MOBILIZAÇÕES NO PROCESSO DE ESTÁGIO...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO EDALMA FERREIRA PAES MOBILIZAÇÕES NO PROCESSO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES: reflexos de experiências no Instituto Federal Fluminense CAMPINAS/SP 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

EDALMA FERREIRA PAES

MOBILIZAÇÕES NO PROCESSO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO INICIAL DE

PROFESSORES: reflexos de experiências no Instituto Federal Fluminense

CAMPINAS/SP 2017

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EDALMA FERREIRA PAES

MOBILIZAÇÕES NO PROCESSO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO INICIAL DE

PROFESSORES: reflexos de experiências no Instituto Federal Fluminense

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração de Ensino e Práticas Culturais.

Orientadora: Ana Lúcia Guedes Pinto O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA EDALMA FERREIRA PAES, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. ANA LÚCIA GUEDES-PINTO.

CAMPINAS/SP 2017

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Paes, Edalma Ferreira, 1960-

P138m PaeMobilizações no processo de estágio supervisionado na formação inicial

de professores : reflexos de experiências no Instituto Federal Fluminense /

Edalma Ferreira Paes. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.

Orientador: Ana Lúcia Guedes Pinto.

PaeTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de

Educação.

Pae1. Estágio supervisionado. 2. Licenciatura. 3. Mobilização. 4. Dimensão

relacional. I. Pinto, Ana Lúcia Guedes, 1969-. II. Universidade Estadual de

Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Mobilizations in the process of supervised internship in initial

teacher training : reflections of experiences at the Fluminense Federal Institute Palavras-

chave em inglês:

Supervised internship

Bachelor

Mobilization

Relational dimension

Área de concentração: Ensino e Práticas Culturais Titulação: Doutora em Educação

Banca examinadora:

Ana Lúcia Guedes Pinto [Orientador]

Dirce Djanira Pacheco e Zan

Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto

Marissol Prezotto

Giovana Azzi de Camargo Terron

Data de defesa: 31-08-2017

Programa de Pós-Graduação: Educação

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

MOBILIZAÇÕES NO PROCESSO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO INICIAL DE

PROFESSORES: reflexos de experiências no Instituto Federal Fluminense

Autora : Edalma Ferreira Paes

COMISSÃO JULGADORA: Orientadora: Profa. Dra. Ana Lúcia Guedes Pinto Profa. Dra. Dirce Djanira Pacheco e Zan Profa. Dra. Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto Profa. Dra. Marissol Prezotto

Profa. Dra. Giovana Azzi de Camargo Terron

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno

2017

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AGRADECIMENTO

A Deus – “Como é profunda a riqueza e a sabedoria do conhecimento de Deus! Como

é impossível a nós compreendermos suas decisões e seus caminhos! [...]. Todas as

coisas vêm única e exclusivamente dEle, e por Ele e para Ele. A Ele seja a glória para

todo sempre. Romanos 11.

A minha família – que caminhou comigo cada passo dessa trajetória. Vocês não me

deixaram desistir. Em especial minha irmã Elizete, com quem compartilhei meus

desassossegos nessa caminhada.

À Ana – obrigada pela paciência em ler e reler meus textos. Serei sempre grata.

À amiga Vania Bernardo – pela amizade e apoio, sempre pronta a interlocuções.

À amiga Kathia Maria Miranda – Obrigada pela prontidão para ler meu texto. Seu

apoio foi de fundamental importância para revigorar meus ânimos.

Aos alunos das licenciaturas do Instituto Federal Fluminense – foram as

inquietações dos nossos encontros que me levaram a esses estudos.

Que Deus abençoe todos vocês!

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar o papel mobilizador do estágio enquanto

tempo/espaço que dimensiona compreensões da docência, percebendo assim sua

influência nos percursos escolares dos graduandos e sua relação com a escolha da

profissão. A abordagem metodológica escolhida ancorou-se na perspectiva

qualitativa, assumindo como referencial teórico o conceito de mobilização

desenvolvido por Bernard Charlot, apropriando-se também de contribuições freirianas.

Nesses termos, trata-se de um estudo de caso desenvolvido com oito estudantes e

egressos do Instituto Federal Fluminense campus Campos-Centro, na cidade de

Campos dos Goytacazes – RJ, das Licenciaturas em Química, Biologia, Matemática,

Geografia e Letras. Os dados analisados foram produzidos a partir de entrevistas

semi-estruturadas, todas realizadas pela pesquisadora, gravadas em áudio entre os

anos de 2013 e 2015. As análises reafirmaram a contribuição do estágio na formação

docente que, ao envolver o estagiário nos fazeres da vida da escola, a mobilização se

institui como movimento articulador do processo. A tripla dimensão formativa,

possibilitada nos encontros entre discentes, docentes da Instituição de Ensino

Superior e docentes da Escola Básica guardam em si potencialidades inerentes ao

desejo de aprender, responsáveis pela produção de conhecimentos na constituição

do ser professor, elevando o estágio à posição de lugar de mobilização.

Palavras-chave: Estágio Supervisionado; Licenciatura; Mobilização; Dimensão relacional.

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ABSTRACT

This study has the purpose to analyze the mobilizing role of the internship as

time/space that features understandings of teaching, noticing therefore its influence on

the students’ bachelor pathways and their relationship with the choice of the

profession. The chosen methodological approach has been based on the qualitative

perspective, taking as theoretical framework the concept of mobilization developed by

Bernard Charlot, as well as Freire’s contributions. In these terms, it is a case study

developed with eight interns and graduates of the Fluminense Federal Institute -

Campos Centro campus, in the city of Campos dos Goytacazes - RJ, from the

Chemistry, Biology, Mathematics, Geography and Letters Undergraduate Program.

The analyzed data was produced from semi-structured interviews, all carried out by

the researcher, recorded in audio from 2013 to 2015. The analyzes reassure the

contribution of the internship on the teaching formation, as it involves the interns on

activities around the school environment, the mobilization is instituted as an articulating

movement of the process.

Key-Words: Supervised Internship; Bachelor; Mobilization; Relational dimension.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANPED- Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEFET- Centro Federal de Educação Tecnológica

CNE- Conselho Nacional de Educação

CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CONNEPI- Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação

CP- Conselho Pleno

DCNs- Diretrizes Curriculares Nacionais

DIRLIC- Diretoria de Ensino Superior das Licenciaturas

EJA- Educação de Jovens e Adultos

EPT- Educação Profissional e Tecnológica

IES- Instituição de Ensino Superior

IFC- Instituto Federal Catarinense

IFFluminense- Instituto Federal Fluminense

IF’s- Institutos Federais

IFSC- Instituto Federal de Santa Catarina

IFSP- Instituto Federal de São Paulo

INEP- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDBEN- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LEPED- Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença

LIFE- Laboratórios Interdisciplinares de Formação de Educadores

MEC- Ministério da Educação

NAPP- Núcleo de Apoio à Prática Profissional

NESAE- Núcleo de Estudos Avançados em Educação

PAP- Plano de Ação Pedagógica

PET- Programa de Educação Tutorial

PIBIC- Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

PIBID- Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

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PIBITI- Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento

Tecnológico e inovação

PNE- Plano Nacional de Educação

PPP- Prática Pedagógica Programada

PRP- Programa de Residência Pedagógica

SETEC- Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

TICs- Tecnologias da Informação e Comunicação

UEA- Universidade do Estado do Amazonas

UENF- Universidade Estadual do Norte Fluminense

UFS- Universidade Federal de Sergipe

ULBRA- Universidade Luterana do Brasil

UNESCO- United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

UNESP- Universidade Estadual de São Paulo

UNICAMP- Universidade Estadual de Campinas

UNIFESP- Universidade Federal de São Paulo

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Sumário

INTRODUÇÃO: Dos sentidos e significados de uma trajetória escolar às origens das

indagações da pesquisa ............................................................................................ 12

1. Percepções de Estágio Supervisionado na Formação Inicial Docente ................. 23

1.1. Caminhos formativos ancorados na ação-reflexão-ação.................................... 27

1.2. Perspectivas de estágio supervisionado em experiências de formação de

professores: o que vem sendo construído no cotidiano? .......................................... 29

1.3. Enfoques interlocutivos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação

Inicial e Continuada ................................................................................................... 43

1.4. A teoria na prática é outra? ................................................................................ 45

2. Precisando fatos da pesquisa realizada ................................................................ 54

2.1. A condução da investigação ............................................................................... 54

2.2. O estudo de caso ............................................................................................... 56

2.3. O percurso da pesquisa ..................................................................................... 58

2.4. Traçando o perfil dos participantes .................................................................... 65

2.5. Contextualizando o estágio supervisionado no IFFluminense ............................ 68

3. Mobilidades de sentidos que tecem experiências de estágio: o sujeito se tornando

autor .......................................................................................................................... 71

3.1. Apreender o mundo para com ele interagir ........................................................ 72

3.2. Mobilização: dimensão norteadora da atividade intelectual ............................... 74

3.3. Fronteiras que fragilizam a mobilização no exercício da docência ..................... 76

4. Antecedentes históricos: a formação de professores nos Institutos Federais ....... 83

4.1. A constituição da formação de professores nos Institutos Federais: proposição

oficial ......................................................................................................................... 83

4.2. Diferentes olhares sobre a formação de professores nos Institutos Federais .... 88

4.3. Breve discurso sobra a formação de professores no Instituto Federal Fluminense

campus Campos-Centro: do CEFET Campos aos dias atuais .................................. 92

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4.4. Alguns antecedentes do estágio supervisionado nas licenciaturas do

IFFluminense ............................................................................................................. 97

5. O processo de mobilização experimentado no tempo da inserção dos licenciandos

no estágio ................................................................................................................ 103

5.1. Retorno à escola básica: lugar intermediário entre aprender e ser professor .. 105

5.2. Trajetórias percorridas na escolha pela docência ............................................ 109

5.3. Deslocando-se para o campo de estágio: mobilizações para novas aprendizagens

................................................................................................................................ 113

5.4. Movimentos produzidos a partir das experiências e do espaço reservado à

inserção no campo de estágio ................................................................................. 123

TECENDO CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 137

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 143

Anexo I .................................................................................................................... 156

Anexo II ................................................................................................................... 157

Anexo III .................................................................................................................. 158

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INTRODUÇÃO: Dos sentidos e significados de uma trajetória escolar

às origens das indagações da pesquisa

Estabelecer interlocuções entre os fatores que estruturam e dão relevância

a uma pesquisa não é tarefa simples; é empreendimento que conduz a limites tênues,

difíceis de serem definidos. Porém, também é um trabalho que dá significados às

dimensões que ajudam a enxergar caminhos possíveis. Assim, os entrelaçamentos

da trajetória do pesquisador, mesmo sujeitos aos lapsos da memória, das

reminiscências, trazem em si potencial para indicar caminhos escolhidos e

percorridos, considerando que os movimentos que tecem suas relações com o mundo

propiciam sempre novas possibilidades (CHARLOT, 2000).

Mais do que pretender um memorial, entendo que a importância desse

processo não se restringe às experiências encerradas em suas próprias molduras,

mas o que cada uma representou nos momentos vividos, refletidos nas aprendizagens

que se sucederam, tendo em vista o objetivo em questão. O tempo de rememoração

é importante pois pode trazer abertura para outras possibilidades de aprendizagem.

Nesse sentido, busco fragmentos de minha trajetória de vida, tomando-os

como experiências elucidativas de minhas ações profissionais, organizadores da

pesquisa que ora apresento. Entendo com Fontana (2010) que as histórias de vida

como abordagem de estudo sobre a profissão docente dão subsídios para pensarmos

essa relação. Ela assim escreve:

Assumindo a tese de constituição recíproca entre o eu pessoal e o eu profissional, numerosos estudos buscaram trazer nas histórias de vida as maneiras como cada um se sente e se diz professora e como as foi construindo, entre modos distintos e conflitantes de encarar a profissão docente, nas diversas etapas da carreira (p. 48).

E prossegue: “Ao nascer, cada um de nós mergulha na vida social, na

história, e vive, ao longo de sua existência, distintos papéis e lugares sociais,

carregados de significados – estáveis e emergentes – que nos chegam pelo outro”

(FONTANA, 2010, p.64). Nessa mesma direção, dizendo de outro modo, Charlot

(2000) afirma que a condição humana nos permite dar sentido ao mundo. Assim, por

este viés, sigo na elaboração deste pequeno memorial.

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Logo que concluí o magistério em nível médio, percorri outros campos de

saberes (cursei Teologia entre os anos de 1979 e 1982) que envolveram a prática do

ensino. Mas foi em meados dos anos de 1980 que, ao ser convidada para compor o

quadro de docente de uma instituição particular de ensino, em minha cidade, que fui

confirmando minha escolha profissional. Mais do que experimentar dois anos na

docência da então 3ª série do antigo primeiro grau, vivi o despertar de novas

exigências formativas, a partir do questionamento do meu próprio trabalho. Em meio

à curiosidade daqueles alunos, suas aspirações profissionais que, em alguns casos

eram manifestadas no desejo de aprender, eu ia percebendo que tinha minha parcela

de responsabilidade sobre a qualidade da formação de cada um deles.

Após dois anos trabalhando com a mesma série, assumi a Coordenação

Pedagógica deste mesmo segmento em 1987, a convite da direção daquela

instituição; experiência que, por um lado abriu caminho para outras relações

profissionais, mas, por outro, confirmou em mim a necessidade de buscar novos

espaços formativos. Foi então que prestei vestibular para o curso de Pedagogia no

ano de 1988 e, concomitante à experiência na Coordenação, ia buscando diálogos

entre os discursos teóricos sobre o ensino, o compartilhamento de experiências com

colegas de classe e a vivência no cotidiano da escola.

Discussões mais amplas eram trazidas para as aulas de Psicologia,

marcadas pela recorrência de autores como Piaget, Vygotsky, já que neste período

estavam sendo implantados, em minha cidade, Centros Integrados de Educação

Pública (CIEPs), e a discussão no momento centrava-se na construção do

conhecimento a partir do intenso processo de interação entre os educandos.

Entretanto, influenciada por uma professora recém-chegada na instituição, que havia

acabado de concluir o Mestrado e voltado para o curso de Pedagogia, aproximei-me

mais intensamente das ideias freirianas. A ênfase dada à libertação dos homens, pelo

viés da humanização das relações através das aulas, foi fator que me fez refletir mais

profundamente sobre meu papel social, enquanto educadora. Da experiência com

essa professora, entendi, na prática, que a educação dialógica é o caminho para a

liberdade; que, “de nada adianta o discurso competente se a ação pedagógica é

impermeável a mudanças” (FREIRE, 1999, p.11), e que o processo de

conscientização traz em si potencialidades libertadoras.

A intensidade desse tempo marcou meu pensar e agir como educadora,

movendo-me na elaboração de um projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

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Foi assim que, com a perspectiva de oferecer oportunidade de escolarização a um

grupo de adultos composto por pessoas com pouca escolaridade, uma assistente

social e eu nos unimos e, juntas, demos início ao “Projeto Gamaliel”1. Para garantir

melhor desempenho na aprendizagem dos alunos, frequentemente nos reuníamos

com a professora para avaliarmos e planejarmos, com o intuito de melhorar a

qualidade daquele trabalho.

Dessa vivência surgiu minha pesquisa de Mestrado. Orientada pela Profª.

Dra. Lilian Maria Paes de Carvalho Ramos, defendi, em 2001, a dissertação intitulada

O processo de escolarização de adultos: para além das aparências e dos estereótipos.

Minha atuação nesta modalidade de ensino aproximou-me de caminhos

aparentemente distintos, porém, interligados à esfera do ensino.

Embora nesse tempo eu tenha voltado o foco de minhas discussões para

a EJA, minha relação com a formação de professores permaneceu definindo minha

trajetória profissional. Prossegui atuando em contextos de curso de licenciatura, como

apresentarei mais adiante.

A convite de minha Orientadora de Mestrado, passei a integrar o grupo de

pesquisa do CNPq, Políticas de formação, trabalho e identidade docente, liderado por

ela, que em 2005 integrou o grupo de docentes da Universidade Estadual do Norte

Fluminense (UENF), instituição sediada em minha cidade.

No curto período que passou nesta instituição, desenvolvemos pesquisa

sobre A identidade do professor estadual do Ensino Médio no Norte Fluminense,

experiência que muito me enriqueceu, tendo em vista as possibilidades de encontros

presenciais que tínhamos e as oportunidades de diálogo sobre formação docente.

Retomando o viés de quando cursava a graduação em Pedagogia, recordo-

me ter aguardado com expectativa o tempo do estágio. A partir das interações das

aulas no curso, não foi difícil pensar na possibilidade de receber uma proposta de

1 No final da década de 1990, comecei a atentar-me para o fato de que alguns dos participantes mais idosos do meu convívio religioso não liam com fluência. Como Freire (2005) ensinou-me que “a vida proibida de ser vida é morte em vida”, comecei buscando estratégias para ajudar essas pessoas na leitura e escrita. Em parceria com uma assistente social, integrante deste grupo, elaboramos um projeto intitulado “Projeto Gamaliel”. A escolha desse nome está relacionada ao personagem bíblico, reconhecido pelo Apóstolo Paulo como seu professor. A estrutura montada para este empreendimento (espaço físico, material, professores etc.) comportava um número maior de alunos. Então resolvemos abrir também para a comunidade externa. Conseguimos agrupar cerca de dez adultos e, num período de quatro anos, oferecemos gratuitamente classe de alfabetização para esse grupo de adultos, todos com mais de cinquenta anos. Tal trabalho converteu-se em uma fonte de dados sem precedentes para a minha pesquisa de Mestrado.

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estágio que rompesse com a que recebi na formação de professores em nível médio.

Contudo, o dia a dia mostrou-me que a mediação entre o discurso teórico

desenvolvido em aula e a vivência com os sujeitos da escola básica era uma prática

ainda a ser construída, o que me levava a outra percepção: a escolha pelo magistério

impõe desafios.

Foi uma época em que me deparei com leituras de autores consagrados

na educação, como Bourdieu e Passeron (1975); Freire (1979, 1987); Candau (1984);

Vygotsky, Luria e Leontiev (1988); Saviani (1986); Emília Ferreiro (1985),

contribuições teóricas que subsidiavam discussões das aulas. As exigências de

profissionalização da época traziam marcas fortes do tecnicismo, e a perspectiva da

Prática de Ensino e Estágio Supervisionado eram considerados componentes

excessivamente práticos, como, por exemplo, pouco diálogo entre o que se estudava

nas disciplinas do Curso e as experiências vividas no campo de estágio.

Já cursando os últimos períodos da Pedagogia, assumi uma turma de

formação de professores em nível médio, no meio do ano, em caráter de substituição,

numa instituição de esfera particular, atuando na disciplina de Didática. Minhas

expectativas com as vivências de estágios guardavam relação com a necessidade de

diálogo teórico-prático para conhecer mais de perto outras realidades escolares.

Nesse movimento entre o saber e o saber fazer, surgiam indagações sobre o

significado da relação ensinar-aprender, ou melhor, como ensinar a ser professor?

Assim sendo, eu atribuía a esse tempo da formação possibilidades de compreensão

da realidade na qual eu já atuava. Eram questões que me acompanhavam tanto no

desenvolvimento das aulas, quanto nos enfoques assumidos durante o curso.

Com a graduação concluída em 1991, surgiu a oportunidade, logo no ano

seguinte, de ingressar numa Especialização em Metodologia do Ensino Superior, em

uma instituição particular, que estava oferecendo formação pedagógica aos seus

professores, que em sua maioria eram bacharéis. A diversidade dessa experiência foi

bastante enriquecedora, visto que a turma era composta de profissionais de áreas

distintas, como, por exemplo, pedagogos, engenheiros, psicólogos, contadores,

dentre outros profissionais que, juntos, discutíamos questões pertinentes ao ensino.

Foi no ano de 1997 que ingressei na docência do ensino superior.

Ministrando a disciplina de Didática Geral em Licenciaturas de Educação Física e

Enfermagem, pude vivenciar na pele a tradicional dicotomia entre a formação geral e

a formação específica, que marca entre esses sujeitos a desvalorização pelos saberes

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denominados de pedagógicos. Questionava-me, então, também sobre as razões que

levavam aqueles alunos a buscarem a docência. Era uma conversa que eu travava

diante do espelho, já que nas entrelinhas das falas dos coordenadores dos cursos

escapavam ideias que corroboravam o comportamento dos estudantes: a alocação

dos horários destinados às disciplinas de cunho pedagógico em dias de sexta-feira, à

noite, a supervalorização dos componentes específicos da área de formação eram

questões recorrentes nos períodos letivos.

Tal realidade me fez retomar o caminho das leituras de Paulo Freire, com

destaque para Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa,

considerando as reflexões sobre as exigências para ensinar, fundadas no

entendimento de que “Ensinar não é transferir conhecimentos mas criar as

possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1999, p. 25). Estar

iniciando neste nível de escolaridade foi um fator que me desafiou naquela

experiência. As inseguranças próprias do início de qualquer trabalho puderam ser

amenizadas, graças à abertura de compartilhamento que desenvolvi com a professora

de Didática específica da Educação Física e Estágio Supervisionado, também da

instituição. Sempre que nos encontrávamos, tinha liberdade para compartilhar

questões relativas à disciplina que eu lecionava, conversávamos sobre as

aproximações dos nossos componentes curriculares, buscando interação entre

nossas práticas. Esse companheirismo profissional foi bastante significativo para

minha identidade docente.

Não muito tempo depois, mais precisamente no ano de 2003, surgiu a

oportunidade para atuar na Graduação de Pedagogia em uma outra instituição,

também particular. A coordenadora deste curso havia sido minha professora quando

cursei a Pedagogia, a que me aproximou do pensamento freiriano. O fato de ser um

curso da minha área de formação e estar sob a liderança de uma profissional com

quem eu mantinha laços de amizade, foi fator significativo para eu assumir

inicialmente a disciplina de Didática.

No período seguinte, fui desafiada pela coordenação a trabalhar com

Prática de Ensino e Estágio Supervisionado, numa turma de 5º período do referido

curso. Trabalhando com este componente pela primeira vez, algumas situações

potencializavam fragilidade a esta experiência: o curso era noturno, a turma era

numerosa, o tempo de supervisão ficava circunscrito ao horário das aulas, boa parte

das alunas apresentavam comprovação de extensa jornada de trabalho, dentre outras

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questões que, mesmo sendo de menor importância, acabavam por influenciar o

contexto. Passei a reviver antigas indagações sobre o estágio como processo de

formação, a ressignificá-las, mas meu desconforto levou-me a não prosseguir com a

disciplina, apesar do empenho de algumas estagiárias.

Esses desafios foram desenvolvendo em mim certo fascínio por este tempo

de aprendizagem na formação. Viver as relações de ensino na formação inicial, na

perspectiva da interação entre a instituição de ensino superior e o cotidiano da escola

como ponto mediador do processo formativo, foi produzindo necessidade de encontrar

nessa experiência pontos de interlocuções com outros aspectos da prática educativa.

Mas foi no ano de 2007, após ter sido aprovada em concurso público para

atuar no núcleo pedagógico dos cursos de licenciatura do atual Instituto Federal

Fluminense (doravante IFFluminense), à época, Centro Federal de Educação

Tecnológica, que minha aproximação com o tempo do estágio se consolidou. A

oportunidade que tive de escolher dedicação exclusiva, como regime de trabalho

nesta nova atuação profissional, garantiu-me condições para retornar às práticas de

pesquisa. Também, a política de incentivo à formação continuada adotada pela

instituição foi outro fator que me possibilitou buscar novas experiências formativas.

Na condição de professora das licenciaturas, reencontrei-me com o estágio

supervisionado e, busquei encontrar questões que contribuíssem com essa nova

experiência. Nessa época, foram as leituras de Pimenta (2001), e na sequência

Pimenta e Lima (2008) que permeavam nossas discussões e planejamentos. Só mais

tarde descobri que a reflexividade tinha se tornado uma proposição hegemônica nos

projetos de estágio.

Como ingressei no final de um período letivo, assumi turmas somente no

semestre seguinte à minha admissão. Por esse motivo, fui orientada pela

Coordenadora das Licenciaturas a acompanhar uma das professoras supervisoras de

estágio na Instituição. Essa oportunidade de coparticipação significou para mim um

tempo de “estágio” na disciplina de estágio. O apoio que recebi dessa colega de

trabalho muito contribuiu neste meu processo de inserção. Juntas planejávamos e

ministrávamos aulas, compartilhávamos experiências, orientávamos os estagiários,

transformando essa vivência num tempo rico de aprendizagens. Como estávamos

mantendo estreita parceria, coube-me ajudá-la na correção dos relatórios, o que

também me permitiu maior familiarização com a proposta do IFFluminense.

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Meio que na contramão dos referenciais prescritos nas ementas, com

formatos diferentes, o velho e desgastado discurso de que “a teoria na prática é outra”

repercutia nos relatos dos estagiários. Um fato que marcou minhas primeiras

experiências com essa disciplina, na referida instituição, foi a fala de um aluno que,

no momento em que sua classe compartilhava experiências do campo, ele não

poupou palavras para, com certo sentimento de repulsa, dizer: “professora, o estágio

para mim não serve para nada”. A vivência foi mostrando que para um número

significativo destes docentes em formação, pensar-se professor trazia desconforto.

Com o passar do tempo, fui percebendo também que o distanciamento entre

disciplinas ditas “pedagógicas” e as da área de formação específica era fator influente

no posicionamento de muitos deles acerca da profissão, confirmando resquícios da

cultura bacharelesca2.

Pelo fato de estar num contexto institucional em que a educação

profissional e tecnológica tem peso histórico, foi fácil perceber que a trajetória escolar

de muitos licenciandos se apoiava nessa base. Segundo seus comentários feitos em

aula, na experiência de alguns deles, cursar o técnico em nível médio e prosseguir na

Licenciatura dentro da mesma instituição obteriam como garantia a continuidade dos

estudos em instituição pública.

Levando em conta conversas travadas com esses alunos, era possível

perceber também vestígios de pouca relação com a docência. Quando interrogados

sobre a opção pela licenciatura, muitos afirmavam ser esta uma escolha que acontecia

após tentativas fracassadas em outras áreas profissionais; ou por se apresentar como

a possibilidade de inserção no mercado de trabalho. Essa última questão é

mencionada nos estudos de Gatti e Barreto (2009).

Um relato atípico se destacou em uma turma do primeiro período do curso

de Ciências da Natureza. Uma aluna contou-me que tinha recorrido a essa licenciatura

como “pré-vestibular”. Compartilhou que, após tentativas fracassadas no vestibular

para medicina, recorreu à referida licenciatura com expectativas de prosseguir

estudando química, física e biologia para que, num futuro próximo, obtivesse

aprovação no curso pretendido. Em seu dizer foi firme em declarar que não aspirava

à docência.

2 O Decreto 1.190, de 04 de abril de 1939, ofereceu condições estruturantes à profissão, dando origem ao modelo 3+1, esquema adotado nos cursos de Licenciatura por décadas. (SAVIANI, 2010).

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Se por um lado era possível encontrar alunos de curso de licenciaturas com

pouca inclinação para o magistério, o contrário também era verdadeiro. Em meio a

impasses na escolha da profissão, destacavam-se também aqueles que de maneira

convicta manifestavam confiança em suas opções pela docência. Uma aluna, da

Licenciatura em Geografia, contou-me que, por influência de sua irmã, ingressou no

curso de Contabilidade, mas sua inclinação para o Magistério a trouxe para a

licenciatura. E disse: “Eu quero mesmo é ser professora”.

Em meio a reações controversas, diferentes procedimentos e relações à

efetivação do estágio eram apontadas pelos sujeitos estagiários como burocráticos,

tarefa que ia se constituindo em elemento de fragilização, capaz de gerar

desestímulos e desinteresse pela escolha profissional. Essa questão era agravada

pela visão superficial e, por vezes, distorcida sobre o papel do estagiário na escola-

campo, o que contribuía para que muitos desses sujeitos assumissem posturas

conflitantes na realidade da escola, levando-os a repensarem suas escolhas pela

docência. Nesse sentido, para mim, velhos problemas do estágio iam se

reconfigurando.

Entre impasses e alternativas, percebia que, mesmo para aqueles

estagiários que não conseguiam enxergar nessa experiência possibilidades de

aprendizagem, no momento em que traziam para a discussão situações de desgastes

gerados nestas relações, acabavam fomentando reflexões sobre o cotidiano da

profissão, o que me levava a (re)pensar as potencialidades formativas deste

tempo/espaço.

Em 2009, na relação direta com sua supervisão, tomei o estágio como

objeto de estudo, entendendo que meu envolvimento com a investigação traria novos

elementos para pensar minha prática. Foi assim que, ancorada nos estudos de

Pimenta e Lima (2008), concebendo o estágio como locus de pesquisa, apresentei um

Projeto de Pesquisa e Pós-Graduação do IFFluminense, no Núcleo de Estudos

Avançados em Educação (NESAE), intitulado: O impacto do estágio na construção

dos docentes em formação. O que se destacou como recorrente nessa pesquisa foi o

entendimento de que as experiências de estágio exercem grande influência na

constituição da identidade docente.

Na singularidade dessa minha trajetória profissional, percebo que a tarefa

de formar professores se organiza em contextos relacionais, num trabalho de

colaboração em que a disposição para o diálogo permanente orienta situações

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propiciadoras de aprendizagem. Na possibilidade de dedicar-me, exclusivamente, ao

componente estágio supervisionado na instituição onde atuo como docente,

interessei-me pelo emaranhado processo de tensões e contradições que envolve o

aprendizado da profissão. Nesse processo de inquietações, segui a orientação sábia

do poeta espanhol Antonio Machado: “Caminhante, não há caminho, o caminho se faz

ao caminhar”. Dessa necessidade emergiu o movimento que me levou a outro nível

de pesquisa, agora no Doutorado.

As leituras feitas de Guedes-Pinto e Fontana (2006) sobre seus

direcionamentos na prática de ensino no contexto da formação inicial de professores,

de Charlot (2000, 2002) sobre as problematizações acerca das relações dos sujeitos

com o saber e sobre o papel do pesquisador, trouxeram-me indagações que

acabaram por despertar meu interesse para entender o papel do estágio na formação

docente.

Como dito antes, na relação com estes sujeitos, alguns manifestavam

indisposição para iniciar tal atividade acadêmico-formativo, mas no decorrer de suas

ações no contexto da disciplina de supervisão, movimentos aconteciam, podendo

então, identificar-se com a profissão. Outros, com expectativas, aguardavam o tempo

em que estariam no convívio profissional mais diretamente.

Nessa dinâmica vivida, algumas indagações se formulavam:

Como esses sujeitos mobilizam-se para se inserirem no campo do estágio?

Quais encadeamentos tais mobilizações suscitam nas potencialidades que este

campo oferece à formação do professor?

Tomando, portanto, essas questões como base e, por meio de entrevistas

realizadas, inicialmente com um grupo de quatro estudantes, foi possível produzir

dados que até o exame de qualificação mostraram-se suficientes. No entanto, as

orientações da banca examinadora me fizeram perceber que uma quantidade maior

de sujeitos a serem entrevistados contribuiria para ampliar minha visão sobre as

indagações acima referidas. Diante de tal desafio, decidi entrevistar mais quatro

estudantes. Desta vez, todos com experiências vivenciadas no campo de estágio.

Esses movimentos foram articulados em função dos objetivos desta

pesquisa que são:

analisar o papel mobilizador do estágio sobre o ser professor;

problematizar o estágio como tempo/espaço que dimensiona compreensões

da docência;

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compreender influências dos percursos escolares relatados pelos estudantes

e sua relação com a escolha pela profissão docente.

Tais objetivos foram problematizados a partir de um estudo de caso (ANDRÉ, 2008;

ALVES-MAZOTTI, 2006; ESTEBAN, 2010; LÜDKE e ANDRÉ, 1986, YIN, 2001), que

focaliza o papel do estágio supervisionado em cursos de licenciatura do IFFluminense

– campus Campos-Centro, nos cursos de Ciências da Natureza: Ciências e Biologia,

Ciências e Química; Matemática; Geografia e Letras), que reuniu 08 participantes,

sendo: 02 egressos, 05 em situação de estágio e 01 licenciando ainda na primeira

metade do curso.

Charlot (2000) define o conceito de mobilização na dinâmica de ensino. Ele

conceitua mobilização para além da noção de movimento, dinâmica necessária para

desenvolver uma atividade. Para este autor, mobilizar corresponde a pôr recursos em

movimento e engajar-se em uma atividade movida por um desejo. Mais adiante tal

conceito será retomado com mais vagar.

No que se refere à estrutura deste texto, está organizada em cinco partes.

A primeira delas destaco estudos que tratam do estágio supervisionado como

processo de formação profissional, preocupados com a superação dos desafios

postos a essa prática. Para tal tarefa, tomei, como leitura de revisão, produções que

dão proeminência à perspectiva de estágio como locus de pesquisa e, em contraponto

a esse entendimento, tomo, também, estudos de experiências que compreendem

essa atividade acadêmico-formativa pelo caminho da produção de sentidos

produzidos nas relações que marcam tais vivências. Também procuro problematizar

a relação teoria-prática que tanto se faz presente nesse período formativo.

Ancorada na abordagem qualitativa, no viés do estudo de caso, a segunda

parte descreve então a instituição pesquisada, o IFFluminense Campus Campos-

Centro, destacando aspectos da implantação de seus cursos de Licenciaturas,

iniciativa que vem trazendo contribuição efetiva na formação de docentes para a

cidade de Campos dos Goytacazes (RJ) e entorno. Tais procedimentos deram base

ao desenvolvimento da pesquisa em questão, indicando os caminhos da produção

dos dados na escuta dos enunciados do grupo de sujeitos de entrevistados.

Para elaborar a terceira parte, fundamento-me nas contribuições de

Bernard Charlot. Detenho-me na compreensão de mobilização, conceito utilizado pelo

seu grupo de pesquisa para estudar a relação com o saber e a escola: mobilização,

atividade, sentido. Essa abordagem teórica orienta os procedimentos analíticos na

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direção de que, nas relações de estágio, só há mobilização, se a situação fizer sentido

para o estagiário.

Para organizar a quarta parte, busco publicações sobre experiências de

formação inicial de professores vividas em alguns Institutos Federais, como caminho

de aproximação com a constituição do estágio nos cursos de Licenciaturas da

instituição em que tal pesquisa se desenvolveu.

No que diz respeito à quinta parte, apresento o processo de análises e

interpretações dos dados produzidos, processo que levou em consideração

movimentos de constituição do estágio para os entrevistados, e as (des)mobilizações

que resultaram nos sentidos no qual a docência foi assumindo para cada um deles.

Como etapa final, teço algumas considerações sobre questões que

orientaram o caminho deste trabalho.

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1. Percepções de Estágio Supervisionado na Formação Inicial

Docente

[...] é por meio da inserção dos estudantes nas relações sociais estabelecidas entre os sujeitos que fazem parte da escola que serão alicerçadas condições de se construir compreensões sobre o trabalho docente, sobre o que vem a ser professor (GUEDES- PINTO, 2012, p. 139).

Com enfoques variados, o estágio supervisionado na formação de

professores destaca-se pelo seu papel formativo no eixo teórico-prático assumido

pelos cursos de licenciatura e por ser responsável pela inserção do licenciando na

escola básica, seu futuro campo de trabalho. Embora vários estudos recentes

apontem algumas fragilidades que permeiam o processo da relação entre estagiários,

escolas e prescrições legais etc, essa etapa formativa é reconhecida como premente

necessidade da profissão docente.

Uma questão que ainda se destaca como desafiadora atualmente é o

número pouco representativo de pesquisas que abordam o assunto, se comparado a

outras temáticas voltadas à esfera da docência, é o que sugere as pesquisas de

Calderano (2014). Ao buscar identificar e problematizar concepções e práticas

relacionadas ao estágio curricular – frente a sua importância no currículo –, a

pesquisadora constatou que o tema não se configura entre os mais destacados no

assunto. Tal certificação ancorou-se num levantamento de teses e dissertações sobre

o assunto acessado no portal da Capes, de artigos disponibilizados no banco de dados

da Scielo e Educ@, todos com recorte temporal entre os anos de 1998 e 2012

.

O levantamento das teses de doutorado e das dissertações de mestrado se deu com base nos descritores “formação docente” e “trabalho docente”. Utilizamos como filtro “estágio curricular” e “estágio docente”. O levantamento dos artigos se deu a partir da combinação dos seguintes descritores “estágio curricular”, “estágio e formação docente” e “estágio e formação de professores. [...] encontramos um conjunto de 330 teses defendidas entre 1998 e 2012. Dentre elas, localizamos 25 sobre estágio curricular, das quais apenas 16 tratam do estágio curricular docente – representando 4,8% do total. [...], nenhuma tese sobre estágio curricular docente foi localizada entre os anos de 1998 e 2003, embora tenham sido encontradas 56 teses, nesse período, dentro dos descritores

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destacados. [...] encontramos 1.362 dissertações e, ao aplicar o filtro estágio curricular, resultaram 51 trabalhos. Refinando a busca, localizamos um montante de 25 dissertações que tratam de estágio curricular docente, representando apenas 1,8% do total de dissertações defendidas na área da formação e trabalho docente. [...] Não encontramos nenhuma dissertação sobre estágio curricular docente defendida no ano de 1998 [...]. [...] levantamos no site da Scielo 71 trabalhos que tratam do estágio curricular – ora relacionados à formação docente, ora a outras áreas profissionais. A partir dos mesmos descritores, fizemos a busca na Educ@ e localizamos 23 artigos que versam sobre a mesma temática (CALDERANO, 2014, p. 51, 52, 54 e 56).

A pesquisadora entende que no processo de formação e trabalho docente,

o estágio é um ambiente agregador e potencializador dos percursos formativos,

campo de conhecimento e de iniciação à profissão docente.

Referindo-se à escassez de investigação que impactam de alguma maneira

a formação dos professores, Guedes-Pinto e Fontana (2006) reforçam a questão ao

citar dados de pesquisas de Brzezinski e Garrido (2001). Ressaltam que entre os anos

1992 e 1998, no Grupo de Trabalho “Formação de Professores” da ANPED

(Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), a

problematização do processo de ensino vivido pelos formadores dos futuros

professores esteve ausente.

No que diz respeito ao processo sócio-histórico relacionado à formação

docente e estágio supervisionado, Valsechi (2016), em sua tese de doutorado, ao

problematizar os modos de inserção de estagiários nas práticas acadêmicas, oferece

uma leitura esclarecedora sobre avanços e recuos que configuram esse tempo

formativo, apontando marcos da história que vêm promovendo o barateamento desta

formação, instigado pela política econômica, especialmente pelo Banco Mundial.

Destaca a necessidade de se discutir pontos controversos que garantam a

concretização dessas conquistas.

Na contramão de normativas que regem a formação dos profissionais do

magistério fundamentadas em tais perspectivas, direta ou indiretamente, a

pesquisadora ressalta iniciativas governamentais que sinalizam para a valorização da

formação docente. Dentre os exemplos citados por ela, destaca-se o Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID).

Com relação a esse aspecto, a tese de doutorado de Camargo (2015)

investigou as implicações deste Programa na formação inicial de professores. Seu

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interesse pela temática deu-se a partir do contato com essa proposta na qualidade de

professora da disciplina de Estágio Supervisionado na instituição em que trabalhava.

Nesta experiência, observava que as práticas escolares reduzidas ao tempo de

estágio traziam fragilidades ao percurso formativo. Percebia que seus alunos

licenciandos bolsistas do PIBID3 mostravam-se motivados pelo trabalho nas escolas

e mais, que o Programa favorecia o estreitamento entre eles, as instituições

formadoras e a escola.

A pesquisadora apoiou-se nos pressupostos da História Oral para compor

a metodologia de sua pesquisa, recorrendo assim a entrevistas para gerar os dados.

As análises mostraram que o envolvimento dos estudantes no PIBID possibilitou maior

proximidade com o trabalho docente e que, a participação dos integrantes do

Programa deu suporte para a efetivação de imersão no universo da escola. Contudo,

Camargo (2015) questiona se as atividades propostas para o PIBID não configuram

atribuições próprias do estágio supervisionado.

Ainda sobre esta questão, Valsechi (2016) toca num ponto importante para

a realidade de grande parte dos alunos da licenciatura4: “[...] reconheço que o PIBID,

em virtude do apoio político-econômico que oferece, muitas vezes concorre com o

estágio supervisionado pelo lugar legitimado na formação inicial docente” (p. 36).

Diante da proximidade desses campos formativos, com impactos tão

distintos na formação daqueles que de maneira concomitante vivem as duas

experiências, indago-me sobre as mobilizações que conduzem o querer desses

estudantes para desenvolverem e se envolverem nas atividades tanto do estágio

quanto do PIBID, a investirem nelas, a estabelecerem relações, enfim, quais móbiles

dão origem a estas atividades?

Valsechi (2016) também esclarece que, em grande medida, as concepções

que definem a experiência de estágio foram se estruturando em meio a compreensões

de formação de professor, assumida em posições antagônicas por militantes que

entendem a prática como estruturante da formação ou, então, por aqueles que

3 O PIBID é um Programa federal junto às universidades brasileiras que visa à valorização do magistério

e melhoria da formação de professores da educação básica. Para alcançar seus objetivos, “oferece bolsas para que alunos de licenciatura exerçam atividades pedagógicas em escolas públicas de educação básica, contribuindo para integração entre teoria e prática, para aproximação entre universidades e escola e para a melhoria de qualidade da educação brasileira” (BRASIL, 2013b, p. 27). 4 Gatti (2009, p.164) apresenta dados estatísticos comprovando que os atuais estudantes de cursos de Licenciaturas formam um grupo majoritário (50,4%) com concentração de renda familiar média, cujo intervalo é de três a dez salários mínimos.

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supervalorizam o papel da teoria: seja pelas lentes da imitação de modelos, da

instrumentalização técnica, ou da pesquisa como instrumentalizadora da práxis

docente (PIMENTA e LIMA, 2008).

As pesquisas que também tratam dessa temática revelam que há grande

influência da abordagem “professor reflexivo”, enquanto movimento teórico presente

no contexto educacional brasileiro desde o início da década de 1980, no que diz

respeito aos estudos sobre estágio supervisionado na docência. Ou seja, esse

referencial teórico se destaca como dimensão epistemológica hegemônica neste

assunto (CRISTOFOLETI, 2015)

Pimenta e Lima (2008), em seus estudos, reconhecem que a possibilidade

de superar a pretensa dicotomia entre atividade teórica e atividade prática como

desenvolvimento de habilidades para conhecer o contexto escolar, pode ser

assegurado na perspectiva do professor como intelectual crítico e reflexivo. Nessa

direção, elas redefinem o estágio como processo de interação que propicia ao aluno

aproximação da realidade na qual atuará.

Nesse contexto, destaco as produções de Guedes-Pinto e Fontana (2006),

pesquisadoras da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que vêm atuando

nas disciplinas de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado, desde meado da

década de 1990, ocupadas em compreender questões relativas aos processos de

apropriação e de elaboração das práticas docentes na formação inicial (GUEDES-

PINTO e FONTANA, 2006; GUEDES-PINTO, 2011a), estudos que serão retomados

mais à frente.

Com base em relatos de experiências publicados nas últimas décadas, é

importante reafirmar que o foco em direção ao aprimoramento da formação dos

professores, no componente estágio supervisionado, tem se valorizado cada vez mais

como movimento recente. A visão reprodutora de aprendizagem da profissão

legitimada pela cultura de uma formação técnica vem cedendo lugar a uma percepção

de atuação docente, enquanto profissional com capacidade de análise e atuação

crítica. Nesse sentido, embora sejam muitos os desafios enfrentados pelos atores

envolvidos nas experiências vivenciadas, as narrativas colhidas por muitos estudos

potencializam significações e ressignificações acerca dessa importante etapa

formativa.

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1.1. Caminhos formativos ancorados na ação-reflexão-ação

Ao tomar como ponto de referência em seus estudos as ideias de Dewey,

Donald Schön parte da valorização do fazer e a reflexão sobre esse mesmo fazer, isto

é, “reflexão na ação”, para propor um modelo de formação baseado na reflexão sobre

a prática. Tal proposta provoca modificação nas estruturas de currículos que

obedecem à ordem de primeiro tomar a ciência, depois sua aplicação e por último um

estágio que supõe a aplicação dos conhecimentos técnicos profissionais adquiridos

sobre o conhecimento em questão (ALARCÃO, 1996; PIMENTA, 2002). Nesse

sentido, o modelo tradicional de estágio na escola básica, baseado na sequência de

o estudante primeiro observar, depois participar e, por último, realizar regência, dá

lugar à pesquisa no estágio como método de formação do futuro professor, em um

processo contínuo de ação-reflexão-ação.

Para os expoentes dessa última abordagem, a formação estruturada num

currículo segmentado não oferece elementos mediadores às situações que surgem

no dia a dia, visto que a dinâmica que tece o cotidiano da escola básica está para

além da simples aplicação dos conhecimentos científicos já difundidos e de respostas

técnicas estruturadas. À vista disso, um currículo normativo já não responde mais aos

desafios de formar professores na contemporaneidade, dados os contextos vividos no

cotidiano das várias instituições envolvidas, universidade e escola.

Alarcão (1996), autora bastante citada por pesquisadores brasileiros para

problematizar a formação de professores, faz alerta sobre prejuízos provenientes da

fragmentação de um currículo segmentado, por não possibilitar o diálogo entre

elementos da formação e reflexão sobre práticas transformadoras.

Nas instituições de formação, os futuros profissionais são normalmente ensinados a tomar decisões que visam a aplicação dos conhecimentos científicos numa perspectiva de valorização da ciência aplicada como se esta constituísse a resposta para todos os problemas da vida real. Porém, mais tarde, na vida prática, encontram-se perante situações que, para eles, constituem verdadeiras novidades (p.15).

Com base nessa compreensão, a perspectiva da reflexividade, enquanto

movimento teórico fundamentador de novas vivências de estágio, tem intenção de

superar antigas posições formativas, em que o ensino e a realidade são tomados de

formas fracionadas, razão pela qual a valorização da experiência e a reflexão na

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experiência iluminam a realização do estágio em forma de pesquisa (PIMENTA e

LIMA, 2008).

Retomando o raciocínio de Schön, a autora propõe uma formação baseada

numa epistemologia da prática, ou seja, o conhecimento na ação (tácito), a reflexão

na ação (refletir no processo da ação), a reflexão sobre a ação (reconstruir

mentalmente a ação para tentar analisá-la retrospectivamente) e a reflexão sobre a

reflexão na ação (progredir no desenvolvimento e construir sua forma pessoal de

conhecer) que se constituem valores epistêmicos no processo de formação docente

(ALARCÃO, 1996, p. 18, 19).

Como exposto antes, a pesquisadora alerta que, em contextos formativos

com base na experiência, as múltiplas possibilidades de diálogo assumem grande

importância: diálogo consigo próprio, diálogo com os outros incluindo os que

referenciaram nossos conhecimentos e o diálogo com a própria situação. Ela reforça

o sentido da reflexão e diz que essa prática “precisa ser sistemática nas suas

interrogações e estruturante dos saberes dela resultantes” (ibid., p.46). Para Pimenta

(2002), as ideias de Schön abrem horizontes para a valorização da pesquisa na

formação docente, prática que possibilita a estes profissionais em formação

reconstruírem situações a partir de suas necessidades.

A operacionalização dessa proposta, de se tomar o professor reflexivo e

pesquisador, na atualidade, é desafio posto aos currículos de formação docente. Mas,

quando se leva em consideração que levantar dados na escola, estabelecer relação

com profissionais em exercício, refletir, analisar, conceituar, articular teorias com

situações do cotidiano, como movimentos próprios do estágio e da docência, a

possibilidade de concretização dessa proposta torna-se viável. É o que defende boa

parte de pesquisadores que se debruça sobre a temática (PIMENTA e LIMA, 2008;

ALMEIDA e PIMENTA, 2014).

Ancorando-se em publicações sobre estágio na formação inicial docente

no país, reafirma-se que a perspectiva teórica do professor reflexivo e pesquisador

vem exercendo forte influência em projetos, pondo em movimento propostas de

estágio com perfis variados, apoiados num mesmo alicerce teórico (GOMES, 2011;

ALMEIDA e PIMENTA, 2014).

Diante da natureza deste estudo, que considera os movimentos que

envolvem esse tempo formativo como estruturantes dos sentidos que a docência vai

assumindo nas vivências dos licenciandos, considerei ser necessário conhecer

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configurações de estágios no olhar de estudiosos e pesquisadores que vivenciam tais

experiências.

A seguir, pretendo desenvolver uma retomada da produção desses

estudos.

1.2. Perspectivas de estágio supervisionado em experiências de formação de

professores: o que vem sendo construído no cotidiano?

Focalizadas nos sentidos que os estagiários atribuem ao ser e o saber-

fazer docente, Guedes-Pinto e Fontana (2006), Guedes-Pinto (2011a, 2011b) e

Fontana (2013) problematizam aspectos do processo de apropriação e elaboração

das práticas docentes na formação inicial, numa articulação entre o trabalho por elas

desenvolvido em aula na graduação e os debates teóricos sobre a temática, enquanto

objeto de análise do Grupo de Pesquisa a que pertencem. Por esse ângulo, buscam

elementos no cotidiano escolar que oferecem pistas esclarecedoras do processo de

apropriação e reinvenção de suas práticas, com foco na formação de seus alunos.

Abrigadas na abordagem histórico-cultural, estas pesquisadoras dão

centralidade à linguagem nas relações intersubjetivas de compreensão do trabalho

docente. Dessa forma, problematizam a dinâmica discursiva dos docentes em

formação, a partir dos registros de suas experiências de estágio, tomando-as como

indícios de apropriação desta profissionalidade. Entendem que, ao serem inseridos

no contexto da escola básica, os estudantes/estagiários desenvolverão relações com

os sujeitos que dela fazem parte, construindo sentidos sobre os fazeres dos

professores que ali atuam, criando possibilidades de produção de novos de saberes

(GUEDES-PINTO e FONTANA, 2006; GUEDES-PINTO, 2012); distanciando-se

assim de propostas de formação construídas sob o enfoque técnico-academicista, no

qual o estagiário é orientado a olhar o cotidiano da escola à luz dos aportes teóricos

alavancados na instituição formadora de origem.

Nesse entendimento, o objetivo fundamental do estágio, enquanto

atividade formativa, é promover um alargamento da compreensão da cultura escolar,

pondo em articulação concepções que caracterizam a existência da escola, presentes

no processo de formação profissional (FONTANA, 2013).

Uma das problematizações trazidas por essas pesquisadoras diz respeito

à relação do estagiário com a escola quanto à (in)definição do seu lugar social na

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instituição e nas relações de ensino. Ancoradas nas ideias de Augé (1994), afirmam

que o lugar desses sujeitos dentro da escola pode ser definido como um “não lugar”,

visto que nesta sua condição, seu “vínculo” com a escola-campo é de passagem (de

alguém que não tem um lugar assegurado, mas de quem registra e interpreta o que

vivencia ali) entremeado por relações muitas vezes superficiais, definida pelo efêmero.

Por esse viés, problematizam a inserção do estagiário na escola-campo, enquanto

momento relevante para sua interação na dinâmica das relações ali produzidas

(GUEDES-PINTO E FONTANA, 2006; FONTANA, 2013).

Importante destacar que, dos diferentes momentos organizadores das

relações do estagiário na escola-campo, o da inserção é ocasião demarcadora de

fronteiras no que diz respeito à qualidade das interações ali desenvolvidas. Relações

institucionais, interpessoais, intrapessoais (em seus desdobramentos) são fatores que

alinhavam o desempenho dessa prática, visto que esta formação envolve

pressuposições sobre o outro, sobre as razões dos seus fazeres, sobre seus saberes

e as surpresas diante desse outro, na medida em que a docência envolve escolhas e

julgamento que escapam às prescrições (FONTANA, 2011).

Ao defender a formação “com” os sujeitos e não “sobre” eles, as autoras

destacam a importância do “olhar” enquanto possibilidade de aprendizagem, isto é, o

aprender a olhar para o outro e para si mesmo, a registrar e a descrever o que

conseguem captar com esse olhar, entendendo que esta relação propicia saberes

sobre o cotidiano da instituição e das práticas compartilhadas entre seus sujeitos.

Guedes-Pinto (2011a) compreende a prática da escrita como elemento

fundamental no trabalho da formação profissional docente.

Assim, as produções escritas dos estudantes serão problematizadas a partir de seu contexto, dentro de seus limites, entendendo-as como uma prática sócio-cultural que se realiza situada na história dos sujeitos que dela participam e na história institucional da realidade dos

cursos de formação de professores (GUEDES-PINTO, 2011a, p. 23).

Nesse movimento, os saberes que vão sendo produzidos nessa prática

assumem posição privilegiada na formação dos futuros professores, o que exerce

influência na aproximação do real.

As autoras também chamam atenção para a “escuta” dos sujeitos que

fazem a escola. Afirmam que somente a prática do olhar não basta para compreender

os significados das relações presentes, sem conhecer o enunciado produzido na

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experiência, uma escuta que busca encontrar indícios que definem o vivido. Elas

tomam como preceito a ideia de que cada enunciado se constitui como um elo na

corrente da comunicação verbal que encadeado em meio a muitas vozes, remetem à

complexa trama enunciativa de que faz parte (GUEDES-PINTO E FONTANA, 2006).

Essa compreensão de estágio traz como pressuposto a postura dialogal

enquanto estratégia de ação, por entender que, a partir do momento que as

professoras na universidade apresentam aos alunos o plano de trabalho, abrem-se

espaços para discussão e reorganização, se for o caso. Importante destacar,

conforme esclarece Guedes-Pinto (2011a), que o referido plano traz as orientações

para as idas ao campo de estágio, assim como para a elaboração de textos. Os planos

são entendidos como documentos tomados para análises, pelo seu caráter orientador,

da produção dos trabalhos na disciplina de estágio.

São nos desdobramentos das aulas que as discussões se desenvolvem,

em diálogo com os referenciais teóricos assumidos. Os aportes teóricos propostos

também auxiliam os estudantes no encaminhamento de suas interlocuções na escola.

Destacam-se, nesse contexto, as leituras de obras literárias, documentários, sempre

norteados por aspectos que focam o processo de ensino.

Nessa proposição de estágio, faz-se necessário destacar que o estagiário

não se distancia dos fatos vividos pela escola para “compreendê-los”, mas observa e

registra não apenas “sobre” o outro, como também narra sua experiência “com” o

outro, levando em consideração suas intervenções, percepções (GUEDES-PINTO e

FONTANA, 2006).

Diante dos desafios enfrentados pela realidade histórica do componente

estágio curricular, concordo com essas pesquisadoras que a perspectiva da descrição

é um caminho capaz de tornar compreensível os meandros da escola. Apoiada no

pensamento de Charlot (2000), compreendo também que as interlocuções

necessárias à descrição trazem em si potencial para pôr em ação procedimentos

mobilizadores de produção de conhecimento sobre a profissão.

Seguindo essa mesma linha de percepção e interessada em compreender

como as relações de supervisão de estágio enquanto espaço de orientação

influenciam estagiários e formadores, Cristofoleti (2015), em sua pesquisa de

doutorado, toma como locus de investigação sua própria prática. Na condição de

Supervisora de Estágio numa turma de 17 alunas, utilizando os pressupostos teóricos

da teoria enunciativa de Bakhtin, a pesquisadora põe, em perspectiva e

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questionamento, as interlocuções produzidas nos encontros semanais com suas

alunas em um curso de Pedagogia, de um município do estado de São Paulo.

No período de maio a dezembro de 2012, gravou encontros semanais que

foram analisados à luz da perspectiva analítico-interpretativa. Como resultado, a

autora indica que a complexidade da supervisão de estágio está na trama das réplicas

que organiza a relação de supervisão e na pluralidade de vozes sociais que a constitui.

Ela entende ser esta uma relação na qual confluem muito mais do que a vivência

desse tempo, considerando que o teor e o estilo dessas réplicas dependem das

situações em que foram produzidas, das circunstâncias vividas entre os sujeitos

envolvidos, da história de cada um, do projeto de formação no qual estão inseridos,

das compreensões de docência, escola, aprendizagem etc.

Esse processo relacional, distante de uma lógica de causa e efeito, dá-se

mediante fatores tanto de mobilização (de dentro), quanto de motivação (de fora).

Charlot (2000) afirma que, “eu me mobilizo para alcançar um objetivo que me motiva

e que sou motivado por algo que pode me mobilizar”. Nesse sentido, percebo que os

argumentos e compreensões manifestados na pluralidade de vozes dos estagiários

dispõem de móbiles que exprimem suas ações. (Na perspectiva charloniana, móbil é

entendido como “boas razões” para agir).

Giglio et al. (2011), trazem uma descrição do Programa de Residência

Pedagógica (PRP) do Curso de Pedagogia da Escola de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP/Guarulhos, que ajuda

entendê-lo em seu contexto. O programa surgiu pretendendo viabilizar um processo

formativo que estabelecesse diálogo entre referenciais teóricos, realidade das escolas

e as práticas educativas construídas no cotidiano dessas instituições, por meio da

imersão dos residentes-estagiários no cotidiano da escola-campo, acompanhados

pelo preceptor-professor da Universidade e de professores e gestores da escola-

campo.

Assim, a articulação entre práticas educativas dos educadores da escola

básica e preceptoria dos professores da universidade foi o princípio que deu origem

ao PRP, experiência que institui nova configuração formativa da relação teoria-prática

na formação inicial dos docentes em formação da referida instituição. Nos dizeres de

Giglio et al. (2011, p. 17), o Programa “busca inovar a prática usual das instituições

formadoras no que se refere ao estágio supervisionado”.

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O PRP tem como propósito “criar situações de aprendizagem da docência”,

possibilitando ao futuro professor compreensões sobre a escola e seus

condicionantes políticos, econômicos sociais e pedagógicos, reconhecendo este

espaço como gerador de cultura. O Programa busca também desenvolver uma

profissionalidade que possibilite ao residente reconhecer e defender o referencial

político e epistemológico que conduz a sua prática (GIGLIO et al., 2011; SILVESTRE

e VALENTE, 2014).

Ao respeitar os dispositivos legais e abrigar a ideia de que formar

professores exige situá-los historicamente, no sentido de que eles percebam que de

acordo com as exigências conjunturais de cada período a profissão vai se

reconfigurando (SILVESTRE e VALENTE, 2014, p. 42), os idealizadores do Programa

assumiram compromisso com uma formação de qualidade.

Nessa perspectiva, a escola pública foi tomada como principal espaço de

formação do pedagogo na elaboração do PRP, considerando que o Programa foi

idealizado no contexto do curso de Pedagogia. Essa tomada de decisão exigiu diálogo

com professores e gestores destas escolas de Guarulhos, realizada através de

pesquisas, informações que permitiram conhecer demandas da formação inicial e

continuada desses profissionais. Um aspecto importante dessa sondagem inicial foi

investigar a contribuição da formação inicial dos docentes pesquisados em suas

práticas atuais. Chamam atenção as considerações sobre estágio, feitas pelos

professores integrantes daquela pesquisa:

Comparando a avaliação que fizeram da formação inicial e da parte prática dessa formação, foi importante perceber que, apesar da “adequação” indicada pela maioria, a avaliação da formação prática – estágios – apresentou constante tendência de queda na satisfação

(GIGLIO et al., 2011, p. 28). (Grifo nosso).

Os indicadores da pesquisa serviram de base para elaboração e

implantação do PRP, ações preliminares que favoreceram a relação de confiança

entre a universidade e as escolas. Para um projeto que tem como base a formação

inicial e contínua de professores e gestores, essas primeiras medidas foram

determinantes para tomada de consciência dos desafios postos à formação naquele

contexto, diz Giglio et al. (2011).

Seguindo essa lógica, o desenvolvimento do PRP está estruturado em

linhas de trabalho que têm, como proposta, possibilitar aos residentes dividirem-se em

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grupo, sendo estes, orientados por professores-preceptores. Desde o início do curso,

experiências de aproximação ao processo educativo são oportunizadas. Nos quatro

primeiros semestres do curso é ofertada a disciplina Prática Pedagógica Programada

(PPP) – espaço interdisciplinar, que se dá na articulação entre estudos teóricos das

diferentes disciplinas e práticas. Nos quatro últimos semestres, as disciplinas de

Residência Pedagógica (RP) têm como propósito levar os estagiários a atuarem como

colaboradores-aprendizes junto a outros profissionais. Os dois últimos semestres têm

como proposta a elaboração e desenvolvimento do projeto de monografia, de modo a

materializar questões advindas das experiências vivenciadas pelo residente, a

merecer reflexão e aprofundamento investigativo (GIGLIO et al., 2011; SILVESTRE e

VALENTE, 2014).

O desenvolvimento do Programa se dá basicamente na relação dos

seguintes personagens: o residente (docente em formação), o preceptor (docente

responsável pelo residente durante o estágio) e os professores-formadores (docentes

da escola-campo que recebem os residentes em suas salas de aula ou gestores da

escola). As ações que articulam seus fazeres são embasadas, por um lado, nas

demandas das escolas-campo e, por outro, nas possibilidades de concretização da

universidade (SILVESTRE e VALENTE, 2014).

Uma etapa significativa do Programa é a imersão, tarefa básica dos

residentes que, num período contínuo de 80 horas, permanecem na escola. Nesse

tempo, eles se aproximam das experiências de sala de aula, do contexto escolar, da

organização do trabalho pedagógico do professor formador e da escola, com maior

afinco. A estruturação desse período tem como organização: primeiro o residente

reconhece o espaço escolar, estabelece as primeiras relações com os alunos e com

o professor formador e entra em contato com o plano de ensino da turma. Em seguida,

esboça seu plano de ação que deve ser desenvolvido na turma pretendida, sempre

em diálogo com o professor formador. A efetivação dessa intervenção deve ter como

base o perfil da classe, sempre orientado pelo professor formador e preceptor. Esse

caminho orienta o residente sobre as interlocuções necessárias aos fazeres

pedagógicos. E, por fim, sempre em articulação com o preceptor, o residente

desenvolve seu Plano da Ação Pedagógica (PAP) (SILVESTRE e VALENTE, 2014).

Os pesquisadores anteriormente citados reconhecem ser a etapa do

desenvolvimento do PAP o momento de maior expressão, visto que a realização

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dessa ação mobiliza conhecimentos e habilidades próprias dos fazeres docentes. Por

fim, o professor formador avaliará o desempenho do residente ao longo da imersão.

Ao narrarem suas experiências, Giglio et al. (2011), Silvestre e Valente

(2014) destacam, como uma das marcas significativas do Programa, o envolvimento

e a participação da maioria dos docentes do curso. Reforçam a ideia de que a

formação dos pedagogos passa pelo coletivo de professores. Por isso, é inerente às

ações dos preceptores acompanhar os residentes antes mesmo do seu período de

imersão na escola. Suas tarefas envolvem: orientar os residentes sobre sua atuação

no Programa, realizar encontros semanais com o grupo problematizando relatos e

registros contidos no caderno de campo, auxiliar na elaboração do PAP, acompanhar

os professores formadores nos horários coletivos na escola e, ainda, orientar na

elaboração dos relatórios (SILVESTRE e VALENTE, 2014).

A ida dos preceptores às escolas é outro diferencial do PRP, “pois é nesse

encontro que residentes, preceptores e professores formadores podem iniciar um

processo de consolidação de parcerias entre universidade e escolas-campo” (ibid., p.

51). O potencial formativo contido na instauração e aprofundamento dessas parcerias

recebe menção em outras pesquisas (GUEDES-PINTO e FONTANA, 2006; PIMENTA

e LIMA, 2008; OSTETTO, 2011; CRISTOFOLETI, 2015; VALSECHI, 2016).

A experiência dos professores formadores adquiridas ao longo do tempo

de magistério assume grande relevância nesse Programa, dada a possibilidade de

construção de saberes. Isso eleva a atuação dos profissionais na formação dos

residentes nas distintas etapas do Programa.

Pontos estratégicos sobre o estágio na formação docente foram

considerados na elaboração do PRP: diálogo teoria-prática; fortalecimento entre

instituições formadoras e interação e parceria entre professor-formador e estagiário.

À vista disso, na dinâmica que dá forma ao Programa, destaca-se a imersão na sala

de aula que, acompanhada do professor formador e preceptor, proporciona

contribuições na produção de relatórios, com reais possibilidades aproximativas da

relação teoria-prática, concretizando esse tempo como campo de conhecimento. A

equipe atuante no PRP entende que esta experiência reúne elementos

potencializadores que podem atuar na transformação dos estágios na formação

docente (GIGLIO et al., 2011; SILVESTRE e VALENTE, 2014).

Um dos aspectos que chama minha atenção neste Programa é a

oportunidade de aproximação do contexto escolar desde o início da licenciatura.

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Concebo a ideia de que as oportunidades de entrelaçamentos próprias do processo

educativo, vivenciadas ao longo do curso, possibilitam ao estudante desenvolver uma

formação comprometida com as propostas de formação das instituições envolvidas

(Escola Básica e IES).

A experiência compartilhada por Ostetto (2011) projeta luz sobre os

“encontros” que caracterizam as vivências no estágio. A pesquisadora relata suas

experiências também no curso de Pedagogia da Universidade Federal de Santa

Catarina. Ela concebe a experiência do estágio na formação inicial dos professores

pela perspectiva do encontro. Justifica sua compreensão dizendo que “encontro faz

lembrar deslocamento [...]; localização[...]; ligação” (ibid., p.79). Para ela, essa palavra

tece sentidos e significados que revela aprendizagens no processo de formação.

Atenta aos clássicos distanciamentos entre os componentes que

organizam o currículo, a pesquisadora destaca que os viabilizadores do estágio

precisam ter muito cuidado para que lacunas não impeçam a integração do que não

pode ser separado: teoria-prática, pensar-fazer. Numa perspectiva relacional, ela trata

inicialmente do encontro da professora-supervisora com as estagiárias. Entende ser

este um momento determinante para as necessárias rearticulações e prosseguimento

da experiência, ou seja, tempo que permite perceber a intencionalidade das

estagiárias de modo individual: aquelas que se interessam pelo “como se faz” ou,

então, as que estão focadas em apreender a dinâmica do cotidiano dos sujeitos da

escola. Tais práticas possibilitam afinar concepções, criar um substrato de

acolhimento capaz de mobilizar o melhor de cada um.

Seguindo essa dinâmica, Ostetto (2011) trata do encontro das estagiárias

com a instituição que recebe o estágio. Nesse encontro, ela põe em tela a exposição

ao desconhecido e chama a atenção para possíveis situações de difícil resolução.

Considera esse momento fundamental para quebrar preconceitos, ajustar o foco para

perceber “o que não está bom”. E prossegue: “ingressar no campo de estágio é se

expor ao desconhecido, por parte tanto das estagiárias quanto do coletivo da

instituição que as recebe” (ibid., p. 83).

Em razão de possíveis estranhamentos, por vezes velados, nessa etapa,

os primeiros contatos nem sempre são tranquilos. É comum ouvir críticas por parte

das estagiárias, que por vezes desenvolvem visão distorcida, apresentada através de

relatos orais ou escritos que desqualificam o professor. Da mesma forma, professores

que recebem os docentes em formação criticam suas atuações. Esses desconfortos

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iniciais podem ser vistos pelo ângulo do “ajuste de foco”. Ostetto (2011) vê nessas

experiências o caminho para o aprofundamento das relações, com base no diálogo,

que conduz ao “fazer junto”. Ela entende que o papel das estagiárias na escola deve

estar bem definido, na tentativa de eliminar possíveis desencontros nas relações

instauradas.

Como etapa seguinte, a pesquisadora relata a importância do encontro das

Estagiárias com as crianças. Para ela, esta fase possibilita a organização de

propostas significativas, pois, no caso de alunas do curso de Pedagogia, sua

experiência, a discussão sobre “o que é ser criança?” já aconteceu anteriormente, no

campus. Porém, é necessário conhecer estes sujeitos a partir da convivência, do estar

junto, o que favorece a observação. Nesse contexto, a estagiária vai desenvolvendo

seu espírito de investigação, exercitando sua capacidade de ler a realidade, de

observar os fatos, vivências com potencial para desenvolver habilidades de

pesquisador (ibid., p. 87).

Descrevendo mais uma etapa, a pesquisadora trata do encontro das

estagiárias consigo mesmas como num “jogo de espelhos”, que reflete a singularidade

de suas histórias na construção de suas características profissionais.

Consequentemente, a constituição de suas identidades se constroem em meio às

experiências pessoais, coletivas, em proporções que variam na intensidade desses

encontros. Diz Ostetto (2011, p.88) “na medida em que eu encontro o outro, encontro

a mim mesma, me vejo, posso melhor ver e compreender o outro”.

Nessa trama complexa de relacionamentos, o saber-fazer e o saber sobre

si (ambos em construção) são elementos integradores do movimento formativo, que,

aliado ao registro escrito, abrem possibilidades de autoanálise sobre as demandas do

ser professor, desencadeando assim um processo reflexivo. Nesse sentido, Ostetto

(2011) entende que o exercício do registro é um importante instrumento para o

processo autoformativo do professor. Ela destaca a importância da produção do

relatório final como componente sistematizador de experiências que evidenciam

movimentos assumidos e interrompidos. “Escrever permite a compreensão do que se

passa” (ibid, p.92).

Prosseguindo na perspectiva do diálogo, a pesquisadora enfatiza o

necessário comprometimento da universidade com a escola pública que, para além

do campo de trabalho com os conhecimentos, passa a ser espaço de produção de

saberes. Nesse sentido, as vivências dão lugar às trocas, conversas entre seus

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sujeitos, abrindo caminhos para romper com o isolamento existente, resgatando o

potencial formador imanente às suas finalidades. Pelo caminho do encontro, o estágio

enquanto “ ato educativo”5 é demarcado por relações que, divergentes ou harmônicas,

reafirmam em nós o lugar do outro. Charlot (2000, p. 54) ajuda-me a compreender a

interação desse “ato”: “A educação é uma produção de si por si mesmo, mas essa

autoprodução só é possível pela mediação do outro e com sua ajuda”.

Aroeira (2014) é outra pesquisadora que agrega contribuições a esse

diálogo. Na condição de supervisora de estágio no curso de Licenciatura de Educação

Física na Universidade Vila Velha (ES), relata sua experiência com contribuições aos

estudos sobre estágio supervisionado na docência. Ancorada na perspectiva de

coformação entre formadores universitários e docentes de estabelecimentos que

acolhem os estagiários, a autora dá destaque à importância de se valorizarem fatores

como colaboração e reflexividade, na mobilização de saberes que podem contribuir

na formação inicial. Compreende que o estagiário pode construir representações e

saberes relativos à docência, mesmo na condição de aluno. Entende também que o

desafio que permanece no desenvolvimento do estágio é constituir-se como espaço

de aprendizagem, no movimento de refazer continuamente a prática a partir de novas

compreensões do fazer pedagógico (LIMA e AROEIRA, 2011, p. 117).

Em sua publicação Estágio supervisionado e possibilidades para uma

formação com vínculos colaborativos entre a universidade e a escola, a pesquisadora

informa que estabeleceu diálogos com teses e dissertações localizadas no banco de

dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),

principalmente entre 2006 e 2008.

Aroeira (2014) evidencia que estudos realizados nos últimos anos, sobre

estágio supervisionado, localizam fraquezas nesta etapa formativa. Porém, destaca

que é possível também encontrar avanços em relação à unidade entre teoria e prática,

que se figuram como reforçadores deste campo. Na sequência desta sua publicação,

cita pesquisadores que apontam a necessidade de alteração na mudança de papéis

(de “transmissor para o de colaborado”) e na formação continuada dos supervisores

de estágio, em relação à reflexão sobre situações profissionais. Ela reconhece que o

estágio, enquanto atividade teórica e prática, não pode, sozinho, se responsabilizar

pela unidade entre esses elementos, especialmente se as formas de organização da

5 Lei 11.788, de 25 de setembro de 2008. Art. 1º.

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formação não caminharem nesse sentido. A concepção de formação docente como

mero consumidor de teorias ou simples transmissor de conhecimentos indica

limitações na compreensão do que é educação e o profissional que se quer formar

(AROEIRA, 2014).

A partir da panorâmica dos estudos por ela analisados, diz ter adotado,

como estratégia potencial para a construção de saberes, a reflexão partilhada,

momento de socialização de saberes, problematização e produção de conhecimento

por meio de uma postura investigativa. Para ela, essa dinâmica possibilita aos

integrantes do estágio na escola-campo (professor-estagiário, professor da escola,

professor orientador do estágio e demais estagiários) a oportunidade de aproximação

dialogal entre universidade e escola, como também de atuar ativamente diante do

conhecimento.

O processo de reflexão, como forma de superar dicotomia entre o pensar e

o fazer, proporciona o desenvolvimento do pensamento crítico, elemento facilitador de

estratégias para o pensar autônomo diante do conhecimento. Nesse sentido, Aroeira

(2014) defende que o processo reflexivo é algo implícito à docência desde o processo

de formação, com ênfase no tempo do estágio.

A pesquisadora elenca elementos constituintes do estágio (concepção,

local em que é realizado, forma como é conduzido, conteúdo da reflexão, condições

prévias, produto da reflexão que irá preparar o aluno-professor) como questões

relacionais e interativas que não podem ser reflexionadas, analisadas,

problematizadas, apenas no plano individual, por entender que refletir nesse contexto

necessita incorporar o dado do outro. Assim, o desafio a enfrentar é ir às raízes das

questões de ensino de maneira rigorosa, analisando os fenômenos em sua

abrangência, superando o senso comum, avançando na reflexão, na compreensão do

trabalho docente.

Para tanto, ela enxerga potencialidade no diálogo entre escola-campo e

universidade para (re)configurar-se em espaços de (re)articulação em que a

aprendizagem da profissão vai sendo estruturada. Reconhece que a reflexão por si só

não é capaz de resolver os problemas inerentes à profissão, mas seu auxílio está na

contribuição dessa prática como momento de construção do conhecimento. Assim,

defende o estágio colaborativo na perspectiva da reflexão partilhada.

Convictos de que o investimento em educação ainda é a única saída para

a transformação da sociedade, Ghedin e Almeida (2011, p. 47) entendem que a

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formação dos professores está na base desse processo, considerando-se as

possibilidades de mudanças que o espaço da sala de aula oferece. Apoiados nesse

ponto de vista, eles chamam a atenção para as exigências do mundo contemporâneo,

que demanda indivíduos autônomos e críticos, com conhecimentos embasados

cientificamente. Defendem, então, que relacionar os conceitos constituidores do

processo formativo às atividades de estágio, em consonância com as ferramentas

metodológicas da pesquisa, oferece colaboração para a legitimação de pesquisador.

Na qualidade de professores de Ciências, estes pesquisadores em suas

problemáticas investigativas são enfáticos na defesa de um investimento maciço no

ensino desta área, desde a educação básica, para que os estudantes possam

enfrentar as mudanças do mundo contemporâneo (GHEDIN e ALMEIDA, 2011).

Em conformidade com tais ideias, no trabalho em tela, eles tomam como

campo de investigação o estágio de estudantes do Curso Normal Superior da

Universidade do Estado do Amazonas (UEA), com foco na realidade campesina,

numa turma composta de assentados ou filhos de assentados. Na condição de

professor-orientador desses estudantes, participam do início da elaboração de seus

projetos de pesquisa que culminarão nas suas respectivas monografias.

A implementação dessa proposta de estágio deu-se em conformidade com

a perspectiva de que o respeito e a valorização dos traços culturais dos estagiários,

quando mantida estreita relação entre ciência e cultura, são um caminho responsável

por uma educação científica.

Por estarem fazendo pesquisa com professores em formação e não sobre

eles, os pesquisadores organizaram o percurso metodológico desta experiência em

quatro dimensões: percepção do contexto, discussão do conteúdo, diálogo com a

realidade e construção do conhecimento, sustentados pela pesquisa-ação (GHEDIN

e ALMEIDA, 2011).

A proposição de estágio-pesquisa possibilitou destacar que a elaboração

da monografia, ponto culminante do projeto, fosse organizada em dois capítulos: a

composição do primeiro deveria firmar-se sobre a revisão da literatura a partir da

temática escolhida e o segundo, pelos históricos da escola, da comunidade e do

município. Como parte desse segundo capítulo, destaco os: Relatório do Estágio I

(observação-diagnóstico da escola); Relatório do Estágio II (observação e docência

na educação infantil); Relatório de Estágio III (observação e docência nas séries

iniciais do ensino fundamental) e Relatório de Estágio IV (observação e docência na

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educação de jovens e adultos). Seguindo o princípio norteador desta proposta

formativa, pautada na educação científica, todas as atividades foram direcionadas a

passar por esse processo, razão pela qual os Relatórios de Estágio foram construídos

na forma de um texto analítico, fundamentados teoricamente (GHEDIN e ALMEIDA,

2011).

Utilizando a perspectiva de observação participante no contexto dos

estágios e nas reuniões de orientação de monografia, os dados foram coletados por

meio de registros fotográficos e filmagem do campo de observação. Essa etapa tinha

como objetivo desenvolver percepções do campo.

Enquanto o Estágio I se desenrolou no processo de elaboração de um

diagnóstico da escola escolhida, no Estágio II, discutiu-se a revisão da literatura que

sustentaria a pesquisa, ocasião que favoreceu a desconstrução de um conhecimento

já pronto e a reconstrução de uma visão voltada para a educação do campo, a partir

de fichamentos e resenhas analíticas da temática.

Ghedin e Almeida (2011) prosseguem descrevendo que o Estágio III foi de

extrema importância para a proposta do trabalho, visto que os estagiários exerceram

a docência nas quatro séries do ensino fundamental, desenvolvendo sua identidade

profissional. Eles ressaltam que nesta fase, os relatórios adquiriram elementos

analíticos.

Na fase conclusiva dessa experiência, “formação do professor-pesquisador

do campo para o campo”, as orientações das monografias dos estudantes foram

perseguidas pelo ideal de formação inicial, fundamentado no sentido de que cada

professor necessita passar por um processo de educação científica voltado para a

pesquisa.

Visto por esse ângulo, o estágio vinculado à pesquisa é uma possibilidade

de formação capaz de conduzir o estagiário a ressignificar suas práticas de forma

crítica, a partir de situações de seu contexto.

Assim, estes pesquisadores dão enfoque ao período do estágio como

momento definidor do perfil de professor que se pretende formar, e reiteram suas

defesas da formação de um professor-pesquisador, dado que, para eles, a pesquisa

na formação inicial do professor é capaz de alcançar a futura atuação dos docentes

em formação, de forma crítica e contextualizada.

Um outro relato que traz contribuição para esse contexto é o de Lima e

Costa (2014). As pesquisadoras trazem uma reflexão sobre estágio na formação do

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professor para o trabalho em Educação de Jovens e Adultos, com o propósito de

contribuir com o debate sobre a formação docente com foco nesta modalidade de

ensino. Para tanto, fazem um recorte da realidade vivenciada por alunos estagiários

do curso de Pedagogia do noturno, partindo da compreensão de que o estágio

representa a articulação entre teoria e prática na busca da práxis e na aprendizagem

da profissão.

Ao defenderem o desenvolvimento identitário com o magistério pelo viés

da reflexividade, estas pesquisadoras entendem que a formação precisa ser vista em

sua complexidade, numa concepção de profissional que lida com a educação,

compreendida como prática social em constante transformação que, com o

conhecimento sistematizado, visa à emancipação do sujeito. Isso significa romper com

a visão de professor como mero executor de tarefas técnicas, concebendo este

profissional como intelectual em processo de construção.

Elas se posicionam, fazendo coro com os que defendem a abordagem

teórico-reflexiva. E dizem: “a profissão magistério e seus profissionais no espaço de

trabalho, situados no contexto histórico e social, constituem o objeto de estudo do

estágio supervisionado” (ibid., p. 42). Tal compreensão apoia-se também na ação

dialógica entre formadores e formandos, tecida numa cumplicidade de relações entre

universidade e a escola recebedora do estágio.

Lima e Costa (2014) indagam sobre os saberes e conhecimentos que o

pedagogo faz uso para realizar seu trabalho nas salas da EJA, bem como as bases

que sustentam a ação dos estagiários ao longo de suas práticas (idem, 2014). Com

tais preocupações, buscam referências conceituais e metodológicas que subsidiam o

desenvolvimento de estágio e de prática pedagógica na EJA.

A respeito das vivências nesse espaço/tempo, distintos entendimentos

sobre a dimensão relacional entre teoria e prática ocupam boa parte das discussões

que desafiam a formação, por ser esta relação orientadora do seu sentido assumido

dentro das abordagens teóricas. Nessa direção, busco contribuições de teóricos que

discutem este assunto, fazendo-nos retomar e avançar na compreensão destas

relações constitutivas, enquanto mobilizadoras de sentidos da docência.

Essas visões de estágio ajudam-me compreender que as dinâmicas que se

articulam e constroem experiências de estágio oferecem pistas para pensar e

entender formas de ver e considerar a profissão, muito embora não problematizem

especificamente os movimentos da mobilização ali presentes. Ao relatarem o ir e vir

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das relações com a escola básica e com a IES trazem inquietações pertinentes ao

que me proponho neste estudo: compreender o papel mobilizador do estágio sobre o

ser professor.

1.3. Enfoques interlocutivos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Formação Inicial e Continuada

Com a finalidade de situar a realidade do estágio supervisionado curricular

nos cursos de licenciatura, faz-se necessário retomar seu documento regulador

nacional.

Frente a tantas mudanças e desafios, a necessidade de repensar a

formação inicial e continuada dos profissionais do magistério da educação básica na

contemporaneidade foi fator decisivo para que novas Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCNs) entrassem em vigor (DOURADO, 2015)6. Enquanto dispositivo legal

orientador do processo formativo da profissão docente, as Diretrizes são medidas que

visam reconsiderar concepções, dinâmicas, políticas, currículos, referências

norteadoras de reformulações, ou seja, princípios sobre os quais se apoia e se

desenvolve a formação dos profissionais de ensino.

Para sustentar esses anseios de transformações que acompanham os

processos de formação, justifica-se a implementação das recentes Diretrizes, no

sentido de superar históricas desarticulações, presentes na formação dos

professores, sobretudo, no enfrentamento da transformação do sentido entre teoria e

prática.

Nos vários aspectos instituídos por este documento (Resolução n. 2, de 1

de julho de 2015), a proposição interlocutiva avança como norteadora da formação.

Ao apresentar elementos articuladores a serem contemplados neste percurso:

princípios, fundamentos, dinâmica formativa e procedimentos, em geral, estas

Diretrizes trazem uma sucessão de termos que reconhecem a necessidade de ruptura

com práticas educativas sustentadas em concepções fragmentadas e reducionistas,

como: articulação, colaboração, organicidade, diálogo, interdisciplinaridade, termos

que apresentam importantes significados na legitimação da interatividade desse

processo.

6 É importante ressaltar que este autor atuou como Relator do PARECER CNE/CP n. 2/2015, na Comissão que desenvolveu estudos sobre a temática.

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Sua preocupação com uma formação articulada ganha destaque logo nos

argumentos preliminares, quando o documento destaca princípios que norteiam a

base comum nacional para a formação inicial e continuada, e cita: “a) sólida formação

teórica e interdisciplinar; b) unidade teoria-prática; c) trabalho coletivo e

interdisciplinar; [...]”. Assim, ao longo da prescrição, é possível perceber que os

legisladores afirmam e reafirmam a necessidade de garantir comunicação interativa

entre os diversos campos do conhecimento.

O proposto no 3º artigo mantém a norma da integração na formação destes

profissionais, reafirmando posicionamento favorável a um processo educativo que

possibilite conexões entre seus elementos. Traz como princípio: “a articulação entre

teoria e prática no processo de formação docente, fundada no domínio dos

conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre

ensino, pesquisa e extensão” (art. 3º, § 5º, inciso V). Nesse sentido, põe em evidência

os embates teórico-práticos com seus desdobramentos, imprimindo a ideia de que

incompreensões nessa relação trazem limitações a qualquer proposta formativa.

O documento orienta mudanças no modo de compreender e materializar a

relação entre teoria e prática, “Deverá ser garantida, ao longo do processo, efetiva e

concomitante relação entre teoria e prática, ambas fornecendo elementos básicos

para o desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades necessários à docência”

(Resolução CNE/CP 2/2015. Art. 13, § 3º).

O artigo 13 também dá realce ao estágio supervisionado enquanto

atividade formativa, garantindo que tal componente integre a essência da formação,

“O estágio curricular supervisionado é componente obrigatório da organização

curricular das licenciaturas, sendo uma atividade específica intrinsecamente

articulada com a prática e com as demais atividades de trabalho acadêmico” (art. 13,

§ 6º). Deste modo, sua característica integradora é destacada como marca estrutural

das relações próprias de todo processo de formação.

Uma questão central que se coloca no campo da formação, mais

especificamente no contexto do estágio, é a pressuposição de que a relação teoria-

prática é um problema, ou “falso problema”, como nos diz Veiga-Neto (2015), visão

que será apresentada no item a seguir.

Tal compreensão de que há uma problematização posta entre teoria e

prática no estágio fica visibilizada na fala de uma estudante entrevistada para esta

pesquisa:

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Para mim o estágio é o teórico e o prático juntos, mas principalmente é experimentar.

É ter um pouco de noção das dificuldades. É o momento que você vai refletindo sobre

as suas estratégias, o que você pode fazer para não repetir aquilo que você avaliou

como ruim. Para mim, é o momento da experimentação mesmo (Jane – Licenciatura

em Geografia, 2014).

Não se pode negar que há esforços indicando que tal dicotomia é

contradição que vêm crescendo cada vez mais, seja por meio de elaborações teóricas,

em forma de prescrições, em propostas curriculares ou por meio de iniciativas que se

propõem a desfazer os limites impostos pela histórica cisão.

Visando encontrar o lugar onde se assenta o “problema”, recorro a

produções de pesquisadores que vêm se ocupando em discutir a temática da relação

teoria-prática.

1.4. A teoria na prática é outra?

Em especial, a interação entre teoria e prática se apresenta na formação

dos futuros educadores como condicionante a mudanças de paradigmas, com maior

desafio na experiência do estágio supervisionado.

Veiga-Neto (2015), em seu texto Anotações sobre as Relações entre Teoria

e Prática, traz elementos que iluminam a compreensão de concepções e valorações

nas relações de estágio. Ele é enfático ao assegurar que o problema que marca essa

relação é um “falso problema”. Justifica essa sua posição, reconhecendo que há

dificuldades nessa interação, contudo entende que, em muitas situações, as posições

assumidas só confirmam o predomínio de concepções tradicionais.

Para ele, o enaltecimento da prática em detrimento da teoria ou vice-versa;

ou, então, a compreensão de que “a prática não interessa” ou “a teoria não interessa”

são manifestações de que as contradições que permeiam esse universo estão para

além das aparentes oposições.

Em suas discussões, o autor alinhava princípios esclarecedores dos

fundamentos que sustentam os projetos curriculares dos cursos de formação para o

magistério. Nesse sentido, a ideia de que a prévia formação teórica dá base para que

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os professores em formação compreendam melhor as práticas, significa não só

posicionar-se no grupo dos “teoristas”, mas também afirmar que a teoria dá conta de

esclarecer a realidade.

Essa visão pode ser constatada em muitas propostas curriculares voltadas

para a formação destes profissionais, estruturadas no formato em que oferta primeiro

a teoria para depois oportunizar a vivência no campo das práticas. Tais proposições

curriculares, cientes ou não, têm suas bases fincadas na perspectiva “teorista”

(VEIGA-NETO, 2015).

De modo oposto, afirmar que a imersão nas práticas oferece base

suficiente para que os futuros professores compreendam os fundamentos da

educação traz o sentido de que a ausência da experiência prática, desconectado da

realidade, produz apenas estudo livresco. Os partidários dessa ideia beiram ao

comportamento praticista, radicalizando o valor das ações práticas num entendimento

de que elas não necessitam de respaldo teórico (idem, 2015).

Assim, ancorados nessas possibilidades, encontramos distintos desenhos

curriculares: aquele que oferece uma base teórica como pré-requisito para inserção

no campo das práticas; aqueles que alternam entre disciplinas ou atividades teóricas

e disciplinas ou atividades práticas; ou outros que, com flexibilidade, buscam trazer

exemplos práticos para ilustrar os conteúdos teóricos ou, então, favorecem as

discussões teóricas para questionar o que vai acontecendo na prática (idem, 2015).

Sem tomar partido a favor da teoria ou da prática, o referido pesquisador

propõe um caminho diferente para abordar o que chamou de “falso” problema.

Considera mais importante compreender o percurso deste impasse. Para essa tarefa,

ele se afasta do rigor epistemológico e metodológico que explica a prática a partir dela

mesma e a toma como um domínio das ações humanas, segundo uma regularidade

e uma racionalidade que organiza tais ações de diferentes maneiras. Essa opção se

firma no pensamento de que a prática se constitui de teorização e vice-versa.

Num olhar puramente etimológico, o autor situa a prática da Grécia antiga

no campo das ações desprovidas de reflexões sistemáticas. Isso não significa dizer

que na antiguidade não se pensava para agir. O pensar e a reflexão não

correspondem aos caminhos traçados para o que hoje entendemos por teorização

(VEIGA-NETO, 2015). Ele acrescenta, ainda, que, entre os gregos, a prática dizia

respeito àquilo que era do cotidiano dos indivíduos, afastado do campo do

pensamento.

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Assim, o entendimento que construímos na nossa cultura sobre a relação

teoria e prática, principalmente na área das Ciências Humanas, repousa na

cosmovisão grega, ou seja, pensamos essa relação com categorias do pensamento

grego.

Buscando o sentido da teoria, os Dicionários7 informam que entre os

gregos, theōros dizia respeito à “embaixada sagrada que um Estado enviava para o

representar nos grandes jogos esportivos, consultar um oráculo, levar oferendas etc.”;

“Comissão de deputados que uma cidade, um Estado, uma província mandava a

outra, fosse para fins políticos, fosse simplesmente para consultas a oráculos”.

Etimologicamente, a palavra traz a ideia de observação, parecer, análise. Veiga-Neto

(2015, p. 121) traz mais elementos para clarificar o termo:

Theoria, [...] vem da forma grega theōría, cujo sentido é observar, examinar ou escrutinar; trata-se de uma palavra derivada de theōros — espectador —, um substantivo formado pelas palavras theā — mirada, visão — e -oros (de horān — o verbo ver). [...]. De um modo geral, então, a palavra teoria tem uma origem que aponta para uma forma de ver, de enxergar melhor aquilo que se conhece. Não se trata de um ver propriamente físico, com os olhos, mas de um ver com o pensamento, com a razão.

Encontra-se então entre os gregos a tentativa de construir um

conhecimento seguro (epistémé), instituindo a noção de que a realidade é dual, isto

é, podendo ser conhecida de duas maneiras: ou pela opinião (doxa), ou pela

racionalidade (epistémé) (ibid., p.122). Ampliando o raciocínio, o referido autor lança

mão da Alegoria da Caverna como outra contribuição grega, metáfora de alcance das

ideias que reivindica a realidade a partir dos mundos sensível e inteligível.

Dessa forma, o pensamento ocidental se firmou de tal forma nesse “arco

platônico” que pensamos a realidade sob a lógica do pensamento grego. A própria

Ciência Moderna se abrigou nessa divisão: mundo inteligível (enquanto mundo das

teorias) e mundo sensível (enquanto mundo das práticas), matriz na qual a

modernidade imprimiu a racionalidade científica. Assim, “tudo o que concerne aos

7 TEORIA. In: BUENO. F. S. Grande dicionário etimológico‐prosódico da língua portuguesa. Vol. 8. Saraiva. São Paulo, 1968. TEORIA. In: FERREIRA, A.B.H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

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fatos e feitos no mundo sensível diria respeito às práticas, enquanto que tudo o que

concerne ao que se pensa verdadeiramente e se diz verdadeiramente (sobre tais

práticas) diria respeito à teoria” (VEIGA-NETO, 2015, p. 126).

É justamente nesse ponto que o aparato científico moderno se organiza,

estabelecendo a separação entre teoria e prática, isto é, mundo sensível diz respeito

às práticas e o inteligível, à teoria. Assim, tendo como pano de fundo a dualidade

platônica, teoria e prática passaram a ser pensadas em separado, ainda que ligadas

entre si.

Por este viés, Veiga-Neto (2015) afirma que os problemas postos a essa

relação não são verdadeiros. Para ele, sem arcabouço teórico, o que chamamos de

prática não faz sentido e o mesmo se dá com a teoria que, distante do mundo das

práticas, não há como desenvolver-se.

Ele também ressalta a questão do poder que está contida nessa relação e

nesse sentido, “quem fala, como se fala, onde se fala e de onde se fala” entram no

jogo na legitimidade de uma realidade.

Por fim, cabe ainda salientar que pensar teoria e prática de maneira dual

revela não somente um mau entendimento sobre elas, mas também a adesão ao

senso comum que em nada contribui para as ações educativas, argumenta o autor.

Assumo com Camargo (2015), já citada, em seu estudo sobre o PIBID em

curso de Pedagogia, ser esta uma relação intensa e por vezes, tensa, sobretudo

quando se dirige o olhar para a estrutura de poder que enclausura a organização

curricular, levando o estágio para um lugar pouco valorizado na formação dos futuros

professores. O efeito desse distanciamento, considerando o lugar do estágio em seu

movimento, é percebido em concepções e atitudes, que acabam por modelar

comportamentos de professores formadores, professores em formação e professor

colaborador da escola.

Outro pesquisador que se mostra atento às dimensões desse afastamento

é o professor Silvio Gallo (2016), que, em recente palestra proferida na UNESP

Marília8, abordou o aspecto teórico prático na formação de professores,

problematizando a questão em instâncias distintas. Para ele, esta relação se dá na

perspectiva do revezamento em que a teoria visita a prática e vice-versa. Para ampliar

8 XVI Jornada Pedagógica. Teoria e Prática na Formação de Professores. 21 a 23 de junho de 2016. UNESP/Marília. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LNOLATwVA1A. Acesso em: 29 mar. 2016.

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suas análises, assim como fez Veiga-Neto (2015), ele busca auxílio na perspectiva

etimológica e reitera o entendimento de que em sua origem, estes termos assumem

significados diferenciados.

Nessa sua reflexão, esclarece que, nos últimos séculos, nós temos

pensado a relação teoria e prática em pelo menos três pontos de vista. Um deles diz

respeito à visão idealista, interpretação que em geral dá supremacia à teoria no

convívio com a prática, ou seja, é a teoria que oferece elementos para realização de

uma boa prática. Dito de forma diferente, é a teoria quem ilumina a prática. Sobre esse

paradigma, cursos de formação de professores têm estruturando seus currículos,

dando proeminência à teoria em detrimento da prática.

Um segundo enfoque é o chamado materialista. Nele, a prática predomina

sobre a teoria. Deste modo, a teoria está condicionada à prática. Os que olham por

este ângulo defendem que produzimos teoria porque temos uma prática, pois é a

prática que nos leva ao pensamento.

Uma terceira compreensão se apoia na visão dialética. Nesta lógica, a

interlocução se dá a partir de uma interação mútua entre esses campos, interpretando

que não há teoria sem prática nem prática sem teoria, uma vez que elas atuam

reciprocamente, dão e recebem em troca. Em todos esses casos, se compreende a

teoria como representação do real e, apesar dessas três visões serem distintas entre

si, todas se movem no universo prático, não havendo grandes diferenças entre elas,

diz Gallo (2016).

Segundo este autor, encontrar efetivamente diferença entre teoria e prática

requer deslocar-se da compreensão do representacional, e entender que todo

pensamento representa o real.

Fora do âmbito das representações, continua Gallo (2016), podemos

pensar as relações entre teoria e prática com Deleuze e Foucault, que entendem ser

esta uma relação de revezamento entre uma e outra. Assim, temos ação de teoria,

ação de prática e revezamento entre elas, enquanto diferentes instâncias que se

traduzem umas nas outras.

A questão teoria e prática pode ser identificada também nos estudos de

Pimenta (2010). A autora examina a relação teoria e prática no contexto da sala de

aula e afirma que a atividade docente é práxis (ibid., p. 83) e desenvolve seu raciocínio

partindo dos fazeres do professor no cotidiano da escola. Para isso, refere-se ao

processo ensino-aprendizagem como atividade que precisa ser compreendida em

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uma realidade histórico-social. E diz: “A atividade docente é sistemática e científica,

na medida em que toma objetivamente (conhecer) o seu objeto (ensinar e aprender)

e é intencional, não casuística” (PIMENTA, 2010, p. 83). Nessa ótica, as realizações

do professor em aula são movidas por fins conscientes, sendo o objeto da consciência

a atividade propriamente dita.

Enquanto prática social, a Educação se manifesta em diferentes modos,

contribuindo para a direção de sentidos a que se propõe, podendo ser tomada como

conjunto de atividades que o humano produz para se relacionar com a natureza e

consigo próprio. No caso da atividade docente, está manifestada na atividade de

ensino e sua concretização se dá mediante intervenção na realidade, prática que

ocorre especialmente em instituições de ensino (PIMENTA e LIMA, 2008; PIMENTA

2010).

Ao tomar a educação como processo dialético de desenvolvimento

humano, a referida pesquisadora explicita seu entendimento de teoria e prática, o que,

segundo ela, requisita a priori a explicitação de duas dimensões da atividade docente:

prática e ação.

Apoiada nas compreensões de Sacristán, entende prática como formas de

educar que ocorrem em diferentes contextos institucionalizados e ação docente,

referindo-se às múltiplas formas do educador intervir na realidade social ao

desenvolver sua profissão. Esse percurso didático envolve objetivos, finalidades e

meios, estando essa atividade a requerer ações conscientes na forma de organização

do pensamento sobre a realidade.

Então, estando a teoria a ocupar lugar na categoria de conhecimento que

avança sobre os processos do cotidiano, produzindo sistemas de conceitos que

possibilitem a compreensão da realidade, cabe-lhe o papel de “iluminar e oferecer

instrumentos e esquemas para análise e investigação, que permitam questionar as

práticas institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas

próprias em questionamento [...]” (PIMENTA e LIMA, 2008, p.43).

Traduzindo essa visão, enquanto práxis, não há como dissociar teoria e

prática das atividades docentes, à medida que, atuando como parâmetro de análise

para as práticas institucionalizadas, as teorias colocam elas mesmas em

questionamentos.

Esses autores, Pimenta (2010), Veiga-Neto (2015) e Gallo (2016),

expressam cada um a seu modo, o conflito entre o que se entende sobre o que é

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teoria e qual é seu papel e o que se entende por prática e a que esse conceito se

refere. Podemos constatar que tal conflito é antigo (VEIGA-NETO, 2015; GALLO,

2016) e o quanto os autores da área da educação têm se debruçado sobre essa

questão, principalmente, dentro dos cursos de Licenciatura e, particularmente, nos

estágios supervisionados (PIMENTA e LIMA, 2008).

As Diretrizes, ao tomar em seus artigos prescrições que visam garantir um

trabalho integrado entre teoria e prática, ratificam a existência da problemática da

relação teoria e prática no currículo de formação dos professores. Estudos recentes

como o de Camargo (2015), Cristofoleti (2015) e Valsechi (2016), já citados,

apresentam dados que tornam visíveis a complexidade que tal conflito ganha nas

dimensões micro, presentes nos dizeres daqueles que vivenciam a dinâmica formativa

nos estágios.

Ainda sobre essa discussão, Chartier (2007), a partir da vertente da História

Cultural, traz contribuições ao debate, ao se opor à versão dicotômica comentada

anteriormente, reconhecendo ser este um problema que acompanha a formação

docente. Sobre tal dicotomia, a autora ressalta que, por um lado encontra-se a ideia

de que uma boa difusão dos saberes expostos nas publicações, validados

cientificamente, asseguram boas escolhas pedagógicas, e neste caso, a ênfase recai

sobre a teoria. Entretanto, há os que concebem a formação dos professores pelo viés

prático, na defesa de que dar conta do “como fazer”, substitui o “porquê” fazer.

Negando os dois polos acima citados, Chartier (2007) entende que não há

como as práticas utilizarem as teorias forjadas fora de seus contextos, mas defende

que elas podem produzir suas próprias teorizações. Para isso, é fundamental

encontrar o equilíbrio entre teoria e prática para alcançar bons resultados escolares.

Apoiando-se sobre os modelos dos “saberes da ação”, amplia a discussão,

a partir de um estudo de caso que investiga os fazeres de uma professora das séries

iniciais, buscando compreender como se dá a “teorização reflexiva” de sua própria

prática, em relação à aprendizagem da escrita no último ano da educação infantil.

Para esse processo, nos anos de 1995-1996, a pesquisadora ocupou-se de observar

aulas de uma professora francesa que já lecionava há quinze anos, trabalhava com

alunos de um meio desfavorecido e também era professora-formadora.

Ao procurar indícios que regulavam a ação da professora pesquisada,

Chartier (2007) diz ter encontrado, entre ações e discursos, uma multiplicidade de

saberes desenvolvidos pela professora, implícitos ou não, confirmando a pertinência

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dos “saberes da ação”, “ [...] já que se pode perceber pistas de referências escondidas

em suas práticas pedagógicas” (ibid., p. 203).

A prática pesquisada evidenciou que conhecimentos adquiridos pela

professora anos atrás podiam ser percebidos em suas estratégias para ensinar a

turma. Outra constatação foi que o domínio do saber prático não basta para torná-lo

transmissível ao outro, dada a complexidade do ensino.

Nesse movimento em que os olhares vão produzindo distintas

compreensões da relação teoria e prática, Charlot (2002) traz também

encaminhamentos à questão. Para explicitar seu entendimento, em seu texto

Formação de Professores: a pesquisa e a política educacional (2002), parte do

desencontro que há entre pesquisa educacional e sala de aula. Assim, norteia sua

argumentação pela pergunta: “Por que a pesquisa educacional não entra na sala de

aula?”. Para ele há diferenças básicas entre pesquisa e sala de aula. O autor destaca

que, nessa correspondência, o pesquisador é guiado por metodologias do seu campo

de conhecimento e se ocupa de certos aspectos do ensino com o propósito de

desenvolver teoria. Enquanto que o professor, que tem como foco o ensino, cumpre

em sua prática objetivos e metas, que também desenvolve teoria, mesmo que de

maneira implícita. Desse modo, as dimensões desses postulados são distintas entre

si, porém relacionados.

Historicamente, diz Charlot (2002), nessa relação, a hierarquia do saber é

visível e a figura do pesquisador, em muitas situações, é de alguém que sabe teorizar

o que o professor faz na prática; dizendo de outro jeito, o pesquisador tem a função

de fornecer inteligibilidades ao que, muitas vezes, quem está mergulhado no fazer,

não consegue explicar o que faz. Neste aspecto, vai ao encontro do estudo de Chartier

(2007) em relação às compreensões sobre os saberes da ação da professora

pesquisada.

Essa interdependência traz como potencialidades novos horizontes de

reflexões, tanto para a formação dos professores quanto para a pesquisa, mesmo

reconhecendo que a pesquisa não pode dar inteligibilidade a todas as mínimas ações

que ocorrem na sala de aula, visto ser este um espaço contingenciado. A abordagem

charloniana defende que o problema que se põe nessa relação está na

correspondência entre dois tipos de teorias: a enraizada nas práticas e a enraizada

nos moldes das ciências. Para ele, o conflito não está na falta de diálogo entre elas,

mas no diálogo entre os dois tipos de teoria.

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Ao formular esse entendimento, Charlot (2002) se desvia de “velhas

disputas” que se põem nesse campo, conduzindo seu raciocínio por outro viés.

De modo efetivo, seu enfoque avança ao esclarecer que tanto os

professores quanto os pesquisadores desenvolvem teorias, e reconhece a

legitimidade de ambos para realizar tais tarefas. Assim, a divergência encontra-se nas

formas como o professor utiliza para dizer suas práticas. Ele ressalta que em muitas

situações, os docentes usam categorias do senso comum para dizer e interpretar suas

práticas. Nesse sentido, há que se reconhecer que essa maneira de dizer não

possibilita uma compreensão da realidade para além do que está diante do que se vê,

ouve, cheira, toca. Usar o lugar comum para falar das práticas é permanecer na prática

cotidiana. Ele considera que “o pesquisador, no decorrer de sua vida intelectual, no

ambiente de discussões com outros pesquisadores, está desenvolvendo uma teoria.

O professor, através das categorias que usa para dizer a sua prática, também está

desenvolvendo uma teoria implícita” (CHARLOT, 2002, p. 95).

Entendo com estes pesquisadores que o campo das práticas, em

articulação com teorias que levam em conta movimentos de sentidos do seu contexto,

ao se materializar, vai potencializando novas leituras que vão se configurando em

novas teorias. Nesse sentido, não há primazia da teoria sobre a prática nem da prática

sobre a teoria, dado que essas dimensões desempenham papéis colaborativos na

construção da realidade.

Há que se reconhecer que o conteúdo da formação não se trata de um

constructo estático e permanente, mas que sofre alterações, dependendo das

condições sócio-históricas em que se situa (CUNHA, 2010, p. 130). Entretanto, os

impasses e possibilidades que marcam o campo da educação, organizam o cenário

em que fundamenta, estrutura e orienta o processo gerador de sentidos e significados

do tempo do estágio.

No próximo capítulo, tomando as ideias de Charlot (2002), pretendo

aprofundar o conceito de mobilização com o objetivo de aproximar-se das

possibilidades que o estágio apresenta para o estudante em processo de formação

docente.

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2. Precisando fatos da pesquisa realizada

Uma pesquisa constitui-se em uma longa viagem a um lugar ao mesmo tempo conhecido e desconhecido (PAULA, 2008, p.51).

2.1. A condução da investigação

Elaborar uma pesquisa exige percorrer caminhos já trilhados, descrever

percursos que ofereçam elementos direcionadores de dúvidas levantadas, ou seja,

uma pesquisa intenta encontrar pontos que permitam conhecer e aprender o que se

busca. Dito de outro modo, alcançar os procedimentos que (re)organizam os tempos

vividos exige encontrar o caminho orientador dos fatos pesquisados.

Oferecer elementos que tornem compreensível a trajetória percorrida pelo

pesquisador amplia as possibilidades de compreensões das ideias e das hipóteses

surgidas ao longo do trabalho. Aprendi com Paula (2008) que, para além do

cumprimento de formalidades, relatar percursos e procedimentos da pesquisa

significa dar condições para o outro avaliar com mais segurança as afirmações que

fazemos ao sistematizarmos os achados do estudo.

Charlot (2000) enfatiza a questão. Ele diz: “Não basta, porém, coletar

dados; deve-se também saber exatamente o que se procura” (p.9). É nessa

perspectiva que objetividades e subjetividades vão ajustando os focos, dando origem

a sucessivas leituras e novos sentidos.

Lewis Carroll (2009), em sua obra As aventuras de Alice no País das

Maravilhas, o diálogo de Alice com o Gato, comunica a importância dos meios para

atingir um resultado. A menina, diante de dois caminhos não sabia qual escolher e

questiona o Gato que, para respondê-la, procura saber o lugar que desejava chegar.

Ela, então, sem se importar para onde ia, tem como resposta que quando não se sabe

onde se quer chegar, qualquer caminho serve.

A clareza do lugar onde se quer chegar direciona o caminho a seguir. Isto

é, na busca do saber, a sistematização dos procedimentos ocupa o papel de

orientador da investigação.

Em face da diversidade de fatores que organizam nossas experiências, a

interrogação se revela instrumento importante diante da necessidade de conhecer,

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sendo um aspecto que conduz a busca por procedimentos orientadores da pesquisa.

Ezpeleta (1989), escrevendo sobre a pesquisa participante, esclarece que “toda

pesquisa [...] parte de uma ou várias questões. Em geral, elas se originam da

descoberta de um problema que surge ao observar-se mais ou menos

sistematicamente a realidade” (p. 87). Nesse entendimento, a indagação valida a

pertinência desta pesquisa, pois ela representa nossas dúvidas, incertezas, desejo de

conhecer, de compreender melhor a realidade, que no nosso caso, se refere aos

estágios de cursos de licenciatura oferecidos pelo IFFluminense. Procurar ouvir os

sujeitos que o frequentaram durante sua graduação pode ser uma forma de

aproximação do real vivido de uma proposta formulada pela instituição.

Nessa perspectiva, esse trabalho se insere nos pressupostos da

abordagem qualitativa, reconhecendo a variedade de sentidos que esse termo abriga.

Em razão disso, busco situar esse enfoque de pesquisa, dado seu contexto concreto

com a realidade.

Os estudos de André (2008) apresentam um histórico sobre a pesquisa

qualitativa, fixando suas raízes no final do século XIX, mais precisamente no período

em que os cientistas sociais passaram a questionar a utilização dos métodos das

ciências físicas e naturais nos estudos dos fenômenos humanos e sociais. Para esta

pesquisadora, a popularização dessa abordagem, principalmente na área da

educação, contribuiu para a diversidade de sentidos atribuídos à investigação

qualitativa. Ela também adverte que a coexistência de conceitos variados sobre

qualitativo traz perigos à credibilidade da pesquisa, considerando o risco de chamar

de qualitativo qualquer estudo “bem ou mal planejado, desenvolvido e relatado” (ibid.,

p. 23), com possibilidades de esvaziar seus fundamentos teóricos e epistemológicos.

Lüdke e André (1986) caracterizam o enfoque qualitativo e destacam que

este tipo de pesquisa ocorre em ambiente onde os fenômenos acontecem, com

riqueza na descrição dos dados, valorizando o entendimento dos informantes sobre a

questão pesquisada, focalizando a realidade de forma complexa e contextualizada.

Outra pesquisadora que em seus estudos reconhece ser este um campo

de difícil delimitação é a professora Esteban (2010). Para ela, a diversidade de usos

e significados que a pesquisa qualitativa obteve ao longo de sua história transforma-

se em obstáculos para sua definição. A autora tece considerações sobre a origem do

termo pesquisa qualitativa e destaca que inicialmente as palavras mais utilizadas para

identificar essa abordagem eram pesquisa naturalista e pesquisa interpretativa.

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Esclarece que, de maneira progressiva a expressão pesquisa qualitativa se

estabeleceu por dois motivos: para se contrapor à pesquisa quantitativa e para dar

suporte a outros enfoques que compartilham alguns pressupostos da pesquisa

naturalista.

A amplitude do termo pode ser evidenciada na definição abaixo:

A pesquisa qualitativa é um campo interdisciplinar, transdisciplinar e às vezes, contradisciplinar. Atravessa as humanidades, as Ciências Sociais e as Ciências Físicas. A pesquisa qualitativa é muita coisa ao mesmo tempo. É multipragmática em seu enfoque. As pessoas que a praticam são sensíveis ao valor de um enfoque multimétodo. Estão comprometidas com uma perspectiva naturalista e uma compreensão interpretativa da experiência humana. Ao mesmo tempo, o campo da pesquisa qualitativa é inerentemente político, atuando por meio de múltiplas posições éticas e políticas (DENZIN e LINCOLN, 2006, p. 21).

Nesse movimento, Esteban (2010) afirma que o caráter interpretativo,

construtivista e naturalista são traços que atravessam o sentido da abordagem

qualitativa. Assim, a autora reitera que “a pesquisa qualitativa é uma atividade

sistemática orientada à compreensão em profundidade de fenômenos educativos e

sociais, à transformação de práticas e cenários socioeducativos [...] (ibid., p. 127).

Na direção de esclarecimento sobre esse assunto, a referida pesquisadora

afirma que a atenção ao contexto é uma característica fundamental desse tipo de

investigação. E diz: “o pesquisador qualitativo localiza sua atenção em ambientes

naturais. Procura respostas a suas questões no mundo real” (ibid., p.129), advertindo

quanto ao cuidado indispensável por parte daquele que faz a pesquisa, no sentido de

eliminar movimentos que sejam capazes de modificar o cenário.

Dentro dessa perspectiva, o caminho metodológico que possibilitou a

materialização do tema em discussão se ancorou no estudo de caso, por sua

adequação e pertinência ao estudo da realidade socioeducativa (ESTEBAN, 2010).

2.2. O estudo de caso

O estudo de caso nos livros de metodologia da pesquisa educacional não

é acontecimento recente, afirma André (2008, p.30). A autora esclarece que esse tipo

de investigação tem como ênfase o conhecimento do particular sem excluir a

compreensão do contexto e suas inter-relações como um todo orgânico. Yin (2001,

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p.32) amplia este enfoque explicando que, ao observar o modo como a situação está

acontecendo, o pesquisador busca atribuir significados aos fatos. Ele, assim, define

estudo de caso: “é uma investigação empírica que investiga um fenômeno

contemporâneo dentro do seu contexto da vida real, especialmente quando os limites

entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2001, p. 32),

podendo incluírem-se abordagens tanto quantitativas quanto qualitativas.

Tratando das características do estudo de caso qualitativo ou

“naturalístico”, Lüdke e André (1986) entendem ser a descoberta um aspecto

importante desta modalidade de pesquisa, visto que o surgimento de novos elementos

oferece possibilidade a dimensões até então pouco enfatizadas. Elas reafirmam a

compreensão do contexto como fundamental para ampliação e apreensão do objeto

estudado, considerando seu potencial para retratar de forma mais completa a

realidade. Concordam com Stake (1983, p. 24), quando ele diz que “A generalização

naturalista é orgânica, uma planta com raízes e conexões que se estendem por todas

as direções, conexões com a lembrança pessoal servindo de base para ampliar a

compreensão e solidificar a convicção”, atribuindo à generalização possibilidades de

novas elaborações.

Diante da variedade de formas que os dados podem ser apresentados, as

autoras enfatizam que a prevalência recai sobre o tipo de usuário a que eles se

destinam e lembram que a transmissão direta, clara e bem articulada do caso

evidencia a credibilidade do estudo.

Alves-Mazzotti (2006) também aborda o assunto. Ela entende que as

produções de Robert Yin e Robert Stake, sobre estudo de caso, são referências

obrigatórias nessa discussão. Dentre suas contribuições, traz três tipos de estudo de

caso apontados por Stake, classificados a partir dos objetivos da investigação:

intrínseco, quando o interesse pela compreensão de um caso está restrito a ele

mesmo; instrumental, a crença neste tipo de estudo de caso está na possibilidade de

ampliar compreensões sobre uma temática ou refinar uma teoria, “uma vez que pode

servir para oferecer insights sobre um assunto, ou para contestar uma generalização

amplamente aceita” (p. 642) e coletivo, quando o pesquisador estuda

concomitantemente alguns casos para investigar um dado fenômeno.

Baseando-se em autores como Perez Serrano (1994), Esteban (2010, p.

181) apresenta características essenciais do estudo de caso. Destaca ser esta

proposta metodológica: Particularista – por se centrar em uma situação, um evento,

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um programa ou um fenômeno em particular; Descritiva – seu produto final é uma

descrição rica e “densa” do fenômeno estudado, Heurística – ilumina a compreensão

do leitor do fenômeno objeto de estudo e Indutiva – de modo geral apoia-se em

raciocínio indutivo.

Pelo realce dado ao conhecimento particular, o estudo de caso foi

escolhido, devido ao seu potencial para estudar as questões relacionados ao processo

de formação docente. Portanto, esta pesquisa permite conhecer formas de

mobilizações dos sujeitos estagiários em suas inserções na escola-campo, no contato

direto com o ambiente investigado, visando trazer contribuições a respeito das

possibilidades formativas para os estudantes, a partir do contexto do estágio no

campo de atuação em que a pesquisadora se insere. Assim, este estudo de caso,

segundo as classificações trazidas por Alves-Mazzotti (2006), enquadra-se como

instrumental, possibilitando, portanto, ampliar compreensões sobre o foco estudado.

2.3. O percurso da pesquisa

Incitada, pois, pelo desejo de compreender e aproximar-me da inserção dos

docentes em formação na experiência de estágio, assumi como locus da pesquisa

minhas vivências enquanto orientadora de estágio na Instituição onde atuo como

docente, como já explicitado. A instituição de ensino a que me refiro é o Instituto

Federal Fluminense, em Campos dos Goytacazes (RJ).

Sobre dimensões próprias dessa formação, o estágio supervisionado se

destaca tendo em conta sua relação com os demais componentes constitutivos dessa

trajetória que, para além dos empreendimentos teóricos e relacionais, tem, na

inserção de seus sujeitos na escola-campo, movimentos de confluências. Tais

movimentos, por vezes, são marcados por contradições e desconfortos, como:

insegurança como resultado de experiências constrangedoras, ausência de projeto

integrador entre as instituições formadoras, incertezas por parte dos professores da

escola sobre como orientar o estagiário, dentre outras. Todavia, a capacidade desse

tempo formativo para desenvolver olhares mais densos sobre a futura profissão se

sobrepõe aos demais componentes curriculares.

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Um fragmento dos relatos9 fornecidos por André10, integrante do grupo de

entrevistados desta pesquisa exemplifica a situação, no tocante às aprendizagens

provocadas e desenvolvidas nessas relações vividas no estágio. (Ele diz, ao referir-

se ao que vivenciou ao frequentar a disciplina no curso:

Uma das coisas que eu escrevi no meu relatório, até de forma poética, foi sobre a

sala dos professores. O que antes era um ambiente proibido para o aluno, agora

você começa a fazer parte dele. Então você começa a ver: Ah! Os professores

conversam, conhecem, discutem sobre a vida do aluno. Eu não consegui ir para o

Conselho de Classe, mas durante os intervalos os professores conversavam e

comentavam sobre a situação dos alunos. É um tipo de saber que você não vai

obter na sala de aula. É um tipo de saber que só o estágio proporciona (André –

Licenciatura em Biologia – 2015).

Se por um lado nos deparamos com professores em formação que se

inserem nessa experiência pautados por comportamento de indiferença ou espanto,

por outro, encontramos estagiários que assumem, frente ao novo, postura de

aproximação, demonstrando interesse em encontrar na diversidade do processo

possibilidades de construção de saberes, como André o afirma. O estudante

reconhece, no seu relato, o papel da disciplina como momento oportuno de entender

as especificidades do contexto escolar. Nesse caminho, o estágio pode ser

interpretado como móbil (CHARLOT, 2000, 2012) responsável pelo desenvolvimento

na docência.

Já o depoimento de Júlia traz provocações que expõem o sentido das

atividades propostas para a formação, realçando a potencialidade do momento do

estágio – por mais que forneça um “momento bem fictício”, como a estudante o

nomeia:

9 Destaco aqui meu reconhecimento de que existem filiações distintas para os termos fragmentos, narrativas, relatos, excertos. No entanto, neste texto, são tomados como sinônimos, no sentido de trechos narrativos sobre a exposição de pontos de vistas, sobre fatos experienciados, explicação sobre experiências vividas.

10 Informo que os nomes de todos os entrevistados são fictícios, com a finalidade de se preservarem suas identificações.

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Assim, por mais que você esteja observando a turma, dando umas aulas, ainda

assim é aquele momento bem fictício, vou dizer assim, não é natural. [...]. E você,

enquanto estagiária, acaba preparando aulas mais elaboradas (Júlia – Licenciatura

em Matemática – 2013).

Dentre as relações que envolvem as experiências de estágio, encontramos

nos relatos de Mário fatos que redizem que este tempo/espaço formativo é gestado

nas diferenças, diversidades, incertezas, sem, contudo, destituir-se de espaço

significativo de aprendizagem. Referindo-se a questões concernentes à sua inserção

na escola-campo, ele comenta:

A primeira coisa que eu percebi é que no primeiro momento o estágio assusta o

pessoal da escola. Você é meio que uma pessoa de fora que está vindo pra “vigiar”.

Pelo menos foi o sentimento que tive, porque quando o pessoal da escola vê que você

não está ali todos os dias, que você está entrando e saindo, identificando-se como

estagiário, eles olham pra você assim e pensam: nossa, ele veio fazer o quê aqui?

Veio olhar? Veio dar aula? Professor novo? Os alunos perguntam: o senhor é

professor? (Mário – Licenciatura em Letras – 2015).

Guedes-Pinto e Fontana (2006), fundamentadas no pensamento de

Vygotsky (1984) sobre o desenvolvimento cultural do ser humano, nos ensinam que o

olhar, enquanto instância de aprendizado das práticas é modulado pelo modo cultural

de visualizá-lo, instaurado e mediado por esquemas conceituais que temos acesso.

Assim, o conjunto de relações e interações vivido no contexto da profissão vai

constituindo nossa consciência profissional docente. Dito de outra maneira, o

entrelaçamento dos sentidos que os estagiários vão atribuindo às suas vivências

nesse tempo formativo vão sendo construídos a partir da trajetória pessoal, que ocorre

num processo contínuo e permanente, o que dá o tom particular às experiências.

Em meio à falta de credibilidade que o contexto da profissão docente vem

enfrentando, por conta de toda a crise política e econômica contemporânea, apostar

na formação é caminho que ratifica uma relação comprometida com a profissão, sem

representar nenhum tipo de conformidade com a situação vigente.

Assim, conhecer experiências dos sujeitos no tempo do estágio teve como

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finalidade gerar um contexto propício à realização das entrevistas individuais, do tipo

semi-estruturada. Tratando desse tipo de entrevista, Lüdke e André (1986, p. 34)

afirmam “que se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado

rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações”.

A opção pela entrevista justificou-se pela possibilidade de uma

conversação efetuada face a face, de maneira metódica, com possibilidades de

oferecer informações necessárias (MARCONI e LAKATOS, 2010) face aos objetivos

perseguidos pelo estudo.

Na pesquisa qualitativa, a entrevista é um caminho que permite conhecer

posicionamentos dos entrevistados sobre suas experiências, entendendo que a

diversidade de circunstâncias modula o modo de ver e experimentar os contextos,

enriquecendo o diálogo a partir de outros pontos de vista e percepções sobre o objeto

estudado.

Yin (2001) destaca que a entrevista é uma importante fonte de informação

para os estudos de caso. Diante da flexibilidade característica da entrevista semi-

estruturada, em que “o entrevistador permite ao entrevistado falar livremente sobre o

assunto, mas, quando este se desvia do tema original, esforça-se para a sua

retomada” (GIL, 1999, p. 120), assumiu-se neste estudo esta abordagem como

produtora de dados.

Na evolução dessa tarefa, entre estagiários e egressos de licenciaturas e

de períodos variados, elegi oito participantes para integrarem o grupo de entrevistados

da pesquisa, dos quais (é importante mencionar), em algum momento, acompanhei

também quase todos na orientação de seus estágios curriculares do lugar de

professora supervisora. Para escolha dos participantes levei em consideração os

seguintes critérios:

1. Organizar o grupo de participantes a partir das licenciaturas

oferecidas pelo campus Campos-Centro, à época;

2. Contemplar todas as licenciaturas do campus em questão;

3. Ter a participação de egressos no grupo de entrevistados;

4. Entre os egressos, dispor de um participante da primeira turma de

uma das licenciaturas oferecidas;

5. Ter a participação de licenciando cursando a primeira metade do

curso.

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A opção pela diversidade de perfis justifica-se pelas possibilidades de

olhares sobre essa etapa formativa, uma vez que, o IFFluminese oferece diversos

cursos de licenciatura. Conforme anteriormente mencionado, os critérios seguidos

para a escolha dos sujeitos a serem entrevistados pautaram-se em:

1. terem cursado as disciplinas de estágio supervisionado na

licenciatura, constituindo-se como estudante já egresso ou ainda em processo

de graduação;

2. não pertencerem apenas a um único curso de licenciatura. Era

importante chegar a um grupo heterogêneo de estudantes, em relação ao perfil

do curso frequentado;

3. terem aceito participar da pesquisa e se disponibilizado a fazer

entrevista;

4. terem informações sobre a realidade da escola básica em função

de trabalhos como bolsista (no caso de não ter frequentado ainda o estágio).

Cabe aqui registrar que os participantes convidados para integrarem o

grupo demonstraram prontidão para colaborar, o que favoreceu a realização de cada

encontro, ocorrido individualmente com duração aproximada de uma hora e meia,

realizados em uma única vez. Com autorização, por escrito, da Diretoria das

Licenciaturas para obter informações não disponibilizadas no site da instituição11,

quanto dos entrevistados para tornar público seus dizeres, as atividades de campo

foram iniciadas.

Com idade entre 19 e 30 anos, os participantes da pesquisa ratificaram a

histórica marca cultural do magistério: predomínio do universo feminino. No grupo de

entrevistados, todos afirmaram exercer trabalho remunerado, seja por meio de bolsas

vinculadas a projetos, exercício de docência ou em ocupação distinta do magistério.

Durante os relatos desses sujeitos, foi possível observar algumas

referências um pouco estereotipadas, possivelmente influenciados por resquícios do

11 Em anexo, seguem o modelo do termo de autorização da Diretoria das Licenciaturas e o modelo do termo de autorização dos entrevistados para utilizar as informações concedidas.

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“criticismo vazio”12, o que demonstra expectativas de alguns deles no que diz respeito

à relação estagiário e escola, tais como:

Para mim, acho que a maior dificuldade foi alguns professores mascararem um

pouco algumas coisas. Às vezes, por eu estar lá, eles não agiam de determinada

forma, apesar de eu fazer anotações no meu diário fora da escola, até pra evitar

isso, de o professor se sentir mal, de ter constrangimento (André – Licenciatura em

Biologia – 2015).

No enunciado de outro estagiário:

Então assim, a gente percebe que há um discurso pronto. Eu percebi que em

conversas informais as informações são mais assim, é, mais claras, mais verídicas,

de acordo com a realidade. Foi até o caso da entrevista, né? Que a gente conversou

com a professora e uma das primeiras observações dela foi olhar o ambiente. Viu que

a diretora e alguns professores estavam por perto e falou mais baixo: eu não planejo

aula, não tenho plano de aula (Mário – Licenciatura em Letras – 2015).

Jane, integrante do grupo de entrevistados, teve experiência correlata:

Eu fiquei muito frustrada. Eu queria dar uma olhada no Projeto Pedagógico da escola.

– Ah! Não tá pronto não – Já era quase final do ano e o que me entregaram foi um

projeto bem antigo, todo rascunhado, e coisa assim. [...]. Você vai pedir uma

informação a secretaria, você tem dias específicos. Não é com qualquer um que você

pode falar. Se você quer saber sobre matrícula, só com fulano. Você quer saber sobre

renovação de matrícula, é com outra pessoa. Isso dificulta à beça o trabalho. Pareceu

tudo muito fragmentado, muito distante (Jane – Licenciatura em Geografia – 2014).

Ainda permanecem impasses consideráveis entre IES, estagiários e escola

básica, fundamentados em concepções e valorações nas históricas relações de

12 Expressão utilizada por Pimenta e Lima (2008, p. 40), referindo-se a comportamentos de estagiários que, influenciados pela crítica à didática instrumental, iam à escola somente para rotular seus profissionais como “tradicionais” e “autoritários”, entre outras qualificações.

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estágio, em detrimento do importante papel desse componente na formação. Nestas

relações, é possível perceber, por parte da escola básica, preocupações em expor

determinados fatos da realidade. Tais atitudes, implícita ou explicitamente, acabam

por demarcar a extensão do olhar do estagiário acerca da complexidade da escola.

Retomando a realização das entrevistas, a opção feita, como anteriormente

informado, seguiu os princípios da semi-estruturada, pela possibilidade de, a partir de

um roteiro previamente elaborado, construir outras perguntas em torno das

anteriormente apresentadas. Foi assim que, seguindo um esboço previamente

elaborado13, passei a organizar os encontros com os entrevistados, que ocorreram

entre 2013 e 2015.

Sobre a forma de registro das referidas entrevistas, entendi inicialmente

que gravação em áudio e filmagem ofereceriam maior segurança e possibilidades de

análise, o que me fez lançar mão dos dois recursos ao realizar a primeira delas.

Naquela ocasião, foi filmado e gravado o encontro. Sendo eu a entrevistadora, deixava

as gravações sob responsabilidade de outra pessoa. Na impossibilidade de ter

acompanhantes nas demais, resolvi gravar apenas em áudio, visto que este

procedimento, além de sua eficácia me daria liberdade para marcar os encontros sem

estar na dependência de colaboradores. Vale ressaltar que todas as transcrições

foram também efetuadas por mim, o que me possibilitou maior aproximação e

compreensão dos fatos narrados. Sobre a permissão para gravar, nenhum dos

participantes apresentou objeção, o que também facilitou o trabalho.

Quanto ao local onde as entrevistas foram realizadas, exceto a primeira,

que foi realizada nas dependências de uma igreja, todas as demais aconteceram no

interior do IFFluminense, por entender que o ambiente familiar ao contexto do estudo

pode influenciar positivamente os participantes.

O tratamento dos dados produzidos foi orientado por núcleos temáticos, por

entender que as narrativas dos estudantes entrevistados revelam e ocultam sentidos

sobre as condições concretas em que vivenciaram cada experiência (PADILHA,

2006).

13 O roteiro consta em anexo.

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2.4. Traçando o perfil dos participantes

Segue um pequeno perfil de cada sujeito do grupo pesquisado. Tal perfil foi

construído a partir de informações fornecidas pelos próprios entrevistados.

Júlia – fez parte da primeira turma da Licenciatura em Matemática no

Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET Campos).14

Atualmente, ela é servidora do IFFluminense e exerce a docência na

licenciatura da qual é egressa. Desempenha a mesma função na esfera municipal, na

cidade de Campos dos Goytacazes (RJ). Sua trajetória escolar traz, como diferencial,

o tempo que cursou em concomitância com a Licenciatura em Matemática e o

Bacharelado em Engenharia Civil. Posteriormente, abandonou o curso de engenharia,

optando pela carreira docente.

Jane – é estudante estagiária da Licenciatura em Geografia. Na condição

de bolsista, já se moveu em experiências variadas na instituição. Inclusive, no

momento em que concedeu essa entrevista, atuava na Diretoria das Licenciaturas,

nesta mesma atividade.

Durante dois anos, participou de projeto de Iniciação Científica com

temática voltada para o estágio supervisionado na formação docente. No interior do

seu curso, demonstrou estreita interação com as práticas formativas propostas.

Patrícia – é aluna do segundo período da licenciatura em Ciências da

Natureza. Como ainda está na primeira metade do curso, não se inseriu no campo de

estágio. A escolha para integrar o grupo de entrevistados objetiva conhecer o olhar do

discente que ainda não se envolveu com as relações pertinentes à inserção na escola-

campo.

Ser bolsista da Diretoria das Licenciaturas, no período em que concedeu a

entrevista, foi outra situação que possibilitou o convite para participar da pesquisa,

visto que essa experiência de “trabalho” tem possibilidades de ampliar olhares sobre

a profissão, dadas às possibilidades de contato com professores de diversas

licenciaturas.

14 Destaca-se que este curso integra as primeiras licenciaturas da Instituição.

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Marcela – é aluna da licenciatura em Geografia. Apesar de já ter concluído

todos os componentes curriculares propostos para seu curso, insere-se na categoria

docente em formação por estar em fase de conclusão da monografia. Convidá-la para

fazer parte do grupo de entrevistados teve como propósito perceber a contribuição do

estágio na perspectiva de quem se encontra no que estou chamando de “intervalo

formativo”15.

André – é estagiário da Licenciatura em Biologia. Sua primeira opção

profissional foi para Engenharia em Química. Por falta de recursos financeiros, mesmo

estando aprovado em Universidade Pública no Rio de Janeiro para cursar o referido

bacharelado, migrou para a Licenciatura em Biologia.

Rafaela – licencianda em Química, encontra-se na fase inicial de seu

estágio. Em sua experiência profissional, já atuou como professora de música, devido

a sua formação na área. Faz-se necessário destacar que, anterior ao início desta sua

Licenciatura, ingressou em um curso de Engenharia, apesar de sua inclinação para a

docência.

Atualmente, atua no Programa de Educação Tutorial (PET).

Márcia – é licenciada em Química, atua em campo profissional distinto da

docência. Seu curso Técnico em Química deu sequência à licenciatura, formações

que lhe possibilitaram migração profissional. Funcionária de uma processadora de gás

natural, não pretende atuar no magistério. (Pela exiguidade do tempo disponível da

entrevistada, só foi possível entrevista-la em um domingo, nos espaços físicos da

igreja onde congregamos, com tempo razoável antes de começar o culto. O ambiente

foi preparado por mim e me pus aguardando a sua chegada. Como houve, por parte

da entrevistada a necessidade de atraso, isso acabou gerando certa intranquilidade

naquela entrevista. Considerei não tomá-la como fonte de análise, buscando assim

eliminar interferências que, porventura, a situação pudesse ter provocado).

15 Refiro-me ao discente que concluiu todas as disciplinas do curso, mas está pendente na monografia.

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Mário – último participante a ser entrevistado, cursa Licenciatura em Letras.

No âmbito dos cursos que compõem esta pesquisa, ele se inscreve na categoria dos

novatos. É aluno da segunda turma do Curso.

Nos momentos de compartilhamento das experiências de estágio, sua

declaração é melhor compreendida: “Decidi pelo magistério ainda na educação

básica”. Sua participação ativa, enquanto representante de turma, abre espaço de

diálogo que acaba promovendo maior envolvimento dos estagiários nas atividades

propostas. Nesse sentido, tal engajamento e compromisso foram fundamentais na

escolha de seu nome para compor o grupo de entrevistados.

A tabela I acrescenta informações sobre cada entrevistado.

Tabela I – Perfil dos entrevistados

Entrevistado

(a)

Ano de

nascimento

Licenciatura

em curso

Escolarização

Anterior

1ª Opção de

Formação

Superior

Situação

Escolar/Profissional

Márcia 1986 Licenciatura

em Química

Ensino Médio

(Formação

Geral) e

Técnico em

Química

Licenciatura

em Química

Egressa

Migrou para outro

campo profissional

Júlia 1985 Licenciatura

em

Matemática

Ensino Médio

(Formação

Geral) e

Técnico em

Edificações

Engenharia

Civil

Egressa

Atua na docência

Jane 1991 Licenciatura

em

Geografia

Ensino Médio

(Formação

Geral)

Licenciatura

em

Geografia

Estagiária do 7º

Período

Patrícia 1994 Licenciatura

em Ciências

da Natureza

Ensino Médio

(Formação

Geral) e

Técnico em

Administração

Bacharelado

em Biologia

Licencianda do 2º

Período

Marcela 1979 Licenciatura

em

Geografia

Ensino Médio

(Formação

Geral) e

Técnico em

Contabilidade

Licenciatura

em

Geografia

Concluinte

aguardando

apresentação de

monografia

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André 1996 Licenciatura

em Biologia

Ensino Médio

(Formação

Geral) e

Técnico em

Química

Engenharia

Química

Estagiário do 6°

Período

Rafaela 1992 Licenciatura

em Química

Ensino Médio

(Formação

Geral) e

Técnico em

Química

Engenharia Estagiária do 5°

Período

Mário 1995 Licenciatura

em Letras

Ensino Médio

(Formação

Geral)

Licenciatura

em Letras

Estagiário do 5°

Período

2.5. Contextualizando o estágio supervisionado no IFFluminense

Em meio a possibilidades e desafios postos à realização desta etapa

formativa no contexto do IFFluminense (nova institucionalidade e burocracias

inerentes ao processo), as regulamentações do campus em questão ancoram-se nos

fundamentos legais16, tornando conhecidas as condições em que se efetivam o

estágio e os desdobramentos dos encontros que dele decorrem.

Conforme discutido anteriormente, a Resolução CNE/CP n. 2, de 1 de julho

de 2015, preconiza, na organização curricular dos cursos de licenciatura, que 400

horas estão destinadas ao estágio supervisionado, e devem ser iniciadas a partir da

segunda metade do curso.

Estágio Curricular Supervisionado (400 horas) - condição básica para a conclusão do curso, sendo operacionalizado a partir da segunda metade do curso, de acordo com o número de períodos letivos definidos no Projeto Pedagógico de cada Curso. O Estágio realizado na Instituição-campo inter-relaciona-se diretamente com as atividades desenvolvidas junto à Prática como componente curricular, aos Ambientes de Aprendizagem e aos demais componentes do curso (REGULAMENTO DA PRÁTICA PROFISSIONAL DAS LICENCIATURAS, s.d).

16 Resolução CNE/CP n. 2, datada de 1. de julho de 2015 - define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em Nível Superior.

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No conjunto de práticas inter-relacionadas que compreende a inserção do

estagiário no contexto de formação como oportunidade de vivenciar um tempo de

aprendizagem em situação real da profissão, o Núcleo de Apoio à Prática Profissional

(NAPP) do IFFluminense apresenta Orientações Gerais, instruções de natureza

administrativa e burocrática que antecedem o início das atividades do licenciando no

campo de estágio, a saber:

Verificar a Instituição-campo onde deseja realizar seu Estágio e

informar no documento “Diagnóstico Situacional” aplicado pelo docente da

Prática como componente curricular no início do período letivo.

Comparecer à Instituição-campo, após aceite da instituição, para

verificação das turmas em que irá estagiar. Em caso afirmativo, o licenciado

deverá comparecer ao NAPP, portando:

nome da Instituição-campo, endereço completo com CEP,

telefone e o CNPJ da mesma;

nome completo do Diretor da Instituição-campo;

especificação do Curso/Nome completo do Professor-

Supervisor/Ano ou Série ou Módulo/Turma/Dia da semana, horários em que

efetuará o Estágio, objetivando os devidos encaminhamentos pelo NAPP à

Instituição-campo

Receber pelo NAPP, a Carta de Apresentação e o Termo de

Compromisso. Este em 3 (três) vias, devendo cada via ser rubricada nas

primeiras páginas e assinada na última página pelo Representante Legal/Diretor

Geral da Instituição Concedente, pelo representante da DIRLIC/NAPP e pelo

licenciando-estagiário.

Uma das vias deve ficar na Instituição-campo; a segunda via deverá

ser entregue no NAPP, no prazo de 5 (cinco) dias, e a terceira via deverá ficar

com o licenciando-estagiário, para anexar ao Relatório do período do Curso.

(REGULAMENTO DA PRÁTICA PROFISSIONAL DAS LICENCIATURAS, s.d).

Nessas orientações, firma-se compromissos entre estagiários e instituições

formadoras (IES e escola-campo), com a função de imprimir compreensões da vida

profissional a partir desses expedientes.

Por meio do texto Regulamento da Prática Profissional das Licenciaturas,

o art. 4º apresenta os objetivos do estágio supervisionado:

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contribuir com a formação do estagiário para o exercício da

docência;

propiciar ao estagiário ação interativa dos conhecimentos teórico-

práticos numa perspectiva dialética;

oportunizar ao estagiário diálogo permanente com o campo de

atuação docente numa dimensão diagnóstica e propositiva;

possibilitar ao estagiário elaboração e desenvolvimento de

projetos educativos construídos coletivamente com a comunidade acadêmica da

escola-campo, visando ao aprimoramento da qualidade social e cognitiva do

processo de ensino e de aprendizagem (REGULAMENTO DA PRÁTICA

PROFISSIONAL DAS LICENCIATURAS, s.d).

A partir da organização da DIRLIC, o IFFluminense campus Campos-

Centro vem se estruturando para organizar o grupo de professores responsáveis pela

disciplina de estágio, realidade ainda não concretizada. Na dinâmica vigente, os

professores que ministram as disciplinas ditas “pedagógicas”, entre elas o estágio

supervisionado, ingressam na instituição para exercerem suas atividades docentes na

área de educação, vínculo institucional que coloca estes professores “disponíveis”

para atuarem em qualquer licenciatura que a Instituição oferece, bem como em

qualquer disciplina deste eixo. É importante destacar que esses movimentos, de modo

progressivo e lento, vêm contribuindo na construção e reorganização de atividades

propostas para este tempo/espaço, o que acaba por reconfigurar concepções de

estágio. Para dar um breve exemplo, cito encontros organizados pelo Núcleo de Apoio

à Prática Profissional (NAPP), com o propósito de avaliar e melhorar as práticas que

vêm sendo desenvolvidas nesta experiência formativa; busca por melhorias na

qualidade das relações burocráticas com perspectiva de dar prosseguimento ao

Grupo de Estudos e Discussão sobre a temática.

Neste desenho curricular, recai sobre o estágio supervisionado maiores

desafios, seja pela rotatividade dos professores entre as disciplinas “pedagógicas” ou

pela falta de identificação de muitos deles com as propostas deste componente.

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3. Mobilidades de sentidos que tecem experiências de estágio: o

sujeito se tornando autor

Tomar consciência do que somos e do que o outro é deve ser, ao contrário, compreender socialmente a personalidade do outro e a própria (CHARLOT, 2013, p.367).

Conforme dito antes, influenciada pelo pensamento freiriano, fui conduzida

aos estudos de Bernard Charlot (2000) inicialmente por intermédio da obra intitulada

Da relação com o saber, texto que interroga o fracasso de alunos em perspectivas

diferentes: Por que o fracasso escolar é mais presente entre alunos de realidade social

menos favorecida? Por que alguns alunos de classes populares têm sucesso na

escola? Na busca de respostas sobre estas questões, o grupo Escol17 transpõe a

lógica das análises que tratam do assunto apoiado em discursos que já se tornaram

lugar comum e toma como objeto de pesquisa “a relação com o saber”, para investigar

questões relacionadas ao insucesso dos alunos na escola básica

A trajetória de Bernard Charlot é marcada por conquistas no campo

educacional. Pesquisador francês radicado no Brasil, nasceu em Paris, em 1944.

Formado em Filosofia, desenvolveu pesquisas no campo da epistemologia das

ciências, orientado por Georges Canguilhem. Doutorou-se em Educação pela

Universidade de Paris X, com pesquisa sobre Da relação com o saber, orientado por

Gilles Ferry. É professor emérito da Universidade de Paris VIII, onde fundou a equipe

de pesquisa ESCOL. Foram os estudos promovidos nesse centro que possibilitaram

o desenvolvimento de uma teoria da relação com o saber (CHARLOT, 2000, 2002,

2005). Em sua história profissional destaca-se a relação com a docência. Nessa área,

sua experiência teve início na Universidade de Tunis (Norte da África), posteriormente,

em um centro de Formação de Professores (França) e no Brasil, mais recentemente,

como professor visitante da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Os escritos desse teórico se inserem em grande medida na temática da

relação com o saber. Para ele, estudar a relação com o saber significa estudar o

próprio sujeito na apropriação do mundo que o cerca (CHARLOT, 2005). Assim, a

relação com o saber se desenvolve ao longo de um tempo e demanda atividade,

17 Educação, Socialização e Coletividades Locais (ESCOL). Grupo de Pesquisa instituído em 1987, na Universidade de Paris 8, tendo Bernard Charlot como um de seus fundadores.

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exigindo mobilização do sujeito. Este se mobiliza (“de dentro”), quando a situação faz

sentido para ele. Assim, “A criança mobiliza-se, em uma atividade, quando investe

nela, quando faz uso de si mesma como de um recurso, quando é posta em

movimento por móbeis que remetem a um desejo, um sentido, um valor” (CHARLOT,

2000, p. 55).

Dito isso, ressalto a importância de que a leitura da referida obra foi útil para

aproximar-me de outras produções do autor que focam a mobilização dos sujeitos,

sem a qual, segundo afirma, não haverá aprendizagem.

3.1. Apreender o mundo para com ele interagir

Aprendi com Freire (1999; 2005) e Charlot (2000; 2005; 2010, 2012, 2013)

que a história dos humanos é marcada por relações sociais interativas que definem

quem eu sou, quem é o mundo, quem são os outros. Por meio de uma perspectiva

dialógica, reconhecemos que há várias dimensões que participam da tessitura da

identidade dos sujeitos ao longo de sua existência.

Charlot (2000) expõe a questão do aprender, tendo como proposição

básica que o simples fato de nascer já insere o humano no movimento da história,

impondo-lhe necessidade de aprender, e essa condição o acompanha ao longo de

sua existência. É enfático em dizer que: “Nascer é estar submetido à obrigação de

aprender” (ibid., p. 51). Nesse processo de construção, o sujeito, fundamentado no

conjunto de relações, vai se apropriando do mundo, partilhando saberes e

experiências com outros de sua espécie, dinâmica que dá sentido à sua formação

enquanto indivíduo. Assim, esse é um movimento longo, complexo e em permanente

construção, chamado por nós de educação (ibid., p. 52).

Para reforçar esse entendimento, o autor argumenta que não é possível ao

ser humano apropriar-se de tudo que está disponível em todos os tempos e lugares,

mas que se apropria do que lhe está acessível na história da humanidade, isso porque,

segundo ele, a configuração da humanidade se constrói nos indivíduos através do

processo educacional.

Freire (2005) também se pauta na visão de educação entrelaçada por uma

abordagem relacional: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os

homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (ibid., p. 78). O autor, em seus

escritos, enfatiza a questão do papel do outro como constituidor do processo

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educacional, perspectiva que demonstra convergência de ideias com a proposta

defendida por Bernard Charlot (2000, 2005). Embora não se filiem à mesma vertente

teórica, podemos identificar em ambos os pesquisadores o olhar para a relação social.

Na trama de relações que constroem o processo educacional, Charlot

(2000) explica que o sujeito é totalmente humano, totalmente social e totalmente

singular. Nesse sentido, o humano é um ser que está sendo, em permanente

construção, um ser inacabado e que tem consciência de sua inconclusão. Esse é um

ponto que distingue esse ser das demais criaturas. No aprofundamento dessas

questões, Charlot (2000) se apoia no pensamento kantiano para reforçar a ideia de

que no processo educacional o homem serve-se de sua própria razão, motivo pelo

qual somente sua espécie precisa ser educada. Essa ideia de inacabamento está

refletida na base do pensamento freiriano, pois para Freire (1999, 2005), a vocação

do homem é a de ser sujeito e não de objeto. Quando o homem, integrado ao seu

contexto, com ele se compromete, pondo em prática sua capacidade de discernir,

constrói-se a si mesmo e aos outros (FREIRE, 1980). Assumir a condição de

inacabado é poder explicar o desenvolvimento da história. Inacabamento pressupõe

mudança, aceitação do outro, construção, exigências que compõem o cenário

educativo: “a educação se re-faz constantemente na práxis” (FREIRE, 2005, p. 84),

possibilitando ao homem a criação e recriação de sua existência no mundo,

transformando-o, na busca incessante de ser mais, numa relação dialética que só

existe entre sujeitos históricos.

Em meio à complexidade que recobre compreensões sobre como os

estudantes aprendem, Charlot (2002, 2012) avança na questão ao apresentar uma

equação pedagógica, como elemento essencial ao desenvolvimento da aprendizagem

tanto do aluno quanto do trabalho do professor. Ele entende que aprender é o

resultado de atividade intelectual + sentido + prazer (2012, p.11). Dessa forma, sem a

vontade de aprender mobilizada pelo desejo, a possibilidade de aprendizagem se

esvai. Isto porque tal processo é produzido diretamente pelo trabalho daquele que

está na condição de aprendiz, cabendo a quem ensina estimular essa atividade

intelectual (idem, 2002).

Por esse ângulo, há centralidade do desejo na dinâmica da aprendizagem.

Para este teórico, o desejo é responsável pelo movimento da mobilização, ingrediente

capaz de desencadear o processo do aprender, ou seja, desejo entendido como

representação do prazer, como iniciativa mobilizadora de ações.

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Sobre esse fundamento, Charlot (2000, 2005) instaura uma leitura de que

a ação principal no processo de aprendizagem depende da mobilização do aluno.

Soato (2007), referindo-se ao papel ativo do aluno no processo de aprendizagem,

assim se expressa: “O professor se esforça para fazer um bom trabalho, é dele a

responsabilidade pelo aprendizado do seu aluno, mas a ação principal é do aluno que

se permite ser ensinado” (p. 5). Pode-se entender daí que na multidimensionalidade

que instaura o processo de aprendizagem, o desejo é elemento fundante na dinâmica

da mobilização. Charlot (2005) potencializa a questão ao dizer que o movimento da

mobilização não está simplesmente vinculado à questão do desejo, mas que o desejo

é o motor da mobilização.

O movimento para aprender é induzido pelo desejo, devido à incompletude do homem. Esse desejo é desejo de saber, de poder, de ser e, indissociavelmente, desejo de si, desejo do outro (que se procura em si, no outro, no mundo). Esse desejo não pode jamais ser completamente satisfeito porque, por sua condição, o sujeito humano é incompleto, insatisfeito. Ser completo seria tornar-se um objeto, nesse sentido, a educação é interminável – jamais será concluída (CHARLOT, 2005, p. 57).

Freire (1999) corrobora o papel ativo do sujeito que aprende, ao afirmar que

o processo de ensino não se dá pela via da transferência, no sentido de mudar de um

lugar para o outro, mas no percurso da construção em que o aluno vai produzindo,

desenvolvendo seu próprio conhecimento. O desejo, não assim nomeado pelo autor,

pode ser reconhecido na defesa da proposta de ensino baseada na problematização

dos interesses do grupo de estudantes, fundamentado no diálogo, nas ações que

fomentam o desejo de aprender.

3.2. Mobilização: dimensão norteadora da atividade intelectual

Sem ocupar-se de questões específicas das teorias de ensino, Charlot

(2000, 2010, 2012) destaca a entrada em atividade intelectual como ponto de partida

para obtenção de novos saberes. Nesse sentido, levar o sujeito a envolver-se nessa

categoria de atividade significa despertá-lo para o desejo de aprender, processo que

leva o professor a desempenhar papel de mediador entre o aluno e o conhecimento.

Isso realça o entendimento de que o caminho da aprendizagem requer atividade

intelectual de quem aprende, movimento que está submetido ao sentido que a

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atividade assume para o sujeito.

Charlot (2000, 2005, 2013) dá importância especial a esta questão por

entender que a atividade intelectual não se dá fora da mobilização, ou seja, esse ir e

vir de relações implica o movimento da mobilização que tem a ver com os sentidos

que os alunos constroem para alcançar um objetivo (CHARLOT, 2000; 2010). Dito de

outra forma, acionar o interesse pelo saber enquanto ação interna requer sentido

àquilo que os alunos estão aprendendo.

É importante destacar a preocupação do autor em distinguir os conceitos

de mobilização e motivação. Ele não nega que há pontos comuns nesses termos, mas

destaca que mobiliza-se “de dentro”, motiva-se “de fora”. Sendo assim, somos

motivados por alguém ou por algo. A motivação remete a uma ação exterior ao sujeito

(CHARLOT, 2005, p. 54) enquanto que a mobilização põe em ação dinâmica interna,

que remete à ideia de querer. “Poder-se-ia dizer que eu me mobilizo para alcançar um

objetivo que me motiva e que sou motivado por algo que pode mobilizar-me”

(CHARLOT, 2000, p. 55). Na tessitura do ensinar-aprender, mobilização e motivação

são fios que se entrelaçam.

Ampliando a discussão sobre mobilização, conceito norteador deste

estudo, Charlot (2005) afirma que a construção de competências cognitivas se dá

mediante mobilização e engajamento na atividade intelectual. Mas reforça a ideia de

que para o sujeito se mobilizar é necessário que a situação de aprendizagem faça

sentido para ele, produza nele vontade de aprender. Porque o engajamento em uma

atividade intelectual requer esforço, é preciso assegurar um ensino com significado

para que haja mobilização tanto por parte dos alunos quanto dos professores.

Ao desdobrar o conceito de mobilização, o autor também destaca como

fundamental os conceitos de móbil e de recursos. Diz que a dinâmica da mobilização

exige móbiles, que são “boas razões” para agir. Considera que um móbil é sempre

definido em relação a uma atividade, sendo ele o articulador da movimentação que

permite a entrada na atividade. Assim, os móbiles só podem ser compreendidos em

referência à atividade originada por eles. E prossegue: “mobilizar é por recursos em

movimento, mobilizar-se é fazer uso de si próprio como recurso, é acionar forças de

que se dispõe e colocá-las em movimento” (CHARLOT, 2000, p.55).

Atividade é um conceito integrante da tríade utilizada pela equipe ESCOL,

como já dito acima. Para explicar a dinâmica interna que a atividade possui, o referido

teórico se apoia basicamente em dois autores, Leontiev (1975) e Rochex (1995) e

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assim explica: “a atividade é um conjunto de ações propulsionadas por um móbil e

que visa a uma meta. Ações são operações implementadas durante a atividade. A

meta é o resultado que essas ações permitem alcançar” (CHARLOT, 2000, p. 55). Ele

se estende no detalhamento do conceito de atividade para distinguir móbil de meta.

Explica que o móbil desencadeia a atividade, enquanto que a meta é o resultado

alcançado.

Sentido é outro conceito que integra o grupo de termos usados pela equipe

ESCOL nas análises da relação com o saber. O sentido assume dimensão singular na

atividade do sujeito e este só pode ser compreendido se móbil e meta estiverem

relacionados entre si. Pois, para Charlot (2012), o sentido é uma questão básica no

processo de aprendizagem, porque só aprende quem estuda. Ele destaca que, à

medida que o sujeito desenvolve relações, “algo pode adquirir sentido, perder seu

sentido, mudar de sentido” (ibid., p. 57).

Conforme ele explica, se os alunos não encontram sentido nos conteúdos

escolares, só os memorizam para fazer prova e passar de ano, isso não representa

saber.

Com base, portanto, nas ideias desenvolvidas por Charlot (2000) sobre a

relação do sujeito com o saber, procuro me guiar na problematização dos dizeres dos

estudantes de licenciaturas do IFFluminense, integrantes do grupo de entrevistados

desta pesquisa.

3.3. Fronteiras que fragilizam a mobilização no exercício da docência

Dizer que o aprender perpassa necessariamente a relação professor-aluno

parece estar tomando o óbvio como objeto de reflexão, porém, quando se tem por

assunto a mobilização na atividade docente, esses sujeitos assumem centralidade nas

discussões (CHARLOT, 2012). Retomando o que foi afirmado antes, no processo

ensino-aprendizagem, é concebida a ideia de que para o educando se apropriar do

saber, ele precisa se mobilizar intelectualmente, o que significa dizer que a situação

da aprendizagem precisa fazer sentido para ele. Do ponto de vista teórico, esse

entendimento requer uma aula interessante, interesse que se constrói nas relações,

visto que este processo requer o encontro da mobilização e do saber (CHARLOT,

2005, p. 55). “O que permite uma aula ser interessante? É interessante quando um

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desejo, no sentido profundo do termo, é satisfeito pelo encontro com um conteúdo

intelectual” (CHARLOT, 2013, p. 160). É aí que se descobre como mobilizar o sujeito.

Tal razão explica a complexidade que reveste essa relação, evidenciando

estar a docência inserida num campo de inquietudes, pois, por exemplo, nem sempre

os professores conseguem atingir os interesses dos estudantes. E muitas vezes não

se apercebem dessa distância. O trabalho deste profissional é então uma via de mão

dupla em que professor e aluno precisam encontrar significado nos seus fazeres,

tarefa problemática na formação docente. Na diversidade da sala de aula, o docente

busca alcançar a escuta e a compreensão de seus alunos. Charlot (2012, p.14)

reconhece que um dos maiores desafios do professor é mobilizar o aluno numa

atividade intelectual.

A mobilização do professor não é nada fácil: ele tem que conseguir mobilizar os alunos, em uma situação em que ele tem também que transmitir um patrimônio humano, social e cultural. Essa mobilização, portanto, é difícil e acho que quando o aluno não se mobiliza, o professor se desmobiliza.

Torna-se então fundamental considerar a mobilização desses profissionais

pensando na relação com os desafios postos à profissão na contemporaneidade. O

referido teórico torna mais abrangente esse enfoque ao salientar aspectos do

processo histórico, ao que ele chama de “choque entre as práticas do professor atual

e as injunções dirigidas ao futuro professor ideal” (CHARLOT, 2013, p. 94), contexto

gerador de provocações.

Referindo-se a experiência ligadas à história e à sociedade

contemporânea, Charlot (2012) traz à memória choques históricos, de certas

circunstâncias que o professor teve que enfrentar. Ele retoma o fato de que até o início

da segunda metade do século XX, a escola cumpria seu papel de transmitir

conhecimentos, quando não se pronunciava ainda claramente uma pretensão de

ascensão social dos alunos. Isso porque apenas um pequeno grupo de classe média

prosseguia nos estudos, almejando ocupar posições que, por vezes, já estavam

destinadas a eles. Todavia o modelo de desenvolvimento econômico que marcou a

década de 1960 do século XX trouxe, como exigência, subida no nível de formação.

Surgiram, então, demandas distintas daquelas que compuseram a população

estudantil até a década de 1950. Essa nova realidade articulou nível de estudo à vida

profissional, reconfigurando o modelo de entrada na vida adulta.

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As mudanças ocorridas na década de 1970 trouxeram modificações na

relação com a legitimação do desejo (CHARLOT, 2012, p. 17), conjuntura que este

teórico identifica como segundo choque. Enquanto a educação do passado deu

prioridade à razão em detrimento das paixões e emoções, reprimindo as aspirações,

esse período histórico alimentou a possibilidade da geração de novos interesses, de

novas reivindicações. Ele acredita que entramos na sociedade do crédito, e, então,

faz uma indagação intrigante: “numa sociedade que valoriza o consumo e o desejo, o

que pode fazer o professor numa forma escolar construída contra o corpo e o desejo?”

(p. 18).

Referindo-se à década de 1980, o autor afirma que o contexto escolar não

se ocupou mais com a questão da desigualdade social, mas entrou em cena a

qualidade da escola e sua eficácia. A esse conjunto de circunstâncias, Charlot (2012)

o classifica como terceiro choque. Concebe que o discurso dessa época estava

voltado para as práticas escolares, e ressalta que a crítica acabou recaindo sobre os

fazeres dos professores. No interior da escola, a qualidade da educação não sofreu

resistência, mas o problema que se pôs foi a definição de qualidade. Afinal, uma

escola de qualidade é aquela que consegue aprovar maior número de alunos para a

universidade? Questiona este teórico. O papel da escola não pode se restringir a

apenas preparar seus alunos para terem bom desempenho em exames de avaliação.

Tal contexto também favoreceu mudança na concepção de professor. Sai

da lógica do professor funcionário, executor de ordens vindas de instâncias superiores

e entra na lógica de professor profissional: “alguém que consegue resolver o problema

com saberes teóricos, práticas e experiências” (ibid., p. 19).

Mas foi o advento das novas tecnologias que marcou a década de 2000

com novos desafios. Esse choque vem se constituindo elemento potencializador de

modificações nos fazeres dos professores, exigindo transformação no processo de

interação e comunicação. Sobre essa questão, Charlot (2012, 2013) comenta a

mudança na forma do texto impresso para o texto de tela, com grande oferta de

imagens e outros encaminhamentos e possibilidades de comunicação que a dinâmica

da tecnologia oferece18. Ele assim declara: “Todas essas transformações têm

18 Chartier, R. (1998), dentro da perspectiva da História Cultural, aborda essa questão das revoluções em torno do suporte da escrita, principalmente nos tempos mais recentes, com o texto eletrônico. O autor problematiza os diversos efeitos nos comportamentos dos leitores, as mudanças trazidas a partir da inserção dos aparelhos eletrônicos com os textos digitais (2002). Todas essas alterações ligadas à

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consequências sobre a profissão docente, desestabilizada não apenas pelas

exigências crescentes dos pais e da opinião pública, mas também na sua posição

profissional [...]” (CHARLOT, 2013, p. 99).

Referindo-se à dinâmica da formação dos profissionais da educação,

Cunha (2010) afirma que não é difícil entender que seu constructo não é estático nem

permanente, mas destaca que as sucessivas alterações, tanto do contexto da

docência, quanto de sua formação, são condições que geram uma nítida sensação de

fragilidade.

Frente a tantas modificações, a pergunta se volta para o sentido de ser

professor na atualidade, haja vista que seu cotidiano é cercado de contradições. Vale

destacar que em face dos avanços que vêm ressignificando o ambiente escolar, o

professor não é mais a principal fonte de informação. Discursos saudosistas não mais

encontram guarida nos espaços escolares, ainda que renovado, cenário que desafia

cada vez mais a docência.

Tomado pela ótica de futuro, o autor adverte: “ nunca antes como hoje foi

tão necessário o professor de saber: o professor que ensina como mobilizar,

encontrar, avaliar a informação, como agrupar as informações para criar saberes etc.”

(CHARLOT, 2012, p. 20). Entretanto, alerta que o professor de informação, aquele

que apenas transmite conhecimentos produzidos por outros, já não subsiste no

formato atual e insiste que o professor de saber, aquele que assume a contradição

como pressuposto, vai protagonizando experiências inovadoras nas práticas

escolares.

No centro dessa questão, Charlot (2012) faz um questionamento no mínimo

provocante: “Afinal de contas, qual o desejo, qual a fonte do desejo de ser professor

hoje em dia?” (p. 20). Reitera que a mobilização do professor assume complexidade

cada vez maior no contexto atual. Seus argumentos lançam luz sobre tensões e

possibilidades de mobilização no exercício da profissão docente.

Outro aspecto importante dos trabalhos do autor reside na sua postura de

defender uma leitura positiva da escola. Em suas próprias palavras: “A leitura positiva

é antes de tudo uma postura epistemológica e metodológica” (2000, p. 30). Assumi-la

pelo pesquisador significa buscar compreender os processos e as situações que

envolveram os alunos que fracassaram na escola (no caso, no contexto da questão

produção e ao consumo da escrita em tempos contemporâneos, sem dúvida, trazem desdobramentos muito importantes para o universo escolar e acadêmico.

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do fracasso escolar). Significa realizar o esforço de analisar o que aconteceu com os

alunos que não aprenderam, procurando olhar as questões que estavam em jogo

naquele contexto e não para o que faltou, para o que estava em carência (CHARLOT,

2005).

Em tempos turbulentos em que dificuldades de ordens diversas permeiam

o sistema educacional, é preciso não perder de vista as lacunas que põem os fazeres

dos professores em situações movediças.

Buscando entender o contexto provocador de inquietudes e preocupações

que caracterizam a profissão docente na sociedade contemporânea, Charlot (2012,

2013) localiza situações controversas no cotidiano destes profissionais e afirma que o

professor é um trabalhador da contradição. Como primeira contraposição, ele destaca

a utopia de professor herói ou professor vítima, modelo que supõe uma trajetória de

sacrifício da vida pessoal, transferindo para o docente responsabilidades pelo não

cumprimento de expectativas oficiais, sem lhes dar condições de trabalho, discurso

que transforma o professor em vítima do processo. Ele, então, chama atenção para o

que isso pode representar na formação desse profissional, na medida em que amplia

suas responsabilidades. Ressalta, assim, que no processo formativo, temos que falar

dos ideais, do prazer de ser professor, sem omitir as condições reais do sistema de

ensino.

Em oposição a esses desacordos, o autor considera que, para mudar a

escola, temos que trabalhar com professor normal, aquele que não é herói nem vítima,

mas vivencia o cotidiano escolar, mediando conflitos, criando condições favoráveis à

prática do ensino.

Ele também polemiza a tensão existente entre professor tradicional e

construtivista. Diz que o cenário educacional brasileiro, por sua estrutura

organizacional fragmentada, cria um ambiente favorável a práticas que estruturam o

sujeito por normas. No entanto, pelo fato de o discurso circulante sobre professor

construtivista encampar a ideia de moderno, dinâmico, inovador, muitos professores

se autoinserem na categoria construtivista, em muitos casos, equivocadamente. Ele

explica que essa não é uma questão de nomenclatura, pois o que importa é a maneira

como o docente conduz o aluno na viagem intelectual, ou seja, na construção de seus

saberes.

Outra contradição que se junta ao debate é a escola universalista. Aquela

que, por definição, tem como um de seus fundamentos a educabilidade de todos, visto

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que por ela transitam diferentes saberes. Entretanto o autor alerta que muitas vezes

a escola ensina o que só tem sentido em seu próprio contexto. Insiste na ideia de que

ela é interessante, quando ensina coisas que ajudam o aluno a entender o mundo,

sua comunidade, a vida (CHARLOT, 2012, p. 23).

Apresenta também a afetividade como contradição a ser enfrentada pelo

professor e a demanda de restaurar sua autoridade. O cumprimento dessas ações

pressupõe “educação à cidadania”, questão que permanece como desafio no contexto

escolar.

Fenômenos afetivos caracterizam sentimentos cercados de complexidade,

razão pela qual o autor vai defender a simpatia antropológica como relação

harmoniosa que conduz o professor a experiências comprometidas com os objetivos

de formar e ser formado. O autor salienta que o professor deve buscar estabelecer

vínculo afetivo com o aluno como forma de comunicação, distante de relações

protetoras inerentes ao contexto familiar. Tal perspectiva está referenciada nos

escritos de Freire (1999), quando para ele o professor precisa estar aberto ao querer

bem aos educandos e à própria prática educativa: “Significa, de fato, que a afetividade

não me assusta que tenho de autenticamente selar o meu compromisso com os

educandos, numa prática específica do ser humano. Na verdade, preciso descartar

como falsa a separação radical entre ‘seriedade docente’ e ‘afetividade’ ” (ibid., p.

159).

Fatores afetivos na relação escolar é fundamental na constituição do

sujeito. Nesse entendimento, querer bem aos educandos é ponto de referência ao

contexto formativo

Assim, fundamentada por essa perspectiva da sociologia do sujeito

apresentada por Charlot (2000, 2005), busco me aproximar do lugar do estágio

supervisionado, nos cursos de licenciatura, como lugar possível de produção de

mobilizações entre os estudantes para a profissão docente.

Junto às mudanças sócio-históricas que marcam o desenvolvimento das

sociedades contemporâneas, perceber o movimento da formação de professores

inserido num campo de encontro/confronto, chama o emaranhado das relações do

estágio ao diálogo que reconhece o conflito como matéria de reflexão. Retomando

Freire (1999), ele nos ensina que dar existência ao novo é expor-se ao risco, que não

pode ser negado só porque é novo.

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No caso deste estudo, no capítulo seguinte, enumero alguns aspectos

históricos sobre a formação de professores nos Institutos Federais brasileiros, com o

propósito de situar o estágio supervisionado no contexto da Instituição de Ensino

Superior (IES) em questão, no município de Campos dos Goytacazes, no Estado do

Rio de Janeiro, a fim de entender a lógica da dinâmica que vem construindo as

relações e recriando o espaço do estágio, como lugar de aprendizagem na formação.

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4. Antecedentes históricos: a formação de professores nos Institutos

Federais

Os fragmentos selecionados juntam-se como as peças de um quebra-cabeças, produzindo uma imagem de conjunto, que segue a lógica dos recortes estabelecidos pela leitura do pesquisador, dirigida pela explicação que pode ser retirada dos dados (FONTANA, 2010, p. 47).

A formação de professores desde muito tempo tem sido um assunto que

vem ocupando centralidade nas discussões sobre o ensino. Sob a ótica do dinamismo

do cotidiano e das transformações sociais, a trajetória formativa dos docentes

evidencia particularidades oriundas de campos diversos. Cunha (2010), tratando de

situações de conflitos que envolvem o trabalho docente, apresenta aspectos

desafiadores dessa formação. Destaca que as responsabilidades que vêm sendo

atribuídas à educação escolarizada, em consequência “das mudanças no mundo do

trabalho, da revolução mediática e da alteração da estrutura da organização familiar”

(Ibid., p.129), constituem-se fatores provocadores de indefinições nos fazeres dos

professores.

A referida pesquisadora reconhece que, em qualquer área profissional, os

contornos dos processos formativos se modificam continuamente. Melhor dizendo,

concepções que até pouco tempo atendiam às necessidades da profissão, nos dias

atuais, já não dão conta de responder à realidade posta. Ela destaca que o conteúdo

da formação é sempre “volátil, mutável e processual”. Seus argumentos enfatizam que

tal situação é mais intensa no campo da educação, isso porque somos formados ainda

pressionados por uma hegemonia de paradigmas do passado que persistem, que

vivemos as preocupações do presente e formamos alunos para uma realidade futura

(CUNHA, 2010, p.130, 131).

4.1. A constituição da formação de professores nos Institutos Federais:

proposição oficial

Saviani (2008), referência nacional para a história da educação brasileira,

destaca que a formação de professores é problema que não está resolvido em lugar

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nenhum. Define como problema de política educacional no século XIX, quando os

sistemas nacionais de ensino passam a assumir a tarefa de universalizar o acesso à

cultura letrada. No Brasil, em 1835, é fundada a Escola Normal em Niterói, RJ, e no

final desse século, ela se consolida como instituição responsável pela formação de

professores no Brasil. Sua fundação marca formalmente o encargo das províncias

pela responsabilidade de formar o profissional do ensino, entendido como o professor

para a instrução na escola das primeiras letras. O foco desta pesquisa não é fazer

uma retomada histórica da formação de professores no Brasil. Aqui tem-se a intenção

apenas de registrar o caminho antigo e polêmico19 que tem sido marcado neste campo

de atuação profissional.

Para contextualizar indagações dessa pesquisa, busco abordar alguns

estudos já realizados sobre os Institutos Federais enquanto lugar de formação de

professores. Para imprimir maior clareza sobre o assunto, trago aspectos contidos no

texto Contribuições para o processo de construção dos Cursos de Licenciatura dos

Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (BRASIL. MEC. s.d.). Este

texto é aqui utilizado, dado o seu conteúdo que enfoca diferentes aspectos

relacionados às questões organizacionais dos cursos de licenciatura nos Institutos em

questão.

A nova institucionalidade dos cursos de licenciatura trouxe como

recomendação a ampliação de oferta de vagas para a formação de professores,

dando margem para alargamento na atuação institucional desta dimensão formativa.

Apoiada no argumento de carência de professores em todo território nacional,

sobretudo em determinadas áreas do conhecimento, a proposta dos Institutos remete

a uma oferta de licenciaturas com foco na área das Ciências da Natureza, sem, no

entanto, se restringir a ela. A Lei 11.892/2008 registra que estas instituições, quando

na plenitude de seu funcionamento, assumem o compromisso de garantir 20% de

suas matrículas em cursos de licenciaturas, que em grande parte poderão se destinar

à própria educação profissional e tecnológica (art. 8º).

19 Saviani (2008) aborda, ao longo de seu livro, vários dos aspectos polêmicos que constituíram e têm constituído o campo de formação de professores.

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Ao tomar para si tal responsabilidade, os Institutos Federais validam a

verticalização no ensino20, dada a sua possibilidade de atuação em diferentes níveis

de escolaridade, o que por sua vez sintoniza a instituição em demandas sociais,

econômicas e culturais e desdobramentos. Desta forma, as orientações contidas no

texto já referido, (BRASIL. MEC. s.d.) têm como objetivo dar direções à estruturação

ou reestruturação dos cursos de licenciatura nos Institutos Federais (IF’s), propondo

uma formação docente que responda às exigências da sociedade atual, numa

perspectiva integradora, dialógica e emancipatória, comprometida com a inclusão

social.

Como fator favorável ao desenvolvimento da formação docente no contexto

dos IF’s, o texto já mencionado destaca a possibilidade de estabelecer vínculos entre

diferentes níveis e modalidades de ensino como fator favorável à construção de

saberes, bem como a possibilidade de se desenvolver metodologias que

correspondam melhor ao contexto, preservando a indissociabilidade entre ensino,

pesquisa e extensão.

No que se refere à formação de professores para a educação básica, a

estrutura organizacional proposta aos Institutos orienta no sentido de trabalhar a

construção dos conhecimentos de forma integrada.

Oliveira (2011), em sua pesquisa de mestrado, detalha e problematiza o

fator “integração” assumidos pelos Institutos Federais de Ensino. Ao mesmo tempo

que sinaliza uma direção voltada à perspectiva de se garantir um trabalho integrado

entre os docentes da instituição, visando a uma formação que supere uma visão

fragmentada do conhecimento, a autora mostra os desafios presentes nesta proposta.

Tais desafios tornam-se visíveis principalmente por conta do diálogo – nem sempre

tranquilo – entre a concepção de conhecimento específico e o conhecimento

pedagógico. Segundo seu estudo, os professores ligados às áreas tecnológicas,

muitos deles, estavam em processo de ressignificação sobre o papel da área de

conhecimento pedagógico em seu fazer docente no Instituto.

Assim, as concepções assumidas pelos idealizadores dessa nova

institucionalidade acreditam que lidar com o conhecimento na perspectiva da

20 No âmbito dos Institutos Federais, verticalização é uma dimensão que oportuniza aos docentes atuarem nos diferentes níveis do ensino, compartilhando espaços pedagógicos e laboratórios, além de procurar estabelecer itinerários formativos do curso técnico ao doutorado (PACHECO, 2011).

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integração e verticalização pavimenta o caminho para a superação do modelo

hegemônico de formação docente que se caracteriza pela dicotomia entre teoria e

prática, conforme anteriormente destacado.

Esses direcionamentos apontam desafios para pensar um profissional

pesquisador-reflexivo, com bases conceituais e epistemológicas, que não visem a

uma formação genérica nem tão somente acadêmica, em dimensões que conduzam

à construção da autonomia dos educandos, conforme texto acima citado (BRASIL.

MEC. s.d.,).

Do ponto de vista dos elaboradores da proposta, o documento sugere um

desenho curricular composto por três Núcleos, que integram componentes práticos

aos conteúdos teóricos: o Núcleo Comum - composto pelo Núcleo Básico que tem

como propósito trabalhar conhecimentos na área de atuação, além daqueles que

possibilitem o domínio de ferramentas básicas para a instrumentalização necessária

à compreensão da área, dentro do possível, numa abordagem transversal (p. 13) e

pelo Núcleo Pedagógico que busca desenvolver competências educativas,

objetivando fundamentar a sua prática pedagógica com um referencial teórico-prático

voltado para o contexto social, contexto escolar e contexto da aula (p. 14).

No Núcleo Específico, desenvolvem-se conhecimentos específicos da

habilitação do cursista, bem como na perspectiva da transposição didática dos

conteúdos (p. 14).

O Núcleo Complementar propõe atividades interdisciplinares e

integradoras, por meio de conhecimentos de áreas correlatas, com atividades

acadêmico-científico-culturais, que contribuam na formação do pesquisador que

interroga sua própria prática (p.14).

Finalmente, a Prática Profissional, representada pela Prática Pedagógica,

pelo Estágio Curricular Supervisionado e atividades acadêmico-científico-culturais (p.

12).

Os três Núcleos (Comum, Específico e Complementar) são permeados por

atividades da Prática Profissional e pela Monografia de conclusão de curso. (BRASIL.

MEC. s.d., p. 5). O ideal é que a interação entre estes Núcleos se dê por meio de

conteúdos comuns que, além de serem construídos via projetos integradores, também

poderiam vir a ser trabalhados em eixos temáticos multi ou interdisciplinarmente.

São atividades que devem perpassar todo o curso, a saber: a Prática

Profissional (1000 horas), enquanto parte integrante e obrigatória do currículo, envolve

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a Prática Pedagógica (400 horas), o Estágio Curricular Supervisionado (400 horas) e

as Atividades Acadêmico-Científico-Culturais (200 horas).

Figura 1. Desenho curricular proposto para as licenciaturas dos IF’s.

Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/licenciatura_05.pdf

Acesso em: 20 fev. 2016.

A imagem apresentada mostra o modelo de desenho curricular proposto

para as licenciaturas dos Institutos Federais.

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4.2. Diferentes olhares sobre a formação de professores nos Institutos Federais

Com a intenção de compreender diferentes abordagens que a formação

docente ofertada pelos IF’s vem recebendo, tomo por base alguns estudos que se

encontram em pauta.

Lima (2012) investigou a formação de professores nos Institutos Federais,

no contexto das políticas públicas voltadas para esta formação. Para a pesquisadora,

as características históricas dos Institutos levantam interrogações acerca da

vinculação da formação docente em instituições especializadas em educação

profissional e tecnológica, o que pode, segundo ela, refletir numa formação tecnicista

Partindo, então, desse impasse, ela norteou seus estudos pela seguinte

questão: Quais pressupostos políticos permeiam a consolidação dos Institutos

Federais como locus de formação de professores? Como referência teórico-

metodológica, tomou o contexto de criação destas instituições, tendo como fontes:

documentos legislativos sobre educação e formação de professores; documentos

oficiais produzidos e publicados pela Secretaria de Educação Profissional e

Tecnológica (SETEC), que trazem orientações para os cursos de licenciaturas dentro

dos Institutos Federais; entrevistas semiestruturadas com os reitores dos IF’s,

delimitando-se um reitor por região do país, resultando no número de 5 (cinco) reitores

e dados fornecidos pelo sistema e-MEC. Sobre pressupostos da análise do discurso,

a autora buscou compreender dizeres de reitores destas instituições.

Conforme relatos desses entrevistados, a trajetória inicial desses cursos

muito se aproxima de experiências desenvolvidas na universidade, considerando que

a formação dos seus docentes foi promovida em tal contexto.

A autora direciona suas análises para a compreensão de que a formação

de professores, nesse novo locus formativo, compartilha do pressuposto de que o

perfil ideológico do professor precisa ser reformado, na direção de um intelectual

tradicional, que trabalha para manter a ordem do capitalismo.

Lima e Silva (2013) discutem a concepção de formação de professores

contida em documentos oficiais, que se aplica aos Institutos Federais. Ancoradas na

perspectiva dialética de investigação a partir do materialismo histórico, as autoras

investigam a concepção de formação de professores contidas em documentos oficiais

que validam tal modalidade formativa. As contribuições desse estudo resultam de

pesquisa bibliográfica e documental que aproximam a perspectiva de formação de

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professores destas instituições a abordagem tecnicista, voltada para uma preparação

para o trabalho. Como possibilidade positiva, as autoras entendem que este locus

oferece maiores condições para se desenvolver a prática profissional, sem estar

sombreado pelo excesso teórico, que resulta em professores inseguros no exercício

da profissão. Consideram, no entanto, que a preocupação em formar professores em

estrita ligação com o mundo do trabalho pode significar uma educação crítica e

emancipatória, ou, ao contrário, uma formação alienante mais adequada ao sistema

capitalista.

Lima (2015) relata, em sua investigação de Mestrado, a questão da

ampliação das licenciaturas nos Institutos Federais a partir da experiência do Instituto

Federal de São Paulo (IFSP). Ao buscar entender o processo de construção das

licenciaturas num espaço caracterizado por um cenário de educação profissional

tecnológica, a pesquisadora faz uma imersão na trajetória dos IF’s, destacando

desafios que se põem a esse contexto: a formação adequada do corpo docente, o

acervo da biblioteca relacionado à educação e formação docente, o desenvolvimento

de projetos de pesquisa articulada com a formação de professores.

Sobre a demanda por professores com titulação para atuar no magistério

no segundo segmento do ensino fundamental e do ensino médio, a autora entende

que os impasses para atrair professores têm como ponto fundamental a melhoria da

carreira docente, bem como a garantia de condições dignas de atuação profissional.

Assim, a abertura de cursos, isolados de outras ações que constroem a base da

profissão, pouco avanço representa na resolução do problema.

A análise dos dados permitiu também que a pesquisadora identificasse

ausência de uma política nacional, articulada com a formação de professores em nível

nacional. Salienta ainda que a ênfase nos conhecimentos disciplinares reflete a pouca

discussão que se propõe em torno de questões pedagógicas, reforçando assim o

quadro polêmico problematizado antes do conflito entre as concepções teóricas e as

práticas.

Em outro trabalho, Lima (2014) problematizou a expansão das matrículas

nos Cursos de Graduação dos Institutos Federais, com destaque nas licenciaturas.

Dados estatísticos mostram que a transformação dos Centros Federais de Educação

Tecnológica (CEFETs) para IF’s representou expansão de matrículas em tais cursos.

Contudo, nas Instituições que não aderiram a nova institucionalidade (Centro Federal

de Educação Tecnológica de Minas Gerais e o Centro Federal de Educação

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Tecnológica Celso Suckow da Fonseca no estado do Rio de Janeiro), o número de

matriculados nas licenciaturas entre 2008 e 2012 foi bastante reduzido, se comparado

às matrículas nos bacharelados.

A autora (2016), ampliando seu foco, faz um recorte contemplando a

política governamental da criação dos Institutos Federais, problematizado a partir de

três perspectivas: a evolução de matriculados e concluintes nestes cursos, a titulação

dos professores dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio e a

demanda de professores para estas etapas da educação básica. Suas análises, feitas

a partir de documentos governamentais sobre a proposta de oferta das licenciaturas

nos Institutos Federais, de dados quantitativos disponibilizados pelo INEP e pela

Plataforma Observatório do PNE (Plano Nacional de Educação), e estudo de

referências bibliográficas, apresentam dados que comprovam que a expansão de

cursos de licenciatura não resolve o problema da baixa atratividade da profissão e

nem aprofunda a discussão dos motivos que estão na base do problema.

Predebon Titon (2016), em sua tese de Doutorado, desenvolveu estudo de

caso no campo da formação de professores de Física e Matemática envolvendo

orientações institucionais e dispositivos legais que traçam perfil destes futuros

professores, formado no contexto do Instituto Federal Catarinense – IFC campus

Concórdia. Contemplou exigências de docência das escolas-campo envolvidas neste

processo de formação, com intento de compreender se as concepções e práticas dos

futuros professores estavam de acordo com o proposto na teoria institucional e se

refletiam o perfil de profissional desejado pelo mercado.

Nessa tarefa, a pesquisadora analisou propostas de atividades acadêmicas

constantes nos relatórios finais de estágio como forma de compreender as

concepções e práticas de ensino. Nos resultados das análises a autora indica que o

diálogo teórico situa as emergentes discussões da contemporaneidade sobre as

novas características necessárias ao professor e sua prática. Aponta como desafio a

ruptura com antigos modelos que permanecem em vigor e evidencia uma identidade

docente que agrega o protagonismo do saber, respaldado em princípios reflexivos que

sejam capazes de ressignificar sua prática.

Oliveira e Guedes-Pinto (2012), com base na investigação de Oliveira

(2011), já mencionada, realizada no âmbito do Instituto Federal de Santa Catarina

(IFSC), procuram olhar para os efeitos da formação continuada na concepção de

educação de seus professores, tendo como base a vivência de um currículo integrado.

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As autoras, assumindo a perspectiva do estudo das práticas cotidianas e a

metodologia da História Oral, buscaram ouvir os professores do IFSC e se aproximar

dos sentidos atribuídos por eles à sua prática pedagógica e a uma possível relação

com a proposta de formação continuada desenvolvida pela coordenação do Instituto.

As autoras tornam visível a relevância de iniciativas como a de formação

em serviço, que tenha como um de seus objetivos trazer a importância da relação

entre os conhecimentos estritamente técnicos com os conhecimentos da prática

docente. Para as pesquisadoras, o processo de escuta das trajetórias individuais de

cada docente, aliado à proposta de reflexão sobre suas práticas de trabalho,

possibilitou que problemas e dificuldades enfrentados na educação profissional

possam ser mais aprofundados e também expostos a partir de seus desafios.

Arantes (2013) buscou analisar o processo de formação de professores nas

licenciaturas do IF Goiano, tendo, como base, políticas, currículos e docentes que

estruturam os cursos de licenciatura ali oferecidos. Norteado por interrogações sobre

a organização dos cursos e o perfil de seus profissionais, desenvolveu sua pesquisa

utilizando-se de entrevistas e análises de documentos, como estratégias

metodológicas. Ao final, a pesquisa ofereceu elementos indiciadores de que as

propostas curriculares das licenciaturas analisadas se aproximam do modelo 3+121. A

abordagem sobre estágio tangenciada em seu texto está situada nas análises das

matrizes curriculares dos cursos pesquisados.

Martins, Nascimento e Souza (2015) acreditam no estágio supervisionado

como um dos componentes mais importantes da formação docente, por ser um

momento com potencial para produzir compreensões sobre a vida escolar. Assumindo

essa compreensão, estes pesquisadores fizeram levantamento da produção

acadêmica sobre essa temática em trabalhos apresentados no Congresso de

Pesquisa e Inovação da Rede Norte e Nordeste de Educação Tecnológica

(CONNEPI), entre os anos 2009 e 2013, disponíveis em anais desse evento, que tem

edição anual. No âmbito desse evento, entre comunicações orais e pôsteres, estes

pesquisadores constataram que dezenove trabalhos foram aprovados e apresentados

nesse período, num contexto em que existem mais de 300 ofertas de cursos de

licenciatura.

21 Esse modelo desenvolvido, em que nos três primeiros anos o estudante cursa as disciplinas teóricas e no último cursa as práticas (os estágios), iniciou-se no Brasil, segundo Saviani (2008), em 1939. A partir de então, ao longo de décadas, essa forma curricular ganhou hegemonia.

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Um dado que se destacou foi a quantidade de produções entre os anos

pesquisados. Nos anos 2010 e 2011, nenhuma apresentação abordou o assunto,

enquanto que, no ano de 2013, treze delas focaram a matéria, o que manifestou

crescimento no interesse pelo tema. Vale a pena ressaltar que das dezenove

apresentações, sete tratam de temas teóricos e os demais se referem a relatos de

experiências.

Os estudos mencionados denotam um crescente interesse acadêmico

frente ao campo da formação de professores no contexto dos Institutos Federais de

Ensino. As investigações comentadas mostram um movimento entre os

pesquisadores na direção de se formar tal prerrogativa na agenda das

problematizações. Retomando a pesquisa de Calderano (2014) apresentada no início

deste texto, podemos afirmar que os estágios na relação com a formação docente

vêm ganhando atenção e corpo nas pesquisas.

4.3. Breve discurso sobra a formação de professores no Instituto Federal

Fluminense campus Campos-Centro: do CEFET Campos aos dias atuais

Destaques acima citados abrem diálogos com iniciativas de formação de

professores instituídas, oficialmente, no início deste século. Refiro-me à prerrogativa

de expansão de cursos de formação de professores no Instituto Federal Fluminense,

a partir da Lei 11.892, de 2008.

Recuperar aspectos históricos do Centro Federal de Educação Tecnológica

de Campos (CEFET Campos), a partir do período em que recebeu a liberdade para

ofertar cursos de licenciaturas, amplia possibilidades de contextualização da

dimensão formativa da docência no município de Campos dos Goytacazes (RJ).

É necessário mencionar que o contexto das reformas educacionais,

implementadas no final do século XX, favoreceu a transformação dos então CEFETs

para os atuais Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Foi o Decreto

3.462, de 17 de maio de 2000, que modificou o art. 8º do Decreto n. 2.406, de 27 de

novembro de 1997, passando a vigorar com a seguinte redação:

Art.8º - Os Centros Federais de Educação Tecnológica, transformados na forma do disposto no art. 3o da Lei no 8.948, de 1994, gozarão de autonomia para a criação de cursos e ampliação de vagas nos níveis básico, técnico e tecnológico da Educação Profissional, bem como

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para implantação de cursos de formação de professores para as disciplinas científicas e tecnológicas do Ensino Médio e da Educação Profissional (DECRETO n. 3.462, de 17 de maio de 2000).

Em um tempo em que a preparação de docentes para a Educação Básica

vinha apresentando carência no cenário nacional, a Rede Federal de Educação

Profissional insere-se no campo de formação destes profissionais, para atuar na

educação básica. Gatti e Barreto (2009), em um extenso levantamento feito para a

UNESCO sobre a questão educacional no Brasil, confirmam a existência de déficit de

docentes em áreas específicas para atuarem tanto no segundo segmento do Ensino

Fundamental quanto no Ensino Médio. Um fragmento do seu texto comprova a

questão:

[...] o número de professores formados nos últimos 15 anos apresentava enorme defasagem em relação às demandas de professores na educação básica. [...]. A situação mais grave era a da área das Ciências da Natureza, em que havia apenas 9% de professores de física com formação específica, e 13% de química, déficit que incidia particularmente sobre o ensino médio (GATTI e BARRETO, 2009, p. 72).

No que se refere especificamente, então, ao CEFET Campos, sua história

centenária lhe garante posição de destaque entre as escolas da cidade de Campos

dos Goytacazes (RJ) e entorno, pela reconhecida qualidade do ensino tecnológico

que a instituição vem desenvolvendo ao longo dos anos. Tal fato pode ser confirmado

no quantitativo de candidatos inscritos nos seus processos seletivos22, dada a

inserção de seus egressos em cobiçados postos de trabalho e, também, no acesso

ao ensino superior em instituições públicas do país.

O histórico do atual IFFluminense, registrado no portal da instituição,

informa que, na segunda metade do século XX, um dos fatores que alavancaram o

reconhecimento da qualidade do ensino do então CEFET Campos foi a possibilidade

de entrada na Petrobrás23.

22 No último processo seletivo, 2017.1, para o campus Campos-Centro, a Instituição ofereceu 715 vagas e totalizou o número de 4.775 de inscritos. 23 [...] a Petrobrás anuncia a descoberta de campos de petróleo no litoral norte do estado. Notícia que mudaria os rumos da região e influenciaria diretamente na história da instituição. A Escola Técnica Federal de Campos, agora mais do que nunca, representa o caminho para o sonho e passa a ser a principal formadora de mão de obra para as empresas que operam na bacia de Campos (MAIA, 2015). Disponível em: http://portal1.iff.edu.br/conheca-o-iffluminense/historico. Acesso em:12 jun. 2015.

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Levando em consideração as transformações sociais e do mundo do

trabalho, as exigências postas ao exercício da docência trouxeram, como demanda

para a região, maior qualificação dos profissionais do ensino. Em decorrência desse

cenário, o então CEFET Campos fez uso da oportunidade que lhe foi concedida,

reconhecendo ocasião oportuna para o fortalecimento do Magistério no Norte

Fluminense. Assim, no ano 2000, como versão primeira, a instituição implantou seus

primeiros cursos de Licenciatura em Ciências da Natureza (Licenciatura em Química,

Licenciatura em Física e Licenciatura em Biologia)24.

Na realidade do município em questão e seu entorno, em virtude da

escassez de professores em áreas específicas para atuarem na Educação Básica,

era forte a demanda para as esferas municipal, estadual e particular, visto que cursos

de formação de professores em nível superior ofertados na cidade tinham forte

inclinação para o campo de humanas, o que não significava ausência completa de

vulnerabilidade nesta área.

Esse panorama “justificava” forte escassez de professores no campo das

ciências exatas, o que levava muitas escolas a alocarem docentes nas disciplinas

partindo de sua grande área de formação. Assim, era possível encontrar professor de

Matemática ministrando aulas de Física ou Química, como também licenciados em

História, assumindo a disciplina de Geografia. Vale ressaltar que tais desafios não

condiziam com a realidade de todas as instituições da cidade e região.

Já houve caso de escola-campo, de maneira furtiva, lançar mão de

estagiários para desenvolver atividades de ensino, o que trazia indícios dessa

necessidade. No fragmento do relato de Júlia, egressa de uma das primeiras turmas

da licenciatura em Matemática do IFFluminense campus Campos-Centro25, a questão

de falta de professores qualificados fica melhor caracterizada26:

24 Até 2000 o atual IFFluminense, à época, CEFET Campos, oferecia cursos técnicos de Eletrotécnica, Mecânica, Química, Soldagem, Instrumentação, Manutenção, Edificações, Segurança do trabalho, Telecomunicações e Meio Ambiente (Dados fornecidos pelo Registro Acadêmico em 06 de junho de 2017). 25 Destaco o campus, uma vez que os cursos de licenciaturas do IFFluminense abrangem outros campi. 26 Mais adiante na metodologia, serão fornecidas informações sobre o processo de geração de dados.

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Na escola que eu estagiei, os alunos ficavam de dependência, mas não tinham aula

de dependência. Foi quando a Coordenadora pediu para gente dar aula de reforço

para que eles tivessem condições de fazer a prova de dependência e, aí, foi muito

bom. Foi a oportunidade de estar atuando, que até então no estágio a gente só

observava27 (Júlia – Licenciatura em Matemática – 2013).

Dentro desse cenário, iniciou-se a oferta de cursos de formação de

professores no então CEFET Campos. Entende-se que, ao assumir tal tarefa, a

instituição comprometeu-se com debates relacionados à formação desses

profissionais, envolvendo-se também na busca de alternativas sobre diferentes

desafios da escola contemporânea, na organização de suas práticas e demandas

geradas por desdobramentos culturais, políticos, econômicos, técnicos, científicos

que influenciam a formação deste profissional. Entrar, neste campo de desafios, exigiu

que a instituição repensasse seus projetos e compromissos.

Enquanto escola de Educação Profissional e Tecnológica (EPT), a

implantação dos cursos de formação para o magistério trouxe como proposta o

desenvolvimento de uma nova visão entre campos de conhecimento. A cultura

implícita de supervalorização do tecnológico passou a interagir com o reconhecimento

de profissionais oriundos de distintas áreas epistemológicas, prerrogativas fundantes

da estruturação e desenvolvimento da formação dos professores.

No quesito reestruturação e expansão do quadro de docentes, o processo

exigiu mudanças em diferentes dimensões institucionais. Para atender a atividades

de ensino, servidores em exercício, com a qualificação exigida para atuar nos cursos

que iam sendo implantados, tanto da área pedagógica quanto das específicas,

respeitando a liberdade de escolha, iam contribuindo na composição do corpo de

professores. Enquanto instituição pública, a abertura de editais foi o caminho seguido

para admissão de outros profissionais.

Inserir-se nesse novo campo de formação exigiu reestruturação do espaço

físico, o que vem movendo a instituição na direção e investimentos em novos prédios

que abrigam salas de aula e laboratórios.

Em função dessa nova tarefa, parcerias foram firmadas com uma

Universidade pública da capital do Estado, ampliando as oportunidades de os

27 Nesse caso, a Escola tinha professor de matemática, mas não o suficiente para atender à demanda.

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servidores buscarem qualificação exigida para ingressarem no nível superior de

ensino ora oferecido. Esse movimento ampliou o contingente de Mestres e Doutores

que a casa já possuía, bem como trouxe contribuições significativas para os demais

níveis de ensino ofertados na instituição. Nesse aspecto, muitas dessas

reestruturações assumidas vão ao encontro de um movimento mais amplo em que os

Institutos Federais têm se inserido. A pesquisa de Oliveira (2011) no IFSC mostra o

quanto houve de investimento para a demanda de formação pedagógica do corpo

docente.

Em virtude dessas novas mudanças, a Instituição embrenhou-se nas

atividades de pesquisa e extensão, cumprindo determinações da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDBEN):

A educação superior tem por finalidade: [...] incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; [...] promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. [...] atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização de pesquisas pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão que aproximem os dois níveis escolares (BRASIL, Lei 9.394/96, art. 43, incisos III, VII e VIII).

Desde então, em um contexto que vem se constituindo em avanços para

todos os envolvidos no processo, o IFFluminense campus Campos-Centro tem se

movido na direção do cumprimento de suas responsabilidades, esforçando-se para

assegurar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, por meio de

medidas que envolvem adesão a programas de incentivo e valorização do magistério,

como, por exemplo, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID),

Programa de Educação Tutorial (PET), atuação em Projetos de Pesquisa com bolsas

do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação

(PIBITI)28, participação em Projetos de Extensão, implementação de Núcleos de

Pesquisa29, dentre outras ações da mesma natureza.

28 Bolsas PIBIC/PIBITI com fomento do CNPq. 29 Os Núcleos de Pesquisa do Instituto Federal Fluminense (IFFluminense) são constituídos por

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Destacam-se também, nesse cenário, as contribuições vindas de iniciativas

internas do IFFluminense com a realização da Semana das Licenciaturas, encontro

bienal inaugurado em 2010, que “tem como finalidade fomentar reflexões em torno da

formação do professor, de sua prática educativa e das

angústias/questionamentos/desassossegos intrínsecos ao ensinar e ao aprender”30

Tal evento, que já alcançou sua quarta edição em 2016, tem conseguido mobilizar sua

comunidade em torno da questão da docência.

4.4. Alguns antecedentes do estágio supervisionado nas licenciaturas do

IFFluminense

Retomando a implantação de cursos de licenciatura na instituição em

questão, em 2001, o, então, CEFET Campos inaugurou mais duas licenciaturas: em

Matemática e em Geografia, atendendo a demandas de formação de professores da

região.

Os traçados elementares do trabalho da Prática Profissional das primeiras

Licenciaturas do CEFET Campos (Biologia, Física e Química) estão registrados nas

Diretrizes Gerais da Prática Profissional, normativa que expressa a estruturação do

Estágio Supervisionado na instituição, em conformidade com os princípios do Parecer

CNE/CP 28/2001 e, posteriormente, na Resolução CNE/CP 2, de 19/02/2002. Cabe

destacar que o início desta experiência se deu em 2003, momento em que os cursos

iniciados em 2000 se encontravam na segunda metade de seu desenvolvimento

curricular: “400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do

início da segunda metade do curso” (Resolução CNE/CP 2, de 2002, art. 1º, inciso II).

Os elaboradores desse documento entenderam que os componentes da

Prática Profissional (prática como componente curricular, estágio curricular

supervisionado e atividades acadêmico-científico-culturais) formam o conjunto das

práxis, vivenciadas em situações de aprendizagens relacionadas ao pensar e ao fazer

conjuntos de pesquisadores que se organizam em torno de uma liderança para o desenvolvimento de linhas de pesquisa em áreas afins. Estes núcleos são enquadrados, no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, sempre em uma área e em uma grande área do conhecimento. Disponível em: http://portal1.iff.edu.br/pesquisa-e-inovacao/nucleos-de-pesquisa-do-iffluminense. Acesso em: 01 ago. 2015.

30 http://licenciaturas.centro.iff.edu.br/news/iv-semana-das-licenciaturas-do-iffluminense?searchterm=

semana+das+licenciaturas

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da ação docente, possibilitados pela oportunidade de leitura e análise da realidade,

com perspectiva de ousar a construção do novo, entendendo ser o universo escolar

ambiente em que as diversas culturas interagem e estabelecem redes de

conhecimento (CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE CAMPOS.

Prática Profissional: diretrizes gerais, s.d., p. 01).

Vendo a prática por esse ângulo, a delineação dos contornos dessas

atividades, mais especificamente do estágio supervisionado, foi sendo concebido no

movimento que entende as verdades científicas como dinâmicas, é o que afirma o

documento acima referido.

De acordo com o referido documento, os direcionamentos das ações da

Prática Profissional devem pautar-se no fortalecimento de exigências básicas na

formação docente. No que se refere ao estágio supervisionado deve prevalecer:

a necessidade de compreender o ambiente da aula como espaço de construção e reconstrução de saberes e conhecimentos. [...]. Sendo local instituído para a construção do conhecimento, ela deverá oportunizar elos com outras esferas do saber.

a necessidade de redimensionar a gestão da aula e do tempo escolar. [...], necessidade de colocar as tecnologias da informação e da comunicação no cerne do processo educativo, mediante as relações que ocorrem no desenvolvimento da aula [...].

a necessidade de desenvolver um trabalho que ultrapasse os limites das disciplinas/campos de saberes restritos. [...]. Dado o avanço a que se submeteram as Ciências, obrigaram-se a quebrar seus muros [...] que nos leva a admitir a necessidade e a urgência de que os profissionais planejem e atuem em conjunto, [...] integrando saberes, desenvolvendo competências mais eficazes para interagir com o conhecimento e com o mundo (CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE CAMPOS. Prática Profissional: diretrizes gerais, s.d. p. 5).

Essas orientações contemplam, entre outras exigências, a compreensão

da sala de aula como espaço interativo, onde professores e alunos constroem e

compartilham saberes. Nesse sentido, é lugar de vivências organizadoras de relações

capazes de romper com práticas descontextualizadas e fragmentadas.

Há menção à abordagem da “tecnologia no cerne do processo educativo”.

Como princípio abrigado no documento, aponta para uma compreensão de ensino-

aprendizagem, na interface com o eixo tecnológico legitimado na instituição.

Ao ler os excertos retirados do documento, pode-se observar tanto

preocupação em formar o estagiário ligado a questões práticas da escola quanto em

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dar suporte para o campo da pesquisa. Além disso, pode-se também identificar sua

relação com as Diretrizes Curriculares ao assumir uma perspectiva interdisciplinar.

Na implementação do estágio, a instituição firmou parcerias com escolas

básicas situadas no município de Campos dos Goytacazes (RJ) e cidades do entorno,

abrindo possibilidades de diálogo com o cotidiano escolar, estabelecendo relações

com seus profissionais. Deste modo, a configuração desse campo foi se instituindo

em meio a delimitações, avanços e tensões, resultando em experiências significativas,

ou, em alguns casos, em expectativas desapontadas.

A regulamentação, em vigor, que rege as relações no âmbito da Prática

Profissional das Licenciaturas tem como objetivos:

a) contribuir com a formação do estagiário para o exercício da docência; b) propiciar ao estagiário ação interativa dos conhecimentos teórico-práticos numa perspectiva dialética; c) oportunizar ao estagiário diálogo permanente com o campo de atuação docente numa dimensão diagnóstica e propositiva; d) possibilitar ao estagiário elaboração e desenvolvimento de projetos educativos construídos coletivamente com a comunidade acadêmica da escola-campo, visando ao aprimoramento da qualidade social e cognitiva do processo de ensino e de aprendizagem. (REGULAMENTO DA PRÁTICA PROFISSIONAL DAS LICENCIATURAS. s.d. Disponível em: http://licenciaturas.centro. iff. edu.br/nucleo-de-apoio-a-pratica-profissional/reguamento-da-pratica-profissional/view. Acesso em: 5 set. 2016).

O fortalecimento de vínculos entre Instituição ofertante da licenciatura e

escola-campo é movimento que vem produzindo abertura de diálogos, favorecendo

aproximações entre a formação acadêmica inicial e situações vividas na escola

básica. Da qualidade dessas interlocuções derivam os demais encontros e confrontos

do tempo do estágio.

Uma nova fase de expansão dos cursos de formação de professores no

IFFluminense teve início em 2012, dois anos após a transformação dos CEFETs em

Institutos Federais, com a criação da Diretoria dos Cursos Superiores de Licenciatura

(DIRLIC), no campus Campos-Centro. Essa nova organização trouxe necessidades

de mudanças na dinâmica dos cursos ofertados, considerando que, a partir desse

momento, todas as licenciaturas ficariam submetidas a orientações emanadas de um

mesmo setor. As demandas, originadas a partir da implantação da referida diretoria,

vêm proporcionando interlocuções entre as Licenciaturas ofertadas. Os diálogos nas

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interações entre os cursos têm se firmado como fator determinante na compreensão

dos egressos sobre a profissão. As atribuições conferidas a esta Diretoria ficaram

assim organizadas:

a. Exercer função de mediação e interlocução entre as diversas instâncias educacionais. b. Contribuir com a formação acadêmica do licenciando frente ao mundo do trabalho no ofício de professor, na perspectiva de qualificar a formação profissional dos futuros formadores da Educação Básica. c. Viabilizar, sistematicamente, a participação de servidores, no âmbito dos Cursos de Licenciatura, em atividades de extensão e em eventos acadêmico-científico-culturais. d. Organizar mecanismos em prol do processo de ensino e de aprendizagem e do cumprimento das políticas, diretrizes e metas da Educação Nacional e das políticas institucionais. e. Apoiar logística e pedagogicamente os Programas do MEC voltados à formação de professores. f. Viabilizar o processo de (re)construção, reformulação e implementação do Projeto Político Pedagógico dos Cursos de Licenciatura junto às Coordenações Acadêmicas de Curso. (Disponível em: http://www.licenciaturas.centro.iff.edu.br/. Acesso em: 6 maio 2015).

A constituição dessa nova diretoria, que se apresenta como espaço motriz

para a implantação, implementação e desenvolvimento de cursos de formação de

professores, ofereceu não apenas base de estabilidade para às coordenações dos

cursos já instituídos, mas, sobretudo, ponto de apoio para implementação de novos

cursos.

Para atender a uma nova demanda de ensino, em 2013, o IFFluminense

campus Campos-Centro implantou a licenciatura em Letras e, logo, em seguida,

atendendo à solicitação e exigência para áreas de ensino pouco exploradas na região,

no 2º semestre de 2015, o referido campus inaugurou as licenciaturas em Educação

Física e Teatro.

É possível reconhecer que a instauração da DIRLIC trouxe maior

legitimidade para as licenciaturas na relação com cursos historicamente instituído,

favorecendo o diálogo em ações que, até então, apresentavam dificuldades de

interlocuções, como, por exemplo, desenvolvimento de atividades conjuntas, maior

interlocução entre as coordenações de cursos, na interação com os demais campi

etc..

Dando lugar a novas construções e diálogos, o Programa de Apoio a

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Laboratórios Interdisciplinares de Formação de Educadores (LIFE)31 vem

desempenhando papel bastante significativo no estabelecimento de dinâmicas

interativas entre a Instituição de Ensino Superior e Escola Básica.

Os laboratórios constituem espaços de uso comum das licenciaturas nas dependências de Instituições Públicas de Ensino Superior (Ipes), destinados a promover a interação entre diferentes cursos de formação de professores, de modo a incentivar o desenvolvimento de metodologias voltadas para: Inovação das práticas pedagógicas; formação de caráter interdisciplinar a estudantes de licenciatura; Elaboração de materiais didáticos de caráter interdisciplinar; Uso de tecnologias da informação e comunicação (TIC's); Articulação entre os programas da Capes relacionados à educação básica. (Disponível em: http://www.capes.gov.br/educacao-basica/life. Acesso em: 4 jul. 2016).

Há de se destacar, ainda, que, entre os 52 projetos classificados, o

IFFluminense ocupou a 12ª posição. Desde então, a instituição vem ampliando sua

interlocução com escolas-campo, por meio da implementação de ações desse porte,

durante o período de estágio. Destaca-se o projeto “Olha para o céu, Frederico! à

contemporaneidade”, produzido na interação entre as licenciaturas do campus

Campos-Centro, elaboração motivada pelo centenário do escritor campista José

Cândido de Carvalho, autor do romance Olha para o céu, Frederico!, obra escolhida

dentre outras produções do escritor. A menção a essa experiência deve-se ao fato de

ser o projeto que marcou o início dessa proposta.

Retomando os aspectos históricos de constituição e estabelecimento do

IFFluminense, após oito anos de experiência com formação de professores, o CEFET

Campos, assim como outras 37 instituições32 foram transformadas em Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, mudança garantida pela Lei 11.892, de

2008, que define estes estabelecimentos de ensino como:

Instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas nos termos desta Lei (BRASIL. Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, art. 2º).

31 Com objetivo de fomentar a formação docente interdisciplinar, a Capes/MEC lançou, em 23 de setembro de 2013, o Edital 067/2013, que estabeleceu critérios relativos a implantação de Laboratórios Interdisciplinares de Formação de Educadores. 32 Ver Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, art. 5º.

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Na visão de Pacheco (2011, p.14), a nova institucionalidade dos Institutos

Federais, ao agregar à formação acadêmica a preparação para o trabalho

transversado por princípios tecnológicos, oferece condições para se implantar uma

outra estrutura curricular. Ele afirma: “O que se propõe é uma formação

contextualizada, banhada de conhecimentos, princípios e valores que potencializam

a ação humana na busca de caminhos de vida mais dignos” (ibid., p.15). Nesse

contexto, há que se considerar a possibilidade de novos desafios para a formação

docente.

Entre idas e vindas, as experiências vividas no estágio, quando vistas pela

dinâmica das relações que assinalam para o futuro docente, vivências

correspondentes à sua carreira profissional, caracterizam-se como momento de

discussão dialógica. Nessa aproximação teórica e prática, percepções sobre a

profissão vão sendo tecidas, mediadas por sentidos que as mobilizações ali

instauradas vão assumindo.

Dentro desse enfoque, o próximo capítulo tem como proposta detalhar o

caminho percorrido pela pesquisa realizada.

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5. O processo de mobilização experimentado no tempo da inserção

dos licenciandos no estágio

“Caminhante, não há caminho, o caminho faz-se caminho ao andar”.

Antonio Machado

Entrelaçar conceitos e ideias com os enunciados dos dados obtidos

demanda retomar objetivos da pesquisa: Compreender o papel mobilizador do estágio

sobre o ser professor; problematizar o estágio como tempo/espaço que dimensiona a

compreensão da docência; compreender influências dos percursos escolares

relatados pelos estudantes e sua relação com a escolha pela profissão docente.

Retomando o estudo já citado de Ostetto (2011), os encontros que

caracterizam o estágio supervisionado, segundo o ponto de vista da autora, tecem

sentidos e significados à formação do professor, pois eles têm o potencial de revelar

aprendizagens experimentadas. Assumindo esse espaço formativo como espaço de

rememoração, ela defende que, na memória narrada, aparecem individualidades que

interpretam e atribuem significados a esse momento do percurso profissional, fazendo

emergir diferenças nos modos de pensar e agir, nos jeitos de ser (p. 81).

Além de retomar memórias, recuperar vivências pertinentes à trajetória

desses sujeitos no acolhimento que recebem na escola básica, ainda no processo de

inserção, os relatos sobre esse tempo oferecem pistas para compreender movimentos

estruturantes da formação. A esse respeito, indagar o que eles têm a dizer sobre os

contextos que geraram suas opções profissionais, quais expectativas definiram o que

esperavam dessas experiências, são caminhos que trazem significados e sentidos à

compreensão de docência que eles vão construindo ao longo da experiência de

estágio.

No diálogo estabelecido com as narrativas, assumimos com Charlot (2000)

o conceito de mobilização, como base de discussão que marcam as relações desses

sujeitos com a profissão, tanto no tempo das “convicções” preliminares caracterizadas

por expectativas e temores, quanto no contexto de inserção propriamente dito no

campo de estágio.

Como dito em capítulos anteriores, tal conceito implica a dinâmica do

movimento. Charlot (2000) expõe que, para haver mobilização do sujeito, é necessário

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que ele encontre sentido e significado na atividade. Desse modo, interessarão os

móbiles desse movimento, ou seja, o que põe em ação o movimento propriamente

dito: a entrada na atividade (CHARLOT, 2000, p. 55).

Para ampliar tal discussão, este teórico se utiliza de uma metáfora distante

e ancestral: a guerra, mais especificamente às ações que encaminham os

procedimentos de entrada, ou seja, ao conjunto de fatores que impulsionam a

introduzir-se em tal acontecimento. Ele diz:

Mobilizar é por recursos em movimento. Mobilizar-se é reunir suas forças, para fazer uso de si próprio como recurso. Nesse sentido, a mobilização é ao mesmo tempo preliminar, relativamente à ação (a mobilização não é a guerra...) e seu primeiro momento (... mas indica a proximidade de entrada na guerra) (CHARLOT, 2000, p. 55, grifo meu).

Qualquer que seja a proposta de formação docente, ingressar no campo

do estágio inclui dimensões de experiências passadas, refletidas nas experiências que

estão por vir, ou seja, apreciações do contexto preliminar à entrada dos sujeitos

estagiários na escola-campo conferem inteligibilidade à dinâmica por ele vivida no

âmbito escolar. Nesse sentido, os diferentes movimentos vivenciados pelos sujeitos

da pesquisa trazem, na dinâmica de articulação de vozes, caminhos de escolhas e de

aprendizagens da profissão.

Mário, ao problematizar as razões que o levaram a buscar um curso de

licenciatura, menciona o papel que a escola teve nessa decisão. Embora não explicite

e nomeie a instituição, ao narrar seu processo, destaca seu professor de literatura.

Conta-nos:

Quando eu percebi, no segundo ano do Ensino Médio, que a Literatura, a escrita de

um livro ficcional, que você consegue por meio de uma história criticar uma pessoa,

um regime político, um governo, alguma época, um comportamento ou um

pensamento, enfim, você pode usar de uma coisa que é totalmente ficcional, que de

uma primeira vista só por entretenimento passa ser uma coisa tão séria, tão crítica,

eu disse: não. Eu preciso ver essa coisa mais a fundo, ver como isso funciona. O

Primo Basílio, de Eça de Queirós, como o adultério era uma crítica à sociedade que

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parecia manter seus valores morais, mas que na verdade, por trás, eram outros.

Quando eu li aquilo, vi o professor falando acerca daquilo, ... o livro didático ..., eu

disse: é por aqui que eu vou seguir (Mário – Licenciatura em Letras – 2015).

Os elementos trazidos em seu depoimento são indiciadores de que práticas

de ensino vividas como aluno o mobilizaram para sua escolha profissional “eu vi o

professor falando acerca de daquilo, ... o livro didático ..., eu disse: é por aqui que eu

vou seguir”.

Sobre essa questão, Charlot (2013), ao abordar perspectivas históricas do

ensinar aprender na realidade brasileira, traz como dilema a dificuldade que o aluno

enfrenta para construir o saber. Para ele, a questão fundamental não está em o

professor ser tradicional ou construtivista, mas na maneira como ele resolve duas

tensões ao ato de ensinar e educar: “ensinar é ao mesmo tempo, mobilizar a atividade

dos alunos para que construam saberes e transmitir-lhes um patrimônio de saberes

sistematizados legado pelas gerações anteriores de seres humanos” (ibid., p. 114). A

expressão usada por Mário: (“quando eu percebi”) chama atenção para um movimento

em direção às condições de aprendizagens que, segundo relata, o transformaram no

sentido de desejar tornar-se professor (FREIRE, 1999). Ele prossegue: “Eu preciso

ver essa coisa mais a fundo, ver como isso funciona. [...] É por aqui que eu vou seguir”,

enfatizando que ele encontrou “boas razões”, ou seja, motivo para investir em sua

formação, mobilizando-se em relação ao magistério, fazendo uso de si mesmo como

recurso.

5.1. Retorno à escola básica: lugar intermediário entre aprender e ser professor

Carlo Ginzburg (1999), historiador italiano, ao fazer uma reflexão sobre os

princípios que têm orientado as Ciências Humanas, esclarece que práticas de nossos

ancestrais já nos ensinavam sobre potencialidades que os olhares nos oferecem.

Referindo-se a esse tempo, afirma que caçadores, através de dados aparentemente

irrelevantes, buscavam indícios para assim reconstruírem fatos. Atenção nos

detalhes, nos vestígios, nos restos, podiam guardar sentidos, sinais, que poderiam

clarear a realidade (GINZBURG, 1999). Os procedimentos desses antecessores

oferecem pistas para o retorno do estagiário ao contexto em que viveu experiências

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por um longo período: o que observar naquele contexto? Como compreender e

relações ali vividas?

A escola básica tem papel orientador na formação docente. Na experiência

de Mário, chama atenção o sentido que a escola ocupou no seu processo educativo,

levando-o a entender que esse contexto oferece muitas maneiras de aprender. A partir

de sua experiência escolar, diz:

Mas eu acho que a escola, a escola pública, tem sentido para mim de abrir

possibilidades de escolha, mostrar que existem outros caminhos. Mesmo você

nascendo dentro de uma família de comerciante, você não tem que seguir aquele

caminho. Você pode, conhecendo conteúdo de uma área de exatas, se interessar

para calcular uma área, construir uma casa, trabalhar no oceano, numa plataforma,

por exemplo. Ou estudar arte, literatura, investigar história, enfim, é meio que (pausa),

no sentido de oferecer escolhas (Mário – Licenciatura em Letras – 2015).

Seu relato sobre aprender diversos conhecimentos na escola põe em

relevo um desejo que pode estar ancorado nos processos em que a apropriação do

saber se dá sob a forma de linguagem: “objetos-saberes, isto é, objetos aos quais um

saber está incorporado: livros, monumentos e obras de arte, programas de televisão

‘culturais’ ...”, denominadas por Charlot (2000, p. 66) de “figuras do aprender”.

Este teórico é enfático ao dizer que a noção de mobilização implica

necessariamente questão do desejo. Ou seja, enquanto dinâmica interna do sujeito,

esse processo conduz a sua entrada em uma atividade, o que requer obrigatoriamente

pensar sobre seu desejo. E diz: “o desejo é a mola da mobilização e, portanto, da

atividade” (ibid., p. 82).

Outra participante da pesquisa, se refere a seu projeto pessoal como

legitimador de sua escolha pela docência. Também se pode identificar, à luz de

Charlot (2000), a perspectiva do querer, da vontade. Refiro-me à experiência de Jane.

Em suas próprias palavras, durante a entrevista, ao comentar sobre a profissão

docente, afirmou:

Minha identificação com a docência foi por causa dos meus períodos escolares

mesmo, principalmente no ensino fundamental. Professores que me amavam demais,

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com um bom relacionamento; muitos projetos em que eu estava envolvida. Acho que

foi por isso que criou esse fascínio, um ambiente onde eu quero permanecer, eu não

quero sair dali (Jane – Licenciatura em Geografia – 2014).

Nesse trecho em que rememora seu período escolar, a estudante retoma a

questão da afetividade como manifestação própria do trabalho docente, ressaltando

ser esse um vínculo importante à mobilização dos alunos para o aprender. Ao

entender que no exercício da docência afetividade e cognoscibilidade não se excluem,

Freire (1999) destaca que querer bem aos educandos é exigência para ensinar. No

entanto, o autor também lembra que a amizade com os alunos não pode interferir no

compromisso do professor com a aprendizagem de seus educandos, bem como no

exercício de sua autoridade. Considera também que querer bem aos alunos significa

disponibilidade à alegria de viver. Ele entende que “É digna de nota a capacidade que

tem a experiência pedagógica para despertar, estimular e desenvolver em nós o gosto

de querer bem e o gosto da alegria sem a qual a prática educativa perde o sentido”

(ibid., p. 142). Ele insiste em dizer que prática educativa com afetividade não dispensa

a formação científica.

Dadas as relações que se estabelecem na prática docente e desconfortos

vividos pelo professor na contemporaneidade (inclusão/exclusão, fluidez na

demarcação da relação professor aluno, violência no espaço escolar, dentre outras

situações), Charlot (2012, 2013) considera que afetividade e autoridade são

contradições a serem enfrentadas. Mas considera que a “simpatia antropológica”33

como parte integrante dos fazeres docentes torna possível legitimar a autoridade na

experiência pedagógica.

A estudante Jane, ao narrar sua trajetória, traz o aspecto do envolvimento

em atividades escolares, que parece refletir a função básica da escola. Nessa sua

experiência, manifesta o desejo de permanecer no ambiente escolar, mostrando estar

mobilizada para realizar investimento pessoal enquanto escolha profissional:

Minha identificação com a docência foi por causa dos meus períodos escolares

mesmo, principalmente no ensino fundamental. [...]. Acho que foi por isso que criou

33 A simpatia antropológica remete a uma forma de relação espontânea da geração adulta para com os mais novos.

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esse fascínio, um ambiente onde eu quero permanecer, eu não quero sair dali (Jane

– Licenciatura em Geografia – 2014).

O sentimento verbalizado neste excerto, indicia que o pensar e o agir dos

alunos são impactados por interações desenvolvidas em sala de aula, tendo potencial

para influenciar escolhas futuras, o que reafirma a complexidade dessa relação,

exigindo atitudes criadoras, instigadoras, inquietas, curiosas, humildes e persistentes

(FREIRE, 1999, p.26).

O depoimento de Jane também assinala para o fato de que vivências no

processo de formação são também responsáveis pela constituição da docência. Ao

relatar seu forte envolvimento com a profissão, rememora relações afetivas como

responsáveis por sua escolha.

Frente a dilemas vividos no contexto escolar, sejam pelas alterações sócio-

históricas ou por outros fatores que impactam direta ou indiretamente o campo da

educação, identificar neste tempo escolar atitudes que manifestam desejos voltados

para o ato de aprender indica que é preciso considerar a contradição como realidade

vivenciada na escola, sabendo que seus sujeitos não são agentes passivos diante das

condições concretas que se apresentam a eles.

Desapontamentos diante de expectativas de formação básica, que

deveriam estar garantidas nos espaços escolares, são sentimentos que muitas vezes

marcam a passagem de estudantes pela escola básica, reforçando a produção das

desigualdades. Rafaela, ao ser interrogada sobre situações vividas na escola básica

que marcaram sua trajetória escolar, responde:

Olha, eu vou te falar que, incrivelmente, tiveram coisas positivas, mas algo negativo

também marcou. Eu me lembro que quando eu estava para participar do processo

seletivo para entrar no Ensino Médio do antigo CEFET, eu fiquei sem professor de

matemática durante seis meses na Escola Estadual onde eu estudava. Aí sabe,

quando você tem que correr atrás, você tem que correr por fora (Rafaela – Licenciatura

em Química – 2015).

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Patrícia e André, trazem na memória experiências que preferem reforçar

por outro viés, se comparados à experiência de Rafaela. Porém, o aspecto relacional

da sala de aula se sobrepõe a todas as demais experiências escolares destes

entrevistados. É o que relatam, ao serem interrogados sobre suas relações com a

escola básica:

Eu tive uma relação boa com todas as escolas por onde passei. [...]. Tive alguns

professores que talvez não fossem tão bons assim, mas por outro lado tive bons

professores. Tive professores que me ensinaram muito e pra mim fez muita diferença

(Patrícia – Licenciatura em Ciências da Natureza – 2014).

E André assim nos conta:

A escola básica para mim, pode até parecer aquele papo piegas, mas para mim ela

é realmente a base do ensino. É o mínimo que as pessoas podem ter, se a gente

levar em consideração que na escola passamos um longo período de nossas vidas.

Então você cria vínculos com a cultura da escola, com os professores, com as ideias

da escola. Isso tem um impacto muito grande na vida do aluno. A escola básica em

si forma a vida do aluno (André – Licenciatura em Biologia – 2015).

A fala destes entrevistados, eu fiquei sem professor de matemática durante

seis meses na Escola Estadual onde eu estudava (Rafaela); tive professores que me

ensinaram muito e pra mim fez muita diferença (Patrícia); é o mínimo que as pessoas

podem ter, se a gente levar em consideração que na escola passamos um longo

período de nossas vidas (André), aponta para as incertezas vividas pelos atores da

escola, fator que em maior ou menor grau acaba por influenciar a experiência do

estágio. Os sentidos dessas interlocuções constroem bases para compreensões do

espaço profissional em que esses sujeitos atuarão, ou seja, na centralidade dessas

memórias, as potencialidades deste tempo formativo vão se (re)configurando, sem se

prender a elas, numa fluidez que possibilita a construção de novos caminhos.

5.2. Trajetórias percorridas na escolha pela docência

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Se levarmos em conta a dimensão do dinamismo da instituição escola

levado a efeito pelos sujeitos que compõem seus distintos ambientes, seus modos

particulares de perceber o mundo, de organizar os preceitos que regem suas ações,

seus interesses e visões, ela pode ser compreendida como espaço permeado por

contradições, em que o aluno gosta de lá estar mais pelas possibilidades de

socializações que ela oferece do que necessariamente pelos sentidos que ele

encontra em seus fazeres. Os dizeres de Júlia enveredam para essa direção, de se

ter a escola como lugar agradável de convivência:

Júlia – Eu sempre gostei de estudar, sempre criei vínculos com a escola e com os

professores. No ensino fundamental estudei desde pequena até o nono ano na

mesma instituição. Então, sempre criei vínculos com a escola e com os professores.

Depois vim estudar nessa instituição, onde também criei vínculos muito fortes. Sempre

me senti muito à vontade, muito em casa, de permanecer na instituição em horários

vagos para estar com os colegas. Isso porque na escola me sinto bem, num ambiente

agradável e sempre tive uma relação boa com os estudos também.

Entrevistadora – O que levou você a escolher a docência?

Júlia – Eu fazia Ensino Médio e Técnico em Edificações, e minha intenção era fazer

Engenharia Civil. Só que no 3º ano, eu achava que não estava em condições de fazer

o vestibular e, aí, decidi que ia ficar um ano, só fazendo pré-vestibular. Mas, no fim

daquele ano, eu descobri que os alunos da rede pública não pagavam para fazer a

inscrição do vestibular aqui na instituição e, aí, eu decidi concorrer a uma vaga na

Licenciatura em Matemática. Fiz o vestibular, passei e iniciei o curso. No ano seguinte,

fiz vestibular pra Engenharia e também passei. Mas, quando eu fiz vestibular para

Engenharia, já tinha me encontrado no ensino (Licenciatura em Matemática – 2013).

Quanto ao que a estudante relata a respeito de como se decidiu pela

profissão, destaca-se o caráter do acaso, do não planejado – ter sabido da gratuidade

da inscrição no vestibular. Seu relato vai ao encontro de um dos achados de Fontana

(2000), já mencionada, sobre a diversidade de percursos na formação de professores.

A autora, em seu grupo de sujeitos pesquisados, também se depara com relatos em

que razões externas à mobilização do sujeito o levaram para docência, como o

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testemunho de Júlia demarca.

Seguindo sua narrativa, a estudante conta que as dúvidas que comumente

ocorrem na hora de escolher qual carreira seguir levaram-na a cursar, de maneira

concomitante, dois tipos de graduação: Licenciatura e Bacharelado.

André, informa também que foi aprovado para o vestibular de Engenharia

Química, mas o fato de sua família não dispor de recursos financeiros para arcar com

tais custos, acabou se enveredando pelo caminho do magistério. Tal determinante de

sua condição socioeconômica, como condicionante da escolha profissional, reforça

estudos de outros pesquisadores a respeito dos perfis do profissional professor

(BATISTA, 1998. FONTANA, 2000; MARIANO, 2016).

Ele aponta, como razão motivadora dessa sua nova escolha profissional, a

possibilidade de servir a gerações futuras.

A docência começa no desejo de acrescentar alguma coisa para a próxima

geração. Porque o trabalho do professor não se resume no conteúdo específico da

área em que ele trabalha. Ele é uma pessoa, uma vida e vai passar isso na forma

de dar aula. Então, o que me levou a escolher a docência foi exatamente esse meu

desejo (André – Licenciatura em Biologia – 2015).

Ao mencionar em suas narrativas ter “desejo de acrescentar uma coisa

para a próxima geração”, como fator relevante da profissão, pode ser decorrente do

entendimento de que a dimensão relacional estabelece as bases da prática docente.

Não se pode negar que o cotidiano da docência recoloca a cada instante tal dimensão:

“alunos e professores, seres humanos concretos, sujeitos sociais e históricos,

presentes na história, atores da história” (DAYRELL, 2006, p. 136). Mas não se pode

confundir esses fatos com vocação, não atribuindo importância a aspectos materiais

como remuneração, condições de trabalho, formação, dentre outros. Vale ressaltar

que os elementos concernentes às condições materiais representam reconhecimento

tanto da profissão quanto dos profissionais, ingredientes que interferem no desejo de

se tornar professor.

A declaração de André se aproxima em parte da referência feita por Patrícia

sobre sua escolha pela licenciatura. Ressalta-se que esta entrevistada estava, à

época, cursando o segundo período da licenciatura em Ciências da Natureza.

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A escolha pela Licenciatura foi uma questão assim, para eu tentar passar o que eu

aprendi ao longo de minha trajetória e poder tentar, assim, acrescentar um dado novo,

sem direcionar o pensamento dos alunos, de quebrar barreiras mesmo. Eu mesma já

passei por isso em algumas disciplinas, de já começar com o pensamento de que não

ia conseguir aprender porque era muito difícil (Patrícia – Licenciatura em Ciências da

Natureza – 2014).

As expectativas explicitadas na fala de Patrícia, em relação a sua futura

atuação docente, colocam a formação e a profissão num patamar um tanto

“romântico”. Se por um lado essa visão demonstra certa ingenuidade acerca da

profissão, por outro, sinaliza para o papel ativo que o processo de formação

desempenha na compreensão do que é ser docente.

Os escritos de Gatti e Barreto (2009) trazem esclarecimentos sobre o

contexto que marca o cenário da formação docente no Brasil desde décadas

passadas. As autoras reconhecem que em função da expansão industrial e do capital,

improvisações foram necessárias e houve méritos nesses avanços. Porém, em

decorrência dessas transformações sociais, urgências ainda penetram os muros da

escola, pressionando por concepções e práticas educativas que possam contribuir

significativamente para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e

moderna (p. 12). Este cenário coloca em evidência o papel mobilizador do estágio

para a compreensão das demandas da docência na contemporaneidade.

Como podemos observar, no que se refere à intencionalidade da escolha

pela docência, os entrevistados lançam luz tanto em experiências vividas na educação

básica, quanto na possibilidade de vir a ajudar o aluno a aprender e se desenvolver,

reforçando, assim, ser a tomada de decisão pelo magistério resultado das inter-

relações assumidas nas trajetórias escolares. Nesse sentido, tais experiências por

eles relatadas mostraram-se potentes enquanto mobilizadoras desses sujeitos,

assegurando que nessas vivências é possível encontrar alguma “boa razão” para

escolher o caminho da docência.

Seguindo o fio das trajetórias contadas pelos sujeitos participantes da

pesquisa, no próximo tópico, buscaremos compreender sentidos que a profissão vai

assumindo a partir da experiência de inserção no campo de estágio. Quais desejos se

destacam nesse processo formativo?

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5.3. Deslocando-se para o campo de estágio: mobilizações para novas

aprendizagens

De certa maneira, a organização do contexto de inserção do estagiário na

escola básica recupera imagens de tempos escolares, que na confluência de

oportunidades e desafios presentes nesse processo, tipos de relações vão se

instituindo, alimentando ou desapontando a opção pela carreira. Assim, a experiência

de entrada no campo, enquanto atividade acadêmico formativa com potencial para

criar mecanismos (des)mobilizadores expõe a necessidade de interrogar sobre os

sentidos que estes sujeitos vão atribuindo aos saberes adquiridos nestas relações.

Retomando os dizeres sobre as práticas vividas por Mário em suas

relações de estágio, ajustar o foco sobre sua inserção neste campo põe em evidência

seu engajamento nestas atividades.

Quando eu cheguei, me apresentei como estagiário e a escola me recebeu muito bem.

Eu me lembro até da diretora no pátio falando assim: Vocês são estagiários? Sejam

bem-vindos. Assim, muito simpática, muito receptiva com a gente. E aquilo gerou um

clima de conforto, a gente ficou muito à vontade na escola para observar, para

conversar com os funcionários. Então, assim, a escola nos recepcionou muito bem.

[...]

O que foi um pouco conturbado pra mim foi a recepção de estágio enquanto disciplina,

na forma como está organizada. Eu não esperava tanta burocracia: assinaturas,

relatório, contrato, seguro [...]. Eu imaginava uma certa burocracia, porém um pouco

mais reduzida, pensei que seria um processo muito mais de troca com os colegas,

com os professores, eu esperava talvez uma coisa mais dinâmica (Mário –

Licenciatura em Letras – 2015).

A referência feita por este estudante sobre seus contatos iniciais traz

indícios sobre mobilizações resultantes desse dinamismo “aquilo gerou um clima de

conforto, a gente ficou muito à vontade na escola para observar, para conversar com

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os funcionários”. Mobilização, enquanto força que ocasiona movimento interno no

indivíduo e que requer engajamento em uma atividade (CHARLOT, 2000) nos ajuda a

entender implicações decorrentes destas vivências iniciais.

Na narrativa do fragmento destacado acima, ressalta-se o efeito descrito

no movimento de recepção recebida na escola-campo, refletindo sentidos e

significados que demarcaram sua atuação naquele ambiente. No caso deste

estudante, tal receptividade representou abertura para transitar entre os espaços da

instituição, rompendo com boa parte do distanciamento que estes estagiários

comumente encontram na relação com o coletivo da escola.

Não há como negar que a presença do estagiário na escola-campo quebra

a rotina das ações cotidianas da instituição, ou, como nos lembra Ostetto (2011), a

concretização deste momento expõe os envolvidos ao desconhecido, o que por

condição natural compõe um cenário propício a expectativas, incertezas,

desconfortos, espantos, admiração, desejos ou comportamentos semelhantes.

Porém, os modos de recepção garantidos pela escola têm forte influência na

qualidade das relações e das experiências que delas decorrem. A vivência descrita

por Mário exemplifica a questão: “a escola me recebeu muito bem. Eu me lembro até

da diretora no pátio falando [...]”. A boa receptividade recebida, conforme relata,

marcou sua iniciação neste cenário, agora na condição de futuro docente, levando-o

a reconhecer nesse encontro possibilidades formativas que ratificaram perspectivas

construídas ainda no início desse seu curso, já referida: (“Nossa, estágio! Como vai

ser?”). Ao mesmo tempo, seu dizer enfatiza o quanto as questões burocráticas

ocuparam sua relação, trazendo para cena aspectos das regulamentações e marcos

legais que cada vez mais têm se constituído como intermediadores do processo.

Os relatos desse entrevistado destacam também sentidos que ele atribuía

à escola básica antes de iniciar o estágio, sinalizando para a importância do professor

que recebe o estagiário, aquele que viabiliza tal experiência. O potencial dos diálogos

travados nessas relações guarda sentido com ajustes das lentes dos futuros docentes.

Antes de começar o curso, mais precisamente o estágio, eu acreditava no sentido

transformador. Acreditava muito. Na verdade, eu era ingênuo ao pensar que a escola

vai transformar tudo assim de uma hora para outra.

[...].

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Eu talvez pensasse que fosse uma coisa muito mais solta, do tipo: a gente vai pro

campo, depois vem e entrega um relatório, mas hoje eu acho que você precisa ter um

olhar mais científico. Como você mesmo ensina pra gente, que precisamos trabalhar

o olhar acerca daquela realidade pra tentar entender de dentro aquela realidade, como

funciona (Mário – Licenciatura em Letras – 2015).

Os enunciados acima referidos remetem aos movimentos responsáveis

pela construção de olhares sobre a profissão. Neles, residem também a especificidade

que cada um vai dando à sua identidade profissional. Nesse sentido, essas

compreensões, que caracterizam a espera pelo tempo de inserção no campo de

estágio, podem ser entendidas como movimentos direcionadores de aprendizagens.

Questões levantadas por este participante, como: “pensar que a escola vai

transformar tudo”, “Eu talvez pensasse que fosse uma coisa muito mais solta”, “Como

você mesmo ensina pra gente, que precisamos trabalhar o olhar acerca daquela

realidade pra tentar entender de dentro aquela realidade, como funciona”

exemplificam bem a questão.

É possível perceber que a inserção no campo de estágio trouxe, segundo

seus dizeres, para o estudante, mudanças de sentido sobre o papel que este

componente desempenha na formação docente. Ele comenta: “precisamos trabalhar

o olhar acerca daquela realidade pra tentar entender de dentro aquela realidade, como

funciona”. Esta sua fala põe em destaque o trabalho do professor supervisor de

estágio que, ao acompanhar e problematizar as situações vividas no campo, oferece

oportunidade para se compreender movimentos próprios das relações escolares.

Nesse contexto, cabe retomar os estudos de Cristofoleti (2015). Referindo-

se ao papel mediador que o professor/supervisor de estágio desempenha, a

pesquisadora destaca a complexidade que envolve a supervisão. Ressalta que tal

complexidade só pode ser entendida, de fato, “nas réplicas que constituem a relação

de supervisão e na multiplicidade de vozes sociais nela implicada” (p. 129). Diz ainda

que, “o teor e o estilo dessas réplicas dependem da situação concreta em que se

produziram, [...] da história de cada estagiário, da sua experiência e de seus objetivos,

[...] dos conhecimentos produzidos historicamente sobre a docência [...]”.Essas

considerações oferecem elementos para pensar que “a trama das réplicas” manifesta

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a individualidade, a visão, a compreensão que cada estagiário vai construindo a partir

de sua dinâmica interna que, quanto mais significativas forem suas experiências, mais

sentido a profissão terá para o sujeito (CHARLOT, 2000).

Guedes-Pinto e Fontana (2006) aprofundam o assunto nos ensinando que,

por mais que o momento do estágio já tenha se naturalizado, ele provoca sentimento

de incômodo. Elas trazem questionamentos que nos levam a pensar a complexidade

que entrelaça a dinâmica dessa relação: “Como encontrar o outro, aproximar-se dele,

compartilhar situações e atividades com ele? Como intervir em seus modos de

atuação e na elaboração de suas vivências? Como viver suas intervenções sobre

nossos gestos, ações e dizeres?” (ibid., p. 81).

Ainda nas articulações que caracterizam a entrada desses estudantes no

campo, Rafaela põe foco no encontro entre estagiários e alunos da escola básica, no

que diz respeito à complexidade da transitoriedade do lugar social que o estagiário

ocupa nas relações escolares. Diz ela:

Eu tenho expectativa no sentido de, como vai ser? Será como que o aluno vai ver a

gente? Como vai ser essa relação? [...] E a questão do respeito? Eu acredito que o

respeito pode vir de cara, né? Mas eu também tenho que saber lidar se não vier de

cara. Entendeu? Eu não sei como poder conquistar esse respeito (Rafaela –

Licenciatura em Química – 2015).

Sobre essa questão, faz-se necessário retomar as ideias de Guedes-Pinto

e Fontana (2006) que se ancoram no pensamento de Augé (1994) no que se refere

ao sentido de “não-lugar”, para se referirem à transitoriedade do lugar social que o

estagiário ocupa nas relações escolares. Elas afirmam que a participação dos sujeitos

neste espaço formativo “se caracteriza pela ausência de vínculos e pelo efêmero, pela

provisoriedade de uma condição que, ainda que prolongada, é de passagem”

(GUEDES-PINTO E FONTANA, 2006, p. 82). Visto por esse ângulo, faz sentido a

inquietação exposta por Rafaela, se considerarmos a importância que os vínculos

assumem enquanto balizadores das relações explícitas e/ou ocultas das articulações

da realidade do estágio.

O respeito, enquanto sensibilidade no trato com o outro, se mostra aspecto

significativo não só na dinâmica da sala de aula, mas de toda prática escolar. Esse

princípio, norteador das relações entre professor e aluno, também rege o campo da

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formação, tópico que vem se tornando cada vez mais presente nos encontros que

giram em torno dos compartilhamentos de vivências de estágio. Os futuros docentes

se mostram, por vezes, preocupados com o fluir dos diferentes aspectos das relações

travadas em sala de aula, visto que seus desdobramentos podem assumir

consequências inesperadas.

Outro movimento que dá sentido às relações desse tempo são os

procedimentos necessários à formalização do estágio34, prática avaliada por Mário

como burocrática e que consta ser necessária dentro do documento regulamentador

do IFFluminenese, já mostrado antes. Nos trâmites administrativos que orientaram a

realização desta sua experiência, ele reconhece que há entraves típicos nesse

movimento, argumento que se faz recorrente nos depoimentos de outra participante

da pesquisa.

Jane também se refere ao momento inicial do estágio como:

Uma parte burocrática. É uma quantidade enorme de papéis. Tem que levar aqui,

assinar ali, conversar com fulano, não sei mais quem. Isso acaba desanimando a

gente logo no início (Jane – Licenciatura em Geografia – 2014).

André, também, reconhece que a entrada no campo de estágio tem

conotação burocrática:

Eu sei que aquela papelada toda é necessária, mas será que não dá pra resumir?

São contratos, seguros, assinaturas da Instituição, da Regional, a gente perde muito

tempo na fase inicial do estágio até o momento da entrada na escola-campo,

envolvido com questões burocráticas (André – Licenciatura em Biologia – 2015).

Contrato, seguro, preenchimento de fichas, assinaturas, dentre outras

formalidades levam Mário a dizer: (“Eu imaginava uma certa burocracia, porém um

pouco mais reduzida, [...] mais dinâmica”). Questionamentos sobre incompatibilidade

de horários, desencontros de informações, relações indefinidas entre as instituições

formadoras etc. revelam situações conflituosas nas ações de estágio, apesar de

34 Lei 11.788, de 25 de setembro de 2008, que dispõe sobre estágio de estudantes e dá outras providências.

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serem questões que alinhavam acordos próprios dessas atividades.

Muitas das considerações feitas pelos estudantes, em torno do impacto da

“papelada” gerada pelas providências ao estágio, parecem dar visibilidade a um

movimento desmobilizador (CHARLOT, 2000) em relação a esse momento formativo.

Nesse sentido, provocam, conforme mencionam, “desânimo”, afetando assim o desejo

(CHARLOT, 2005, 2013). Em linhas gerais, a ideia de burocracia é utilizada por alguns

estagiários próximas do senso comum, que olha esse momento pela marca da

demora, procedimentos complicados, e não encontra muito sentido nessas práticas.

No entanto, pensar os movimentos do estágio sem os devidos registros é

desconsiderar as formalidades necessárias à essas relações.

A posição que o professor orientador de estágio ocupa nessa conexão,

direciona-lhe para um lugar que enxerga e compreende a necessidade de registros

que, em qualquer situação, demanda formalidade, papel, sem necessariamente ser

falta de eficiência. Vislumbra-se aí um dos sentidos que o docente formador vai

atribuindo a esses momentos, podendo tomar os estudantes pela mão para

perceberem a escola como instituição que integra um sistema administrativo, com

regulamentos próprios que demarcam seu lugar na estrutura social.

Retomando o foco da inserção, as formas como o estagiário vai se

introduzindo na escola encaminham seus trabalhos no cotidiano da instituição, ou

seja, uma coisa vai espelhando a outra. Nesse sentido, seu movimento dentro da

escola vai constituindo-se em processos marcados por identificações, de se colocar

no lugar do outro e com ele construir novas experiências, de enxergar-se na visão

desse outro, de enxergar esse outro na perspectiva dele próprio, enfim, numa tessitura

de relações que vão estabelecendo elementos instituidores de desejos (ou não) de

tornar-se e ser professor.

Jane reforça o aspecto burocrático do estágio, porém volta seu olhar para

o cotidiano da escola e suas relações com o estagiário.

Jane – Estágio pra mim tá significando burocracia. [...]. Primeiro porque os professores

não querem a gente dentro da sala de aula. A direção, a parte da coordenação

pedagógica me recebe bem. Agora, dentro da sala de aula os professores não querem

receber e quando estou lá, eles me excluem completamente. [...]. Tá muito sem

conexão.

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Entrevistadora – A que você atribui este comportamento de resistência?

Jane – As pessoas não querem revelar, não querem deixar exposto. No período

passado mesmo a gente estava trabalhando com eles o conceito de lugar e de espaço.

Então, elaboramos uma atividade e resolvemos fazer um vídeo. E daí eu perguntei

para os alunos onde era o lugar deles ali na escola e tudo mais. Um menino foi, me

levou para trás da escola onde estava a biblioteca e lá tinha um monte de cadeira, de

mesa que precisava descartar, mas estava esperando todo processo burocrático para

fazer aquilo. Então ele disse: aqui eu brincava, fazia muitas coisas, agora não faço

mais porque tá cheio de entulho. Esse vídeo foi passado na escola. Deu um rebuliço !!!

A diretora me chamou, disse que não ia liberar assinatura pra ninguém, disse que

aquilo foi de má fé, que não podíamos ter feito aquilo sem autorização deles, e eles

sabendo que a gente estava filmando e fazendo o vídeo. Mas eles se ofenderam por

causa daquilo. [...]. Mas aquilo foi motivo para criar um burburinho imenso

(Licenciatura em Geografia – 2014).

Na percepção relatada por essa entrevistada, a falta de articulação entre

os sujeitos envolvidos nesse tempo formativo expõe a necessidade de concatenar o

potencial das práticas escolares, “Tá muito sem conexão”. No caso, o processo de

comunicação advindo desses encontros foi gerador de conflitos tanto para ela quanto

para o coletivo da escola. Ao ressaltar a necessidade de conexão na trajetória da

experiência dos sujeitos estagiários, ela dá visibilidade a um dos pilares desse

momento da formação que é a necessidade de práticas que contribuam para um

trabalho colaborativo entre as instituições envolvidas, inquietações recorrentes nas

produções que abordam essa temática, como apontado por Pimenta (2008), Ostetto

(2011), Aroeira (2014), dentre outros estudos.

Tratando das relações estagiário-instituição, Ostetto (2011) põe em

evidência enfrentamentos desse encontro: “ Ingressar no campo de estágio é se expor

ao desconhecido. [...]. Nem sempre é tranquila a relação imediata entre as partes”,

ressaltando assim desconfianças vividas entre os sujeitos. Não é raro o estagiário, por

meio de observação, se aproximar do cotidiano das práticas com forte inclinação para

destacar os desacertos, as privações, as precariedades, o que representa uma visão

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distorcida do seu papel na escola-campo. Da mesma forma, quando a escola se

coloca no outro extremo, olhando com desconfiança as ações deste “membro

transitório” da equipe escolar, acaba por suscitar críticas à atuação destes futuros

docentes.

Considerando tais circunstâncias, vale ressaltar que o aprofundamento do

diálogo entre as instituições formadoras, enquanto caminho que conduz a práticas

interativas, é um princípio que traça contornos da formação que se pretende.

Os dizeres de Jane “As pessoas não querem revelar, não querem deixar

exposto” traz sentido à necessidade de fortalecimento destas relações, por manifestar

disputas num território em que a articulação de vozes deve levar em conta o processo

formativo destes futuros profissionais, compreendendo que a qualidade dos encontros

são produtores de sentidos, tanto para aqueles que se encontram na experiência

formativa, quanto para os que já experimentam o cotidiano da profissão.

Prosseguindo no episódio do vídeo, Jane denota que esse campo se

assenta sobre relações ora de convergências, ora de divergências. Ela afirma que

passar a gravação provocou um rebuliço. “A diretora me chamou, disse que não ia

liberar assinatura pra ninguém, disse que aquilo foi de má fé, que não podíamos ter

feito aquilo sem autorização deles, e eles sabendo que a gente estava filmando e

fazendo o vídeo”. Chama atenção esta última frase de sua fala, “eles sabendo que a

gente estava filmando e fazendo o vídeo”.

Os sentidos dessas experiências nos remetem às vivências passadas,

anunciadas em situações como a do criticismo vazio, “[...] uma vez que os estagiários

lá iam somente para rotular as escolas e seus profissionais como ‘tradicionais’ e

‘autoritários’, entre outras qualificações” (PIMENTA e LIMA, 2008, p. 40). Vestígio

desse comportamento ainda pode ser percebido nos encontros entre estagiário e o

professor na sala de aula.

“Quer que eu assine sua ficha de presença?”. Essa pergunta, que não é

estranha aos contextos de estágio, como num jogo de forças e disputas que atuam

incisivamente na convivência da sala de aula, representou para Marcela sentimento

de impotência, traduzido como desvalorização do processo formativo.

Você precisa do professor, mas ele pode te rejeitar. Ele pode dificultar sua vida. Ele

dita as regras e muitas vezes ele não te aceita. Então ele pergunta: Quer que eu

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assine sua ficha de presença? Não, eu preciso participar. Sendo que alguns

professores percebiam meu interesse e já me colocavam na lida mesmo, na linha de

frente (Marcela – Licenciatura em Geografia – 2015).

Uma das experiências conflitivas na realização do estágio é a proposta, por

parte de alguns professores da escola básica, oferecendo-se para assinar a ficha de

presença, abrindo margem para o estagiário burlar experiências necessárias à sua

formação. Sua resposta (“Não, eu preciso participar.”) representa seu entendimento

de que “está confrontada com a necessidade de aprender” (CHARLOT, 2000),

demonstrando reconhecimento de que o percurso do estágio assume importância

central na formação, ao favorecer a construção de formas de compreender a

docência.

Tais situações vividas mencionadas por Marcela se articulam com

acontecimentos experienciados por Jane. Neste caso, vale retomar os relatos desta

participante da pesquisa, pois eles podem constituir-se em instrumentos que ampliam

as demandas desse cotidiano.

Muitos colegas levam a ficha de presença para o professor assinar. [...]. Eu, pelo

menos, tinha muito expectativa. Estava muito ansiosa, achava que ia ser o máximo.

Mas quando eu cheguei lá, me congelou, me travou totalmente, porque o professor

me ignorava, não me chamava para participar (Jane – Licenciatura em Geografia –

2014).

O olhar de Guedes-Pinto e Fontana (2006) traz elementos sobre tais

situações que tornam mais compreensíveis estes momentos. Elas afirmam que o

jovem estagiário “sabe que se espera dele a aproximação desses sujeitos, a escuta

atenta, o respeito a seus espaços e práticas. O que não sabe de antemão é o que vai

acontecer estando na escola, face a face com os sujeitos singulares que a produzem”

(p. 82). Assim, a experiência do estágio é sempre gerada por novas demandas que

vão se transformando em mediações tanto positivas quanto negativas nas vivências

de tais processos formativos, com efeito na ressignificação do desejo.

Concordo com Cristofoleti (2015), quando diz que divergências são

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constitutivas da prática do estágio. Afinal, os lugares que ocupam os sujeitos

envolvidos nessa experiência formativa (do diretor, do professor, do supervisor, do

estagiário), estão previamente definidos, com demonstrações de autoridades e

relações de poder, conforme nos conta Marcela. Ela reconhece a importância do

professor nesse processo de aprendizagem, mas destaca possíveis desdobramentos

nessa relação. Diz: “Você precisa do professor, mas ele pode te rejeitar. [...]. Ele dita

as regras [...] Sendo que alguns professores percebiam meu interesse e já me

colocavam na lida mesmo, na linha de frente”. Marcela demostra reconhecer que a

delimitação do espaço do estagiário na escola tem a ver com a postura que ele

assume frente a dinâmica da instituição: “ele pode te rejeitar [...]me colocavam na lida

mesmo, na linha de frente”.

Pressupondo que as oportunidades geradas nessas aproximações seguem

num movimento de “desejo de” entender a dinamicidade que desencadeia a

realização do conjunto de práticas escolares, a contraposição de sentimento vivido

por Jane: “Eu, pelo menos, tinha muito expectativa. Estava muito ansiosa, achava que

ia ser o máximo. Mas quando eu cheguei lá, me congelou, me travou totalmente”, se

explica no entendimento de que o estágio nesta formação, pela via da consciência,

vai cultivando um olhar dotado de sensibilidade, de compreensão, contextualização,

capaz de romper com preconceitos, ações que se concretizam no exercício da

humildade (OSTETTO, 2011).

As falas dos entrevistados, no que diz respeito aos movimentos que

antecederam suas entradas na escola-campo, empreenderam críticas às dimensões

relacionais, indicando, como destacado antes, que a burocracia do processo

permanece instituindo-se como dificuldades de comunicação nos procedimentos e

trâmites legais, o que traz, inicialmente, sensação de frustração para estes futuros

docentes, diante de suas expectativas de formação. Para além dessa tarefa

burocrática, a convivência entre estagiários e o coletivo da escola, sobretudo com os

professores, reafirmou a dimensão do conflito, da desconfiança, porém, rica de

possibilidades de novos olhares, novas interlocuções, novas problematizações,

conforme experiências vividas relatadas por André. Sobre sua inserção na escola

campo, ele diz:

Foi boa, com alguns desafios, mas foi boa. Os professores me receberam bem,

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não tive problemas. Acho que isso tornou minha análise até mais rica. Por exemplo,

quando eu entrei (na sala de aula) sentei lá no fundo. Aí, o professor disse: vem

pra frente, coloca sua cadeira ao lado da minha. E, aí, ele sempre falava: vou

passar um exercício agora e você tira as dúvidas dos alunos.

Outra professora que acompanhei também não limitava minha participação. Ela

falava: olha, se você tiver alguma colocação a fazer, é só levantar a mão, não tem

nenhum problema.

O estágio funcionou de forma muito rica pra mim. A escola também me recebeu

muito bem.

Então, teve uma época que eles (os alunos) tinham um horário vago e eu fiz uma

proposição: – Eu posso usar essa aula para tirar dúvidas dos alunos? E disseram:

– Pode usar, não tem nenhum problema (André – Licenciatura em Biologia – 2015).

No âmbito dos desafios desta profissão, em que a ausência do

reconhecimento do seu potencial se põe frente ao compromisso com a formação, faz-

se necessário levar o estagiário a compreender a legitimidade da dinâmica relacional

empreendida nessa experiência, enquanto envolvimento (de dentro) mobilizador de

sentidos e significados de todos os fazeres do professor. O relacionamento de André

com os professores da escola em que estagiou parece culminar numa “leitura positiva”

sobre o tempo do estágio: “Acho que isso tornou minha análise até mais rica”. Esses

dizeres sinalizam para suas relações nas salas de aula por onde passou: “vem pra

frente, coloca sua cadeira ao lado da minha”. “Outra professora que acompanhei

também não limitava minha participação”. Seu relato sobre o envolvimento com os

fazeres da escola demonstra compreensão dos limites e possibilidades do encontro,

que enunciam quem é o outro e quem sou eu. “Então teve uma época que eles (os

alunos) tinham um horário vago e eu fiz uma proposição: – Eu posso usar essa aula

para tirar dúvidas dos alunos? E disseram: – Pode usar, não tem nenhum problema”.

Dessa forma, somos conduzidos a interrogar: o que mobilizou estes

entrevistados no prosseguimento de suas inserções na escola-campo? É o que

trataremos a seguir.

5.4. Movimentos produzidos a partir das experiências e do espaço reservado à

inserção no campo de estágio

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Entendendo que as dimensões do estágio vão sendo tecidas em meio a

modos de pensar, de ver, de aprender a profissão, de compreender os meandros da

instituição, mais precisamente da complexidade da sala de aula, a experiência de

ingressar no campo, enquanto rito de iniciação, autoriza e demarca mobilizações

advindas desse percurso.

Independente de perspectiva teórica assumida, tratar desse assunto é

defrontar-se com antigas e novas questões, como as relações entre IES e escola

básica, desconfianças entre estagiários e os interlocutores da escola, fomentado por

novas configurações, entre elas, atualização de prescrições, processo de

construção/desconstrução/reconstrução da ciência, diversidade sociocultural,

utilização de tecnologias da informação, desafios que se põem à profissão na

atualidade. De acordo com o depoimento de Marcela, a mudança de olhar sobre os

fazeres da escola constitui uma dimensão formativa.

Eu entendo que na experiência de estágio, tudo foi contribuição para a minha

formação. Foram muitas situações em que eu pude guardar como experiência.

Aprendi que a docência, não estou querendo dizer que é sacerdócio, é uma profissão

diferenciada. Você quer ser professor? Então, você sabe do que você precisa:

dedicação, domínio de saberes e eu acredito que a afetividade faz muita diferença

também. Não no sentido de tratar o aluno como filho, mas a boa relação faz falta. Não

tem como dizer: estou aqui, ministrei minha aula e vou embora. Para mim, o contato

do professor com o aluno é muito importante (Marcela – Licenciatura em Geografia –

2015).

Sobre o relato dessa egressa, é possível perceber um olhar mais

abrangente sobre as vivências escolares a partir da experiência de estágio. Este seu

fragmento, se respeitada a singularidade que o aprender assume no universo de cada

indivíduo, revela de alguma maneira, que princípios contidos nas orientações do

IFFluminense para o estágio supervisionado foram alcançados: “O Estágio realizado

na Instituição-campo inter-relaciona-se diretamente com as atividades desenvolvidas

junto à Prática como componente curricular, aos Ambientes de Aprendizagem e aos

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demais componentes do curso”.35 “Eu entendo que na experiência de estágio, tudo foi

contribuição para a minha formação”. Os elementos citados pela formanda, envolvem

múltiplas dimensões que um curso assume na sua proposta curricular: “Você quer ser

professor? Então você sabe do que você precisa: dedicação, domínio de saberes e

eu acredito que a afetividade faz muita diferença também”.

Pela possibilidade de experiências que o campo de estágio oferece, se

considerarmos o tempo mínimo estabelecido por lei para sua realização, a

possibilidade de inserção efetiva no ambiente da escola, ancoradas em políticas de

conhecimento que remetem aos diferentes modos de compreender os papéis dos que

estão nele envolvidos (FONTANA, 2013), podemos defender seu potencial formativo,

capaz de oferecer aos docentes em formação elementos básicos para que suas

futuras práticas sejam ressignificadas.

Recuperando a narrativa de Marcela (“Eu entendo que na experiência de

estágio, tudo foi contribuição para a minha formação”), é possível entender que esta

fala representa saberes de quem viveu este cotidiano com um olhar observador sobre

as relações e atividades ali realizadas, atenta aos movimentos pedagógicos da sala

de aula, da escola, ou seja, fala de quem num movimento interior se mobilizou para

aprender, buscando construir prazer e sentido no contexto em que estava inserida

(CHARLOT, 2005).

O relato de Marcela é indicativo de que seu envolvimento com a formação

atual vem ocorrendo de forma reflexiva entre os campos epistemológicos, sugerindo

ainda que seu curso vem garantindo identidade de formação para o magistério,

permitindo o desenvolvimento profissional de seus futuros docentes.

As relações imbricadas na fala desta entrevistada, reforçam suas vivências

no estágio, “Foram muitas situações em que eu pude guardar como experiência”,

guardam em si diferentes graus de complexidade, materializados nos

desdobramentos futuros, articuladas às suas ações teórico-prática.

Em oposição ao processo de construção da docência, Mário, ao ser

interrogado sobre sua concepção de escola antes e depois da experiência de estágio,

destaca em sua fala:

35 Disponível em: http://licenciaturas.centro.iff.edu.br/nucleo-de-apoio-a-pratica-profissional. Acesso em: 06 abr. 2017.

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Eu tenho que confessar que a licenciatura até agora, me tirou muitos véus. Muita

ilusão da minha cabeça.

Na minha cabeça, com a visão de aluno que eu vim do ensino fundamental e médio,

essas relações eram muito simples. Ser professor era entrar na sala, dar a aula dele,

ensinar conteúdo. O aluno aprende se quiser. Quem não quer, fica no cantinho,

ouvindo música e acabou. Chegou no conselho de classe, aprovou, não aprovou. Só

que não é nada disso, é tudo muito complexo (Mário – Licenciatura em Letras – 2015).

Ancorado na crença ingênua de que a docência é tarefa simples de ser

desenvolvida, Mário reconhece que sua ilusão vem desaparecendo à medida em que

a proposta curricular do seu curso avança. Ele assim se expressa: “me tirou muitos

véus [...]”. “Ser professor era entrar na sala, dar a aula dele, ensinar conteúdo. [...].

Chegou no conselho de classe, aprovou, não aprovou”. Tal inferência apoia-se na

compreensão de que o tempo reservado para o estágio na formação docente,

enquanto eixo articulador do curso, oferece demandas para reflexões, que são

responsáveis por novas elaborações relativas aos fazeres dos professores. Os dizeres

de Mário indiciam uma nova leitura das questões que situam o sentido destas

relações. Essa movimentação integrou diálogos e inquietações, orientadores de novos

estudos e debates.

Referindo-se ainda à bagagem trazida da trajetória escolar básica, as

declarações de André se aproximam das referências feitas por Marcela e Mário sobre

as contribuições que receberam nos seus respectivos cursos, alargando e

aprofundando suas visões de docência. A mudança de posição de André permitida

pelo estágio fica evidente no excerto abaixo:

Antes de entrar para o curso de licenciatura eu achava que ser professor era uma

coisa fácil. Eu até já dava “aula” para os colegas e eu achava fácil. Eu pensava que

era só pegar o conteúdo e passar de uma outra forma. Depois que você entra no

curso e quando chega no estágio, você vê que tem uma carga muito maior. Eu

acho que é o principal ponto que o curso assegura: a responsabilidade de ser

professor. É um dever social muito pesado (André – Licenciatura em Biologia –

2015).

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Dada a sua dimensão articuladora, é possível dizer que na formação

docente, quando mediado por conceitos, o estágio é lugar privilegiado para a

aproximação do real (GUEDES-PINTO e FONTANA, 2006). Assim, a dinâmica que

descreve o ambiente da escola básica, campo de estágio das licenciaturas, permite

perceber que as relações que organizam este espaço são constituídas de elementos

desafiadores: sociais, epistemológicos, econômico, político, dentre outros, percebido

por André, quando ele diz: “[...] a responsabilidade de ser professor. É um dever social

muito pesado”.

Esses relatos indicam que há diversidade de concepções de docência na

bagagem trazidas pelos estagiários: “Antes de entrar para o curso de licenciatura eu

achava que ser professor era uma coisa fácil”(André), “Na minha cabeça, com a visão

de aluno que eu vim do ensino fundamental e médio, essas relações eram muito

simples” (Mário). Nas experiências mencionadas por esses dois participantes, é

possível reconhecer que no processo de formação, em especial na experiência de

estágio “Depois que você entra no curso e quando chega no estágio, você vê que tem

uma carga muito maior,” a aproximação do real traz possibilidades para a construção

de um novo olhar sobre a profissão.

Assim, na experiência com a formação de professores, quando puxamos o

fio dos primeiros sentidos da profissão, com frequência encontramos memórias e

histórias ancoradas numa compreensão de docência, partindo do lugar comum, ou

seja, para ser professor basta ter domínio dos conteúdos a serem trabalhados, ficando

subentendido que os saberes pedagógicos são desnecessários, mera formalidade,

reforçando assim resquícios da dicotomia teoria x prática que tem permeado a visão

da formação de professores (SAVIANI, 2008).

Os relatos produzidos por Júlia sobre sua atuação e compreensão nas

experiências de estágio permitem perceber certa defesa pela polarização entre teoria

e prática. Egressa das primeiras turmas da Licenciatura em Matemática, ela deixa

transparecer que este histórico “falso problema” marcou suas relações enquanto

estagiária. Quando interrogada sobre suas vivências na escola campo, orienta-se pelo

momento em que atuou dando aula de dependência, conforme referência feita em

capítulos anteriores. No entanto, narra outros detalhes deste tempo formativo:

Entrevistadora – Como foi o estágio na sua experiência?

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Júlia – O estágio na minha experiência foi assim: a gente teve um período de

observação, foi quando a gente começou observando no segundo segmento do

ensino fundamental, acho que teve uns dois períodos só de observação. Em geral, os

professores nem ficavam muito à vontade com a gente em sala de aula, observando

a aula deles. Aliás, não davam muita oportunidade pra gente fazer muita coisa. No

ensino médio, a gente teve mesmo que dar mais aulas. Sobre essas aulas, os

estagiários ainda falam que são aulas fictícias. Acho que estágio é uma coisa do

prático.

Entrevistadora – Você entende estágio como uma coisa do prático. Correto? Nesse

sentido, que relação você estabelece entre os saberes específicos da matemática e o

cotidiano do estágio?

Júlia – Bom, pra gente aqui da licenciatura do IFFluminense, como a maioria dos

nossos professores atuavam no Ensino Médio, a gente sempre pegou esse caráter de

professor. Eu sempre fiz link entre o conhecimento específico e a sala de aula. Então,

quando a gente foi pro estágio, a gente já ia com essa ideia (Júlia – Licenciatura em

Matemática – 2013).

Júlia deixa transparecer em seu dizer que o ambiente escolar, enquanto

espaço formativo, parece ter representado pouco para sua formação. A compreensão

de que o estágio tem por objetivo promover um alargamento da cultura escolar

(FONTANA, 2013), exige um olhar mais denso acerca do cotidiano da escola básica,

na perspectiva de que seus fazeres não se apresentam de forma desarticulada, mas

sim na perspectiva da complexidade que organiza cada contexto.

Por ter sido aluna das primeiras turmas das licenciaturas do IFFluminense

(a conclusão do seu curso já ocorreu há mais de uma década), isso pode ter

contribuído para que as lembranças de suas experiências não estejam mais tão vivas.

Ela diz “acho que teve uns dois períodos só de observação”. O destaque de sua

narrativa encontra-se na postura pedagógica de seus professores, pela consciência

de que estavam formando professores para atuarem na educação básica. Assim ela

se refere: “como a maioria dos nossos professores atuavam no Ensino Médio, a gente

sempre pegou esse caráter de professor”.

Essa sua percepção sobre a prática pedagógica de seus professores na

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licenciatura, põe em evidência a importância do professor formador ter experiência

com o nível de escolaridade para o qual ele está formando. Das lembranças do seu

tempo de estágio, ela traz como destaque: “Eu sempre fiz link entre o conhecimento

específico e a sala de aula. Então quando a gente foi pro estágio, a gente já ia com

essa ideia”.

Sua narrativa assume quase um tom de conflito entre sua definição de

estágio “Acho que estágio é uma coisa do prático” e o que diz sobre as atividades

desenvolvidas por seus professores na IES: “a gente sempre pegou esse caráter de

professor [...]. Então quando a gente foi pro estágio, a gente já ia com essa ideia”.

O modo como Júlia se refere aos aprendizados construídos na IES e sua

compreensão de estágio externam uma visão fragmentada entre o teórico e o prático.

Vários sentidos perpassam esse campo ainda um pouco dicotômico, contudo alguns

pesquisadores vêm se debruçando sobre o assunto, reafirmando a impossibilidade de

dividir o indivisível. Dentre eles, citamos Veiga-Neto (2015), teórico que em seus

escritos é enfático ao esclarecer que estas relações não habitam em mundos

diferentes. Explica que concebê-las de forma dicotômica revela mal entendimento

entre ambas. Chartier (2007) é outra pesquisadora que sinaliza a questão a partir de

sua observação sobre os fazeres de uma professora. Como resultado desta

experiência, ela nos ensina que a relação entre esses saberes e fazeres são fluidos.

Outro teórico que caminha nessa direção é Charlot (2002). Para ele, existem dois tipos

de teoria: a enraizada nas práticas e a produzida no contexto acadêmico. Ressalta

então que a falta de diálogo entre elas reforça o distanciamento entre teoria e prática.

Assim, as compreensões desta entrevistada sobre estágio não encontram

eco nos dizeres de outros participantes da pesquisa que, mesmo apresentando

antecedentes formativos semelhantes, ou seja, todos com formação técnica em nível

médio (Júlia - Técnico em Edificações, Marcela- Técnico em Contabilidade, André-

Técnico em Química e Rafaela- Técnico em Química), concebem o estágio como

tempo de oportunidades. Com exceção de Júlia que o concebe como “uma coisa do

prático”, os demais atribuem papel ativo a este tempo/espaço, momento orientador da

formação docente, como se observa nos seus dizeres: “Eu me apeguei ao estágio

como uma escola para a docência” (Marcela). “É uma teoria dentro da prática” (André).

Eu vejo o estágio assim, como algo, eu não falaria teste, mas é como se você tivesse

ali provando de algo que você vai tá degustando assim pra vida toda. Então é a

primeira provinha ali de fato” (Rafaela).

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Vale ressaltar que no desenvolvimento do curso, à medida que os alunos

vão ampliando seus conhecimentos, o entendimento da complexidade desse campo,

principalmente, quando chegam no tempo do estágio, tende a ampliar a abrangência

do foco. Assim, o período teórico-prático da formação, processo de construção de

conhecimentos constitutivos da docência, pode ser reconhecido em fatos vividos no

percurso do estágio enquanto lógica do movimento de ressignificações.

Para construir formas de dialogar com os modos de ser professor que os

sujeitos da pesquisa vão construindo, tomo como possibilidade de compreensão os

sentidos que eles têm atribuído ao estágio supervisionado, entendendo que é na

relação entre estes sujeitos e seus múltiplos interlocutores que o entendimento de

docência cada vez mais se estende.

Conforme informado no quadro de entrevistados, Patrícia ainda não

vivenciou experiências concretas na condição de estagiária, pelo fato de ainda estar

cursando o 2º período. Porém, quando interrogada acerca do que entende por estágio,

ela apresenta sua explicação:

Uma maneira de vivenciar aquilo que a gente está estudando em sala de aula (Patrícia

– Licenciatura em Ciências da Natureza – 2014).

Sua fala faz eco ao modelo curricular recorrente que implicitamente

defende que os professores em formação precisam se apropriar de teorias para

depois vivenciá-las na prática, reforçando a dicotomia teoria x prática. Aliás, a

normativa apresentada na legislação, que o estágio deve iniciar a partir da segunda

metade do curso, sugere também esse entendimento.

Mediada por leituras e discussões que abordam a temática estágio,

Rafaela, entrevistada que recentemente iniciou seu percurso na escola-campo, faz

uma leitura dessa vivência como um ato prazeroso, atrativo, que se prolonga por toda

vida profissional do professor. Seu depoimento segue uma direção peculiar, bem

diferente das anteriores.

Ela assim compreende essa experiência:

Eu vejo o estágio assim, como algo (pausa), é como se você tivesse ali provando de

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algo que você vai estar degustando para a vida toda. É a primeira provinha ali de fato,

tipo um aperitivo (Rafaela – Licenciatura em Química – 2015).

Representando um olhar mais depositário de expectativas sobre essa

experiência, Mário, também estagiário do 5º período, entende que o estágio contribui

na construção de saberes docentes. Ele diz:

É quando você observa a dinâmica da sala de aula e confronta com a teoria. Quando

você vê, no campo, como isso se dá, e aí você pára pra refletir. É você ter um olhar

acerca da realidade, não pra julgar mas para tentar entender como funciona (Mário –

Licenciatura em Letras – 2015).

Sua fala inicial traz marcas do falso dilema entre teoria e prática. Todavia

ele externa certa compreensão de que há uma teoria que sustenta a dinâmica da sala

de aula, ao dar visibilidade à reflexão que emerge da experiência no campo.

Reconhece que no movimento do olhar é possível encontrar questões relevantes para

entender a dinâmica dessa realidade. Fontana (2013) chama atenção para a visão

reducionista que o estágio pode assumir, ao entender que tal vivência dá possibilidade

ao futuro professor de experimentar-se naquilo que está estudando. “O estudante

passa, de fato, por essa experiência, mas é confrontado com muitas situações não

estudadas” (FONTANA, 2013, p. 153). Ela ainda adverte que, na complexidade dessas

relações, o estagiário vê-se diante do inesperado que escapam aos modelos

pedagógicos estudados.

André concede ao estágio relevância significativa para a formação do

professor, mas dá um tom de exagero ao conceder-lhe atribuições que transcendem

suas possibilidades de atuação. Ele diz:

O estágio representa essa parte de você encarar a escola como professor. É

quando você começa a ter mentalidade de professor e você tem que começar a ter

essa postura. Acho que o estágio vai realmente formar o professor.

Uma coisa que a gente sempre discute depois que sai do estágio é se deveria ser

em todos os períodos. Eu acho que a gente deveria ter estágio desde o começo

do curso, acho que isso até evitaria evasão, daria um incentivo a mais, um gás a

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mais. É uma vivência incrível, é muito importante (André – Licenciatura em Biologia

– 2015).

Sua fala parece exagerar o potencial dessa experiência, “acho que isso até

evitaria evasão”, na medida em que concede ao estágio atuação em campo que

abarca múltiplas dimensões do contexto educacional. A bem da verdade, a sensação

de impotência para reverter situações do cotidiano da escola pode levar estagiários a

sucumbir diante da realidade escolar.

Contrariando a visão de estágio supervisionado enquanto componente

significativo da preparação profissional do estudante (FONTANA, 2013), Jane

apresenta uma narrativa entendendo que as relações dessas experiências enfrentam

o desafio de estabelecer conexões.

O impasse gerado com o episódio do vídeo, já citado, tomou proporções

de desgaste na relação de Jane com a instituição. De sua parte, ela parece ter ficado

mais tendenciosa a enxergar “irregularidades”, “falhas” da vida cotidiana da escola,

comprometendo os aspectos relacionais responsáveis por essa convivência, o que

tornou mais difícil ainda sua circulação por este espaço escolar.

Entrevistadora – Essa questão do professor não querer aceitar estagiário na sala de

aula, você enfrentou esse problema com todos?

Jane – Uma me recebeu um pouco melhor, mas foram poucos horários que eu tive

com ela. Outra, porque ela realmente faltava demais, estava sempre dando atestado.

Ela dava respostas da prova aos alunos, esse tipo de coisa. Acho que ela não queria

que ninguém visse, relatasse.

[...].

Entrevistadora – Mas o que o estágio está representando para você?

Jane – Para mim é experimentar. É ter um pouco da noção das dificuldades, é o

momento em que você vai refletindo sobre as suas estratégias, o que você pode fazer

para não repetir aquilo que você avaliou como ruim, aquilo que você quer reforçar.

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Para mim, é o momento da experimentação mesmo (Licenciatura em Geografia –

2014)

Os efeitos da gravação do vídeo parecem explicar as dificuldades com as

quais Jane esbarrou na produção cotidiana do “seu lugar” na instituição. Nesta sua

experiência, o estágio se tornou um território de conflitos, fato que não parece ter sido

percebido por ela como dificuldades e impedimentos para sua circulação no interior

da escola. Quanto ao modo de agir dos professores, colocando objeções para não

recebê-la em suas salas, ela indevidamente prefere dirigir o olhar para situações

alheias, fazendo julgamento na (in)competência daqueles docentes.

Do ponto de vista de Marcela, o estágio constituiu-se em um espaço rico

de oportunidade de imersão no campo profissional. Ela afirma:

Marcela – Eu, particularmente, vi no estágio minha grande chance de ser realmente

uma boa professora. [...]. A gente vivencia, no estágio, situações diversas. Por isso,

eu me apeguei a ele como uma escola mesmo para a docência, por isso quis fazê-lo

bem feito. Ainda que muitos dos meus colegas achavam o estágio desnecessário. Eu,

porém, não via dessa forma.

Entrevistadora – Isso nunca afetou você?

Marcela – Não. Na minha opinião, era e continua sendo muito importante,

imprescindível. Sem condições de burlar o estágio. Isso é inadmissível para mim. [...].

Às vezes, a gente pensa que lecionar é ir na sala de aula e dar um show. Você vai lá,

você comanda e tudo acontece. Mas, na prática do estágio, a gente vai vendo que há

imprevistos, que há necessidade de adaptações e, de qualquer forma, é necessário

você vivenciar isso (Licenciatura em Geografia – 2015).

Por meio desses dizeres, é possível identificar marcas significativas para o

ingresso na profissão: “eu me apeguei a ele como uma escola mesmo para a

docência, por isso quis fazê-lo bem feito”. Pela relação que Marcela construiu no

estágio “uma escola mesmo para a docência”, é possível localizar sua posição no

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cumprimento dos componentes da matriz curricular do seu curso: já concluiu todas as

etapas exigidas, estando aguardando a defesa da monografia. A condição de quem já

passou por todas as etapas do estágio pode lhe fornecer respaldo para olhar o

cotidiano e reconhecer outras possibilidades nesse jogo de relações.

Com olhar mais ponderado sobre as dinâmicas da escola ”A gente vivencia

no estágio situações diversas”, sua fala traz sentido de quem já refletiu sobre as

oportunidades surgidas nesse tempo, de quem participou do processo de formação e

viveu incertezas, singularidades e conflitos, mas que reconhece as oportunidades que

guardam cada uma dessas situações (“Sem condições de burlar o estágio. Isso é

inadmissível para mim”).

Fontana (2013) lembra a sinuosidade que marca o início desse percurso,

em que experiências se multiplicam na impossibilidade de ser repetida, pois inserir-se

nesse ambiente significa apreender, compreender e aprender a lidar com os lugares

sociais, as etiquetas e códigos em jogo nessas relações. Nesse contexto, o papel do

estagiário é alcançar a dinâmica do ambiente e os desafios decorrentes dos lugares

que os sujeitos do coletivo da escola ocupam nessas relações, promovendo no

estagiário alargamento da compreensão dos comportamentos predominantes na

escola.

É o entendimento de que o conjunto de situações adequadas ou não,

contemplando experiências da trajetória escolar e acadêmica daqueles que se

encontram em processo de estágio, tem poder (des)mobilizador para encontrar o

sentido da docência. Neste ponto de vista, são os estudos de Bernard Charlot (2000,

2005, 2012, 2013) que embasam essa discussão, conforme referências feitas em

capítulos anteriores. As oportunidades concretizadas nas experiências individuais ou

coletivas desses sujeitos, como na problematização das falas de Marcela, Mário e

André, permitem compreender que os recursos postos em movimento (que produzem

a movimentação) fazem nascer o desejo. Parafraseando uma indagação de Charlot

(2012): Qual é a fonte do desejo de vivenciar as possibilidades formativas nas relações

de estágio?

Enquanto ser portador de desejo e movido por ele, os elementos que

instauram a entrada desses estudantes na escola básica, as experiências que

marcam sua chegada no campo, as possibilidades concretas de participação, as

relações de convivência instauradas com o coletivo da escola dimensionam sentidos

às atividades propostas e aprendizagens delas decorrentes.

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Arriscamos dizer que as entrevistas que narram suas inserções nesse

campo, as incertezas, expectativas, dificuldades e desconfortos intelectuais, enquanto

marcas das relações próprias desse tempo, como bem prenuncia Fontana (2013), são

circunstâncias que mobilizam estes sujeitos a se moverem em diferentes processos

de aprendizagem. Dinâmicas e desafios entram no jogo do desejo que permite a

(in)satisfação desses estudantes para desenvolverem suas atividades.

Os extratos, anteriormente referidos, manifestam diferentes sinais de

comportamentos, advindos dos modos de participação desses estudantes nas

relações escolares a partir da disciplina do estágio. Ao entrar em uma atividade

originada por móbiles, porque existem “boas razões” para fazê-la (CHARLOT, 2000),

os estagiários buscam maior envolvimento em suas práticas, o que lhes proporcionam

processos de aprendizagens com melhores resultados.

Tomando como parâmetro a formulação de Charlot (2012) sobre o sentido

que o professor atribui em ir à escola como início do processo de mobilização,

podemos afirmar que expectativas e iniciativas que tecem memórias, reminiscências

e marcas do vivido (OSTETTO, 2011) implicados nos processos de inserção desses

sujeitos na escola, podem ser reconhecidos como móbeis que os inscrevem no

contexto do estágio.

Podemos tomar como referência os paradoxos vividos por Jane, quando

no fragmento de sua entrevista, fala das expectativas que traçaram seu caminho para

a docência “Estava muito ansiosa, achava que ia ser o máximo. Mas quando eu

cheguei lá, me congelou, me travou totalmente”. As relações que viveu nas

experiências de estágio confrontaram sua escolha pela profissão. Quando menciona

sua identificação com a docência, atribui sua escolha ao bom relacionamento que teve

com seus professores e refere-se ao ambiente escolar como lugar em que quer

permanecer.

Paulo Freire (1999) nos ajuda a entender caminhos dessa relação. Partindo

de uma experiência que viveu enquanto aluno, ele afirma que nem sempre

imaginamos o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto

do professor. E diz: por vezes, uma atitude aparentemente insignificante, vale como

força formadora. Um gesto com significação profunda para o aluno talvez passe

despercebido pelo professor.

A formalidade contida nas inúmeras tarefas que consolidam a inserção do

estagiário no campo, em diferentes situações, tende a se tornar desmobilizadora do

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processo, uma vez que, expor-se ao desconhecido, tanto por parte dos estagiários

quanto do grupo da escola que os recebem, representa um movimento capaz de gerar

temor e desconfiança nas mútuas relações, principalmente, com os registros

decorrentes das observações (OSTETTO, 2011). Mário, apesar da intensidade vivida

em suas relações na escola-campo, queixa-se da “burocracia”, questão enfatizada por

ele como desmotivadora para as relações do estagiário nesse processo de formação.

Reforçando a opinião dele, outros estudantes entrevistados, como destacado antes,

enfatizam o caráter desmobilizador gerado por essa questão de procedimentos legais.

Sobre os movimentos produzidos no contexto das experiências de inserção

na escola-campo, Guedes-Pinto e Fontana (2006), centradas na complexidade que

envolve esse tempo, focalizam essa experiência como algo não natural. “Em situações

como as dos estágios, em que se trata de inserir-se deliberada e explicitamente em

um certo contexto, a consideração do encontro com o outro e seus limites tornam-se

explícitos antes mesmo que a relação se instaure” (ibid., p. 82 ).

Investir nas atividades de estágio, mobilizar-se, fazer uso de si mesmo

como recurso (CHARLOT, 2000) fazem emergir a questão do desejo para aprender,

disposição essencial ao aprendizado da profissão, desejo enquanto vontade,

mobilização, prazer para se envolver e desenvolver os aprendizados que a dinâmica

dessas relações oportuniza. Charlot (2012) diz que só continua estudando quem

encontra nessa prática alguma forma de prazer. Por isso, o desejo é o fator mais

importante, o que ele nomeia de equação pedagógica, “o que eu chamo de equação

pedagógica, é aprender = atividade intelectual + sentido + prazer” (ibid., p.11).

Os sentidos de estágio demostrado nas entrevistas, mesmo apresentando

caráter complementar ou suplementar, é momento decisivo ao aprendizado da

profissão. Suas fragilidades dão prova de que o conhecimento da realidade escolar

por meio dessa experiência é, em grande medida, movido pelas boas razões que

instauram e articulam as aproximações desses estudantes nesse processo de

formação.

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TECENDO CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para não concluir, retomo os objetivos deste estudo, uma vez que eles nos

encaminharam na compreensão de aspectos condutores e mobilizadores dos futuros

docentes em situação de estágios, tomando como referência experiências vividas pelo

grupo de licenciandos da já referida instituição: Entender o papel mobilizador do

estágio sobre o ser professor; problematizar o estágio como espaço/tempo que

dimensiona compreensões da docência; compreender influências dos percursos

escolares relatados pelos estudantes e sua relação com a escolha pela docência.

No desafio de ler e reler os conteúdos de suas entrevistas, com o propósito

de analisá-las, encontrei-me diante de compreensões e sentidos do processo

mobilizador na formação de professores, que me levaram a aprendizados que foram

se desenvolvendo no decorrer deste trabalho.

Os encontros em vários momentos com os entrevistados da pesquisa,

entrevistando-os ou transcrevendo suas narrativas, criaram oportunidades que me

favoreceram espaço de reflexão para atribuir sentidos ao que os estagiários me

revelaram. Outro fator bastante vantajoso à minha entrada neste cenário foi que essas

vivências transcorreram no mesmo contexto institucional.

O contexto de interdependência que define as relações de estágio, a

começar pela interação entre teoria e prática enquanto facetas de um mesmo

processo, proporcionou uma riqueza na forma de olhá-lo. Aliás, para tal campo da

formação, este é um problema que muitas vezes vem sendo tratado com divergências

de ideias, trama que põe em pauta movimentos de mobilização dos estagiários no

processo de formação como um todo. Como assinala Piconez (2010, p. 14): “O

contexto relacional entre prática-teoria-prática apresenta importante significado na

formação do professor, pois orienta a transformação do sentido da formação do

conceito de unidade [...]”.

Do ponto de vista dessa relação, o estágio é talvez o campo que apresenta

maiores conflitos, dadas as justaposições ou dissociações que, em linhas gerais,

atribuem forma à vinculação desses elementos. Essa questão reflete, em meu

entender, fragilidades que se assentam em lugares sociais diversos e que permeiam

práticas escolares e não escolares. No âmbito da experiência do estágio, as normas

que compõem sua organização se encarregam de estabelecer fosso. Muitos

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estagiários verbalizam ser este o tempo de colocar em prática o que se viu na teoria,

especialmente em instituição, historicamente, envolvida com ensino

profissionalizante.

O formato segmentado de currículo que compreende a formação a partir

de momentos estanques apresenta-se nas relações de estágio como porta voz da

visão dicotômica presente na legislação, em que estabelece o início dessa

experiência, somente a partir da segunda metade do curso, reforçando a falsa-

oposição que sugere primeiro o aprendizado teórico para depois fazer sua aplicação

na prática.

Focalizada na perspectiva da interdependência entre teoria e prática como

importante balizadora de fronteiras nas relações de estágio, as trajetórias que

transcendem a mera realização de atividades, tais como relatado por Marcela, Rafaela

e Mário, têm potencial para instaurar um processo de construção de conhecimentos

que contribuem no preparo da docência, entendendo ser esta uma possibilidade de

desenvolver “teoria enraizada na prática” (CHARLOT, 2002), uma vez que não existe

prática ateórica. Tal possibilidade de elaboração teórica reflete a construção do sujeito

no “processo de “hominização” (tornar-se homem), de singularização (tonar-se um

exemplar único de homem) de socialização (tornar-se membro de uma comunidade,

partilhando seus valores e ocupando um lugar nela)” (ibid., p. 53). Isso nos incentiva

a pensar que as práticas dos estagiários estão fundamentadas em teorias, esteja ela

abrigada em uma compreensão conservadora ou transformadora, o que nos faz

mudar o olhar, concebendo as experiências de estágio como produtoras de sentidos.

Importante observar que os cursos de licenciaturas vão inscrevendo suas

rotinas, contextos que permitem circular discursos que podem exercer influência nos

contornos do processo formativo como um todo, impactando, principalmente, a

entrada na experiência profissional denominada de estágio supervisionado,

convivência instituidora de identidades profissionais.

Destaca-se, nesta sequência, a demarcação do caminho profissional como

campo de desafios circunscritos por impressões que transitam entre desejos,

expectativas, coerências, incoerências, temores, entrelaçados por outras situações

que estabelecem as bases para a escolha da profissão: aptidão, posição

socioeconômica, demanda do mercado de trabalho, falta de opção, dentre outros.

Nesse campo de limites e possibilidades, o desejo, enquanto elemento mobilizador do

sujeito, carrega consigo força para definir valores que os profissionais em formação

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vão atribuindo à docência, desejo expresso nas atitudes e comportamentos que

caracterizam suas diferenças. Não o desejo como algo meramente afetivo, mas como

movimento entre o sujeito e o social, que vai constituindo a docência no espaço/tempo

do estágio.

Desse modo, foi possível perceber, a partir das falas dos entrevistados,

situações que produziram o desejo de ser professor, orientados por sua história.

Melhor dizendo, suas expectativas, suas narrativas sobre ambientes agradáveis

durante a educação básica, desejos altruístas e, por vezes ingênuos, foram fatores

que demarcaram a busca pelas suas respectivas licenciaturas. Essas particularidades

estabelecem parâmetros para a inserção dos estudantes no processo de formação

para a docência, configurando um tempo em que sentimentos, ideias, convicções de

escolhas feitas no passado são, em grande medida, retomados. É importante

compreender que essas contingências guardam em si capacidade de mobilização, de

modo a desenvolver potencialidades inerentes ao desejo de aprender para construir,

produzir conhecimentos na constituição da profissionalidade docente.

Ainda no contexto que circunscreve essas relações, o processo de inserção

no campo de estágio indicia movimentos que tornam compreensíveis comportamentos

e significações, que marcam os diferentes modos como os sujeitos estagiários vão

avançando ao longo dos períodos vinculados a essa experiência. Na compreensão de

como ocorre o cotidiano da vida escolar, interações entre professor-aluno, desafios

que se colocam ao coletivo da escola, pelo cotejamento de concepções de educação,

ensino, docência presentes nesse processo de formação profissional (FONTANA,

2013) pressupõem retomada de experiências a respeito dos processos educacionais

vividos que poderão tornar-se organizadores, construtores, ressignificadores de

aprendizagens que estão por vir.

Os fragmentos selecionados como material de análise sugerem ainda que

o tempo do estágio se assenta sobre um campo de possibilidades, entrelaçado por

fatores gerados em contextos diversos, configurados na organização de relações

internas que levam os aspirantes à docência a retomarem aspectos de suas histórias

enquanto estudantes. Na perspectiva charloniana, essa construção interna de si por

si mesmo, mediada pelo que é exterior ao sujeito, sofre interferência de aspectos

sócio-históricos. Isso leva o educando à mobilização, um processo que torna possível

a entrada do referido sujeito em atividade intelectual.

Focalizada nas aprendizagens do estágio como experiência vital à

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elaboração de conhecimentos, significados e sentidos das práticas escolares, é

possível afirmar que, caso não haja mobilização, o processo que dá forma à

construção e apropriação dos saberes necessários a esta profissão tende a se tornar

ineficaz, não cumprindo suas funções formativas, proporcionando então situação de

desprazer.

Identificar e reconhecer esses entraves e limites recuperam, em minha

memória, narrativas de estagiários, sugerindo que resistências impostas pelas escolas

para recebê-los têm origem já nos contatos iniciais, devido à circularidade longa e

burocrática de documentos que precisam ser rigorosamente preenchidos, como: carta

de apresentação, termos de compromisso, plano de trabalho e outras

regulamentações, que, mesmo necessárias, em alguns casos, acabam interferindo

em sua aceitação na escola. Ainda nesse pacote de descontentamentos por parte dos

estagiários, eles consideram também que a proposta formativa do IFFluminense deixa

peso maior sobre o professor das unidades escolares quanto à responsabilidade por

suas formações. No entanto, há que se destacar certos movimentos nos relatos dos

entrevistados demonstrando mudanças na compreensão do significado de estágio

sobre o ser professor.

Enquanto etapa que possibilita maior alcance dos fazeres da profissão, é o

estágio quem oportuniza condições teórico-práticas para o exercício da docência.

Nesse sentido, voltar à escola básica na condição de estagiário como apontado em

vários depoimentos traz muitas particularidades inerentes à opção profissional

assumida: ser professor. Essa experiência, que se configura num movimento de

articulação de vozes, desejos e ações daqueles que se encontram em processo de

formação, permanece desafiando a aproximação desses estudantes das

particularidades do seu futuro campo de atuação. Provocar a mobilização dos que

acham-se em processo de aprendizagem da docência é provocação que estará

sempre no movimento de renovação.

As considerações apresentadas indiciam que as relações do estágio na

formação docente estão situadas num campo de possibilidades, dadas as influências

que organizam e interferem no seu desenvolvimento, sendo capaz de repercutir na

qualidade da formação. Entendemos que o entrelaçamento da trajetória pessoal do

estagiário com as particularidades das circunstâncias vividas entre contexto escolar e

discurso oficial, presentes no projeto de curso, são vivências que vão se definindo

processualmente, delimitando o aprendizado da docência, absorvido no prazer de

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aprender que acompanha as atividades.

À guisa de ilustração que denota a complexidade desse tempo, tomo como

exemplo as narrativas de Mário no seu processo de experienciar e viver tais relações.

Respondendo à pergunta: O que mais mobiliza você na experiência de estágio?, ele

responde:

Voltar à escola básica, voltar ao ensino fundamental, ver o ensino médio [pausa].

Como esse novo Mário vai olhar? Será que mudou? Será que não mudou? O que que

eu não vi na verdade? O que estava ali por detrás que eu não vi? O que que eu poderia

fazer de diferente? Qual foi a minha reação aqui nesse campo? É isso que me motiva

a pensar no estágio (Mário – Licenciatura em Letras – 2015).

Experimentar novas formas de vivenciar a escola básica, como se fosse

uma imagem refletida num espelho, parece ter sido a expectativa que direcionou

significativamente seu olhar nas primeiras experiências. No entanto, conforme seus

relatos, os impedimentos que foram sendo postos à fluidez das interações

constituíram-se embaraços que contrastaram com as iniciativas necessárias ao

contexto relacional próprios desta experiência, o que acabou corroendo seus ânimos

nestas aproximações. Nos seus dizeres:

A meu ver, as atividades de estágio são marcadas por uma série de procedimentos

burocráticos, que envolvem incansáveis assinaturas de documentos por diferentes

órgãos administrativos e produção de dificultosos ofícios. É a visão que penosamente

possuo acerca de minhas experiências como estagiário (Mário – Licenciatura em

Letras – 2015).

Implicações e dificuldades relacionais sentidas, como: interações na

instituição de origem, dificuldades de interlocuções na escola-campo, em diálogo com

memórias de sentidos que levaram sua escolha pela profissão, apresentaram-se

como sentimentos desmobilizadores do conjunto de ações propostos para aqueles

períodos.

Por fim, reconhecer o tempo/espaço do estágio como locus de

aprendizagem parece reforçar o óbvio, no entanto quando se pensa nessa ação pela

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perspectiva da atividade que leva o estagiário a envolver-se nos fazeres que põe em

funcionamento a vida da escola, a mobilização se institui como movimento articulador

do processo, por exigir elementos próprios do sujeito.

O curso das análises evidenciou que a perspectiva participante, dialogal

traz possibilidades para se romper com fronteiras rígidas que normalmente se

interpõem nestas relações. Quando este componente se organiza sobre práticas

esvaziadas de sentidos, sem o reconhecimento da interlocução como produtora de

ações ancoradas no campo da diversidade, implica em empobrecimento do seu papel

na formação dos professores.

Creio que os diversos depoimentos registrados nesta pesquisa recolhem

narrativas que contêm pistas sobre muitos dos aspectos que mobilizam e

desmobilizam os estudantes na relação com a escola por meio do estágio. Suas falas

apontam para potencialidades que se apresentam na proposta de um trabalho que

procura dar condições para se formar o profissional docente. Potencialidades que

podem ser mais exploradas e que, acredito, muitas delas aproveitadas pelos

estagiários. E que, assim, possa continuar, talvez, implementando mais móbiles para

que o desejo de tornar-se professor se mantenha e se fortaleça.

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Anexo I

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Área de Ciências Humanas – Faculdade de Educação – UNICAMP

Ilmo (a). Sr (a). _______________________________________________________ Diretor(a) dos Cursos de Licenciatura.

Eu, Edalma Ferreira Paes, aluna do curso de Doutorado em Educação da

Universidade Estadual de Campinas, matriculada no RA 133896, estou realizando

uma pesquisa que tem como objetivo compreender como os sujeitos estagiários se

mobilizam para inserirem-se no campo de estágio.

Para contextualizar a pesquisa, lançarei mão de dados contidos no site

desta instituição, bem como de documentos que esta diretoria me conceder. Entendo

que este trabalho poderá trazer contribuições às discussões sobre a formação inicial

dos professores. Para tanto, peço sua colaboração por meio do seu consentimento.

Atenciosamente,

Edalma Ferreira Paes

Campos dos Goytacazes (RJ), ____ de _______________de 2014

Autorização

Eu, _______________________________________________________,

autorizo Edalma Ferreira Paes a realizar a pesquisa conforme solicitação acima

descrita.

Assinatura do(a) Diretor(a) dos Cursos de Licenciaturas

___________________________________________

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Anexo II

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Área de Ciências Humanas – Faculdade de Educação – UNICAMP

Eu, Edalma Ferreira Paes, aluna do curso de Doutorado em Educação da

Universidade Estadual de Campinas, matriculada no RA 133896, estou realizando

uma pesquisa que tem como objetivo compreender como os sujeitos estagiários se

mobilizam para se inserirem no campo de estágio.

Para tanto, solicito sua participação como entrevistado (a), bem como sua

autorização para utilizar os resultados deste estudo em minha tese, eventos ou revista

científica, mantendo sempre seu nome em sigilo.

Atenciosamente,

_______________________________________________

Edalma Ferreira Paes

________________________________________________

Assinatura do entrevistado (a)

Campos dos Goytacazes (RJ), ___ de __________ de 201__

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Anexo III

Roteiro para entrevista

Perfil do entrevistado

Ano de nascimento. Opção de curso anterior à licenciatura. Opção profissional anterior à licenciatura. Licenciatura em curso.

1. Por que você escolheu fazer licenciatura?

2. Que sentido a escola básica tem para você?

3. O que o estágio representa para você?

4. Como foi sua experiência de inserção na escola campo?

5. O que mais motivou/desmotivou você na experiência de estágio? Explique.

6. Em que medida o estágio vem contribuindo na sua formação docente?