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MODELAGEM MATEMÁTICA ESTOCÁSTICA DA TRANSIÇÃO COLUNAR EQUIAXIAL V. B. Biscuola, M. A. Martorano Av. Prof. Mello Moraes, 2463 São Paulo-SP, CEP 05508-900 [email protected] Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - EPUSP RESUMO O objetivo do presente trabalho é a implementação de um modelo matemático estocástico bidimensional para prever a macroestrutura bruta de solidificação em ligas metálicas binárias. O modelo implementado é capaz de prever o tamanho e forma dos grãos, a transição colunar-equiaxial (CET) e a transferência de calor durante a solidificação. Durante implementação, o modelo foi dividido em dois submodelos: um submodelo macroscópico, que soluciona a equação diferencial de condução de calor através do método dos volumes finitos, e um submodelo microscópico, utilizado para prever o crescimento dos grãos através da técnica "celullar automaton". A estrutura de grãos e as curvas de resfriamento obtidas pelo modelo para uma determinada situação experimental foram comparadas com dados disponíveis na literatura. Os resultados calculados apresentaram uma boa aderência aos resultados experimentais, validando o modelo implementado. O modelo foi, então, utilizado para simular o efeito de algumas variáveis de processamento importantes no processo de fundição de ligas do sistema Al-Si. Os resultados mostram que: (1) um aumento no coeficiente de transferência de calor entre o metal e o molde aumenta o tamanho da zona colunar e diminui o tamanho médio dos grãos equiaxiais; (2) o aumento do superaquecimento inicial do metal líquido aumenta o tamanho da zona colunar e não altera significativamente o tamanho médio de grão equiaxial e (3) o aumento do teor de soluto médio da liga diminuiu o tamanho da zona colunar e também diminuiu o tamanho médio dos grãos equiaxiais. Palavras-Chave: transição colunar equiaxial, CET, monte carlo, modelo matemático, alumínio. INTRODUÇÃO A estrutura bruta de solidificação das ligas metálicas geralmente possui uma combinação de três zonas distintas: uma zona coquilhada próxima à superfície do molde, uma zona colunar composta por grãos de formato alongado e uma zona equiaxial formada por grãos equiaxiais semelhantes aos grãos da zona coquilhada, porém com tamanho médio maior (Garcia, 2001). Nem sempre todas estas zonas estão presentes, mas quando as zonas colunar e equiaxial existirem, a região de transição entre elas é chamada de zona de transição colunar-equiaxial (CET - "Columnar- to-Equiaxed Transition"). Como as propriedades de um metal estão intrinsecamente ligadas à sua macroestrutura de grãos e especificamente à quantidade de zona colunar e equiaxial, existe uma grande motivação para se prever a transição colunar-equiaxial. Durante a solidificação, a transição colunar-equiaxial ocorre quando os grãos equiaxiais à frente da zona de crescimento colunar impedem o crescimento desta frente. O aparecimento dos grãos equiaxiais, por sua vez, depende dos mecanismos de nucleação e crescimento comuns aos

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MODELAGEM MATEMÁTICA ESTOCÁSTICA DA TRANSIÇÃO COLUNAR EQUIAXIAL

V. B. Biscuola, M. A. Martorano Av. Prof. Mello Moraes, 2463 São Paulo-SP, CEP 05508-900

[email protected] Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais

Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - EPUSP

RESUMO O objetivo do presente trabalho é a implementação de um modelo matemático estocástico

bidimensional para prever a macroestrutura bruta de solidificação em ligas metálicas binárias. O modelo implementado é capaz de prever o tamanho e forma dos grãos, a transição colunar-equiaxial (CET) e a transferência de calor durante a solidificação. Durante implementação, o modelo foi dividido em dois submodelos: um submodelo macroscópico, que soluciona a equação diferencial de condução de calor através do método dos volumes finitos, e um submodelo microscópico, utilizado para prever o crescimento dos grãos através da técnica "celullar automaton". A estrutura de grãos e as curvas de resfriamento obtidas pelo modelo para uma determinada situação experimental foram comparadas com dados disponíveis na literatura. Os resultados calculados apresentaram uma boa aderência aos resultados experimentais, validando o modelo implementado. O modelo foi, então, utilizado para simular o efeito de algumas variáveis de processamento importantes no processo de fundição de ligas do sistema Al-Si. Os resultados mostram que: (1) um aumento no coeficiente de transferência de calor entre o metal e o molde aumenta o tamanho da zona colunar e diminui o tamanho médio dos grãos equiaxiais; (2) o aumento do superaquecimento inicial do metal líquido aumenta o tamanho da zona colunar e não altera significativamente o tamanho médio de grão equiaxial e (3) o aumento do teor de soluto médio da liga diminuiu o tamanho da zona colunar e também diminuiu o tamanho médio dos grãos equiaxiais.

Palavras-Chave: transição colunar equiaxial, CET, monte carlo, modelo matemático, alumínio.

INTRODUÇÃO

A estrutura bruta de solidificação das ligas metálicas geralmente possui uma combinação de

três zonas distintas: uma zona coquilhada próxima à superfície do molde, uma zona colunar

composta por grãos de formato alongado e uma zona equiaxial formada por grãos equiaxiais

semelhantes aos grãos da zona coquilhada, porém com tamanho médio maior (Garcia, 2001). Nem

sempre todas estas zonas estão presentes, mas quando as zonas colunar e equiaxial existirem, a

região de transição entre elas é chamada de zona de transição colunar-equiaxial (CET - "Columnar-

to-Equiaxed Transition"). Como as propriedades de um metal estão intrinsecamente ligadas à sua

macroestrutura de grãos e especificamente à quantidade de zona colunar e equiaxial, existe uma

grande motivação para se prever a transição colunar-equiaxial.

Durante a solidificação, a transição colunar-equiaxial ocorre quando os grãos equiaxiais à

frente da zona de crescimento colunar impedem o crescimento desta frente. O aparecimento dos

grãos equiaxiais, por sua vez, depende dos mecanismos de nucleação e crescimento comuns aos

Administrador
topo2

processos de transformação de fases. Atualmente, os detalhes destes mecanismos são relativamente

bem entendidos (Flood & Hunt, 1998).

Os modelos matemáticos empregados para a previsão da transição colunar-equiaxial

baseiam-se em um mecanismo proposto por Winegard e Chalmers (1954), que sugeriram que os

grãos equiaxiais nucleiam e crescem na região super-resfriada existente à frente da zona colunar em

crescimento. Estes modelos são usualmente classificados em estocásticos ou determinísticos. Os

modelos estocásticos sempre utilizam algum tipo de variável aleatória seus procedimentos, ou seja,

existem parâmetros que dependem de probabilidades (Rappaz & Gandin, 1993). Estes modelos

acompanham a nucleação e crescimento de cada grão, simulando sua forma e tamanho e,

conseqüentemente, a CET. Os modelos determinísticos, por outro lado, não utilizam variáveis

aleatórias e não consideram os grãos individualmente, mas sim, de forma média (Martorano,

Beckermann & Gandin, 2003).

Spittle e Brown (1989) foram os precursores na criação dos modelos estocásticos baseados

no método de Monte Carlo. Neste modelo, o domínio de simulação contendo sólido e líquido foi

subdividido em diversas células, associando um nível de energia a cada interface entre células. O

conceito de minimização da energia total das células foi utilizado para simular o crescimento dos

grãos durante a solidificação. O modelo final forneceu estruturas que podiam ser comparadas

diretamente com estruturas reais, entretanto houve problemas na identificação de uma escala de

tempo associada ao crescimento dos grãos.

Rappaz e Gandin (1989) propuseram um novo modelo estocástico baseado na técnica

conhecida como “Cellular Automaton” (CA), eliminando o problema da escala de tempo através da

utilização de equações para o crescimento dendrítico. Os autores assumiram, ainda, que cada sítio

para nucleação heterogênea era formado por um tipo de substrato ao qual era associado um super-

resfriamento crítico diferente para nucleação. Assumiu-se que este super-resfriamento crítico estava

distribuído entre os substratos de acordo com uma distribuição normal. Após nucleação, o

crescimento do núcleo era simulado pela técnica "cellular automaton". Segundo esta técnica,

associou-se a cada célula um quadrado cujo crescimento obedecia às equações de crescimento

dendrítico. Em um determinado instante durante o crescimento, este quadrado acabava tocando o

centro da célula vizinha, que era ativada, originando um novo quadrado. A transferência de

informações de uma célula a outra simulava o crescimento de um envelope dendrítico. Rappaz e

Gandin (1994) acoplaram este modelo, denominado microscópico, a um outro modelo de

transferência de calor baseado no método dos elementos finitos, denominado macroscópico. O

modelo completo foi chamado de CAFE ("cellular automaton-finite element"). Foram realizados

diversos testes onde as estruturas de grãos e curvas de resfriamento simuladas foram comparadas

com dados experimentais, apresentando uma boa concordância.

Rappaz e Gandin (1997) estenderam este modelo, implementado em duas dimensões, para

simulações em três dimensões. As características do novo modelo são semelhantes às do modelo

anterior. Entretanto, em lugar de associar um quadrado em crescimento a cada célula, foi associado

um retângulo cujo centro não necessariamente coincidia com o centro da célula. Este novo

procedimento facilitou a simulação da estrutura em três dimensões.

Cho, Okane e Umeda (2001) utilizaram o modelo microscópico proposto por Gandin e

Rappaz (1997) para previsão do crescimento dos envelopes dendríticos, porém a transferência de

calor foi modelada utilizando-se o método das diferenças finitas. Estes autores assumiram ainda dois

tipos de distribuição de super-resfriamentos para os substratos da nucleação heterogênea, um para o

interior do metal e outro para a superfície interna do molde. O comportamento do método mediante a

variação dos parâmetros de nucleação na superfície e no interior do molde foi analisado após o

cálculo das estruturas de grãos para cada caso.

Os modelos estocásticos têm sido aplicados a diversos processos de solidificação para a

previsão da estrutura de grãos final. Entretanto, estes modelos não foram suficientemente testados e

utilizados em situações práticas para prever os efeitos de algumas variáveis de processamento

importantes, como o coeficiente de transferência de calor. Desta forma, o objetivo do presente

trabalho é a implementação de um modelo matemático estocástico bidimensional para prever a

macroestrutura bruta de solidificação em ligas metálicas binárias e utilizá-lo para analisar o efeito na

CET das seguintes variáveis de processamento: coeficiente de transferência de calor na interface

metal-molde, o superaquecimento do metal líquido e a concentração média da liga.

METODOLOGIA

O modelo implementado no presente trabalho foi baseado no modelo proposto por Rappaz

e Gandin (1997). A principal modificação introduzida foi a utilização do método dos volumes finitos

para resolução numérica da equação de condução de calor, em lugar do método dos elementos

finitos, como será descrito posteriormente. O modelo foi dividido em duas partes: um submodelo

macroscópico, responsável pelo cálculo da transferência de calor e um submodelo microscópico,

responsável pelo cálculo da estrutura de grãos. Estes submodelos estão descritos a seguir.

Submodelo Macroscópico

O submodelo macroscópico foi implementado para modelar a transferência de calor

bidimensional no sistema. Neste modelo, foi solucionada a equação diferencial de condução de calor

escrita na forma da entalpia em coordenadas retangulares, mostrada a seguir:

∂∂

∂∂

+

∂∂

∂∂

=∂∂

yT

Kyx

TK

xtH

(1)

onde H é a entalpia; T é a temperatura; K é a condutividade térmica; t é o tempo e x e y são as

coordenadas espaciais.

A equação (1) foi solucionada numericamente através do método dos volumes finitos, após

discretização em volumes finitos retangulares contendo nós em seus centros (Patankar, 1981). A

formulação explícita foi utilizada, resultando na seguinte equação algébrica:

[ ]( )yx

tTaaaaTaTaTaTaH t

PNSWEtSS

tNN

tWW

tEE

ttP ∆∆

∆δ ∆

⋅⋅⋅−−−−++++=+

(2)

onde

tP

ttP

ttP HHH −= ++ ∆∆δ

S

SS

N

NN

W

WW

E

EE

yxK

ay

xKa

xyK

ax

yKa

)()(

)()(

δδ

δδ∆

=∆

=

∆=

∆=

sendo que PHδ é a variação de entalpia do volume P; x∆ e y∆ representam as dimensões do

volume finito P; K a condutividade térmica calculada na interface com o volume indicado pelo

subscrito; xδ e yδ indicam as distâncias entre o centro do volume P e o volume finito vizinho

identificado pelo subscrito e t∆ é o passo de tempo utilizado no método numérico. Os subscritos

foram adotados de acordo com a nomenclatura proposta por Patankar (1981). A equação (2) permite

o cálculo da variação de entalpia de um volume finito após decorrido um intervalo de tempo t∆ . A

temperatura do volume P só poderá ser calculada se uma relação entre a sua entalpia e a

temperatura for fornecida. Esta relação é fornecida através do acoplamento entre o submodelo

macroscópico e o submodelo microscópico, que está descrito a seguir.

Submodelo Microscópico

O submodelo microscópico é análogo ao modelo proposto por Rappaz e Gandin (1997),

portanto apenas alguns aspectos importantes serão descritos nestes itens. Neste modelo, o domínio

foi subdividido em pequenas células quadradas com o intuito de simular a nucleação e o crescimento

dos grãos. Inicialmente, diversos substratos para nucleação heterogênea são distribuídos

aleatoriamente entre as células. A cada substrato está associado um super-resfriamento crítico que

indica a temperatura na qual a sua ativação deve ocorrer. A taxa de variação da densidade do

número de substratos (substratos por volume) em relação à temperatura foi assumida obedecer a

uma distribuição normal, como indicado abaixo (Rappaz & Gandin, 1997):

∆−∆−

∆⋅=

2

max

21

exp2)( σπ T

TTT

nTd

dn nuc (3)

onde n é a densidade de substratos que são ativados em um super-resfriamento ∆T; nmax é a

densidade total de substratos e ∆Tnuc e ∆Tmax são a média e desvio padrão, respectivamente, da

distribuição assumida. Logo, a densidade de substratos ativados, que corresponde à densidade de

núcleos presentes (ns) em uma região do líquido com super-resfriamento T∆ é dada por:

)()(

)( ´´0

TdTd

dnTn

T

s ∆⋅

=∆ ∫∆

(4)

Quando a temperatura em uma região do líquido decresce abaixo da temperatura crítica de

nucleação do substrato, a célula nesta posição é ativada atribuindo-se uma orientação cristalográfica

escolhida aleatoriamente entre 48 classes divididas igualmente na faixa de -45o a 45o. Neste

momento, também se associa um retângulo de tamanho reduzido que representará o envelope

dendrítico e cujas diagonais começarão a crescer obedecendo à equação de crescimento dendrítico

descrita a seguir:

33

22)( TaTaTv ∆×+∆×=∆ (5)

onde )( Tv ∆ representa a velocidade das diagonais do retângulo; T∆ é o super-resfriamento (T -

Tliquidus) no centro deste retângulo e a2 e a3 são constantes determinadas experimentalmente ou

através de algum modelo matemático. Deste modo, a diagonal Li do retângulo associado à célula i é

atualizada após cada passo de tempo t∆ e, no tempo t, deve apresentar um tamanho total dado pela

equação a seguir:

( )[ ]∫ ∆=t

tnii dTvL ττ

21

(6)

onde tn é o instante no qual ocorreu a nucleação da célula i.

Os retângulos devem crescer até que o centro da célula vizinha seja ultrapassado. Neste

momento, se esta célula vizinha ainda não foi ativada, ou seja, se ainda pertence ao líquido, ela será

ativada pelo retângulo em crescimento. Na ativação, a célula vizinha receberá um retângulo com a

mesma orientação e um tamanho que depende da célula que a ativou. O tamanho e orientação do

envelope cujo crescimento se está simulando deve ser preservado nesta etapa de transferência de

informação de uma célula a outra.

Acoplamento entre Submodelos Macroscópico e Microscópico

Os submodelos macroscópicos e microscópicos devem ser acoplados para que a

transferência de calor e o crescimento dos grãos sejam simulados consistentemente. Neste

acoplamento, o submodelo macroscópico fornece a variação de entalpia do volume finito (δHP), obtido

através da resolução da equação (1), para o submodelo microscópico. No submodelo microscópico, o

domínio foi dividido em células geralmente menores do que o volume finito, portanto a variação de

entalpia δHP e a temperatura calculada no instante anterior para um volume finito (equação (1)) foram

linearmente interpoladas para serem utilizadas pelas células em seu interior.

A temperatura interpolada é utilizada para o cálculo da velocidade de crescimento através

da equação (5) e a variação de entalpia interpolada, denominada CAHδ , será utilizada para o cálculo

da variação de fração de sólido CAsf ,δ no interior da célula através da equação:

[ ] ρ∆ρ

δδ

∆∆

⋅+−⋅−⋅−⋅⋅

−=

++

fkt

CAsfL

ttCAtt

CAsHfkTTCp

Hf

)(,

,)()(

211

(7)

onde ρ é a densidade; Cp é o calor específico; TL é a temperatura liquidus da liga; Tf é a temperatura

de fusão do metal puro; k é o coeficiente de partição de soluto; tCAsf , é a fração de sólido da célula no

instante anterior e fH∆ é o calor latente de fusão. Esta equação é o resultado da aplicação do

modelo de Scheil (Kurz, & Fisher, 1989) para o cálculo da fração de sólido em função da temperatura.

A equação (7) é utilizada para calcular a variação de fração de sólido no interior de todas as

células ativadas do submodelo microscópico. A variação de fração de sólido total no interior de um

volume finito ttVFsf

∆δ +, é calculada por:

CA

VF

ttCAs

ttVFs n

ff

∑ +

+ =

δδ

,

, (8)

onde nCA é o número de células pertencentes ao submodelo microscópico localizadas no interior de

um volume finito. Utilizando a fração ttVFsf

∆δ +, fornecida pelo submodelo microscópico, a temperatura

do volume finito ttPT ∆+ é calculada pelo submodelo macroscópico através da equação:

CpfHH

TTtt

VFsftt

CAtP

ttP ρ

δρ∆δ ∆∆δ

+++ +

+= , (9)

A fração de sólido de cada célula deve ser atualizada após cada passo de tempo até que se

atinja a temperatura do eutético. Neste instante, uma transformação isotérmica deve ocorrer e a

fração de sólido de cada célula é calculada através da equação abaixo, em lugar da equação (7):

ρ∆δ

δ∆

f

ttCAtt

CAs HH

f+

+ =, (10)

A solidificação da célula terminará quando a sua fração de sólido atingir 1.

RESULTADOS E DISCUSSÂO

O modelo implementado no presente trabalho foi aferido mediante comparações da

macroestrutura calculada com aquelas apresentadas por Gandin e Rappaz (1993) durante a

solidificação isotérmica. Além disso, a macroestrutura e as curvas de resfriamento calculadas pelo

modelo durante a solidificação direcional de uma liga Al-Si foram comparadas com os resultados

fornecidos por Rappaz e Gandin (1994). Nos dois casos comparados, a concordância foi excelente,

mostrando que o modelo foi implementado corretamente.

Após verificação do código implementado, este foi aplicado à solidificação direcional de

ligas Al-Si com o objetivo de investigar o efeito de algumas variáveis de processamento na

macroestrutura final de grãos da estrutura bruta de solidificação. Nesta investigação, inicialmente

simulou-se um caso padrão, obtendo-se sua macroestrutura. Posteriormente, alterou-se a variável de

interesse, observando seu efeito. No caso padrão utilizou-se uma liga Al-7%Si com as propriedades

descritas na Tabela (1). Em todas as simulação foram assumidas duas distribuições normais

diferentes para se calcular o super-resfriamento dos substratos para a nucleação. Uma distribuição foi

aplicada no interior do domínio e a outra, na superfície do moldem, como sugerido por Cho, Okane e

Umeda (2001). Os parâmetros que definem estas distribuições estão apresentados na Tabela (2).

Tabela (1) – Propriedades das ligas simuladas.

Propriedades Al-3%Si Al-7%Si Al-11%Si

Ks (W/mK) 253-0.11*T 233-0.110*T 191-0.0671*T

Kl (W/mK) 41.5-0.0312*T 36.5+0.028*T 27.6+0.0333*T

Hf(J/Kg) 387.4x103 387.4x103 387.4x103

Cp (J/KgK) 1126 1126 1126

ρ(Kg/m3) 2452 2452 2452

k (-) 0.12 1.13 0.14

Tliquidus (K) 913 891 863

Teutético (K) 850 850 850

h (W/m2K) 250 250 250

A (m/sK2,7) 1.7x10-5 - 1x10-6

n (-) 2.7 - 2.7

a2 (ms-1K-2) - 2,9*10-6 -

a3 (ms-1K-2) - 1,49*10-6 -

Tabela (2) - Parâmetros para nucleação na superfície interna do molde (S) e no seu interior (V).

∆TS,nuc [K] ∆TS,σ [K] nS,max [m-1] ∆TV,nuc [K] ∆TV,σ [K] nV,max [m

-2]

0.5 0.1 583 4.5 0.5 267300

As condições de contorno necessárias para a solução da equação diferencial de condução de

calor utilizada pelo submodelo macroscópico para solidificação direcional estão descritas a seguir:

)( wTThyTK −=

∂∂ p/ y = 0 (contorno inferior) (11)

0=∂∂

yT

p/ y = L (contorno superior) (12)

0=∂∂

xT

p/ x = 0 (contorno à esquerda) (13)

0=∂∂

xT

p/ x = W (contorno à direita) (14)

onde L é o comprimento do domínio simulado, igual a 0,15 m, e W é a sua largura, igual a 0,07 m; h é

o coeficiente de transferência de calor na interface metal-molde, adotado como 250 W/m2K para o

caso padrão, e Tw é uma temperatura de referência do molde, assumida como 298K. Esta

temperatura pode ser, por exemplo, aquela da água de refrigeração no caso de um molde refrigerado.

Como condição inicial adotou-se um domínio totalmente líquido com uma temperatura homogênea,

definida por um superaquecimento acima da temperatura liquidus. No caso padrão, este

superaquecimento foi de 100 K.

A solução numérica foi obtida utilizando-se para o submodelo macroscópico uma malha de

volumes finitos de 1 x 20, contendo 20 volumes na direção vertical (coordenada y). No submodelo

microscópico utilizou-se uma malha de células contendo 100 x 11 no interior de cada volume finito,

resultando em uma malha completa de 100 x 220 células. Alguns testes de convergência foram

realizados para os dois tipos de malhas. Observou-se que malhas de volumes finitos ou células mais

refinadas do que as utilizadas não alteravam as curvas de resfriamento e as macroestruturas

significativamente. O passo de tempo ∆t empregado nas simulações foi de 0,02 s.

Análise Paramétrica do Modelo

Após simulação do caso padrão, analisou-se o efeito de três variáveis de processamento na

macroestrutura final de grãos da liga Al-Si. As variáveis escolhidas foram: (1) o coeficiente de

transferência de calor na interface metal-molde; (2) o superaquecimento inicial do metal líquido e (3) a

concentração média de soluto na liga. A Tabela (3) apresenta os valores adotados para estas

variáveis nas sete simulações realizadas. Os resultados obtidos serão discutidos no próximo item.

Tabela (3) - Coeficiente de transferência de calor na interface metal-molde (h), superaquecimento

inicial do metal líquido (∆Tv ) e teor de Si médio da liga (Co) adotados nas simulações.

Simulação H (W/m2K) ∆Tv (K) Co (%Si)

1* 250 100 7

2 100 100 7

3 800 100 7

4 250 20 7

5 250 200 7

6 250 100 3

7 250 100 11

* Caso padrão

Efeito do Coeficiente de Transferência de Calor (h)

O efeito do coeficiente de transferência de calor da interface metal-molde (h) na

macroestrutura final de grãos foi analisado a partir de três simulações com três valores de h

diferentes: (1) h1=100 W/m2K; (2) h2=250 W/m2K (caso padrão) e (3) h3=800 W/m2K. As

macroestruturas resultantes das simulações estão apresentadas na Figura (1).

(a) (b) (c)

Figura (1) – Macroestruturas simuladas utilizando-se três coeficientes de transferência de calor

diferentes: (a) 100 Wm-2K-1; (b) 250 Wm-2K-1; (c) 800 Wm-2K-1.

A Figura (1) mostra que o aumento no valor de h causou um aumento no tamanho da zona

colunar e no número de grãos colunares e equiaxiais. O aumento do número de grãos, que acaba

resultando em uma diminuição no tamanho de grão, é decorrente de um aumento da taxa de

resfriamento em cada ponto da região simulada. O aumento da taxa de resfriamento permite que um

X (m) X (m) X (m)

Y (m) Y (m) Y (m)

maior número de substratos para nucleação (entre aqueles distribuídos inicialmente) sejam ativados

antes de serem "capturados" por uma célula vizinha em crescimento. Conseqüentemente, observa-se

um aumento no número de grãos presentes na estrutura final.

As três simulações foram interrompidas quando a isoterma liquidus estava localizada em y =

0,04m para um exame mais detalhado da solidificação. A macroestrutura e o perfil de temperatura

neste instante estão mostrados na Figura (2). Na macroestrutura, a região branca representa o

líquido e a região entre a isoterma liquidus e a posição da frente colunar representa a zona super-

resfriada constitucionalmente. Observa-se um aumento no gradiente de temperatura na frente de

solidificação, ocasionado pelo aumento do fluxo de calor para maiores valores de h. Com o aumento

do gradiente, o tamanho da zona super-resfriada constitucionalmente diminuiu, reduzindo o tempo

para que grãos equiaxiais que nuclearam nesta região possam crescer até um tamanho

suficientemente grande para impedir o crescimento da zona colunar.

(a) (b)

(c)

Figura (2) – Macroestruturas e perfis de temperatura no instante em que a isoterma liquidus atingiu y

= 0,04 m nas simulações da Figura (1): (a) h=100 Wm-2K-1; (b) h=250 Wm-2K-1; (c) h=800 Wm-2K-1.

Y (m)

X (m)

Tliquidus

Teutético

Líquido

Líquido Líquido

Y (m)

Y (m)

X (m) X (m)

Tliquidus Tliquidus

O tamanho da zona super-resfriada constitucionalmente foi medido e correlacionado com o

coeficiente de transferência de calor na Figura (3), onde se observa a diminuição desta zona

mencionada anteriormente. Este mesmo efeito foi observado por Wang e Beckermann (1994) em seu

modelo determinístico aplicado a ligas Al-Cu. Percebe-se através da Figura (3) que a variação no

tamanho da zona super-resfriada constitucionalmente com o coeficiente h é mais acentuada para

valores de h inferiores.

0,0E+00

5,0E-04

1,0E-03

1,5E-03

2,0E-03

2,5E-03

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

h (W/m-2

K-1

)

Figura (3) – Tamanho da zona super-resfriada constitucionalmente ∆Y em função de h.

Efeito do Superaquecimento Inicial do Líquido (∆Tv )

O efeito do superaquecimento inicial do líquido ∆Tv na macroestrutura final de grãos

também foi analisado a partir de três simulações utilizando três valores diferentes: (1) 20K; (2) 100K

(caso padrão) e (3) 200K. As macroestruturas resultantes das simulações estão apresentadas na

Figura (4).

(a) (b) (c)

Figura (4) – Macroestruturas simuladas com três diferentes superaquecimentos iniciais do líquido:

(a) 20 K; (b) 100 K; (c) 200 K.

X (m) X (m) X (m)

Y (m) Y (m) Y (m)

∆Y (m)

Pode-se observar que o aumento do valor do superaquecimento inicial do líquido causou

um aumento no tamanho da zona colunar, porém não se observa uma alteração significativa tanto no

número de grãos equiaxiais como colunares. O aumento no tamanho da zona colunar com o aumento

do superaquecimento foi observado em trabalhos experimentais descritos na literatura (Flood & Hunt,

1998). Este efeito pode ser entendido através das simulações interrompidas apresentadas na Figura

(5), construídas de forma semelhante àquelas mostradas no item anterior. Observa-se que um

aumento em ∆Tv diminui o tamanho da zona super-resfriada constitucionalmente, como sintetizado na

Figura (6). Desta forma, como discutido no item anterior, a diminuição da zona super-resfriada causa

um aumento no tamanho da zona colunar final, como observado.

(a) (b)

(c)

Figura (5) – Macroestruturas e perfis de temperatura no instante em que a isoterma liquidus atingiu y

= 0,04 m nas simulações da Figura (4): (a) ∆Tv = 20 K; (b) ∆Tv = 100 K; (c) ∆Tv = 200 K.

X (m) X (m)

Y (m) Y (m)

X (m)

Y (m)

Tliquidus

Tliquidus

Líquido Líquido

Líquido

A Figura (6) apresenta a relação entre o superaquecimento inicial do líquido com o tamanho

da zona super-resfriada constitucionalmente. Nota-se que o efeito do superaquecimento em alterar o

tamanho desta zona é mais acentuado em superaquecimentos menores.

0,0E+00

5,0E-04

1,0E-03

1,5E-03

2,0E-03

2,5E-03

0 50 100 150 200 250Dt (ºK)

Figura (6) – Correlação entre superaquecimento do metal líquido e o tamanho da zona super-

resfriada constitucionalmente.

Efeito da Concentração Média da Liga (C0)

O efeito da concentração média de Si da liga (Co) na macroestrutura final de grãos foi

analisado para três simulações: (1) 3%Si; (2) 7%Si (caso padrão) e (3) 11%Si. As macroestruturas

resultantes das simulações estão apresentadas na Figura (7). Diferentemente dos casos anteriores, a

velocidade de crescimento dos envelopes dendríticos para Al-3%Si e para Al-11%Si foi calculada

através da seguinte equação em lugar da equação (5):

nTAv ∆⋅= (15)

onde n = 2,7 e A = 1.7 x 10-5 m/sK2,7 para 3%Si e A = 10-6 m/sK2,7 para 11%Si.

As propriedades das ligas utilizadas nas simulações estão indicadas na Tabela (1).

∆Y (m)

(a) (b) (c)

Figura (7) – Macroestruturas simuladas com três concentrações diferentes:

(a) 3%Si; (b) 7%Si; (c) 11%Si.

A Figura (7) mostra que o aumento da concentração do soluto causou uma diminuição

significativa no tamanho da zona colunar e um aumento no número de grãos, tanto colunares quanto

equiaxiais, como observado experimentalmente (Flood & Hunt, 1998). A Figura (8) apresenta a

simulação interrompida associada a cada uma destas estruturas finais. O gradiente de temperatura

sofreu pequenas alterações com a mudança do teor de soluto, porém nota-se um aumento no

tamanho da zona super-resfriada constitucionalmente com o aumento no teor de soluto, como

sintetizado na Figura (9). Este aumento é resultado de um maior super-resfriamento da frente colunar

em relação à isoterma liquidus. Observando a equação (15), nota-se que, para uma mesma

velocidade, o super-resfriamento na ponta das dendritas colunares (∆T) deve ser maior para 3%Si do

que para 11%Si devido às diferenças no coeficiente A. O aumento no tamanho da zona super-

resfriada constitucionalmente para maiores teores de soluto resultou em uma diminuição da zona

colunar, como nos casos discutidos anteriormente.

X (m) X (m) X (m)

Y (m) Y (m) Y (m)

(a) (b)

(c)

Figura (8) – Simulações representando a zona super-resfriada constitucionalmente, juntamente com o

gráfico de TxY para concentrações média de: (a) 3%Si; (b) 7%Si; (c) 11%Si.

0,0E+00

2,0E-04

4,0E-04

6,0E-04

8,0E-04

1,0E-03

2 4 6 8 10 12

%Si

Figura (9) – Tamanho da zona super-resfriada constitucionalmente ∆Y em função da concentração

média de soluto na liga (Co).

X (m) X (m)

X (m)

Y (m)

Y (m)

Y (m)

Tliquidus

Tliquidus Tliquidus

Teutético

∆Y (m)

Líquido

Líquido Líquido

CONCLUSÕES

As seguintes conclusões podem ser obtidas a partir dos resultados do presente trabalho:

1) Através das simulações utilizando o modelo implementado, observa-se que um aumento no

coeficiente de transferência de calor de 100 W/m2.K para 800 W/m2.K leva a um aumento no

tamanho da zona colunar e a uma diminuição do tamanho médio dos grãos da zona equiaxial;

2) Através das simulações utilizando o modelo implementado, observa-se que um aumento no

superaquecimento inicial do líquido de 20 K para 200 K aumenta o tamanho da zona colunar e

não altera significativamente o tamanho médio dos grãos da zona equiaxial;

3) As simulações mostram que um aumento na concentração média de soluto da liga de 3%Si para

11%Si diminuiu significativamente o tamanho da zona colunar e o tamanho médio dos grãos da

zona equiaxial;

4) Observa-se que um aumento no tamanho da zona super-resfriada constitucionalmente calculada

pelo modelo em um dado instante da solidificação está correlacionada diretamente com uma

diminuição no tamanho da zona colunar da estrutura final.

AGRADECIMENTOS

Um dos autores (V.B.B.) agradece à Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da

Engenharia (FDTE) pela Bolsa de Iniciação Tecnológica (BIT).

REFERÊNCIAS

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1214-23, 1954.

STOCHASTIC MODELLING OF THE COLUMNAR-TO-EQUIAXED TRANSITION

ABSTRACT The objective of the present work is to implement a stochastic mathematical model in two

dimensions to predict the as-cast macrostructure in binary alloys. The model is capable of predicting the grain size, the columnar-to-equiaxed transition (CET), and the heat transfer during solidification. The final model consists of a microscopic submodel to predict grain growth by the cellular automaton technique and a macroscopic submodel to solve the heat conduction equation. Initially, simulated results for a particular case were compared with published data to validate the computer code. Afterwards, the model was used to simulate the directional solidification of Al-Si alloys subjected to different conditions typical of casting processes. The model results show that: (1) an increase in the heat transfer coefficient at the metal-mold interface causes an increase in the columnar zone and a decrease in the average size of equiaxed grains; (2) an increase in the initial superheat of the liquid metal increases the columnar zone size; and (3) an increase in the average solute content causes a decrease in the columnar zone size and in the average size of equiaxed grains.

Key-words: columnar-to-equiaxed transition, CET, monte carlo, mathematical model, aluminum.