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Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2004, vol. 4, nº 3 [42–48]42

Tempo de reação e tempo das provas de 50 e 100 metros rasos do atletismo em federados e não federados

Renata J. Miyamoto1

Cássio M. Meira Jr.2

1 Universidade do Grande ABC, Departamento de SaúdeSanto André/SP

2 Universidade de São Paulo, Escola de Educação Física eEsporte, Departamento de Pedagogia do Movimento doCorpo Humano, Brasil

RESUMOCom o intuito clarificar algumas questões ainda não totalmenteconsensuais no que tange ao tempo de reação (TR), especifica-mente em relação ao nível de habilidade do sujeito e à correla-ção com o tempo de movimento (TM), o presente trabalho tempor objetivo verificar a ocorrência de relações entre a saída dobloco e o desempenho nas provas de 50 e 100 metros rasos doatletismo em atletas masculinos de diferentes níveis competiti-vos. Dois grupos foram formados, um composto por 15 atletasnão federados e outro por 17 atletas federados. Além da toma-da dos tempos totais nas corridas de 50 (TM50) e 100(TM100) metros rasos, mediu-se o TR de membros inferiores(TRMI) e o TR de membros superiores (TRMS). Os resultadosforam organizados pela comparação entre os grupos em cadauma das medidas (teste t Student) e pelo cálculo da matriz decorrelação de Pearson nas quatro medidas separadamente paracada grupo. Concluiu-se que: (a) para velocistas de alto nível,quanto menor o TRMI no bloco de saída, maior a chance desucesso na prova dos 100 metros rasos, e, quanto menor oTM50, melhor é o desempenho nos 100 metros; (b) embora osatletas federados apresentem melhor TM em relação aos nãofederados, o TR não se configura como uma variável determi-nante de diferenças de desempenho entre velocistas de níveisdiferentes; e (c) TRMS com um movimento simples de mãonão se correlaciona com TRMI de saída do bloco de partida.

Palavras-chave: tempo de reação, capacidade motora, atletismo,velocidade.

ABSTRACTReaction time and race time on athletics 50 and 100 meters intop level and middle level athletes

In order to clarify some obscure questions related to reaction time (RT),specially to subject’s level and the correlation to the movement time(MT), this article aims to verify the relation between the start and theperformance of the athletics 50 and 100 meters race in male athletes ofdifferent competitive levels. Two groups were formed, one of 15 middlelevel athletes and other composed of 17 high level athletes. Besides themeasurement of the total time of the 50 (MT50) e 100 (MT100)meters race, it was measured RT of the legs (RTL) and RT of the arms(RTA). Results were organised comparing groups in each of the vari-ables (t Student test) and by means of Pearson correlation matrix onthe four variables separately for each group. It can be concluded that:(a) for high level sprinters, the shorter RTL of the starting block, thegreater the likelihood of success on the 100 meters race, and, better thetime on 50 meters race, better the 100 meters performance; (b)although high level athletes show better MT compared to the middlelevel athletes, RT is not a determinant variable of performance differ-ences between sprinters of different levels; and (c) RTA with a simplehand movement does not correlate with RTL of the start.

Key Words: reaction time, motor ability, athletics, velocity.

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INTRODUÇÃOA organização temporal de um movimento em rela-ção à ocorrência de um evento externo pode envol-ver uma série de atrasos. O intervalo de tempodecorrido entre a apresentação de um estímulo e oinício da resposta, denominado tempo de reação(TR), é um dos principais indicadores da limitaçãoneuromotora para processar um estímulo doambiente externo. Mais especificamente, TR define-se como o lapso de tempo entre a apresentação deum estímulo não antecipado, e repentinamente apre-sentado, e o início da resposta, quando a contraçãomuscular se inicia (2, 9, 10, 15, 16). O TR varia de acordo com alguns fatores, dentre osprincipais, a modalidade sensorial do estímulo e acomplexidade da resposta a ser executada.Responder a estímulos acústicos, óticos, e táteisimplica em TRs diferentes. A despeito de havercontrovérsia quanto à quantificação exata, conside-rando pessoas não treinadas, a amplitude em milis-segundos para o TR é de 130 a 170 (acústico –sinal sonoro), 200 a 250 (visual – luz), 150 a 160(tátil simples – toque) e 510 a 530 (tátil complexo– rotação do corpo) (13, 17, 18). As reações acústi-cas e óticas diferem umas das outras porque a codi-ficação das ondas luminosas na retina e a conduçãoao cérebro demoram aproximadamente 30 milisse-gundos a mais em relação à decodificação dasondas sonoras em impulsos neurais. Há tambémrelação entre o TR e o movimento a ser executado:mantendo constante o estímulo, quanto mais com-ponentes tiver o movimento a ser executado, maioro TR (6, 13). Além disso, o TR relaciona-se com osgrupos musculares envolvidos na execução domovimento. A hipótese teórica que deriva do pro-cessamento de informação é que o TR simples étanto maior quanto maior a musculatura a ser con-trolada pelo sistema nervoso. Realmente, segundoos resultados de um experimento clássico (6), exe-cutar um movimento com o braço provoca TR de20% maior em relação a um movimento com odedo. Ainda, o processo de crescimento e desenvol-vimento causa um decréscimo gradativo do TR: osvalores mais baixos, portanto melhores, são alcan-çados na adolescência e nos primeiros anos daidade adulta, piorando posteriormente na flecha dotempo (3, 7, 11).

Pode-se subdividir o TR em dois períodos: pré-motore motor. O primeiro corresponde ao intervalo detempo entre o disparo do sinal e a primeira mudançano nível de ativação do músculo detectado pela ele-tromiografia. O segundo refere-se ao intervalo detempo entre o primeiro sinal eletromiográfico e o iní-cio de um movimento perceptível da parte solicitada(10, 14, 16). Há certa concordância na literatura deque o período pré-motor é um indicador do envolvi-mento de processos centrais, como recepção e trans-missão de informação do ambiente até o própriomúsculo, envolvendo o sistema nervoso num proces-so de tomada de decisões cognitivas e perceptivasdurante a preparação do movimento. Esse período écaracterizado pelas seguintes etapas: (a) tempo que oreceptor demora a captar o estímulo; (b) tempo quedemora a o estímulo chegar desde os receptores dazona cerebral até cada sentido correspondente; (c)tempo de elaboração da resposta (única parte real-mente treinável); e (d) tempo que o estímulo demoraa percorrer a via aferente até chegar à placa motora(11). O período motor é considerado como o atrasotemporal para vencer a inércia do membro, logo apóso recebimento do comando para a contração - agemos processos associados com a musculatura em si,isto é, atividades elétricas já detectáveis, mas aindanão traduzidas em movimento. Ressalta-se que ape-nas a etapa (c) do período pré-motor é sensível aotreinamento, o que caracteriza o TR como uma capa-cidade motora pouco treinável. De fato, na literaturade comportamento motor, entende-se o TR comouma capacidade motora determinada principalmentepor fatores genéticos, portanto pouco afetada peloprocesso de prática (9, 10, 17). O TR tem um impor-tante significado teórico porque envolve mecanismosde processamento, tais como a captação do estímulopelos órgãos sensoriais, a interpretação do estímulopelo sistema perceptivo, a tomada de decisão e osresponsáveis pela produção do movimento (12). Daídecorre a explicação do porquê não é possível reagirimediatamente a um estímulo; sempre há uma latên-cia relativa ao processamento da informação no siste-ma nervoso. Já em 1850, Helmholtz concluiu, depoisda realização de um experimento de estimulação daparte inferior do pé, que o impulso neural viaja àvelocidade de 50 a 100 m/s (12). Daí depreende, por-tanto, que o tempo de condução nervosa periféricapor si só explicaria uma parte do TR. A considerar

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que qualquer TR total sempre compreende mais que100 milissegundos, a outra parte do TR (e maior)seria devida ao processamento no sistema nervosocentral. E qualquer fator que prolongue um ou maisdesses mecanismos será responsável também peloaumento do TR.Existem três tipos de TR: simples (somente uma res-posta a somente um estímulo – por exemplo, a saídade provas de atletismo e natação); de escolha (hámais de um estímulo e cada estímulo exige uma res-posta específica ao estímulo particular, isto é, hánecessidade de compatibilizar a resposta ao estímulo– por exemplo, a recepção a diferentes tipos de saqueou a defesa de golpes); e de discriminação (há maisde um estímulo, porém somente uma resposta – porexemplo, a largada de corridas de automobilismo).Em provas curtas do atletismo, uma vitória pode serdefinida em décimos ou centésimos de segundos. Asaída do bloco de partida estabelece o início daprova, e um dos componentes essenciais dessa faseinicial é o TR. Logo, minimizar o TR em situaçõescomo essa implica na obtenção de uma vantagemsignificativa. Entretanto, como Carl Lewis na provados 100 metros e Tim Harden na prova dos 60metros, há corredores que, embora reajam mais len-tamente ao estímulo sonoro do tiro, são capazes derecuperar essa deficiência no decorrer da prova evencê-la (Tim Harden, quando obteve o título docampeonato mundial indoor, em 2001, apresentou opior TR dentre todos os finalistas: 135 milissegun-dos). Existem também outros casos, como os de TimMontgomery, em que a reação ao tiro foi tão rápida(104 milissegundos) na final do Grand Prix daAssociação Internacional das Federações deAtletismo [International Association of AthleticsFederations – IAAF (8)], em 2002, que o permitiutomar a dianteira em relação aos outros corredores,fato que em nível internacional pode ser decisivo noalcance da vitória – a propósito, com o tempo de9,780 segundos, ele é o detentor do recorde mundialdos 100 metros rasos. Portanto, estabelece-se umparadoxo: se por um lado um corredor que reajaatrasado ao disparo ainda pode ter chances deganhar a prova, por outro, um corredor que reajarapidamente ao tiro pode perdê-la.Vale ressaltar que o TR inclui não o movimento emsi, mas somente o tempo antes de o movimentocomeçar. O tempo total da prova é composto, além

do TR, pelo tempo de movimento (TM – intervalode tempo transcorrido desde a primeira contraçãomuscular até o cruzamento da linha de chegada). Empoucas palavras, o TM se inicia quando o TR termi-na. Obviamente, o TM também é de vital importân-cia para o bom desempenho da prova, haja vista queele se constitui em 99% do tempo da prova masculi-na – o 1% restante é atribuído ao TR. Portanto,capacidades físicas altamente sensíveis ao treina-mento – por exemplo, velocidade e força – determi-nam de forma decisiva o resultado final em provasde velocidade. Na literatura, o TR e o TM são enten-didos como medidas independentes, o que teorica-mente pressupõe baixa correlação entre elas (4, 5).Relação bastante questionada é a do TR com o nívelde habilidade do executante. É sabido que a capaci-dade de antecipação adquirida por meio da experiên-cia de indivíduos habilidosos faz com esses tenhamTR menor em relação a indivíduos em estágios ini-ciais de prática, independentemente da complexida-de da tarefa (11, 17). Assumindo que o atleta é umprocessador de informação (12), iniciantes requeremum tempo de processamento de informações maiorem comparação a atletas treinados. Os atletas maisexperientes apresentam maior velocidade do proces-samento da informação em todas as fases do tempode reação, desde a recepção do estímulo, de condu-ção até o sistema nervoso central, do processamentodos mesmos e da mobilização dos músculos efeto-res. Entretanto, com base nos resultados de recentesprovas de velocidade no atletismo (8), pode-se dizerque não há padrão de correlação entre o TR de atle-tas de diferentes níveis.Com o propósito de esclarecer algumas questõesainda não totalmente consensuais no que tange aoTR, especificamente em relação ao nível de habilida-de do sujeito e à correlação com o TM, o presentetrabalho tem por objetivo verificar a ocorrência derelações entre a saída do bloco e o desempenho nasprovas de 50 e 100 metros rasos do atletismo ematletas de diferentes níveis.

METODOLOGIASujeitosFizeram parte da pesquisa 32 velocistas da modali-dade esportiva atletismo, todos do sexo masculino(média de idade de 21,75 anos; desvio padrão de5,52 anos). Um grupo foi composto de 17 atletas de

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alto nível, federados e participantes de competiçõesem níveis estadual, brasileiro e internacional (treina-vam em média 6 vezes por semana e 4 horas pordia). O outro grupo foi composto por 15 atletas, nãofederados e participantes de competições a nívelestadual (treinavam em média 2 vezes por semana e3 horas por dia).

Material e métodosO TR e o TM foram mensurados numa pista oficialde atletismo, com a utilização de dois blocos de parti-da e um aparelho de medição do tempo de reação(Reaction/Movement Timer – Lafayette Instruments). Oaparelho é constituído de duas chaves de resposta (Ae B) e um emissor de estímulo, conectados a um pai-nel de controle. Além disso, os seguintes materiaisforam utilizados: dois suportes de ferro, uma fita K-7,duas chaves micro switch (linha miniatura), 100metros de fio tipo jumper cor branca e fitas adesivas.Cada atleta percorreu a distância de 50 metros rasos,com velocidade máxima, saindo de um bloco de parti-da, em posição agachada, logo após um sinal sonoro.A chave “A” estava posicionada no bloco de partida,juntamente onde o atleta a pressionava e posicionavao pé traseiro. Logo depois de emitido o estímulosonoro, acionavam-se o primeiro e o segundo cronô-metro do aparelho. O tempo de reação de membrosinferiores (TRMI) foi medido pelo primeiro cronôme-tro, desde o momento do estímulo até a retirada dopé do bloco. O cronômetro fez a medição a partir doestímulo sonoro até a descompressão da chave “A”.Foi solicitado um número total de cinco saídas debloco. Somente na última tentativa o atleta percor-reu os 50 metros completos. Na linha de chegadados 50 metros, o atleta ultrapassava uma linha,momento em que pressionava a chave “B”, parandoassim o segundo cronômetro. O segundo cronôme-tro mediu o tempo do atleta na corrida de 50metros, ou seja, o seu tempo de movimento (TM50).Como medida complementar, solicitou-se a medidado tempo de reação dos membros superiores(TRMS). Para esta medição, foi utilizado o mesmoaparelho de medida de TRMI. Pediu-se para o atletapressionar sua mão inteira sobre o aparelho, com osdedos voltados para baixo. Depois de dado o sinal de

“pronto”, o aparelho disparava o sinal sonoro, apóso qual, o atleta deveria retirar sua mão dominante omais rápido possível. As cinco tentativas foram exe-cutadas sempre com a mesma mão, logo após amedida de TRMI.Para obtenção dos tempos dos 100 metros rasos,perguntou-se ao atleta sua melhor marca obtidadurante todo seu período de prática da modalidade.

RESULTADOSNas Tabelas 1 e 2 são apresentados os resultados decada atleta de ambos os grupos nas variáveis TRMI,TRMS, TM50, TM100. É importante ressaltar que,devido a uma limitação técnica do aparelho de medi-ção (a reação foi detectada apenas após a descom-pressão da chave e não pela detecção imediata demudança de pressão), os valores de TR da presenteamostra são maiores em comparação com valoresoficiais de provas de atletismo.

Tabela 1 - Médias e desvios-padrão nas variáveis TRMI, TRMS, TM50, TM100 para atletas federados.

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Tabela 2 - Médias e desvios-padrão nas variáveis TRMI, TRMS, TM50, TM100 para atletas não federados.

Uma vez que não foi possível detectar diferençasentre os grupos por meio da estatística descritiva(Tabela 3) e considerando o reduzido número decomponentes de cada grupo, os dados foram subme-tidos ao teste Shapiro-Wilk’s W, o qual detectou nor-malidade da distribuição em todas as variáveis(p>0,05). Em vista disso, foi possível utilizar o testeparamétrico t Student para amostras independentes.Não foram verificadas diferenças estatisticamentesignificativas entre os atletas federados e os nãofederados nas variáveis TRMI (t-value=0,45; p=0,65)e TRMS (t-value=-0,00068; p=0,99). Em contrapar-tida, houve diferença significativa na variável TM50(t-value=4,24; p<0,01): os atletas federados corre-ram os 50 metros rasos mais rápido em comparaçãocom os atletas não federados. Diferença significativatambém foi detectada no TM100 (t-value=9,96;p<0,01). Novamente, o grupo de federados foi maisrápido nos 100 metros rasos em comparação aogrupo de não federados.

Tabela 3 - Valores de média, desvio padrão, t value e p de TRMI, TRMS, TM50 e TM100 para os grupos de atletas federados e não federados.

* significância estatística

As quatro variáveis dependentes (TRMI, TRMS,TM50 e TM100) foram correlacionadas separada-mente para cada grupo por meio do índice de corre-lação de Pearson (Tabelas 4 e 5).

Tabela 4 - Correlações de Pearson das variáveis TRMI, TRMS, TM50 E TM100 para atletas federados.

*p<0,05

Tabela 5 - Correlações de Pearson das variáveis TRMI, TRMS, TM50 E TM100 para atletas não federados.

*p<0,05

Para atletas federados foram detectadas correlaçõessignificativas e positivas, porém fracas, entre TRMI eTM100 e entre TM50 e TM100. No que tange aogrupo de não federados, foi identificada apenas umacorrelação significativa e negativa, porém fraca, entreTRMS e TM100.

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DISCUSSÃOCom resultados de correlação moderada ou atémesmo inexistente entre TR e TM, pode-se dizerque as duas habilidades correlacionadas (a saída dobloco e a corrida) são, de certa forma, independentesuma da outra (4, 5). De acordo com a literatura, asduas habilidades - saída do bloco e corrida - são sus-tentadas por capacidades diferentes; a saída é deter-minada predominantemente pela capacidade motora“tempo de reação”, que tem como característica serpouco modificável; por sua vez, o tempo de movi-mento (corrida) é determinado predominantementepor capacidades físicas bastante sensíveis ao treina-mento – sobretudo, força e velocidade.É importante destacar que não houve correlaçãoentre TRMI e TRMS para ambos os grupos, quemesmo subsidiados pela mesma capacidade motora,tempo de reação, não apresentaram correlação signi-ficativa. Esse resultado não corrobora a hipótese deque o TR é tanto maior quanto maior a musculaturaenvolvida na execução do movimento (6). A propósi-to, essa constatação apenas é válida quando a compa-ração considera os membros superiores. No presenteestudo, a comparação deu-se entre um movimentocom a mão dominante (membro superior) e ummovimento específico de saída do bloco de partida(membro inferior). Ainda, é possível fornecer umaexplicação alternativa à ausência de correlação entreTRMI e TRMS com base no fato de que os compo-nentes de ambos os grupos treinavam sistematica-mente. Se os atletas não federados não treinassemsistematicamente, haveria maior probabilidade deocorrer diferença entre os grupos, sobretudo noTRMI, mais sujeito à influência do treinamento (17).Outro objeto de interesse do presente estudo são asrelações entre TR, TM e nível de habilidade do exe-cutante. O grupo de federados percorreu em média,as distâncias de 50 e 100 metros em tempos meno-res que o grupo de não federados, ou seja, o grupode federados foi significativamente mais rápido emrelação ao grupo de não federados. Nesta variável,especificamente, era de se esperar esse resultadoporque os atletas federados treinam com mais fre-qüência em comparação aos não federados.Teoricamente, como nenhum indivíduo da amostrase encontrava em estágios iniciais de prática namodalidade, a diferença entre os grupos não deveriaser detectada para o TR (11, 17), e, de fato, os resul-

tados referentes ao TRMI e ao TRMS sustentaramessa hipótese. Pode-se especular que, em todos ossujeitos da amostra, devido à pouca sensibilidade aotreinamento, o pequeno limite de melhora no TR játenha sido alcançado em virtude da prática sistemá-tica ao qual eles se submetem. Ressalta-se que otreinamento tem uma importância vital, não paramelhorar significativamente o TR, mas para mantê-lo em seus melhores níveis (11, 17). A prática fazcom que o executante saiba lidar com as dicas doambiente, isto é, a discriminação do que é e do quenão é relevante é aperfeiçoada (1, 19).Diferentemente do TR de escolha e do TR de discri-minação, os quais são sensivelmente afetados pelaquantidade de prática do executante (10, 16, 18), oprocessamento da informação no TR simples nãoenvolve o mecanismo de tomada de decisão, fatorpreponderante de diferenças significativas entre ini-ciantes e habilidosos (10, 12, 14, 19). No TR sim-ples, o executante não toma decisão alguma, apenasespera o estímulo e inicia o movimento.

CONCLUSÕESO nível de habilidade do velocista de atletismo nãose correlaciona com o TR, mas, como esperado, ape-nas com o tempo da prova. Especificamente paraatletas de alto nível, o TR na saída do bloco estáassociado ao tempo de movimento de 100 metrosrasos. No entanto, a correlação entre as duas variá-veis é bastante tênue.Embora os atletas federados apresentem melhor TMem relação aos não federados, o TR não se configuracomo uma variável determinante de diferenças dedesempenho entre velocistas de níveis diferentes.Além disso, possuir bom TR com um movimentosimples com a mão não implica em reagir mais rápi-do ao estímulo na saída da prova.

CORRESPONDÊNCIACássio M. Meira Jr.Universidade de São PauloEscola de Educação Física e EsporteDepartamento de Pedagogia do Movimento doCorpo HumanoAv. Prof. Mello Moraes 65 – Cid. UniversitáriaSão Paulo/SP – 05508-900 – [email protected]

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