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Modelo Computacional Unidimensional do Transporte de solutos na Zona Não-saturada do Solo
Maria de Lourdes Pimentel Pizarro
Academia da Força Aérea 13643-000, Pirassununga, SP
E-mail: [email protected]
Edson Wendland, Alessandro Firmiano Universidade de São Paulo - Departamento de Hidráulica e Saneamento
13566-590, Campus de São Carlos, SP
Resumo: Neste trabalho, é desenvolvido e validado um modelo computacional unidimensional para simulação de fluxo e transporte de solutos na zona não-saturada do solo. O modelo matemático é dado pela equação de Richards, pela equação de advecção-dispersão, acompanhadas das condições iniciais e de contorno. As equações são resolvidas numericamente pelo método de elementos finitos. Com a finalidade de obter simulações mais eficientes, a um custo computacional reduzido, é empregada a adaptatividade com refinamento h na malha de elementos finitos. Na equação de Richards, a derivada temporal é aproximada por um quociente de diferença finita e é aplicado o esquema de Euler explícito e na equação de advecção-dispersão, Euler implícito. A utilização da função interpolação polinomial de grau 2 ou maior e o refinamento h permitem uma boa concordância do modelo na comparação com soluções disponíveis na literatura. O sistema operacional é o Linux Ubuntu 32 bits, o ambiente de programação é o PZ, escrito em linguagem de programação C++ . In trodução Com o estudo do transporte de solutos no solo, é possível prever os riscos de poluição e contaminação e os impactos que determinado soluto pode causar no sistema solo-água, a partir do conhecimento de suas propriedades, da sua interação com o meio, de sua movimentação e persistência no solo. Os modelos matemáticos, aliados às técnicas numéricas, constituem uma ferramenta importante na prevenção de impactos ambientais, permitindo de maneira rápida e precisa a previsão do deslocamento de solutos. Daí a importância deste trabalho em apresentar um modelo computacional para simular o fluxo [10] e o transporte de solutos [2], na zona não-saturada do solo, através das soluções numéricas das equações diferenciais que regem estes processos. Material e Métodos
Considerando o escoamento unidimensional não-saturado e a coordenada vertical orientada positivamente para cima [4], a equação de Richards, que determina os valores do potencial matricial de água, é dada por
( ) ( )
+∂∂
∂∂=
∂∂
1z
Kzt
Cs
ψψψψ (1)
sendo: ψθψ
d
dCs =)( a capacidade hídrica específica do solo, [L-1];
θ a umidade volumétrica, L3L-3; ψ o potencial matricial, [L];
K(ψ) a condutividade hidráulica do solo não saturado, [LT-1];
t é o tempo, [T]; e z a coordenada vertical, [L].
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As condições iniciais e de contorno (condições de Dirichlet) utilizadas para a resolução da equação (1) são:
≤≤−=−==
0,),(
),0(
)()0,(
0
zLtL
t
zz
L
inicial
ψψψψψψ
.
Para resolver a equação de Richards, foram utilizadas a relação entre θ e ψ , dada pela equação de van GENUCHTEN (1980) [11], a relação entre K e θ, dada por MUALEN (1976) [9] e a capacidade hídrica específica do solo dada por
( ) ( )( )[ ] 1
1
.1
..+
−
+
−= mq
qsr
q
s
qmC
ψα
ψθθαψ (2)
sendo: θs a umidade volumétrica do solo saturado, [L3 L–3];
θr a umidade volumétrica residual do solo, [L3 L–3];
α o parâmetro que depende do solo, [L-1]; m e q os parâmetros que dependem do solo.
Para a solução numérica da equação de Richards (1), aplicou-se o método de elementos finitos [12], onde foram usados o princípio do método dos resíduos ponderados, Euler explícito [3] na derivada temporal e a aproximação de Galerkin [5]. Assim, o método de elementos finitos
foi aplicado para encontrar os coeficientes multiplicadores 1+nα que satisfazem o problema algébrico definido pela equação:
[ ] FK n =+1α (3)
sendo ∫ − ∆=
0 1L
ijn
sij dzCt
K ϕϕ (4) e ∫∫∫ −−− ∂∂+
∂∂−
∆=
000 1L
i
n
L
in
n
Li
nnsi dz
z
Kdz
dz
d
zKdzC
tF ϕϕψϕψ (5)
A solução desse problema algébrico é obtida pela decomposição de Cholesky [8]. Para simular o transporte de solutos, em uma dimensão, na zona não-saturada do solo,
será utilizada a equação linear de advecção-dispersão [2]:
( ) ( ) ( )S
z
CD
zCv
zCR
t zzz +−
∂∂
∂∂=
∂∂+
∂∂
CR θλθθθ (6)
Considerando o fator de retardo R dado por R = 1 + θρbdK
(7)
tem-se ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) SCKCCKtz
CD
zCv
zC
t bdbdzzz ++−∂∂−
∂∂
∂∂=
∂∂+
∂∂ ρθλρθθθ (8)
sendo: C a concentração do soluto na solução do solo [ML-3];
vz a velocidade da água no poro, na direção z [LT -1];
zzD o coeficiente de dispersão mecânica desde que a contribuição da difusão molecular
para a dispersão seja desprezada [L2T-1]; λ o coeficiente de decaimento de primeira ordem [T-1]; S o termo fonte ou sumidouro; Kd o coeficiente de distribuição [L3M -1]; ρb a densidade aparente do solo [ML-3]; e θ a umidade volumétrica [ L3L-3].
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O fluxo de água em solo não-saturado, na direção z, é dado por
qz = z
KK∂∂−− ψθθ )()( (9)
A velocidade da água nos poros em solo não-saturado, na direção z, é dada por
vz = θ
ψθθ 11)()(
+∂∂−−
zKK (10)
O coeficiente de dispersão mecânica [1] pode ser expresso por
Dzz = αl vz (11)
sendo αl o coeficiente de dispersividade longitudinal [L].
O coeficiente de decaimento de primeira ordem [2] pode ser relacionado com o tempo de
meia vida, 2/1T , dado por 2/1
2lnT
=λ . (12)
Na resolução da equação (6), serão utilizadas as condições iniciais e de contorno:
>=>=
≤≤=
0 ,),(
0 ,),0(
0 ),()0,(
0
tCtLC
tCtC
LzzCzC
L
inicial
Método dos Resíduos Ponderados
Para a solução numérica da equação de advecção-dispersão (6), aplicou-se o método de elementos finitos, com fundamentação matemática descrita nesta seção. Considere o
domínio ( )L,0=Ω , o espaço funcional ( ) ( ) ( ) 1,; 221 ≤Ω∈∂Ω∈=Ω αϑϑ α LLH (13)
e o sub-espaço de funções teste dado por ( ) ( ) ( ) 0,00;1 ==Ω∈= LHV ϑϑϑ (14)
sendo ( )Ω2L o espaço das funções de quadrado integrável. Como o princípio do método dos resíduos ponderados consiste em minimizar o resíduo no domínio de estudo, para a obtenção da solução, basta multiplicar a equação (6) por uma função teste V∈ν e integrá-la sobre o
domínio Ω . Fazendo-se as integrações por partes e considerando ( ) ( ) ,00 == Lνν obtém-se:
( ) ( )∫∫∫∫∫ +Ω−
∂∂−=−
∂∂ LLL
zz
L
z
L
zdSdCRzddz
d
z
CDzd
dz
dCzd
t
CR00000
ννθλνθνθννθ (15)
A derivada temporal será aproximada por Euler implícito [3]:
( )∫∫∫∫∫ +−
∂∂−=−
∆− +
++
+ LLn
L n
zz
Ln
z
L nn
zdSzdCRzddz
d
z
CDzd
dz
dCzd
t
CRCR00
1
0
1
0
1
0
1
ννθλνθνθννθθ
(16)
e a solução consiste em encontrar ( )Ω∈+ 11 HCnθ que atenda às condições iniciais e de contorno:
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==
=
L
inicial
CtLC
CtC
zCzC
θθθθ
θθ
),(
),0(
)()0,(
0
0
e que satisfaça:
( )∫∫∫∫∫∫ +−
∂∂
−+∆
=∆
++
++ LL
nL n
zz
Ln
z
L nL n
zdSzdCRzddz
d
z
CDzd
dz
dCzd
t
CRzd
t
CR00
1
0
1
0
1
00
1
ννθλνθνθννθνθ
(17) para qualquer Vv∈ .
Ressalta-se que z∂
∂ψ e demais variáveis que dependem de ψ são obtidas da solução da
equação de Richards. A variável de estado da formulação integral apresentada é o produto Cθ entre a umidade volumétrica e a concentração, devido à suavidade da solução nesta variável.
Aproximação de elementos finitos
A aproximação de elementos finitos ou aproximação de Galerkin consiste em aproximar
as funções variável de estado ( )Ω∈ 1HCθ e teste Vv∈ por funções aproximadas
( )Ω⊂Π∈ 11 HCθ e Vv ⊂Π∈ 10 , com 1Π um subespaço finito de 1H e
( ) ( ) ( ) 0,00;110 ==ΩΠ∈=Π Lϑϑϑ . O subespaço 1Π será construído por funções
polinomiais por partes com suporte compacto, com grau p, que é a ordem polinomial de
aproximação. Assim, tem-se que: ∑=
=nf
j
jjC1
ϕαθ e ∑=
=nf
i
iv1
ϕ . Substituindo-se em (17) e
agrupando os termos, obtém-se:
( ) ( ) +
+−
∆∑∑ ∫∫∫= =
+++nf
i
nf
j
Lijn
jzz
Li
jnjzi
L
jnj zd
dz
d
dz
dDzd
dz
dzd
t
R
1 10
1
0
1
0
1 ϕϕαϕϕανϕϕα
( ) ( )∑ ∫∫ ∑∫= =
+
+∆
=+
nf
i
L
i
L
i
nf
j
jnji
L
jnj zdSzd
t
RzdR
100
10
1 ϕϕϕαϕϕαλ (18)
A equação (18) deve ser satisfeita para qualquer 10Π∈v . Logo, tomando-se uma função
iϕ por vez, pode-se escrevê-la em forma matricial:
[ ] FK n =+1α (19)
sendo: zdRzddz
d
dz
dDzd
dz
dzd
t
RK i
L
j
Lij
zz
Li
jzi
L
jij ϕϕλϕϕϕϕνϕϕ ∫∫∫∫ ++−∆
=0000
(20)
( ) ∫∫ ∑ +∆
==
L
i
L
i
nf
j
jnji zdSzd
t
RF
001
ϕϕϕα (21)
Assim, o método de elementos finitos é aplicado para encontrar os coeficientes
multiplicadores 1+nα que satisfazem o problema algébrico definido pela equação (19).
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Parâmetros das aplicações
Para a simulação da equação de Richards, são considerados os parâmetros do trabalho de MIRANDA et al [6] dados por:
;0216,03
3
0cm
cm=θ
;0=rθ
;457,5 1−= hcmKS
;0216,03
3
cm
cmi =θ
;0449,0 1−= cmα
;443,03
3
cm
cms =θ
;6732,3=n
.727758,0=m
As condições iniciais e de contorno dadas em cm são:
>−=−>−=
≤≤−−=
0 ,6524,68),70(
0 ,2476,6),0(
007 ,6524,68)0,(
tt
tt
zz
ψψψ
Na simulação do potássio, são acrescidos os parâmetros de MIRANDA et al [6] dados por:
687,4=R
cml 61662,1=α
;0=λ 0=s e
12 7303,2 −= mincmDzz .
As condições iniciais e de contorno utilizadas são:
( )( )( )
>=×=××=
>=×=××=−
≤≤−=×=××=
−−
−−
−−
0 ,/5,221/105,221105443,0,0
0 ,/08,1/1008,11050216,0,70
007 ,/08,1/1008,11050216,00,
3364
3365
3365
tmkgcmkgtC
tmkgcmkgtC
zmkgcmkgzC
θθθ
Resultados e discussão
Com o objetivo de validar o código computacional desenvolvido, considera-se o
deslocamento do íon potássio, em colunas de solo não-saturado, obtido no trabalho de MIRANDA et al [6], com os parâmetros citados na seção anterior.
A simulação do transporte de potássio requer a solução da equação de Richards, no passo de tempo avaliado, para o cálculo da velocidade da água nos poros, além dos coeficientes elencados na equação de advecção-dispersão. Por isso, a simulação do transporte do soluto requer o cálculo anterior da simulação do problema de Richards.
Na resolução numérica do problema de movimento de água no solo, utiliza-se o esquema de Euler explícito [3]. O domínio Ω = [-70, 0] foi particionado, na malha uniforme, em 128 elementos de igual tamanho. O tempo total de simulação é t = 1,75 h, em 450.000 passos de tempo com ∆t = 1,75/450.000 horas = 0,014 segundos.
Foram realizadas duas simulações, uma com a malha uniforme de 128 elementos e outra com malha adaptada. O tamanho do menor elemento da malha adaptada é o mesmo dos elementos da malha uniforme, ou seja, 70/128 cm, e o tamanho do maior varia a cada passo de tempo.
Considere o parâmetro de adaptação 0 < ε < 1 tal que nEdu < ε dumax , sendo
nEdu a
norma do gradiente do elemento En e dumax o máximo dos gradientes sobre os elementos da
partição de Ω. Neste trabalho, adotou-se ε = 0,01 para obter o refinamento adaptativo.
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O processo de adaptação da malha é realizado a cada 1.000 passos de tempo. Para as duas simulações, adotou-se ordem de aproximação p = 2 constante para todos os elementos da malha [7].
O gráfico da umidade versus profundidade é equivalente aos resultados apresentados em [6] (Figuras 1a, 1b), que resolveu a equação de Richards, formulada em termos da umidade θ.
a) b)
Figura 1 a) Comparação do perfil de umidade obtido por MIRANDA et al (2005) e a solução obtida com malha uniforme (27 elementos e p = 2).
b) Comparação do perfil de umidade obtido por MIRANDA et al (2005) e a solução obtida com malha adaptada (p = 2 e ε = 0,01).
Para o problema do transporte de potássio, foi possível utilizar o esquema de Euler implícito [3], devido à linearidade da equação. O uso do esquema implícito é muito vantajoso, pois não implica em restrição ao tamanho do passo de tempo. Desta maneira, foi utilizado um passo de tempo para o transporte do potássio 1000 vezes maior do que para a equação de Richards, isto é, ∆t = 14 segundos. O número de passos de tempo executado é de 450 com um instante final de simulação de 1,75 horas. O domínio Ω = [-70, 0] foi particionado, na malha uniforme, em 64 elementos de mesmo tamanho. Foram realizadas duas simulações: uma com a malha uniforme de 64 elementos e outra com malha adaptada (Figuras 2a, 2b). O tamanho do menor elemento da malha adaptada é o mesmo dos elementos da malha uniforme, ou seja, 70/64 cm, e, o maior varia a cada passo de tempo [7]. Adotou-se ordem de aproximação p = 3.
a) b)
Figura 2 a) Comparação do perfil de concentração do íon potássio obtido por MIRANDA et al (2005) e a solução obtida, no presente trabalho, com malha uniforme (26 elementos e p = 3).
b) Comparação do perfil de concentração do íon potássio obtido por MIRANDA et al (2005) e a solução obtida, no presente trabalho, com malha adaptada (p = 3 e ε = 0,01).
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Conclusão
A estratégia de se usar malha adaptada, através do refinamento h, onde é adotado um maior nível de refinamento nas regiões em que a solução varia mais fortemente e um menor refinamento nas regiões em que a solução é suave, fez com que se obtivessem soluções tão eficientes quanto às com malhas uniformes, diminuindo os graus de liberdade, com um custo computacional reduzido.
O modelo computacional deste trabalho aplicado à solução da equação de Richards e do transporte de potássio, com os dados do trabalho de M IRANDA et al [6], mostrou a redução de aproximadamente 84 % no tempo de processamento, usando-se malhas adaptadas em relação ao tempo de processamento em malhas uniformes. Observou-se que a diferença de consumo de memória não foi tão significativa em relação às duas malhas empregadas. Com a solução da equação de Richards, obtém-se a velocidade da água nos poros não-saturado que é necessária para a resolução da equação de transporte de solutos que descreve o deslocamento destes no solo, contribuindo para a prevenção e realização de previsões de poluição e contaminação do meio ambiente. Referências [1] Anderson, Using models in simulates the movement of contaminants through groundwater systems. Critical Rev. in Envir. Control, New Jersey, vol. 9, n. 2, pp. 97-156, (1979).
[2] J. Bear, “Dynamics of fluids in porous media”, Elsevier, New York, 1972.
[3] J. Bear, “Hydraulics of groundwater”, Dover publications, inc. Mineola, New York, 2007.
[4] Bunsri, Numerical modelling of tracer transport in unsaturated porous media, Journal of Applied Fluid Mechanics, vol. 1, n. 1, pp. 62-70, (2008 (a)).
[5] Bunsri, Influence of dispersion on transport of tracer through unsaturated porous media, Journal of Applied Fluid Mechanics, vol.1, n. 2, pp. 37-44, (2008 (b)).
[6] Miranda, Simulação do deslocamento de potássio em colunas verticais de solo não-saturado, Engenharia Agrícola, Jaboticabal, vol. 25, n. 3, pp. 677-685, (2005).
[7] M. L. P. Pizarro, “Simulação de Fluxo e Transporte de Solutos na Zona Não-Saturada do Solo”, Tese de Doutorado em Ciências da Engenharia Ambiental, EESC-USP, 2009.
[8] W. H. Press, “Numerical Recipes: the art of Scientific Computing”. Cambridge University Press, Cambridge, 2007.
[9] Reichardt, Dinâmica do material e da energia em ecossistemas, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, pp. 21-25, (1996).
[10] Richards, Capillary conduction of liquids through porous medium, Physics, vol. 1, pp. 318-333, (1931).
[11] van Genuchten, A closed-form equation for predicting the hydraulic conductivity of unsatured soils, Soil Science Society of America Journal, vol. 44, n. 3, pp. 892-898, (1980).
[12] O. C. Zienkiewicz, “The Finite Element Method”, McGraw-Hill, New York, 1977.
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