Mito da modernização pelo trilhos - 1867- 1940

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FELIPE DE ALVARENGA BATISTA

O MITO DA MODERNIZAO PELOS TRILHOS: A ERA FERROVIRIA EM MINAS GERAIS, 18501940.

Belo Horizonte, MG FACE/UFMG 2010

FELIPE DE ALVARENGA BATISTA

O MITO DA MODERNIZAO PELOS TRILHOS: A ERA FERROVIRIA EM MINAS GERAIS, 18501940.

Monografia apresentada ao curso de Graduao em Cincia Econmicas, da Faculdade de Cincias Econmicas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel em Cincias Econmicas

Orientador: Marcelo Magalhes Godoy

BeloHorizonte,MG UniversidadeFederaldeMinasGerais FaculdadedeCinciasEconmicas DepartamentodeCinciasEconmicas 2010

Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Cincias Econmicas Departamento de Cincias Econmicas

Felipe Alvarenga Batista

O MITO DA MODERNIZAO PELOS TRILHOS: A ERA FERROVIRIA EM MINAS GERAIS, 1850-1940.

Monografia apresentada Faculdade de Cincias Econmicas, da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial obteno do Grau de Bacharel em Cincias Econmicas. Aprovada em ____ / ____ / ____, pela Banca Examinadora constituda pelos seguintes professores:

CONCEITO:

Prof Universidade Federal de Minas Gerais

Prof Universidade Federal de Minas Gerais

Prof. Marcelo Magalhes Godoy (orientador) Universidade Federal de Minas Gerais

AGRADECIMENTOS Aqueles a quem primeiro agradeo so meus pais, Wander e Mnica, por no medirem esforos em manterem a famlia unida e permitirem canalizar todo meu esforo nos estudos. A Roberta e Carolina, pela companhia e amizade. V Roberto, pelas discusses acaloradas, que somente tm a engrandecer minha perspectiva e V Dudut, pelos dois anos de abrigo em Belo Horizonte. Aos padrinhos, tio Ramiro e tia Cristina, a quem posso recorrer sempre que necessrio. Alm dos inumerveis tios e primos, estejam eles mais ou menos presentes. A Marcelo Godoy sou especialmente grato pela pacincia, direo, rigor e incentivo. Lidiany e Daniel Diniz, companheiros do Diagnstico e Jlia, camarada de bolsa e de sala. Amigos, poucos, verdade, mas cuja amizade indubitavelmente firme: Thales, Lcio, Hlio, Marcelo, Thiago Muniz, Fernando, Ademir, Pedro, Matheus, Arthur Souto, Arthur Moreira, Weslei, Wallace, Thiago Dummont, Marcelo Arajo, Thiago Pinho, Lucas Arago. Obrigado.

RESUMO Esta monografia pretende contribuir ao entendimento do processo de modernizao dos transportes da economia mineira levado a cabo pelo ferroviarismo. Apesar de ser necessrio ter constantemente em mente a lgica geral que atua sobre o a economia brasileira neste momento, assim como as alteraes que tal lgica engendra, faz necessrio que no se generalize os processos de transformaes econmicas regionais e tampouco os casos de modernizao dos transportes ocorridos. A era ferroviria mineira, compreendida aproximadamente entre os anos de 1867 a 1940, somente pode ser estudada levando-se em conta as espeficidades histrico-estruturais e polticas de Minas de Gerais. Se, por um lado, assentada em sentido radial, as estradas de ferro no representavam o interesse da estrutura econmica de fins do sculo XIX, por outro, momento manifesto do carter patrimonialista de Minas Gerais. Tal atributo exacerba-se a ponto de a era ferroviria mineira poder ser vista enquanto importante momento de transferncia de recursos pblicos a capitais privados. Marcada por 6 diferentes momentos: 1869-1878, 18791898, 1899-1907, 1908-1916, 1917-1928 e 1929-1940, a malha mineira se tornou a maior malha ferroviria estadual do Brasil., sem contudo solucionar os problemas econmicos de Minas Gerais. Atuou, portanto, enquanto mito porque Minas permanentemente perdeu substncia em relao a So Paulo e seu dom progressista se manteve inabalvel, e tampouco foi capaz de solucionar a questo relacionada com a desarticulao do mercado interno. Quando o vu do ferroviarismo se desfez, Minas j estava prestes a assumir posio subordinada na diviso inter-regional do trabalho, cabendo ao rodoviarismo consolidar a referida dependncia. PALAVRAS-CHAVE: era ferroviria mineira, desenvolvimento regional, modernizao dos transportes.

SUMRIO 1. INTRODUO ....................................................................................................................1 2. CAPITALISMO E MODERNIZAO DOS TRANSPORTES.....................................3 2.1. CAPITALISTMO E MODERNIZAO DOS TRANSPORTES NO CENTRO .............3 2.2. INSERO PERIFRICA E MODERNIZAO DOS TRANSPORTES NO BRASIL 3 2.3. MODERNIZAO DOS TRANSPORTES NO BRASIL: FERROVIAS ........................4 2.4. CARACTERSTICAS ESTRTURAIS E PARTICULARES DA MODERNIZAO DOS TRANSPORTES NO BRASIL. ........................................................................................8 3. ECONOMIA E POLTICA NAS MINAS GERAIS .......................................................11 3.1. TERRITRIO DE CONTRASTES DAS MINAS OITOCENTISTAS ...........................11 3.2. DA PERDA DE SUBSTNCIA RELATIVA INSERO PERIFRICA NO CAPITALISMO BRASILEIRO: 1890 A 1955........................................................................13 3.3. MINAS GERAIS NA REPBLICA VELHA ..................................................................15 4. MITO DA ERA FERROVIRIA .....................................................................................19 4.1. MINAS GERAIS: PROVNCIA NO-EXPORTADORA E A POSSIBILIDADE DE UMA MODERNIZAO ALTERNATIVA DOS TRANSPORTES ....................................19 4.2. HISTRIA DAS COMPANHIAS FERROVIRIAS ......................................................21 4.3. PRINCIPAIS CARACTERSTICAS DA ERA FERROVIRIA MINEIRA...............30 4.4. PROPOSTA DE PERIODIZAO PARA A ERA FERROVIRIA MINEIRA........33 5. CONCLUSO.....................................................................................................................43 REFERNCIAS .....................................................................................................................45 ANEXO A GRFICO E MAPAS DA EVOLUO DA MALHA FERROVIRIA MNEIRA .................................................................................................................................47

1 1. INTRODUO Esta monografia pretende ser uma contribuio historiografia econmica de Minas Gerais. Mais especificamente, pretende contribuir ao entendimento do processo de modernizao dos transportes da economia mineira levado a cabo pelo ferroviarismo. Nasce pstuma pelo fato de ser uma primeira manifestao de estudos que ainda ho de ser levados diante e estaro mais bem sustentados pelo uso de maior variedade de fontes primrias. A era ferroviria mineira, compreendida aproximadamente entre os anos de 1867 a 1940, somente pode ser estudada levando-se em conta as espeficidades histrico-estruturais e polticas de Minas de Gerais; devendo-se evitar a todo custo a generalizao do caso de So Paulo. Diferentemente do caso paulista, a era ferroviria mineira indissocivel de contedo poltico, percebido seja pelo mpelo das concesso, pelo vulto dos emprstimos cedidos pela Lei n64, ou pela intensidade dos processos de encampao e administrao pblica que aqui tomaram cabo. O processo de modernizao dos transportes pela adoo do modal ferrovirio, como pode ser percebido pelas anlises dos Inquritos Provinciais de 1850-1860 e dos planos de viao provinciais realizados, no representava as reais necessidades da economia mineira, mas sim a crena de que o ferroviarismo trazia consigo a prpria modernidade. Visto como um fim em si mesmo e no enquanto meio de propulso do desenvolvimento econmico, a ferrovia atuou em desarmonia com o contedo econmico. Mito do progresso, atributo supostamente trazia imanente, as estradas de ferro cobriram o espao mineiro numa extenso no observada em nenhuma outra regio brasilira. Sua dimenso ultrapassou os 8.000 km e atingiu as mais remotas regies de Minas. Atuou enquanto mito porque durante sua supremacia enquanto modal, Minas permanentemente perdeu substncia em relao a So Paulo e seu dom progressista se manteve inabalvel. Tampouco foi capaz de solucionar a questo relacionada com a desarticulao do mercado interno. No que tenha sido a causa fundamental da perda de posio relativa, mas, com certeza, no contribui realizao do potencial latente que a economia mineira esbanjava em meados nos momentos imediatamente anteriores sua implantao. Tampouco foi capaz de solucionar a questo relacionada com a desarticulao do mercado interno de Minas Gerais. O vu alienante manteve a crena nos supostos benefcios imanentes ferrovia at meados do sculo XX quando, desarticulada, sem sentido econmico e altamente custosa a malha foi abandonada. Neste momento, Minas j aparece inserida submissamente na diviso inter-regional do trabalho e ao rodoviarismo cabe a funo de conformar nacional e consolidar manifestao dependente. Esta monografia esta dividida em 3 captuos, alm desta introduo e da concluso. O primeiro captulo, Capitalismo e modernizao dos transportes, discute, inicialmente, as diferenas histricas da modernizao dos transportes no centro e na perifrica e, em um segundo momento, faz a importante ressalva da problemtica de generalizao do caso de modernizao dos transportes na periferia. O captulo dois, entitulado, Economia e poltica nas Minas Gerais, busca esclarecer as caractersti

2 cas histrico-estruturais e polticas da regio. Aqui so ressaltadas as espeficidades da economia de Minas Gerais desde a conformao de territrio de contrastes at a insero subordinada na diviso interregional do trabalho, bem como a autonomia relativa da esfera poltica, dominada pelo sentido patriarcal. O terceiro captulo, contribuio maior desta monografia, realiza um estudo bsico sobre a era ferroviria mineira com base nas Mensagens de Presidente de Provncia e Estado no perodo 1840-1930, 1937, 1938, 1947 e 1948; dos Anurios Estatsticos de Minas Gerais dos anos de 1906, 1911, 1918, 1921, 1929 e 1949-52 e dos Anurios Estatsticos do Brasil dos anos de 1908-1912, 1936, 1937, 1939/40, 1946/52 e 1960-61. So tratados os principais momentos histricos das companhias ferrovirias aqui atuantes; apresentadas as caractersticas essenciais de nossa era ferroviria; e apresentada, ao fm, uma proposta de periodizao.

3 2. CAPITALISMO E MODERNIZAO DOS TRANSPORTES 2.1. CAPITALISTMO E MODERNIZAO DOS TRANSPORTES NO CENTRO O desenvolvimento da indstria de transporte, compreendida aqui enquanto indstria autnoma atuante na e para a esfera da circulao, embora integrante e necessria esfera da produo, somente pode ser compreendido no bojo do processo de surgimento, maturao e expanso do modo capitalista de produo (MARX: 1982). Segundo Natal (1991), a modernizao dos transportes nos pases centrais pode ser divida em trs perodos. No primeiro, compreendido entre a Idade Moderna e o incio da Revoluo Industrial, a proeminncia de modal coube navegao fluvial, realizada por canais que, posteriormente, e principalmente na Inglaterra, vieram constituir um primeiro sistema integrado de transportes. Foi este o meio originrio de transporte do ainda incipiente modo capitalista de produo, e que permitiu uma primeira etapa de consolidao do mercado interno. Seus limites se explicitaram no perodo entre a primeira e a segunda Revoluo Industrial, quando, ento, percebe-se a emergncia e a consolidao do padro ferrovirio, predominante a partir da metade do sculo XIX. A terceira fase do processo de modernizao dos transportes, consequncia da maturao da segunda Revoluo Industrial, ser marcada pela substituio progressiva do ferroviarismo pelo rodoviarismo-automobilismo; modal consolidado j nas primeiras dcadas do sculo XX. O surto do ferroviarismo principia-se na dcada de 1840, em um momento em que o capital requer maior dinamicidade, novos espaos de investimento e novos mercados de atuao1. O desenvolvimento do modal ocorre pari passu ao processo de diversificao/autonomizao do capital e da profuso do modo de produo capitalista pela Europa. A retroalimentao de foras entre a esfera da circulao e a esfera da produo, possvel pela harmonia de interesses entre o capital da indstria de transporte e os capitais financeiro e industrial, compem o motor de propulso das ferrovias. (HOBSBAWM: 1996) A era ferroviria na Europa e nos Estados Unidos perde a proeminncia enquanto modal de transporte, conforme relata Lambert (1974), a partir da virada do sculo XIX para o sculo XX, quando j existe uma rede integrada de vias frreas que abarca uma srie de pases. Desta feita, quando a era rodoviria se impe nos pases centrais, cabe a ela articular e completar a malha frrea. Em condies econmicamente favorveis, as rodovias tero como objetivo intensificar a capilarizao de um sistema de transportes j consolidado e aprofundar ainda mais a disseminao do modo de produo capitalista. 2.2. INSERO PERIFRICA E MODERNIZAO DOS TRANSPORTES NO BRASIL A idia tpica que temos de modernizao dos transportes, se tomarmos como exemplos ilustres deste processo as ferrovias e os navios a vapor, se mostrou indissocivel da expanso do modo de produo capitalista, seja nos pases centrais ou nos perifricos. H, todavia, uma importante diferena em Os dados de Tenrio (1996) permitem vislumbrar a rpida evoluo do modal ferrovirio na Europa: em 1830, surgia a primeira linha funcional de estrada de ferro perfazendo o caminho Manchester-Liverpool, em 1848, ainda antes da morte de George Stepheson, inventor da primeira locomotiva, The Rocket 10000 km de estradas de ferro j haviam sido assentados.1

4 relao ao perodo e situao histrica em que tal processo ocorre. Enquanto nas economias centrais, o incio do processo esteve intimamente ligado s necessidades do capital sucitadas pela Revoluo Industrial, nos pases perifricos a modernizao dos transportes manteve intima ligao com o processo de Imperialismo compreendido por Lenin (1974); enquanto etapa em que o modo de produo capitalista supera a etapa de exportao de mercadorias, e passa tambm a exportar capitais e empresas para espaos onde at ento predominavam modos de produo outros que no o capitalista. O rpido processo de aprofundamento da vinculao das economias perifricas ao mercado mundial capitalista, a partir de meados do sculo XIX, ocorre concomitantemente a uma srie transformaes institucionais, sociais, econmicas e polticas naquelas, dentre as quais se destacam a criao de mercados de terras, capitais e trabalho. O resultado desta nova vinculao de economias dspares a reconfigurao da diviso internacional do trabalho, hierarquicamente definida segundo a funo que a cada uma cabe. O Brasil, em particular, assume uma posio perifrica, exportando matrias-primas s indstrias manufatureiras e bens de subsistncia. Vista enquanto fruto da expanso das economias centrais, a condio de dependncia uma produo histrica, e o subdensenvolvimento, um tpico desenvolvimento capitalista de pases perifricos. (FURTADO: 1991). A tendncia modernizao dos transportes no Brasil aparece enquanto processo relacionado expanso do modo de produo capitalista a nvel mundial e insero perifrica do pas na diviso internacional do trabalho. , portanto, antes resultado da atuao do capital sobre o processo de circulao desta estrutura econmica depedente, que uma necessidade precpua criada internamente economia brasileira. 2.3. MODERNIZAO DOS TRANSPORTES NO BRASIL: FERROVIAS inegvel que a modernizao dos transportes realizada pela introduo da navegao a vapor, dos trens de ferro, automveis e caminhes em substituio gradativa e at hoje incompleta aos transportes tradicionais tais quais, as balsas, jangadas, canoas, barcaas, barcos, tropas de muares e veculos de trao animal (carroas carroo, carreta, litera) tenha representado um avano na circulao de bens e pessoas e no tenha sido fundamental na integrao econmica e espacial do territrio brasileiro. Seja pela ausncia de uma imposio tal qual a do capital, pela submisso imposta pela natureza, seja porque realizavam plenamente bem a funo que deles se esperava, no Brasil, como pode ser observado pelo trabalho de Goulart (1959) Meios e instrumentos de transportes no interior do Brasil, os meios de transporte fluvial e terrestre no haviam ultrapassado os estgios iniciais de desenvolvimento at meados do sculo XIX.2 No que concerne ao tema dos transportes, o perodo colonial foi momento de notvel despreocupao com a construo de vias de comunicao, que no aquelas relacionadas realizao do sentido co2

Tenrio (1996) descreve bem o estado das vias de comunicao: as estradas no passavam de picadas estreitas, que de to reduzidas, mal suportavam a passagem dos tropeiros. Estes, no raras vezes caminhavam em fila indiana, roando nos galhos, e, no raras vezes devido chuva e a falta de conservao dos caminhos, eram impossibilitados de prosseguirem viagem. As vias fluviais navegadas por canoas, jangadas e embarcaes de pequeno porte, eram utilizadas sob condies naturais, sem receberem qualquer tratamento que facilitasse a navegao, ou o simples ato de atravessar os rios.

5 lonial. Os 4 sistemas que compe a viao colonial: Amaznico, Nordestino, Centro-Sul e extremo Sul, so antes sistemas independentes e desarticulados. No se pode falar de um sistema de comunicao terreste enquanto meio eficiente de garantia da unidade nacional ou propulsor de ntimo contato entre as ilhas econmicas que se formam no perodo. Como regra geral, tais sistemas foram construdos a partir do litoral, refletindo a dependncia do setor externo enquanto centro dinmico da economia; e apenas o sistema do Centro-Sul, em especial o de Minas Gerais, logrou organizao exemplar e foi capaz de algum grau de articulao com os demais sistemas. (PRADO JR: 1963) Ser somente aps a vinda da Corte portuguesa, mas principalmente com a Independncia, que a preocupao com abertura e conservao de vias de transporte assumir papel de importncia nas pautas de discusso da classe governista. Inicialmente, tal preocupao tem o fim poltico de facilitar a comunicao da Corte com o resto da Colnia. Mas, com a Independncia, as vias de transporte comeam a ser tratadas enquanto meios indispensveis ao desenvolvimento da nao. (TENRIO: 1996). A primeira Lei a versar acerca da necessidade impulsionar o sistema de viao nacional data de 29 de agosto de 1828, e estabelece regras de concesses pblicas navegao fluvial, abertura de canais, estradas e pontes. A primeira referncia ao modal ferrovirio data de 31 de Agosto de 1835 discusso precoce para um projeto de tal envergadura mesmo em relao s modernas naes do perodo. Expedido na Regncia do Padre Feij, o Decreto n101, autorizava o Governo a conceder privilgios a uma ou mais companhias que construissem uma estrada de ferro ligando o Rio de Janeiro s provncias de Minas, Bahia e Rio Grande do Sul. Tal decreto se mostraria ineficiente se considerarmos sua capacidade efetiva de assentar trilhos; resultado este obtido pelo fato de que outras naes j ofereciam garantia de juros e cesses de terra enquanto privilgios s companhias. (ACIOLI: 2007). O ponto inicial daquilo que se conformou na era ferroviria brasileira dr-se-ia somente com a entrada em vigor do Decreto n 641, expedido em 1852. Conhecido como Lei de Garantia de Juros, o Decreto autorizava ao governo a conceder companhia organizada que construisse a ligao total ou parcial das provncias do Rio de Janeiro, So Paulo e Minas Gerais por estrada de ferro, a garantia de 5% de juros sobre o capital investido, obteno no onerosa de terras e iseno de direitos de importao de carvo mineral e equipamentos ferrovirios.3 Lanada na praa londrina pelo Estado, a companhia no foi capaz de levantar capital suficiente para realizar tal empreendimento; a Lei n 641, todavia, realizou suficientemente bem sua funo. Dois anos no tardariam e, em 30 de Abril de 1854, a locomotiva Baronesa, da Imperial Companhia de Navegao a Vapor e Estrada de Petrpolis, concesso garantida pelo Baro de Mau, inauguraria os primeiros 14,5 km da malha ferroviria brasileira, percorrendo os trilhos que ligavam a baia da Guanabara raiz da serra em Petrpolis. Quebrada a inrica do ferroviarismo, em 1855, pelo Decreto n 1599, seria criPontos importantes ainda no estabelecidos pelo Decreto referem-se, primeiro, ao limite de capital empregado na construo, e, segundo, o perodo sobre o qual a garantia de juros vigoraria. Como contrapartida, a companhia deveria respeitar o prazo estabelecido de incio e trmino da construo, fazer uso exclusivo de mo de obra livre assalariada.3

6 ada a sociedade annima Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II. Em 1858, seriam inaugurados os trilhos da Recife and So Franciso Railway Company, empreendimento que marca o primeiro negcio ingls em estradas de ferro no Brasil. Da se seguiriam a Bahia and So Francisco Railway Company, e a estrada Santos-Jundia, concedida So Paulo Railway Company Limited, um dos empreendimentos mais lucrativos da Amrica Latina. Apesar de ter garantido o assentamento dos primeiros trilhos no Brasil, o Decrreto n641 no impulsionou e garantiu dinamicidade indstria ferroviria que, em 1872, expandia-se por somente 932 km, em evidente sentido radial. O marco legal que estabelece o incio da era ferroviria brasileira propriamente dita o do Decreto Imperial n2450, de setembro de 1873, atravs do qual se passava a conceder subvenes quilomtricas ou garantias de juros. Tal Decreto instituia cinco importantes alteraes em relao ao Decreo n 640: elevava o valor do juros garantido de 5% para 7%, estabelecia tempo mximo de 30 anos sobre o qual tal capital teria tal privilgio, requeria comprovaes estatsticas de que o empreendimento apresentaria renda lquida superior a 4% ao ano, estabelecia limite mximo sobre o capital garantido e afianava as garantias de juros e subvenes cedidas por concesses provincias. A Lei n5561, de 28 de fevereiro de 1874, e o Decreto n 6995, de 10 de Agosto de 1878, no estabeleceriam mudanas importantes na poltica ferroviria, apenas, confirmariam a tendncia j expressa de apropriao de recursos pblicos por capitais privados. Claramente houve um avano gradativo na velocidade de construo das estradas. Enquanto na dcada de 1860 foram assentados 521,4 km de trilhos, na dcada de 1870, foram construdos 2.653,3 km. Os dados demonstram que o perodo compreendido entre 1880 e 1920 marca o auge da era ferroviria nacional. A mdia de avano dos trilhos, que havia sido de 125 km/ano entre 1854-1880, atingiria a surpreendente mdia de 613 km anuais. Os 3.397 km de trilhos franqueados em 1880 seriam fortemente superados; nos anos de 1890, 1900, 1910 e 1920, quando a extenso da malha atingiu, respectivamente, 9.973,1 km; 15.316,4 km, 21.325,6 km e 28.534,9 km4. A malha ferroviria, uma vez inserida dentro da lgica primrio-exportadora, tendeu a privilegiar a macro-regio que se mostrava mais estreitamente vinculada a tal dinmica. A alta densidade da malha ferroviria brasileira no Centro-Sul pode ser percebida, por exemplo, pelos dados retirados do Anurio Estatstico de 1908-1912: dos 17.401,640 km da rede federal abertos ao trfego, 74% pertenciam a So Paulo, Minas, Rio de Janeiro ou Esprito Santo, e dos 6089,7 km das redes estaduais, 88% esto localizados nestes mesmos estados. Ou pode ser observada pela densidade da malha no ano de 1930. O perodo entre 1920 e 1950, marcada por fraco crescimento da malha nacional, em mdia, 262,7 km/ano de trilhos acrescidos, marca o ltimo suspiro da era ferroviria brasileira, que atingir 36.681 Km. Desde a ecloso da Grande Guerra as companhias ferrovirias no se mostravam capazes de manter Devemos levar em considerao, ainda, que este avano da malha entre os anos de 1910 e 1920, ocorreu essencialmente nos anos anteriores ao conflito mundial, o que leva a crer na dinamicidade do ferroviarismo nos anos imediatamente anteriores I Guerra Mundial.4

7 um avano robusto tal qual o verificado no perodo anterior; as dificuldades de importao de material rodante e as complicaes com o pagamento de juros relativos a emprstimos obtidos no exterior, principalmente devido ao agravamento cambial repercutiam fortemente na sade das companhias. E a interveno do Governo Federal, se mostrava cada vez mais necessria, seja na administrao das companhias, em grande parte encampadas, seja na construo dos trilhos. Segundo PAULO NAZARETH (1978)a partir de 1914 foi fraco o ritmo de construo ferroviria, caracterizando-se o sistema ferrovirio por crescente declnio da administrao privada, que passou de 72% da extenso total em 1870 para 33% em 1929, 23% em 1945 [...] e para 6% em 1953, sendo totalmente estatizada a partir da criao da Rede Ferroviria Federal, em 1957 (NAZARETH, 1978, pg. 237).

TABELA1Malhaferroviriabrasileira,18541970Ano 1854 1860 1864 1869 1870 1872 1874 1880 1890 1900 1910 1912 1920 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1940 1950 1955 1957 1958 1959 1960 1970 Fonte: IBGE e Anurio Estatstico do Brasil 1946/52. Extenso em trfego (Km) 14,5 222,7 411,0 713,0 744,1 932,0 1357,0 3397,9 9973,1 15316,4 21325,6 23491,0 28534,9 30731,5 31332,8 31549,0 31851,2 31967,4 32478,0 34251,7 36681,0 37092,0 37422,0 37987,0 37721,0 38339,0 31878,0 Acrscimo 0,0 208,2 188,3 302,0 31,1 187,9 425,0 2040,9 6575,2 5343,3 6009,2 2165,4 5043,9 2196,6 601,3 216,3 302,2 116,2 510,6 1773,7 2429,3 411,0 330,0 565,0 -266,0 618,0 -6461,0

Se as companhias ferrovirias so aqui vistas como agentes que atuam na e para a esfera da circulao, e esta esfera , por sua vez, momento imanente, necessrio e indissocivel da esfera da produo, devemos compreender as manifestaes no concernente adminstrao e desenvolvimento da indstria de transporte no quadro da anlise das transformaes estruturais pelas quais a economia brasileira enfrenta a partir da segunda dcada do sculo XX. A estrutura produtiva do Brasil, inserida subordinadamente na diviso internacional do trabalho enquanto exportadora de produtos primrios e importadora de manufaturados sofre cada vez mais intensamente a deteriorao estrutural dos seus termos de troca e os reflexos desde processo em sua balana de pagamento, especialmente debilitada devido ao padro-ouro. A crise cambial da resultante impele a uma tendncia de substituo de importao, medida que as importaes dos produtos manufaturados se tornem cada vez mais caras em moeda nacional. O processo de substituio de importaes acelerar

8 se-ia em momentos oportunos, tais quais, as Guerras Mundiais e a Crise de 1929. So nestas primeiras dcadas do sculo XX que, gradativamente, se percebe o ganho de importncia da economia industrial e o deslocamento do centro dinmico do setor externo para o setor interno. (FURTADO: 1991). A ascenso do capital industrial e de um modelo de acumulao assentado no processo de industrializao por substituio de importaes demandam necessariamente a consubstanciao de um mercado interno de mbito nacional. Neste momento, a necessidade de maior proximidade entre os mercados regionais no pode se realizar pelas ferrovias, cujos trilhos esto voltados quase exclusivamente aos portos de exportao. O Estado passa a aliar-se ao capital interno e estrangeiro na tentativa de conformao de um sistema rodovirio, cuja tarefa justamente a conformao de um mercado nacional que permita o processo de acumulao do capital industrial. (NATAL: 1991). No perodo entre 1930 e 1955, podemos obervar a mencionada tendncia de retrocesso do modal ferrovirio e ascenso do rodoviarismo. A adoo por parte do estado ao padro rodovirio ser evidnciada com a elaborao do Plano de Metas proposto e realizado por JK.5 2.4. CARACTERSTICAS ESTRTURAIS E PARTICULARES DA MODERNIZAO DOS TRANSPORTES NO BRASIL. Na seo anterior buscamos apresentar os principais momentos do processo de modernizao dos transportes no Brasil, assim como a preocupao bsica de assentamento das ferrovias a partir do contexto de carncia de vias permanentes de transporte e insero subordinada lgica capitalista mundial. Salientada a preocupao precpua em garantir contato direto entre os setores exportadores de cada regio e o litoral, enfatizamos a incapacidade das estradas de ferro promoverem o contato entre as diversas ilhas econmicas, voltada precipuamente para garantir um contato mais estreito entre as zonas de produo agro-exportadoras e os portos no litoral. Alm disso, resssaltamos a apropriao de recursos pblicos por capitais privados, enquanto caractersitca das concesses e privilgios que vigoraram na relao Estado e companhias ferrovirias. Tentaremos demonstrar nesta seo que: apesar de ser impossvel impossivel se desvencilhar da lgica geral que age sobre a estrutura econmica brasileira e que lhe dita particular processo de desenvolvimento, um erro a busca pela generalizao de casos especficos de modernizao dos transportes. Para tanto, analisaremos as obras de trs autores que trataram do tema: Natal (1991), Saes (1984) e Tenrio (1996). Com base na caracterizao elaborada por Cardoso de Mello (1984) em Capitalismo Tardio, Natal (1991), em Transporte, ocupao do espao e desenvolvimento capitalista no Brasil, aponta para o fato de que o processo de modernizao dos transportes no Brasil reflete a lgica interna de padro de acumulao da estrutura econmica. Assim sendo, a era ferroviria brasileira teria incio com a crise da economia colonial e findado com a crise da economia exportadora capitalista; estendendo-se, portanto, 5

O desprestgio do modal ferrovirio fica evidenciado pelo fato de que a malha em 1970 involui a 31.873 km, extenso inferior observada em 1930.

9 do terceiro quartel do sculo XIX at 1930. Umbilicalmente conectado ao processo de integrao da economia brasileira lgica do capital e insero perifrica na diviso internacional do trabalho, o sistema ferrovirio assentou-se sob um padro de desenvolvimento voltado para fora, denominado por Cardoso de Mello (1984) de economia exportadora capitalista cafeeira nacional. A dinmica do capital sobre esta estrutura agrrio exportadora dinmica esta altamente influenciada pelo ferroviarismo conduziria, a partir da I Guerra Mundial, a um processo de industrializao retardatrio, denominado industrializao restringida. A estrutura urbanoindustrial que a partir deste processo toma vulto e a necessidade de conformao de um mercado interno que satisfaa s necessidades de um novo padro de acumulao de capital comandado pelo sistema industrial, no poderiam ser atendidas pelo ferroviarismo. Esta contradio entre o ferroviarismo e a logica de acumulao do capital industrial resultaria no abandono das estradas de ferro e na construo de um sistema de transporte dominado pelo rodoviarismo. A periodizao de Cardoso de Mello (1984) enquadra-se harmonicamente ao desenvolvimento da economia paulista. Reflete, alm disso, com um olhar voltado dinamica interna da economia agrrio exportadora, os imperativos da lgica do capital imperialista. Da no se segue necessariamente que a estrutura da qual se preocupa possa ser expandida acriticamente compreenso das estruturas econmicas das diversas regies nem que a modernizao dos transportes tal qual apresentada por Natal (1991) deva ser tomada enquanto caso geral. Tais ressalvas so levantadas, inclusive, pelo prprio autor que exortanos necessidade do estudo das condies histrico-estruturais especficas de cada regio quando do estudo do processo de modernizao dos transportes. Comungamos, portanto, da viso do autor por dois motivos bsicos. Primeiro, porque a necessidade de se levar em conta o processo de modernizao dos transportes enquanto momento de insero perifrica da estrutura econmica a nvel internacional e as consequncias que da se seguem. E, segundo, consciente da impossibilidade de generalizao dos carateres histrico-estrutural da qual faz uso, previne seus Leitores da necessidade de se considerar as caractersticas especficas a cada regio no processo de modernizao dos transportes. A questo de que sempre problemtica a generalizao de casos especficos de modernizao do transporte evidencia-se na manifestao das dissonncias que surgem de anlises comparativa dos estudos de Saes (1986) acerca da era ferroviria paulista, e Tenrio (1996), da era ferroviria nordestina. Saes (1986), em A grande empresa de servios pblicos na economia cafeeira busca compreender as origens e transformaes das grandes empresas de servio pblico que surgem em So Paulo a partir do terceiro quartel do sculo XIX. Sua preocupao central consiste no entendimento da maturao, diversificao e autonomizao do que denomina grande capital. A periodizao proposta pelo autor segue as transformaes deste grande capital nos mais diversos setores de servios pblicos imersos no com-

10 plexo cafeeiro.6 Trabalho de menor envergadura que o de Saes (1986), o de Tenrio (1996), Capitalismo e Ferrovias no Brasil, analisa o desenvolvimento da malha ferroviria nordestina, dando nfase especial malha alagoana. Ressalta-se no caso das ferrovias nordestinas, seu claro objetivo de interligar as zonas aucareiras e algodoeiras ao litoral e o peso do capital ingls enquanto acionrio prioritrio das companhias desde a primeira metade do sculo XIX. Tal domnio ser perdido somente na dcada de 1930, quando o Estado encampa grande parte da malha nordestina. O autor no parece compartilhar da mesma atrao pelas ferrovias que a maioria dos estudioso do tema, o que se pode depreender quando ressalta outras caractersticas fundamentais deste processo de modernizao dos transportes no Nordeste: primeiro, a falta de planejamento no assentamento dos trilhos, que no se integraram aos demais modais de transporte, especialmente o fluvial; segundo, a dependncia integral aos interesses do exterior no que se refere ao material fixo e rodante, combustvel e pessoal habilitado; terceiro, a desarmonia entre o ferroviarismo e as necessidades materiais requeridas pela estrutura econmica da regio, especialmente os interesses dos inumervis pequenos produtores de milho, fazendeiros e tropeiros. Quanto a este ltimo ponto, sobreleva as opinies do engenheiro Vauthier que ressaltava, em fins do sculo XIX, a necessidade de construo de estradas de rodagem, mais benficas que as ferrovias. Portanto, se por um lado, como assinala Natal (1991) e grande parte da historiografia, a anlise da expanso da malha ferroviria paulista e nacional captam perfeitamente bem a relao entre o padro de acumulao cafeeiro e o desenvolvimento do econmico brasileiro. Por outro, a comparao dos casos paulista e nordestino demonstra quo especficas e distantes so as experincias de modernizaes regionais dos transportes no Brasil. Reforamos, portanto, assim como havia ressaltado o supracitado autor, a necessidade de se levar em considerao as particulares de cada processo de modernizao dos transportes. Passamos, portanto, a analisar as caractersticas da estrutura econmica sobre a qual foram assentados os trilhos de ferro em Minas Gerais, assim como a estrutura poltica que conduziu tal processo de modernizao dos transportes. A participao do grande capital na malha paulista pode ser sentida desde o incio da era ferroviria paulista, e sua predominncia estender at 1906. Apesar de ser possvel observar a atuao direta do capital estrangeiro no sistema ferrovirio, inicialmente, ela se limita atuao no trecho Santos a Jundia com a ressalva de que se trata de um pequeno, mas o mais importante trecho de toda malha paulista, qui, brasileira. Indiretamente, ele importante no que diz respeito importao de equipamento e pessoal habilitado. A diversficao e autonimizao do capital nacional assim com sua atuao efetiva na direo das companhias ferrovirias se intensificam entre 1890 e 1906. Nota-se j neste perodo duas tendncias que se evidenciaro no perodo estendido entre 1906 e 1918: primeiro, a centralizao e concentrao de capitais medida que conflitos internos ao complexo cafeeiro, relativos ao preo do caf, s tarifas de transporte e ao cmbio, se aprofundam; e segundo, uma atuao mais agressiva e imediata do capital estrangeiro. O terceiro momento, como j antecipado, marcado pela incorporao por grupos estrangeiros de grande parte da malha paulista: as companhias Sorocabana, Paulista e Mogiana passam, por exemplo, para o controle do grupo franco-estadunidense Brazil Railway Company, dirigido por Farquhar; alm de a inglesa So Paulo Railway manter a propriedade do trecho Santo Jundia. Esta tendncia alterar-se- com a deflagrao da I Guerra Mundial quando, novamente, o capital nacional volta a ter uma presena relativamente marcante o controle acionrio das companhias Paulista e Mogiana, por exemplo, retornam a mos nacionais. Mais importante, todavia, que neste momento, as estradas de ferro no apresentam a vitalidade que detinham nos perodos anteriores, e a impossibilidade de se obter uma receita que cubra o alto custo de conservao do material fixo e rodante levar encampao parcial da malha pelo Governo.6

11 3. ECONOMIA E POLTICA NAS MINAS GERAIS Feita a ressalva de Natal (1991) acerca da impossibilidade de desvencilhar as esferas econmica e poltica do processo de modernizao dos transportes, passamos a nos debruar sobre as espeficidades referentes a Minas Gerais. Como ficar mais claro, em Minas, quando se trata da modernizao ferroviria, seria indubitavelmente motivo de erros grotescos desvencilhar tal processo seja da esfera poltica, seja da esfera econmica. Primeiro, porque as companhias ferrovirias atuaram enquanto mito do transporte e em descompasso com as necessidades requeridas pela estrutura econmica. Se nota, inclusive, um paralelismo temporal entre a modernizao pelos trilhos e a perda de rumo econmico da economia mineira. E, segundo, porque tal modernizao esteve estreitamente vinculado com a atuao dos governos, provincial e imperial, em primeiro momento, e estadual e federal, posteriormente. Seja nas concesses, nos emprstimos, nas encampaes e adminsitraes, a esfera pblica foi agente ativo em tal processo de modernizao, que tomou um aspecto de transferncia de recursos pblicos a capitalistas privados mais forte que aquele evidenciado a nvel nacional. Pretendemos, nas duas primeiras sees, traar o quadro econmico das Minas Gerais desde meados do sculo XIX at meados do XX. E na terceira, apresentar a essncia de sentido do comportamento da elite poltica mineira, aos nveis estadual como federal, no bojo do processo de perda de substncia. 3.1. TERRITRIO DE CONTRASTES DAS MINAS OITOCENTISTAS Por longa data a historiografia brasileira se viu desprovida de conhecimento conciso e fundamentado da histria das Minas Gerais. Preocupada essencialmente com os setores econmicos que mantinham forte lao com mercados externos, os estudos tendiam a se circunscreverem s atividades mineratrias e cafeeiras. O sculo XIX foi tomado, portanto, enquanto um interregno de decadncia entre dois ciclos de exportao. Esta noo de que, na ausncia de uma atividade exportadora as Minas oitocentistas involuiram, sofreram em profunda decadncia e se despertaram com o setor cafeeiro comearam a ser revistos pelos trabalhos de Martins (1982) e Slenes (1985), e aprofundados ainda mais por Libby (1988), Paiva e Godoy (2001), Martins Filho (1981 e 2009). A economia escravista de Minas Gerais do sculo dezenove, trabalho de Martins (1982), fundamental historiografia mineira por demonstrar empiricamente a vital importncia do mercado interno e o enraizamento do sistema escravista na provncia, detentora do maior plantel do pas durante todo o sculo XIX. O enraizamento do escravismo na economia mineira surpreendente quando se faz uma anlise de seu plantel. Entre os anos de 1819 e 1873, o nmero de escravos teria crescido substancialmente, passando de 169.000 para 382.000; acrscimo este mais relacionado com novas importaes do que com uma herana do perodo das extraes aurferas, e explicado pelo fator Wakefiel. Diferentemente do que afirmava com to veemncia o escravismo atuava nas mais diversas atividades produtivas e a economia escravista das Minas apresentava ligaes com o mercado interno sensivelmente mais importantes que

12 aquelas realizadas com mercados externos. Slenes (1985), em Os mltiplos de porcos e diamantes, apesar de aceitar as estimativas de Martins (1982) acerca da importncia do trfico africano de fins do XVIII a meados do XIX, o que colocaria Minas na mais alta posio no que concernente ao destino dos escravos importados para o Brasil no perodo, refuta a explicao por trs deste movimento. No que diz respeito capacidade de importao de escravos, o autor sugere importncia secundria ao fator Wakefield. Teriam sido os efeitos multiplicadores do setor externo sobre o interno, aliado a um protecionismo propiciado pelos elevados custos de transporte, os responsveis pela capitalizao e pela dinamicidade da economia mineira. Afirma categoricamente, portanto, que o centro dinmico da economia de Minas, no sculo XIX continuava, sim, sendo o setor externo. As anlises e discusses travadas por Martins (1982) e Slenes (1985) so fundamentais por terem criado uma ncora de debates historiografia mineira e arquitetarem uma srie de novas questes e problemticas merecedoras de tratamento. Libby (1988), em Transformao e trabalho, por exemplo, preocupa-se em compreender as indstrias de transformao e sua estrutura ocupacional, a fim de demonstrar a importncia deste setor no cenrio social e econmica da provncia. O trabalho de Paiva e Godoy (2001), Territrio de contrastes, contribui historiografia mineira no que concerne compreenso das estruturas econmica e demogrfica. Por meio da anlise das listas nominativas do Recenseamento de 1831/32 e de literatura de viagens, os autores baseiam-se em uma proposta de regionalizao para a provncia, levando-se em conta a magnitude e no peso das principais atividades regionais e nos fluxos comerciais interprovinciais, inter e intra-regionais. A proposta reflete a diversidade da economia mineira, dividida em 18 regies e 3 diferentes nveis de desenvolvimento. Dentre as 18 regies, 4 so tomadas como de alto nvel de desenvolvimento relativo: Diamantina, Sudeste, Mineradora Central Oeste, e Intermediria de Pitangui-Tamandu. Suas anlises demonstram tanto a presena de um forte setor voltado satisfao das necessidades internas, cujo consumo, apesar de dificilmente mensurvel, de forma alguma pode ser desprezado, como profundo vnculo da economia mineira com mercados externos, principalmente a cidade de Rio de Janeiro. Quanto ao contedo e a origem dos exportados, nota-se uma grande variedade de produtos, em especial gneros de agricultura e pecuria, e desconcentrao na procedncia destas mercadorias, alm de evidncias de semi-especializaes regionais. As relaes comerciais mais intensas e diretas com os mercados estrangeiros tendem a ser realizadas justamente pelas regies mais desenvolvidas, destacandose as regies Mineradora Central Oeste e Sudeste. Regies que funcionaram, tambm, como entrepostos comerciais para a praa do Rio, o que significa que foram capazes de apropriarem parcialmente da renda obtida pela venda de produtos exportados de outras regies. A referida semi-especializao das economias regionais caracterstica reflexa da unidade produtiva tpica da provncia: a fazenda mineira resultado de influncias fortuitas de combinaes de fatores

13 naturais e mercadolgicos. Sobressen como peculiaridades tanto das economias regionais como da fazenda mineira a flexibilidade na alocao dos fatores de produo, o que lhes garante confortvel autonomia e pequena dependncia dos mercados externos. A complexa diviso intra e interegional do trabalho que Paiva e Godoy (2001) captam coordenada por um comrcio igualmente complexo e de elevada capilaridade, onde coexistem e se justapem fluxos interprovinciais, interegionais e intraregionais. Os agentes mercantis que realizam a circulao desta mirade de mercadorias so, na maioria das vezes, os tropeiros, mas no so raras as unidades produtivas que possuem seus prprios meios de transporte, assim como podem ser observados empresrios. Esta complexidade econmica das Minas oitocentistas conduz a conclurem por uma posio que concilia as posies de Martins (1982) e Slenes (1985), outrora vistas como conflitantes. Adotar um dos pontos de vista seria captar somente parcela da realidade de territrio de contrastes. Unidade compsita, Minas Gerais no sculo XIX harmoniza tanto introverso quanto extroverso, alm de ser locus de coexistncia de um emaranhado de realidades econmicas e demogrficas.. Nas palavras dos autores:Pugnar pela introverso econmica, a produo essencialmente orientada para o mercado interno da Provncia e a incipincia dos vnculos com o exterior ou, em outro extremo, propor a a extroverso, o setor exportador respondendo direta ou indiretamente por todo o dinamismo econmico, so duas formas rigorosamente lcitas, ainda que parciais, de apreender uma mesma realidade. A magnitude e complexidade da economia de Minas Gerais, ao permitir a convivncia de slidas conexes internas com ampla insero em mercados externos, propulsionou o surgimento de organizao econmica original (PAIVA e GODOY, 2001, 55).

3.2. DA PERDA DE SUBSTNCIA RELATIVA INSERO PERIFRICA NO CAPITALISMO BRASILEIRO: 1890 A 1955 Martins Filho (2009), em O Segredo de Minas, antes de discutir acerca da poltica mineira na Primeira Repblica, apresenta-nos suas caractersticas econmicas. A importncia da obra neste se deve ao fato do autor compartilhar de idias similares s defendida por Pavia e Godoy (2001). Minas Gerais no pode ser compreendida, nas primeiras dcadas do sculo XX, enquanto uma economia essencialmente exportadora; seus atributos principais so antes: isolamento e tendncia auto-suficincia; pluralidade, em detrimento de especializao produtiva; e fragmentao das atividades econmicas em um sem nmero de pequenas unidades. O boom da economia cafeeira na Zona da Mata no foi capaz de exercer o papel de centro dinmico da economia mineira. Se o seu poder de acumulao ficava por demais comprometido pela ausncia de um porto de exportao, a possibilidade de se tornar o centro de gravitao econmico estinguir-se-ia com a crise de superproduo. A crise impactaria fortemente sobre a estrutura produtiva das grandes fazendas cafeeiras, que se fragmentaram em pequenas unidades produtivas e substituiram a monocultura pela policultura. Nem o caf e nem nenhum outro produto em particular questionariam a tendncia autrquica, a pluralidade produtiva, a introverso e a fragmentao econmica das Minas Gerais no pero-

14 do republicano7. Segundo nossa interpretao assentada nas obras de Paiva e Godoy (2001) e Martins Filho (2009) nossa economia esteve por mais de uma centria marcada por carter autnomo, pauta produtiva plural, fragmentao de suas atividades econmicas por diversas unidades de pequeno porte e forte introverso combinada com slida insero nos mercados externos. Ressaltadas, portanto, esto as caractersticas que dotam a economia mineira de um grande potencial de desenvolvimento, especialmente na virada do sculo XX. A obra de Diniz (1981), Estado e capital estrangeiro na industrializao mineira, apesar de no dar foco especial s atividades voltadas para o mercado interno, capta o momento em que a possibilidade histrica de desenvolvimento autrquico e plural se esvai, e a construo de uma insero subordinada da diviso intra-regional do trabalho nacional construda. Em Minas, tal processo seria marcado por intervencionismo estatal, em constante busca pela manuteno de seu carater autrquico e por irrefrevel perda de substncia relativa frente a So Paulo8. O ganho de importncia da economia paulista frente s demais unidades do pas, tendncia que se acentua principalmente a partir de fins do sculo XIX e o problema da desarticulao interna da economia mineira refletem fortemente na elite mineira que, j no incio do sculo XX, busca compreender mais detalhadamente sua estrutura econmica e buscar sadas recuperao econmica. Neste contexto a direo do processo desenvolvimentista foi gradativametne assumido pela elite poltica e pelo Estado. As respostas concretas a tais problemas podem ser verificadas, em 1897, pela construo de uma nova capital, Belo Horizonte, cujo objetivo a conformao de um centro de gravitao econmica interno ao estado e na realizao do Congresso de 1903 (DULCI: 1999). A estratgia de diversificao produtiva mira a perpetuao de um gradativo processo de substiuio de importaes enquanto base do processo de desenvolvimento autrquico da economia mineira ser observada at 1940. O ponto de inflexo de estratgias de desenvolvimento marcado pela perda do projeto da grande siderurgia. Entre 1940 e 1947, a poltica de Benedito Valadares orienta-se claramente pela busca da industrializao, em detrimento do setor agrrio9. O Governo Milton Campos, 1947 a 1951, ficou marcado pela elaborao do Plano de recuperao O setor no exportador, denominado de o gigante invisvel por Martins Filho (2009) , para alm das diversas atividade agrcolas, consistia de uma importante gama de atividades industriais dispersas pelo territrio e de unidades produtivas de pequeno porte, tanto no que se refere ao capital investido, quanto ao nmero de operrios empregados; atributos que refletem a existncia de mercado desconcentrado e ubquo. O pequeno porte das indstrias mineiras tambm observado mesmo naqueles ramos voltados para exportao, como bebidas e laticnios. Excees regra seriam somente as manufaturas txteis, concentradas nas regies Sul e Zona da Mata em pequeno nmero egrandes fbricas e; a extrao mineral, na regio Central, onde tambm predominam os empreendimentos de grande porte.8 Perda esta que deve ser compreendida enquanto perda dinmicia e no absoluta, uma vez que Minas Gerais e So Paulo foram as nicas unidades federativas, no perodo compreendido entre 1907 e 1940, a notarem melhora relativa em seu valor de trabalho industrial. Nossa participao passou de 4,4%, em 1907, para 5,6%, em 1919 graas indstria alimentcia, especialmente, laticnio e acar; e para 6,5%, em 1939 graas indstria siderrgica. So Paulo, todavia, no mesmo perodo elevou sua participao de 15,9% para 45,4%; tendncia de concentrao que se manteria at a dcada de 1970. 7

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As principais medidas realizadas por Benedito Valadares voltaram-se construo da cidade industrial de Contagem, na tentativa de ampliar o campo de fora gravitacional da regio central, e pela elaborao de um plano geral para o setor eltrico por Lucas Lopes.

15 econmica e fomento a produo, estudo cujo objetivo precpuo era uma modernizao equilibrada dos setores agrcola e industrial. De forma alguma olvidava do setor agrrio, assim como no pendia integralmente para o setor industrial. Excetuando o fato de que o Estado assumia a funo precpua de agente econmico, o plano assumia caracteres similares quele defendido por Joo Pinheiro no Congresso de 1903, uma poltica de substituio gradativa de importaes rumo independncia econmica de Minas Gerais. Apesar de pouco frutfero no que se refere conquista de seus objetivos, o Plano teve extrema importncia no diagnstico das mazelas estruturais da economia mineira, tendo sido de suma importncia na elaborao do projeto desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek. Iniciado com o Binmio Energia e Transporte, quando governador de Minas Gerais, e ampliado com o Plano de Metas, sua poltica concentrar-se-ia nas questes de infra-estrutura e programas setoriais a fim de se obter uma industrializao acelerada, integrada s necessidades da estrutura capitalista nacional. Assentado em forte atuao do Estado e no capital estrangeiro o parque industrial mineiro assume carter desarticulado e especializado, com se percebe pela anlise de sua estrutura produtiva entre os anos de 1949 e 1959:os ramos de minerais no-metlicos e metalrgico (dinmicos) passaram de 28,3% para 40,2% do valor da transformao industrial do estado, ao passo que os ramos txtil e alimentar (tradicionais) declinaram de 51,8% para 37,4% do VTI mineiro (DULCI, 1999, 105).

Estes anos, se bem que marcados pelo forte crescimento da base econmica de Minas, marcam uma tendncia que seria bastante cara ao estado.No incio dos anos 1950, a estrutura econmica de Minas comeava a ganhar certos contornos que marcariam sua tendncia futura como parte do capitalismo brasileiro. Em primeiro lugar, com a expanso da metalurgia e do cimento, iniciava-se a especializao e integrao do parque industrial, redefinindo a diviso intrer-regional do trabalho a nvel da indstria, no Brasil (DINIZ, 1981, 84).

3.3. MINAS GERAIS NA REPBLICA VELHA Apresentamos na seo anterior as principais caractersticas da economia mineira desde o sculo XIX at meados do XX. Ressaltamos as mudanas estruturais que se realizaram e a perda de oportunidade de desenvolvimento de um parque industrial diversificado, articulado e verticalmente integrado. Nesta seo, buscaremos compreender a organizao e atuo da elite poltica, a nvel estadual e federal, durante a Primeira Repblica. O que ressalta da anlise o fato de que, na incapacidade de uma classe especfica fazer-se representar hegemonicamente, a esfera poltica autonomizou-se e orientou-se por interesses de cooptao e sinecura, em busca da soluo dos citados problemas de perda de substncia relativa e desarticulao interna da economia mineira. A implantao da Repblica no Brasil, coroada pela promulgao da Constituio de 1891, veio pr fim a regime poltico centralizado e garantir uma maior autonomia poltico-financeira ao estados federados. O federalismo, apesar de conceder maior liberdade de ao aos presidentes, deputados e senadores das unidades federadas, no se assentava em igualdade a nvel federal. Atravs de uma poltica fiscal que favorecia as atividades agro-exportadoras e uma representatividade legislativa proporcional ao

16 tamanho populacional, a Constituio de 1891 instituiu o que se cunhou por federalismo desigual. Beneficiados, os estados de So Paulo e Minas Gerais aquele por ser dotado de um dinmico complexo cafeeiro, Minas, por deter o maior contingente demogrfico se inseriam na dianteira nesta nova estruturao de relaes de poder. A apreciao do caso de Minas Gerais destoa, todavia, deste quadro nos primeiros dez anos de Repblica. Apesar de possuir a maior bancada na Assemblia Legislativa Federal e um respeitvel oramento financeiro proveniente da arrecadao dos impostos de exportao do caf, nosso estado estava afastado das decises polticas de peso. Como demonstra Martins Filho (2009), em O segredo de Minas, a compreenso deste suposto paradoxo tem razes que devem ser procuradas na esfera econmica; e no sentido de poder poltico interno que tal estrutura engendrou. Por meio de uma srie de dados retirados de fontes primrias que possibilitam a anlises da composio classista da elite poltica, o autor demonstra que em Minas, no havia um setor produtivo hegemnico nem mesmo o do caf que estivesse apto a exercer a prtica de representao de interesses de classe na esfera poltica. As caractersitcas histrico-estruturais da economia mineira a tendnica auto-suficincia e o isolamento das unidades produtivas impediram a manifestao explcita de representaes de interesses classistas na poltica estadual republicana. Antes de refletir os interesses de um seter ou sub-setor econmico especfico, a poltica refletia a estrutura produtiva do estado como um todo. A esfera poltica atuava, portanto, com relativa autonomia frente a esfera econmica e tinha como caractersitca principal durante os trinta anos da Primeira Repblica a cooptao; o interesse pelo poder poltico em si mesmo, no enquanto meio de representao de interesses privados. Portanto, em Minas foi conformado um sistema poltico patrimonialista, onde predominava a coalizao de vrios setores da elite regional, e cujos maiores representantes eram os profissionais liberais, dentre eles advogados, mdicos, engenheiros, e os funcionrios pblicos.(...) a unificao poltica de Minas deve ser entendida como a consolidao de amplo e abrangente processo de centralizao poltica que enfraqueceu e tendeu a sufocar toda e qualquer tentavia de impor, na esfera das confrontaes polticas, interesses regionais ou do setor privado (MARTINS, 2009, 197)

A afirmao do poder poltico de Minas no cenrio federal, como j referido na introduo desta seo, no foi observada desde os primeiros momentos de implantao da Repblica. Minas, mais epgona que prgona na derrubada do regime monrquico (IGLSIAS, 1982), no se encontrava, na dcada de 1890, ainda unida em torno dos ideais republicanos, e seriam necessrios inmeros embates internos, o agravamento fiscal quando da crise do caf e a tomada de conscincia da perda de substncia frente a So Paulo para que projeto de construo de uma unidade poltica se estabelecesse. Resende (1982), em Formao da estrutura de dominao em Minas Gerais, assentada sobre ricas fontes primrias, secundrias e jornais da poca, se preocupa justamente em desvendar o processo de construo do domnio oligrquico do Partido Republicano Mineiro, resultado de conflitos internos que

17 se iniciam em 1889 e se prolongam at 1906. A estrutura de poder construda pela oligarquia mineira buscada nas anlises do quadro scio-econmico de Minas Gerais e da estrutura poltico-administrativa do partido, atentando-se especialmente s questes referentes ao municipalismo, conduo do sistema eleitoral e suas relaes com a prtica coronelista10. A nosso ver, a unificao monoltica em torno do novo PRM condio necessria mas no suficente para explica o poder de influncia de Minas na estrutura poltica da Repblica Velha. Resende (1982) capta bem os movimentos necessrios para que o corpo poltico mineiro deixe de ser taxado de manto de retalho e seja reconhecido pela unidade e obedincia da carneirada; falta-lhe, todavia, a anlise da poltica do caf com Leite, aliana travada entre as oligarquias mineira e paulista e que garante-lhe papel decisrio nas questes polticas at 1930. Esta anlise fundamental para se compreender o poder de cooptao da elite poltica mineira, assim com sua capacidade de apossar de recursos federais. Tal anlise cabe a Martins Filho (1981) e foi realizada em A economia poltica do caf com Leite. Ciente da dissonncia entre sua tese e aquela ento vigorante na historiografia, Martins Filho (2009) inicia seu trabalho apresentando a hiptese tradicional de existncia de interesses econmicos comuns referentes cafeicultura de Minas e So Paulo na conformao de tal acordo. A apresentao seguida de crticas cada vez mais profundas hiptese tracional, minando substancial sua fundamentao. O primeiro passo de confrontao se d pela ausncia de dados empricos que lhe confira sustentao. So constatadas manifestaes unilaterais na defesa dos interesses cafeeiros, advindas exclusivamente de polticos paulistas, e as preocupaes fundamentais dos polticos mineiros relacionam-se mais continuidade do sistema poltico oligrquico. Uma segunda crtica, de carcter terico, alega o fato de que uma crise de superproduo tende antes a estimular a competio entre os capitalistas na tentativa de absoro de mercados que uma aliana entre os produtores. Terceiro, as distines naturais e estruturais das produes cafeeiras de Minas e So Paulo desdobraram-se em interesses distintos em uma poltica de defesa da rubicea. A hiptese tradicional se manter insustentvel nos captulos seguintes, quando ento Martins Filho (2009) buscar os sentidos econmico e poltico da aliana entre as oligarquias estaduais. Quanto ao contedo econmico da aliana, dois so os passos no sentido de construo de sua hiptese. Primeiramente, assentado em dados empricos acerca da estrutura ocupacional das oligarquias estaduais, so constatadas distintas relaes econmicas entre as elites; enquanto a estrutura ocupacional da elite paulista aparece essencialmente integrada ao que se denominou por complexo cafeeiro; a elite mineira apresenta dbeis A periodizao proposta divide-se em trs momentos. Enquanto os anos de 1889 a 1891 so marcados por constantes dissidncias entre lderes polticos e fracassadas tentativas de conciliao em torno de Cesrio Alvim, o perodo de 1892 a 1897 marcado por uma crescente anarquia poltica; resultado da incapacidade de centralizao em torno de um lder in contesti, e da vigncia de uma Constituio Estadual por demais liberalizante. Esta, ao garantir ampla autonomia fiscal aos municpios e possibilitar um sistema eleitoral fraudulento, resultou no aparecimento de tendncias descentralizantes e na ascenso poltica de coronis que se opuseram ao frgil centro diretor da poltica estadual. A partir de 1898, tais tendncias anrquicas so combatidas por Silviano Brando e Francisco Sales que, pelo uso da fora legal e extralegal impe alteraes nas relaes fiscais e polticas entre o Governo de Minas e os municpios e instituem mudanas nas organizaes jurdica, eLeitoral e de defesa. Em 1906, a coeso interna em volta do novo PRM estava estabelecida e uma maior representatividade poltica no centrio federal seria possvel.10

18 laos seja com a economia cafeeira, seja com o sistema produtivo em geral. O autor constata, portanto, que: composta pelos barnabs, o status poltico desejado por si mesmo, no enquanto meio de defesa de interesses de classe. Em seguida, corroborada por dados empricos acerca da estrutura do funcionalismo pblico sugerida a hiptese de que as oligarquias apresentam interesses econmicos diversos: enquanto paulistas buscam defender seus interesses enquanto classe produtiva por meio de proteo federal contra a crise de superproduo do caf, os mineiros, mais dependentes dos cargos pblicos, da sinecura e clientelismo, interessariam-se pela apropriao de cargos e recursos distribudos pelo tesouro federal. Interesses diversos, mas no conflitantes. Juntos, mineiros e paulistas poderiam garantir os interesses de ambos. A inexistncia de incompatibilidade de interesses econmicos entre as oligarquias condio para que o contedo poltico do acordo possa se realizar. Este gira em torno da manuteno e estabilidade da Repblica, assim como da manuteno de uma insero privilegiada dos dois estados.

19 4. MITO DA ERA FERROVIRIA Iniciamos o trabalho definindo a indstria ferroviria enquanto indstria essencial esfera da produo, embora atuante na e para a esfera da circulao. Uma vez que a esfera da circulao vista enquanto momento imanente ao processo de produo, fazia-se necessrio, desde o incio, estudar as caractersticas histrico-estruturais da economia para que pudssemos compreender o grau de harmonia e o lugar da indstria de transporte no sistema econmico regional. Verificarmos, por um lado, que a estrutura econmica mineira oitocentista e novecentista caracterizava-se pela introverso econmica e disperso das unidades produtivas, tal estrutura parecia requerer uma modernizao dos transportes que buscasse corporificar e dinamizar cada vez mais o mercado interno. Essa possiblidade no significava necessariamente que as comunicaes com o exterior da provncia deveriam ser esquecidas; mesmo porque eram por demais interessantes prpria lgica interna da economia mineira. Por outro lado, no mesmo captulo, defendemos que a estrutura poltica, assentada sobre um contedo de poder essencialmente patrimonialista, era dotada de relativa autonomia em relao esfera econmica e foi constantemente guiada pela cooptao e no por interesses de classe. Desenvolvido o estudo das caractersticas histricco-estruturais e da essncia do sistema poltico mineiro, passamos, agora tendo em mente a mtua influncia entre as duas esferas ao estudo do processo de modernizao dos transportes. Na primeira seo, pretendo demonstrar por meio do trabalhode de Godoy e Barbosa (2009) e de anlises de Mensagens de Presidente de Provncia e Estado que uma modernizao alternativa foi realmente estudada e, at certo momento, buscada. Nela, destaca-se a importncia da intermodalidade dos transportes, em clara considerao s condies naturais e econmicas da regio. Nas sees seguines, pela anlise das Mensagens e dos Anuros Estatsticos de Minas, apresento, primeiro, a histria das mais importantes companhias ferrovirias aqui atuantes; em seguida, fao esforo em busca Da essncia da era ferroviria mineira; e finalizo com uma proposta de periodizao do processo. 4.1. MINAS GERAIS: PROVNCIA NO-EXPORTADORA E A POSSIBILIDADE DE UMA MODERNIZAO ALTERNATIVA DOS TRANSPORTES O texto de Godoy e Barbosa, Uma outra modernizao: transporte em uma provncia noexportadora Minas Gerais, 1850-1890 de fundamental importncia nesta monografia pelo fato de afirmar a desarmonia de interesses entre a estrutura econmica de Minas Gerais e a modernizao de transportes executada no perodo compreendido entre fins do sculo XIX as primeiras dcadas do sculo XX. Perodo que compreende o que denominamos de era ferroviria mineira. Tal desarmonia constatada de duas diferentes maneiras: primeiro, pela anlise dos Inquritos de Provncia, concentrados nas dcadas de 1850 e 1860, e, segundo, pela avaliao dos Projetos de Viao de 1835, 1864 e 1871.

20 A anlise de 224 Inquritos Provinciais, relatrios estes que cobrem todas as regies da provncia mineira, e datados de 1850 a 1860, revela tanto a complexidade das comunicaes da economia mineira quanto a centralidade do tema aos municpios. Apesar de apenas um Inqurito, datado de 9/11/1854, tratar especificamente do assunto transporte, mais especificamente pontes, 78% das respostas obtidas apresentavam contedo referente. Os Planos de Viao Provinciais de 1835, elaborado por Bernardo Pereira Vasconcelos, o de 1864, do engenheiro Henrique Gerber e o de 1871 so tambm fontes de informao acerca da importncia dos transportes no desenvolvimento da economia e da viso de modernizao que prevalecia nas Minas Gerais at ento predominante. Neles so percebidas duas preocupaes bsicas: primeiro, a necessidade de ligar a economia mineira aos mercados externos, especialmente ao mercado do Rio de Janeiro, e, segundo, a vontade de superao do problema de articulao interna.11 No que se refere preferncia de modais, os planos demonstram que, at por volta de 1880, as polticas de modernizao dos transportes pendiam priorizao do modal rodovirio, em clara sintonia com a modernizao dos transportes tradicionais, ou na combinao entre mltiplas modalidades de transportes sob a hegemonia das estradas de rodagem. As Mensagens dos Presidentes de Provncia atestam essa preferncia pela multiplicidade de modais na modernizao dos transportes no incio do terceiro quartel do sculo XIX. Por elas, pode-se perceber a grande expectativa que se deposita na navegao fluvial, especialmente dos rios das Velhas, So Francisco, Sapuca e Grande. Tal modal de transporte chegou a ser, inclusive, imaginado enquanto principal via de comunicao pelo presidente Joaquim Saldanho Marinho que, em meados de 1860, despendeu enorme esforo para a explorao do potencial de navegao dos rios da provncia.12na praticabilidade da navegao dos rios est o maior desenvolvimento da sua riqueza e prosperidade futura. As proprias estradas de ferro, cuja vantagem j no dado contestar dependem em grande parte d'ahi, para que maior utilidade ainda produzam (PROVINCIA DE MINAS GERAIS, 1867, 63, 64).

A partir da leitura dos mapas do Baro e Francisco Homem de Mello, relativos ao ano de 1909, se depreende que os esforos despendidos a favor de uma modernizao que privilegiasse os diversos modais se mostrou infrutfera, e que a modernizao segundo o modal ferrovirio foi vitoriosa. Apesar da participao das estradas e da navegao fluvial poder ser percebida devido ao peso que outrora se depositou nelas, a prepoderncia das ferrovias distoante (GODOY e BARBOSA: 2007). Demonstrada as possibilidades de uma modernizao dos transportes que no esta assente pelo modal ferrovirio, possibilidade esta que soaria mais harmnica aos interesses materiais da provincia mineira, os autores do espao para uma inquietante afirmao:A modernizao assente precipuamente em modelo ferrovirio mostrou-se indissocivel da vitria de padro de desenvolvimento econmico que pavimentou insero

11 As vias de comunicao so vistas como entraves ao crescimento econmico tanto para os setores internos quanto para os setores externos, ambos dotados de elevado potencial de desenvolvimento.Tais ordens de preocupao evidenciam a importncia do modelo proposto por Pavia e Godoy (2001) acerca da complementaridade das idias de Martins (1982) e Slenes (1985). 12 Tal potencial, segundo os trabalhos da poca, chegaria a 3650 km, destacando-se os rios das Velhas e So Franciso.

21subordinada de Minas Gerais no mercado interno nacional e cingiu o estado a dcadas de estagnao relativa combinada com hesitao quanto forma de superao do quadro de perda de importncia regional e atraso relativo frente a So Paulo (GODOY e BARBOSA, 2007, 15).

4.2. HISTRIA DAS COMPANHIAS FERROVIRIAS Levantada a questo de que o processo de modernizao sobre os trilhos foi momento concomitante com o processo de perda de substncia da economia mineira, passamos a estudar o objeto que nos diretamente caro, as estradas de ferro e a era ferroviria mineira. Iniciamos apresentando a histria das companhias frreas de Minas, em seguida, enfocamos os atributos precpuos da era ferroviria mineira, e, finalizamos a exposio com uma proposta de periodizao (MAPA. 1, ANEXO A). 4.2.1. ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL A Estrada de Ferro Central do Brasil, nascida D. Pedro II, foi a primeira ferrovia a penetrar o territrio mineiro, tendo inaugurado as estaes de Serraria e Chiador, no ramal de Porto Novo, em 27 de junho de 1869. Concedida com base na Lei n 641 de 26 de junho de 1852, que autorizava o governo Imperial a conceder a uma ou mais companhias a construo de uma estrada de ferro que ligasse o munpio da Corte aos pontos mais convenientes das provncias de Minas Gerais e So Paulo e autorizada pelos Decretos Imperiais n 1598 e 1599, expedidos ambos em 9 de maio de 1855, nascia a Sociedade Annima Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II. companhia foram concedidos privilgios exclusivos de constuo, uso e gozo da estrada de ferro pelo prazo de 90 anos, garantia de juros de 5% sobre o capital investido e abolio do estabelecimento prvio dos fretes. Os Decretos estabeleciam tambm seu trajeto: teria a capital do Imprio enquanto ponto de origem, rumaria ao municpio de Iguau, transporia a serra do Mar e bifurcaria em dois ramais antes de atingir as guas do rio Paraiba do Sul. Um dos ramais deveria dirigir-se povoao de Cachoeira, na provncia de So Paulo, o outro ao Porto Novo do Cunha, em Minas Gerais (JACOB: 1911). Pelos contratos, ficava concordado que, no caso de desejo de se prolongarem os ramais para alm do que se havia estabelecido, a companhia teria preferncia; ressalvando-se os direitos e privilgios j concedidos Companhia Unio e Indstria. Esta havia sido organizada pelo empresrio mineiro Mariano Procpio Ferreira que, pelo Decreto n 1031, de agosto de 1852, assegurara o privilgio da construo do trecho entre Barbacena e Petrpolis, da Estrada da Corte. A Unio e Indstria realizou plenamente sua funo de transportar cafe, aucar e cereais ao mercado do Rio de Janeiro at a construo da estrada de ferro. A possibilidade do transporte em massa e a baixo custo tomou o mercado de transporte da Unio e Indstria. Coube ao Decreto n 4320, de maio de 1869, determinar que o trfego de cargas antes destinado Unio e Indstria se realizaria pela Central do Brasil13. (PROVNCIA DE MINAS GERAIS: 1953, 1954, 1870). A importncia e grandeza da D. Pedro II podem ser constatadas no somente pelo vulto do capital 13

Fato curioso que Mariano Procpio assume a direo da Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II.

22 social mobilizado, pelo aparato tecnolgico e o modelo adminstrativo empregados, mas principalmente pelo vislumbre que causava aos presidentes de provncia de Minas Gerais. Como pode ser percebido ao longo das Mensagens Assemblia, a ferrovia era vista como poderoso elemento de civilizao e progresso (PROVNCIA DE MINAS: 1853). Este mito seria expandido s ferrovias em geral, vistas como panacia para os problemas econmicos, como percebido pelas citaes abaixo:A viao frrea , incontestavelmente, o mais poderoso factor de properidade de um paiz, constitue os verdadeiros meios de garantir o seu engrandecimento material e moral, servindo ao mesmo tempo para estreitar as relaes entre productores e consumidores (...) (PROVNCIA DE MINAS GERAIS, 1887, 12),

eCada vez mais me conveno de que estender trilhos por toda a superficie de Minas deve ser nosso escopo, nosso empenho, nossa preocupao de todas as horas (ESTADO DE MINAS GERAIS, 1923, 155).

Nascida enquanto companhia capitalista, modelo de modernizao dos transportes, a empresa no foi capaz de gerar receita suficiente para arcar com os altos custos de construo e manuteno do empreendimento. Ao longo da dcada de 1860 nota-se a tendncia de transferncia dos ttulos da D. Pedro II para o Governo Geral, que chega a possuir 76% do total das aes da empresa. Aos 26 de julho de 1865, a companhia seria definitivamente encampada pelo Imprio (PIMENTA: 1971) Apesar de adentrar a provncia mineira somente em 1869, desde 13 de dezembro de 1856 a companhia j havia requerido Assemblia Provincial de Minas garantia adicional de 2% de juros sobre sobre o capital investido e licena para direcionar seus trilhos pelo interior da provncia. Tais concesses foram de pronto aceitas (PROVNCIA DE MINAS GERAIS: 1857), e como pode-se perceber por fala do presidente provincial Joo Crispiano, de 1864, a estrada passou a ser imagnada enquanto eixo principal do sistema de viao provincial:E se me permittido aventar alguma ida sobre materia que me muito estranha, direi, que todo o systema de estradas deve partir da estrada de ferro de Pedro II e encaminhar-se pra trs pontos, - o valle do Rio Grande, - o Rio das Velhas, e o Rio Doce. A cada um destes troncos todas as mais estradas se devem prender como ramos de uma grande e magestosa arvore, que formar a rede secundaria dos caminhos provinciaes, municipaes e vicinaes (PROVNCIA DE MINAS GERAIS, 1864, 17).

A linha do centro de Minas parte da estao de Entre Rios e segue para o interior de Minas. Passa pelas estaes de Serraria e Paraibuna, ambas inauguradas em setembro de 1874; atinge Juiz de Fora, em 1875; Stio, em 1878; Barbacena, em 1880; segue di a Queluz, atingida, em 1883; Burnier, em 1887; chega a Ouro Preto por meio de um ramal, em 1887; Belo Horizonte, em 1895, e Corinto, onde sofre bipartio, em 1905; a estao de Pirapora inaugurada em 1910, a de Montes Claros, em 1926; a estao deTremendal, onde a linha da Central do Brasil entronca-se com da Estrada de Ferro Leste Brasileiro, inaugurada em 1950, fora, portanto, do perodo aqui compreendido enquanto era ferroviria mineira (PIMENTA: 1971). Alm dos respeitveis 2.061,808 Km de extenso da Central do Brasil em territrio mineiro, em 1950, (ESTADO DE MINAS: 1952) a companhia apresenta importncia precpua devido posio

23 estratgica que seus trilhos ocupam. Se, por um lado, a ferrovia um prolongamento natural e eixo de ligao com o Rio de Janeiro, ou seja, a comunicao direta e imediata com o maior mercado nacional, por outro, sua centralidade dentro do territrio mineiro representou a possibilidade de que viesse a se tornar tronco axial de um sistema que integrasse as vrias regies Minas Gerais. 4.2.2. REDE MINEIRA DE VIAO A Rede Mineira de Viao, criada a partir do Decreto n 9882, de 11 de maro de 1931, resultou da fuso de duas estradas tributrias da Central do Brasil: a Estrada de Ferro Oeste de Minas e a Estrada de Ferro Sul de Minas. No de se surpreender, portanto, que apresentasse a maior extenso dentre as companhias ferrovirias do estado, atingindo aproximadamente 3500 km em 1940. Por sua vez, tanto a Oeste de Minas como a Sul de Minas j eram resultado de encampaes e fuses anteriores. A Oeste de Minas, companhia organizada no ano de 1873, por concesso provincial, haiva incorporado parte da Estrada de Ferro Gois no ano de 1920 e, j enquanto Rede Mineira de Viao, em 1932, a Estrada de Ferro Paracat. A Sul de Minas, outrora denominada Rede Sul Mineira, resultara da fuso das estradas de ferro Minas and Rio, Sapucahy e Muzambinho, em 1910, e das encampaes da Trespontana, Machadense e So Gonalo do Sapuca, na dcada de 1920. (ESTADO DE MINAS GERAIS: 1910, 1921, 1930). Os prolongamentos da Central do Brasil, a partir de Barra do Pira, seguem o Rio Paraba do Sul. Enquanto o ramal de Porto Novo acompanha o fluxo do rio e adentra o territrio mineiro, o ramal de Cruzeiro sobe o rio at a estao de mesmo nome, onde se entronca com a malha paulista, em 1877. justamente nas proximidades do municpio de Cruzeiro (SP), na estao de Lavrinhas, onde tm incio os trilhos que adentram o territrio do Sul de Minas. Com base na Lei n 2062, de 4 de outubro de 1874, expedida pelo Governo Provincial mineiro foi concedida autorizao construo de uma estrada de ferro que partisse da 4 seo da D. Pedro II e buscasse a conflncia dos rios Sapuca e Verde. A concesso estabelecia ainda privilgio de uso pelo prazo de 50 anos e garantia de juros de 4% sobre o capital mximo de Rs. 14.000:000$00014 (PROVNCIA DE MINAS GERAIS: 1975). Adquirida a concesso, em 1875, pelo brigadeiro Couto de Magalhes e Visconde de Mau, foi organizada a companhia Estrada de Ferro Rio Verde. A empresa apenas iniciaria o assentamento dos trilhos e, j em 1880, tranferiria seus privilgios companhia inglesa, Minas and Rio Railway, organizada em Londres. Em 1884, os 147 Km que compe a estrada estavam construdos, e, em 14 de junho, o trecho entre Cruzeiro e Trs Coraes foi inaugurado. Apesar dos saldos positivos significativos desde sua inaugurao, a estrada foi encampada em 1901 pela Unio, ao valor de 1.150.600 e, imediatamente arrendada a um particular. Este primeiro contrato de arrendamento seria rescindido em 1909, e junto tambm encampada Muzambinho, seria novamente arrendada, desta vez, Sapuca. (JACOBS: 1911). 14

O capital mximo garantido seria elevado depois a 16.150:000$000 pelo Governo Geral, que alm de afianar a garantia provincial, concedeu garantia adicional de 3% de juros sobre o capital primitivo e 7% sobre o capital extra de Rs. 2.150:000$000.

24 Mesmo antes de os trilhos da Minas and Rio serem franqueados, uma srie de requisies j haviam sido feitas ao Governo Provincial a fim de se desenvolver uma extensa malha ferroviria na regio meridional de Minas. Ao Governo cabia, estudar o trajeto que melhor convisse s pretenses da regio e levar uma concesso em hasta pblica. Assim procedeu. Expedidas as Leis n 3384 de 1886 e n 3419, de 1887, que cediam monoplio de 50 anos, garantia de juros de 7% sobre capital mximo de Rs. 6.000:000$00015, por 20 anos, e privilgio de zona de 30 Km, foi levada em hasta pblica a construo de uma linha frrea que partisse de um ponto conveniente da Minas and Rio e passasse pelas cidades de Caxamb, Christina, Itajub , Pouso Alegre e atingisse a cidade de Caldas, na fronteira com So Paulo. curioso o fato de que nenhum licitante tenha comparecido sesso, de forma que coube ao Governo conferir a construo aos engenheiros Carlos Euller junior e Raymundo Castro Maia e a explorao companhia Viao Frrea Sapuca, organizada, em 15 de maro de 1888, e cuja diretoria era composta pelos cidados senador Visconte do Serro Frio, tenente coronel Antonio Carneiro S. Thiago e Dr. Luiz Raphael Vieira Souto (PROVNCIA DE MINAS GERAIS: 1890). Os trabalhos de construo da estrada foram iniciados em 1889; em 1890, a companhia adquiriu as concesses dos trechos entre a estao de Soledade, na Minas and Rio, e Baependi, e de Lavras freguezia de Santa Rita do Jacutinga; em 1891, dois anos depois de iniciadas as construes, j estavam assentados e franqueados 108 Km de trilhos entre Caxamb e Itajub. Em 1892, os sinais de debilidade financeira da empresa j so visveis: apenas 11 Km, entre Itajub e Piranguinho, so franqueados e, em 1893, a companhia paralisa suas obras. (PROVNCIA DE MINAS GERAIS: 1891, 1892, 1893,1894). Segundo o presidente Affonso Penna, a responsabilidade pelo insignificante desenvolvimento da malha ferroviria mineira no ano de 1893 caberia poltica de encilhamento e especulao gerada nas principais praas. Ao governo, todavia, caberia a assumir a responsabilidade pelo no abandono das principais linhas frreas em andamento e a realizao das imediatamente necessrias. Para tanto, foi expedida a Lei n 64, em 24 de julho de 1893, que autorizava o Governo Provincial a conceder emprstimos s companhias ferrovirias. A Viao Sapucahy, auxiliada com Rs. 6.920:000$000, distribuidos entre os anos de 1894 e 1898, foi a empresa que mais se beneficiou destes crditos extraordinrios. No perodo em questo foi aberta a ligao da estao de Olegrio Maciel a Sapuca, na fronteira com So Paulo, alm de importante desenvolvimento no ramal de Rio Preto a Carvalhos, totalizando 224 Km de linha franqueada. (ESTADO DE MINAS: 1898). Apesar das melhoras na estrada de ferro, as dificuldades financeiras continuaram a incomodar a companhia que, em 1899, entra em liquidao forada. O Governo administrou-a entre 16 de maro e 17 de novembro do mesmo ano, at que reorganizada sob a denominao de Companhia de Viao Frrea Sapuca e presidida pelo Dr. Mattoso Camara, voltou administrao particular. (PROVNCIA DE MINAS: 1894) 15

Em 1 de dezembro de 1888, a Lei n 3648, elevaria o capital garantido a Rs.10.000:000$000.

25 A Estrada de Ferro Muzambinho apresenta uma trajetria histrica parecida da Sapuca. Para alm de atuarem na zona sulina, so tributrias da Minas and Rio, passaram por dificuldades financeiras na dcada de 1890, requereram ajuda do Governo Estadual por meio da Lei n 64 e, por fim, entram em liquidao forada. Seus trilhos, de bitola de 1 metro, atingiram 248 Km, em 1909, quando foi encampada pela Unio. Sua linha tronco, de 162 Km, partia de Trs Coraes e acompanhava ao longo de quase todo o percurso o Rio Verde, at a estao Areados; possuia, tambm, um ramal de Freitas, na Minas and Rio, a Cambuquira, passando por Campanha, de 86 Km. A concesses que deram origem malha da Muzambinho no tm uma nica origem, mas foram resultado de privilgios concedidos tanto pela Unio como pela provincia, em diferentes anos. As concesses dos trechos de Trs Coraes a Fluvial e de Freitas a Campanha so de origem federal, inicialmente destinado Minas and Rio, e outorgados, em 1890, Muzambinho. A garantia de juros 4% durante o tempo de construo e 5% aps aberto o trfego, sobre o capital de Rs.2.509:500$000 foi concedida somente ao ramal de Campanha. O trecho Fluvial a Areados tem origem em concesses provinciais nos anos de 1888 e 1889, sem que fossem conedidos privilgios. Somente em 1893, adendos nos contratos estabeleceram a garantia de juros de 6%, razo de Rs. 25:000$000 por kilmetro. (JACOB: 1911). Incapaz de dar prumo s construes de seus trilhos, a Muzambinho foi auxiliada pelo Governo Provincial, entre os anos de 1894 e 1898, com Rs. 5.644:4120$000, quando foi possvel a construo de parte significativa de sua malha. Em 1907, suas concesses e privilgios foram considerados caducos e foi ela encampada pelo Governo Estadual por Rs. 12.000:000$000 e, em 1908, transferida pelo mesmo preo Unio. Seu destino, a partir da, assim como o da Minas and Rio, seria o arrendamento Sapucai. (ESTADO DE MINAS: 1898, 1908) Conformada em 1910, quando foram arrendadas Viao Sapuca, as estradas da Minas and Rio e da Muzambinho, a Rede Sul Mineira passou a ser responsvel por extensa malha no Sul de Minas. A incapacidade da empresa em realizar seus servios levaria, contudo, reciso do contrato, em 1920. Pelo mesmo processo, a Viao Sapuca teria seus privilgios considerados caducos e seria imediatamente encapada e incorporada ao domnio federal16. Em 1921 foi celebrado novo contrato entre Unio e Governo Estadual, que assumia a administrao da empresa e a obrigao de despender Rs. 15.000:000$000 no melhoramento da estrada, reembolsveis em 50 anos. Nem mesmo o fato de que caberia ao tesouro estadual metade da receita lquida gerada no trfego livrou-o do pesado fardo que tal compromisso gerou. Entre os anos de 1923 e 1929, foram gastos Rs. 72.248:000$000 no aparelhamento e expanso da estrada(ESTADO DE MINAS: 1921, 1929). E somente em 1953, o Governo Estadual pde devolv-la Unia e livar-se dos elevados custos que a empresa representava (DINIZ: 1985). As mais significativas construes da Rede Sul Mineira so o trecho entre Soledade e estao de 16

Questo interessante, neste processo de encampao se refere ao zelo de no entregar s mos de estrangeiros to importante malha frrea.

26 Encruzilhada, que permitiu ligao direta Central do Brasil e a construo da ligao de Trs Coraes a Lavras. A poltica de encampao levada frente pelo poder pblico fundiaria Rede Sul-Mineira 41Km do Estrada de Ferro Machadense, 20 Km da Trespontana e 31Km da So Gonalo do Sapuca. Como dito, a Rede Mineira de Viao foi estabelecida a partir da fuso da Rede Sul Mineira e da Estrada de Ferro Oeste de Minas, cuja organizao remonta a uma concesso provincial de 1873, que estabelecia subveno kilomtrica de Rs. 9:000$000, monoplio de 50 anos e privilgio de zona de 30 Km empressa ferroviria que ligasse So Joo Del Rei ao um ponto da D. Pedro II. Em 1879, o ponto escolhido foi a estao de Stio; decidiu-se, alm do mais, pela utilizao da bitola de 0,76 m, mais econmica que a de 1m utilizada pela Central (JACOB: 1911). A companhia, integralmente levantada com capital nacional, apresentou constantes dficits desde sua inaugurao. Em 1900, entrou em liquidao forada e, trs anos mais tarde, foi adquirida pela Unio em leilo (ESTADO DE MINAS: 1903). Em 1881, o trecho entre Stio e So dEl Rei, de 99 Km foi inaugurado. Em 1885, nova concesso foi adquirida, desta vez para que seus trilhos fossem estendidos at Oliveira e fosse construdo um ramal de Aureliano Mouro ao Rio Grande. Tal concesso tinha validade de 70 anos, e por ela foram garantidos juros de 7% sobre capital mximo de Rs. 4.000:000$000, pelo prazo de 30 anos, alm de privilgio de zona de 20 Km. Em 1887 foi inaugurado o trecho entre So Joo dEl Rei e Bom Sucesso e, em 1889, tanto a estao de Oliveira quanto o trecho de Aureliano Mouro a Ribeiro Vermelho. O trecho Stio a Oliveira, de bitola 0,67m, parte integrante da linha tronco que, em 1894, j apresentava extenso de 600 Km e havia atingido as margens do rio Paraopeba. Ficaria a estancada, e apenas seriam construdos alguns ramais que alimentariam-na: Itapecerica, com 34 Km, inaugurado em 1891; Pitangui, com 4 Km, de 1907 e Claudio, com 26 Km, de 1912. O ramal de Ribeiro Vermelho daria origem a um pequeno trecho de 15 Km de extenso, construdos nos anos de 1895 e 1896, que apresentava uma particularidade interessante: tanto a linha frrea de Riberiro Vermelho a Lavras, como a linha de Ribeiro Vermelho a Alvaro Botelho so dotadas de bitola mista. Ou seja, nestes 15 Km trafegam trens e vages de bitola tanto de 0,67 metros como de 1 metro. A bitola de 1m, por sua vez, foram utilizadas tanto na linha de Garas capital, na extenso de 298 Km, como nas linhas de Formiga e Lavras. A concesso federal que deu origem ao trecho de Formiga data de 1890 e pretendia a comunicao de Catalo, em Gois, com o litoral. Alm de estabelecer monoplio de 60 anos, estabelecia garatia de juros de 6%, por 30 anos, sobre razo mximo de capital de 30:000$000 por kilmetro. A ligao entre Aureliano Brando a Formiga foi construida entre 1896 e 1905 (JACOB: 1911) e a de Lavras a Barra Mansa, entre 1895 e 1915. Enquanto o porto de Angra dos Reis foi atingido em 1928, a estao de Catalo, na outra ponta, seria inaugurada somente em 1942 (PIMENTA: 1971), aps a Oeste de Minas incorporar, em 1920, 356 Km da Estrada de Ferro Gois, de

27 Formiga a Patrocnio, e concluir o restante do trajeto17 (ESTADO DE MINAS: 1920). A Estrada de Ferro Gois, parcialmente fundida Oeste de Minas em 1920, havia sido organizada a pelo Decreto n862, de 1890, cujo objetivo era a construo de uma linha frrea de Catalo, em Gois, a um ponto navegvel do rio Maranho. Esta pretenso seria alterada a um plano mais realista pelo Decreto n 5349, de 1904, que concedia companhia a construo do trecho Araguari a Catalo, antes destinado Mogiana, e pelo Decreto n 6438, de 1906, que determinava novo traado estrada de ferro. Seu ponto inicial passava a ser a estao de Formiga e seu ponto final Catalo; alm de conceder um ramal para Uberaba18 (JACOB: 1911). O trecho Araguari a Catalo, de 53 Km, foi inaugurado na primeira metade da dcada de 1910, enquanto o de Formiga a Patrocnio, de 355 Km, em 1918. Por no cumprir os acordos estabelecidos nos contratos de construo, o Governo Federal expediu o Decerto n 13963, de 15 de junho de 1920, que considerava caduco o contrato com a companhia e assumiu a administrao da linha de Araguary a Catalo enquanto o trecho Formiga a Patrocnio era anexado Oeste de Minas. Em 1931, os 156Km da Companhia Paracatu tambm seriam encampados e fundidos Oeste de Minas19. Neste mesmo ano, os 2123 Km da Oeste de Minas seriam arrendados ao Governo Estadual e, junto Estrada Sul de Minas conformariam a Rede Mineira de Viao (PIMENTA: 1971). No que se refere construo de trilhos pela Rede Mineira de Viao, cabe ressaltar a finalizao do trecho entre Patrocnio e Catalo, em 1942. O mais importante a se reter, todavia, o pesado fardo que ela trouxe ao tesouro estadual, no somente pelos constantes dficits da Oeste de Minas, mas, principalmente pelos reaparelhamentos realizados na da Rede Sul Mineira (ESTADO DE MINAS: 19351938, 1947). 4.2.3. ESTRADA DE FERRO MOGIANA A companhia Mogiana, cujo grosso da malha situa-se em territrio paulista, apresenta importantes prolongamentos em Minas Gerais. Para alm de ter sido por longa data a principal companhia atuante no Tringulo Mineiro, deteve trs ramais de comunicao entre a malha mineira e a paulista: Poos de Caldas, Guaxup e Itapira20. O ramal de Poos de Caldas, com seus 19 Km, marca o incio da presena da Mogiana em Minas. Sua inaugurao data de 1 de outubro de 1886, por concesso federal de 1883, que estabelecia garantia de juros de 6% ao ano, por 20 anos, sobre o capital mximo de Rs. 7.000:000$000. Seu mais importante trecho , sem dvida, o de Jaguara a Araguari, concedido pelo Governo Federal em 1884, e que teve, em 1890, instituda garantia de juros de 6%, por 30 anos, sobre o capital empregado. O primeiro trecho, at Caberia tambm Oeste de Minas a construo de 273 Km de trilhos que ligariam Uberaba a Ibi, e tiveram a importante funo geoestratgica de facilitar a comunicao do tringulo mineiro