Moacy Cirne - Para Ler Os Quadrinhos - Da Narrativa Cinematográfica à Narrativa Quadrinizada

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  • PARA LER OS QUADRINHOS Da narrativa cinematogrfica

    narrativa quadrinizada

  • Obras do Autor l.

    A Exploso Criativa dos Quadrinhos, Vozes, 1970 (3' edio)

    A Linguagem dos Quadrinhos, Vozes, 1971 (2* edio) 2.

    Teoria e Critica em Mrio de Andrade, 1966 Duas ou Trs Coisas Sobre o Poema/Processo, 19*38 Quadrinhos: o Mundo da Classe Mdia, 1969 Pequeno Dicionrio dos Super-Heris, 1971 (2* edio) Ideologia e Desmistificao dos Super-Heris, 1971 O Trajeto Regressivo do Criador de Ferdinando, 1972 3.

    Poema para ser queimado, 1968 1. 2. 3., 1968 branco x branco x branco, 1969 abcdz, 1972 ttulo, 1972

    FICHA CATALOGRFICO (Preparada pelo Centro de Catalogao-na-fonte do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ)

    Cime, Moacy da Costa C52p Para ler os quadrinhos: da narrativa cinema-

    togrfica narrativa quadrinizada |por| Moacy Cime. Petrpolis, Vozes, 1975.

    104p. ilust. (Vozes do mundo moderno, 8) Bibliografia. 1. Estria em quadrinhos (Semiologia). 2. Ci-

    nema (Semiologia). 3. Imagem e linguagem. I. Ti-tulo. II. Srie.

    O 72-0095 CDD 17-070.44

    18-070.444

  • PARA LER OS QUADRINHOS

    Da narrativa cinematogrfica narrativa quadrinizada

    Moacy Cime

    2" Edio

    Petrpolis Editora Vozes Ltda.

    1975

  • Coleo VOZES DO MUNDO MODERNO/8

    Orientao editorial:

    M. Pontes

    1975 Editora Vozes Ltda. Rua Frei Lus, 100 25600 Petrpolis, RJ Brasil

  • Conhecer as condies de um processo o verdadeiro programa de uma investigao terica.

    Macherey

    Para

    Anchieta Fernandes, crepaxiano Berilo Wanderley, wellesiano Dailor Varela, godardiano Gilberto Stabile, fordiano Paulo de Tarso, felliniano Valdeci Lacerda, antonioniano

  • Sumrio

    PARA LER OS QUADRINHOS 0

    CINEMA, QUADRINHOS E LINGUAGEM 17

    1. A imagem fotografada e a imagem desenhada 28 2. A estrutura narrativa: do cinema aos quadrinhos 36

    3. A temporalidade: da leitura do filme leitura da estria 53

    4. O primeiro plano e as dimenses da tela e do quadro 55

    5. Unidades significantes e blocos significacionais 58 6. A significao dos quadrinhos 71

    A NARRATIVA QUADRINIZADA 75

    1. A espcio-temporalidade do Perer ziraldiano 75 2. De Um rapaz do outro mundo a O capacete

    espacial 80 3. O segredo do Licorne 85

    4. O processo: da literatura aos quadrinhos 89

    Bibliografia 97

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  • Para ler os Quadrinhos

    A PROBLEMTICA DA LEITURA ASSUME UM RIGOR operado dentro da epistemologia no processo que distingue os discursos ideolgicos dos discursos cientficos, instalando-se como uma leitura pr tico-terica. Ler os conceitos produzidos por Marx, Freud e Saussure por exemplo penetrar no espao terico de suas produes. Um conceito como modo de produo permite a leitura de conceitos como modo de produo ca-pitalista, modo de produo feudal, etc, ao se estudar a realidade social e econmica de de-terminados momentos engendrados no interior da histria. A problemtica da leitura, independente dos exemplos referidos, termina por implicar uma posio poltica. Faamos nossas as palavras de Carlos Henrique Escobar:

    "E uma poltica na medida em que a cincia no somente mais o seu trabalho isolado, mas sim na me-dida em que seu trabalho isolado sempre quando se trata de cincia da histria e de suas regies exige uma reflexo das leituras, uma filosofia da cincia, e portanto se nos afigure como uma das exigncias par-ticulares da cincia da Histria, isto , que a prtica

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  • terica se reconhea entre as outras prticas e se pense como tal a diferena delas".'

    Quando pensamos uma prtica esttica, devemos pensar uma nova modalidade de leitura, se bem que tenhamos sempre presente as configuraes da leitura prtico-terica. S que, aqui, no podemos esperar uma distino entre discursos ideolgicos e discursos cientficos, posto que a prtica esttica e seu produto mais direto, a prtica criativa concretiza-se como uma regio determinada da ideologia. Estamos longe, pois, dos clebres enunciados de Alain Badiou.! A problemtica ser outra: a complexidade do objeto artstico envolve relaes estruturais que exige da leitura um aprofundamento de seus te-mas e modos formais. O projeto ideolgico no se resume no ttulo da obra (cf. Macherey): engloba todo o discurso, seja literrio ou cine-matogrfico, fotonovelesco ou quadrinizado. verdade que entendemos a prtica criativa como uma prtica semiolgica, derivando da um forte apoio na Semiologia que seria uma Semiologia saussureana, sem desprezarmos alguns pontos particulares da Semiologia barthesiana. Esta Se-miologia, compreendida a partir de uma leitura que problematiza a lingstica do corte, marca 0 lugar de uma cincia dos discursos ideolgicos, isto , de uma Teoria geral dos discursos ideol-gicos, ela mesmo sendo a cincia. ' Mas se enten-demos a prtica esttica como uma regio deter-minada da ideologia, por extenso entenderemos 1 Escobar, Carlos Henrique. As leituras e a leitura prtico-terica.

    In: "Epistemologia e teoria da Cincia". Petrpolis, Vozes, 1971, p. 159/196. 3 Cf. Badiou, Alain. A autonomia do processo esttico. In:

    "Estruturalista antologia de textos tericos". Portuglia Editora, 1968, p. 397/417. 3 Escobar, Carlos Henrique. A "Semiologia" como um "conceito

    em estado prtico". In: Revista de Cultura Vozes, n? 10, Petr-polis, dezembro de 1970, p. 21/26.

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  • a prtica criativa como uma regio determinada da Semiologia: a regio dos discursos artsticos. Em se tratando de manifestaes estticas, a lei-tura apresenta trs etapas informacionais, corres-pondente histria de seus discursos, conforme vislumbrou Wlademir Dias-Pino.' A primeira compreenderia a leitura simblica, de predomnio conteudstico; a segunda, a leitura estrutural, de fundo orgnico; a terceira, a leitura criativa, ba-seada no processo de cada produto. Esta leitura criativa, formulada a partir do poema/processo, pode ser aplicada a qualquer objeto esttico, em uma operao que se realize da estrutura ao pro-jeto, separando a leitura da escrita. Mas somente os produtos realmente novos tm condies de oferecer uma leitura criativa capaz de proporcio-nar verses e/ou sries. Nos ltimos cinco anos, citaramos, entre outros, os seguintes poemas/ processo: signo, opinio, cara x coroa e no ao no, de Dailor Varela; olho, de Anchieta Fer-nandes; ser/res, de Pedro Bertolino; resistncia, transparncia e a corda, de Neide S; unir, de Walter Carvalho; idolatria, de Marcus Vincius de Andrade; liberdade, de Ronaldo Werneck; ego, de Hugo Mund Jr.; educao, de Jos Ari matha; amrica amrica, de Falves Silva; 1822, a 3* mundial, ertica e decomposio do nu, de Nei Leandro de Castro; livro de carimbos, de Jos Cludio; bl-bl-bl e metamorfose, de Ivan Maurcio, Humberto Avelar, Zezo Daura, Luiz Ricardo, Tiago Dila e Jos Cludio; inveno do olho, de Frederico Marcos; 12x9, alfabismo e trnsito, de Alvaro de S; metacdigo, de Wla-demir Dias-Pino.* J em A ave (1956) e Solida

    * Em discusso com lvaro de S e o Autor. s Experincias dentro dos parmetros informacionais do poema/

    processo foram feitas por Jos Numanne Pinto. Regina Coeli do Nascimento, Joaquim Branco, Celso Dias. Silva Freire, Carlos

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  • (1962), Wlademir Dias-Pino marcava a diferen-a entre leitura e escrita, lanando as diretrizes em A ave do livro/poema. Ao lado da leitura criativa, e a partir dela (como um traba-lho paralelo operado pelo poema/processo, cujo elevado nmero de participantes diz de sua atua-o entre ns), poderamos citar ainda a tenta-tiva de crtica visual estabelecida pelo mesmo Wlademir: uma crtica voltada para o cinema de igual modo, poderia voltar-se para os qua-drinhos , detectando, em vez de um fluxograma de acontecimentos, a irradiao emblemtica simultnea: remontagem do filme ao nvel da leitura.

    Para se compreender os mecanismos comunica cionais de uma estria em quadrinhos torna-se necessrio que se saiba ler os componentes sgni cos que forjam a sua temperatura esttica. Os quadrinhos so menos simples do que aparentam: questionar o seu espao criativo exige do crtico um slido conhecimento dos mais diversos pro-blemas sociais, culturais e artsticos. Este ques-tionar o espao criativo remete-nos para as obje-es dirigidas contra a sua linguagem. preciso saber ler formalmente os quadrinhos para que consigamos l-los ideologicamente. Analisemos

    Srgio Bittencourt, Ronaldo Periassu, Rubens de Mendona, Sebastio de Carvalho, Dayse Lacerda, Lus Antonio Fachini, Marcos Silva, Joo Pacheco, Cristina Felcio dos Santos, George Smith, Ivan Lemos, Arabela Amarante, Ariel Tacla, Talita Magger, Plnio Filtro, Antonio Morais, Adolfo Paulino, Anselmo Santos, J. P. Ribeiro, Aquiles Branco, Sonia Figueiredo, Eliete Ferrer, Alderico Leandro, Iara Lemos, Oscar Kellner Neto, Aderaldo Tavares, William Dias, Vicente Serejo, Rejane Cardoso, Joo Bosco Lopes, Carlos Medeiros, Lus Carlos Guimares, Haroldo Cajazeira Alves, Jlio Csar Lobo, Nivalda Costa, Jurema Brando. Orlando Pinheiro, Joo Naves de Melo, Henry Corra de Arajo, Wagner Corra de Arajo, Reinrio Luiz Moreira. Ricardo Gomes, Ana Maria Camaro, Joo Batista Schiavo. Mrcio Ruiz Schiavo, Fernando Guimares, Eli Rezende, Mrcio Sampaio, Jos Luiz Serafini.

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  • as restries estereotipadas dos literatos e pinto-res, tomados em sua expresso mais radical, em busca de um denominador comum para fixarmos a funcionalidade leitural nos quadrinhos. So posies que atestam uma preocupao acad-mica diante do objeto esttico. 1. O literato condenar os comics por ler apenas a superfcie de seus textos, procurando em nove ou dez tiras ou em duas ou trs estrias uma carga semntica equivalente a um livro de duzentas pginas ou a um filme de duas horas. Por outro lado, ler a tira/estria segundo os princpios estilsticos da narra-tiva tradicional, sem perceber os recursos simultanestas de sua paginao. Haver ainda a probabilidade de uma leitura apoiada nas legendas e bales; neste caso, a imagem desempenhar um papel secundrio, a servio da palavra impressa (complemento de uma trama que se desenvolve sob a forma mais linear possvel). E assim como encontramos subliteratura em filmes da relevncia de Hiroshima, meu amor (Resnais & Margue-rite Duras), ou numa Clarice Lispector, encontramos subliteratura em obras como Saga de Xam (Rollin
  • (LA FEMME ASSISE). Acidentalmente, certos planos de um Crepax, de um Caza, de um Devil, de um Si, de um Rubino, de um Chies, de um Caniff ou de um Eisner podero despertar a sua ateno.

    3. Descartada a possibilidade de uma leitura centrada sobre a carga semntica do argumento, fixando-se em textos suplementares (praticada pelo literato), c de uma leitura centrada sobre a carga icnica do desenho e sua estruturao composicional no interior de cada quadro (praticada pelo pintor), resta-nos a leitura que corresponde criativamente s formulaes estruturais da narrativa quadrinizada: ler uma estria em quadri-nhos ler a articulao de seus planos. Claro, a carga semntica e a carga icnica mencionadas acima coexis-tem nos limites da articulao. Esta articulao pode ser tradicional (Raymond, Maroto, Gould, Chies, Crumb) ou inovadora (McCay, Crepax, Caza, Si, Devil), e ser funcional na medida em que substanciar de maneira adequada a narrativa. Ou a antinarrativa. Aproxim-la do discurso cinematogrfico ou fotonovelizado significa defini-la em funo da narrativa como um todo es-ttico e ideolgico. Aos que defendem o primado do contedo sobre os demais componentes, numa operao inaceitvel (prpria dos literatos), responderemos para-fraseando Althusser: No existe contedo puro. Todo contedo sempre dado sob uma certa forma. Dar uma forma adequada a um contedo temtico existente 'no estado criativo' supe, pois, quase sempre, duas opera-es conjuntas: a retificao crtica da antiga forma e a produo da nova, num s e mesmo processo."

    4. Se as objees dos pintores e literatos partem de premissas errneas ou de leituras mal localizadas , no podemos negar que, por melhor que seja, a articula-o no esconde a redundncia de certas sries (MAN DRAKE, FANTASMA, TERRY E OS PIRATAS, STEVE CANYON, BRICK BRADFORD, BRONCO PILER, NICK HOLMES, JIM DAS SELVAS e at mesmo PEANUTS, POGO, B. C, ANDY CAPP, TUMBLEWEEDS, etc), redundncia esta nascida por fora da engrenagem que movimenta os pilares da in-dstria cultural, e da qual os quadrinhos participam. 11

    Althusser, Louis. Sobre o trabalho terico. Traduo de Joaquim Jos Moura Ramos. Lisboa, Editorial Presena, s/d, p. 96.

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  • A sua estrutura repetitiva aparece como uma exigncia do consumo em larga escala. Das possveis 10.000 tiras dos PEANUTS nos ltimos 22 anos, apenas umas 400 ou 500 contm informao nova no que se refere existen cialidade de seus postulados filosficos, da frustrao vivencial de Charlie Brown s dvidas metafsicas de Snoopy.

    Voltando s etapas inforniacionais da leitura que se volta para o objeto esttico, notar-se- que o literato se prender leitura simblica, enquanto o pintor praticar a leitura estrutural, mas a praticar at certo ponto, pois uma verdadeira leitura estrutural dos quadrinhos compreender a articulao dos quadros, na pgina ou na tira. Seria mais uma leitura pictrico-estrutural espe-cfica a cada plano, a do pintor. E estas duas alternativas no interessam linguagem dos qua-drinhos. Interessa uma leitura estrutural que nos encaminhe para a leitura criativa capaz de iden-tificar o seu processo e a sua ideologia. A ver-dade que no se pode ler uma estria quadrini zada como se l um romance, uma obra plstica, uma gravao musical, uma pea de teatro, ou at mesmo uma fotonovela ou um filme. So expresses estticas diferentes, ocupam espaos criativos diferentes, manipulam materiais org-nicos diferentes. Embora haja um denominador comum para a leitura que se preocupa com ma-nifestaes e discursos artsticos, existem leituras particulares para cada prtica esttica.

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  • Cinema, Quadrinhos e Linguagem

    SABENDO-SE QUE A PRTICA SIGNIFICANTE DE UMA estria em quadrinhos se funda sobre a nar-ratividade e que se expressa semiologicamente atravs de imagens, poderemos relacion-la com a linguagem cinematogrfica para a partir das semelhanas e diferenas entre os dois sistemas melhor compreendermos o prprio estatuto criativo da narrao. Todo e qualquer nvel nar-racional implica uma realidade sintagmtica que constitui o suporte estruturalizante de determi-nados modelos estticos. O discurso assume, ento; a sua concretude significativa. Ou seja, o discurso se impe como uma narrao articulada por uma dada linguagem. O objeto produzido (filme, romance, novela, conto, estria quadri nizada) o resultado concreto de uma particular prtica criativa, isto , de uma prtica semio lgica. Contudo, esta prtica semiolgica produo de signos engendrada por uma dada prtica est-tica deve ser entendida como reflexo de um todo social articulado pelas foras produtoras. Bela Balzs colocava de maneira categrica que as obras de arte jamais surgiriam por acaso ou

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  • pela vontade individualista de um gnio: vo surgir por uma necessidade econmica e ideo-lgica. ' O discurso narrativo, como expresso determinante de uma certa prtica criativa, elabora os modelos pensados pela ideologia. Portanto, quando situamos a prtica semiolgica, fazemo-lo considerando os elementos que iro interferir em sua estrutura: elementos sociais, polticos, existenciais etc. Alm do mais, como nos mostra Pierre Macherey, estudar uma obra consiste em relacion-la com duas realidades distintas, mas que se completam como uma tota-lidade social: o momento histrico e a sua exata ideologia. * E os quadrinhos e o cinema, surgindo no final do sculo passado sob o impacto criador de uma tecnologia em desenvolvimento e de uma proble-mtica scio-cultural marcada por uma nascente sociedade de massas, apresentam muitos pontos estruturados pelo mesmo denominador comum. Os primeiros, no interior dos jornais; o segundo, fundando o seu prprio veculo. Se a litografia abria o caminho para o jornal ilustrado (e este abria o caminho para os quadrinhos, acrescen-tamos ns) e a fotografia continha o germe do filme *, realcemos os nmeros que situam a im-portncia do jornal e da fotografia, preparando 0 terreno para conquistas tcnico-criativas mais sofisticadas e contribuindo para forjar, por meio dos quadros burgueses, uma cultura de massa que atendesse aos interesses das classes domi-nantes. Em 1850, a circulao total dos jornais 1 Balzs, Bela. Esttica do filme. Traduo de Armindo Blanco.

    Rio de Janeiro, Ed. Verbum (1956), p. 28. " Macherey, Pierre. Para uma teoria da produo literria. Tra-duo de Ana Maria Alves. Lisboa, Editorial Estampa, 1971, p. 112. 8 Benjamin, Walter. A obra de arte na poca de sua reprodutibi-

    lidade tcnica. Traduo de Carlos Nelson Coutinho. In: "Teoria da Cultura de Massa". Rio de Janeiro, Saga, s/d, p. 209.

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  • dirios nos Estados Unidos (excetuando-se os domingos) atingia 750.000 exemplares; em 1860, 1 470 000; em 1870, 2.600.000; em 1880, 3.560.000; em 1890, 8.380.000; em 1900, 15.100.000. O nmero de fotgrafos, ainda nos Estados Unidos, em 1850 era de 938; em 1860, de 3.154; em 1870, de 7.558; em 1880, de 9.990; em 1890, de 20.040; em 1900, de 27.029. Por outro lado, no esqueamos que os comics nas-ceram do bojo de uma rivalidade jornalstica (entre William Randolph Hearst e Joseph Pulit-zer), quando a tiragem dos jornais determinava e determina o aumento das polpudas verbas publicitrias. Os quadrinhos, pois, fun-cionariam como uma "novidade" para atrair mais leitores. J o cinema poderia encerrar uma finalidade cientfica, segundo as perspectivas da poca. De qualquer maneira, tanto os quadrinhos quanto o cinema se constituiriam desde as suas ori-gens em organismos culturais manipulados pelo aparelho ideolgico do Estado.' Mas at que ponto a realidade significacional do cinema se aproxima da realidade significacional dos quadrinhos? (Assim como poderamos indagar: at que ponto a realidade significacional do cinema se aproxima da realidade significacional da literatura?). Responder esta questo implica colocar problemas tericos que pressupem um conhecimento da prtica cinematogrfica rela-cionada com a prtica quadrinizada. Implica abordar a narrativa como um sistema de trans-formaes temporais ", assim como implica pensar o cinema e os quadrinhos como significaes estticas dentro de um dado contexto social.

    _Cfi Altusser, Louis. Idologie et Appareils idologiques d'Etat. i, .La Pense n 151 Paris, jutin 1970, p. 3/38. .Ed. Klincksieck"\rsso s sur '" signification au cinma. Paris, Ed. Klincksieck, 1968, p. 27.

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  • O produto cinematogrfico o filme: soma de sintagmas e situaes temticas agenciados pela montagem polarizadora do discurso narrativo; e o produto quadrinizado a estria: soma de sintagmas e situaes temticas ou uma particular situao temtico-sintagmtica agenciada pela decupagem que polariza o discurso narrativo tambm se definem pela diferena do material utilizado e, em conseqncia, dos componentes sgnicos que se constituem no interior dos signi-ficantes. Atravs da narrativa e seus materiais de expresso (aqui, no no sentido hjelmsleviano), pois, enfocaremos a relao cinema/quadrinhos numa perspectiva crtica que nos parece a mais pertinente. No entanto, at agora, os principais estudiosos dos fumetti tm-se voltado mais para certas particularidades estticas e histricas que no revelam o verdadeiro questionamento do problema, a no ser em algumas poucas vezes. Vejamos: Luis Gasca, por exemplo. O autor espanhol aponta o papel similar da montagem para as duas linguagens. A iluminao, o "flou" e a cmera lenta estariam presentes nos quadrinhos. Por outro lado, os dilogos de um Jerry Lewis so quase sempre onomatopaicos. As analogias tem-ticas entre os filmes de James Bond e as histo-rietas tambm so freqentes. Resnais, Fellini, Clouzot, Tessari, Isasi, Gentilomo, Tashlin, Les ter, Malle, Broca e Lewis so catalogados como diretores cujos ltimos filmes contm elementos extrados de linguagem dos comics. Atores e personagens do cinema vo aparecer em vrias revistas especializadas: Buck Jones, Roy Rogers, Durango Kid, Bob Hope, Jerry Lewis, Os Trs Patetas etc. Gasca aponta ainda a importncia do desenho animado e dos seriados televisivos

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  • em relao aos quadrinhos, fornecendo por fim um amplo quadro com os personagens do tebeo no cinema, compreendendo

    BATMAN: Batman, 1943 The new adventures of Batman and Robin, 1949 Batman and Robin, 1950 Batman, 1966

    BLONDIE: Blondie, 1938 Blondie brings up babyt 1939 etc.

    BRICK BRADFORD: Brick Bradford, 1945 CAPTA1N AMERICA: Captain America, 1944

    CHARLIE CHAN: House with a key, 1926 The chinese Parrot, 1927 Behind that curtain, 1929 etc.

    DICK TRACY: Dick Tracy, 1937 Dick Tracy returns, 1938 etc.

    FELIX THE CAT: As Romeo, 1927 etc.

    FLASH GORDON: Flash Gordon, 1936 Flash Gordon's trip to Mars, 1938 Flash Gordon conquers the Universe, 1940

    MANDRAKE: Mandrake the magician, 1939

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  • PHANTOM: The Phantom, 1943

    SUPERMAN: Superman, 1941 Superman in Billion Dollar Limited, 1942 Superman in Electric Earthquake, 1942 Superman in Terror of the Midway, 1942 etc.

    YELLOW KID: Trouble in Hogan's Alley, 1903 Hogan's Alley, 1912 Hogan's Alley, 1925

    e muitos outros. * Alis, Luis Gasca publicou um livro exclusivo sobre o aproveitamento de personagens dos quadrinhos no cinema: Los comics en la pantalla, edio de 1965. Claude Moliterni procura aprofundar o problema, considerando-o em termos de figurao narrativa. Ou de tcnica narrativa, melhor explicando. Destaca a obra de Hal Foster (TARZAN, 1929-1936; PRNCIPE VALENTE, 1937-) pelo emprego de plongs e contraplongs, conseguindo marc-la por um "estilo narrativo denso e autntico". Destaca tambm, entre outras, a produo de Milton Caniff (TERRY, 1934-1947; STEVE CA NYON, 1947-), que compreendeu estarem intima-mente interligados ritmo e decupagem. Contudo, esclarece-nos Moliterni, bem poucos utilizaram e utilizam de maneira adequada os pro-cedimentos estilsticos provenientes do cinema: close-ups, plongs e contracampos conduzem as estrias por intermdio de situaes apenas des-critivas. Crepax, Gigi, Pratt e Giraud, ao con-trrio, tm aproveitado estes recursos que 9 Gasca, Luis. Tebeo y cultura de masas. Madrid, Editorial

    Prensa Espaola, 1966, p. 131/180.

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  • seriam cinematogrficos de modo quase sempre inventivo.' Grard Blanchard, historiando as histrias em imagens da pr-histria aos nossos dias, detm-se no realismo cinematogrfico de Hal Foster, j que "o filme oferece um campo frtil em pesqui-sas e mostra que os quadrinhos, nova forma de linguagem em imagens, podem provocar a impres-so de movimento, a impresso de uma panor-mica ininterrupta". * Entre ns, lvaro Moya grande admirador de Will Eisner assinala que possvel estabelecer um paralelo entre O E S -PRITO e o Cidado Kane wellesiano, seja pela tcnica expressionista da luz, seja pelos enqua-dramentos. E, anotemos bem, ambos so lana-dos no princpio da dcada dos 40 . ' Outros cr-ticos, como Srgio Augusto, preferem, ao binmio Eisner/Welles, o binmio Eisner/Lang: nos dois casos, a fora criadora do expressionismo. Necessrio se torna pensar a problemtica cine-ma/quadrinhos em termos mais rigorosos: para Umberto Eco, no plano do enquadramento os comics sempre estiveram na dependncia da lin-guagem cinematogrfica. Todavia, no plano da montagem o discurso seria mais complexo por realizar um continuum a partir de imagens est-ticas. Exemplificando com a pgina inicial de STEVE CANYON, O terico italiano prope duas possibilidades de leitura para a sua articulao: 1) como roteiro que contivesse anotaes (cor-tes, iluminao, enquadramentos etc.) capaz de preencher uma seqncia com todos os requisitos

    ' Moliterni, Claude et alii. Bande dessine et figuration narrative. Paris, Muse des Arts Dcoratifs/Palais du Louvre, 1967, p. 179/204. 8 Blanchard, Grard. La bande dessine. Verviers, Ed. Grard &

    Co., Collection Marabout Universit, 1969, p. 208. 8 Moya, lvaro de. Era uma vez um garoto amarelo... In:

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  • de uma temporalidade contnua, 2) como pelcula j concretizada em fato filmico, cuja narrao seria pautada numa sucesso de imagens fixas e de saltos diegticos "esse discurso que teria deixado estarrecido o espectador cinematogrfico de 1947" , prenunciando o Godard de Vivre sa vie e o Marker de La jete. " O argentino Oscar Masotta coloca um dado novo: o da direcionali dade dos quadrinhos, dimensionando a interpre-tao do tempo real numa determinada realidade objetiva. Masotta refere-se tambm, como ele-mento informacional, diferena entre a tela do cinema e a pgina da revista. Por outro prisma, e escritura fontica dos fumeiti no seria equi-valente linguagem verbal do cinema sonoro por se distanciar do signo original. " Contudo, Francis Lacassin ir mais longe: mos-trar que certos procedimentos "cinematogrfi-cos" (o plong, a profundidade de campo etc.) j se encontravam na srie francesa da FAMILLE FENOUILLARD, lanada em 1889 por Christophe (pseudnimo de Georges Colomb), portanto antes mesmo de O GAROTO AMARELO e do pr-prio cinema. Rodolphe Tpffer alternar cenas longas e cenas breves em 1827, com Les amours de Monsieur Vieux-bois (um precursor direto dos quadrinhos), cem anos antes de Outubro, de Eisenstein! Lacassin escrever sobre a sintaxe criadora nas duas manifestaes estticas, sobre a iluso dinmica que no cinema ser baseada no apenas na modificao dos personagens no espao do campo visual mas tambm no modi-ficar da posio da cmera e, nos quadrinhos,

    "Shazam!" So Paulo, Perspectiva, 1970, p. 68. 10 Eco, Umberto. Apocalpticos e integrados. Traduo de Prola

    de Carvalho. So Paulo. Perspectiva, 1970, p. 151/152. 11

    Masotta, Oscar. Reflexiones presemiolgicas sobre la historieta. In: "Lenguaje y comunicacin social". Buenos Aires, Nueva Visin, 1971, p. 203/204.

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  • no manipular da superfcie da imagem. Alguns dos principais movimentos de cmera usados em filmes (panormicas, travellings) encontra-ro equivalentes nas estrias em quadrinhos. Burne Hogarth (TARZAN, 1937-1950) servir de exemplo. " Como justificar a simplificao dos planos qua drinizados nas trs primeiras dcadas do nosso sculo depois das descobertas de um Georges Colomb? Seriam as "facilidades e o conforto do plano mdio" " que determinariam o comodismo dos autores fumetsticos at 1929? As aventuras cmicas que se produziam ento tinham um sig-nificado ideolgico marcado pelos sistemas de atitudes-comportamentos sociais: relaes dial-ticas so estabelecidas entre estes sistemas (os costumes) e os sistemas de idias-representaes sociais. Sabe-se que "a ideologia tem como fun-o assegurar uma determinada relao dos ho-mens entre si e com suas condies de existncia, adaptar os indivduos s suas tarefas fixadas pela sociedade" (Harnecker). Em 1910 a circulao diria dos jornais atingia 25.000.000 de exem-plares nos Estados Unidos; em 1920, 27.790.000; em 1925, 33.740.000. Veiculados pelos jornais, os quadrinhos ocupavam o centro da cultura de massa, segundo a produo econmica e social da poca considerada. A simplificao da narra-tiva quadrinizada surgia pela necessidade das classes dominantes de impor elementos temticos que desviassem a criticidade histrica de deter-minadas classes sociais, banalizando-os para que sua funo ideolgica fosse melhor assimilada. Os quadrinhos no teriam a sorte do cinema, que pde se desenvolver na Rssia de Eisenstein

    , J Lacassin. Francis. Bande dessine et langage cinematogra

    phique. In: Cinma 71, n 159, Paris, sept.-oct. 1971, p. 36/50. 13 Idem, ibidem, p. 40.

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  • e Vertov, Pudvkin e Kulechov. Apesar disso, entre 1905 e 1925 pelo menos duas grandes obras foram produzidas pela bande dessine: LITTLE NEMO (McCay) e KRAZY KAT (Herriman). Em 1929 quando se d o crash da bolsa de Nova Iorque surge o TARZAN, de Foster. O cinema sonoro comeava a ensaiar os primeiros passos. O cinema mudo atingira um apogeu esttico difcil de ser superado pela arte do sculo XX, contribuindo em larga escala para educar visualmente o pblico consumidor de fumetti. Filmes como Intolerncia, O gabinete do Dr. Caligari, Nanuk o esquim, Nosferatu o vampiro, Ouro e maldio, Em busca do ouro, O encou raado Potemkin, Fausto, O General, Metrpolis, Aurora, Outubro, Napoleo, O circo e A paixo de Joana d'Arc sensibilizavam de igual modo os autores de quadrinhos. Portanto, se verdade que certos recursos expressionais de LA FAMILLE FENOUILLARD so anteriores descoberta do cinema, verdade tambm que foi o cinema a linguagem a determinar inclusive ideologica-mente o emprego desses recursos na estrutura narrativa das historietas. O claro-escuro signifi-cante que aparecer em certas sries (TARZAN, FLASH GORDON, PRNCIPE VALENTE, O ESPRITO, STEVE CANYON) ser devedor do cinema. Quanto aos movimentos de cmera usados em filmes, os equivalentes em quadrinhos so regidos pela di recionaidade da leitura sobre a pgina do jornal ou da revista. Por certo, trata-se de uma leitura provocada pela disposio formal dos componen-tes sgnicos no interior de cada imagem. Um outro ponto pode ser levantado: o plano pano-rmico mais uma vez o exemplo do LITTLE NEMO nasce nos quadrinhos. A fora popular do cinema tambm influiria neste particular: os

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  • planos quadrinizados, durante um longo perodo, procurariam obedecer a uma reduo proporcio-nal do retngulo da tela cinematogrfica. De qualquer maneira, antes do cinemascope (1952) o espao panormico do enquadramento fumets tico j estava bastante divulgado. Registremos ainda que, mesmo depois de Foster e Raymond, Hogarth e Eisner, alguns quadrinhos tornar-se-o verdadeiros clssicos da arte con-tempornea filtrando sua narrativa no arsenal do plano mdio, s raras vezes penetrando no campo do plano geral ou do primeiro plano. Poderamos citar, entre outras, as seguintes produes:

    PEANUTS (Schulz) DROPOUTS (Post) ANDY CAPP (Smythe) THE WIZARD OF ID POGO (Kelly) (Parker & Hart) TUMBLEWEDS (Ryan) BRISTOW (Dickens) B. C. (Hart) Girighiz (Lunari) Os anti-heris (Feiffer) MOOMIN (Jansson) HORATIO (Judd & Haswell) MAFALDA (Quino) FERD'NAND (Mik) A obra de Copi. O nosso principal objetivo crtico, neste ensaio, no o de detectar uma possvel maior significa-o cultural ou esttica de uma linguagem sobre a outra (dos quadrinhos sobre o cinema, ou vice-versa), mas o de relatar as interferncias se miolgicas desenvolvidas entre os dois sistemas comunicacionais. Estas interferncias semiolgicas no s entre cinema e quadrinhos, mas tam-bm entre cinema e televiso, quadrinhos e fotonovela etc. so comuns s diversas prticas criativas fundadas na imagem. Resta-nos situar a combinao heterognea de cdigos homog-neos, do cinema aos quadrinhos. Antes, porm, situaremos outros problemas.

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  • 1. A IMAGEM FOTOGRAFADA E A IMAGEM DESENHADA

    0 discurso narrativo do cinema e dos quadrinhos parte da imagem. Em uma primeira abordagem, cumpre-nos estud-la. S depois veremos a nar-rativa como tal. No momento, interessa-nos a imagem e sua expressividade plstica. Roland Barthes, atento s exigncias da "sua" Semiolo-gia, designa a imagem como um estado poliss mico voltado para o campo da representao, cuja estrutura significacional remeter-nos-ia a uma interrogao sobre o sentido. " Mais do que uma representao, a imagem afigura-se-nos como uma representificao: concretude dos signos que a compem. Analisando alguns fotogramas de Ivan, o terrvel (Eisenstein), Barthes em outro artigo" detecta trs nveis para a imagem: 1) o nvel informativo, 2) o nvel simblico e 3) o nvel da significncia. O primeiro nvel resultaria na "mensagem" propriamente dita e seria o nvel da comunicao; o segundo implicaria uma abertura psicanaltica, econmica, dramatrgica e seria o nvel da significao; o terceiro revelaria um significante determinado por uma individualidade terica e seria o nvel da semitica do texto (como a entende Julia Kristeva). Para a investi-gao semiolgica, os dois ltimos nveis tm um interesse maior: o segundo compreenderia um sentido bvio e o nvel da significncia, um sentido obtuso. O sentido bvio aquele sentido intencional, de uma evidncia fechada, acabada, " Barthes, Roland. Rhtorique de l'image. In: Communications, 4, Paris, 1964, p. 40/51. 11

    Barthes, Roland. Le troisime sen. In: Cahiers du Cinema, n 222, Paris, juillet 1970, p. 12/19.

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  • totalizante, "tomado em um sistema completo de destinao"." Exemplo: o cinema de Eisenstein, que no polissmico, e que ter por sentido bvio a revoluo da imagem montagem, da montagem ao agenciamento temtico. O sentido obtuso aquele sentido que, significante sem significado, se estabelece fora da linguagem arti-culada, no interior dos elementos da imagem que no podem ser descritos, indiferente ao sentido bvio que cada imagem possa encerrar. O sen-tido obtuso relevante para marcar a presena/ ausncia de determinados componentes imagsti cos e temticos , em sua passagem da lingua-gem mais pura significncia, instaura o flmico que estaria mais prximo do fotograma do que mesmo do filme, enquanto discurso cine-matogrfico. No filme intervm imagens fotografadas em movimento; na estria em quadrinhos, imagens desenhadas fixas. (No consideramos, aqui, as imagens do cinema de animao e do desenho animado, assim como no consideramos os re-cursos fotogrficos utilizados em certas estrias ou as imagens fixas dinamizadoras de certos filmes). Estabelece-se, assim, a primeira diferena essencial entre as duas linguagens e uma diferena que se processa atravs da materiali-dade de cada uma, especificando os seus campos de atuao visual. Mas, a partir da diferena colocada, outras di-ferenas se fazem sentir: a imagem do filme geralmente ser mais rica; a imagem da estria poder ser mais complexa. Neste particular, o sentido obtuso poderia ser localizado com mais facilidade na imagem fixa da estria um fotograma em potencial , contudo no o ser

    " Idem, ibidem, p. 13.

    29

  • por ser menos rica em sua composio temtica. E, por seu intrnseco realismo fotogrfico, a ima-gem do filme ordenada segundo mecanismos significantes bem definidos (o claro-escuro etc.) conter elementos icnicos de maior fora visualizante. J a imagem da estria permitir at mesmo a simplificao ou a deformao do prprio desenho sem perda da informao comu nicacional: Feiffer, Copi, Schulz, Lunari, Barsotti, Ryan, Post, Escourido, Krohn, Hargreaves, La gan, Reiser, Quino, Hart, Dickens, Trudeau, Henfil comprovam-no. Esta simplificao, entre-tanto, no deve ser compreendida em um sentido generalizador. Entre Feiffer e Schulz existe tanta diferena quanto entre Godard e Antonioni, Sar-tre e Camus. Por sua vez, o trao (simples) de Schulz no revela pobreza informacional. Antes, remete os PEANUTS para uma sutileza icnica que refora de maneira considervel a substncia semntica de sua existencialidade. Por outro lado, temos encontrado nos quadrinhos autores que trabalham a imagem com bastante eficcia criativa, seja pelas tonalidades encantatrias do desenho, seja pelo rigor compositivo do quadro, seja ainda pela surpresa formal da fantasia em estado puro: McCay, Herriman, Foster, Ray-mond, Hogart e numa prtica mais moderna Si, Maroto, Devil, Kirby, Steranko. Temos ainda os autores que conseguem enriquecer certas imagens de suas estrias atravs de um preciosismo detalhista de grande pujana para o nvel narracional dos quadrinhos. Enumeremos estas imagens no TINTIM, de Herg (assinalando entre parnteses o n9 do quadro nas pginas citadas): Tintim na Amrica: nada a destacar Os charutos do Fara: p. 61 (1)

    30

  • O loto azul: p. 6 (4), 26 (1) e 45 (9) O dolo roubado: nada a destacar A Ilha Negra: nada a destacar O cetro de Otokar: p. 52 (4) e 59 (5, 6) O caranguejo das tenazes de ouro: p. 49 (1) A estrela misteriosa: p. 10 (5) O segredo do Licorne: p. 18(1), 19 (6) e 41 (5) O tesouro de Rackham, o terrvel: p. 6(9), 26(4),

    40(4), 60(2) e 62(1) As 7 bolas de cristal: p. 16(4), 49(8), e 58(1) O templo do sol: p. 47 (1) Tintim no pais do ouro negro: nada a destacar Rumo Lua: p. 13(1), 42(1), 56(5) e 61 (1) Explorando a Lua: p. 10(1), 13(5), 21(1), 22(9),

    23(1), 25(4), 33(11) e 35(7) O caso Girassol: p. 13 (8) e 38 (4) Perdidos no mar: p. 60(1) e 62 (" Tintim no Tibete: p. 2 (7) As jias da Castafiore: nada a destacar Vo 714 para Sidnei: nada a destacai}

    Algumas observaes se fazem necessrias. Nem toda imagem ampla (meia pgina ou pgina inteira) contm burilamentos preciosistas: cf. O caranguejo das tenazes de ouro, p. 21, 22 (qua-dro 4), 29, 35 (quadro 6) e 40; nem toda ima-gem destacada neste setor ampla: cf. O tesou-ro de Rackham, o terrvel, p. 60 (quadro 2). As imagens em pauta dependem estruturalmente do arcabouo temtico de cada estria: em Explo-rando a Lua a superfcie lunar que permite as mincias formais; em O tesouro de Rackham, o fundo do mar. O nvel narracional enriquece-se com estas imagens na medida em que a leitura do consumidor pra no espao e no tempo para melhor compreend-las como unidades da diegese. Sob o ponto de vista ideolgico, reforam a base material de seus produtores. Somente os grandes centros culturais tm condies concretas de fixar equipes fabricadoras de quadrinhos. Herg tem

    31

  • sua equipe; Stan Lee, idem; a National Periodi cal Publications, idem. No Brasil, apenas Maur-cio de Sousa em So Paulo , e de forma sofisticada, tem uma equipe constituda, j que o grupo Edrel parece no se ter firmado no mercado editorial brasileiro, apesar das boas pesquisas formais (embora desligadas do nosso contexto social) formuladas por seus criadores. No se pode exigir de um pas como o Brasil que produza estrias com imagens buriladas, mesmo porque um tal tipo de imagens no garantia suficiente para uma boa (adequada) estria em quadrinhos.

    Mas por que a imagem de uma historieta po-der ser mais complexa do que a de um filme? Simplesmente pela lingisticidade dos bales e onomatopias, redimensionando -a problemtica visual da estrutura interna que a define perante a narrativa? O balo como a onomatopia um componente concreto, fsico, imagistico capaz de assumir as mais diversas formas inclusive metalingsticas , encerrando discur-sos falados ou pensados, verdadeiras unidades significantes da imagem. Dir-se- que a imagem cinematogrfica tambm ser complexa por mo-bilizar relacionamentos como o da montagem, imagem x som, imagem x fala etc. Esta complexi-dade, porm, apresenta-se ao nvel do discurso cinematogrfico que existe em funo de uma srie de mecanismos tcnicos e comunicacionais e no da imagem como uma realidade parti-cular do cdigo flmico. J no cinema mudo a imagem registrava uma riqueza semntica e es-ttica como fato marcado por aparente iconici dade. Mesmo no primeirssimo plano ou no

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  • plano de detalhe domina um campo fotogr-fico onde a mensagem denotada descobre-se pelo sentido icnico. E o signo icnico aqui pos-tulado como o entende Umberto Eco", que o aproxima com mais eficcia do desenho grfico: um signo que nos indica, no o objeto, mas o modelo perceptivo do objeto. Precisamos insistir na lingisticidade dos bales e onomatopias criados nos comics. Fresnault-Derulle, em excelente livro, posiciona o balo na estria com rara perspiccia crtica: a noo de tempo, por exemplo, seria reforada pela presena do balo, que tambm estruturaria a linguagem dos personagens em situao narrativa. Outro ponto: O balo no nasceria da dialtica entre a langue e a parole. " Para ns, o balo nasce por uma necessidade lingstica, mas tam-bm por uma necessidade ideogramtica entre a imagem e a significao temtica. Robert Be nayoun registra 72 espcies de bales: censurado, personalizado, mudo, atmico, sonolento, glacial, agressivo, onomatopaico, pop, tradutor, interro gativo, infantil, exibicionista, estril etc. " Reali-dade abstrata, o balo redimensiona o realismo figurativo do quadro numa caracterizao icnica de grande eficcia criativa: o balo, ainda, presentifica-se como realidade concreta atravs de exemplos metalingsticos e relaes ideogra mticas. As onomatopias unidades sonoras dos qua-drinhos explodem em componentes visuais dinamizadores dos planos. Sua lingisticidade 17

    Eco, Umberto. Smiologie des messages visuels. In: Commu-nications, 15, Paris 1970, p. 13/21. 18

    Fresnault-Deruelle, Pierre. La bande dessine. Paris, Hachette, 1972, p. 30/39. * Benayoun. Robert. Le ballon dans Ia bonde dessine. Paris, Ed. Andr Balland, 1968, p. 32/33.

    33

  • torna-se codificvel pela Semiologia, em pginas como a dos ZERIS (Fig. 1).

    Figura 1

    Portanto, apesar da lingisticidade dos bales e onomatopias, parece-nos evidente que existe um reforo icnico nestes dois elementos expressio nais. O prprio texto contido no balo pode re-velar um papel codificador (cf. POGO, de Kelly). Da a maior complexidade da imagem quadrini-

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  • zada; enquanto a imagem cinematogrfica ofe-rece-nos um recorte limpo, cristalino, do objeto filmado (mesmo quando apresenta palavras ou simples letras), a imagem dos quadrinhos oferece-nos um recorte do objeto desenhado com idnticas implicaes verbais e no-verbais. Resta-nos precisar o fato estilstico da angulao. Sobre o contraplong e o plong j falamos. Referimo-nos s angulaes inclinadas, perpen-diculares, diagonais que, com o expressionismo e Orson Welles, tornar-se-o comuns no cinema, influenciando autores como Eisner e Chies. Neste particular como no caso da iluminao: o jogo de sombras, claros e escuros determinantes de uma dada feitura compositiva , os qua-drinhos so dominados pela linguagem cinema-togrfica. Decerto, poderamos continuar interrogando a significao da imagem. Fotografada ou dese-nhada, em movimento ou fixa, realista ou cari-catural, "L'image rapporte le monde un aspect du monde dans un cadre qui limite ( la ma nire d'une lucarne) les choses reprsentes. Mais ce cadre dlimite la reprsentation en constituant un ensemble de rapports inhabituels, aucun cadre ne venant, dans la nature, dcouper un fragment d'espace, isoler un aspect du monde pour le donner 'hors du monde' tel qu'une forme replie sur elle-mme"." Parece-nos igualmente correta a observao de Jean Mitry que v na imagem uma invocao materializada. Da mesma forma, revela-se justa a crtica de Balzs ao afirmar que "cada ngulo visual sobre o mundo implica uma viso do mundo". " Poderamos retom-la, localizando-a no espao de nosso tempo: nos a0

    Mitry, Jean. D'un langage sans signes. In: Revue d'Esthtique, nouvelle srie, 2-3, Paris 1967, p. 144. 11

    Balzs. Bela. Obra citada, p. 37.

    35

  • quadrinhos ou no cinema, cada ngulo visual sobre o mundo implica uma viso ideolgica do mundo.

    2. A ESTRUTURA NARRATIVA: DO CINEMA AOS QUADRINHOS

    O problema da narrativa, j vimos, comum ao cinema e linguagem dos quadrinhos. A cadeia sintagmtica que a constitui produz transforma-es originrias da prpria prtica significante fundada sobre os plos narracionais do discurso artstico. Realizada ao nvel do significante nar-rativo, a transformao e aqui nos afastamos de Julia Kristeva " acaba por atingir o sig-nificado predominante em todo agenciamento narracional. Roland Barthes distingue trs nveis de descrio no discurso narrativo, pautando-se em Propp, Bremond, Greimas e Todorov: o nvel das fun-es, o nvel das aes e o nvel da narrao. O primeiro (cada funo representa uma unidade de contedo) engloba as unidades narrativas m-nimas, segmentos primordiais da horizontalidade sintagmtica; o segundo tem uma importncia secundria para o presente trabalho; o terceiro firma-se como uma conseqncia estrutural dos dois primeiros, codificada pelos signos da narra tividade. " Sabe-se que, de modo mais amplo, a funo expressa por um substantivo de ao (cf. Bre-mond). E, para ns, a prpria funo s inte-11

    Kristeva, Julia. Narration et transformation. In: Semitica, 1-4, Paris 1969, p. 431. 23

    Barthes, Roland. Introduo anlise estrutural da narrativa. In: "Anlise estrutural da narrativa", Novas perspectivas em comunicao/l. Petrpolis, Vozes, 1971, p. 18/58.

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  • ressa enquanto elemento significacional do eixo sintagmtico: rearticulando o esquema de Propp, Bremond promove a formalizao dos "fios" da intriga unidades consideradas menores que a srie e maiores que as tematizaes funcionais e apresenta duas direes de pesquisa, entre ou-tras vertentes tericas: o estudo comparado das estruturas da narrao por meio das mensagens comportadas pela narratividade, e o relaciona-mento entre a camada narrativa de uma dada mensagem e as demais camadas de significao tomada como um todo. " H de destacar, complementando a problemtica narracional, a cadeia sintagmtica: combinatria de unidades que se relacionam dentro de um dado enunciado.2! A cadeia sintagmtica orienta a produo dos gneros narrativos: seja cinema, seja quadrinhos, seja fotonovela etc. Ch. Metz chega a formular uma grande sintagmtica do filme narrativo.:" Nos quadrinhos a narrativa concretiza-se veicula-da por jornais e revistas, dispondo de cinco formas articulatrias para lan-los de acordo com os veculos considerados:

    1) a tira diria de jornal cuja situao temtica define-se em trs ou quatro planos, 2) a tira diria de jornal cuja situao temtica exige uma continuidade serial, 3) a pgina semanria de jornal cuja situao temtica define-se nos planos que a formam, 4) a pgina semanria de jornal cuja situao temtica exige uma continuidade serial, 5) a estria completa publicada em revista ou lbum: 2* Bremond, Claude. Le message narratif. In: Communications, 4,

    Paris 1964, p. 4/32. 25

    Martinet, Andr. Elementos de lingstica geral. Traduo de Jorge Morais-Barbosa. Lisboa, Livraria S da Costa, 1971, p. 24. Cf. Metz, Christian. Obra citada, p. 121/146.

    37

  • a - como simples aproveitamento das tiras dirias ou pginas semanrias que tm continuidade, b - como aventura exclusiva para a revista.

    Nos primeiro e terceiro casos a contenso domina o ncleo narracional; nos segundo e quarto, o ltimo plano realiza-se pela tenso de seus ele-mentos. Na estria exclusiva para a revista existe uma liberdade criativa muito maior, liberdade esta que ser detectada no decorrer deste ensaio. Por ora, voltemos relao cinema/quadrinhos. E o fazemos para marcar a diferena entre a continuidade sintagmtica do filme e a descon-tinuidade grfica da estria. No filme, os planos podem obedecer a uma continuidade rigorosa. " Mesmo nos cortes verifica-se uma continuidade de projeo e leitura: o retngulo da tela ocupa o espao de nossa memria/viso, dominando-a sensorialmente. Dois parmetros um de ordem temporal e outro de ordem espacial definem as mudanas de plano. " Situemos de maneira mais precisa o plano do fato flmico dentro da esfera cinematogrfica: trata-se de um plano que no se prende a uma dada tomada (take), e no se caracteriza por um espao compreendido entre dois cortes, podendo se multiplicar atravs de travellings e panormicas. J nos quadrinhos, cada plano corresponde a uma dada imagem isolada, ou seja, a um dado quadro. Noel Burch assinala cinco tipos de relaes de-terminadas entre o tempo de um plano A e o tempo de um plano B, assim como trs tipos de relaes entre o espao de um plano A e o espao de um plano B. "Os quinze tipos de mudanas de plano podem interferir entre si, o que d lugar " Burch, Noel. Praxis du cinma. Paris, Gallimard, 1969, p. 13. " Idem, ibidem, p. 23.

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  • a todo um jogo de permutaes a estruturar". " Nos fumetti no existindo nenhuma continui-dade espacial e/ou temporal rigorosa temos um nmero menor de possibilidades nas mudan-as de plano:

    O corte espacial a) a montagem alternada entre planos temporais si-multneos b) a mudana de plano que revela uma nova imagem com textos do tipo de "enquanto isso.. ." c) o plano de detalhe que se insere no meio de uma dada imagem ou seqncia, elemento paradigmatizante da cadeia sintagmtica d) a imagem que se completa com o plano precedente, o posterior, o superior ou inferior. e) a montagem alternada entre planos temporais simul-tneos, unificados especialmente pelo balo que contm o mesmo discurso falado ou pensado para personagens diferentes f) dois ou mais planos que focalizam uma mesma si-tuao temtica a partir de dois ou mais ngulos diferentes

    O corte temporal a) a mudana de plano que revela uma nova imagem com textos do tipo de "mais tarde", "pouco depois", "uma semana depois", etc. b) os planos de uma seqncia cujo tempo ficcional no corresponda ao tempo real

    O corte espcio-temporal a) o plano que indica uma mudana de lugar e tempo b) os planos que indicam uma ao paralela temtica principal de uma dada estria c) o corte que marca a passagem de uma realidade concreta, abstrao ficcional, para uma realidade abs-trata, abstrao metalingstica. Ex.: a passagem do FERDINANDO para o FEARLESS FOSDICK.

    A narrativa dos quadrinhos funda-se sobre o salto de imagem em imagem, fazendo da elipse 20

    Idem, ibidem, p. 24.

    39

  • (resultante do emprego numeroso, visto que ne-cessrio, de cortes espaciais e espcio-temporais) a sua marca registrada: a narrativa dos quadri-nhos funda-se sobre a descontinuidade grfico-espacial, portanto. Muitas vezes, a prpria ima-gem encerra o prolongamento da imagem anterior e/ou o princpio da posterior, objetivando um requintado corte espacial (mencionado acima), especfico s linguagens que se desenvolvem por intermdio de imagens fixas (quadrinhos e foto novela) impressas. Atravs dessas imagens fixas imagens reveladoras de um universo de signos determinado pela ideologia que o alimenta e pela estrutura que o cristaliza , a estria significa-da em sua narratividade por uma dada seqn-cia. " Alis, Fresnault-Deruelle observa que duas imagens j se organizam em narrativa. " Observa de igual modo que o processo de coordenao nasce "da sucesso de imagens significantes". " Isto quer dizer que a imagem presentifica-se no espao da pgina ou da tira a partir de uma totalidade significacional, cujos parmetros signi-ficantes estruturam visualmente a narrativa. No cinema, a elipse funciona como um valioso recurso narrativo da escrita flmica. Um grande exemplo: em 2001 (Kubrick), o osso jogado para o alto pelo macaco pr-histrico se transforma, ao cair em cmera lenta, e atravs de um corte imperceptvel pelo rigor da montagem, numa as tronave a caminho de uma estao orbital. Em Godard, a elipse tem um sentido quadrinizante. Voltemos a Noel Burch: "A presena e a ampli-tude de uma elipse devem forosamente assina-lar-se pela ruptura, mais ou menos evidente, de 80

    Bremond, Claude. Pour un gestuaire des bandes dessines. In: Langages, 10, Paris 1968, p. 94. 31

    Fresnault-Deruelle, Pierre. Obra citada, p. 50. s !

    Idem, ibidem, p. 49.

    40

  • uma continuidade virtual, seja ela visual ou sonora". "

    Nos quadrinhos, cada hiato (em Enric Si, o espao branco substitudo por uma tnue linha dividindo os planos) que separa as cercaduras dos quadros quando existem praticamente representa uma elipse. O corte, em si, j indica uma particular situao elptica, impondo ao con-sumidor uma leitura de imagens ocultas ou sub-entendidas pela narrativa. Por outro lado, atravs do corte no cinema e nas historietas , pode-se obter surpresas temticas de singular eficcia estrutural. Os quadrinhos mobilizam duas espcies de elip-ses, acrescentemos: a) as elipses que marcam uma continuidade temporal e que aparecem pela necessidade grfica do corte, as quais chamare-mos de pequenas elipses; b) as elipses propria-mente ditas, que marcam uma descontinuidade temporal e espacial, as quais chamaremos de grandes elipses. Nos dois casos, o avano da narrativa se processa atravs de saltos signifi-cantes. Veja-se uma tira da MAFALDA (Fig. 2).

    Figura 2

    Temos trs planos e dois cortes: do primeiro (plano mdio) para o segundo (primeiro plano), uma pequena elipse; do segundo para o terceiro (plano geral), uma grande elipse. Esta grande 33

    Burch, Noel. Obra citada, p. 15.

    41

  • elipse revela a surpresa temtica mencionada antes. Todavia, uma leitura da MAFALDA no se esgota nestas referncias. Alm de uma narrativa muitssimo bem articulada em termos de tira (o exemplo demonstra-o), a produo de Quino oferece ao consumidor latino-americano uma ex-cepcional substancialidade semntica. Cada per-sonagem da historieta (Mafalda, Felipe, Susani ta, Manolito, Miguelto, Libertad) encerra um tipo definido por coordenadas politizantes, exis-tenciais, fenomenolgicas etc. Completa-a uma slida viso crtica do mundo. Um outro exemplo " que serve mais uma vez para aproximar a narrativa dos quadrinhos do cinema o que vemos em seguida (Fig. 3),

    Figura 3

    onde quatro planos estabelecem um s segmento da unidade de contedo. Trata-se de um processo criativo especfico linguagem das mensagens visuais ordenada por imagens fixas, explorado nas historietas desde o LITTLE NEMO (1905-1911), de Winson McCay. Assim, a limitao 4

    Stan Lee & Steranko. No mais sozinho. In: Capito Z, n 31, 3 srie, Ed. Brasil-Ararica (EBAL), fevereiro de 1970, p. 11.

    42

  • fsica do papel permite um recurso formal de alta inventividade, desnecessrio no cinema por sua continuidade regulada pelo projetor. E um plano, que seria comum em qualquer filme, mul-tiplica-se em quatro, definindo numa operao semiolgica uma dada problemtica narrativa a partir de pequenas elipses. Especifiquemos agora o problema da neutrali-zao da elipse. Embora raro, vai aparecer quan-do os cortes no denotam mudanas espaciais ou espcio-temporais: a imagem pode se dividir em dois ou mais planos sem que haja "movimenta-o" interna dos objetos desenhados; o que vai existir de maneira bem determinada mais do que na direcionalidade da leitura sobre a pgina do jornal ou da revista centrada em um quadro de amplas dimenses horizontais ou verticais uma situao panoramizante.

    Figura 4

    No Brasil alguns tm explorado essa vertente: Primaggio Mantovi em O homem de ao (Sacar rolha, n" 6, p. 5), Paulo Fukue em Beleza selva-gem (Estrias Adultas, n" 16, maro de 1971, p. 29), Floriano Hermeto em Pesadelo

    43

  • (O Judoka, n 37, abril de 1972, p. 5), Maurcio de Sousa em O Astronauta (Mnica, n'; 24, abril de 1972, p. 56). O exemplo anterior (Fig. 4) " constitui expressiva neutralizao da elipse, no sentido panoramizante da esquerda para a direita referido. Por um imperativo grfico-espacial, vimos que a narrativa dos quadrinhos se processa por meio de saltos, inclusive marcando uma das diferenas primordiais entre o filme e a estria. Todavia, possvel pesquisar unidades narracionais vol-tadas para o que chamaramos de seqncias fotogramticas, ou seja, seqncias pautadas no princpio fotogramtico do cinema. Faamos algumas ligeiras apreciaes em torno do fotograma. O fotograma ser a menor partcula fixa do filme enquanto organismo registrador de feixes luminosos filtrados pela cmera. A sucesso de fotogramas no projetor resulta, graas a uma velocidade adequada (24 por segundo), no mo-vimento contnuo visto na tela. Subproduto do filme e reduo da obra pelo imobilizar daquilo que constitui a essncia 'sagrada' do fato cine-matogrfico o movimento das imagens regis-tradas na pelcula " o fotograma provoca a leitura da no-leitura: o que existe como realidade concreta em um primeiro nvel operatrio a imagem ilisvel que necessita da mquina (o projetor) para atingir a concreo flmica. Isol-lo e destac-lo significa impor ao corpo do filme um corte em sua cadeia semntica. A no-leitura fotogramtica implica uma nova leitura processa-

    35 Stan Lee & Gene Colan. A volta do Homem Titnio. In:

    Capito Z, n? 9, Ed. Brasil-Amrica (EBAL), abril de 1968, p. 11. 38 Barthes, Roland. Le troisime sens. In: Cahiers du cinma,

    n 222, p. 18.

    44

  • da no interior de uma dada prtica criativa do cinema. Ou seja, existe a no-leitura do fotogra ma e existe a leitura do filme, a segunda decor-rente do mecanismo interno da primeira. Mais ainda: para existir a segunda leitura preciso que haja a primeira, a no-leitura. Mesmo quan-do uma imagem pra (o final de Os imcompreen didos, de Truffaut), no um fotograma que pra: uma imagem que se fixa na soma de vrios fotogramas iguais. Sylvie Pierre, em timo texto", procura ler o ilisvel contido em cada fotograma, distinguindo o fotograma ampliado para efeitos publicitrios e a fotografia do filme para idnticos fins. E embora a fotografia impli-que uma reduo essencialista do fato flmico, e o fotograma uma reduo materialista, encontrar-se-o aqui as mesmas categorias ideolgicas que os delimitam: a lisibilidade e a beleza, tendo em vista trs exigncias comuns aos dois qualida-de tcnica, qualidade esttica, riqueza semntica. O fotograma seria a significncia em estado puro, "1'artefact ncessaire de toute thorie de 1'analyse textuelle puisqu'il rvle, lui seul, ce que le mou-vement das images la fois rsoudra et dissou-dra, constituera et occultera en nominations et en signifis". " Por certo, aproximar uma seqncia quadrinizada de uma sucesso de fotogramas significa aceitar os limites da tentativa: por mais fotogramtica que seja, nenhuma seqncia dos quadrinhos atingir um estatuto similar a de "uma imagem do filme sobre a pelcula" condicionada por novas imagens. Se um filme normal contm em mdia 120.000 fotogramas, como aproximar estas duas 3T

    Pierre, Sylvie. lmcnls pour une thorie du photogramme. In: Cahiers du cinma, n"> 226-227, Paris, janvier-fvrier 1971, p. 75/83. 38

    Idem, ibidem, p. 77.

    45

  • realidades? Nos planos que seguem " ainda no ocorre uma verdadeira seqncia fotogramtica, mas j estamos diante de um imaginrio zoom (Fig. 5).

    Figura 5

    Este imaginrio zoom que penetra at o olho do personagem morto, alcanando, em forma de reflexo, o discurso falado de outro personagem pressupe uma certa fotogramacidade na me-dida em que os saltos da imagem (em particular, na faixa intermediria) concretizam pequenas elipses que antes seriam atomizaes suas. Muito mais fotogramtica ser a pgina de Barbe" reproduzida em seguida (Fig. 6). Antes 3B

    Hermeto, Floriano (FHAF). A caada. In: O Judoka, ne 14, Ed. Brasil-Amrica (EBAL), maio de 1970, p. 29. 4a

    Barbe. Ombres en t. In: Charlie, n 29, Ed. du Square, juin 1971, p. 50.

    46

  • Figura 6

    de mais nada, a leitura dos quadros deixa de ser horizontal para ser vertical (: a verticalidade da pelcula); veja-se de igual forma a extrema vi sualidade de seus componentes sgnicos. Existe um centro na pgina quando os olhos da fi-gura feminina transformam-se em imensos "00" " 41

    Cf. a penltima fase do poema Organismo, de Dcio Pignatari: do positivo (Dcio) ao negativo (Barbe).

    47

  • que coordena a sua leitura; o dinamismo da diegese reveste-se de uma significao estrutural altura das melhores produes grfico-visuais dos nossos dias. Talvez no estejamos exageran-do em classific-la de poema quadrinizado. A seqncia fotogramtica de um Barbe, sobre-tudo em estrias como Femtne au foyer", Ri deaux!" e Lady Godiva ", coloca-nos de imedia-to na rea de um possvel plano-seqncia, pelo menos como explorao criativa tentada nos qua-drinhos. Contudo, tratar-se-ia de um ponto de partida equivocado: o plano-seqncia, por sua prpria especificidade (e complexidade), foge aos esquemas narrativos do discurso quadriniza-do. Sem dvida, uma conquista fundamental da linguagem cinematogrfica:" Andr Bazin, conectando-o com a profundidade de campo, compreendeu-o em toda a sua justeza operatria, onde a montagem desempenha um novo papel, como um novo papel desempenhado pela re-lao da imagem (configuradora de um maior nmero de objetos abarcveis pelo olho da c-mera) com o espectador, aproximando-o de uma dada realidade e provocando nele uma atitude mental mais incisiva. " Bazin soube problematizar a questo: Garroni, por exemplo, no avanou um milmetro sequer quando afirmou que "a montagem tambm est presente na tcnica do chamado plano-seqncia"." No esqueamos que Semitica ed estetica um livro de ricas formulaes crticas e tericas.

    " Femme au foyer. In: Charlie, n 32, sept. 71, p. 46/47. " Rldeaux! In: Charlie, n 33, oct. 71, p. 14/15. " Lady Godiva. In: Charlie, n 38, mars. 72, p. 32/33. * Christian Metz: "O plano-seqncia tem feito mais pelo cinema sonoro do que o prprio acontecimento do cinema sonoro" (Essais..., p. 61). * Bazin, Andr. Qu'est~ce que le cinma? /. Ontologie et langage. Paris, ditions du Cerf, 1958, p. 131/148. '** Garroni, Emilio, Semiotica ed estetica, Bari, Editori Laterza, 1968, p. 33.

    48

  • Mas o plano-seqncia, em si, encerra uma continuidade diegtica e uma durao x de tempo que o afastam por completo da lingua-gem das estrias em quadrinhos. Se, no cine-ma, veio enriquecer o "arsenal sintagmtico da decupagem clssica",!, nos fumetti funcionaria como a prpria anttese de sua dinmica expressional. Teoricamente, plano-seqncia nos quadrinhos seria aquele que contivesse em um s quadro toda a dimenso temtica determinada pelo grande conjunto sintagmtico da estria ou da srie. Talvez O GAROTO AMARELO, de R. F. Outcault em seu imobi-lismo semanal preenchesse o requisito exigido para a sua instaurao. " J em Barbe a soma de quadros remete a uma seqencialidade que em cinema poderia constituir-se em um s pla-no. Nos quadrinhos seria necessrio lembrar? cada imagem, por mais relacionada que esteja com a anterior e/ou a seguinte ,0, representa um plano isolado. E o que no cinema desponta como um avano considervel da linguagem cinema-togrfica, nos quadrinhos no passaria de uma situao forada, esttica, parasitria. J podemos destacar que a narrativa quadrinizada existe em funo de planos articulados segundo um todo: a articulao dos quadros determina-a semiologicamente, criando um novo espao para a leitura. Uma pgina de revista co-mum contm em mdia seis planos; uma pgina de almanaque ou lbum, doze planos. Estamo-nos referindo a articulaes clssicas, cuja ordem ho-

    * Metz, Christian. Ponctuations et dmarcations dans le jm de digse. In: Cahiers du Cinma, nfl 234-235, janvier-fvrier 1972, p . 68. * Sobre a profundidade de campo nos quadrinhos, cf. Francis Lacassin, obra citada. _ Em certas estrias de Barbe verifica-se o redimensionar da elipse, diferente do problema da neutralizao.

    49

  • horizontal na revista obedece s seguintes possibilidades permutatrias (levando-se em con-ta, ainda, que os quadros nunca se fixam em medidas geomtricas rigorosas, salvo raras ex-cees) :

    2 2 2 2 1 1 1 2 2 1 2 1 2 1 2 1 1 2 2 2 1 1 1 1

    possvel traar um roteiro histrico dos qua-drinhos, de McCay a Crepax e Si, mediante uma leitura estrutural das mais variadas articulaes, elaborando grficos que responderiam necessi-dade de uma crtica mais visual, isto , de uma crtica altura dos comics. Por enquanto, anote-mos apenas a importncia da pgina como um todo articulado, capaz de diferenciar, em ltima instncia, a leitura de uma estria da leitura de um filme. Nesta articulao neste agencia-mento de imagens estruturadas na tira ou na pgina cristaliza-se a narrativa quadrinizada.

    Toda e qualquer narrao repousa, em sua es truturalidade sintagmatizvel, sobre as projees ideolgicas de cada sociedade particular; estas projees ideolgicas, por sua vez, repousam so-bre as diversas formaes sociais, que engendram as formaes discursivas condutoras das forma-es ideolgicas." No existe narrativa e, por extenso, prtica esttica e/ou criativa capaz de atingir uma pureza absoluta em um abstrato desligamento das formaes sociais: qualquer " Sobre o conceito de formao Ideolgica, consultar Cl. Haroche, P. Henry e M. Pcheux. La smantique et Ia coupure saussurenne: langue, langage, discours. In: Langages, 24, dcembre 1971, p. 102.

    50

  • tentativa neste sentido j seria uma proposta (formalista) articulada por uma dada ideologia. E uma ideologia materializa-se por sua existn-cia em um aparelho ideolgico, mesmo conside-rando-se que esta materialidade no a mesma de um paraleleppedo ou de um trator. Entenda-mos a matria existindo sob diferentes modali-dades, todas enraizadas na matria "fsica"." A narrativa se d como informao significante numa dada forma de conscincia social, desig nadora de um processo esttico, isto , ideol-gico: concretiz-la significa preench-la com os signos adequados. Nos quadrinhos, os signos adequados so os componentes imaginrios e lin-gsticos, determinados por uma articulao cuja complexidade estrutural remete a estria para a narrativa e, por conseguinte, para a ideologia. No cerne do discurso narracional e por ele desenvolvido at s ltimas conseqncias dieg ticas encontramos as bases materiais de um projeto que pretende ser ideologizante: o tema-programa." Na verdade, ele o ideologizante, intervindo no discurso atravs da significao es-ttica que o delimita. O espao criativo da obra ocupado pela ideologia de um momento social em sua historicidade mais profunda. Ou mais complexa. Sabe-se que um escritor (: um artista) no se apropria da linguagem para refletir de maneira simplesmente mecnica a ideologia que representa." O tema-programa, quando violenta-do em suas premissas diegticas, perde o signi-ficado esttico-informacional que lhe referente. Nos quadrinhos, a narrativa absorve em mui-tos e muitos autores a ideologia do espao

    Althusser, Louis. Obra citada, p. 26/27. ' Macherey, Pierre. Obra citada, p. 170. Idem, ibidem, p. 189.

    51

  • estruturado pelas classes sociais, sem que haja reflexos mecnicos diretos. Poderamos detectar, sob o primado de um projeto ideolgico globali zador (do projeto obra: passagem delimitada pela prtica criativa), as duas direes temticas fundamentais para uma abordagem mais concre-ta das possibilidades ficcionais encerradas nos quadrinhos: de um lado, MAFALDA, POGO, O antigo FERDINANDO, PERER, os anti-heris de Feiffer; do outro, Tio PATINHAS, RIQUINHO, SUPER-HOMEM, BATMAN. Cumpre-nos ressaltar, ainda, a importncia do projeto ideolgico en-quanto ttulo da srie:

    Nos quadrinhos, o projeto ideolgico no comea por um particular ttulo de obra ou pelos ttulos dos episdios de cada srie , e sim pelos nomes dos prin-cipais personagens e suas configuraes fsicas: Flash Gordon vs. Ming, por exemplo. O nome Flash lembra relmpago, brilho, velocidade, lampejo; seu corpo atl-tico remete ao ideal americano de homem branco. E no ser por simples coincidncia que o nome do per-sonagem de maior relevncia dar ttulo geral srie: este nome, muitas vezes, surgir como o enunciado da temtica ' preciso, portanto, pr em relevo, logo de incio, um tema geral, explcito: a obra define-se completamente em relao a ele, pela sua conformidade' /Macherey/. Basta conferir: Batman, Capito Amrica, Capito Marvel, Barbarella, Jodelle, Kriminal, Prncipe Valente, Satanik, Superman, Tnbrax, Comando Yankee, Pantera, Solar, Senhor Fantstico, Tocha Hu-mana, guia Negra, Elektron, Beetle Bailey (Recruta Zero), Capito Meia-Noite, Flash Gordon. H de destacar as aventuras que adquirem estatuto cria-tivo prprio: Cinco por Infinitas, em 20 episdios. Ou ainda as sries cujos ttulos no indicam este ou aquele determinado personagem: Peanuts (com Charlie Brown, Linus, Schroeder, Snoopy, Lucy), em tiras dirias e pginas semanais desde 1950. Existe tambm um n-mero elevado de personagens-ttulos que no indicam

    52

  • o menor projeto ideolgico numa primeira instncia: Mafalda, Pogo, Tintim. "

    3 . A TEMPORALIDADE: DA LEITURA DO FILME A LEITURA DA ESTRIA

    O discurso cinematogrfico proporciona uma lei-tura duplamente temporal: existe a leitura do tempo narrado e existe a leitura do tempo narra-tivo. Ou seja, no espao de duas horas e meia (tempo narrativo) podemos receber uma infor-mao correspondente a 4 ou 5 milhes de anos (tempo narrado): 2001, de Kubrick. No espao normal de duas horas recebemos informaes que variam entre decnios, anos, meses, semanas e dias: do tempo narrativo ao tempo narrado. Em alguns poucos filmes (Punhos de campeo, de Wise; Matar ou morrer, de Zinnemann) o tempo narrativo corresponde mais ou menos ao tempo narrado. Este ser o tempo do significado; o outro, o tempo do significante. " Jos Lino Grunewald, no entanto, distinguir trs tempos: 1) o tempo real, equivalente ao tempo narrativo: a metragem do filme, 2) o tempo fictcio, equivalente ao tempo narrado: o fato contado, 3) o tempo virtual, o ritmo das imagens sucedendo-se durante a projeo." O tempo virtual, ao nosso ver, complementa o tempo nar-rativo, sendo por isso mesmo uma unidade estru turalizvel do tempo do significante. Basicamente, continuamos com os dois tempos para a leitura do filme.

    00 Cirne, Moacy. Quadrinhos/fico-cientifca/ideologia. In: Revista

    de Cultura Vozes, IT> 5, Petrpolis, junho-julho de 1972, p. 39. 5U

    Metz, Christian. Essais sur la signification au cinma, p. 27. 07

    Grunewald, Jos Lino. Cine-situao: vertentes. In: Revista do Livro, W> 18, Rio de Janeiro, junho de 1960, p. 26.

    53

  • J nos comics embora Fresnault-Deruelle s tenha anotado o tempo da narrao (o dizer/o desenho) e o tempo da fico (o dito/o fato) " delineamos um terceiro tempo: o tempo da lei-tura. Explicitemo-lo: no filme, a leitura se pro-cessa com o desenrolar da projeo. Por mais antilinear que seja, o espectador o l acompa-nhando o desenvolver das imagens, sem outra alternativa o tempo da leitura confunde-se com o tempo narrativo, sendo por ele dominado, no conseguindo obter estatuto prprio; na estria, a leitura no se prende a uma rigidez narrativa, libertando-se: a) em vrias direes, mesmo em algumas das sries mais tradicionais, b) em mi nutagens diversas, variando de consumidor para consumidor, de situao para situao, e s em algumas ocasies especficas ligando-se de forma mais direta estrutura sintagmtica. O primeiro item a leitura em vrias direes (melhores exemplos: Crepax, Si, Devil, Caza) serve para diferenciar a leitura da revista da leitura do livro." Este tempo de leitura, mesmo sob o ponto de vista diegtico, problematiza-se no plano cujos referentes lingsticos desfiguram a substanciali dade do fato contado, dimensionando a relao leitor/narrativa ao haver um corte em sua din-mica operacional. O leitor obrigado a "parar" no tempo, enquanto o balo/texto "pra" a ima-gem, conflitando-se com o movimento da coisa narrada. o que acontece numa estria do HULK ", quando o personagem CORISCO entra em 08

    Fresnault-Deruelle, Pierre. Obra citada, p. 74. 69

    Esta diferena, que nos parece clarssima, ignorada por Fresnault-Deruelle: "Podemos comparar a leitura de uma revista em quadrinhos de um livro; ela se opera linearmente" (obra citada, p. 74). 80

    Roy Thomas & Herb Trimpe. E deste lado... os Vingadores! In: Super X, n 52, Ed. Brasil-Amrica (EBAL), junho de 1972, p. 6.

    54

  • cena em alta velocidade, explicando a sua ultra-rapidez perante a filha do General Ross, em um quadro que adquire logicidade pela estrutura comunicacional das historietas (Fig. 7).

    Figura 7

    Se o tempo narrativo configura-se como o tem-po do significante, e o tempo narrado como o tempo do significado, chamemos o tempo da leitura com todas as suas implicaes semio lgicas de tempo significacional, j que em parte se funda sobre os outros dois.

    4. O PRIMEIRO PLANO E AS DIMENSES DA TELA E DO QUADRO

    O espao retangular da tela (normal, panor-mica etc.) um mundo limitado como suporte/

    55

  • moldura de uma dada prtica criativa, o discurso cinematogrfico. Para superar esta limitao, criou-se um novo espao de sombras e luzes, cortes e movimentos, agenciado pela necessidade das mudanas de planos. Envolvido pela tela, o espectador j no cinema mudo seria do-minado pelo primeiro plano com mais agudeza, embora a tela continuasse (e continue) a mes-ma, variando apenas de uma sala de espetculos para outra sala de espetculos. Atravs do pri-meiro plano e mais ainda do primeirssimo plano e do plano de detalhe o filme impe uma problemtica ideolgica ao selecionar e destacar um segmento qualquer do discurso narrativo, filtrando-o dentro dos parmetros da linguagem cinematogrfica. De igual modo, o plano-seqncia (Antonioni, Welles, Wyler) e o plano-fotograma (Resnais, Bergman), inseridos por oposio na cadeia sintagmtica do filme, concernem mesma problemtica ideolgica e ao mesmo significado do discurso narracional. Tambm aqui a tela um reflexo: suporte/reflexo. Sobre ela desfilam as imagens transparentes de um universo fabricado com inteligncia ou medio-cridade, fantasia ou realismo, sob o crivo deter-minante das relaes sociais. Cada plano existe marcado tecnicamente pela dimensionalidade da tela: o ato de filmar implica uma conscincia desta dimensionalidade. Nos quadrinhos e aqui nos reportamos aos quadrinhos publicados em revistas especializadas em estrias completas as imagens podem ser retangulares, circulares, quadradas, triangulares, horizontalizadas (panormicas da esquerda para a direita), verticalizadas (panormicas de cima para baixo), indefinidas, podem ocupar meia pgina, pgina inteira, duas pginas centrais,

    56

  • podem depender do plano anterior, do seguinte, do superior, do inferior, podem dispensar a cer-cadura, interferir em outra, esvaziar o espao de sua localizao etc. Verifica-se, pois, que o agen-ciamento refere-se dimenso da revista (ou do lbum). Mas no mbito da pgina todas as per-mutaes estruturais so possveis. Tomemos de novo como exemplo a estria de Stan Lee e Steranko, No mais sozinho. Faamos uma de cupagem de seus planos, nas dez pginas iniciais (de um total de dezenove): 1. 6 planos

    o maior: 16,0x 14,4 o menor: 2,8 x 6,0 (cinco vezes)

    2. 7 planos o maior: 16,0x 11,8 o menor: 2,2 x 6,9

    3. 5 planos o maior: 16,0 x 15,4 o menor: 5,4 x 3,6

    4. 5 planos o maior: 11,5 x 9,0 o menor: 3,1 x 9,0

    5. 8 planos o maior: 16,0x7,8 o menor: 3,3x7,7 (trs vezes)

    6. 6 planos o maior: 16,0x9,8 o menor: 3,3 x 7,2

    7. 8 planos o maior: 16,0x 7,8 o menor: 5,5 x 2,4

    8. 6 planos o maior: 16,0x7,4 o menor: 3,0x7,0

    9. 8 planos o maior: 6,5 x 10,0 o menor: 3,2 x 10,0

    10. 9 planos o maior: 16,0 x 7,8 o menor: 2,2x7,7 (duas vezes)

    11. 8 planos o maior: 8,5 x 14,0 o menor: 1,7x4,4 (quatro vezes)

    12. 1 plano nico: 16,0x23,5.

    Em Crepax haver uma maior diversidade no dimensionar dos quadros. Basta ver o extraor-dinrio Funny Valentine, "experimentos de mon-tagem sobre tema e simbologia bergmaniana", em apenas trs pginas: " uma estria pratica-mente sem palavras, fundada numa visualidade

    fil Guido Crepax. Funny Valentine. In: Linus, no 28, Milano Libri

    Edizioni, luglio 1967, p . 65/67.

    57

  • que se projeta no modo articulatrio dos re-tngulos e quadrados e no aparato inslito dos smbolos imagsticos. Uma estria que se de-compe em:

    1. 13 planos o menor: 1,9x0,5 o maior: 9,6x7,8 3. 8 planos o menor: 2,9x3,0 o maior: 16,7x7,8

    2. 31 planos o menor: 3,8 x 5,0. o maior: 12,4 x 4,2

    Diante desta variedade dimensional, um primei-rssimo plano de um olho, por exemplo pode surgir nas mais diferentes medidas. Um quadro amplo de pgina inteira pode conter um primeiro plano; um quadro normal (8,5x8,0; 9,5x8,0; 7,5x7,5 etc), um plano de conjunto. A funo significante do primeiro plano (e dos demais planos, inclusive o plano-seqiincia) no filme determinada pela estrutura sintagmtica de sua narrativa; nos quadrinhos, esta funo significante do primeiro plano (ou de outro pla-no qualquer) determinada pelos mecanismos comunicacionais da pgina como um todo arti-culado.

    5. UNIDADES SIGNIFICANTES E BLOCOS SIGNIFICACIONAIS

    A unidade lingstica significante de um certo conceito, isto , de um certo significado: esta-mos em pleno terreno saussureano. " O discurso, por sua vez, materializa-se mediante unidades significantes; estas unidades significantes plas-mam o eixo sintagmtico da narrativa. 02

    Saussure, Ferdinand de. Curso de lingstica geral. Traduo de A. Chelini, J. P. Paes e 1. Blikstein. So Paulo, Cultrix, 1969, p. 120.

    58

  • A unidade significante no deve ser confundida com a unidade mnima de um discurso. Como o nome o indica, a unidade mnima visualiza um segmento minimum, no de uma linguagem em si, mas de um cdigo especificado passvel de se concretizar em vrios discursos. " No cinema, se o fotograma por demais inanimado e imper-ceptvel para se constituir em unidade, por menor que seja (no mximo, seria uma unidade fsica da pelcula), o plano por demais rico e pro-blemtico para se resumir em apenas uma uni-dade; nos quadrinhos a situao um pouco diferente, j que a dicotomia fotograma/plano no aparece: vai aparecer a imagem ( = plano). E, como imagem, j vimos que pode ser bastante complexa, conseguindo, portanto, encerrar mais de uma unidade mnima. Mas, e voltando ao nosso ponto de interesse, a imagem qualquer imagem ser sempre segmento de uma uni-dade significante. Explicitada essa questo passemos outra, de-terminante para a problematicidade da narrativa quadrinizada e de importncia capital para a sua leitura: a questo dos blocos significacionais. Delimitemos os dois conceitos de significacio nal a bloco para que apreendamos em toda a sua plenitude o problema a ser colocado. Significacional remete-nos significao. Barthes situa-a como um processo que une o significante e o significado, tendo o signo por produto: a distino entre significante e significado teria um valor classificatrio, antes de mais nada. *' Aqui, estamos diante de uma problemtica saussureana 8 3

    Metz, Christian. Langage et cinma. Paris, Larousse, 1971, p. 139. e* Barthes, Roland. lments de smiologie. In: Communications,

    4, 1964, p. 110.

    59

  • Se / V reveladora de uma bipolaridade signi-ficao/valor que escapa aos limites de nosso ensaio. Barthes vale-se ainda de Hjelmslev e Lacan para penetrar nos domnios da significa-o. Em Hjelmslev, sabemos, existe uma profun-da relao (R) entre o plano de expresso (E) e o plano de contedo (C) para marc-la: E R C.

    S Lacan oferece outra alternativa: , onde significante e significado preenchem uma relao flu-tuante, coincidentes apenas em alguns pontos de aportagem."

    Na verdade, tomando o significacional como uma extenso metodolgica da significao, pode-mos avanar em nossa anlise parafraseando o prprio Saussure: a entidade significacional s existe pela associao do significante e do signi-ficado; se se retiver um desses elementos, ela se desvanece; em lugar de uni objeto concreto, tem-se uma pura abstrao. " Mais do que uma ope-rao lingstica, engendraramos uma operao semiolgica. Mesmo assim, no fugiramos grande meta cientfica do pensador genebrino: para ns.. . o problema lingstico , antes de tudo, semiolgico. Precisemos, agora, a instalao do bloco. Trata-se de uma rea da pgina constituda em um espao mais ou menos compacto da narrativa mediante o comportamento posicionai dos qua-dros. Ou seja, uma rea definida no espao de sua extensibilidade, cujos limites grficos 88

    Idem, inidem. Para Louis Hjelmslev: Prolegomena to a theory of language. Madison, The University of Wisconsin Press, 1963; para Jacques Lacan: A instncia da letra no inconsciente ou a razo desde Freud. In: "Estruturalismo". Portuglia Editora, 1968. nn

    Saussure, Ferdinand de. Obra citada, p. 119.

    60

  • indicam o papel da leitura. O bloco intrnseco s propriedades materiais da pgina e nela se completa. O que seria, ento, um bloco significacional? Ou melhor, como se estrutura um bloco significacio-nal? Como distinguir os blocos significacionais de uma pgina ou de uma tira? Qual a sua im-portncia para a narratividade dos quadrinhos? Formulemos os modos pelos quais vai se con-cretizar:

    1. Pela articulao dos quadros no interior da pgina, isto , pela articulao dos quadros a partir de um posicionamento determinante segundo o discurso nar-rativo. Quer dizer, numa primeira instncia esta arti-culao fornece as bases materiais concretas para a formao de um dado bloco significacional. Poder-se-ia mesmo falar em "atrao de quadros" ou "quadro-puxa-quadro", j que a sua interligao seria um ato forma lizante apoiado numa semanticidade diegtica de ine-gvel qualidade expressional. A riqueza de uma pgina bem articulada pode, eventualmente, se medir pelo nmero de blocos significacionais. Claro: para a tira temos de recorrer aos outros modos de sua manifesta-o, assim como nos casos de pginas articuladas da maneira mais clssica possvel: 1-1-1, 2-2, 2-2-2, 3-3-3-3.

    2. Pela visualidade da pgina, quando esta no se de-fine atravs da articulao de seus quadros (os mo-delos clssicos referidos). Caracterizemos a visualidade, em primeiro lugar, na pgina em preto e branco: aqui, ela sugerida pelos elementos significantes de cada plano; em segundo lugar, na pgina colorida: aqui, sugerida pelas tonalidades cromticas dos diversos planos. Admitindo-se a hiptese de uma pgina em cores publicada em preto e branco, a anlise empreen-dida localiza-se nos elementos significantes; como pode ocorrer que a pgina apresente um novo relaciona-mento para os blocos, falamos em interferncias signi-ficacionais. Estas interferncias podem alterar em profundidade o prprio significado da leitura proposta pelos autores (argumentista

  • 3. Pela mudana de situao temtica, quando a visua Iidade parece-nos insuficiente para determinar os blo-cos. Ou, ento, pelo corte espcio-temporal no interior de uma mesma situao. De um modo geral, cada pgina encerra no mximo duas situaes temticas, sendo comum o desenvolvimento diegtico de uma dada situao. Mais comum ser o desenvolvimento de uma nica situao na tira. possvel, em certas ocasies, haver coincidncia entre a visualidade e a situao temtica, seja na pgina, seja na tira. Mais difcil ser detectar uma exata coincidncia entre as trs pos-sibilidades de leitura dos blocos significacionais, orien-tados por ns numa ordem qualitativa. Salientemos que uma situao definidora no significa uma boa situao temtica. O bloco significacional, mesmo sendo da maior importncia, independe da eficcia conteudstica do argumento, embora exista criticamente em funo dessa eficcia, em qualquer plo instaurador.

    Prossigamos: o bloco significacional tanto pode abranger apenas um como dois ou mais planos. Nas pginas estruturadas dentro de um rigor clssico no ser difcil encontrar blocos signi-ficacionais que as dominem de ponta a ponta, como um segmento compacto do primeiro ao l-timo quadro. Em algumas pginas, encontramos planos que estabelecem dupla funo relacionai, movendo-se entre dois blocos: so verdadeiros eixos visuais da pgina; cham-los-emos de eixos-significantes. Tomemos uma pgina de Crepax autor que nos levou descoberta do bloco como agente estruturalizante : uma pgina composta de 16 planos. Uma leitura atenta da articulao de seus quadros j que se destaca exatamente neste setor revela 5 blocos e um eixo-significante. A disposio dos blocos [vide] mostra que o eixo-significante (A) est visualmente tanto para o bloco 1 (primado articulatrio) quanto para o bloco 4 (primado temtico).

    62

  • Figura 8

    Verificar-se- que a leitura poder deixar de ser linear (da esquerda para direita, de cima para baixo): determinadas reas da pgina impem uma nova direcionalidade de leitura, mas sempre como opo, j que cabe ao consumidor construir sua prpria direo de leitura e mesmo em um Crepax existe acentuada margem para uma direo tradicional. Muitas vezes, as prprias in-

    63

  • 2 3 3 3

    A

    1 4

    5 r

    Figura 9

    indicaes da pgina (setas, quadros numerados) contrariam a ordem dos blocos; neste sentido, h uma pgina exemplar de Hal Foster para O PRNCIPE VALENTE, lanada em 13-2-1938, no America's Greatest. So 9 planos: 3 maiores, verticalizados (na reduo do The Penguin Book of Comics, 6,5 x 12,0) e 6 menores, normais (6,5 x 5,8). Os planos maiores enquadram-se numa disposio diagonal, e cada um

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  • consubstancia um bloco distinto; os 6 menores formam ngulos retos tendo por base o quadro 5, centro da pgina. Na parte superior, direita, temos os planos 2 3 6; na parte inferior, esquerda, os planos 4 7, 8. A leitura linear indica: 1 (qua-dro maior), 2, 3 e 4 (quadros menores), 5 (maior), 6, 7 e 8 (menores) c 9 (maior). A leitura dos blocos aponta: bloco I (quadro 1), bloco 2 (quadro 5), bloco 3 (quadro 9), bloco 4 (quadros 2, 3 e 6) e bloco 5 (quadros 4, 7 e 8).

    1

    1

    l j 4 j

    1

    1 2

    s

    2

    s

    3

    5

    7 ^

    3

    Esta leitura criativa (da estrutura ao processo), antilinear, consolida uma das diferenas capitais

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  • entre a leitura de uma estria em quadrinhos e a leitura de um filme; enquanto esta se organiza em funo dos planos projetados na tela, numa sucesso contnua do tempo narrativo, aquela pode se organizar baseada no agrupamento de imagens ou no agrupamento de cores (a mudana de situao temtica, agenciada pela decupagem, acarretar sempre uma leitura linear). O agrupamento de imagens, aqui, mais par-ticular do que aquele definido por Fresnault-Deruelle." No autor francs, os agrupamentos de imagens seja de maneira mais ou menos arbi-trria nos episdios, seja por meio de cenas mais ou menos autnomas de efeitos cmicos ou die gticos obedecem s unidades funcionais do contedo e, portanto, s por mera coincidncia assemelham-se aos agrupamentos dos blocos sig nificacionais. Esta coincidncia tende a se tornar constante nos blocos definidos por mudanas da situao temtica. Quanto aos filmes que apre-sentam a tela dividida em dois ou mais planos (O homem que odiava as mulheres/The Boston strangler, de Fleischer; Woodstock, de Wad leigh; Grand Prix, de Frankenheimer), trata-se de um recurso aproveitado da prpria linguagem dos quadrinhos e da fotonovela, sem que o pro-blema da leitura seja alterado em sua significa-o primeira. De qualquer maneira, tais recursos prendem-se ao espao unvoco da tela (na revis-ta, a "mancha" da pgina rompe-se diante de uma investida formal mais ousada e os planos presentificam-se entre hiatos mortos, passveis de serem tematizados: Estebn Maroto, em CINCO POR INFINITUS). No mximo, cada plano do filme tem o sentido terico de bloco de realidade",

    ' Fresnault-Deruelle Pierre. Obra citada, p. 69/83. 88

    Metz, Christian. Essais sur la slgnification au cinma, p. 117.

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  • incapaz de corresponder mesmo nas diversas leituras permitidas pelo cran, para as quais vo influir a colocao do espectador na sala de espetculo, e mesmo nos exemplos citados de Fleischer, Wadleigh e Frankenheimer ao bloco significacional das estrias em quadrinhos. verdade: certos autores estruturam a narrativa de tal modo pautados na montagem que os blocos no oferecem uma segunda alternativa de leitura (sempre mais importante, por ser mais criadora): os prprios blocos, salvo raras exce-es, adequam-se linearidade da conjuntura fic-cional. Veja-se o TINTIM, de Herg. Decupemos as pginas iniciais de sua ltima aventura, Vo 714 para Sidnei:

    p. 1 9 quadros / 4 blocos bloco 1 (quadro 1) bloco 2 (quadros 2, 3, 4 e 5) bloco 3 (quadro 6) bloco 4 (quadros 7, 8 e 9) p. 2 13 quadros / 3 blocos bloco I (quadros 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8) bloco 2 (quadros 9, 10 e 11) bloco 3 (quadros 12 e 13) p. 3 13 quadros / 5 blocos bloco 1 (quadros 1, 2, 3 e 4) bloco 2 (quadros 5 e 6) bloco 3 (quadro 7) bloco 4 (quadro 8) bloco 5 (quadros 9, 10, 11, 12 e 13) p. 4 15 quadros / 4 blocos bloco 1 (quadros 1, 2, 3, 4 e 5) bloco 2 (quadros 6 e 7) bloco 3 (quadros 8 e 9) bloco 4 (quadros 10, 11, 12, 13, 14 e 15)

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  • p. 5 15 quadros / 6 blocos bloco 1 (quadros 1, 2 e 3) bloco 2 (quadros 4 e 5) bloco 3 (quadro 6) bloco 4 (quadros 6 e 7) bloco 5 (quadro 9) bloco 6 (quadros 10, 11, 12, 13, 14 e 15)

    Faamos idntica decupagem com O Caso Gi-rassol:

    p. 1 12 quadros / 4 blocos bloco 1 (quadros 1, 2, 3 e 4) bloco 2 (quadros 5 e 6) bloco 3 (quadros 7 e 8) bloco 4 (quadros 9, 10, 11 e 12) p. 2 13 quadros / 4 blocos bloco 1 (quadros 1, 2 e 3) bloco 2 (quadros 4, 5 e 6) bloco 3 (quadros 7 e 8) bloco 4 (quadros 9, 10, 11, 12 e 13) p. 3 16 quadros / 8 blocos bloco 1 (quadros 1, 2, 3, 4, 5 e 6) bloco 2 (quadro 7) bloco 3 (quadro 8) bloco 4 (quadros 9 e 10) bloco 5 (quadros 11 e 12) bloco 6 (quadro 13) bloco 7 (quadros 14 e 15) bloco 8 (quadro 16) p. 4 15 quadros / 8 blocos bloco 1 (quadros 1 e 2) bloco 2 (quadro 3) bloco 3 (quadros 4 e 6) bloco 4 (quadro 5) bloco 5 (quadros 7 e 8) bloco 6 (quadros 9, 10 e 11) bloco 7 (quadro 12) bloco 8 (quadros 13, 14 e 15)

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  • p. 5 13 quadros / 2 blocos

    bloco 1 (quadros 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13) bloco 2 (quadros 2 e 3)

    V-se que, excetuando-se as p. 4 e 5 de O Caso Girassol, a linearidade dos blocos equivale linearidade dos planos. Contudo, se em 10 p-ginas, de duas estrias tomadas ao acaso, duas possibilitam uma leitura no-linear embora timidamente , v-se tambm que, mesmo nestes exemplos, o agenciamento da decupagem quadrinizada, por mais "cinematogrfica" que seja, difere da montagem operada no filme: a leitura assume diferentes funes nas duas linguagens, a partir da univocidade do plano na tela e da plurivocidade do quadro na pgina. Se o bloco parece-nos uma ferramenta impor-tantssima para a anlise crtica, de igual