surgindo, por sua vez, as Missões Multidisciplinares ou

de Segunda Geração. Diante deste contexto, Fontoura assevera que

Três fatores concorreram, em linhas gerais, para o aumento das operações de manutenção da paz: a) a distensão política entre os EUA e a União Soviética e seu impacto sobre o papel das Nações Unidas no campo da paz e da segurança internacionais; b) o afloramento de antagonismos étnicos e religiosos; e c) a crescente universalização dos valores da democracia e do respeito aos direitos humanos.92

As distinções entre as missões clássicas e as missões

multidisciplinares também são apresentadas por Rodrigues, quando relata que

Essencialmente o que diferencia a nova geração de operações de manutenção da paz das tradicionais é o uso do pessoal civil e militar da ONU em questões historicamente consideradas de assunto puramente doméstico dos Estados. As operações inauguradas no pós-guerra Fria são muito diferentes em escopo e mandato, que inclui a monitoria de eleições, a remoção de minas, a verificação do respeito aos direitos humanos, a distribuição de ajuda humanitária sob fogo, a reconstrução de Estados falidos, o desarme e desmobilização de combatentes e até o ambicioso esforço de impor a paz entre as partes dispostas a continuar na guerra. Representam a conjunção simultânea de atividade política, militar e hierárquica.93

Ao diferenciar esses dois tipos de operações, Rodrigues nos

leva a inferir que as Operações Multidimensionais possuem um mandato muito mais

complexo que os das operações clássicas. Herz e Hoffmann afirmam ainda que as

91 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 46-7.92 FONTOURA, Paulo Roberto C. T. da. O Brasil e as operações de manutenção de paz das Nações Unidas. p. 7693 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 51-2.

42

Page 44: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

atividades desenvolvidas pela Organização consistem desde a supressão da

violência até a criação de condições para uma paz duradoura.94

Outras características que distinguem as operações

multidisciplinares das operações clássicas são nitidamente encontradas nas

palavras de Tschumi, ao relatar que

As operações multidisciplinares atuam em conflitos intra-estatais; realizam tarefas de cunho humanitário e civil (administrar e reconstruir o país, além de operações militares; dispõem de funcionários civis (técnicos e administradores), policiais e militares; trabalham com metas de médio-longo prazo para assegurar a futura estabilidade do país e possuem múltiplos atores (ONU, agências especializadas, partes em conflitos, países contribuintes, organizações internacionais, mídia e facções criminosas). [...] as operações clássicas atuavam em conflitos interestatais; possuíam uma única função essencial: supervisionar o cessar-fogo; eram compostas essencialmente por militares; objetivo de curto prazo – garantir a trégua até a assinatura do acordo de paz e possuem atores facilmente identificáveis – ONU, Estados em conflito e Estados participantes da Missão.95

Desta forma, as novas missões se apresentam como sendo de

caráter civil e humanitário. O dinamismo dessas operações exigiu não só o

comprometimento das Nações Unidas, mas também o de outros atores

internacionais (ONG’s, organizações regionais e instituições financeiras

internacionais).

Ademais, o período pós-guerra Fria resta caracterizado pela

propagação de guerras civis e outros conflitos armados intra-estatais, os quais

ameaçam a paz e segurança internacional causando um forte sofrimento humano.96

Cabe salientar que foram mais de 40 missões desenvolvidas

pelas Nações Unidas no pós-guerra Fria. Dentre todas elas pode-se citar como

exemplos desse tipo de operações a “Missão Avançada das Nações Unidas no

Camboja” – UNAMIC, estabelecida por meio da resolução 717 de 16 de outubro de

94 HERZ, Mônica. HOFFMANN, Andrea R. Organizações internacionais: historia e práticas. p.11195 TSCHUMI, André Vinícius. Princípio da Segurança Coletiva e a manutenção da paz internacional. p. 259-60.96 UNITED NATIONS Department of Public Information. An introduction to UNITED NATIONS Peacekeeping. Disponível em <http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/intro/> Acesso em 22 de Outubro de 2010. (Tradução nossa).

43

Page 45: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

1991; e a “Operação das Nações Unidas em Moçambique” - ONUMOZ, estabelecida

através da Resolução 797 de 16 de novembro de 1992. Seus trabalhos

compreenderam o âmbito político, militar e humanitário desses dois países.

Foi ainda na década de 90 que importantes documentos foram

elaborados a fim de caracterizar e até mesmo repensar a prática das operações de

paz da ONU. Dentre eles cita-se “Uma Agenda para a Paz” e “Suplemento de uma

Agenda para a Paz, criados respectivamente em 17 de junho de 1992 e 03 de

janeiro de 1995 pelo então Secretário Geral das Nações Unidas Boutros-Ghali.97

Esses documentos abriram um novo horizonte na esfera das

Missões das Nações Unidas com recomendações que visavam fortalecer e tornar

mais eficientes a capacidade da ONU para a diplomacia preventiva (peacemaking),

manutenção da paz (peacekeeping) e construção da paz (peacebuilding).

Da mesma forma, porém em 2000, o Painel sobre as

Operações de Paz das Nações Unidas, convocado por Kofi Annan, Secretário-Geral

à época, deu origem ao Relatório do Painel sobre as Operações de Paz das Nações,

também chamado de Relatório Bahimi98. O objetivo principal do estabelecimento do

Painel consistia na análise das operações de paz da ONU bem como de identificar

em quais pontos a prática das referidas operações poderia ser mais efetiva e como

melhorá-la.99

97 Os documentos podem se consultados em <http://www.un.org/docs/SG/> Acesso em 22 de Outubro de 201098 Atribuiu-se o nome de Lakhdar Brahimi, ex-Ministro das Relações Exteriores da Argélia, o qual foi líder na elaboração do Painel. 99 UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations. UNITED NATIONS Peacekeeping: Meeting New Challenges. 2006. Disponível em: <www.un.org/Depts/dpko/dpko/faq/q&a.pdf> Acesso em 16 de outubro de 2010.

44

Page 46: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

2.1.2.2 Definição, princípios e criação

Como relatado anteriormente, as operações de paz passaram

por uma constante evolução, a fim de atenderem as necessidades dos diferentes

conflitos e panoramas internacionais. Com isso, além do termo “manutenção da paz

- Peacekeeping”, outras expressões surgiram neste cenário, como “Diplomacia

Preventiva - Conflict Prevention”, “Estabelecimento da paz – Peacemaking”,

“Construção da Paz - Peacebuilding” e “Imposição da Paz – Peace Enforcement”.

Cumpre destacar que a Carta das Nações Unidas não cunhou

esses termos em nenhum dos seus artigos. Porém alguns documentos da

Organização buscaram, de certa forma, defini-los. É o caso do General Guidelines

for Peacekeeping Operations, o qual nos conceitua “Manutenção da paz” da

seguinte forma:

[...] é uma dentre uma série de atividades realizadas pelas Nações Unidas e outros atores internacionais para manter a paz e a segurança internacionais em todo o mundo. [...] é uma técnica destinada a preservar a paz, porém frágil, onde a luta foi interrompida, e auxiliar na implementação dos acordos alcançados pelos pacificadores. Ao longo dos anos, a manutenção da paz tem evoluído a partir de um modelo essencialmente militar de observar o cessar-fogo e de separação de forças depois de guerras interestatais, a incorporar um modelo complexo de muitos elementos - militares, policiais e civis - que trabalham juntos para ajudar a lançar as bases uma paz sustentável. 100

No que diz respeito à chamada “Diplomacia Preventiva -

Conflict Prevention” a Agenda para a Paz, em seu parágrafo 20, define como sendo

“a ação destinada a previnir o surgimento de disputas, impedir que as disputas

existentes se transformem em conflitos armados ou, em último caso, diminuir a

amplitude e o impacto dos conflitos em andamento”.101

As missões de Estabelecimento da paz – Peacemaking, tidas

como as mais controversas, incluem medidas destinadas a resolver conflitos em

100 UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations. General Guidelines for Peacekeeping Operations. 2008. Disponível em: <www.peacekeepingbestpractices.unlb.org/.../Capstone_Doctrine_ ENG.pdf> Acesso em 16 de outubro de 2010.101 TSCHUMI, André Vinícius. Princípio da Segurança Coletiva e a manutenção da paz internacional. p. 258.

45

Page 47: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

andamento e, geralmente, envolvem a ação diplomática para trazer as partes hostis

a um acordo negociado. O Secretário-Geral, a pedido do Conselho de Segurança ou

a Assembléia Geral ou por sua iniciativa própria, poderá exercer os seus "bons

ofícios" para facilitar a resolução do conflito. Pacificadores também podem ser

enviados, governos, grupos de Estados, organizações regionais ou das Nações

Unidas.102

A Agenda para a Paz implementa esta definição, se referindo

ao “peacemaking” como “a ação que visa levar as partes hostis a um acordo,

essencialmente através de meio pacíficos como aqueles previstos no Capítulo VI da

Carta das Nações Unidas.”103

Já as operações de Construção da Paz – Peacebuilding

possuem como principal objetivo ampliar a confiança entre os povos e melhorar o

bem estar da população para que a paz não seja mais quebrada no futuro. Suas

ações envolvem projetos de caráter econômico, social e cultural, deixando de fora,

portanto, ações de cunho militar. Pode-se citar como exemplo de ações o

desarmamento, treinamento técnico para a formação de policiais, dentre outros. 104

Por fim, as missões de imposição da paz – Peace enforcement

envolvem a aplicação de uma série de medidas coercivas, incluindo o uso da força

militar. Tais ações buscam restaurar a paz e a segurança internacionais, em

situações em que o Conselho de Segurança determinou a existência de uma

ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão. Quando apropriado, o CSNU

poderá utilizar de organizações e agências regionais para uma ação coercitiva sob a

sua autoridade.105

102 UNITED NATIONS Department of Peacekeeping Operations. General Guidelines for Peacekeeping Operations. 2008. Disponível em: <www.peacekeepingbestpractices.unlb.org/.../ Capstone_Doctrine_ ENG.pdf> Acesso em 16 de outubro de 2010.103 CARDOSO, Afonso José S. C. O Brasil nas operações de paz das Nações Unidas. p. 49104 TSCHUMI, André Vinícius. Princípio da Segurança Coletiva e a manutenção da paz internacional. p. 260-1.105 UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations. General Guidelines for Peacekeeping Operations. 2008. Disponível em: <www.peacekeepingbestpractices.unlb.org/.../Capstone_Doctrine_ ENG.pdf> Acesso em 16 de outubro de 2010.

46

Page 48: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Feitas as supras distinções, cabe agora elencar os princípios

fundamentais que compõem as missões de paz da ONU. A maioria dos autores cita

os princípios do consentimento, da imparcialidade e do uso da força como sendo os

três principais.

O Princípio do Consentimento foi consagrado com o

desdobramento da UNEF I no Egito em 1956. Tal princípio assegura o respeito ao

princípio da Não-Intervenção, sendo que sua ausência levaria as Nações Unidas a

não realizar a operação ou levá-la a cabo, com o amparo do Capítulo VII da Carta de

São Francisco, o que conseqüentemente transformaria a operação de manutenção

da paz em imposição da paz.106

Fontoura ainda nos explica que “nos conflitos interestatais, o

consentimento é dado por partes claramente identificáveis, havendo, portanto,

interlocutores para negociar e buscar soluções para questões específicas.”. 107 Por

outro lado, o mesmo autor afirma que nos conflitos intra-estatais o consentimento é

bem menos estável, tendo em vista a dificuldade de se identificar os interlocutores.

No que concerne a quebra deste princípio, Herz e Hoffmann

são claras em ressaltar que “A existência de populações submetidas à violência,

mesmo que pelos Estados exercendo soberania sobre o território onde as mesmas

habitam, passa a justificar a intervenção internacional.”.108

O princípio da imparcialidade vem estampado no General

Guidelines for Peacekeeping Operations109, o qual prescreve que as missões de

Manutenção da Paz devem implementar seus mandatos sem favorecer ou prejudicar

qualquer das partes. O mencionado documento ressalta ainda que a imparcialidade

é crucial para manter o consentimento e a cooperação das partes principais, porém

não deve ser confundida com neutralidade.

106 FONTOURA, Paulo Roberto C. T. da. O Brasil e as operações de manutenção de paz das Nações Unidas. p. 88. 107 Ibidem p. 89.108 HERZ, Mônica. HOFFMANN, Andrea R. Organizações internacionais: história e práticas. p. 118.109 UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations. General Guidelines for Peacekeeping Operations. 2008. Disponível em: <www.peacekeepingbestpractices.unlb.org/... /Capstone_Doctrine_ ENG.pdf> Acesso em 16 de outubro de 2010.

47

Page 49: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Fontoura alega que certos autores, como Henry Wiseman e

Stevan Ratner aprofundaram os conceitos de “imparcialidade” e “neutralidade”.

Conforme estes autores, as Forças de Paz seriam somente imparciais no

cumprimento do mandato, e não neutras, tendo em vista que o mandato do CSNU é

baseado em uma decisão política, por vezes contra a uma das partes do litígio.110

No que se refere à importância deste princípio, Cardoso

argumenta que

[…] a imparcialidade e a objetividade na execução do mandato serão rigorosamente essenciais para o êxito da Missão, tanto no conflito entre Estados quanto nos conflitos internos. A objetividade e a imparcialidade na implementação do mandato não garantirão, sozinhas, o bom termo da empreitada. Na sua falta, porém, e mesmo nas causas de seu comprometimento, as possibilidades de êxito serão remotas, quando inalcançáveis.111

Rodrigues ressalta que a partir do momento em que as forças

militares passam a agir como uma das partes no conflito, a imparcialidade fica

comprometida, o que ocasiona a perda da confiança dos combatentes. Desta forma,

as tropas são rotuladas como inimigas, fato este que as tornam parte do problema

em que foram resolver, sendo por conseqüência alvos de ataques.112

O princípio do uso da força deve servir apenas em último

recurso e nos casos de legítima defesa. Entretanto, as operações mais recentes, as

quais incluíram em seu mandato a proteção à prestação de assistência humanitária,

modularam a limitação “ao uso da força de forma a ampliá-lo da autodefesa à

tentativa de remoção e à eventual redução dos obstáculos e da imposição que se

interponham à consecução do mandato.” 113 Acerca do presente princípio, Cardoso

sustenta:

A restrição no uso da força continuará a ser elemento chave na definição e execução das operações de paz. […] Não caberá dúvidas […] que os acidentes de percurso experimentado com o uso mal

110 FONTOURA, Paulo Roberto C. T. da. O Brasil e as operações de manutenção de paz das Nações Unidas. p. 97.111 CARDOSO, Afonso José S. C. O Brasil nas operações de paz das Nações Unidas. p. 31.112 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 52.113 Ibidem p.28.

48

Page 50: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

sucedido por operações de paz multidimensionais tiveram, e terão provavelmente sempre um preço muito elevado.114

Rodrigues nos explica que o uso da força em apoio às

operações das Nações Unidas veio refletido na Agenda para a Paz de 1992. A

autora afirma que “se os meios pacíficos falharem, as medidas previstas no Capítulo

VII deverão ser usadas, segundo a decisão do Conselho de Segurança para manter

a paz e a segurança internacionais.”.115

Vale salientar que outros princípios regem a conduta das

operações de paz das Nações Unidas como o Apoio Contínuo e Ativo do Conselho

de Segurança, o Comprometimento Sustentado dos Países que Contribuem com

Tropas, a Legitimidade, o Mandato Claro e Alcançável, e o da Unidade.

Quanto à criação das Operações de Manutenção da Paz,

Fontoura salienta que ocorre em duas etapas:

Em um primeiro momento, o CSNU cria a operação por meio da votação, requerendo nove votos afirmativos, incluindo os dos Membros permanentes, que, à luz da prática em vigor, podem também abster-se. [...] Em um segundo momento, ocorre a convocação formal do CSNU, mormente para referendar resolução previamente acordada, quando então seus membros poderão eventualmente modificar a linguagem de certos parágrafos secundários e manifestar as posições nacionais.116

Instituída a operação e considerando que a ONU não possui

um corpo militar próprio, cabe aos Estados membros decidirem sobre a sua

participação e quais equipamentos estarão dispostos a fornecer.117

Por fim, no que se refere à natureza constitucional das

operações de paz, Cardoso sustenta nitidamente:

As operações de paz das Nações Unidas têm sua raiz constitucional nas medidas provisórias de que trata o artigo 40 da Carta. Assim,

114 Ibidem p. 30115 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: A prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 53. 116 FONTOURA, Paulo Roberto C. T. da. O Brasil e as operações de manutenção de paz das Nações Unidas. p. 103117 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 49.

49

Page 51: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

independentemente de serem desenvolvidas nos limites do Capítulo VI da Carta, ou nas dimensões do Capítulo 6 ½ que seriam, por excelência, seu domínio, as operações de paz teriam por referência constitucional disposição que se encontra no Capítulo VII do documento de São Francisco. Consequentemente, o estabelecimento de uma operação de paz pelo Conselho de Segurança ou, como já ocorreu, pela Assembléia-Geral, estaria condicionada com o reconhecimento, pelo menos, a existência de ameaça real à paz e à segurança internacionais.118

Desta forma, observa-se que as missões de paz das Nações

Unidas estão amparadas nos limites do Capítulo VI e no Capítulo VII da Carta de

São Francisco. Vale esclarecer que a expressão “Capítulo seis e meio” foi cunhada

por Dag Hammarkjöld, à época Secretaria Geral das Nações Unidas.119

118 CARDOSO, Afonso José S. C. O Brasil nas operações de paz das Nações Unidas. p. 41-2119 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. p. 48.

50

Page 52: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Capítulo 3

A MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO HAITI – MINUSTAH

3.1 AS PRINCIPAIS CAUSAS PARA SUA INSTITUIÇÃO

Conforme já relatado no Capítulo 1, o Haiti vivia nas últimas

décadas um clima caótico, seja pela instabilidade política, seja pelos altos níveis de

violência. Cabe agora analisar os principais motivos que ensejaram a instituição da

Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti - MINUSTAH.

3.1.1 A segurança pública no Haiti

Uma das causas para a criação da MINUSTAH foi a situação

desordenada na qual se encontrava a segurança pública no Haiti. O país estava

repleto de seqüestros, torturas e assassinatos, geralmente ocasionados por razões

políticas. Os grupos armados espalhavam o terror por todo o território haitiano,

sendo eles amparados por um sistema judicial e policial altamente precário e

ineficiente. Tais circunstâncias vêm ilustradas nas palavras de Verenhitach e Deitos:

A ausência do Estado em boa parte do território facilitou a proliferação de grupos armados civis, com diversos propósitos. Para fazer frente à oposição, o presidente constituiu e armou sua própria milícia, os chimères120. Enquanto isso, as gangues agiam com fins criminosos, cometendo assaltos, seqüestros e operando no tráfico de drogas.121

120 Em créole significa “garotos maus”. Jean Bertrand Aristide, à época, com o intuito de conter as manifestações que lhe eram contrárias, constituiu esta milícia de repressão. 121 VERENHITACH, Gabriela Daou; DEITOS, Marc Antoni. Diáspora Haitiana: causas econseqüências dos movimentos migratórios rumo aos Estados Unidos e à RepúblicaDominicana. In. LASA2009 Repensar as Desigualdades (XXVIII Congresso Internacional daAssociação de Estudos Latino-Americanos). Disponível em: <www.lasa.international.pitt.edu/.../ lasa2009/files/VerenhitachGabriela.pdf> Acesso 10 de outubro de 2010.

Page 53: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

A Polícia Nacional Haitiana – PNH e o Poder Judiciário

estavam claramente desestruturados. Conseqüentemente os Direitos Humanos

eram grosseiramente violados. No que tange a esta conjuntura Verenhitach

sustenta:

Inúmeras pessoas são mortas em ações da PNH – inclusive reféns e civis sem qualquer vínculo com grupos violentos -, e as cadeias são lotadas por presos que, em sua maioria, não foram julgados; muitos dos que foram, por sua vez, cumprem pena muito maior do que lhes foi designada, pelo simples fato de não haver um controle formal eficiente.122

A extinção das Forças Armadas decretada por Jean-Bertrand

Aristide em 1994, a fim de cumprir o restante de seu mandato, contribui muito para a

deterioração da PNH. As duas instituições eram intimamente ligadas, o que por sua

vez gerou a degradação da força policial no país.

Outro fato que merece ser destacado concernente ao aumento

da violência na ilha caribenha é a propagação do tráfico de armas e drogas em

virtude da inoperância da PNH. Valler Filho assevera que

Concomitantemente à desintegração e à politização da Polícia Nacional, recrudesceu a proliferação do tráfico de armas leves. Além disso, a precária ação da polícia, os baixos salários dos policiais, que os transformava em alvos fáceis para a corrupção, e as fronteiras permeáveis contribuíram para fazer do Haiti uma plataforma do tráfico internacional de drogas.123

Desta forma, os grupos armados e os narcotraficantes não

encontravam fortes óbices para agravar ainda mais a questão da segurança no Haiti.

Conseqüentemente, com o acesso fácil às armas e ao financiamento internacional

traficantes, o Haiti tornava-se ainda mais vulnerável na questão da segurança

pública.

122 VERENHETACHI, Gabriela Daou. A Minustah e a política externa brasileira. Santa Maria, 2008. 123f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Centro de Ciências Sociais e Humanas Universidade Federal de Santa Maria.123 VALLER FILHO, Wladimir. O Brasil e a crise haitiana – A cooperação técnica como instrumento de solidariedade e de ação diplomática. p. 150

52

Page 54: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

3.1.2 O caos político

Como já relatada, a crise eleitoral haitiana ocorre há décadas

com golpes e contragolpes militares ferindo e muito a democracia do país. Porém,

outro episódio que veio a denegrir a sua imagem foi a fraude constada nas eleições

que mantiveram a Família Lavalas no poder. Acerca deste episódio Valler Filho

sustenta:

As eleições municipais e legislativas de 2000, embora contestadas pela oposição e pela comunidade internacional, favoreceram os candidatos do partido Fanmi Lavalas. A oposição, agrupada na sua maior parte no partido Convergence Démocratique, recusar-se-ia a participar das eleições presidenciais de novembro de 2000, sob a alegação de que o governo manipulava sistematicamente os resultados dos pleitos.124

Diante deste episódio, Aristide foi seriamente acusado de

manipular as eleições de 2000, tidas como nitidamente fraudulentas. Tanto é que foi

reeleito com 60,5% dos votos, onde somente dois milhões de eleitores teriam

votado. Naquela época, os líderes da oposição afirmaram que a referida votação

não perfazia 5% do total de eleitores inscritos.125

Ante a tais circunstâncias, ou seja, a deterioração das

instituições democráticas do país, a oposição, composta por ex-militares, pelo Grupo

dos 184,126 e demais desiludidos com a “desgovernança” de Jean-Bertrand Aristide,

rebelou-se em fevereiro de 2004, na cidade de Gonaives. Rapidamente o movimento

se espalhou pelo norte do país, com os rebeldes tomando controle de grande parte

da região.127 Com isso, houve a divisão do país, ficando o sul sob controle do

governo, que nada fazia para obstar o avanço rumo à capital haitiana dos

insurgentes que detinham o poder ao norte.128

124 VALLER FILHO, Wladimir. O Brasil e a crise haitiana – A cooperação técnica como instrumento de solidariedade e de ação diplomática. p. 148125 Idem.126 O Grupo dos 184 foi liderado pelo industrial André Apaid e era composto por aproximadamente 300 entidades da sociedade civil haitiana, entre sindicatos patronais e trabalhistas, estudantes, organizações civis e religiosas, etc. O principal objetivo deste grupo era elaborar um “contrato social” que contemplasse opções políticas para a crise do país. VALLER FILHO, Wladimir. O Brasil e a crise haitiana – A cooperação técnica como instrumento de solidariedade e de ação diplomática.127 Das 9 províncias que compunham o norte, 5 já estavam sendo controladas pelos rebeldes. 128 VALLER FILHO, Wladimir. O Brasil e a crise haitiana – A cooperação técnica como instrumento de solidariedade e de ação diplomática. p. 152.

53

Page 55: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Assim, no início de 2004, grupos armados golpistas exigiram a

renúncia de Aristide. Frente à iminência de uma guerra civil, não restou alternativa

ao presidente senão renunciar ao seu cargo:

Jean-Bertrand Aristide galgou os degraus da escada do avião que o conduziu a um triste e incerto exílio, ele já o fez na condição de ex- Presidente do Haiti. Poucas horas antes Titid havia firmado uma carta de renúncia a fim de evitar “um banho de sangue”, segundo profetizava a imprensa internacional.129

Com a renúncia de Aristide, o Presidente da Suprema Corte de

Justiça Boniface Alexandre assumiu o poder. A desordem no país era tamanha.

Verenhitach e Deitos afirmam que vários lavalasianos foram presos, torturados e até

mesmo mortos. Inúmeros, objetivando fugir das terríveis circunstâncias que se

instalaram, procuravam cruzar a fronteira com a República Dominicana ou se

dirigem para a costa americana ou a Cuba em frágeis e perigosas embarcações, os

chamados boat-people.130

Os mesmos autores ainda alegam que muitas dessas pessoas

“[...] morriam nessas travessias; outros eram deportados – onde, grande parte das

vezes, eram reprimidos em seu retorno ao Haiti, pelas gangues opostas ou por seus

próprios partidários, por haverem “desertado”. ”131

Ademais, Seitenfus nos ilustra a realidade vivida pelos

haitianos na ilha caribenha, senão vejamos:

Trata-se da simples ausência de Estado. Da convivência desregrada entre seres humanos abandonados à sua própria sorte, sem nenhuma possibilidade de salvação individual, diante da perspectiva de guerra eterna de todos contra todos, fruto da histórica omissão das elites internas e transnacionais, que nada mais têm a retirar dessa depauperada terra.132

129 SEITENFUS, Ricardo. Elementos para uma diplomacia solidária: a crise e os desafios da ordem internacional contemporânea. 2006. Disponível em: <www.seitenfus.com.br/arquivos/ elementos-diplomacia(1).pdf> Acesso 10 de outubro de 2010.130 VERENHITACH, Gabriela Daou; DEITOS, Marc Antoni. Diáspora Haitiana: causas econseqüências dos movimentos migratórios rumo aos Estados Unidos e à RepúblicaDominicana. In. LASA2009 Repensar as Desigualdades (XXVIII Congresso Internacional daAssociação de Estudos Latino-Americanos). Disponível em: <www.lasa.international.pitt.edu/.../ lasa2009/files/VerenhitachGabriela.pdf> Acesso 10 de outubro de 2010.131 Idem. 132 SEITENFUS, Ricardo. Elementos para uma diplomacia solidária: a crise e os desafios da ordem internacional contemporânea. 2006. Disponível em: <www.seitenfus.com.br/arquivos /elementos-

54

Page 56: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Foi neste contexto que Boniface Alexandre, imediatamente em

março de 2004, requereu o apoio das Nações Unidas, sendo ele prontamente

atendido. Assim, a ONU, em caráter emergencial, através da Resolução 1529,

institui a Força Interina Multinacional (Multinational Interim Force - MIF), enviando

tropas do Canadá, Estados Unidas, Chile e França. O principal objetivo da operação

era apoiar a continuação de um processo político constitucional e pacífico, manter

um ambiente seguro e estável bem como preparar o país para a chegada de uma

nova Missão, qual seja a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti -

MINUSTAH.133

3.2 CARACTERIZAÇÃO DA MISSÃO

A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti-

MINUSTAH foi instituída por meio da Resolução 1542 (2004), sendo ela autorizada

pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 30 de abril de 2004. Seus

trabalhados foram rapidamente iniciados, ou seja, em 1 de junho do mesmo ano.

A operação veio ampara legalmente na Carta de São

Francisco, mais especificamente no seu Capítulo VII. Por isso é considerada uma

operação de Imposição da Paz, ou seja, suas práticas compreendem uma série de

medidas coercitivas, inclusive o uso da força. Inicialmente a Missão contaria com

aproximadamente 6.700 militares, 1.622 policiais, 550 civis internacionais, 150

voluntários das Nações Unidas e 1.000 funcionários civis locais.134

Valler Filho alega que a frente desta Missão está o Brasil,

conforme se destaca a seguir:

Coube ao Brasil o comando militar da MINUSTAH. Em março de 2004, Missão integrada por onze oficiais superiores de todas as Armas, além de representantes do Ministério da Defesa, visitaria o Haiti para contatos com os comandos dos diversos contingentes que

diplomacia(1).pdf> Acesso 10 de outubro de 2010.133 UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations UNITED NATIONS Peacekeeping. Disponível em: < http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/minustah/background.shtml>. Acesso em: 16 de outubro de 2010.134 UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations UNITED NATIONS Peacekeeping. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/minustah/mandate.shtml>. Acesso em: 16 de outubro de 2010.

55

Page 57: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

compunham a Força Multinacional Interina e efetuar levantamento da logística necessária para a participação brasileira na Força de Estabilização das Nações Unidas.135

O mesmo autor assevera ainda que em maio de 2004,

aproximadamente 1.200 militares brasileiros foram deslocados para o Haiti, o que

representaria a maior participação das forças armadas brasileiras no exterior desde

a 2ª Guerra Mundial.136

Outros países que contribuem com suas forças armadas para a

operação são a Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Equador, França, Guatemala,

Índia, Japão, Jordânia, Nepal, Paraguai, Peru, Filipinas, República da Coréia, Sri

Lanka, Estados Unidos e Uruguai.137

No que tange a composição da força policial haitiana, a

cooperação internacional abrange muitos mais países: Argentina, Bangladesh,

Benin, Brasil, Burkina Faso, o Burundi, Camarões, Canadá, República Central

Africano, Chade, Chile, China, Colômbia, Costa do Marfim, Croácia, Egipto, El

Salvador, França, Granada, Guiné, Guiné-Bissau , Índia, Indonésia, Israel, Itália,

Jamaica, Jordânia, Quirguistão, Lituânia, Madagascar, Mali, Nepal, Níger, Nigéria,

Paquistão, Filipinas, Romênia, Rússia, Ruanda, Senegal, Sérvia, Espanha, Sri

Lanka, Tailândia, Suécia , Togo, Turquia, Estados Unidos, Uruguai e Iêmen.138

Atualmente a MINUSTAH conta com 11.848 pessoas

trabalhando sob sua bandeira, sendo eles 8.766 soldados, 3082 policiais, 481 civis

internacionais, 1.235 funcionários civis locais, 204 voluntários das Nações Unidas.139

3.2.1 O mandato

O mandato de uma operação de paz vem expresso por meio

de resoluções, em regra, aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações

135 VALLER FILHO, Wladimir. O Brasil e a crise haitiana – A cooperação técnica como instrumento de solidariedade e de ação diplomática. p. 169-70136 Ibidem p. 170.137 UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations UNITED NATIONS Peacekeeping. Disponível em: < http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/minustah/facts.shtml>. Acesso em: 16 de outubro de 2010.138 Idem. 139 Idem.

56

Page 58: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Unidas. Ele, por sua vez, compreende todas as tarefas que a operação se propõe a

realizar em um determinado território.

3.2.1.1 Resolução 1542 (2004)

A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti –

MINUSTAH foi autorizada pela Resolução 1542 (2004). A mencionada Resolução

estabeleceu as proposições, a composição e a organização inicial da MINUSTAH.

Dela se extraem os seus principais objetivos:

I – Ambiente seguro e estável

a) Garantir um ambiente seguro e estável no Haiti em apoio ao

Governo Transitório140 a fim de que o processo constitucional e político possam

acontecer;

b) Auxiliar o Governo Transitório no monitoramento,

reestruturação e reforma da Polícia Nacional Haitiana;

c) Auxiliar o Governo de Transição, especialmente a Polícia

Nacional Haitiana, em programas de Desarmamento, Desmobilização e

Reintegração (DDR) dos grupos armados bem como no controle de armas e no

estabelecimento de medidas de segurança pública;

d) Ajudar no restabelecimento e manutenção do estado de

direito (rule of law), da ordem e segurança pública no Haiti, restabelecendo ainda um

sistema prisional;

e) Proteger o pessoal, facilidades, instalações e equipamentos

da ONU e garantir a segurança e liberdade de movimento no território dessas

pessoas;

f) Proteger civis sob a ameaça de violência física;

140 Trata-se do governo interino chefiado por Boniface Alexandre, tendo este assumido após a renúncia de Jean-Bertrand Aristide em 2004.

57

Page 59: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

II – Processo Político

a) Apoiar o processo constitucional e político em curso no Haiti

através do incentivo aos princípios e à governança democrática e do

desenvolvimento institucional;

b) Auxiliar o Governo Transitório na realização de um processo

nacional de reconciliação e diálogo;

c) Auxiliar o Governo Transitório na organização,

monitoramento e na realização de eleições livres, justas e representativas da

demografia nacional, incluindo mulheres, a nível municipal, parlamentar e

presidencial, através de apoio técnico, logístico e administrativo;

d) Auxiliar o Governo Transitório no sentido de expandir a

autoridade estatal, apoiando a governança em nível local;

III – Direitos Humanos

a) Auxiliar o Governo Transitório bem como as Instituições e

grupos haitianos de direitos humanos nos seus esforços para a proteção dos direitos

humanos, principalmente de mulheres e crianças a fim de garantir a

responsabilização individual pelas violações dos direitos humanos e reparação para

as vítimas;

b) Monitorar e reportar a situação dos direitos humanos no Haiti

em cooperação com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos

Humanos, incluindo a situação dos refugiados e das pessoas deslocadas dentro do

país;

Ante a exposição dos principais objetivos constantes do

Mandato inicial da Missão, denota-se sua atuação em três áreas: Segurança,

Processo Político e Direitos Humanos, as quais serão distintamente analisadas nos

tópicos abaixo.

58

Page 60: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

3.2.1.2 Demais resoluções

Com o passar dos anos, tendo em vista as evoluções e

conseqüentemente as novas exigências que afloraram no Haiti, ajustes se fizeram

necessários para a atuação da MINUSTAH no referido país. Tais adaptações

surgiram através de outras resoluções, as quais, de certa forma, complementaram o

mandato inicial da operação.

Apesar das novas resoluções não terem mudado o enfoque

principal da Missão, cabe, por oportuno mencionar as principais aprovadas pelo

Conselho de Segurança: 1608 (2005), 1702 (2006), 1743 (2007), 1780 (2007), 1840

(2008), 1908 (2010) e 1927 (2010).141

3.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Desde a instituição da MINUSTAH ocorrida em 2004,

vislumbra-se que alguns de seus objetivos foram bem sucedidos. Entretanto, a

Missão se deparou com certas dificuldades, as quais ainda não conseguiu superar.

Esta seção apresentará uma avaliação dos resultados da referida Missão, entre os

anos de 2004 e 2010, com enfoque nos seus três eixos, ou seja, segurança,

processo político e direitos humanos.

Ademais abordará a trágica fatalidade ocorrida em janeiro de

2010, qual seja o terremoto que devastou o país, bem como os desafios a serem

enfrentados desde então pela Missão.

3.3.1 Segurança

No que tange a segurança, o Conselho de Segurança das

Nações Unidas, através da Resolução 1542 (2004) ordenou à MINUSTAH o

restabelecimento e a manutenção de uma ambiente seguro e estável no Haiti, a fim

de que os processos político e constitucional fossem bem sucedidos.

141 Todas as resoluções encontram-se disponíveis para consulta no site: <http://www.un.org/ en/peacekeeping/missions/minustah/mandate.shtml>.Acesso em 15 de outubro de 2010.

59

Page 61: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Desta forma, observa-se duas etapas concernentes a este

objetivo: o primeiro de restabelecer a paz, ou seja, restaurá-la. Já a segunda

consiste na manutenção da paz, sendo imprescindível, para tanto, uma reforma no

setor da segurança do país, a qual deve englobar a Polícia Nacional Haitiana – PNH,

a restauração do sistema prisional e judiciário, bem como o estabelecimento de

programas de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração – DDR.

3.3.1.1 Restabelecimento da Paz

Com o intuito de conter a violência no Haiti, várias medidas

foram tomadas por parte da MINUSTAH em conjunto com a Polícia Nacional

Haitiana. Dentre elas pode-se citar a criação de checkpoints e o forte patrulhamento

nas favelas visando à apreensão de líderes das principais gangues.

Tais atos levaram o país a níveis mais seguros e estáveis que

em 2004, com significativas melhorias na área da segurança. Tanto é que no

período de 22 de dezembro de 2006 a 28 fevereiro de 2007, a MINUSTAH e a

Polícia Nacional do Haiti realizaram conjuntamente 19 operações em Cité Soleil e

Martissant, duas das maiores favelas do país. Estas operações somadas às outras

desenvolvidas no país resultaram na apreensão de cerca de 850 membros de

gangues, incluindo seus principais líderes.142

Outra ação a ser destacada foi a garantia da segurança no

processo eleitoral ocorrido em 2006. Não obstante tenham ocorridos alguns

incidentes, tal episódio pode ser considerado um sucesso. O povo haitiano pôde

exercer o seu direito de voto de forma livre e justa.143

Apesar desses fatores representarem um importante passo na

questão da restauração da paz, a questão da segurança encontra-se ainda frágil. As

demonstrações de 2009 revelam que houve um aumento na criminalidade se

comparadas com a do ano anterior, embora especificamente o número de

seqüestros tenha sido reduzido. Ademais, os riscos das gangues e outros grupos

armados retomarem às suas atividades, somados à corrupção e a violência

142 Relatório S/2007/503 parágrafo 22.143 Relatório S/2006/592 parágrafo 2.

60

Page 62: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

proporcionada pelo o tráfico de drogas, contribuem muito para uma situação de

instabilidade.144

3.3.1.2 Reestruturação da Polícia Nacional Haitiana - PNH

O Plano de Reforma da Polícia Nacional Haitiana - PRPNH

foi aprovado em meados de 2006, o qual apresenta estratégias que visam

desenvolvimento da PNH por meio de experiências nacionais e internacionais.145

Após a criação do citado Plano, houve uma melhora

significativa nos treinamentos e nos equipamentos utilizados pelos policiais, o que

por conseqüência gerou um avanço no âmbito da qualidade dos serviços da

instituição bem como um aumento na sua credibilidade.146 O número de policias, em

relação a 2004, triplicou, perfazendo o montante aproximado de 9.000 agentes.

Entretanto, o número ainda é insuficiente para a forte demanda de crimes que

apresenta o Haiti, cabendo mencionar que o Plano de reforma da PNH identificou

que serão necessários aproximadamente 14 mil novos policias para suprir as

necessidades básicas do policiamento. 147

Desta forma, observa-se que a Polícia Nacional Haitiana é

incapaz de lidar isoladamente, pelo menos por enquanto, com a questão da

segurança pública.

3.3.1.3 Desarmamento, Desmobilização e Reintegração

Um dos objetivos específicos expressos no mandato inicial da

MINUSTAH era o de ajudar o Governo Transitório e a PNH no desarmamento,

desmobilização e reintegração de todos os grupos armados do país. O referido

programa consiste, em suma, na reintegração de ex-combatentes à sociedade a fim

de transformá-los em participantes dos processos de paz.

144 Relatório S/2009/129 parágrafo 27 e Relatório S/2009/439 parágrafo 21 145 Resolução n. 1702 (2006) Disponível em <http://minustah.org/pdfs/res/res1702_en.pdf> Acesso em 29 de outubro de 2010.146 Relatório S/2008/202 parágrafo 26147 Relatório S/2009/439 parágrafo 22

61

Page 63: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Entretanto, o Conselho de Segurança, por meio da Resolução

1702 (2006) requisitou uma adaptação do DDR para o Programa de Redução de

Violência na Comunidade – RVC. Este, por sua vez, ao contrário do DDR, abrange a

redução de violência adaptada às condições de cada comunidade, incluindo

iniciativas para fortalecer a governança local e do Estado de Direito, além de

propiciar oportunidades de emprego para ex-membros de gangues, e jovens em

risco.148 Conforme relatório elaborado pelo International Crisis Group em setembro

de 2008, o referido programa tem se apresentado bem a essa demanda do país.149

3.3.1.4 O sistema judiciário e prisional

O sistema judiciário e prisional do Haiti passa por constantes

reformas. No que tange ao Poder Judiciário, a fim de promover o acesso dos pobres

à justiça, a MINUSTAH em conjunto com o Consórcio Internacional para a

Assistência Jurídica, Ministério da Justiça e Segurança Pública, criou 14 escritórios

de assistência jurídica no país. Ademais, a Missão vem atuando em parceria com

outros órgãos na seleção e formação de promotores e juízes.150

.Anteriormente ao fatídico terremoto ocorrido no início de 2010,

o sistema prisional haitiano vinha sendo implementado pelo Plano Estratégico de

Desenvolvimento 2007-2012151, elaborado pela Diretoria de Administração

Penitenciária. Após o terremoto, a segurança dos estabelecimentos penitenciários e

as condições de vida dos presos se tornaram prioridades para a MINUSTAH, haja

vista os graves danos sofridos nas instalações prisionais e na administração local.

Além disso, arquivos e registros desapareceram durante o terremoto, tornando a

administração complicada. As atividades desenvolvidas atualmente visam a

formação de 300 novos agentes para a administração carcerária, o aumento no

espaço das celas nos presídios, o melhoramento das condições de vida dos

prisioneiros, a redução da população prisional, dentre outras.152

148 Resolução 1702 de 2006 do CSNU. Disponível em <http://www.un.org/ en/peacekeeping/missions/minustah/mandate.shtml> Acesso em 03 de novembro de 2010. 149 INTERNATIONAL CRISIS GROUP. Reforming Haiti’s Security Sector. Latin America/Caribbean Report n. 28 – 18 de Setember 2008. Disponível em: <www.crisigroup.org/home/index.cfm?id=5681> Acesso em 20 de outubro de 2010. 150 Relatório S/2010/446 parágrafo 33.151 O plano objetiva a modernização de equipamentos, a compra de materiais necessários, o treinamento de agentes prisionais e melhorar o tratamento dos detentos.152 Relatório S/2010/446 parágrafo 34.

62

Page 64: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

3.3.2 Processo Político

No que diz respeito ao processo político, a Resolução 1542

(2004) dispôs especial atenção. Para tanto, os objetivos da Missão nesta área são:

apoiar o processo constitucional e político em curso no Haiti; auxiliar a realização de

um processo nacional de reconciliação e diálogo; ajudar na organização,

monitoramento e na realização de eleições livres e justas bem como fomentar o

desenvolvimento institucional estatal do país.

3.3.2.1 Processo Eleitoral

O evento mais significativo até o momento foi a realização das

eleições presidenciais e legislativas de forma livre e justa ocorridas em fevereiro de

2006. A legitimidade das eleições não foi contestada, concorrendo para a disputa 45

partidos políticos e 33 candidatos presidenciais. Tal fato levou à criação de um

Parlamento amplo e a formação de um Governo multipartidário. Apesar do pleito ter

ocorrido em um ambiente de segurança frágil, o comparecimento dos eleitores

rompeu a marca dos 60% dos inscritos, número este considerado relativamente

alto.153

O deslinde do processo eleitoral continua. Em abril de 2010

uma Missão de viabilidade eleitoral concluiu que as eleições presidenciais e

legislativas são tecnicamente possíveis. Assim, o Conselho Eleitoral Provisório

instituiu o dia 28 de novembro de 2010 como a data para as referidas eleições.

Segundo o atual Presidente René Préval, as eleições no âmbito municipal somente

não serão realizadas na mesma data pelo fato da complexidade técnica em

organizar, conjuntamente e em um curto espaço de tempo, essas três eleições.154

3.3.2.2 Reconciliação e diálogo político

No que concerne à reconciliação e ao diálogo político observa-

se que estes vêm passando por certas dificuldades. Uma votação no Senado em 12

de Abril de 2008 censurou o Governo do então Primeiro-ministro Jacques Edouard

Alexis. Foram necessários quatro meses de negociações para a aprovação de sua 153 Relatório S/2006/592 parágrafo 2.154 Relatório S/2010/446 parágrafo 2.

63

Page 65: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

sucessora, Michèle Duvivier Pierre-Louis, período este em que o Haiti permaneceu

sem um governo efetivo.155 Acerca da questão ora ventilada, Seitenfus sustenta:

O diálogo político encontra dois óbices importantes. O primeiro é conjuntural e decorre da surda luta pelo poder que precede e acompanha o período pré-eleitoral vigente. Como fazer com que seja possível um diálogo entre grupos, facções e partidos que travam, ao mesmo tempo, uma batalha eleitoral? Esta situação faz com que o diálogo seja forçosamente limitado, não atingindo o cerne das questões. O segundo problema provém da estrutura e das características da sociedade haitiana. Trata-se de um país com recortes que dividem e opõem vários grupos: negros e não negros; camponeses e citadinos; adeptos do vodu e os das demais religiões; Norte e Sul; montanha e planície (mornes). Além destas dicotomias, há fissuras importantes nas organizações transversais, caso da Igreja Católica no interior, à qual se opõe o alto clero próximo do Papado e a denominada pequena Igreja, vinculada à Teologia da Libertação.156

Desta forma, vê-se que tais fatores dificultam a manutenção de

um panorama de estabilidade política no país, seja pela luta pelo poder, seja pela

diversidade cultural do povo haitiano.

3.3.2.3 Desenvolvimento das instituições estatais haitianas

Quando da chegada da MINUSTAH, as instituições estatais

haitianas estavam muito frágeis, careciam de infra-estrutura, pessoal qualificado

dentre outros recursos. Tais fatos comprometiam a credibilidade da autoridade

Estatal em diversas regiões do país.157

Nesta área, a Missão das Nações Unidas vem contribuindo na

coordenação dos esforços de assistência internacional, além de fornecer assistência

técnica e consultoria especializada para o desenvolvimento das instituições-chave,

incluindo o Gabinete do Presidente, os principais ministérios, o parlamento e as

autoridades locais competentes.158

155 Relatório S/2008/586, parágrafo 2.156 SEITENFUS, Ricardo. Elementos para uma diplomacia solidária: a crise e os desafios da ordem internacional contemporânea. 2006. Disponível em: <www.seitenfus.com.br/arquivos/ elementos-diplomacia(1).pdf> Acesso 10 de outubro de 2010.157 UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations. Year in Review. 2005. Disponível em: <www.un.org/Depts/dpko/dpko/pub/year_review05> Acesso em 20 de outubro de 2010. 158 Relatório S/2007/503, parágrafo 12.

64

Page 66: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

3.3.3 Direitos Humanos

Neste campo, o mandato inicial da Missão consistia em apoiar

as autoridades e instituições haitianas na proteção dos direitos humanos,

principalmente de mulheres e crianças a fim de garantir a responsabilização e

reparação dos seus danos.

As violações dos direitos humanos no Haiti derivam da

instabilidade política e institucional, da precária situação socioeconômica, da

ineficiência da segurança pública, pelo tráfico de pessoas, pelos abusos sexuais

contra mulheres, dentre outros atos de violência.159

Após cinco anos da chegada da MINUSTAH ao Haiti, apesar

dos últimos relatórios do Secretário-Geral enfatizarem uma melhora na área dos

direitos humanos não se vislumbram alterações profundas. Os maiores problemas

continuam sendo a falta de progressos na área socioeconômica. Aproximadamente

78% da população vive com menos de dois dólares por dia.160 O grande número de

pobres e desempregados, associado à falta de acesso à alimentação adequada,

moradia, educação e saúde contribuem cada vez mias para a violação dos direitos

inerentes ao homem.161

Outros fatos preocupantes dizem respeito à superlotação, às

condições desumanas nas quais vivem os presidiários e às prisões efetuadas pela

polícia. Em que pese as melhorias na conduta da PNH, há ainda relatos do uso

excessivo da força, de detenções ilegais, bem como da má qualidade das

investigações judiciais.162

3.3.4 Os maiores desafios

Além das dificuldades já mencionadas pelas quais a

MINUSTAH se deparou no seu mandato inicial, outros empecilhos de ordem natural

vieram a prejudicar o Haiti. Assim, necessário se faz discorrer sobre esses entraves.

159 Relatório S/2004/300 parágrafo 41. 160 Relatório S/2009/129 parágrafo 46161 Relatório S/2009/439 parágrafo 49.162 Relatório S/2009/129 parágrafo 49

65

Page 67: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

3.3.4.1 O devastador terremoto de 2010

O Haiti, em 12 de janeiro de 2010, se deparou com uma de

suas maiores tragédias: o devastador terremoto de 2010. Edmond Mulet,

Representante Especial do Secretário Geral no Haiti, nos ilustra este terrível

episódio:

Em 12 de Janeiro o Haiti era um país no caminho da estabilização. Décadas de violência davam lugar à calma. As eleições começavam a ser preparadas. A reforma da economia estava em andamento. Apesar da extremamente pobreza, [com 80 por cento da população vivendo na pobreza], o Haiti foi se tornando um país com esperança. Naquela noite, em menos de 60 segundos, a esperança levou um golpe devastador. Palavras não podem descrever o sofrimento causado pelo terremoto. Os números perdem seu significado conforme se atualizam os dados - mais de 112,250 perderam suas vidas, 194,000 feridos e dos 500.000 necessitados apenas 235,000 possuíam acesso a água. Alguns de vocês viram essa destruição de primeira-mão. Alguns de nós temos experimentado isso pessoalmente. Ninguém permanece intocado. Nós, as Nações Unidas, estamos em luto pelo povo do Haiti. Nós lamentamos muito a perda grande.163

O desastre natural causou inúmeros estragos pelo país,

principalmente na cidade de Porto Príncipe. O Palácio Nacional, a Catedral, o

Ministério da Justiça e outros escritórios governamentais importantes foram

destruídos. Hotéis, hospitais, escolas, presídios e escritórios das Nações Unidas

foram seriamente danificados. Inúmeras pessoas perderam suas casas, ficando

totalmente desabrigadas. Muitas rotas de transporte foram afetadas, seja pela

abertura de fissuras, seja pelo bloqueio de pedras e árvores, além da escassez de

água e da interrupção da energia elétrica que assolou a população.164

163 UNITED NATIONS. Haiti Earthquake. UN assessment Special Representative of the Secretary-General Edmond Mulet Disponível em <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/minustah/ documents/ srsg_mulet_remarks_montreal_25012010.pdf> Acesso em 07 de novembro de 2010. No original: On 12 January Haiti was a country on the path to stabilization. Decades of violence were giving way to calm. Elections were being prepared. Economic reforms were underway. Although desperately poor, [with 80 percent of the population living in poverty], Haiti was becoming a country with hope. That evening, in less than 60 seconds, hope was dealt a devastating blow. Words can not describe the suffering inflicted by the earthquake. Numbers lose their meaning as daily figures rise – more than 112,250 lives lost, 194,000 injured and 235,000 receiving water out of an estimated 500,000 in need. Some of you have seen this destruction first hand. Some of us have experienced it personally. No one remains untouched. We, the UNITED NATIONS, are one in grief with the people of Haiti. We too mourn great loss.164 UNITED NATIONS Note to Correspondents on the Situation on Haiti from Vicenzo Pugliese, Spokesperson and Chief of Media Relations. Disponível em <http://www.un.org/en/peacekeeping/ missions /minustah/documents/minustah_note_13012010.pdf> Acesso em 03 de novembro de 2010.

66

Page 68: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Ademais, foram constadas mais de 220 mil mortes, incluindo

96 soldados da ONU.165 Diante da situação que se instalara no Haiti, a CSNU

expediu duas resoluções, as quais serão analisadas no tópico a seguir.

3.3.4.2 A resposta das Nações Unidas

Após o trágico terremoto, o Conselho de Segurança das

Nações Unidas aceitou as recomendações do Secretário-Geral e, por meio das

resoluções 1908 (2010) e 1927 (2010), incumbiu à MINUSTAH, em suma, dos

seguintes objetivos166:

a) Apoiar, em caráter imediato, a recuperação, a reconstrução

e a estabilização do país;

b) Ajudar o Governo haitiano a garantir a proteção adequada

da população;

c) Colaborar com o Escritório das Nações Unidas para a

Coordenação de Assuntos Humanitários – OCHA e com a Equipe das Nações

Unidas no País no apoio aos esforços humanitários e de recuperação;

d) Continuar apoiando o Governo haitiano e o Conselho

Eleitoral Provisório na preparação e realização das eleições no Haiti, e coordenar a

assistência eleitoral internacional em colaboração com outros parceiros

internacionais inclusive com a Organização dos Estados Americanos;

e) Fornecer ajuda ao Governo do Haiti a fim de acelerar a

implementação de sua estratégia no reassentamento das pessoas desabrigadas.

Desta forma, vê-se que o Conselho de Segurança das Nações

Unidas incluiu, ainda que temporário, um novo pilar para a Missão, relacionado à

ajuda humanitária e a reconstrução física do país.

165 UNITED NATIONS. Department of Peacekeeping Operations UNITED NATIONS Peacekeeping. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/minustah/index.shtml >. Acesso em: 16 de outubro de 2010.166 As resoluções estão disponíveis em <http://www.un.org/ en/peacekeeping/missions/minustah/ mandate.shtml> Acesso em 29 de outubro de 2010.

67

Page 69: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

3.3.5 O Haiti hoje

Passados aproximadamente 10 meses da maior catástrofe

natural já ocorrida no Haiti que resultou na morte de mais de 222.500 pessoas,

deixou cerca de 300.000 feridos e aproximadamente um quarto da população

desabrigada, o que se viu nos meses seguintes foi uma das maiores respostas

humanitárias por parte da comunidade internacional.167

O governo haitiano, as Nações Unidas e seus parceiros, nos

primeiros seis meses logo após o fatídico terremoto, distribuíram abrigos de

emergência para mais de 1,5 milhões de pessoas. Forneceram também alimentos

para 4,3 milhões de haitianos além de vacinarem mais de 900.000 pessoas.168

Porém, inúmeras questões ainda assolam o país, podendo-se encará-las como

desafios tanto para a MINUSTAH quanto para a comunidade internacional.

3.3.5.1 Saúde pública

Em que pese o forte apoio por parte de diversos países e de

Organizações Não-Governamentais de todo o mundo, grande parte das mazelas

que ainda afloram no Haiti dizem respeito a questões de saúde pública.

Após o terremoto, grupos estratégicos conhecidos pela

denominação inglesa cluster foram criados pelo Projeto The Haiti One Response do

Escritório das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários –

OCHA.

Um desses grupos – The Hatian Health Cluster - dedicou-se

exclusivamente à saúde, congregando diversas organizações internacionais e não-

governamentais no intuito de mitigar, em caráter emergencial, os danos causados à

população haitiana. Este grupo foi dirigido pela Organização Panamericana de

Saúde – PAHO em conjunto com a Organização Mundial da Saúde - OMS.

167 UNITED NATIONS. Haiti: Six months after... Disponível em <http://www.un.org/en/ peacekeeping /missions/minustah/documents/6_months_after_commemoration.pdf> Acesso em 06 de novembro de 2010. 168 Idem

68

Page 70: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

A MINUSTAH, por meio de relatório expedido seis meses após

o devastador desastre natural, realizou um balanço do trabalho desenvolvido pelo

referido grupo estratégico no sentido de avaliar a situação da saúde pública no país.

Desta forma, apontaram-se os seguintes dados: 916 mil vacinas foram

administradas; 345 mil caixas de medicamentos essenciais e suprimentos foram

distribuídos nos primeiros 45 dias; mais de 4.000 amputações foram realizadas;169

Entretanto, ocorre que o próprio relatório já sinalizava os

perigos trazidos pela temporada de furacões e do considerável aumento do número

das chuvas naquela região caribenha. A alta umidade, aliada às condições

subumanas dos campos de desabrigados criaram o ambiente propício para o

surgimento de agentes patológicos à saúde humana, especialmente aqueles

transmitidos pela água.

Ressurge assim um velho inimigo dos países tropicais,

trazendo um imenso desafio para a MINUSTAH e para o The Haitian Health Cluster:

a cólera. Segundo relatório divulgado no dia 31 de outubro de 2010 pela MINUSTAH

em parceria com a OCHA, três foram as principais regiões afetadas pela epidemia:

Artibonite, Centre e Nord Ouest, totalizando até então 4612 casos registrados e 331

mortes.170

Nesse contexto, vale analisar outro desastre natural que

contribui para o alastramento das doenças transmitidas pela água, ameaçando, por

conseqüência, os avanços auferidos pela Missão das Nações Unidas para a

Estabilização do Haiti. Isso porque, problemas desta natureza poderiam inclusive

comprometer as eleições marcadas para o final de novembro de 2010.

3.3.5.2 Furacão Tomas

Se não bastassem todos os problemas já enfrentados pelo

povo haitiano, no início de novembro de 2010, a ameaça latente de furacão colocou

em prova a capacidade de organização da MINUSTAH. Conforme se depreende do 169 Idem.170 UNITED NATIONS. United Nations Office for the coordination of Humanitarian Affairs. Haiti - Hurricane Tomas Preparations - Cholera Situation Report #10 Disponível em <http://reliefweb.int/rw/RWFiles2010.nsf/FilesByRWDocUnidFilename/MUMA-8AS9T7-full_ report.pdf/$File /full_report.pdf> Acesso em 06 de novembro de 2010.

69

Page 71: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

relatório publicado pela Missão em parceria com o OCHA sobre os preparativos para

a chegada do Furacão Tomas171, verifica-se que uma abordagem em rede foi

utilizada para combater o problema.

O furação previsto para chegar à costa sudoeste haitiana no

dia 05 de novembro contou prontamente com uma mobilização operacional do

Departamento de Proteção Civil do Haiti – DPC e do Escritório das Nações Unidas

para a Coordenação dos Assuntos Humanitários – OCHA. Assim, foram ativadas as

agências da ONU que estavam trabalhando em campo, especialmente a UNICEF

em conjunto com diversas organizações não governamentais internacionais,

especificamente PLAN International, OXFAM – GB, OXFAM – Quebec, Terre Des

Hommes e Caritas.172

O objetivo foi o de mapear a área de atuação destas

organizações, além de alertar, da forma mais rápida possível, a população sobre os

prejuízos que seriam ocasionados nas áreas de saúde, água, logística e

alimentação. Concedeu-se ainda atenção prioritária em políticas para evitar o

alastramento da cólera, tendo vista a vulnerabilidade trazida pelo furação Tomas.173

Sobreleva-se que um dos avanços da MINUSTAH foi colaborar

com o povo haitiano no sentido de diminuir sua vulnerabilidade frente a desafios

climáticos como o furação Tomas, operacionalizando uma rede de ajuda

humanitária, da qual fazem parte não só agências internacionais, mas também

atores não governamentais.

171 Idem.172 Idem.173 Idem.

70

Page 72: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É intrigante o fato de um país que era considerado a pérola das

Antilhas ter adentrado em uma situação de completa desordem econômica, política

e social. A história haitiana foi marcada, desde o seu descobrimento, por golpes e

contragolpes. Seus governantes dificilmente pensavam no bem estar social da

população, mas tão somente em permanecer com o poder em suas mãos. Tal fato

fez com que a primeira república negra a tornar-se independente e ainda livre da

71

Page 73: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

escravatura, viesse a solicitar, após 200 anos de tais glórias, a ajuda da comunidade

internacional, por encontrar-se, em todos os aspectos, desmantelada.

Nesse contexto, a democracia foi, por diversas vezes,

infringida, seja pela imposição dos militares, seja pela manipulação das eleições

“democráticas”. Os direitos humanos foram constantemente violados. O terror era

espalhado entre a população haitiana, através dos atos de violência por parte dos

grupos armados opositores ao governo, e em muitas vezes pelo próprio governo. A

beira de um iminente banho de sangue, o presidente do país não viu outra escolha

senão renunciar.

Desta forma, uma operação de paz das Nações Unidas era

imprescindível para o restabelecimento da ordem no Haiti. E assim se fez. O

Conselho de Segurança da referida Organização expediu a resolução 1542 (2004), a

qual instituiu a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti –

MINUSTAH, visando restaurar a paz, garantir o processo político bem como fazer

valer os direitos inerentes ao homem no país.

Assim, a presente pesquisa se ateve em analisar quais foram

os avanços e os desafios da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do

Haiti – MINUSTAH, considerando ainda as mazelas trazidas pelos desastres

naturais que arrasaram o país.

Diante das informações colhidas, conclui-se que a apesar dos

empecilhos evidenciados em função dos problemas internos e externos, é possível

afirmar que a implantação da MINUSTAH trouxe avanços para o Haiti, restando,

portanto, a primeira hipótese devidamente confirmada.

No que diz respeito à segunda hipótese, os avanços da

MINUSTAH vão além das áreas de segurança e processo político. A missão

mostrou-se preparada para um novo desastre natural, tendo em vista os trabalhos

desenvolvidos no sentido de diminuir as vulnerabilidades trazidas pelas

tempestades tropicais. Prova disso, foram as ações empreendidas visando a

chegada do Furacão Tomas.

72

Page 74: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

Denota-se que a segurança pública no Haiti vem melhorando a

cada dia, tendo em vista o gradativo aumento do número de agentes somados ao

aperfeiçoamento de suas condutas. Constata-se, ainda, que as medidas tomadas

pela MINUSTAH em conjunto com a Polícia Nacional Haitiana vem diminuindo os

índices de violência em grande parte do país, principalmente em Cité Soleil e

Martissant, duas das maiores favelas haitianas.

No que tange ao processo político, em que pese o diálogo e a

reconciliação não terem, de certa forma, evoluído, é inquestionável o formidável

trabalho que a MINUSTAH vem desenvolvendo no campo do fortalecimento das

instituições estais do país. Ademais, vê-se como avanço mais significativo nesta

área de atuação da missão o processo eleitoral. O povo haitiano pode votar de

forma livre e justa nas eleições ocorridas em 2006, bem como poderá, da mesma

forma, escolher seus representantes no final de novembro de 2010. Assim, não

restam dúvidas do sucesso que foi a atuação da missão neste norte.

Por fim, os desafios da MINUSTAH concentram-se na área dos

direitos humanos. A situação dos presídios, a questão da saúde pública, o elevado

número de pessoas que ainda não possui acesso adequado à alimentação, moradia

e educação são fatores que nos levam a inferir que a Missão não conseguiu trazer

mudanças profundas quanto à guarda dos direitos inerentes ao homem.

73

Page 75: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio de Janeiro: Forense. 2002.

ÁVILA, Rafael. RANGEL, Leandro de Alencar. A guerra e o direito Internacional. Belo Horizonte: Del Rey. 2009.

CÂMARA, Irene P. de Lima. Em nome da democracia: A OEA e a crise haitiana – 1991 – 1994. Brasília: Instituto Rio Branco; Fundação Alexandra Gusmão; Centro de Estudos Estratégicos, 1998.

CARDOSO, Afonso José S. C. O Brasil nas operações de paz das Nações Unidas. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1998.

(CIA) CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook 2010. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/ha.html> Acesso em 08 outubro 2010.

COLOMBO, Cristóvão. Diários da descoberta da América – as quatro viagens e o testamento. Porto Alegre: L&P editores, 2005.

CORBELLINI, Mariana Dalalana. Haiti: da crise à MINUSTAH. Porto Alegre, 2009. 155f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

FONTOURA, Paulo Roberto C. T. da. O Brasil e as operações de manutenção de paz das Nações Unidas. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão. 1999.

GRONDIN, Marcelo. Haiti: cultura, poder e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.

HERZ, Mônica. HOFFMANN, Andrea R. Organizações Internacionais: Historia e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier. 2004.

INTERNATIONAL CRISIS GROUP. Reforming Haiti’s Security Sector. Latin America/Caribbean Report n. 28 – 18 de Setember 2008. Disponível em: <www.crisigroup.org/home/index.cfm?id=5681> Acesso em 20 de outubro de 2010.

JAMES, C. L. R.. Os jacobinos negros - Toussant l´Ouverture e a Revolução de São Domingos. Tradução: Afonso Teixeira Filho. São Paulo: Boitempo, 2002.

Page 76: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta da Organização das Nações Unidas. São Francisco, 26 de junho de 1945. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php> Acesso em 18 de outubro de 2010.

PERRY CASTAÑEDA LIBRARY. Map Collection. Disponível em <http://www.lib.utexas.edu/maps/haiti.html> Acesso em 15/08/2010.

RODRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos: A Prática da Intervenção Humanitária no Pós-Guerra Fria. Rio de Janeiro: Renovar. 2000.

SALIBA, Aziz Tuffi Saliba. Conselho de Segurança da ONU. Sanções e Limites Jurídicos. Cutitiba: Juruá. 2009.

SEITENFUS, Ricardo. Elementos para uma diplomacia solidária: a crise e os desafios da ordem internacional contemporânea. 2006. Disponível em: <www.seitenfus.com.br/arquivos/elementos-diplomacia(1).pdf> Acesso em 10 de outubro de 2010.

SEITENFUS, Ricardo. Haiti: A soberania dos ditadores. Porto Alegre: SóLivos, 1994.

SILVA, Roberto Luiz Direito Internacional Público. 2.ed. Belo Horizonte: Delrey, 2002.

TSCHUMI, André Vinícius. Princípio da segurança coletiva e a manutenção da paz internacional. Curitiba: Juruá. 2007.

UNITED NATIONS Department of Peacekeeping Operations (DPKO) Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/unmihmandate.html> Acesso em 20/08/2010.

__________. Department of Peacekeeping Operations United Nations Peacekeeping. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping /info/mission>. Acesso em: 16 de outubro de 2010.

__________. Department of Peacekeeping Operations. United Nations Peacekeeping: Meeting New Challenges. 2006. Disponível em: <www.un.org/Depts/dpko/dpko/faq/q&a.pdf> Acesso em 16 de outubro de 2010.

__________. Department of Peacekeeping Operations. General Guidelines for Peacekeeping Operations. 2008. Disponível em: <www.peacekeeping bestpractices.unlb.org/.../Capstone_Doctrine _ENG.pdf > Acesso em 16 de outubro de 2010.

75

Page 77: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

__________. Department of Peacekeeping Operations (DPKO) Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/unsmih.htm> Acesso em 20/08/2010.

__________. Department of Peacekeeping Operations (DPKO) Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/untmih.htm> Acesso em 20/08/2010.

__________. Department of Peacekeeping Operations (DPKO) Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/miponuh.htm> Acesso em 20/08/2010.

__________. Department of Peacekeeping Operations. Year in Review. 2005. Disponível em: <www.un.org/Depts/dpko/dpko/pub/year_review05> Acesso em 20 de outubro de 2010.

__________. Department of Peacekeeping Operations United Nations Peacekeeping. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/ missions/minustah/facts.shtml>. Acesso em: 16 de outubro de 2010.

__________. Department of Peacekeeping Operations United Nations Peacekeeping. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/ minustah/background.shtml>. Acesso em: 16 de outubro de 2010.

__________. Department of Peacekeeping Operations United Nations Peacekeeping. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions /minustah/mandate.shtml>. Acesso em: 16 de outubro de 2010.

__________. Department of Peacekeeping Operations United Nations Peacekeeping. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping /missions/minustah/index.shtml >. Acesso em: 16 de outubro de 2010.

__________. United Nations Security Council. Report of the Secretary General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti (Relatório S/2004/300). Disponível em <http://minustah.org/pdfs/rapportsSG/RSGApril04.pdf> Acesso em 30 de outubro de 2010.

__________. United Nations Security Council. Report of the Secretary General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti (Relatório S/2007/503). Disponível em <http://minustah.org/pdfs/rapportsSG/RSGAug07.pdf> Acesso em 30 de outubro de 2010.

__________. United Nations Security Council. Report of the Secretary General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti (Relatório S/2008/202). Disponível em < http://minustah.org/pdfs/rapportsSG/RSGMarch08.pdf> Acesso em 30 de outubro de 2010.

76

Page 78: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

__________. United Nations Security Council. Report of the Secretary General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti (Relatório S/2008/586). Disponível em < http://minustah.org/pdfs/rapportsSG/RSGAug08.pdf> Acesso em 30 de outubro de 2010.

__________. United Nations Security Council. Report of the Secretary General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti (Relatório S/2009/129). Disponível em < http://minustah.org/pdfs/rapportsSG/RSGMarch09.pdf> Acesso em 30 de outubro de 2010

__________. United Nations Security Council. Report of the Secretary General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti (Relatório S/2009/439). Disponível em < http://minustah.org/pdfs/rapportsSG/RSGSept09.pdf> Acesso em 30 de outubro de 2010

__________. United Nations Security Council. Report of the Secretary General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti (Relatório S/2010/446). Disponível em < http://minustah.org/pdfs/rapportsSG/RSG2010446.pdf> Acesso em 30 de outubro de 2010.

__________. United Nations Security Council. Resolution n. 1702 (2006). Disponível em < http://minustah.org/pdfs/res/res1702_en.pdf> Acesso em 29 de outubro de 2010.

__________. United Nations Security Council. Resolution n. 1542 (2006). Disponível em < http://minustah.org/pdfs/res/1542_en.pdf> Acesso em 28 de agosto de 2010.

__________. United Nations Security Council. Resolution n. 1529 (2006). Disponível em < http://minustah.org/pdfs/res/1529_en.pdf> Acesso em 26 de agosto de 2010.

__________. Haiti: Six months after... Disponível em <http://www.un.org/en/ peacekeeping/missions/minustah/documents/6_months_after_commemoration.pdf> Acesso em 06 de novembro de 2010.

__________. Note to Correspondents on the Situation on Haiti from Vicenzo Pugliese, Spokesperson and Chief of Media Relations. Disponível em <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions /minustah/documents/minustah_note _13012010.pdf> Acesso em 03 de novembro de 2010.

__________. Haiti Earthquake. UN assessment - Special Representative of the Secretary-General Edmond Mulet Disponível em <http://www.un.org/ en/peacekeeping/missions/minustah/documents/srsg_mulet_remarks_montreal_25012010.pdf> Acesso em 07 de novembro de 2010.

77

Page 79: MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO DO …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Maestrelli.pdf · é República do Haiti, ou nos idiomas locais République d'Haïti e Repiblik

__________. United Nations Office for the coordination of Humanitarian Affairs. Haiti - Hurricane Tomas Preparations - Cholera Situation Report #10. Disponível em <http://reliefwebint/rw/RWFiles2010.nsf/FilesByRWDocUnidFile name/MUMA-8AS9T7-full_report.pdf/$File /full_report.pdf> Acesso em 06 de novembro de 2010.

VALLER FILHO, Wladimir. O Brasil e a crise haitiana – A cooperação técnica como instrumento de solidariedade e de ação diplomática. Brasília: FUNAG, 2007.

VERENHITACH, Gabriela Daou; DEITOS, Marc Antoni. Diáspora Haitiana: causas e conseqüências dos movimentos migratórios rumo aos Estados Unidos e à República Dominicana. In. LASA2009 Repensar as Desigualdades (XXVIII Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos). Disponível em: <www.lasa.international.pitt.edu/.../lasa2009/files/VerenhitachGabriela.pdf> Acesso 10 de outubro de 2010.

VERENHETACHI, Gabriela Daou. A Minustah e a política externa brasileira. Santa Maria, 2008. 123f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Centro de Ciências Sociais e Humanas Universidade Federal de Santa Maria.

VIOTTI, Aurélio Romanini de Abranches. Ações humanitárias pelo Conselho de Segurança: entre a Cruz Vermelha e Clausewitz. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão. 2005.

78