Mission Al

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JOÃO COSTA 1

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“Para os que buscam não somente um testemunho da afirmação dopoder do evangelho da cruz na cidade, mas também uma articula-ção bem elaborada de como fazê-lo, recomendo esse livro do pastorJoão Costa, que é uma exposição bíblica, teológica e contemporâneada tarefa missionária da igreja”.Franklin FerreiraDiretor e professor de Teologia Sistemática e História da Igrejado Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos-SP.

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    MISSIONALuma jornada da devoo missopor Joo Costa

    Publicado pela Interferncia Editora

    Primeira Edio: 2012

    Editores: Sandro Wagner e Mrcio de Souza

    Reviso: Mrcio de Souza

    Capa e Diagramao: Sandro Wagner

    ISBN: 978-85-65202-11-4

    permitida a reproduo de partes deste livro, desde que citada a fonte e com autorizao escrita dos editores.

    [email protected]

    twitter.com/EdInterferenciafacebook.com/editorainterferencia

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    Entramos no Reino mediante nossa entrega, humildade e confiana e disposio de comearmos a trabalhar nosso corao, a fim de nos tomarmos o tipo de pessoa que Deus deseja que sejamos - James Bryan Smith - Sempre vi no Joo essa sua entrega ao Senhor, seu ardor pela leitura e a disposio de servir, porm com corao simples que a marca daqueles que optaram em levantarem a bandeira do Reino. Esse livro um material que ajudar aqueles que trazem dentro de si a chama de plantar e viver igreja, principalmente no contexto urbano que o contexto vivenciado pelo autor na sua jornada como plantador de igreja. Um livro que aguara no leitor o desejo de buscar um caminho que o leve a fazer parte de uma comunidade de gente vidas por um corao e carter moldados pelo Jesus de Nazar.

    Luciano Manga Pastor da Igreja Vineyard Rio, lder de adorao e conferencista.

    Um imenso prazer recomendar a leitura do texto em questo. Isto porque, em meio a uma pulverizao do pensamento eclesial, torna--se mais do que necessrio a leitura deste texto, para aqueles que buscam compreender o devido papel da igreja na atualidade. Andr EstevesPsiclogo e mestrando em Cincias da Religio (Mackenzie/SP).

    com grande satisfao que recebo essa primeira obra produzida pelo Joo Costa. A temtica da natureza missionria da igreja sempre relevante e, no momento em que vivemos, extremamente importante. Olhar para a igreja compreendendo-a como o povo de Deus em misso no mundo manter a centralidade do Evangelho na vida e caminhada da Igreja. Joo no escreve a partir de conceitos meramente tericos, mas da sua vivncia e prtica como um verda-deiro pastor missional. Leia o livro, voc no vai se arrepender.Ricardo CostaPastor da Comunidade Presbiteriana Vinhedo, diretor de Treinamento da MPC do Brasil, mestre em Missiologia.

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    Joo Costa um homem de Deus, que ama seu Senhor e que vive para glorificar o nome daquele que o arregimentou. Recomendo o livro Missional, uma jornada da devoo a misso a todos aqueles que desejam viver e pregar o evangelho de forma contextual e mis-sional. Tenho certeza que atravs da leitura desse material voc ser ricamente abenoado, bem como desafiado a servir ao Senhor com seus dons, talentos e ministrio.

    Renato VargensConferencista, escritor, plantador de igrejas e pastor da Igreja Crist da Aliana.

    Foi uma grata surpresa conhecer o Joo Costa h cinco anos atrs. O mais surpreendente perceber o quanto ele est crescendo e am-pliando o seu mundo. A prova cabal de tal expresso o seu livro. De maneira gil e dinmica, Joo apresenta o cristianismo pra uma gerao miditica, pluralizada, lquida e secularizada. O seu texto um convite desafiador a todos aqueles que anseiam por uma teologia missional bblica e santa.

    Vladimir Oliveira SouzaPastor senior da PIB do Cosmorama, professor de Teologia Sistemtica e escritor.

    Para os que buscam no somente um testemunho da afirmao do poder do evangelho da cruz na cidade, mas tambm uma articula-o bem elaborada de como faz-lo, recomendo esse livro do pastor Joo Costa, que uma exposio bblica, teolgica e contempornea da tarefa missionria da igreja.Franklin FerreiraDiretor e professor de Teologia Sistemtica e Histria da Igreja do Seminrio Martin Bucer, em So Jos dos Campos-SP.

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    agradecimentos

    minha amada esposa Mariana, pelo amor, apoio e companhia na jornada.

    Aos meus pais Joo e Regina, e irm Neninha, por terem me cercado de livros desde pequeno.

    Aos pastores e missionrios que foram e ainda so mentores e amigos na minha jornada.

    Aos amigos e editores Mrcio e Sandro por acreditarem e apoiarem loucura da pregaao.

    igreja local onde sirvo junto com meus irmos, a Comunidade Vineyard, que tem aceitado o desafio de ser

    uma famlia de filhos semelhantes a Jesus.

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    sumrio

    prefcio . . . . . . . . . . . . 9

    apresentao . . . . . . . . . . . . 11

    introduo . . . . . . . . . . . . 13

    PRIMEIRA PARTEPor que Somos Missionrios? Porque Deus cheio de Glria.

    Captulo 1 - Glria e Graa . . . . . . . . . . . . 21Captulo 2 - O Missionrio Definitivo . . . . . . . . . . . . 31Captulo 3 - Esperana na Eternidade . . . . . . . . . . . . 41

    SEGUNDA PARTEPor que Somos Missionrios? Porque Somos a Comunidade de Discpulos

    Captulo 4 - Senso de Pertencimento . . . . . . . . . . . . 51Captulo 5 - Reconhecimento e Revelao . . . . . . . . . . . . 61Captulo 6 - Comunicao Expressa . . . . . . . . . . . . 71

    TERCEIRA PARTEPor que Somos Missionrios? Porque Somos a Cidade de Deus

    Captulo 7 - Proteo . . . . . . . . . . . . 81Captulo 8 - Santificados na Urbe . . . . . . . . . . . . 89Captulo 9 - Fronteiras da Contextualizao . . . . . . . . . . . . 99

    QUARTA PARTEPor que Somos Missionrios? Porque o Mundo Carece de Deus

    Captulo 10 - Expandindo a viso . . . . . . . . . . . . 111Captulo 11 - Perspectivas da Unidade . . . . . . . . . . . . 119Captulo 12 - gape . . . . . . . . . . . . 125

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    Nossa gerao precisa de missionrios urbanos comprometidos com a relevncia cultural. Porm, ser culturalmente relevante em detrimento do conhecimento do evangelho e da profundidade teolgica pura cosmtica religiosa ou, dependendo do caso, arreligiosa.

    Nossa gerao precisa, ento, de missionrios urbanos comprometidos com o conhecimento do evangelho e a profundidade teolgica. Porm, conhecer o evangelho e ter notrio saber teolgico em detrimento do conhecimento da realidade que nos cerca como esconder um farol debaixo da cama.

    Ou seja, no precisamos de missionrios ou-ou. Por exemplo, ou telogo ou evangelista; ou conservador ou relevante. Essa lgica cria uma falsa dicotomia. Precisamos de missionrios tanto-quanto. Essa era a lgica de Jesus. Ele era profundo do ponto de vista teolgico tanto quanto era atraente, relevante. As pessoas se aproximavam dele para ouvi-lo (Lc 15.1).

    prefcio

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    Esse o ponto de partida das reflexes de Joo Costa em

    Missional: uma jornada da devoo misso. Acredito que este livro ser uma ferramenta muito til para aqueles que acreditam que a ortodoxia crist no um empecilho para a relevncia do evangelho hoje. Pelo contrario, no retorno s nossas origens, encontramos um motor que nos empurra para frente, inclusive nos tornando, ao contrrio do que parece, pessoas a frente de nosso tempo. Parabns a Editora Interferncia por acreditar nesse livro que no bajula nossa cultura, mas recebe-a de forma mais verdadeira que a de um mero beijo no rosto.

    Jonas Madureiratelogo e doutorando em Filosofia

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    O Conceito de ser Missional no tem nada de novo. Missional nada mais do que um adjetivo para a palavra Misso. Ento qual o sentido deste livro?

    Aqueles que me conhecem sabem que eu espero ver igrejas mais centralizadas no Evangelho. Igrejas plantadas com o objetivo de exaltar a Jesus. Apesar dos vrios avivamentos ao longo dos ltimos trinta anos, o Brasil ainda no experimentou muitas de transformaes

    culturais e sociais como real resultado de milhares de novas igrejas e milhes de novos cristos. Temos ainda os mesmos problemas so-ciais e, em alguns casos, eles so ainda piores: a pobreza, corrupo e violncia ainda existem apesar de milhes de novos evanglicos.

    Isto nos faz pensar na seguinte questo...Algum poderia pensar que o Evangelho ao entrar na cultura re-

    sultaria na transformao da sociedade. Eu, certamente, creio que sim. Infelizmente, aqui no Brasil, precisamos perguntar sobre que tipo de

    apresentao

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    Evangelho est sendo pregado? Ele saudvel? Ele tem exaltado a Cristo? Este Evangelho tem sido fiel ao conceito de Misso? As igrejas que vem

    sendo plantadas neste pas tm pregado fielmente todo o Evangelho?

    Joo Costa nos coloca frente a frente a esta discusso extremamente importante. No simplesmente uma discusso sobre como devemos ir para a misso ou ao discipulado. uma discusso sobre como devemos ser fiis na contextualizao do Evangelho. E isto um convite para

    nos engajar em nossa misso de proclamar o Evangelho de Cristo da melhor forma possvel. Isso me faz lembrar o autor e missionrio Leslie Newbingen, que destaca a crise vivida nos dias de hoje na igreja europia: ele afirma que isto o resultado do abandono da misso do Evangelho.

    Depois de anos de estrada, em meio igreja brasileira, posso olhar novamente esta questo e refletir sobre como temos perdido uma

    gerao inteira de evanglicos cheios de potencial. E isto no porque haja falta de igrejas suficientes ou evangelismo. Isto tem acontecido

    porque o Evangelho pregado por muitas destas igrejas simplesmente no o Evangelho de Cristo. um evangelho desprovido de poder, porque se limita a buscar Deus simplesmente pelo que ele pode nos dar, em detrimento da busca pelo que Ele realmente .

    Eu gostaria de encoraj-lo a ler este livro de Joo Costa. Faa isso de mente aberta sobre como podemos nos envolver com a cultura sendo radicalmente firmado em Cristo. Joo tem sido um bom exemplo nisto em

    minha vida. O que ele relata neste livro fruto de sua experincia pessoal. Voc pode no concordar com todas reflexes e conceitos expostos,

    mas lhe asseguro que sempre tempo de reconsiderar nossa Misso luz da multifacetada beleza desta jia que ns chamamos de Evangelho.

    Jay BaumanRestore Brasil

    Atos 29 Brasil

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    Rio de Janeiro, final dos anos 90. Vivendo as pulsaes da transio

    de no apenas uma dcada, mas do consciente coletivo da virada de um novo milnio que se aproximava, eu era um jovem envolvido com todas as ebulies dessa poca cinzenta onde os sonhos de liberdade

    das dcadas passadas se diluram com as privatizaes das estatais.

    Era um tempo onde a ironia comeou a se tornar o grande escape de existncia como forma de se relacionar com o meio ambiente, com a poltica, com a economia e sobretudo com as pessoas.

    Como filho da classe operria, afro-descendente e morador da Bai-xada Fluminense, recebi todo pedigree necessrio para me tornar o arqutipo de dois estigmas da sociedade carioca das ltimas dcadas: o cara que s quer ser feliz embalado pelos bigbeats dos bailes funk, ou o rebelde com causa de inclinao poltica esquerdista. A segunda opo era o que eu buscava, pois eu era constantemente movido por ver uma transformao social acontecendo. Vim de

    introduo

    Eu fui missionrio de um mundo pago *

    *Referncia a msica Carta aos Missionrios, da banda Uns e Outros - single de sucesso nas rdios FM brasileiras nos anos 1980.

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    uma famlia tradicionalmente catlica, mas naquela altura, todos os sacramentos e tradies para mim j no tinham mais valor, e eu me

    identificava com uma postura agnstica, alimentada pelos discos de

    punk/hardcore, pelos fanzines e por obras de Eduardo Galeano, Karl Marx, Noam Chomsky, entre outros.

    Em meio a tudo isso, conheci um grupo de missionrios. Alguns se ocupavam exclusivamente daquela tarefa, trabalhando nas bases de JOCUM espalhadas pelas favelas Rio de Janeiro. Outros eram como eu, jovens empenhados em empregos para dar suporte ao sonho de concluir seus estudos. O que diferenciava estes jovens de mim, era a causa que os movia. Lembro-me de um que me falou que seu desejo de se tornar um profissional na rea de gesto de empresas era ser um missionrio, porque

    ele tinha entendido que a sua prpria vida e seus sonhos se construam sob um plano maior: o propsito eterno de Deus. Atravs do convvio com aquele grupo, reconheci que minha vida no era to minha assim (por mais que tivesse formado toda uma muralha de independncia tica, e a repulsa por quase todas as formas de governo vigentes) e que existia um propsito bem maior, inclusivo e genuinamente transformador.

    Em 30 de agosto de 1998, pela primeira vez em minha vida, fiz uma

    orao consciente, guiada e apaixonada por uma leitura do Evangelho de Joo, no Novo Testamento que ganhei de presente de um dos

    missionrios que conheci no Complexo da Mar, no Rio de Janeiro. Naquela noite, me arrependi dos meus pecados e nasci de novo.

    Por que somos missionrios?

    O objetivo deste livro no contar minha histria, at mesmo porque ela ainda esta sendo construda, mas essa nota biogrfica re-monta ao incio da minha caminhada com o Senhor e de como o veio missionrio sempre esteve presente na expresso coletiva da minha f. Durante nove meses, aquela base foi a minha congregao local e todo

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    o dialeto missional tomou conta da minha vida. Uma coisa que aprendi desde aqueles primeiros dias na jornada crist, e hoje reverbera na vida da comunidade de f onde sirvo, que todos somos missionrios! Se apropriando da declarao creditada ao clebre pregador CH Spurgeon, todo cristo um missionrio ou um impostor, vamos nesta introduo observar alguns aspectos que do muito sentido a tal frase.

    O grande sculo das misses, o sculo XlX, deixou marcas que

    definitivamente transformaram o mundo, a ponto de hoje termos um

    segmento cultural onde este livro ser lido, apenas para citar um exem-plo. Podemos dizer que no Brasil, os que receberam a mensagem do Evangelho propagada sculos atrs foram ao longo dos anos criando seu gueto, e esse gueto foi se particionando em tribos, medida que as denominaes foram surgindo no fluxo de divergncias histricas,

    doutrinrias e at mesmo culturais. A realidade contempornea nos mostra o crescimento vertiginoso de estatsticas que apontam pra popularidade do cristianismo evanglico.

    No temos muito o que comemorar com isso se pesarmos na balana o fato de que muitas pessoas so na verdade apenas dados do IBGE, do que de fato discpulos de Jesus. O cenrio fica mais

    dramtico ao vermos o fenmeno de constante evaso de pessoas da f, ou na verdade, a constatao de que a converso que tiveram foi apenas denominao da qual fazia parte, ou a figura de um lder

    carismtico. Com isso, comunidades de f que no se entregam ao populismo da teologia da prosperidade ou a rigidez asctica de algu-mas igrejas histricas, buscam em novas configuraes a relevncia

    dos homens que tem causado alvoroo no mundo.

    A propsito, em nome desta relevncia muito se tem feito, fala-do, escrito e cantado. E neste ciclo de ativismo frequente e desejoso de cumprir a grande comisso, temos transformado sermes em

    palestras, colocado em primeiro lugar as aes sociais como salvo--conduto da nossa conscincia e orgulho manchado pelos abusos e

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    escndalos, quase que predominantes no circuito neopentecostal. Temos vergonha de cantar at mesmo versos da Bblia ou simples

    canes de louvor e adorao para o Senhor (que no apenas falam

    sobre Ele, mas para Ele), por querer mostrar o quo antenados com a cultura estamos e o quanto nossa poesia, que fala muitas vezes de um Deus que no conhecemos de fato, est afiada.

    Talvez voc encontre essas caractersticas em grupos que se iden-tificam como missionais. Para coroar esta condio, o que talvez hoje

    se entenda como missional celebra por vezes a cultura em detrimento s doutrina, inerncia bblica e em ltima e mais grave instncia, soberania divina. No af de no querer soar religioso, os cristos deste tempo por vezes acreditam que para ser missionrios eles no devem ser fundamentalistas (ser que a bblia divinamente revelada?) como os cristos histricos e nem aliengenas culturais (precisamos orar tanto? o Esprito Santo me torna algum estranho?) como pentecostais. Este relativismo enclausura esta gerao no estilo de vida morno de Laodicia.

    O cinismo a nova indulgncia paga para consequentemente se viver uma religio incrdula, por mais incompatvel que isso venha pa-recer. O missilogo anglicano Leslie Newbigin, falava do movimento triangular do Evangelho onde o dilogo entre Igreja + Evangelho + Cultura era a forma mais simples de traduzirmos a prtica para a vida dos discpulos/missionrios, a missio dei, a misso de Deus. Nessa equao, nenhum elemento pode ficar de fora. Se olharmos para a

    primeira metade do sculo passado, quase de forma predominante, a Igreja e o Evangelho tinham um dilogo to forte que a cultura ficava de fora: Igreja + Evangelho - Cultura = Fundamentalismo. Da

    dcada de 60 at o limiar do sculo passado, a busca pelas verdades

    das Escrituras e a conversao com a arte, a poltica, e a sociedade em geral minimizaram a fora da Igreja por estar to empedernida em seus aspectos histrico/institucionais, o que foi o nascedouro

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    para novas configuraes que formavam comunidades de f, mas no

    necessariamente grupos que se identificavam como Igreja: Evangelho

    + Cultura - Igreja = Para-eclesisticos. Por ltimo, este tem sido o

    tempo da busca desenfreada pela relevncia, onde muitos cristos apontam Bono Vox como o maior pregador do Evangelho da grande aldeia global que necessita de co-existncia, e onde os absolutos radi-cais de um livro judaico-cristo, precisam ceder para outras verdades no-absolutas: Cultura + Igreja - Evangelho = Liberalismo.1

    neste cenrio que precisamos discernir e perceber onde nasce o nosso chamado, para que o nosso envio como missionrios no seja uma declarao baseada na nossa imunda justia prpria. Quando nos voltamos para a histria da Igreja e vemos os movimentos mis-sionrios, no por acaso todos eles so marcados de uma gnese na devoo, na busca pelo Senhor. Ao observar o primeiro captulo de Atos, vemos que a expanso territorial (Jerusalm - Judia/Samaria - confins da terra) teve como nascedouro um ambiente de espera

    e busca orientado por Jesus. Na primeira parte, a glria de Deus exposta como a razo primordial e matricial de sermos missionrios. Na segunda parte, observaremos as nuances da vida comunitria. Na terceira parte, nosso posicionamento como a cidade de Deus. E na quarta parte, nosso envio a um mundo que carece de amor, pois carece de Deus. Teremos como fio condutor desta perspectiva MISSIONAL o texto de Joo 17, a orao sacerdotal, onde temos Jesus como prota-gonista da narrativa, sendo umas das mais expressivas demonstraes

    do que ser caminho, verdade e vida. Que possamos ser chamados ao Sacerdcio de Todos os Santos, ao percorrer essa jornada devocional/

    missional proposta pelo Sumo Sacerdote, Jesus Cristo.

    1 Conceito adaptado por: Mark Driscoll - Reformisso: como levar a mensagem sem compro-meter o contedo - pg 20-22 - 2009 - Editora Tempo de Colheita

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    PRIMEIRA PARTE

    POR QUE SOMOS MISSIONRIOS?

    Porque Deus cheio de Glria.

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    O texto tradicionalmente conhecido como a orao sacerdotal encontrado no captulo 17 do Evangelho segundo Joo, uma das passagens onde mais percebemos a supremacia de Deus atravs da trindade. Ao longo dos evangelhos sabemos que Jesus por vezes se dirige em orao ao Deus Pai, mas em nenhuma outra parte, as pessoas de Filho e Pai se tornam to evidentes como nesta. O texto no est isolado, pois inicia fazendo uma conexo com o contundente ensino que Jesus discorre entre os captulos 14 e 16, s que o nvel de intimidade que se estabelece agora restringe os personagens e nos mostra o tom de despedida que uma orao como essa nos traz. D.A. Carson ressalta:

    O que singular nesta orao no depende nem de sua forma nem de suas associaes literrias, e sim daquele que a faz e do momento em que realizada. Ele o Filho de Deus encarnado, e ele est voltando para o seu Pai pelo caminho de uma morte excessivamente vergonhosa e dolorosa. Ele ora para que o curso no

    captulo 1

    Glria e Graa

    Quando colocarmos as nossas mos no arado, sem olhar para trs, nos lembraremos: existimos para a glria de Deus, pois Deus maior do que ns.

    Ronaldo Lidrio

    Depois de falar essas coisas, Jesus levantou os olhos ao cu e disse: Pai, chegou a hora. Glorifica teu Filho, para que tambm o Filho te glorifique, assim como lhe deste autori-dade sobre toda a humanidade, para que conceda a vida eterna a todos os que lhe deste.

    Joo 17.1-2

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    qual entrou traga glria para o seu Pai, e que seus seguidores, em consequncia de sua morte e exaltao, sejam preservados do mal pelo privilgio sem preo de ver a glria de Jesus, que imita completamente, em seu prprio relacionamento, a reciprocidade de amor manifestada pelo Pai e pelo Filho. 2

    A base da orao de Jesus a Glria de Deus, e nunca demais lembrar da primeira declarao da Confisso de Westminster: O fim

    principal do homem glorificar a Deus e desfrut-lo para sempre. O propsito de Deus gira em torno de sua prpria glria e uma vez que somos alcanados por este propsito, nossa vida ganha um sentido mais amplo e bem maior do que as limitadas raias dos nossos anseios. fato que a cristandade tem sua misso comprometida a medida que sucumbe numa espiritualidade frvola, que no consegue contem-plar o Sagrado e consequentemente responder em amor a esse fim principal ao qual somos destinados. Uma das maiores ciladas em que camos, o fato de nos apegarmos ao padro de alta performance, do muito fazer com excelncia, como selo de aprovao divina dos nossos atos. Precisamos nos despertar como igreja para a seguinte realidade: a obra missionria no a prioridade da igreja, pois o que prioridade para Deus a sua glria.

    Por vezes nossas campanhas missionrias transculturais so mais uma forma de pedirmos desculpas pelas atrocidades cometidas pelos nossos antepassados a povos desfavorecidos economicamente, violen-tados em todos os sentidos. Quando falarmos em termos urbanos, o quadro pode se tornar mais pattico, porque comunidades de f tm iniciativas de assistncia social ou at mesmo instituem ONGs com o pressuposto missional, mais para garantir uma imagem polida diante da opinio pblica do que para de fato levar o Evangelho todo para o homem todo, conforme aprendemos com os irmos no Pacto de Lau-

    2 D. A. Carson - O Comentrio de Joo - pg 551,552 - 2007 - Shedd Publicaes

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    sanne. A glria de Deus, que satisfaz o Filho, deve, consequentemente nos satisfazer tambm.

    A condio de constante insatisfao que o ser humano tem, ganha contornos mais extremos e impactantes num tempo onde somos cercados de coisas e penduricalhos que, aparentemente, suprem as necessidades que temos, e at as que no temos. Como diz o perso-nagem Tyler Durden, um smbolo da conturbada dcada de 1990, no

    livro que virou filme, Fight Club: trabalhamos em empregos que odiamos para comprar porcarias que no precisamos.

    O status quo apenas um nome sofisticado que damos para a nossa prpria glria, e precisamos de humildade para reconhecer que temos buscado constantemente esta glria, at mesmo na nossa misso. Os recursos e resultados, as mdias e ferramentas, o reconhecimento e as honrarias ainda falam muito alto quando pensamos num ministrio missional. Estes dolos tm impedido a ns, como aqueles que nasceram de novo, de contemplar e reconhecer a glria de Deus. Nossa linguagem missional contempornea tem encontrado influencia em Nimrod e sua

    uniforme linguagem de Babel, que ergue uma torre auto-afirmativa.

    A medida que os dolos so derrubados, a nossa linguagem missional incorpora a linguagem de Pentecostes, que nos coloca no nosso lugar, onde somos revestidos do Esprito Santo, e colocados debaixo do infi-nito teto da soberania divina.A linguagem missional, identificada com

    a linguagem de Pentecostes, o canal de comunho que encontramos, primordialmente, na relao pr-existente na Trindade. No h diviso,

    rudos e confuso, pois a comunicao unssona nessa relao a glria de Deus. Graciosamente somos chamados a falar e literalmente encarnar esta linguagem, como ensina John Owen:

    Ela se refere graa. Em todo lugar, isso atribudo a ele por meio da eminncia. O verbo se fez carne e habitou entre ns, cheio de graa e verda-de (Joo 1.14): graa na verdade e na substncia. Tudo o que aconteceu foi

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    tipolgico e representativo. Na verdade e na substncia, acontece somente por meio de Jesus Cristo. A graa e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo (v.17); todos ns temos recebido da sua plenitude e graa sobre graa (v.16), isto , temos comunho com ele na graa, recebemos dele toda forma de graa que existe. E assim temos comunho com ele. 3

    O nosso exemplo missional precisa ser estabelecido pelo prisma da comunho com Deus, que soberanamente, Deus em comunho, entre Pai, Filho e Esprito Santo.

    Se inicialmente como discpulos, que so sacerdotes da nova aliana e vitalmente missionrios, consequentemente seremos levados a uma vida onde essa comunho compartilhada com aqueles que por causa da ignorncia causada pelo pecado, esto de fora desta comunho. Os equvocos missionais atuais esto quando tentamos obsessivamente incluir as pessoas, sem conduzi-las pela porta, que Jesus. Estes equ-vocos so atalhos culturais, janelas de possibilidades que insistimos em pular, por diversas razes, que por muitas vezes no termos a coragem,

    ousadia e loucura necessria para encarnar a explcita mensagem do Evangelho de Jesus, nomeamos de amor. Em nome desse amor de silcio dos dias de hoje, estamos nos distanciando daquele que Amor de fato, nosso Senhor. Estes equvocos missionais so resultados de obras que nascem em coraes e mentes bem intencionados. Porm,

    precisamos de um exemplo que nasce no lugar certo. O lugar onde Jesus estava no momento dessa orao era crtico, mas era um lugar de devoo. E justamente, entre o perigo e a oportunidade, que discipli-nas espirituais como a orao, o jejum, o mergulho na Escritura, nos conduziro a percepo de atos que glorifiquem a Deus, da primeira

    ltima instncia. Pela graa, ns ganhamos um destino, o de ser seme-lhantes a Jesus, e nesta semelhana precisamos buscar todas as esferas e matizes dessa caminhada. Ao olhar para o menino Jesus, Simeo viu

    3 John Owen - Comunho Com o Deus Trino - pg 109 - 2010 - Editora Cultura Crist

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    ali algum que ia causar a queda e o soerguimento de muitos, alm de ser um sinal de contradio.

    Consequentemente, ns como missionrios que glorificam a Deus,

    sejamos sinais de contradio na presente era. Glorificar algum

    que no seja voc mesmo talvez, o maior sinal de contradio que podemos expressar. R.C. Sproul declara:

    Jesus no ora s pela restaurao de sua prpria glria, ele ora pedindo que aqueles que so dele possam compartilhar na presena da sua glria. Jesus no orou s pelos discpulos que andaram com Ele na terra, mas tambm orou por ns e por todos aqueles que o recebem sinceramente atravs do testemunho dos apstolos. 4

    A presena da glria fez com que Jesus experimentasse a tentao no deserto em seu perodo de solitude, jejum e orao e dinamica-mente fosse lanado em seguida na efervescncia da misso urbana. A proposta de uma espiritualidade interior exterioriza a missio dei, da qual somos parte efetiva. A narrativa de Mateus 4 um exemplo da devoo que alimenta, que empodera a misso. Jesus, mesmo sendo Deus, no usurpou ser igual a Deus, a medida que entendia que dependia dessa busca pela glria de Deus se disciplinando espiritualmente para o cumprimento do seu chamado. Esse um dos grandes aspectos da encarnao de Jesus, ao qual ns, com nossas limitaes humanas,

    devemos nos apegar.

    Por mais que a figura do Jesus encarnado/humilhado desperte

    em ns uma identificao imediata, imprescindvel a exaltao de

    Cristo em nossa perspectiva missional. Alguns dos sofismas missionais

    que mais contaminam uma efetiva prtica dos missionrios que os cristos de hoje deveriam ser, esto diametralmente relacionados a uma cristologia extremamente humanista, tendenciosa e domestica-

    4 R.C. Sproul - A Glria de Cristo - 2ed - pg 136 - 2004 - Editora Cultura Crist

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    da. A inclinao quase que predominante de minimizarem Jesus posio de um mestre de sabedoria, seja como um revolucionrio ou um pacifista. Ao olharmos a histria, o legado de figuras histricas

    como Gandhi, Martin Luther King Jr., Che Guevara, Madre Teresa

    de Calcut e tantos outros podemos ver o altrusmo do ser humano maximizado, mas precisamos da mesma viso que Isaas e Joo em Patmos tiveram: a de Jesus exaltado como Deus.

    Se nossos olhos naturais pudessem ver Deus hoje, o cone de ca-belos e barbas longas (que sempre quando se v algum na rua com esse visual desperta na massa o brado: l vai o Jesus) daria lugar a uma imagem que nem os mais sofisticados estdios cinematogrficos

    poderiam conceber. Tente imaginar as 45 passagens do livro de Apo-calipse que mostram Jesus no seu trono cheio de gloria. A instabilida-de, ou at mesmo ausncia de paixo, em nossa perspectiva missional tem origem na falta de uma viso cheia de f, de um Deus cheio de Glria. Sim, Jesus Deus. Amparamos-nos na mxima cunhada no Conclio de Calcednia, no ano de 451 d.C. que reconhece que Jesus foi completamente homem e completamente Deus.

    Tambm sabemos que contemplaremos a vitria de Jesus como o

    Leo da Tribo de Jud, porque fomos lavados no sangue da morte de

    Jesus, como Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. O Cordeiro a graciosa manifestao de Deus que nos capacita a vislumbrar a sua Glria. Ser que nossos avanos missionrios ainda esto atravancados porque no temos conseguido vislumbrar essa gloria? At que ponto nossa viso esta to restrita ao aqui/agora? Por que as pessoas no se achegam a Deus atravs da nossa mensagem? A resposta est na falta de autoridade de uma mensagem que procede apenas do que est no nosso imaginrio e/ou intelecto a respeito de Jesus.

    Na sua orao ao Pai Ele declara que recebeu autoridade sobre toda a humanidade. Mark Driscoll acertadamente diz que:

  • JOO COSTA 27

    A supremacia de Jesus Cristo como nosso Deus soberano e exaltado a nossa autoridade para a misso(). Ns obtemos a nossa autoridade para pregar o Evangelho a todas as pessoas, em todas as pocas e em todos os lugares da gloriosa exaltao do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo. 5

    Nesta jornada, que tem como ponto de partida a devoo, de-vemos conhecer em todas as esferas o Deus que cremos. Em uma aula em nossa comunidade, o professor Juan de Paula afirmou:

    Qual o problema de no crer corretamente para a devoo? Se focarmos apenas na divindade de Jesus, nossa devoo ser farisaica, legalista, moralista e religiosa no levando em conta que Jesus chorou e teve compaixo das pessoas. Se focarmos apenas na humanidade de Jesus, nossa devoo ser carnal, humanista e libertina sem considerar que Deus Santo e chama os salvos para crescerem em santidade (Levticos 11:44). 6

    O mundo como o conhecemos, sobretudo no ocidente, nos gran-des centros urbanos tem esvaziado de significados e as pessoas tem se

    fragmentado de tal forma, que a redeno graciosa que ansiamos ver no mundo que geme pela manifestao dos filhos de Deus, necessita

    ser anunciada. Porm, como profetizou Habacuque, o conheci-mento da glria divina que encher a terra (Hc 2:14-15). Nenhuma outra mensagem poder preencher o grande abismo existencial que progressivamente se agravar, pelo esfriamento do amor de muitos em funo do multiplicar da iniquidade (Mateus 24).

    Por vezes, esquecemos que a alarmante profecia de Jesus abrange tambm os crentes, a igreja, realidade onde o amor no deveria se extinguir. O multiplicar da iniquidade torna-se visvel pela constante e exponencial fragmentao do Corpo de Cristo em instituies que

    5 John Piper e Justin Taylor (editors) - The Supremacy of Christ in a Postmodern World - pg 132 - 2007 - Crosswsay Books6 Apostila Introduo Cristologia- pg. 6 - acesse em: http://migre.me/99FkR

  • MISSIONAL28

    comunicam suas verdades, seus pressupostos, seus pontos de vista e fatalmente, sua (passageira) glria.

    O especialista em pesquisas de opinio, Mark J. Penn, ao fazer uma radiografia da sociedade do sculo 21, escreveu:

    Quando os filsofos gregos tentaram explicar pela primeira vez a mudana

    natural do mundo ficaram confusos. At que Demcrito, em cerca de 460

    a.C., props a teoria de que o mundo era feito de tomos, pequenas, mas distintas partculas cuja combinao definia o estado e a natureza da ma-tria. Muitos discordaram, at Aristteles foi seu principal crtico. Com o tempo, contudo, demonstrou-se que Demcrito tinha razo. Na verdade, at mesmo a massa mais slida feita de bilhes de tomos invisveis que determinam sua natureza. Como qualquer aluno do ensino mdio sabe, apenas uma ligeira mudana nessa combinao de tomos causar efeitos profundos na resistncia do ao, no brilho dos diamantes ou na radioatividade do urnio enriquecido. Essa analogia reflete a teoria subjacente das micro

    tendncias. A nossa cultura hoje cada vez mais produto do que identifico

    como tomos sociais, pequenas tendncias que refletem hbitos e escolhas que

    esto mudando. Hoje, a maioria das pessoas faz crticas semelhantes s de Aristteles, uma viso holstica dos eventos a partir do prprio ponto de vista. Entretanto, diferentemente de Aristteles, elas muitas vezes alegam ter visto a floresta sem realmente terem examinado as rvores. Especialmente

    nesse mundo atual acelerado, as pessoas esto cada vez mais fazendo seus juzos com base na prpria viso de mundo, em vez de construir uma opinio baseada nos fatos, o que consideram difceis de determinar. A verdade nua e crua que, na maior parte das vezes, no possvel identificar padres

    concretos na vida das pessoas, a no ser por meio de estatsticas. Ainda assim, afirmamos que nosso entendimento se baseia em nossos prprios pontos

    de vista limitados. A tendncia, ento, que a sabedoria convencional seja ao mesmo tempo muito dogmtica e muito equivocada. 7

    7 Mark J. Penn - Microtendncias - pg 503,504 - 2008 - Editora Best Seller

  • JOO COSTA 29

    Ao reconhecer a glria de Deus, como aquele que detm no poder da sua Palavra a existncia de cada tomo do universo, cada tomo social [na linguagem de Penn] est sujeito a este mesmo poder sobe-rano. A extrema fragmentao na cosmoviso do homem conhecido como ps-moderno, comprometida quase que predominantemente com as percepes holsticas da vida, mostra a necessidade do

    conhecimento daquele que no medido por estatsticas, e que pleno em si mesmo. Se como micro tendenciosos, humanamente corremos para cada vez mais ter a nossa baia de atuao determina-da pelo macro, graciosamente temos um grande Deus, que mesmo cheio de glria volta seus olhos para ns e soberano sobre cada pequeno detalhe de nossas particionadas vidas. Est a relevncia da doutrina da trindade, a mensagem da unidade entre Pai, Filho e Esprito Santo.

    Newbigin destacou o peso do entendimento da Trindade na prtica

    missional contempornea:

    Um verdadeiro entendimento das questes que Deus levanta para ns em nosso tempo, e uma autntica reafirmao do significado da tarefa missionria

    se reclinaro, assim como o Novo Testamento se reclina, na revelao de Deus como Pai, Filho e Esprito Santo 8

    A graa se manifesta quando do meio da Trindade, da plenitude

    da eternidade, Jesus esvazia-se da sua glria torna-se homem, para que a humanidade possa ser cheia de todo significado que ela precisa:

    viver para a glria de Deus.

    Usando a abordagem de Dietrich Bonhoffer, precisamos comba-ter o barateamento da graa de Deus, configurado pela relativizao da mensagem do Evangelho em nome de uma relevncia superficial que

    8 Leslie Newbigin - Trinitarian Doctrine for Todays Mission - pg 36 - 2006 - Wipf and Stock Publishers

  • MISSIONAL30

    impressa no vocabulrio, na vestimenta, e na cultura em geral. A graa que nos alcanou alcanar todos aqueles que o Pai na eternidade, j deu a Jesus. E a nossa misso de proclamar tem como fundamento fazer tudo para a glria Dele. Eis uma boa forma de respondermos a Graa: Vivendo hoje a vida eterna, para a sua glria.

  • JOO COSTA 31

    A autoridade de Jesus um sinal de aparente contradio num mundo onde os que se estabelecem como autoridades isolam-se numa camada de poder restrito e auto-favorecedor, o que os torna, muitas vezes autoridades aparentes. Encontramos na autoridade que Jesus estabelece sobre toda a humanidade, a infinita misericrdia de Deus

    se manifestando para que a vida eterna se torne acessvel. Autori-dades de hoje so mais celebridades inalcanveis do que qualquer outra coisa. A autoridade gloriosa do nosso Deus foi manifesta no caminho de relacionamento que atravs de Jesus foi restabelecido para ns.Essa falncia das autoridades, ou a mutao da mesma em autoritarismo, torna-se o palco para a ausncia de significado das

    nossas mais bsicas vocaes, em especial a de sermos missionrios.

    Amamos o testemunho de homens como Abraham Kuyper e William

    Wilberforce, por sua preeminncia social, cultural e poltica. Mas vale

    lembrar que eles viveram num perodo onde a mentalidade da Europa

    captulo 2

    O Missionrio Definitivo

    Deus poderia muito bem requerer uma obedincia cega, mas Ele nos chama a uma obedincia baseada em relacionamento, entendimento e discernimento.

    Beth Wood

    E a vida eterna esta: que conheam a ti, o nico Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, que enviaste. Eu te glorifiquei na terra, completando a obra da qual me encarregaste.

    Joo 17.3-4

  • MISSIONAL32

    estava sob a gide do cristianismo. Hoje, um perodo onde a verdade (uma premissa bsica do cristianismo) j no representa uma base de comportamento vivel. As palavras do discpulo de Nietzsche, o filsofo francs Foucault, influenciam extremamente essa gerao:

    A verdade algo deste mundo. produzida apenas pelas mltiplas formas de restrio, que incluem os efeitos regulares de poder. 9

    Neste tempo de ceticismo acentuado pela liquefao da verdade e a ausncia de significados, precisamos de um exemplo atemporal para nossa

    misso. O pesquisador David Wells, sabiamente afirmou que:

    Crer em Cristo entrar no reino e tornar-se uma parte do sculo futuro. Paulo, no entanto, expande esse pensamento muito alm do campo pessoal e eclesistico. Se Cristo o Senhor ao qual todo crente serve, a Cabea qual todo o corpo da Igreja deve responder, tambm o Criador de quem tudo deriva a sua existn-cia, o centro sem o qual no h realidade. Seja acima, no firmamento estrelado,

    ou abaixo, nas conscincias humanas, Jesus tem supremacia (Cl 1.15-20).

    Nesse mundo cado, em suas vidas decadentes, aqueles que se separaram de Deus constituem uma parte deste sculo, que agora est morrendo. Ele no tem futuro, e existem indicaes disso nas profundezas da conscincia humana, onde h uma confuso de contradies, pois fomos criados para ter significado, mas encontramos

    somente vazio. Somos feitos como seres morais, mas somos afastados daquilo que santo. Somos feitos para entender, mas somos frustrados em muitas buscas. Estes so os sinais definitivos de uma realidade desconjunta em si mesma. Isso

    o que, na verdade, aponta para outra coisa. Essas contradies no tm soluo na ausncia daquele sculo vindouro que se enraza no Deus trino, de quem falam as Escrituras. Ele que no somente sustenta toda a vida, conduzindo tudo ao seu fim determinado, mas que tambm a medida daquilo que permanentemente

    verdadeiro, certo e a fonte de todo significado, propsito e esperana. 10.

    9 Michel Foucalt - Power/Knowledgment: Selected Interviews and Other Wriitings - pg 131 - 1980 - Colin Gordon10 John Piper e Justin Taylor (editors) - The Supremacy of Christ in a Postmodern World - pg 48,49 - 2007 - Crosswsay Books

  • JOO COSTA 33

    E esta fonte Jesus Cristo, o primeiro e definitivo missionrio.

    O primeiro missionrio o prprio Deus que encarnado nos mostrou com sua vida, morte e ressurreio o propsito eterno de ser humano, em todas as esferas sociais e polticas desta palavra. Pensar em ser missional, longe destas esferas tentar domesticar a nossa humanidade e encaixotar nossa espiritualidade. Justamente por isso, no temos condies de ficar sossegados com as representaes

    religiosas que domesticam Jesus. Ampliando a escala, e ajustando o foco da encarnao de Jesus e suas implicaes sobre ns pelo pris-ma poltico, no podemos mais ignorar o impacto do imperialismo ocidental sobre povos subordinados e sobre as formas de reao de povos que sentem suas vidas invadidas.

    A analogia histrica coincidente muito inquietante, isto , que o Imprio Romano, viera para controlar o antigo Oriente Mdio, in-cluindo a Galilia e Judia, onde Jesus operava. Passamos a reconhecer que o antigo povo palestino reagiu ao domnio romano numa longa srie de protestos e movimentos. difcil continuar imaginando que Jesus tenha sido o nico personagem imune submisso do seu povo ordem imperial romana. Se no h outro, talvez o simples fato de que Ele foi crucificado, uma forma de execuo que os romanos

    adotavam para intimidar os rebeldes nas provncias, deve levar-nos a reavaliar a situao.

    Podemos identificar pelo menos quatro fatores inter-relacionados,

    de suma importncia, nesta construo de um Jesus despolitizado - mas recentemente sob a aparncia de um mestre de sabedoria11:

    1. Mais determinante o pressuposto ocidental moderno de que a religio est separada da poltica e da economia. As sociedades

    11 Uma boa anlise crtica dessa identificao: Jesus and the Cynics: Survey and Analysis of a Hypothesis - Hans Dieter Betz - http://www.jstor.org/stable/1203757

  • MISSIONAL34

    ocidentais institucionalizaram essa diviso da realidade no apenas na separao da Igreja do Estado e da economia capitalista, mas tam-bm na diviso acadmica do trabalho, faculdades e universidades em departamentos distintos de religio, cincia poltica, economia, etc. A educao nos cursos de ps-graduao e de preparao profissional

    continua em escolas separadas de teologia, administrao poltica e negcios. Projetamos ento o pressuposto ocidental moderno de que a religio est separada da poltica e da economia nas sociedades antigas. Presumindo que Jesus est adequadamente categorizado como figura religiosa, at certo ponto ignoramos os aspectos po-lticos e sociais e as implicaes da pregao e da prtica de Jesus.

    2. Ao pressuposto da religio como esfera separada associa-se estri-tamente ao individualismo ocidental moderno. O individualismo um desenvolvimento social relativamente recente e peculiar, caracte-rstico das sociedades ocidentais modernas (especialmente forte nos Estados Unidos). Novamente projetando um pressuposto ocidental moderno na sociedade antiga, pensamos em Jesus como uma figura

    individual independente das relaes sociais em que estava inserido.

    E pensamos em Jesus relacionando-se principalmente com outros indivduos, no com grupos sociais e instituies polticas.

    3. Outro fator importante na despolitizao de Jesus a orientao cientfica dos seus interprtes acadmicos. Captando sinais da cultura

    acadmica dominante, os pesquisadores bblicos se sentem forados a ser cientficos em seus critrios e procedimentos de pesquisa e in-terpretao de Jesus. Dados dos Evangelhos precisam ser isolados, analisados e postos sob rigoroso controle para ento ser usados na reconstruo histrica. Somente os dados que passam no teste da razoabilidade/racionalidade moderna podem ser aproveitados. Depois de reduzir os Evangelhos a fragmentos religiosos dirigidos a indiv-duos e de pass-los pelo crivo cientfico, eliminamos os resduos de

    tudo que seja milagroso, mstico ou fantstico e deixamos as pepitas

  • JOO COSTA 35

    puras de ditos e parbolas que podemos testar para comprovar a sua autenticidade. Indiscutivelmente, esses trs fatores reduzem Jesus a um mestre religioso que proferia sentenas e parbolas isoladas relevantes apenas para pessoas em sua individualidade.

    4. Alguns interprtes recentes de Jesus despolitizaram-no ainda mais, eliminando do banco de dados das suas palavras autn-ticas tudo o que implicasse juzos embaraosos. Eles sustentam que Joo Batista, era um profeta apocalptico que proclamava o juzo, e que os discpulos de Jesus, logo depois da sua morte, o interpretaram como uma figura apocalptica, o Filho do Homem,

    vindo para julgar. O prprio Jesus, dizem eles, no pregou o juzo. As expresses profticas de condenao so produtos posteriores

    dos seguidores de Jesus, que ficaram ressentidos por fracassarem

    e serem perseguidos. Assim, o prprio Jesus no era profeta, mas um mestre de sabedoria, como os filsofos cnicos errantes nas

    cidades da Grcia, ensinando um modo de vida alternativo, como o dos hippies modernos, a um bando de nulidade sem razes. Seja qual for a credibilidade deste quadro como reconstruo histrica, ele mostra um instrutor individual despolitizado pronunciando aforismos isolados que pertencem apenas a um estilo de vida con-tracultural individual fora de qualquer contexto poltico-econmico particular e sem implicaes sociais. difcil compreender por que

    Pncio Pilatos se incomodaria em crucificar uma figura como essa.

    Os pressupostos e procedimentos que levam a um quadro de Jesus assim, porm, so indefensveis na pesquisa e reconstruo histrica.

    1. simplesmente impossvel separar a dimenso da espiritualidade confessional da vida poltico-econmica nas sociedades tradicio-nais. Se os norte-americanos no tinham conscincia disso antes de 11/09/01, esto cientes hoje de que, na maioria dos pases

    do Oriente Mdio, extremamente difcil separar a f e a prtica muulmanas das questes polticas e econmicas e da vida social

  • MISSIONAL36

    em geral. A julgar pelo extravasamento de patriotismo de feies

    religiosas ocorridas depois dos ataques terroristas, tambm nos EUA difcil dizer onde termina a religio civil americana e onde comea o processo poltico estadunidense e a sua economia de consumo.

    2. O individualismo uma ideologia ocidental, evidente de modo especial nos grandes centros urbanos, mas em grande parte uma fico operacional. Com o advento das redes sociais na internet,

    impossvel separar identidade, crenas e comportamentos indi-viduais da rede de relaes e de instituies nas quais as pessoas

    esto inseridas. Identidades so sempre complexas e hbridas. As vidas das pessoas esto sempre entretecidas numa rede de formas e instituies sociais. Como insistem as pensadoras feministas, as

    prprias relaes maritais e sexuais so polticas. As pessoas esto

    sempre envolvidas em relaes de poder complexas.

    3. Os procedimentos adotados pelos pesquisadores para criar um banco de dados que sirva de base para construir um quadro de Jesus, so especialmente problemticos como mtodo histrico. As pessoas no se comunicam com frases isoladas. O significado de

    enunciaes como provrbios ou parbolas depende totalmente do

    contexto em que so feitas e da tradio cultural a que tanto o orador como os ouvintes pertencem. Em vez de isolar intencionalmente os ditos de Jesus do nico contexto de significado a que ainda temos

    acesso, isto , os Evangelhos, precisamos comear exatamente por essas fontes literrias.

    4. A afirmao de que Jesus no pregou o juzo de Deus resultado da aplicao dos conceitos acadmicos dicotomizados modernos de sabedoria e apocalipticismo, que minimizam a divindade de Cristo, em detrimento ao dilogo relativista predominante.

    Essa abordagem aponta para a urgncia do tempo presente, onde os desdobramentos polticos imprimem o medo no consciente cole-

  • JOO COSTA 37

    tivo. Um coletivo que enganado pela proposta da individualidade vive acuado pelo medo, um dos subprodutos do poder restrito e visvel do presente sculo. Nosso desejo de sermos agentes, proclamadores do Reino e anunciantes do ano aceitvel do Senhor e do dia da vingana do nosso Deus. Mas para que isso ocorra efetivamente e no seja apenas uma iniciativa romntica e utpica precisamos de um incio, que no exposto publicamente. Necessitamos de conhecimento. No de causa, ou de ns mesmos. Mas do conhecimento do nico e verdadeiro Deus.

    Como diz Rubem Amorese:

    Qualquer ao ministerial que no se tenha originado do quarto , no mni-mo, deficiente, pois apenas nesse lugar de intimidade com Deus se apreendem

    e recebem as habilitaes carismticas para o servio, para a abnegao, para o amor sacrificial, enfim, para o sacerdcio real cristo. A adorao genuna e

    secreta se revela, ento, a experincia primria, geradora e dinamizadora de tudo isso. Conforma-nos imagem do Filho, para que Ele seja o Primognito entre muitos irmos. O quarto da adorao o bero da tica crist. Muito mais que fonte de bem-viver, fonte de vida eterna. 12

    Como tornar conhecida uma pessoa que no conhecemos? Para cumprirmos nossa vocao que glorifica o Senhor precisamos conhe-c-lo. A intimidade com nosso Deus, expressa atravs de uma vida que vai alm do que nos habituamos na rotina das nossas reunies

    de celebrao. O ministrio de Jesus foi marcado por uma profunda relevncia porque sua intimidade com o Pai era o fator determinante para a realizao de sinais visveis do Reino. Nossa expresso aut-mata e imediatista precisam ceder ao exemplo de Jesus que quando foi interpelado pelos principais da religio acerca dos milagres que realizara, declarou: Eu lhes digo verdadeiramente que o Filho no pode fazer nada de si mesmo; s pode fazer o que v o Pai fazer, porque o que o Pai faz o Filho tambm faz. Joo 5:19.

    12 Nelson Bomilcar (org) - O Melhor da Espiritualidade Brasileira - pg 146 - Editora Mundo Cristo - 2005

  • MISSIONAL38

    O reconhecimento da veracidade de Deus um elemento fun-damental na misso, pois enaltece a glria de Deus. Esta veracidade ganha contornos de pessoalidade quando reconhecemos Jesus Cristo como enviado de Deus. Uma prtica encarnacional necessria em dias de relativizao e virtualizao das ideias, onde as relaes e

    algumas personalidades so moldadas no ambiente miditico da in-ternet. Tendo como base a devoo, nossa misso no ser produto

    de um impulso emocional ou meramente religioso, mas a resposta a um chamado, como bem descreve o missilogo Ed Stetzer:

    Talvez nossa grande falha se d numa nebulosa urgncia em pressionar nossas aes antes de ouvir Deus. Ns temos o chamado de Deus para testemunhar e compassivamente cuidar dos perdidos. E ns deveramos praticar isso e ensinar a Igreja a fazer o mesmo. Ns falhamos quando lanamos um novo modelo, implementamos um novo estilo de adorao, e tentamos desevendar o cdigo missional antes de ter ouvido o suficiente a voz daquele que escreveu o

    cdigo humano original. 13

    Um texto que decorado por muitos a chave interpretativa para esse trecho da orao de Jesus: Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unignito, para que todo o que nele crer no perea, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, no para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por meio dele (Joo 3:16-17). A misso tem perecido pelo no conhecimento de Deus, pela distncia desse Jesus que foi enviado. Por no conseguir contemplar o Cordeiro, declarar que cada discpulo de Jesus um missionrio torna--se um absurdo para os ouvidos de muitos. A experincia missionria marcou a histria, e nos inspira at hoje.

    Uma das mais marcantes a dos Morvios (ou Moravianos), que curiosamente tm sido mencionados com frequncia recentemente. Vale relembrar como e onde ela nasceu. A comunidade denominada

    13 Ed Stetzer - Breaking The Missional Code - pp 22 - Broadman & Holman Publishers - 2006

  • JOO COSTA 39

    Hernhut, que significa Abrigo do Senhor, em 1722, dava refgio a

    cristos perseguidos da Morvia. Num memorvel domingo, em 13 de agosto de 1727, quando estavam reunidos para a Ceia do Senhor, o Esprito Santo veio sobre eles, atravs de uma viso da glria divina revelada no Cordeiro, quebrantando-os e levando-os maior reunio de orao de todos os tempos, que durou mais de 100 anos ininterruptos.

    Movidos por tal devoo, os moravianos enviaram missionrios para as Ilhas Virgens (1732); Groenlndia (1733); Suriname (1735); frica do Sul (1736); Jamaica (1750); Canad (1771); Austrlia (1850); Tibet (1856), entre outras localidades. A paixo com que Jesus viveu como

    missionrio ser possvel para ns se comearmos hoje a conhec-lo e am-lo profundamente.

    John Piper diz:

    Quando esta era terminar e representantes de toda raa, tribo e nao se dobra-rem diante do Cordeiro de Deus, a obra missionria no existir mais na Igreja. Mas existira o louvor e a adorao. Permanecer na Igreja o culto. (Paixo de Deus por sua prpria glria: Is 48.9-11). O homem natural busca a sua prpria glria, mas Deus, a sua. A adorao o combustvel e meta das misses. a meta das misses porque nelas simplesmente procuramos levar as naes ao jbilo inflamado

    da glria de Deus. O alvo das misses a alegria dos povos na grandiosidade de Deus. Quando a chama da adorao arder com o calor da verdadeira excelncia de Deus, a luz das misses brilhar para os povos mais remotos da terra. 14

    Adorar o Senhor vai abrir nossos olhos para a realidade da eter-nidade, que se manifesta hoje, que no encontra limites culturais, sociais e temporais. Essa perspectiva imersa na glria de Deus nossa esperanosa inspirao.

    14 John Piper - Alegrem-se os povos - a asupremacia de Deus em misses - So Paulo-SP - Ed. Cultura Crist - 2001 - p. 13

  • MISSIONAL40

  • JOO COSTA 41

    Toda a primeira sesso de Joo 17 (versculos 1-5) enfatiza a gl-ria de Deus atravs do relacionamento de Pai e Filho, em situaes

    extremas onde a vida e o tempo como conhecemos no podem ser mensurados. Essa trama na qual somos envolvidos e para a qual somos chamados tambm nos envia. Da mesma forma que Jesus foi enviado ao mundo, ns tambm somos enviados a realidade do sculo presente, no como espectadores do teatro religioso, ou como especulador da espiritualidade, mas como missionrios.

    O mundo continua sendo decado e ao mesmo tempo est sendo redimido. Jesus morreu, mas ressuscitou. Por isso vivemos o presente com gratido e adorao por um fato passado, a redeno pela cruz, e na esperana de um futuro prometido, o Reino que vir.

    Existe uma tenso, no aparente paradoxo do Reino que j veio e o Reino que vir. Onde estamos vivendo um tempo intermedirio, entre a

    captulo 3

    Esperana na Eternidade

    A vida eterna j no mais uma esperana para o ltimo dia C.H. Dodd

    Agora, pois, glorifica-me, Pai, junto de ti mesmo, com a glria que eu tinha contigo antes que o mundo existisse.

    Joo 17.5

  • MISSIONAL42

    primeira e a segunda vinda de Cristo. Estes fatos acabam gerando uma verdadeira tenso entre o objetivo e o subjetivo, entre o j e o ainda no.

    O j e ainda no do Reino de Deus, a dimenso em que ns contemplamos a eternidade em profundo amor e reverncia glria de Deus. O estudioso George E. Ladd escreveu:

    O Reino de Deus, portanto, a realizao da vontade de Deus e o gozo das bnos que a acompanham. No entanto o Novo Testamento ensina de forma clara que a vontade Deus no ser perfeitamente realizada nesta era. A doutrina da segunda vinda de Jesus Cristo central na teologia bblica. A Bblia entende que toda a extenso da histria humana repousa na mo de Deus, mas ela busca realizao final do Reino de Deus em uma esfera

    alm da histria, ou seja, em uma ordem de existncia nova e diferente.15

    Com esse entendimento, podemos estar em misso como dis-cpulos de Jesus, engajados com nossa vocao, mas livres de uma responsabilidade que no cabe a ns: A expanso do Reino de Deus. Proclamamos o Reino de Deus, mas no cabe a ns a expanso de uma realidade centrada na eternidade.

    Estamos habituados a nos relacionar com a graa como o favor de Deus que resolve as pendncias do pecado no passado, mas de acordo com Paulo em sua carta ao discpulo Tito, fica evidente a plenitude da

    atuao divina na nossa esfera humana de tempo nos dando esperana:

    Porque a graa de Deus se manifestou, trazendo salvao para todos os povos, nos ensinando a renunciar impiedade e s paixes mundanas, e a viver com domnio prprio, e de forma justa e piedosa nesta era presente, aguardando a nossa bendita esperana, a manifestao da glria do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo (Tito, 2.11-13 - ESV).

    15 George Eldon Ladd - O Evangelho do Reino: Estudos bblicos sobre o reino de Deus - p 25 - Edies Vida Nova - 2008

  • JOO COSTA 43

    Por isso necessrio rever sempre o objetivo de existirmos como homens e mulheres que nasceram de novo, que antes de sermos missionrios, , alm de glorific-lo, desfrutar dEle para sempre.

    A espiritualidade fastfood com a qual lamentavelmente estamos habituados, desmorona ao vislumbrarmos unicamente Jesus, como o Filho de Deus, podendo declarar ao Pai: Agora. Jesus era o verbo que estava com Deus, e era (e !) Deus. Esse expressar, esse falar, esse verbo Deus, pois um Deus que no fala, um Deus sem a Palavra, no Deus. E uma palavra que no Deus nada realiza.

    Segundo a profecia de Isaas:

    assim como a chuva e a neve descem dos cus e no voltam para l, mas regam a terra e a fazem produzir e brotar, para que d semente ao semeador e po ao que come, assim ser a palavra que sair da minha boca; no voltar para mim vazia, mas far o que me agrada e cumprir com xito o propsito da sua misso. (Is 55.10-11).

    Assim a Escritura estabelece a base para a declarao do evangelista Joo de que o verbo estava com Deus e o verbo era Deus.

    O termo verbo ou Palavra, na lngua grega, logos. Embora logos tenha desempenhado um papel no gnosticismo pago (doutrina he-rtica que tumultuava a Igreja primitiva), como um dos passos atravs dos quais a pessoa desenvolve seu caminho em direo a Deus, e como tal encontrado dessa forma em numerosas heresias judaicas crists, aqui ela no evidencia uma incluso pag no NT, como alguns

    supem. Pelo contrrio, logos corresponde ao termo aramaico memra (tambm palavra), um termo tcnico e teolgico usado pelos ra-binos nos sculos antes do nascimento de Jesus, quando tratavam da expresso de Deus a respeito de si mesmo.

    Se existe uma forma de iniciarmos um relacionamento genuno com o Deus que antes que o mundo existisse, esse relacionamento come-

  • MISSIONAL44

    ar pela Sua Palavra, revelada nas Sagradas Escrituras. Como declara o renomado professor de Teologia bblica e sistemtica, Wayne Grudem:

    A suficincia das Escrituras significa que elas contm todas as palavras que

    Deus deseja que seu povo tenha em cada estgio da histria da redeno e que Deus nos diz, pela Bblia, tudo que precisamos saber sobre a salvao, sobre confiar nele de maneira perfeita e sobre como obedecer a ele de forma perfeita.

    Essa definio enfatiza o fato de que somente nas Escrituras devemos procuras

    s palavras de Deus para ns. Isso tambm nos lembra que Deus considera o que Ele nos diz na Bblia como suficiente para ns e que devemos nos regozijar

    e nos contentar com a grande revelao que ele nos outorgou. 16

    A imerso nas Escrituras desperta em ns o fascnio que se transfor-ma no culto racional, fruto de mentes com entendimento renovado. A experincia da adorao uma disciplina espiritual que se desordenou ao longo dos anos, e precisamos resgat-la com todo zelo, pois se existe uma forma de nos conectarmos com a realidade da eternidade nos prostrando em apaixonada devoo diante de Jesus, e servindo ao prximo, para que de fato sirvamos ao Senhor, que no vemos com nossos olhos naturais.

    As nossas discordncias particulares devem ser colocadas de lado ante a infinita grandeza da concordncia entre Pai e Filho. A glria neste

    versculo refora tudo o que foi tratado at aqui: a deidade da Pessoa de Jesus. Ele possua a glria divina antes do mundo existir, na eternidade que chamamos de passada. Portanto, deve ser glorificado agora com

    essa glria juntamente com o Pai. O Senhor tem participao na glria divina no por si mesmo, mas junto com o Pai, pois Ele e o Pai so um.

    Esta unidade na eternidade um sinal de esperana para ns no tempo chamado hoje. E na verdade um alento para re-pensarmos a nossa misso. Como j afirmamos, ser missional diz

    respeito a estar alinhado com a missio Dei, a misso de Deus. Por-tanto, alguns temores com as temporalidades, como os discpulos

    16 Wayne Grudem - O Dom de Profecia - pp 336 - Editora Vida

  • JOO COSTA 45

    demonstravam em Atos 1.7, ao perguntar a Jesus quando o reino seria restitudo a Israel, so desnecessrios. luz da boa nova, da qual ns como missionrios somos cartas vivas, pouca diferena faz a posteridade da modernidade, a liquefao da sociedade e at mesmo a cosmoviso relativizada. No que a experincia com a glria de Deus nos aliene, mas ao contrrio, recebemos um genuno choque de realidade.

    E assim somos levados a um genuno compromisso comunitrio onde passamos a considerar a ns mesmos e o prximo, como parte da eternida-de divina. Desta forma temos nossa relao construda com Deus pela via da orao, do jejum e das Escrituras no como um documento histrico, mas como a palavra do nosso Deus que era, que e que h de vir.

    A busca por atender uma agenda de novos programas tem nublado nossa verdadeira atuao missional. Precisamos encontrar nosso ca-minho novamente. No em busca de uma espiritualidade que se auto--intitula como monstica (at porque para muitos isso mais uma moda do cristianismo lquido, moldado pelos apelos de uma espiritualidade horizontalizada, do que, a busca pela referncia histrica do precioso legado de alguns dos chamados pais do deserto), mas que tem a devoo como plataforma de lanamento para a misso de Deus.

    Precisamos ir alm das convices enjauladas em confessionalismo

    religioso, que suprem apenas as expectativas transitrias de uma ou outra argumentao da presente era. Precisamos de uma f madura, que tem peso em todos os aspectos da nossa vida, a ponto de imprimir em ns uma esperana slida em Cristo, a ponto de nos dar uma nova perspectiva sobre a prpria histria. Atravs dessa bendita esperana, nossa viso aponta para uma consumao futura, tendo como garantia, a vitria de Cristo na cruz. A viso crist da histria, pelo prisma do NT, que ela um desenrolar do propsito eterno de Deus, tendo

    como centro, a redeno da cruz. Ento todas as cerimnias, tipos, promessas do AT, tm seu cumprimento na vida, morte, ressurreio

  • MISSIONAL46

    de Jesus, e alcanar sua plenitude ou consumao final na segunda

    vinda de Cristo, no novo cu e na nova terra, na plena redeno.

    Podemos afirmar que pelo fato de Jesus ser o Senhor da His-tria, ela obedece a um plano eterno e soberano e caminha para um propsito final, que a Glria de Deus. As Escrituras nos

    ensina a ler a Histria como a esfera da redeno. Para o aps-tolo Paulo, o Esprito Santo hoje em ns, o penhor (Ef 1.14; 2 Cor 1.22; 5.5), o selo (Ef1.13; 4.30; 2 Cor 1.22) e as primcias

    (primeiros frutos - Rm 8.23). Paulo via a era entre a primeira e a

    segunda vinda de Cristo como uma era provisria, com base nisso cremos que j temos as bnos que Deus nos deu em Cristo (Ef 1.13). Mas ainda no as temos em plenitude. E uma dessas bnos a maturidade.

    Precisamos desenvolver uma maturidade que nos leve, como Igreja, a participar ativamente na sociedade, visualizando sua transformao, mas acima de tudo reconhecendo que o poder de moldar o futuro da mesma no est em nossas mos, e que tudo que feito para a gloria do Todo-Poderoso e Senhor da

    histria, Jesus Cristo. Recebemos, assim, a instruo de Paulo aos Filipenses (Fp3.2-16), onde nos apresentado um caminho para a maturidade crist. Do ponto de vista moral e legal, Paulo poderia ser considerado uma pessoa madura, pois cumpria os requisitos da lei e andava de acordo com os padres morais mais elevados da

    sua cultura e religio. Era tambm zeloso, responsvel e coerente para com suas convices e seus compromissos religiosos. Como

    ele mesmo afirma: circuncidado no oitavo dia, da descendncia

    de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto lei, fui fariseu, quanto ao zelo, persegui a igreja; quanto justia que h na lei, eu era irrepreensvel. O que chama ateno que, para ele, tudo o que consideramos fundamental para o caminho da es-piritualidade e amadurecimento, tudo o que vimos anteriormente,

  • JOO COSTA 47

    tudo aquilo que consideramos um forte fundamento, ele considera como esterco diante daquilo que superior e sublime.

    Fica para ns o ensino que outrora o apstolo Paulo trouxe Igreja de Roma, ressoando ainda hoje como uma verdade que nos faz ser comunidade de Jesus:

    Pois tudo o que foi escrito no passado, foi escrito para nos ensinar, de forma que, por meio da perseverana e do bom nimo procedentes das Escrituras, mantenhamos a nossa esperana. O Deus que concede perseverana e nimo d-lhes um esprito de unidade, segundo Cristo Jesus, para que com um s corao e uma s boca vocs glorifiquem ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus

    Cristo. Portanto, aceitem-se uns aos outros, da mesma forma como Cristo os aceitou, a fim de que vocs glorifiquem a Deus. Romanos 15:4-7

  • MISSIONAL48

  • JOO COSTA 49

    SEGUNDA PARTE

    POR QUE SOMOS MISSIONRIOS?

    Porque Somos a Comunidade de Discpulos

  • MISSIONAL50

  • JOO COSTA 51

    Jesus revelou a glria do Pai, quando fez conhecido aos homens o Seu nome. Aos eleitos, o entendimento do nome aponta para o carter de Deus, se entendermos a necessidade que essa resposta imprime ao olharmos para Ex 3.13-15. A revelao que Jesus faz do nome de Deus clara na sua encarnao, se fazendo cumprir a profecia de Isaas 52.6: Por isso o meu povo conhecer o meu nome. Ao orar pelos discpulos, Jesus deixa claro o pertencimento. Os discpulos so o Seu povo. O carter do Pai revelado queles que ele escolheu, e que mediante adoo no so mais criaturas, mas agora so filhos. 17

    Como filhos de Deus, co-herdeiros em Cristo, passamos a ser

    uma comunidade, no um mero ajuntamento. Como diz Pedro: Antigamente, no reis povo; agora, sois povo de Deus; no tnheis recebido misericrdia; agora, recebestes misericrdia. (1Pedro 2.10).

    captulo 4

    Senso de Pertencimento

    Sendo cristos, entendemos que no somos de ns mesmos, mas fomos comprados por preo. Por meio de sua graa salvadora, o Senhor Jesus se apropriou de nosso corao de pedra, e o regenerou, e o transformou em um corao espiritualmente malevel, derramando

    nele o seu amor, mediante o Esprito Santro, que nos foi dado Burke Parsons

    Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste. Eram teus, e tu os deste a mim; e eles obedeceram tua palavra. Agora sabem que tudo quanto me deste vem de ti

    Joo 17.6-7

    17 Se voc ainda no conhece este texto, pare a leitura desse livro AGORA e leia Romanos, captulo 8

  • MISSIONAL52

    O chamado dos que conheceram a Deus, evolu para a vida comu-nitria. No pelo pertencimento unicamente comunidade, mas, sobretudo, por pertencer ao prprio Senhor Jesus. Pertencendo a Jesus e sendo parte da comunidade de discpulos a nossa identidade vai sendo moldada nesse ambiente.

    Timmis e Chester declaram:

    A Bblia mostra que somos pessoas da comunidade, feitas para amar a Deus e os outros. Com relao humanidade, Deus no simplista em falar apenas uma palavra de comando - Ele inicia um dilogo. Faamos o homem nossa imagem (Gn 1.26). Esse dilogo mostra que o prprio Deus um ser social e no solitrio. Portanto, sua imagem no pode ser portada por um indivduo, mas pelo homem e a mulher juntos (Gn 1.27). O segundo captulo de Gnesis refora isso quando o autor nos diz que a nica coisa em toda a criao, que no era boa, era o que o homem estivesse s (v.18). A individualidade divina definida em termos relacionais. O Pai

    o Pai porque tem um filho. Deus parte de uma comunidade. A individualidade

    humana tambm definida em termos relacionais. A existncia de uma pessoa sem

    relacionamentos to impossvel quanto a de uma me sem filhos ou um filho sem

    pais. O entendimento trino da nossa humanidade sugere que devemos definir a ns

    mesmos pela rede de relacionamentos em que vivemos. Sou pai, marido, membro da Igreja, filho de Deus. Isso me torna singular (ningum possui a mesma matriz de

    relacionamentos), mas tambm me define com relao s outras pessoas. No sou

    autnomo. Sou parte de uma comunidade. No posso ser quem eu sou sem considerar as outras pessoas. Na nossa difundida cosmoviso individualista, falamos sobre a mensagem evanglica da reconciliao, unidade e identidade como povo de Deus. Talvez esse seja o maior abismo cultural que a Igreja precisa fechar. 18

    Muito tem se falado do resgate do carter comunitrio da Igreja brasi-leira, que se desgastou com a excessiva institucionalizao, caracterizado pelo clericanismo (a escalada de poder e ttulos extrapolaram o bispa-

    18 Steve Timmis e Tim Chester - Igreja Total: repensando radicalmente a nossa apresentao do evangelho na comunidade - pg 40,41 - Editora tempo de Colheita - 2011

  • JOO COSTA 53

    do e apostolado e tem alcanado nveis galcticos!). Pela apologtica doutrinrio-denominacional (a defesa marcial das tradies segmentadas

    pelas confisses teolgicas e agremiaes das histricas at as neopente-costais). Pelo uso cansativo de programas (o franchising de modelos de gesto de membresia ou os cultos temticos que glorificam tudo, menos

    o Senhor), pela indstria fonogrfica (a fogueira de vaidade gospel que

    se equipara aos programas televisivos dolos ou Qual o seu talento?).

    Para combater isso, esforos de se viver comunidade tm sido constantes por parte da Igreja. Mas existe um grande perigo: o de nos fecharmos numa espcie de bunker religioso, ou transformar a Igreja num centro de recuperao de crentes feridos. claro que a Igreja deve acolher a todos, mas no fomentar a amargura religiosa. O melhor tratamento de recuperao nesses casos formar discpulos. A forma-o espiritual no prope isolar pessoas, mas lev-las ao Senhor, para

    ouvindo a sua voz, correspondam a seu chamado como missionrios em seu contexto. Por isso, antes de pensarmos o conceito comunidade missional, precisamos pensar uma comunidade de discpulos.

    Um engano recorrente na Igreja o de excluir o princpio do discipulado da vida cotidiana da comunidade, fazendo com que o discpulo se torne uma marionete de domnios de subaproveitamento apostlico ou apenas um mero leitor de uma apostila. O discpulo o ser comunitrio, que reconhece a sua necessidade da vida de Igreja. Precisamos da Igreja porque a partir da doutrina da Trindade e do

    mistrio da comunho que vemos que a vida crist basicamente relacional, a converso do indivduo em pessoa diante de Deus.

    O indivduo o ser encapsulado em si mesmo. Realiza-se a partir de suas prprias conquistas, interpreta a liberdade como autonomia e rejeita tudo o que vem de fora como sendo menos real e verdadeiro. J a pessoa, o ser liberto de si mesmo para uma vida de entrega e auto-abandono, que se realiza na comunho e na experincia de amor com Deus e o prximo. Alegra-se com a co-dependncia, aprende

  • MISSIONAL54

    a confiar, aceita a paternidade de Deus e alegremente submete-se a

    ela provando o cuidado amoroso do Pai e a comunho com o Filho.

    A converso ao Evangelho no apenas uma converso de convices

    e comportamento, mas uma converso do ser. a transformao do ego-smo na generosidade, da mgoa no perdo, da alienao na comunho. As virtudes de um discpulo de Jesus raramente so experimentadas solita-riamente, s podem ser provadas em comunho, na relao com o outro.

    Essa relao de pertencimento ao Senhor nos conduz fidelida-de horizontal, que no pode ser determina por relaes de poder,

    mas pelo amor e compromisso de sermos parte da mesma famlia, remando contra a correnteza de decepes que o evangelicalismo

    contemporneo tem proliferado. Isso resulta na falta de constncia que as pessoas demonstram com a Igreja.

    A sociloga Sandra D. Souza relata:

    No Brasil, como em outras partes do mundo, o fiel j no mais to fiel

    assim a sua religio, ele transita em diversas expresses religiosas. O perfil

    religioso do homem e da mulher contemporneos pode ser altamente cambiante, favorecendo um aspecto religioso num determinado momento, e outro logo depois (). A ideia de trnsito religioso admite o passeio por diversas religies (mesmo, em alguns casos, havendo predileo por uma ou outra) no demanda mudanas intestinais na forma de vida dos transeuntes e dispensa ou atenua o compromisso com uma instituio especfica. Isso pode ser melhor verificado

    entre aqueles que, apesar de admitirem uma pertena religiosa, transitam e se apropriam dos mais variados aspectos simblicos. No que isso no acontecesse anteriormente, mas estamos falando de uma intensificao disso. 19

    A comunidade dos discpulos uma comunidade de pertenci-mento. Outro grande engano das Igrejas que tem enfatizado uma

    19 Sandra D. Souza - Transito religioso e construes simblicas temporrias: uma bricolagem contnua - p. 164,165

  • JOO COSTA 55

    experincia comunitria o de se fecharem num gueto prprio, com um dialeto caracterstico, com usos e costumes especficos, seguindo

    os caminhos religiosos (no pior dos sentidos) predominantes. E uma das prticas abrir mo do pertencer ao Senhor, pertencer um ao outro em nome de uma pretensa liberdade. Precisamos desfrutar da riqueza de buscarmos o Senhor, conhecer o Senhor, juntos, como famlia. Dietrich Bonhoffer sabiamente escreveu:

    A vida em comum sob a Palavra comea com a adorao coletiva (). A famlia comunitria se encontra para louvar o Senhor, render aes de graas, ler as Escrituras e orar. 20

    Toda forma doentia de escapismo que os cristos contemporneos

    utilizam, resultado, segundo Thabiti Anyabwile, de uma:

    falha em entender ou assumir seriamente o propsito de Deus para a Igreja local - que ela seja central vida de seu povo. As pessoas no se tornam membros comprometidos de Igreja, e, por consequncia, discpulos saudveis, porque no entendem que esse compromisso exatamente o meio pelo qual Deus tenciona que seu povo vivncia a f e e experimente o amor cristo. 21

    Fugir da ideia do pertencimento (ao Senhor e ao prximo), atravs de subterfgios filosfico-existencialistas fugir de si mesmo. Pois

    essa construo nasce da falta da espiritualidade centrada no Evange-lho, que revela a glria de Deus. Essa falta de espiritualidade, gera uma crise de identidade que pode nos enclausurar em duas celas: a apatia ou a do ativismo. Se existe uma cura para essa crise, a obedincia Palavra, vai nos apontar o caminho e as possibilidades para alcan-la.

    O fato de sermos a comunidade de discpulos, no significa que

    somos guiados pelo discipulado em si, porque o princpio, da relao

    20 Dietrich Bonhoffer - Life Together: The Classic Exploration of Faith in Community- p 42 - Harper Collins - 197821 Thabiti Anyabwile - O que um membro de Igreja Saudvel - p.66 - Editora Fiel - 2010

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    entre mestres e alunos. Somos a comunidade de discpulos de Jesus, consequentemente, o que nos conduz e nos guia o Evangelho. Em sua orao Jesus posiciona os discpulos na relao trinitariana, reco-nhecendo que eles lhe foram dados pelo Pai, e que a marca disso o fato deles guardarem e obedecerem ao Evangelho.

    O que precisamos resgatar, para sobrepujar a crise ensimesmada da cristandade, a experincia dos discpulos em Jerusalm, que mesmo com dvidas, medos e ntidas limitaes, se converteram ao Evangelho

    e deixaram suas identidades/atuaes serem moldados pelo Evangelho,

    como fica evidente, por exemplo, no captulo 2 de Atos dos Apstolos.

    Jonathan Dodson descreve que: ao contrrio do que alguns possam pensar o discipulado no o motor da Igreja. O Evangelho . Sem o Evangelho, tanto o discipulado como a prpria Igreja falha. Sem a fora motriz do Evangelho, o discipu-lado se transforma em auto-ajuda religiosa motivada por um pietismo conservador. A Igreja reduzida a uma organizao sem fins lucrativos, em que as pessoas perdem o

    interesse. Mas o Evangelho reativa a Igreja e desmascara o dissimulado! 22

    Os discpulos que so empodeirados pelo Evangelho, sabem que o mestre, o rabi o prprio Deus soberano. A soberania de Deus se descortina para aqueles que tm a Palavra de Deus como pavimen-tao da sua jornada. A.W. Pink diz:

    Verdadeiramente, reconhecer a soberania de Deus , portanto, contemplar o prprio Deus soberano. comparecer presena da augusta Majestade nas alturas. ter a viso do Deus trs vezes santo, na excelncia da sua glria. O efeito de tal viso se pode aprender em trechos bblicos que descrevem a experincia de vrias pessoas que contemplaram o Senhor Deus. 23

    Uma proposta para uma comunidade de discpulos.

    Alguns insights mais prticos para a vida devocional de cada discpulo:

    No corao da nossa f est o discipulado, e de forma bem espe-

    22 Jonathan Dodson - http://theresurgence.com/2011/11/04/theres-a-discipleship-crisis-in-the-church-today23 AW Pink - Deus Soberano - p.140 - Editora Fiel - 2009

  • JOO COSTA 57

    cfica, o aprendizado de vida direto que temos atravs de Jesus (Mt

    28.18-20). Amadurecer como um discpulo de Jesus no acontece por

    acidente, a intencionalidade necessria. Para um discipulado efetivo precisamos de um foco definido.

    FOCO: Confiar em Jesus, Amadurecer em santidade e Viver em misso.

    CONFIAR EM JESUS.

    Em toda a Bblia, a grande boa notcia para a humanidade pode ser resumida em duas palavras: Confie Nele. Jesus esta boa notcia. Ns fomos criados por Ele e para Ele, portanto, a vida que realmente vida, s pode ser encontrada Nele. No entanto, o mundo, a prpria carne e o Diabo, fazem tudo para desalojar, distorcer e distanciar nossa confiana

    e contentamento Nele. A maior arma que ns temos contra esses opo-nentes uma f empodeirada pelo Esprito Santo, que nos leva a crer nas promessas de Deus, que , que era e que h de vir. Isso significa

    que devemos seguir os gemidos que no se expressam com palavras. Romanos 8.26, mostra que no temos em ns mesmos a capacidade se-quer de orar. Sendo assim, o caminho do discipulado, um caminho de espiritualidade que tem o Esprito Santo como condutor, nos levando a crer nas promessas de Deus, ao invs de seguir os impulsos da carne. No so as promessas do orgulho em se sentir importante, da auto-piedade para curar nossa baixa auto-estima, da luxria sexual para a satisfao, ou o dio para obter justia. O Esprito Santo nos d a capacidade de crer em promessas melhores, verdadeiras e duradouras. Ento, ao invs de acreditar em promessas superficiais e fugazes, ponha sua f nas pro-messas de Deus. Pea ao Esprito Santo para fortalecer a sua f, para ir alm dos impulsos da carne e crer em Deus.

    AMADURECER EM SANTIDADE.

    A semelhana de Cristo o nosso critrio para amadurecer em san-tidade. J sabemos que no nossa aparncia piedosa, ou nossa prpria

  • MISSIONAL58

    justia que vo nos levar a esta estatura (Ef 4.13). Mas, devemos entender que santidade no de uma hora para a outra. Santidade uma colheita (Gl 6.7). Ns temos duas estratgias aqui. Em primeiro lugar, para amadu-recer, ns devemos nos tornar bem familiarizados com as reas da nossa personalidade que extraem o pior de ns, onde ns somos mais propen-sos a pecar. A fim de vencer os impulsos da carne, ns temos que saber

    como, quando e onde eles so mais efetivos. Pea ao Esprito Santo para lhe convencer dos pecados que precisam ser identificados e combatidos.

    Em segundo lugar, importante saber o porqu de gravitarmos em certos pecados. Precisamos investigar em ns mesmo porque so-mos atrados para estes pecados. Quais as vantagens que eles trazem? Aceitao, satisfao, auto-estima, significado? Conhea a mentira

    em que voc acredita quando voc cede a estes impulsos. Santidade resulta do enfraquecimento habitual da carne atravs de uma busca intencional de uma vida guiada pelo Esprito Santo.

    VIVER EM MISSO.

    O viver missional que constri relacionamentos por causa do Evangelho tem que ser experimentado pela comunidade de discpulos, onde encaramos pessoas como amigas e no como projetos. O grande mandamento de Jesus amar a Deus e amar ao prximo. A grande comisso de Jesus fazer discpulos. Por vezes, nosso discipulado se pulveriza na procura por fazer discpulos. Como isso acontece?

    Quando por vezes procuramos fazer discpulos nas florestas ou no

    sudeste da sia, sem ao menos compartilhar nossa f com o vizinho ao lado. Os seguidores de Jesus proclamam o Evangelho, medida que revelam Jesus em suas prprias vidas pautadas pelas boas novas. Podemos experimentar nos encontrar regularmente com 3 ou 5 pes-soas que no seguem a Jesus, incluindo-as amorosamente na nossa vida, orando por elas e convivendo com elas. Tim Chester orienta:

  • JOO COSTA 59

    Hospitalidade envolve acolhimento, criar ambiente, ouvir, prestar ateno e generosidade. Refeies desaceleram as coisas. E alguns de ns no gostamos disso. Ns gostamos de coisas pr-prontas. Mas o compartilhar de uma re-feio nos fora a sermos orientados para pessoas ao invs de orientados para tarefas. Compartilhar uma refeio no o nico caminho para construir relacionamentos, mas o nmero um da lista. 24

    Compartilhar da mesa uma expresso das mais eficazes quando

    queremos fazer algum se sentir parte da nossa famlia. Se temos a inteno de cumprir a grande comisso, temos que entender o carter de redeno da identidade que a mesma carrega. Inserir, trazer para a nossa vida, aquele que no segue a Jesus, uma forma de mostrar o caminho que trar para a vida dessa pessoa o resgate da sua iden-tidade, em Deus. Brad House define bem essa questo:

    Ns somos portadores da imagem de Deus, criados sua imagem para pro-clamar sua grandeza toda criao. Isso quem ns somos, no o que fazemos. Isto significa que ns temos um valor intrnseco como portadores da Sua imagem

    e que ns fomos criados com um propsito - reconhecer a glria de nosso Criador. a partir da imagem de Deus e da obra reconciliadora de Cristo na cruz que ns expressamos nossa identidade como discpulos de Jesus, adorando a Deus, em comunho com o corpo de Cristo e em misso no mundo. 25

    24 Tim Chester - A Meal With Jesus - p.46 - Re: Lit/Crossway - 201125 Brad House - Community - pg 91 - Re: Lit/Crossway - 2011

  • MISSIONAL60

  • JOO COSTA 61

    O nosso senso de pertencimento procede do reconhecimento que temos da identidade do nosso Deus, no um acolhimento sentimental, mas uma consciente tomada de postura diante da reve-lao de quem Ele e qual o seu propsito para ns. medida que a imago Dei (a imagem de Deus) vai definindo nossa imagem como

    discpulos, a opus Dei (a obra de Deus) revelada ao corpo de Cristo, a Igreja, que se lana em misso por crer que Jesus foi enviado em misso. Desta forma, podemos viver em misso de forma holstica, interpretando as nuances de fazer parte de uma obra, como Igreja.

    Muito se fala hoje dos aspectos orgnicos da vida da Igreja, o que para alguns se tornou praticamente um novo modelo de Igreja. incoerente com o princpio central ensinado por alguns lderes que articulam h alguns anos o conceito orgnico da Igreja como Wolfgang Simson, John White, Alan Hirsch, Michael Frost, Milt

    Rodriguez e Neil Cole. Mais ainda, incoerente com o ensino de

    captulo 5

    Reconhecimento e Revelao

    Por sua prpria natureza, o fascnio algo que nos pega desprevenidos e est acima de qualquer expectativa ou suposio, E no pode ser colocado dentro de um esquema nem

    explicado. Requer a presena e o envolvimento da pessoa. Eugene Peterson

    Porque lhes transmiti as palavras que tu me deste, e eles as acolheram e verdadeiramente reconheceram que vim de ti e creram que tu me enviaste.

    Joo 17.8

  • MISSIONAL62

    Jesus. A grande questo de acolhermos a palavra e reconhecer quem nosso Deus que nos envia em misso, a nossa prpria vida. Se voc tiver revelao em relao a isso, ento, no momento em que fizer a menor coisa individualista e no relacionada ao Corpo, voc

    sentir e saber que est errado, mesmo sendo uma coisa pequena. No existe absolutamente qualquer lugar para a independncia ou individualismo, pois isto o ego, isto voc, no Cristo.

    Se voc no tem conscincia do Corpo, ento seu entendimento est na esfera mental e no vem por revelao. Se for assim, algo que voc recebeu de fora, no algo que veio do interior. No espontneo e no vida para voc. Pelo contrrio, algo nas esferas superficiais de quem

    somos, e no uma revelao. Caso contrrio, voc teria conscincia do Corpo. Se for algo que voc pode jogar fora, de que pode livrar-se ou pr de lado, ento voc no tem revelao sobre o Corpo.

    Esta revelao nos impulsiona ao envolvimento com a obra de Deus, com o trabalho comunitrio de ser e fazer discpulos. E com a mente cheia de reconhecimento e o corao iluminado pela revelao, que nossa caminhada se livra das cadeias do ativismo caracterstico de comunidades regradas pelas tradies denominacionais e programas e

    nos liberta da apatia bocejante das comunidades neo-alguma-coisa que se escondem atrs do cinismo pseudo-intelctual.

    Se voc est realmente no Corpo, como uma experincia resultante de revelao, voc no tem como se livrar dele. Voc no tem outro cami-nho, no existe outra escolha, s existe um caminho para voc. Se voc no segui-lo, no existe outro caminho para voc, simplesmente porque voc viu o Corpo por revelao. Se for revelao ser algo interior, no seu esprito, e no algo exterior fruto de manobras de comportamento.

    Fora da Igreja, que o Corpo de Cristo, no h possibilidade de trabalhar para Deus. Se voc for a um lugar onde existe uma Igreja verdadeira, isto , uma expresso do Corpo de Cristo que realmente

  • JOO COSTA 63

    Sua Igreja, voc no pode trabalhar separado daquela Igreja, isto , no relacionado com ela. No abrigue a idia de que os pastores, lderes ou pessoas com evidncia eclesistica so os nicos missionrios que Deus estabeleceu no Corpo e para o Corpo. Realmente no so os nicos. Cada membro do Corpo designado por Deus para trabalhar para Deus, o Corpo e a edificao do Corpo. No que alguns so obreiros

    e outros so simplesmente membros do Corpo. Todos so obreiros,

    por isso enfatizamos aqui, todos so missionrios.

    O Corpo de Cristo deve edificar a si mesmo, porque a origem

    dessa edificao o Cabea, Jesus Cristo, e por meio do seu Esprito

    temos a revelao que nos faz reconhecer Cristo em todas as partes do Corpo. Pedro Arruda diz:

    A falta de revelao impede muitos de encontrarem Cristo na leitura da Bblia ou na orao. Pelo mesmo motivo, a grande maioria no consegue encontrar Cristo no outro. Trata-se da mesma revelao que fez a opinio de Pedro distinguir-se das outras, que eram baseadas no conhecimento humano das Escrituras, quando respondeu a Jesus: Tu s o Cristo, o Filho do Deus vivo! (Mt16.16). Foi essa revelao tambm que possibilitou a Simeo olhar para o menino Jesus e ver o que o sacerdotes que o circuncidaram no viram (Lc 2.26) 26

    Na verdade, a obra de Deus (no nossa obra, mas a obra de Deus atravs de ns) s comea quando h revelao. Exteriormente a viso celestial, interiormente a revelao. Deus no quer que faa-mos uma espcie de trabalho genrico ou uma miscelnea de obras para Ele. Ele deseja que conheamos todo o Seu plano e trabalhemos com Ele em direo a um plano e propsito claros. Pois no somos apenas Seus servos, mas tambm Seus amigos (Jo 15:15).

    Toda entrega e consagrao valiosa, mas, falando francamente,

    s depois da revelao que a entrega e a consagrao podem ser

    26 Pedro Arruda - A Comunho Nossa de Cada Dia - pg 74 - CCC Edies - 2010

  • MISSIONAL64

    de muito valor, pois somente assim podem ser completas.

    Nossa entrega antes dessa revelao s tem em vista a salvao. Ele me comprou com Seu sangue, Seu amor por mim indescritvel. Por isso, devo dar a mim mesmo a Ele. Eu devo dar a mim mesmo e tudo o que tenho por causa do Seu amor e graa salvadora. Mas depois da revelao, isso totalmente diferente, pois procede do reconhecimento inicial da nossa condio de pecadores diante da s