Universidade e a formação profisisonal dos docentes novos questionamentos
Modelo de Artigo Científico · Neste artigo, a partir da reflexão sobre a prática docente...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
PAULIANNY ARAÚJO DE AZEVEDO
DE JOÃO E MARIA, CONTOS DE FADAS E O MARAVILHOSO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
CAICÓ - RN
2016
PAULIANNY ARAÚJO DE AZEVEDO
DE JOÃO E MARIA, CONTOS DE FADAS E O MARAVILHOSO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Monografia apresentada ao Curso de
Pedagogia, na modalidade à distância, do
Centro de Educação, da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, como requisito
parcial para obtenção do título de Licenciatura
em Pedagogia, sob a orientação da Profa. Ms.
Francielly Coelho da Silva.
CAICÓ - RN
2016
Monografia de autoria de Paulianny Araújo de Azevedo, intitulada DE JOÃO E MARIA,
CONTOS DE FADAS E O MARAVILHOSO NA EDUCAÇÃO INFANTIL, apresentada
ao Curso de Pedagogia, na modalidade à distância, do Centro de Educação, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de
Licenciatura em Pedagogia.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Profa. Ms. Francielly Coelho da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Orientadora/ Presidente
_____________________________________________________
Prof. Ms. Nara Jaqueline Avelar Brito
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Examinador
____________________________________________________
Prof. Ms. Orlando Brandão Mezza Ucella
Fundação Norte-Riograndense de Pesquisa e Cultura (FUNPEC/ UFRN)
Examinador
Caicó - RN, junho de 2016
A todos os docentes do curso de Pedagogia à
distância, Pólo UAB, Caicó/RN, com o intuito
de nos impulsionar para o conhecimento, de
modo que possamos levar aos nossos futuros
discentes a educação de qualidade, o saber de
forma ampla, dinâmica e didática.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que estiveram presentes em minha trajetória acadêmica: colegas e
amigos e a todos que contribuíram e contribuem com sua força, conselhos, ajuda e
colaborações. Jamais os esquecerei!
Às Tutoras Célia Fonsêca e Alenuska Karine, pelo profissionalismo, dedicação,
simpatia. Foram elas as primeiras a me instigar a força para seguir em frente com o curso,
pois, sem o apoio e o incentivo de ambas, não estaria hoje no término deste.
À minha orientadora, Francielly Coelho, que, com todo o seu carinho, dedicação e,
principalmente, esforço e profissionalismo, me ajudou e colaborou para que eu pudesse dar
continuidade às minhas atividades acadêmicas, não me deixando esmorecer, sempre me
apoiando para que eu pudesse concluir este trabalho gratificante.
Agradeço ao meu marido, Thiago Ítalo de Oliveira Magno, por sua paciência, ajuda e
colaboração na constituição deste trabalho.
Agradeço aos meus filhos, Yan e Luiz, que por eles e só por eles pude ter coragem e
determinação para seguir em frente na minha vida acadêmica, pensando em não parar agora,
mas continuar a minha estrada, para trabalhar e ajudar a formar cidadãos críticos,
contribuindo para a educação e o conhecimento contínuo.
Enfim, agradeço, em especial, à minha mãe, Eliane Dantas de Araújo Azevedo, e a
meu pai, Paulo Dantas de Azevedo - meu espelho de vida, de educação e de força - pelo
grande incentivo em ver uma filha concluir um curso superior. Sempre foram e sempre serão
grandes exemplos de luta e dedicação à vida!
Ler o Mundo... Num Segundo
As crianças alegram-se ao criar,
Surpreendem-se ao rimar,
Revelam-se no buscar, nos jogos, nos livros,
no brincar!
Tantas coisas para ela
De repente, num segundo,
Começam a ler o Mundo!
Naquele compartilhar
Percebem a vida tão bela
Tantas coisas para ela
Mágicas, Sonhos, Fantasias
Um mundo de Alegrias
Começa a se desvendar,
A criança... sabedoria... conhecimento
E um grande deslumbramento
Começa a se conhecer
O seu primeiro livro na mão...
Ai que bom... Já sei ler!
Elizabete Marcondes Mello Szana (2016)
RESUMO
AZEVEDO, Paulianny Araújo de. De João e Maria, contos de fadas e o maravilhoso na
educação infantil. 49 f. Monografia (Graduação em Pedagogia) – Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, 2016.
Neste trabalho, o objetivo principal é discutir a importância da inserção da literatura na
educação infantil como processo de aprendizado à formação de leitores. Para isso, abordam-se
discussões teóricas sobre leitura, literatura infantil, letramento literário, contação de histórias
e mediação do professor no processo de ensino da leitura de literatura. Em seguida, trata-se da
temática dos contos de fadas e dos contos maravilhosos - origem, características - como
importante gênero discursivo para o desenvolvimento cognitivo e emocional da criança. Na
realização desta monografia, tomam-se como base estudos realizados pelos seguintes autores:
para a compreensão da análise de gêneros discursivos, escolho Marcuschi (2008); a fim de
pensar o ensino de leitura, Rojo (2009) e Solé (1998); sobre o ensino de literatura infantil,
Amarilha (2009), Lajolo (1994) e Abramovich (1991); sobre o letramento literário, escolho
Cosson (2009); para pensar a estrutura e a importância dos contos de fadas e dos contos
maravilhosos para a criança, Coelho (1991), Bettelheim (2002) e Abramovich (1991).
Considera-se a relevância deste trabalho para graduandos de Pedagogia e professores da área,
já que, ao refletirem sobre a temática apresentada, poderão incentivar as crianças à prática da
leitura, formando leitores e contribuindo para o crescimento da cultura literária na escola.
Palavras-chave: Educação Infantil. Letramento Literário. Contação de Histórias. Contos de
Fadas. Contos Maravilhosos.
ABSTRACT
AZEVEDO, Paulianny Araújo. Hansel and Gretel, fairy tales and wonderful in early
childhood education. 49 f. Monograph (Undergraduate Education) - Federal University of Rio
Grande do Norte, 2016.
In this work, the main objective is to discuss the importance of literature inclusion in early
childhood education as a learning process to the formation of readers. For this approach to
theoretical discussions about reading, children's literature, literary literacy, storytelling and
mediation of the professor in literature reading teaching process. After the the theme of fairy
tales and fantasy tales will be approached - origin, characteristics - as important discursive
genres for cognitive and emotional development of children. In the realization of this
monograph, some studies by the following authors are taken as fundamental: to understand
the analysis of genres, Maruschi (2008) was chosen; to think the teaching of reading, Rojo
(2009) and Solé (1998); on literature teaching for children, Amarilha (2009), Lajolo (1994)
and Abramovich (1991); on literary literacy, Cosson (2009) was chosen; to think about the
structure and the importance of fairy tales and fantasy tales for children, Coelho (1991),
Bettelheim (2002) and Abramovich (1991). This work is considered relevant for Pedagogy
graduates and teachers in this field, since, by reflecting on the theme presented, it may
encourage children to practice reading, creating readers and contributing to the growth of
literary culture in school.
Keywords: childhood education. Literary literacy. Storytelling. Fairy tale. Fantasy Tales.
SUMÁRIO
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS........................................................................................10
2. APRENDENDO A LER O MUNDO ..................................................................................14
3. LITERATURA INFANTIL: (DES)ENCONTROS E (DES)ENCANTOS....................18
4. LETRAMENTO LITERÁRIO: A PROMOÇÃO DO PRAZER...................................23
5. SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA..................................................................................25
5.1. IMPORTÂNCIA DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS NA ESCOLA: MEDIAÇÃO DO
PROFESSOR............................................................................................................................25
6. QUEM CONTA UM CONTO...........................................................................................30
6.1. CONTOS DE FADAS E CONTOS MARAVILHOSOS: ASPECTOS HISTÓRICOS,
ESTRUTURAIS E FORMATIVOS.........................................................................................30
6.2. DE AUSÊNCIAS E PERDAS: JOÃO E MARIA.............................................................32
7. DE TEORIAS, PRÁTICAS E ANÁLISES: ME TORNANDO PROFESSORA..........34
7.1. NA SALA DE AULA........................................................................................................35
7.2. IMPORTÂNCIA DO ESTÁGIO......................................................................................39
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................41
REFERÊNCIAS........................................................................................................................45
NOTAS .................................................................................................................................... 47
ANEXO....................................................................................................................................48
10
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Elaboro esta monografia com o intuito de apresentar reflexões acerca de uma proposta
didática, executada por mim e um colega de curso, em nosso processo de estágio docente
obrigatório do curso de Pedagogia à Distância, da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), no qual pensamos a utilização da literatura infantil em sala de aula.
Em nossa proposta e prática, consideramos a importância da contação de histórias para
o desenvolvimento intelectual e emocional das crianças, quando em contato com a literatura
infantil, em especial com os contos de fadas e os contos maravilhosos.
Para que os educandos possam interpretar e compreender textos orais e escritos,
principalmente os da modalidade escrita, se familiarizando, desde cedo, com os recursos
linguísticos utilizados na prática desta, facilitando assim o processo de alfabetização e
letramento, pensamos a realização de nossas atividades nesse estágio. Além disso,
acreditamos ser importante o contato com o gênero conto maravilhoso, porque lhes possibilita
o desenvolvimento da criatividade na solução da problemática apresentada nos contos, a partir
da interação (com os outros – sejam personagens, sejam as outras crianças), e, portanto, a
identificação da realidade diferenciando-a da ficção.
Realizamos nosso período de estágio com uma turma de Nível V do ensino infantil
composta por 27 crianças. A escola era da rede privada de Caicó-RN. Na elaboração de nosso
plano de aula, utilizamos os seguintes procedimentos:
i) escolha de uma história infantil, cujo título era João e Maria, versão dos Grimm.
Tínhamos como objetivo o aprimoramento das capacidades de compreensão e interpretação
de textos orais e escritos pelos alunos. Para tanto, pensamos estratégias de leituras que
desejamos ser desenvolvidas por eles, ao se depararem com textos desse gênero discursivo –
conto maravilhoso - acompanhando a trajetória da história, ajudando as crianças a
identificarem as dificuldades pelas quais os personagens passaram, as ações pessoais em
relação à atitude de cada criança, como também identificar que João e Maria tinham uma
madrasta, que a mãe havia falecido, relacionando as diversas realidades existentes no dia-a-
dia de cada criança;
ii) utilização dos seguintes recursos didáticos: além do livro, um quebra-cabeça e mais
cinco versões em miniatura da história contada;
iii) indicação aleatória de cinco crianças para serem entrevistadas sobre o
entendimento da obra ouvida;
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iii) utilização um álbum seriadoi para a contação da narrativa. Durante esse processo,
me caracterizei de Maria, personagem do conto. Essa caracterização foi feita com o intuito de
deixar os discentes envolvidos pela história;
iv) uso de diferentes estratégias, tomando como base Solé (1998): a pré-leitura
(perguntas que visam saber os conhecimentos prévios dos discentes, preparando-os para a
história que há de vir); a leitura (contação) da história propriamente e a pós- leitura, na qual
realizamos a atividade de conversa visando ao entendimento do texto;
v) realização de “entrevistas” com cinco crianças da turma, escolhidas aleatoriamente.
Para essa etapa, foram elaboradas perguntas que pudessem possibilitá-las pensar sobre o
discernimento que possuíam entre o real e o fictício. Procuramos direcionar os
questionamentos às crianças, de modo que elas pudessem apresentar suas opiniões (praticando
oralmente a capacidade de expor e argumentar) acerca do desenvolvimento da história, das
atitudes dos personagens diante dos problemas, tomando ciência da concepção individual de
cada uma. Tomamos como base para os questionamentos elaborados o texto de Santos;
Freitas (2015). Abordarei mais detalhes sobre esse texto na seção 7 deste trabalho;
vi) premiação, com a história em miniatura, das crianças “entrevistadas”, a fim de
proporcionar o incentivo continuado à leitura. O álbum seriado, que utilizamos para a
contação da história, foi doado para o cantinho da leitura da referida sala, para que pudesse
continuar a ser lido e interpretado pelos discentes.
Como justificativa para a escolha do tema deste trabalho, apresento o fato de
considerar as reflexões acerca das experiências de estágio relevantes, tanto para a formação
inicial de professores quanto para a continuada, especialmente, no que diz respeito aos “erros”
e “acertos” do trabalho com a literatura na educação infantil.
Neste artigo, a partir da reflexão sobre a prática docente durante o estágio, busco
responder aos seguintes questionamentos:
i) que reflexões podem ser feitas acerca da leitura e de seu ensino?
ii) sabendo das descobertas/possibilidades que a leitura proporciona à criança, tanto na
compreensão de textos orais quanto escritos, como incentivar o desenvolvimento desse
processo, possibilitando a melhoria da capacidade de interpretação textual e de percepção de
mundo?
iii) por que a leitura de literatura na educação infantil é tão importante para o
desenvolvimento da criança?
iv) como promover o letramento literário na escola?
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v) qual a importância da contação de histórias na aprendizagem da leitura pela criança
e no incentivo ao gosto pela literatura?
vi) qual a importância dos contos de fadas e dos contos maravilhosos para o
desenvolvimento cognitivo e emocional da criança?
vii) de que modo o trabalho com o conto João e Maria pode ter contribuído para o
desenvolvimento e a aprendizagem das crianças envolvidas, especialmente, no processo de
diferenciação entre realidade e ficção?
viii) como a experiência realizada contribuiu para as reflexões acerca de minha prática
docente?
Elenco as seguintes hipóteses, a partir dos questionamentos apresentados acima:
i) ensinar leitura pressupõe refletir sobre objetivos, finalidades e estratégias. É
relevante, pois contribui para o desenvolvimento da linguagem, auxiliando na interpretação e
compreensão de textos orais e escritos;
ii) a criança amplia sua capacidade de interpretar o mundo a partir do processo de
conhecimento da leitura, tornando-se capaz de melhor opinar, de levantar questionamentos e
hipóteses. Isso contribui para seu crescimento intelectual e cultural. Na fase infantil,
acreditamos ser a contação de histórias um incentivo a esse processo;
iii) a leitura de literatura infantil é relevante para o desenvolvimento da criança, pois
ajuda para que ela possa compreender o mundo de uma forma diversa da que comumente este
se lhe apresenta: a partir da transgressão do real, a literatura proporciona se desenvolva a
empatia, a sensibilidade, o imaginário;
iv) o letramento literário pode ser desenvolvido a partir de atividades que visem ao
prazer inquietante que a literatura proporciona, com oficinas de leitura, encenações, contação
de histórias, eventos literários e, especialmente, com a exploração/ leitura das obras,
buscando-se desenvolver a competência de leitores por meios de estratégias elaboradas para o
despertar do gosto pela literatura;
v) a contação de histórias se torna essencial no desenvolvimento intelectual e cultural
da criança por chamar atenção pelo encantamento e a magia com que os contadores contam
suas narrativas, fazendo-as interpretar, analisar e concluir métodos alternativos de resolução
de problemas para cada personagem, podendo-o comparar com a realidade, a partir do
momento em que possa distingui-los;
vi) os contos de fadas se tornam importantes a partir do momento em que a criança
começa a perceber que fatos reais são verossimilhantes aos contos de fadas, que os
sofrimentos passados pelos personagens também poderiam ser seus, começam a lidar com
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perdas e ausências de familiares, com problemas sociais e emocionais, com rupturas, podendo
servir de subsídio na contribuição e formação da criança, pois mostra, como o personagem
pode lidar com seu problema, ajudando a criança a também lidar efetivamente com seu
problema na busca de soluções.;
vii) o trabalho com o conto João e Maria é muito prazeroso, pois ajuda a trabalhar
com a realidade vivida por algumas crianças – de medo, separação, desentendimento – assim
como de outras crianças que não sejam aquelas – de miséria, fome, desamor -, fazendo com
aprendam a sentir o que os outros sentem sem que a dor do outro seja efetivamente sua.
Também pode auxiliar para que distingam realidade (pobreza e fome) de ficção (casa de
doces, bruxa);
viii) a experiência de estágio foi muito prazerosa, uma vez que pôde contribuir de
forma efetiva para minha formação, considerando todo o desenvolvimento do planejamento
até a aplicação da aula. Com isso, foi possível trazer as crianças para o mundo dos contos
maravilhosos, contribuindo para o seu aprendizado na compreensão e interpretação de textos
como na empatia pelas dores do outro, na resolução dos próprios problemas, na comparação
entre o que só podia acontecer dentro do conto que não podia ser real apenas imaginário,
podendo trabalhar os medos e anseios de cada criança.
Como embasamento teórico, escolhi: sobre a compreensão de análise de gêneros
discursivos, Marcuschi (2008); para pensar o ensino de leitura, Rojo (2009), Solé (1998);
sobre o ensino de literatura infantil e a importância da contação de histórias para a criança,
Amarilha (2009), Lajolo (1994) e Abramovich (1991). Para pensar o letramento literário,
escolhi Cosson (2009); sobre a estrutura e a importância dos contos de fadas e dos contos
maravilhosos no desenvolvimento da criança, Bettelheim (2002), Coelho (1991) e
Abramovich (1991).
As próximas seções deste monografia se estruturam do seguinte modo: primeiro,
apresento discussão teórica sobre leitura, literatura infantil, letramento literário, contação de
histórias e mediação do professor; depois, abordo a temática dos contos de fadas e dos contos
maravilhosos (estrutura, características, importância na formação intelectual e emocional do
leitor-criança) e realizo análise do conto João e Maria, versão dos Grimm, utilizado em aula;
continuando, apresento relato de experiência com reflexões teórico-metodológicas acerca da
prática de estágio; finalizo, apresentando minhas considerações sobre a importância do
trabalho com os contos de fadas e os contos maravilhosos na educação infantil e reflexões
levantadas.
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2. APRENDENDO A LER O MUNDO
Analisando a história da leitura, Rojo (2009) afirma que, por volta dos anos 60 e 70 do
século XX, a leitura era vista apenas como um processo de decodificação de grafemas e
fonemas (fala) para se acessar o significado do texto. Nessa perspectiva, ler encontrava-se
altamente equacionado à alfabetização. Uma vez alfabetizado, o aluno realizava associações
da memória aos sons da fala. Realizadas essas associações, ele iria da letra à sílaba, da sílaba
à palavra, da palavra à frase e da frase ao texto, acessando assim sucessivamente os seus
significados (cf. ALVES, 2011).
Com o desenvolvimento das pesquisas sobre o tema, nos anos 80 e início dos anos 90,
de acordo com Rojo (Cf. 2009), “diversas capacidades desenvolvidas e necessárias à leitura
foram sendo apontadas e desveladas: capacidade de ativação, reconhecimento e resgate de
conhecimentos armazenados na memória, capacidade lógica e de interação social”. A leitura
passa então a ser entendida, segundo Alves (2011), não apenas como um ato de decodificação,
mas como um ato de compreensão, que envolve conhecimentos linguísticos, de mundo e das
diversas práticas sociais em que o sujeito está inserido.
Compreender o que se lê é uma forma de categorizar o mundo e de, na relação com o
outro, agir sobre ele em uma situação específica de uso da língua. Ou, como bem diz
Marcuschi (2008, p. 231), “compreender não é um simples ato de identificação de
informações, mas uma construção de sentidos com base em atividades inferenciais”.
De acordo com Alves (2011, p. 72), para compreender bem qualquer texto, é preciso
“sair” dele, inter-relacionar conhecimentos, estabelecer comparações, levantar hipóteses, tirar
conclusões e produzir sentido. Ao ler um texto, o leitor cria novas expectativas, perspectivas,
recria significados para a mensagem transcrita, trazendo para si autoconhecimento,
conhecimentos sobre a diversidade de sua língua, as várias possibilidades de recriação de um
mesmo gênero ou tema sem com isso abandonar os conhecimentos anteriores que já possui.
Solé (1998, p. 24) afirma que “quanto mais informação possuir um leitor sobre o texto que vai
ler, menos precisará se fixar nele para construir uma interpretação”. Com isso, a autora
confirma a importância dos conhecimentos prévios do leitor que poderão tornar a leitura mais
ou menos difícil de se entender. Nessa perspectiva, vemos o quão significante se faz um
ensino adequado da leitura e o quão prazerosa ou não esta pode ser.
Existem etapas de leitura pelas quais o professor deve motivar os alunos a realizarem:
i) a pré-visão, diz que quanto mais informações não-visuais (conhecimentos prévios) o
leitor tiver, maior será sua capacidade de compreensão do texto lido. Nessa perspectiva, o
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conhecimento e a experiência de vida que o leitor possui são aspectos fundamentais, tanto
para o envolvimento do leitor com a obra quanto para sua compreensão;
ii) a pré-leitura, que se realiza com perguntas elaboradas pelo professor, com base em
categorias que mobilizem a experiência de vida do leitor, motivando-o a imaginar uma
possível ação ou acontecimento, confrontando-o a comparar o real e o fictício. É um momento
importante durante o processo de leitura, estando a atividade de previsão nessa dinâmica.
Infere-se, pois, que ao estimular os alunos/leitores a realizarem previsões durante a pré-leitura
recorrendo a perguntas que mobilizem uma relação texto-vida, contribui de forma
significativa para sua formação leitora, uma vez que o mobilizam a adotar uma atitude
responsiva ativa antes da leitura do texto por meio da formulação de predições (cf. SANTOS;
FREITAS, 2015, p. 3483, 3497).
Alves (2011) defende que ler faz fluir a imaginação, fazendo com que a diversidade do
repertório do leitor reflita em seu desenvolvimento intelectual e interacional, contribuindo,
assim, de forma contínua, para o processo de aprendizado do discente. Compete, pois, ao
docente instigar seu aluno ao raciocínio, ao pensamento crítico, à capacidade argumentativa e
à formação de opinião. Sendo assim, o aluno, como leitor, terá uma visão ampla do livro
exposto e poderá identificar e formar opiniões críticas, em relação ao processo de construção
de sentido textual.
A falta de interação entre professor-aluno acerca de conteúdos ministrados, sem
dúvida, demonstra, de acordo com Alves (2011), a ineficácia do ensino de leitura e as
implicações que tais práticas poderão trazer ao aluno (no sentido de despertar ou não) o gosto
pela leitura e de torná-lo leitor ativo e crítico, capaz de se posicionar, de forma coesa, em
relação ao que lê.
Ler deve ser a base para a formação, sensibilização e humanização do indivíduo. De
modo que cada professor deve ter clareza de que educa e ensina a criança para o
desenvolvimento das potencialidades de seu ser, tanto individual como social. Sendo assim, é
necessário que o docente apresente uma nova postura: que inove, busque o aperfeiçoamento e
a atualização dos conhecimentos aplicados à leitura e, principalmente, que reflita
continuamente sobre o significado do ato de ler, proporcionando interação, para que a criança
se envolva e participe da aula.
Sabendo que a literatura é, nas palavras de Cosson (2009, p. 16), o texto, por
excelência, que possibilita o desvelamento para o sujeito da “arbitrariedade das regras
impostas pelos discursos padronizados da sociedade letrada”, ao se construir “de modo
próprio”, revelando para o leitor o que ele é, o que todos são, incentivando-o a desejar
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expressar o mundo por si mesmo, torna a literatura, especialmente na escola, uma experiência
a ser realizada. Daí o que fazer com e do texto literário em sala de aula? (cf. LAJOLO, 2002).
Muitos professores pensam ser o trabalho com a literatura uma tarefa árdua, dolorosa.
Sendo ele o guardião do templo, dentro, está o texto; fora, os alunos; na porta, ele, o mestre,
sem saber se entra ou se sai, sem saber o que fazer diante da multidão desinteressada e inerte.
O problema, talvez, esteja no ritual de iniciação dos neófitos, uma vez que não parecem
agradados pelo objeto de zelo e adoração defendido pelo professor como a razão de ser do
templo. Talvez, pelo fato de, associado ao trabalho com a literatura estar o amargor e o
desencanto da prestação de contas, dos deveres, tarefas, resumos, obrigações tantas que
dificilmente trazem o encanto da literatura para a vida dos alunos. Desse ponto de vista, ler
literatura na escola passa a ser objeto de tédio (cf. LAJOLO, 2002).
O professor torna-se um propagandista persuasivo de um produto (a leitura de
literatura), que, sob o jugo do marketing e do merchadising, corre o risco de perder sua
especificidade. Ilumina o contexto escolar brasileiro, no qual discussões sobre e propostas
para usos do texto literário em classe podem transformar-se em armadilha para o professor
que, sentindo-se fragilizado, busca respostas imediatas para seus problemas concretos (cf.
LAJOLO, 2002, p. 14).
“As propostas transformam-se em armadilhas, quando patrocinam discussões, das
quais se sai com as técnicas debaixo do braço e confiante na terapêutica. Técnicas milagrosas
para convívio harmonioso com o texto não existem e as que assim se proclamam são
mistificadoras, pois estabelecem uma harmonia, só aparente, mantendo intato – quando já
instalado – o desencontro entre leitor e texto. […] Trata-se, geralmente, de propostas que
somam, ao idealismo ingênuo, o imediatismo das soluções enlatadas: sugestões bem-
intencionadas, sem dúvida, que reduzem o atrito e aumentam a digestibilidade da aula, mas
lidam superficialmente com a questão, resolvendo o problema pelo seu contorno, passando ao
largo das zonas profundas de conflito” (cf. LAJOLO, 2002, p. 14).
Já faz alguns anos que o ato de decidir sobre o que fazer com o texto em sala de aula
deixou de ser da competência do professor e passou a ser das editoras, dos livros didáticos e
paradidáticosii, muitos dos quais se tornaram quase que monopolizadores do mercado escolar,
uma vez que tiraram de sobre os ombros do professor a tarefa de preparar as aulas, de
escolher os conteúdos a serem ministrados, considerando as necessidades dos alunos - não
podendo fugir à regra do pré-estabelecido desde o primeiro dia de planejamento do ano letivo
-, de pensar diferentes estratégias de como trabalhar a leitura. Daí, surgem as leituras
jogralizadas, os testes de múltiplas escolhas, as perguntas abertas e semi-abertas, a reescritura
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dos textos, os resumos comentados, todos - sugeridos pelos roteiros-guias do trabalho do
professor – utilizados como recursos nos livros didáticos, paradidáticos e de literatura, para o
espetáculo do qual o docente é apenas telespectador (cf. LAJOLO, 2002, p. 15).
Talvez também seja válido discutir o conceito de motivação, já que, em nome dela, a
obra literária é, por vezes, desfigurada na prática escolar. Em nome da motivação, de tornar os
alunos desejosos do texto literário, fazendo-os encará-lo com ludicidade, propõem-se palavras
cruzadas, sugerem-se a auto identificação com uma ou outra personagem, dramatizam-se
textos e semelhantes atividades que, se lúdicas, são periféricas, menos importantes, ao ato da
leitura, ao contato solitário com o texto (cf. LAJOLO, 2002, p. 15). Onde estaria maior
motivação? Nas palavras cruzadas ou na observação do exemplo de seu professor - leitor
maduro - na percepção do caráter de abstração e do fazer sentir o mundo pelas palavras?
De acordo com Lajolo (2002, p. 16), os “alunos não leem, nem nós; os alunos
escrevem mal e nós também”. Se o professor não for um bom leitor, “são grandes as chances
de que ele seja um mau professor”. São, igualmente grandes, “os riscos de que o texto não
apresente significado” algum “para os alunos”, ainda que eles respondam, em consonância
com o que estiver proposto no livro, a todas as questões. Portanto, a primeira condição para
que o contato entre aluno/texto seja satisfatório e o menos doloroso possível é que o professor
não seja um mau leitor, que goste de ler, que pratique a leitura (cf. LAJOLO, 1993, p. 53-4).
Isso também não basta! Para que um professor saiba como trabalhar leitura com seus
alunos, ele precisa também estar ciente dos aspectos teóricos que envolvem a prática desse
trabalho, ou seja, do que fazer, e de como fazer isso. Solé (1998) apresenta estratégias de
como realizar esse trabalho, dividindo-o em três momentos: o antes da leitura, o durante e o
depois. No que se refere ao primeiro, ela diz que é preciso buscar a motivação para que o
aluno entenda o porquê de estar lendo aquele texto. Além disso, é preciso ativar o
conhecimento prévio dos alunos, o estabelecimento de previsões sobre o texto, a partir da
promoção de perguntas sobre o texto; no segundo momento, podem-se utilizar as mais
variadas estratégias. Estas devem ser, durante o ano, diversificadas: tarefa de leitura
compartilhada, de leitura independente, do preenchimento de erros e lacunas de compreensão
(o professor é o responsável por mediar esse processo, por cooperar, incentivar o contato com
as questões, com os problemas e suas possíveis soluções); por fim, no último momento, é
preciso promover perguntas que encaminhem discussões sobre o texto lido, a reflexão e a
avaliação da leitura.
Também se faz necessário, de acordo com Solé (1998), considerar a função da leitura
nos mais diversos contextos. Para tal, é preciso pensar diferentes atividades que reflitam as
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mais diversas práticas de leitura. Quando ler, o indivíduo pode fazê-lo em busca de uma
informação específica ou geral; desejando conhecer e/ou seguir instruções; pode fazê-lo
porque deseja aprender sobre algo que antes não sabia ou para aprofundar o que já sabe ou
porque necessita revisar o seu próprio texto; pode fazê-lo por prazer (sendo que este é um dos
desafios da escola: que o aluno leia, especialmente, literatura porque gosta) entre outros
objetivos.
É explícita, portanto, a necessidade de uma prática efetiva de leitura na vivência da
criança, pois lhe possibilita conhecer o mundo e outro “paralelo” a este, de encantos e
desencantos, com traços da realidade e da ficção, despertando a imaginação e a criatividade,
dando-lhe a oportunidade de interpretar as histórias, de tal modo que seja possível dialogar e
se questionar sobre a situação vivenciada pelos personagens, aprendendo a ter criticidade
sobre o que vê, ouve e lê. Nesse contexto, a literatura infantil é um rico campo de exploração.
Teorizo sobre ela na seção seguinte.
19
3. LITERATURA INFANTIL: (DES)ENCONTROS E (DES)ENCANTOS
Consoante Amarilha (2009), em sua origem, a “literatura” infantil tinha apenas o
caráter de instruir. Em fins do século XVIII, a infância, em seu conceito mais específico, se
consolidou. Havia a necessidade de educar as novas gerações e introduzi-las aos moldes
civilizatórios que se impunham com a Revolução Francesa e o processo de industrialização.
Era preciso, pois, criar espaço para a produção cultural do público emergente. Não havia a
preocupação de criar literatura para crianças, mas de adaptar a que já existia para adultos. Dos
contos populares, lendas e fábulas, se constituía o primeiro repertório de literatura para as
crianças.
No Brasil, de acordo com Amarilha (2009), isso também não se processou de modo
diferente. Os primeiros textos dessa natureza, em torno de 1990, também se apresentavam
como pretexto para instruir as crianças sobre seus hábitos e costumes. Um exemplo disso é a
obra A festa das letras, de Cecília Meireles e Josué de Castro. Os textos se fazem pretexto
para o ensino de hábitos alimentares saudáveis. É exemplo o texto referente à letra D que,
embora apresente rimas e refrão, tornando o texto lúdico, bem-humorado e fácil de
memorizar, não se garante como produção literária ao se considerar seu conteúdo. Sua
significação se limita pela mensagem de “saúde”, sem “sutilezas, desvios da norma em nível
semântico, pois o texto está organizado para transmitir uma informação precisa”. Embora
resulte em algo agradável, para a autora, “esse texto não é literatura”:
Direito, Direito,
-É o D que diz assim.
Direito, Direito,
se gosta de mim.
Devagar com o Dente!
Não corra tanto, não!
Se mastiga mal
faz má digestão!...
Direito, Devagar,
Devagar, Direito!
Para se ter saúde,
É preciso jeito!
Dente sempre limpo,
Dente sempre são,
Dente forte, Dente Duro,
pra boa mastigação!
Devagar, Direito,
20
Direito, Devagar!
Acabou-se o Dia?
Lave os Dentes e vá-se Deitar!
Olhe o D, olhe o D, olhe o D da dor!
Olhe do D das Drogas
e o D de Doutor!
Olhe a Dor de cabeça!
Olhe a Dor de barriga!
-Ai! Ai! Ai! - Coitado!
(Tantos ais! Tantos ais!)
Ou comeu errado,
ou comeu Depressa,
ou comeu Demais!
(MEIRELES, Cecília; CASTRO, Josué de. s/d. apud AMARILHA, 2009, p. 46-7)
É válido observar que, “em situações escolarizadas, o texto costuma virar pretexto,
sendo intermediário de aprendizagens outras que não ele mesmo. E, no entanto, texto nenhum
nasceu para ser objeto de estudo, de dissecação, de análise […] salvo os produzidos por
encomenda” para tal fim, nos “livros escolares”, por exemplo. “O texto não é pretexto para
nada. Ou melhor, não deve ser.” O texto é o ponto de encontro entre dois sujeitos: o escritor e
o leitor. (cf. LAJOLO, 1993, p. 52-53)
O texto em sala de aula é uma presença artificial, uma vez que busca despertar no
leitor/aluno uma reação específica que se processa na formulação de atividades que parte da
leitura/intepretação prévia e alheia de alguém: o autor do livro didático, das fichas/roteiros de
leitura que vêm nos livros paradidáticos ou junto aos livros de literatura, o que é ainda mais
grave (cf. LAJOLO, 1993).
O professor, exatamente por sê-lo, não deve abandonar ou mesmo deformar sua
posição de leitor privilegiado (de literatura): não porque conhece, antecipadamente, as
respostas das atividades que irá propor, uma vez que tem acesso a isso no manual que carrega,
e sim, porque sua leitura é a de um leitor maduro. Sua maturidade advém do contato com
muitos outros textos. Para Lajolo (1993, p. 53), o leitor maduro “é aquele para quem cada
nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu, tornando”, ao menos, em
tese, “mais profunda sua compreensão” do mundo, “dos livros, das gentes e da vida” (cf.
LAJOLO, 1993).
Equivoca-se o professor que crer ser uma das funções do trabalho com a leitura
literária (escolar) o aumento do vocabulário do aluno. Isso ocorre desde o mecânico trabalho
com sinônimos (que, geralmente, se omite o fato de que não há sinônimos verdadeiros, uma
21
vez que cada palavra tem seu significado impregnado pelo contexto) até a noção equivocada
de que há palavras melhores que outras (geralmente as que ocorrem raramente são
consideradas melhores e as que ocorrem sempre são consideradas piores) (cf. LAJOLO, 1993,
p. 56).
É imprescindível que os alunos não se prendam à ideia de que “um texto só é bom
quando é incompreensível, quando requer idas frequentes ao dicionário, quando suas frases
parecem seguir uma sintaxe desconhecida” (cf. LAJOLO, 1993, p. 57). É preciso
contextualizar o texto, sua época, explicando que dadas ocorrências linguísticas se processam
por estarem associadas à determinada época (cf. LAJOLO, 1993).
É preciso garantir ao aluno a melhoria do seu processo de leitura, em especial, de
literatura. Isso ocorre não por memorização ou pela velocidade com que ler, e sim, com a
capacidade que o aluno/ leitor vai desenvolvendo na construção de significados para o que ler
(cf. LAJOLO, 1993).
Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto.
É, a partir de um texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir
relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer
nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade,
entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não
prevista.
E tudo isso, ou seja, as atividades que caracterizam o bom leitor, começa a
nascer ou morrer a partir dos sete anos, da alfabetização, nos primeiros
contatos do aluno com o texto. Tudo o que vem depois é só reforço e
terapia...
[…] O importante é que haja um sentido crítico que norteie
permanentemente a atitude com que o professor, juntamente com a classe, se
entrega ao jogo do texto. (cf. LAJOLO, 1993, p. 59; 62)
Há, segundo Amarilha (2009, p. 49), aspectos fundamentais do caráter educativo da
literatura. Uma vez que contribui para o acesso à língua em articulações próprias da
modalidade escrita, considerando-se que a oralidade se organiza de modo diferente da escrita,
“o leitor mirim percebe que está diante de uma maneira diferente de ser da língua”. Como não
dominam ainda os esquemas e convenções da escrita, as crianças precisam de apoio para
aprender as novidades da linguagem literária - “o ritmo das frases, o jogo de sonoridade, a
arrumação das palavras são para elas pontos de referência no acesso à escrita”.
Hoje, com Ziraldo, Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Lygia Bojunga, para citar
alguns, Amarilha (2009, p. 48) afirma que já há larga produção brasileira voltada para as
22
crianças, no respeito a sua capacidade lúdica, poética e criativa para responder com
inteligência aos jogos poéticos propostos.
É, como afirma Amarilha (2009, p. 51-2), a partir do jogo da linguagem
proporcionado pela literatura, que a criança se torna capaz de se distanciar momentaneamente
de sua realidade, entrando em outro universo [...] apagando, por um instante, o mundo que a
cerca. Assim, realiza um exercício de abstração, se distanciando do senso comum. A atividade
lúdica proporciona o contato com o simbólico. Esse jogo “instrui a criança nos procedimentos
de ajustamento intelectual para lidar comparativamente com fatos reais e fatos imaginados”.
Esse tipo de habilidade desenvolvida permite a ela transitar por dois mundos, introduzindo-a
“no conhecimento dos limites das coisas acontecidas e inventadas” (cf. AMARILHA, 2009, p.
54).
Conforme Amarilha (2009, p. 56), em seu contato com a literatura, a criança se
familiariza com as estruturas linguísticas mais elaboradas, uma vez que são “resultado do
trabalho de um escritor – alguém que se especializou em propor desafios inteligentes, lúdicos
através da língua”. Mesmo que ainda não seja leitora, é possível e necessário que a criança
participe de atividades lúdicas que envolvam literatura, seja ouvindo poemas, narrativas, seja
observando livros de imagens, como os de Eva Furnari, Juarez Machado, Rógerio Borges, por
exemplo.
Tomar ciência do que defende Amarilha (2009) é relevante também para a contação de
histórias na educação infantil, uma vez que o docente contribui para o desenvolvimento
intelectual e emocional da criança, futuro leitor, quando promove estímulo ao discente para
que identifique diferentes perspectivas da mesma história em suas diferentes versões, por
exemplo;, quando a instiga à descoberta, à interação, à leitura, procurando desenvolver sua
curiosidade, sua criatividade, fazendo com que o ato de ler deixe de ser mecânico e
obrigatório e passe a ser livre e prazeroso.
Segundo Bettelheim (2002), a criança desenvolve por meio da literatura seu potencial
crítico e reflexivo. O autor também afirma que, a partir do contato com um texto literário de
qualidade, ela se torna capaz de refletir, indagar, questionar, escutar outras opiniões, articular
e reformular seu pensamento.
A literatura, enquanto diverte a criança, esclarece-a sobre si mesma, favorecendo o
desenvolvimento de sua personalidade. Assim, a literatura oferece significados em níveis
diferentes, enriquecendo a existência da criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer
justiça à multidão e diversidade de contribuições que, por exemplo, os contos de fadas dão à
vida de quem os lê ou ouve quando criança (cf. BETTELHEIM, 2002).
23
A literatura infantil exerce um grande papel na aprendizagem, permitindo ao leitor
infantil identificar a realidade, lhe permitindo decodificar o mundo a partir de sentimentos e
emoções, desenvolvendo seu senso crítico quando, a partir da leitura, questiona, dialoga e
critica o autor e o porquê de sua conclusão, levando-o a perceber e identificar situações em
que pudesse agir de formas diferentes. Partindo dessa visão, Zilberman (2003, p. 30) defende
que:
É essa possibilidade de superação de um estreitamento de origem o que a
literatura infantil oferta à educação. Aproveitada na sala de aula em sua
natureza ficcional, que aponta a um conhecimento de mundo, e não como
súdita do ensino bem comportado, ela se apresenta como o elemento
propulsor que levará a escola à ruptura com a educação contraditória e
tradicional.
Dessa forma, percebemos a importância de trabalhar a literatura na sala de aula, pois,
além de contribuir para o aprendizado da leitura a partir da interpretação de textos orais e
escritos, das características dos gêneros e das modalidades falada e escrita da língua, de
melhorar a grafia e o conhecimento sobre fonética e fonologia das crianças, possibilita, ainda,
torná-las cidadãs críticas, capazes de refletir, questionar, interagir, dialogar, identificar
situações adversas de modo a resolvê-las de forma coerente.
Tendo em vista a relevância da literatura infantil para o desenvolvimento do leitor
infantil, resolvemos, eu e meu colega de curso, durante nosso estágio docência, desenvolver
estudo experimental, como dito anteriormente, de modo que pudéssemos interagir com os
alunos, a fim de despertá-los para a curiosidade e o prazer proporcionados pela literatura. Para
isso, nos utilizamos de estratégias e práticas de ensino de leitura específica para análise sobre
as quais refletirei na seção 7 desta monografia.
A partir da literatura, Amarilha (2009, p. 55) defende que a criança, familiarizada com
o simbólico e suas possibilidades intelectuais, desenvolve auto-estima e identidade
psicológica e social: esta, porque aprende a lidar com seu mundo interior; aquela, porque
exercita suas habilidades de leitura. “Nos primeiros anos escolares, a auto-estima da criança
depende em grande parte de sua relação com a leitura (Tuttle, Paquete, 1993, p. 20 apud
Amarilha 2009, p. 55). É por isso que deve ser o mais saudável possível, novidadeira,
surpreendente, estimulante, lúdica”.
Esse processo de incentivo ao contato com a literatura na escola, ao despertar do
desejo por tê-la em mãos, a busca de reflexões, do prazer que o dizer de modo estético
proporciona, instigando o leitor para o conhecimento de si e dos outros, entendo como
letramento literário. O porquê de ele ser importante e quais os procedimentos para alcançá-lo
é o que será discutido na próxima seção.
24
4. LETRAMENTO LITERÁRIO: A PROMOÇÃO DO PRAZER
Selecionar livros e pôr os alunos para lê-los sem propósito algum, sem mediação
alguma, durante uma aula, enfim, o ato de ler simplesmente por ler, de acordo com Cosson
(2009) não forma leitores. Os livros não falam por si mesmos. É preciso considerar que, ao
ler, como afirma Solé (1998), o leitor se utiliza de diferentes estratégias para interpretar o
texto lido, estas são/devem ser aprendidas na escola.
A promoção do letramento literário deve ser, de acordo com Cosson (2009),
preocupação essencial da escola. Diante desse processo, é válido pensar na relevância de se
analisar (o que o texto a ser abordado trará de crescimento intelectual, cultural e estético), se é
melhor estudar sozinho ou em conjunto com outros professores os textos que serão
trabalhados em sala de aula selecionados com tal objetivo (cf. COSSON, 2009).
É preciso ser cuidadoso com o que vem sendo praticado no ambiente escolar: de um
lado, aqueles que ignoram as discussões acadêmicas mais atuais, mantendo apenas em sala o
que é considerado por alguns como cânone. Os professores que trabalham sob essa
perspectiva se preocupam a ideia da perda da identidade, do conhecimento que esses textos
trazem para o leitor. De outro, os que defendem o trabalho com a leitura apenas dos textos
escritos mais recentemente, esquecendo-se das obras consideradas antigas e, portanto,
ultrapassadas. Parte daí, algumas vezes, o trabalho com os livros que tratam de temas mais
interessantes às crianças e jovens da atualidade, livros estes com linguagem mais “acessível”,
dizem alguns. Na terceira margem, os que tentam unir o trabalho com a diversidade de obras,
autores, temas e gêneros. Isoladamente, essas práticas tendem a não contribuir para a
promoção do letramento literário. É preciso uni-las: reconhecer as tradições, valorizá-las,
perceber a herança, a identidade cultural de um povo, trazer à tona e fazer permanecer a
memória. Também é preciso ultrapassá-las, modificá-las, valorizando também o que é novo
(cf. COSSON, 2009).
Um exemplo disso é o próprio trabalho com o gênero explorado nesta monografia: ao
levar os contos de fadas para a sala de aula, é interessante que o professor perceba a
importância de ler/ contar/ apresentar para os alunos os tradicionais, observando os diferentes
estilos dos autores - os Grimm, Andersen -, sem deixar de considerar também importantes,
discutindo as semelhanças e diferenças desses gêneros, do estilo de contar, nos escritos de
autores da literatura infantil brasileira, tal qual Marina Colasanti.
Embora reconheça a necessidade de diversificar, Cosson (2009) considera um erro
pensar que ela se caracteriza como algo quantitativo. Pelo contrário, para ele, essa diversidade
25
precisa respeitar a qualidade das obras lidas em aula. É preciso haver lugar para o tradicional
e para o inovador, para o que é comum e para o que é belo, para a simplicidade e para a
complexidade de um texto. Nisso reside a diversidade que ele defende.
De acordo com Cosson (2009), o professor necessita refletir sobre como deverá
trabalhar o texto literário em sua sala, que atividades deverá desenvolver: se rodas de leitura;
se grupos de discussão entre os que leram ou estão lendo a mesma obra; se dramatizações,
resenhas, debates, cartas a serem enviadas aos autores; se a visita de algum deles à escola
(caso residam na mesma cidade dos alunos); se comparações entre um livro e sua adaptação
cinematográfica; se a comparação entre um livro e outro anteriormente lido, do mesmo autor
ou com temática semelhante.
Para Cosson (2009), é importante integrar leitura, escrita e oralidade. No contato
inicial, é necessário, segundo ele, apresentar a obra, o autor e a temática para a turma de
maneira lúdica. Depois disso, o professor poderá desenvolver discussões sobre a obra
escolhida, se utilizando de estratégias que possam fazer os alunos refletirem sobre as
conclusões a que chegarem. O prazer no que estiver sendo realizado será muito relevante. É
preciso também registrar o entendimento do que foi lido. O que pode ser feito a partir de
resenhas críticas, de comentários pós-leitura, de dramatizações, saraus e tantas outras
atividades.
O importante é que o aluno possa refletir, externalizar o seu pensamento sobre a obra,
aprender sobre o mundo ao se pôr no lugar dos personagens, seus dilemas, suas ações. Na
educação infantil, um dos processos pelos quais acredito ser possível alcançar tal
entendimento, tal ação, é no ato de contar histórias. Trato de sua importância na próxima
seção.
26
5. SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA...
5.1. IMPORTÂNCIA DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS NA ESCOLA: MEDIAÇÃO DO
PROFESSOR
O ato de contar de histórias existe já há muito tempo. Estudos, alguns dos quais serão
tratados nesta seção, têm demonstrado sua grande relevância no processo de crescimento
cultural da criança, seja no âmbito social, seja no individual. Caracteriza-se pela busca de
descobertas, no sentido de (re)criação de histórias, possibilitando crescente imaginação e
aprendizado, sendo essas forças que impulsionam o ato de ouvir, contar e recontar histórias.
Sobre isso, Rodrigues (2005, p. 4 apud Mateus et. al. (s/d) afirma: “contar histórias é
uma atividade de incentivo à imaginação, linha tênue entre o fictício e o real”. Quando em
contato com a história a ser contada,
[…] tomamos a experiência do narrador e de cada personagem como nossa e
ampliamos nossa experiência vivencial por meio da narrativa do autor. Os fatos, as
cenas e os contextos são do plano do imaginário, mas os sentimentos e as emoções
transcendem a ficção e se materializam na vida real. (Idem, ibidem)
O mundo real, portanto, está diretamente ligado ao imaginário infantil. A utilização da
ferramenta contação de histórias incentiva, além da imaginação, o gosto e o hábito pela
leitura, assim como também auxilia na ampliação do vocabulário, do repertório de narrativas
que a criança passa a conhecer, no (re)conhecimento das estruturas e características dos
diferentes gêneros discursivos (contos de fadas, contos maravilhosos, fábulas...), enfim,
daquilo que pertencente à cultura letrada. Esse conjunto de elementos proporcionará o efetivo
desenvolvimento na relação entre o espaço íntimo do indivíduo com o mundo social, histórico
e cultural que o cerca, resultando na formação de sua personalidade, valores e crenças.
A reformulação da literatura infantil foi de extrema importância (como já visto
anteriormente) para que a sua função social e individual pudesse respeitar as especificidades e
necessidades da intencionalidade que a história possui e que é transmitida à criança. Além, é
claro, da adequação condizente com sua faixa etária.
A contação de histórias é, segundo Pennac (1993), um momento mágico, de fantasia,
que envolve a todos que nele estão inseridos. Ao contar histórias, o professor estabelece com
o aluno um clima de cumplicidade que os remete à época dos antigos contadores que, ao redor
do fogo, contavam a uma plateia atenta às histórias, costumes e valores do seu povo. A plateia
não se reúne mais em volta do fogo, mas, nas escolas, os contadores de história são os
professores, elo entre o aluno e o livro. O ato de contar histórias é próprio do ser humano e o
27
professor pode apropriar-se dessa característica e transformar a contação em um
importantíssimo recurso de formação de leitores.
As histórias chegam ao coração e à mente da criança, “na medida exata do seu
entendimento, de sua capacidade emocional”, uma vez que contêm “elementos que a fascina,
despertando o seu interesse e curiosidade, isto é, o encantamento, o fantástico, o maravilhoso,
o faz de conta” (cf. ABRAMOVICH, 1991, p. 37).
Na escola, como bem aponta Amarilha (2009)iii
, a literatura não tem recebido estímulo
adequado, sendo a contação de histórias, portanto, uma alternativa para que os alunos tenham
uma experiência positiva com a leitura, já que as possibilidades que o uso da contação de
histórias em sala de aula propicia são inúmeras: além de entreter e divertir, atinge também
outros objetivos, tais como, educar, instruir, socializar, desenvolver a inteligência e a
sensibilidade. Não como apenas uma tarefa rotineira escolar que transforma a leitura e a
literatura em simples instrumentos de avaliação, afastando o aluno do prazer de ler. Faz-se
preciso que os alunos aprendam a gostar de ler e, para isso, as atividades de leitura
desenvolvidas pelo professor devem ligar esta ao prazer.
Muito importante é desenvolver a contação de histórias tanto em casa, quanto no
âmbito educacional, pois, assim se estimula o crescimento imaginativo, crítico e cultural do
discente.
“A criança, dependendo de suas vivências e dúvidas, pode estar interessada na prática
da leitura. A questão é pensar sobre como abordar determinado tema, mediar o conhecimento,
de que maneira exemplificará a importância, o prazer da leitura. Envolvendo a criança na
contação da história, é possível trazer, para si e para o outro, o aprendizado na resolução de
problemas que a própria criança possa estar vivenciando ou possa vir a vivenciar” (cf.
ABRAMOVICH, 1991, p. 98).
Ao abordar temas da realidade do discente, a linguagem do contador pode ser poética
ou não, bem-humorada ou irônica, os termos utilizados podem ser suaves ou rígidos, alegres
ou tristes, a depender da situação perante a qual se depare o personagem. O tom da voz, o
modo de interpretar cada acontecimento, o professor/contador de histórias desenvolverá,
conforme o enredo, a personalidade dos personagens e as emoções que deseje transmitir em
determinados contextos (cf. ABRAMOVICH, 1991, p. 99).
O modo de contar a narrativa é relevante, uma vez que poderá envolver ou não os
discentes no desenrolar dos fatos, fazendo-os sentir emoção, tristeza, alegria, entre tantos
outros sentimentos e emoções. Desse modo, não se faz coerente abordar ou transmitir uma
história de modo qualquer, superficial, sem preparo, pois isso dificultará à criança perceber as
28
reflexões transmitidas pela história, fazendo com que ela sinta dificuldade em interpretar, em
desenvolver uma visão crítica em relação à problemática apresentada no texto (cf.
ABRAMOVICH, 1991, p. 99).
A contação de histórias contribui para o desenvolvimento social, pessoal e educacional
da criança. O professor ao trabalhar contos, fábulas, enfim, narrativas que traduzam certas
dificuldades pessoais pelas quais a criança esteja passando ou venha a passar - tais como a
separação dos pais, o porquê e quando a morte chega, o que é a morte, as conquistas
individuais e em grupo -, serve como ensinamento para uma melhor condição emocional, de
como lidar com as dificuldades diárias, com o que acontece no mundo real (cf.
ABRAMOVICH, 1991, p. 104).
O texto narrativo apresenta uma estrutura que permite ao leitor estabelecer
expectativas. Cria-se, portanto, de acordo com Amarilha (2009, p. 19), “a condição para que a
narrativa seja percebida como uma seqüência de fatos conexos, como se as causas sempre
resultassem em conseqüências e os enredos do destino humano, ali representados, sempre
tivessem fim”. Por esse motivo, o leitor passa a perceber possibilidades de sentidos que a vida
pode ter.
No processo de audição de uma narrativa, o leitor/ ouvinte, defende Amarilha (2009),
acaba por se envolver, imaginariamente, nos diferentes eventos narrados, sem que com isso,
precise vivenciá-los na vida real. A partir desse envolvimento, o leitor/ ouvinte experimenta
sensações, sentimentos, reações de prazer ou frustração, podendo, assim, lembrar/vivenciar,
antecipadamente, as inúmeras possibilidades do destino humano. Por esse processo, o
leitor/ouvinte vivenciando, ainda que temporariamente, os conflitos, angústias, alegrias dos
personagens da história, multiplica suas possibilidades de experiências do mundo, sem que
com isso precise correr algum risco.
Amarilha (2009) afirma que é natural que leitor/ouvinte de uma narrativa deseje saber
o mais breve possível de que maneira ela acabou. Experiência essa que proporciona um olhar
imaginativo, metafórico, de nós mesmos e do mundo (cf. Hillman, 1981, p. 17 apud
Amarilha, 2009, p. 20), “o que para a criança […] contribui para organizar o impacto
fragmentado e caótico da experiência de mundo que seus limites de criança impõem”.
Segundo Amarilha (2009, p. 22), ao “narrar oralmente, o professor está fornecendo à
criança a possibilidade de ampliar sua capacidade de antecipação sobre as estratégias da
linguagem literária e da construção do sentido”. E dominar esse processo
29
corresponde a desenvolver a expectativa adequada sobre as convenções da
linguagem e esta é uma habilidade necessária ao leitor.[...] Também Ana
Teberosky e Beatriz Cardoso enfatizam que é através da “narração de
contos que as crianças começam a seguir o fio argumental da narração, a
memorizar os começos e os fins” (Teberosky, Cardoso, 1989, p. 84). “É por
esse motivo também que (as crianças) querem os contos explicados sempre
da mesma maneira […]. Todos esses aspectos ajudam as crianças a ser
capazes de narrar por si sós as histórias e, mais na frente, facilitam-lhes a
escrita” (Teberosky, Cardoso, 1989, p. 84 apud AMARILHA, 2009, p.
22).
Conclui Amarilha (2009, p. 22), portanto, que desenvolver no ouvinte de histórias as
habilidades necessárias está “na gênese do processo de leitura e no adestramento e fluência ao
jogo ficcional”. Uma vez que enriquece a bagagem antecipatória do leitor, familiarizando-o
com as estratégias da narrativa e, por consequência, com as convenções da escrita, a
oralização da literatura não se processa obstáculo para a formação do leitor que deverá ler, a
posteri, sozinho e em silêncio.
Faz-se necessário aos professores, então, de acordo com Amarilha (2009, p. 23), o
domínio dos aspectos teóricos relativos à estrutura da narrativa e de sua relevância para o
desenvolvimento do domínio da linguagem pela criança. Tendo a narrativa, desse modo, “um
objetivo que lhe faça jus”.
Muito se diz que é preciso, ao educar uma criança, considerar o contexto em que ela se
insere, observando os conflitos que ela vivencia ou as situações conflitantes que ela possa vir
a enfrentar. Algumas crianças, nesse sentido, ao solicitar que se repita a contação/ leitura/
dramatização de um texto, de algum modo, demonstra se identificar com o contexto da
narrativa e com o seu próprio, seja este um contexto coletivo (histórico, social) seja individual
(realidade interna). Este tem a ver com a identificação com a atitude de um personagem em
uma dada situação (ainda que esse personagem não tenha a ver exatamente com sua
personalidade), a solução de um conflito, a angústia presente na narrativa. Ou seja, esse
contexto individual tem mais a ver com o momento psicológico em que se encontra o leitor e
o que o faz viver ludicamente o sentido de uma história (cf. AMARILHA, 2009, p. 87).
Considerando a ideia de conflitos que possam vir a ser enfrentados pela criança, um
exemplo de narrativa que, por seu valor estético-literário e reflexivo, é importante de ser
contada às crianças, são as obras de Lygia Bojunga, renomada escritora brasileira. A autora
tece histórias envolventes voltadas às problemáticas infantis, tão importantes para o
desenvolvimento intelectual e afetivo das crianças (cf. ABRAMOVICH, 1991, p. 111).
Em uma de suas obras, cujo título é Na corda bamba, há uma calada menina, chamada
Maria, trazida à casa da avó, rica e dominadora, pelos amigos do circo, a Barbuda e o
30
Foguinho. A pobre menina vive um processo de amnésia, apagando da memória a morte dos
pais, acontecida numa apresentação de trapézio. Acompanham-se aos passos de adaptação da
menina, uma vida não mais nômade, não mais mágica e iluminada, como fora a vivida no
circo, mas às voltas com a escola, com a professora particular horrorosa, com problemas de
matemática, com sua solidão. E como ela aos poucos recobra a memória do triste
acontecimento, aprende a gostar, exercita o escolher. Triste, porém, bela e comovente, a
narrativa causa arrepios constantes ao leitor, uma tristeza doída, daquelas bem quietas. Bem
escrita, como uma corda bamba esticada no seu limite máximo, sem que a autora tropece,
sequer por um momento, num tema tão difícil e tão delicado (cf. ABRAMOVICH, 1991, p.
111).
Procurando retratar a realidade, trazendo a possibilidade de entendimento para a
criança, expondo a dificuldade e superação de um personagem em relação a um tema difícil
de ser abordado, tendo em vista a abordagem de temas complexos e distintos, vemos o quanto
é importante transmiti-lo, ajudando a criança a ter uma percepção crítica, resolutiva dos
problemas, tanto para resoluções de contos, quanto para sua própria realidade.
É fundamental que a criança possa vivenciar a palavra e a escuta em todas as suas
possibilidades, explorando diferentes linguagens, capturando-as e apropriando-se do
mundo que a cerca, para que este se desvele diante dela e se torne fonte de interesse
vivo e permanente, fonte de curiosidade, de espantos, de desejos e descobertas, numa
dinâmica em que ela se socialize e se manifeste de forma ativa, (cri)ativa,
(particip)ativa em qualquer situação, não apenas “recebendo” passivamente, mas
produzindo e (re)produzindo cultura (cf. JORGE, 2003, p.97).
Nesse contexto, de acordo com Oliveira (2009), a literatura infantil é um dos suportes
básicos para o desenvolvimento do processo criativo da criança, pois ela oferece ao leitor uma
bagagem de conhecimentos e informações capazes de provocar uma ação criadora,
proporcionando também novas experiências e o desenvolvimento de suas fantasias, de sua
criatividade.
E, para trabalhar literatura, em sala de aula, um dos melhores instrumentos é a
criatividade, considerando sempre os objetivos do trabalho e as particularidades de cada
público. É preciso também que o docente goste de ler, em especial, literatura infantil. É
necessário que ele se encante com o ato de ler, que se maravilhe com a história a ser contada.
Assim, poderá transmitir, com todo o entusiasmo, a narrativa. Se o professor for um
apaixonado pela literatura infantil, provavelmente seus alunos também serão. É preciso se pôr
diante do texto como uma criança (cf. OLIVEIRA, 2009, p.15).
31
Ao ler literatura para as crianças, o professor deve fazê-lo, deixando transparecer a
emoção que as vivências dos personagens provocam, tentando envolver a criança na história
contada, ajudando-a na compreensão do texto lido. Desse modo, poderá despertar o desejo e
gosto pela leitura. Oliveira (2009) considera que o mais importante ao contar uma história é o
envolvimento da criança e que, quando esta se identifica com alguma parte da narrativa, o
professor deve abrir espaço para que ela fale de sua experiência relacionada à história.
Quando há identificação, a criança ouve com mais interesse! Se há interesse, a
aprendizagem se processa de modo mais significativo. Sendo significativo, o desejo por
adentrar o mundo da leitura, da cultura escrita letrada, ocorre de modo mais prazeroso, mais
eficaz.
Acredito ser interessante aos ouvidos infantis, ao crescimento intelecto-emocional da
criança, os contos de fadas e os contos maravilhosos. Na próxima seção, abordo sobre a
origem do gênero, suas características e relevância para a criança. Por ter trabalhado em sala
com o conto João e Maria, também teço considerações acerca do que esse conto ensina à
criança que o ouve.
32
6. QUEM CONTA UM CONTO...
6.1. CONTOS DE FADAS E CONTOS MARAVILHOSOS: ASPECTOS HISTÓRICOS,
ESTRUTURAIS E FORMATIVOS
Quando se fala em contos de fadas, corriqueiramente, se pensa em príncipes,
princesas, castelos e bruxas. Muitos não imaginam que esses contos, há tempos, se perpetuam
nas mais diferentes civilizações. Uma versão de Cinderela, por exemplo, já era contada na
China, durante o século IX d.C., e, assim como tantos outros, vem atravessando todas as
fronteiras, mostrando a força da cultura entre povos (cf. ABRAMOVICH, 1991, p. 120).
Coelho (1991) aponta que, já na França do século XVII, Charles Perrault, recolheu da
literatura popular o que, hoje, se denomina por contos de fadas ou contos maravilhosos.
Produzidos, portanto, anônima, coletiva e oralmente pelo povo. Perrault adaptou os textos
ouvidos para a modalidade escrita da língua. Mais a frente, no século XIX, outros escritores,
os irmãos Grimm e Andersen fizeram o mesmo. No entanto, este último, diferentemente dos
autores anteriores, criou, ao observar o sofrimento das crianças com menos recursos
financeiros, suas próprias narrativas.
A violência era marca dos contos de Perrault. O que, mais tarde, de acordo com
Coelho (1991), foi modificado, embora ainda apresentassem aspectos negativos, predominava
a esperança, o desejo de viver. Daí que é perceptível que, em sua “fase inicial”, os contos de
fadas e/ou maravilhosos não foram escritos para as crianças. Neles, havia incesto, canibalismo
e tantas outras ações reprováveis pela sociedade. Em sua origem, profissionais, contadores,
levavam às histórias para o povo. Depois, com as devidas adaptações, amas, governantas e/ou
babás o fizeram.
Coelho (1991) assim diferencia os contos de fadas dos contos maravilhosos: embora
possuam elementos do maravilhoso (que não pertencem ao mundo real), são originados de
modos distintos e apresentam problemáticas diferentes entre si. Os contos de fadas
apresentam como eixo central, segundo Coelho (1991), uma problemática existencial: o herói
ou a heroína desejam realização. Enfrentam obstáculos ou provas que devem ser vencidas. De
maneira geral, há algum encantamento, metamorfose que se torna o início da aventura da
busca. Já os contos maravilhosos se realizam em ambientes mágicos e possuem como eixo
central uma problemática social. O herói, desejando se auto-realizar social e economicamente,
por exemplo, sai em busca de aventuras. Nesses contos, existe a miséria, a necessidade de
sobrevivência física. Há a ênfase nas necessidades básicas do herói, da heroína. Embora o
autor diferencie esses contos, nem sempre é tão simples fazê-lo.
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Mas por quê? Porque os contos de fadas e/ ou os contos maravilhosos estão lado a lado
com o esplendoroso universo que denota a fantasia, tendo sempre como ponto de partida uma
situação real, concreta, lidando com emoções que qualquer criança possa ter vivenciado.
Porque é representado em um lugar fora dos limites do tempo e do espaço, onde qualquer um
pode caminhar. Porque os personagens sempre enfrentam situações diferentes, nas quais têm
de buscar uma resposta importante e fundamental para a resolução de seus problemas.
Assim, é apresentado um conto de fadas ou um conto maravilhoso: com fantasia,
emoções, sentimentos, concretude. Isso faz a criança se encantar, faz com que ela busque
ajudar o personagem de diversas formas, sempre em busca da felicidade, do encantamento.
Essas narrativas são importantes, pois trazem para a criança a percepção de um mundo
diferente, podendo ser associado a sua realidade na busca pela resolução de problemas. Ao ler
ou ouvir um conto, a criança irá buscar soluções junto com o personagem, a fim de resolver
seu conflito. E todo esse processo é vivido a partir do imaginário, da fantasia dos contos.
Os contos de fadas e/ou maravilhosos são imensamente ricos para o desenvolvimento
da criança. Sobre essa riqueza, Bettelheim (2002, p.19) afirma:
[…] não podemos explicar para uma criança por que um conto de fada é tão
cativante, pois, destrói o encantamento da história, que depende, em grau
considerável, que [ela] não saiba absolutamente por que está maravilhada. E
que, ao lado do confisco deste poder de encantar, vai também uma perda do
potencial da história em ajudar a criança a lutar por si só e dominar
exclusivamente por si só o problema que faz a história estimulante para ela.
Por mais corretas que sejam as interpretações adultas, elas roubam da
criança a oportunidade de sentir que ela, por sua conta própria, através de
repetidas vezes, enfrentou com êxito uma situação difícil. Nós crescemos,
encontramos sentido na vida e segurança em nós mesmos, por termos
entendido ou resolvido problemas pessoais por nossa própria conta e não por
eles nos terem sido explicados por outros.
Vemos, dessa forma, o quanto é sublime a leitura e interpretação de um conto, ou, de
qualquer obra literária, para uma criança, pois a ajuda a enfrentar angústias, medos, carências,
traduz a alegria, a superação, sempre aliadas à realidade, mostrando sua sabedoria e
perspicácia.
6.2. DE AUSÊNCIAS E PERDAS: JOÃO E MARIA
O conto João e Maria, versão dos irmãos Grimm, século XIX, narra a história de dois
irmãos, que vivem na extrema pobreza, e por causa disso enfrentam problemas de falta
comida e outros recursos materiais. Porque perderam a mãe, uma vez que ela havia falecido,
34
também sofrem carência afetiva. Em contrapartida, eles são “cuidados” por uma madrasta que
deseja que eles sejam abandonados (separando a família) numa imensa floresta, onde terão de
enfrentar, sozinhos, um mundo desconhecido, para o qual não estão ainda maduros.
Abandonados, ao chegarem à casa recoberta de guloseimas da bruxa, que simboliza fartura.
Lá, encontram a solução para seus conflitos, suas dúvidas, pensando e agindo em conjunto (a
experiência vivida e dividida faz surgirem outras soluções e novos encaminhamentos). A
partir daí, começam a viver situações adversas, mas procuram enfrentar seus medos (fugindo
da bruxa), até que reencontram seu pai e “vivem felizes para sempre”.
Esse conto aborda a problemática da falta de alimentos, da pobreza, da falta de
afetividade, em relação à perda da mãe (seja essa perda, se trazida para o mundo real,
simbólica ou não), em uma infinidade de conflitos (não distantes da realidade de muitas
crianças) que vão se resolvendo até o término da narrativa.
Desse modo, esses conflitos e resoluções ajudam a criança a pensar na situação que os
personagens estão vivendo e achar soluções que ajudem os personagens, contribuindo para o
desenvolvimento de autodescobertas, de como é possível se ajudar em situações difíceis,
como enfrentar situações adversas, conforme as noções de valores, de percepção, de justiça ou
injustiça apresentadas.
Como bem defende Amarilha (2009, p. 18), ao dizer que o envolvimento do leitor tem
a ver com o fato de que “a própria estrutura da narrativa” o faz se envolver emocionalmente
ao se identificar com os personagens. Desse modo, “a criança passa a viver o jogo ficcional
projetando-se na trama da narrativa”, ou seja, “o próprio jogo da ficção pode ser
responsabilizado, parcialmente, pelo fascínio que exerce sobre o receptor”.
Segundo Bettelheim (2002, p. 172), o conto de fadas expressa, em palavras e ações, o
que se passa na mente do infante: a ansiedade que o domina e as tarefas de aprendizagem da
criança, que precisa vencer seus próprios medos e desafios. Como no exemplo de João e
Maria, que desacreditavam terem sido abandonados pelos pais. Vemos, dessa forma, que os
contos descrevem estados internos de emoções e anseios que uma criança pode sofrer. Ao se
identificar com as narrativas, com os personagens, a criança busca a compreensão e a
resolução dos problemas emocionais que possui.
O conto João e Maria traduz o sentimento de angústia pelo abandono, pela fome
incontrolável; revela as intenções malvadas de uma bruxa, que força para que reconheçam os
perigos do mundo, presentes na realidade, a partir dos momentos trazidos pela estória. Isso
nos faz enxergar a importância de trabalhar esse conto a fim de ajudar as crianças a
enfrentarem seus problemas (cf. BETTELHEIM, 2002).
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Bettelheim (2002) defende que o conto João e Maria traz ensinamentos com os quais,
depois de as crianças se familiarizarem, passam a compreender, pelo menos
inconscientemente, que o que sucede na casa paterna e na casa da bruxa são apenas aspectos
separados do que a realidade constitui como única experiência. Inicialmente, a bruxa é a
figura materna plenamente gratificadora, já que diz o conto, “ela os tomou pela mão e levou-
os para dentro de sua casinha. Então colocou bons alimentos diante deles, depois cobriu duas
lindas caminhas com lençóis brancos e limpos e João e Maria se deitaram e pensaram estar no
céu”. Apenas na manhã seguinte, surge um rude despertar desses sonhos de bem-aventurança
infantil: a velha mulher que “fingira ser tão amável, na realidade, era uma bruxa malvada...”
(cf. BETTELHEIM, 2002, p. 176).
Bettelheim (2002, p. 178) ainda reflete que João e Maria é um dos muitos contos de
fadas em que irmãos agem por cooperação, num auxílio mútuo, e, assim, alcançam o sucesso
devido aos esforços empregados. Essas histórias orientam a criança no sentido de transcender
sua dependência imatura dos pais e alcançar níveis seguintes e mais altos de desenvolvimento:
valorizando também o apoio dos companheiros de mesma idade. A cooperação entre eles na
realização das tarefas terá de substituir, finalmente, a dependência.
Partindo desse ponto de vista, percebemos a importância de o conto se aproximar da
boa convivência entre irmãos. É característico dos contos de fadas destacar um dilema
existencial, de forma breve e categórica, simplificando as situações existenciais, permitindo
que a criança apreenda o problema em sua forma mais essencial. Uma história muito
complicada poderia confundir o leitor/ouvinte, podendo dificultar sua interpretação, assim
também, o aprendizado que a criança poderia obter a partir do texto (cf. BETTELHEIM,
2002).
Para Bettelheim (2002, p. 197), “o conto de fadas é a cartilha com a qual a criança
aprende a ler a própria mente na linguagem das imagens, linguagem esta que permite a
compreensão da realidade mesmo antes de se alcançar a maturidade intelectual”. É, por isso,
que trabalhar com os contos de fadas e/ou contos maravilhosos na educação infantil torna-se
tão relevante para a aprendizagem dos alunos.
Após discutir sobre a instigante temática dos contos de fadas e/ou contos
maravilhosos, relato, na seção seguinte, minha experiência e comento, de modo reflexivo,
sobre a prática da docência vivenciada por mim.
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7. DE TEORIAS, PRÁTICAS E ANÁLISES: ME TORNANDO PROFESSORA
No início da vida acadêmica, não pensamos adentrar a sala de aula como docentes.
Vamos seguindo, semestre a semestre, amadurecendo a ideia de “dar aula” conforme o curso
segue. E eis que chega o momento em que se faz necessária a prática de estágio em sala de
aula. Aí, a pessoa se questiona: “Como vou saber ministrar uma aula?”, “Será que eles vão
gostar?”, “Será que vou me sair bem, que vai correr tudo bem?”, “Será que o plano de aula
elaborado será suficiente para o tempo em que estivermos em sala?”. São questionamentos,
acredito, comuns aos discentes que cursam licenciaturas.
Dessa forma, o graduando, futuro professor, recorda toda sua anterior vivência escolar.
Nessas lembranças, os professores motivadores são os mais recordados. E o graduando passa
a associar todas as teorias aprendidas e lidas no decorrer de sua graduação com as
experiências vivenciadas na escola. A partir daí, as ideias surgem, trazendo expectativas de
como elaborar um plano de aula em que o foco seja compartilhar os conhecimentos que
possui a partir do que aprendeu na faculdade.
O prazer e a motivação nascem daí, do poder da criatividade, da alegria pelo
compartilhar o que se sabe, da arte de seduzir, de entreter, de interagir. A leveza da proposta
da aula transformando o momento de aprendizagem em clima completamente interacional e
divertido. Os desafios, o prazer de aprender, a paixão por ensinar que, desde pequena, trazia
dentro de mim, iria ser revelada em forma de aprendizado e conhecimento em minha prática.
Era chegado o momento de ir em busca de um sonho, o de poder compartilhar, com os
pequenos, sedentos por aprender, o que eu havia estudado, conhecido. Nesse momento, eu já
não era ouvinte, mas seria ouvida. O que também é único e maravilhoso, inesquecível.
Os primeiros passos são relevantes, para que se possa seguir em frente, para que se
saiba o que buscar, para que se pense como desenvolver atividades norteadoras que levem ao
aprendizado, que façam a criança interagir, se socializar. Nessa perspectiva, realizamos, eu e
meu colega de curso, como já dito na introdução deste artigo, um estudo experimental relativo
à disciplina Alfabetização e letramento. Na subseção 7.1, relato como se processou a
experiência de aula e, na 7.2, promovo reflexões teóricas acerca disso.
7.1. NA SALA DE AULA
No estágio, como já mencionado no início deste trabalho, a narrativa escolhida para
ser contada para as 27 crianças do nível V foi a de João e Maria. A escolha de uma narrativa
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literária do gênero conto de fadas (no dizer de Coelho (1991) e de Bettelheim (2002)), a ser
contada para as crianças, especificamente sobre os personagens João e Maria, justifica-se por
estarmos cientes, durante a escolha, de que:
i) ao se ver em contato com um texto literário escrito, elas se familiarizam com as
estruturas linguísticas mais elaboradas do que aquelas da tradição oral a que estão
acostumadas comumente. Mesmo não estando ainda alfabetizadas, é possível envolvê-las
nesse processo, a partir da audição de textos literários (cf. AMARILHA, 2009);
ii) a contação de histórias na educação infantil contribui para o desenvolvimento
intelecto-emocional das crianças, instigando-as à descoberta, à interação, à leitura (cf.
AMARILHA, 2009) ;
iii) por meio da literatura, as crianças desenvolvem seu potencial crítico e reflexivo:
enquanto se divertem, se esclarecem sobre si mesmas, desenvolvendo suas personalidades (cf.
BETTELHEIM, 2002) ;
iv) os contos de fadas por apresentarem como eixo central, segundo Coelho (1991),
uma problemática existencial, obstáculos ou provas que devem ser vencidas, são importantes,
pois trazem para a criança a percepção de um mundo diferente, podendo ser associado a sua
realidade, ao ler ou ouvir um conto, a criança irá buscar soluções junto com o personagem, a
fim de resolver seu conflito, ajudando-a enfrentar suas angústias, medos, carências;
v) João e Maria apresenta como personagens duas crianças, irmãs, que sozinhas e por
cooperação entre elas mesmas precisam vencer. Desse modo, ensinam a independência dos
pais a partir do apoio de seus pares.
O trabalho foi iniciado com o procedimento sugerido por Solé (1998): o momento
anterior à leitura, a fim de sabermos quais os conhecimentos prévios os alunos traziam. Nesse
momento, fizemos as seguintes perguntas: “Quem de vocês conhece a história de João e
Maria? Vocês gostam da história?”. Todas as crianças conheciam a narrativa em questão e
gostavam.
Posteriormente, iniciamos narração do conto, que se processou com auxílio de um
álbum seriado. Este, sequenciado, mostrava todas as etapas da história. Foi lido de forma
pausada. Em cada pausa, as crianças eram indagadas sobre o que elas achavam que iria
acontecer naquele determinado momento. Instigando-as a estabelecer previsões, levantar
hipóteses a serem testadas ao longo da leitura/ contação, de acordo com o que sugerem Solé
(1998) e Santos; Freitas (2015). Eram apresentados detalhes sobre o que decorreu na história,
procurando fazê-los vivenciar a narrativa, para que pudessem pensar como ajudar os
personagens.
38
Na pós-leitura, como outra etapa defendida por Solé (1998), realizamos a atividade de
conversa e entendimento do texto. Para tal, foram feitas as seguintes perguntas: “O que vocês
acharam da história? Se vocês fossem João e Maria, iriam jogar as migalhas de pão? Se vocês
pudessem ajudá-los, como fariam? Como era a situação em que eles viviam? De que modo
vocês pensam que era a casa em que as crianças moravam? E a casa da bruxa? Por que o pai e
a madrasta resolveram deixar João e Maria na floresta? Eles fizeram certo? O que vocês
acham que eles (o pai e a madrasta) sentiram? E João e Maria?”. Esses questionamentos
foram direcionados a fim de observar o que foi absorvido, em coletividade, da leitura oral, de
que forma os alunos pudessem dizer o que compreenderam do que foi lido, de que modo
interpretaram, se perceberam em relação ao conto. Era preciso fazê-los expor suas emoções, a
partir de seus comentários em relação à história.
Por fim, foram realizadas, de forma individual, “entrevistas” com cinco crianças entre
05 e 06 anos, escolhidas de modo aleatório. Para a entrevista, elaboramos os seguintes
questionamentos:
“1.Como você poderia chegar à casa de doces? R: “Seguindo o mesmo caminho que
João e Maria fez”.
2. De que forma você poderia pegar o tesouro e as guloseimas que havia na casa da
bruxa? R: “Empurrando a bruxa dentro do forno”.
3. O que você faria para escapar da bruxa se fosse João e Maria? R: “Empurrava ela no
caldeirão e fugia da bruxa”.
4. Você acha que João e Maria existiam de verdade? E a casa feita de guloseimas será
que também existia? Sim, alguns responderam sim e outros não.
5. O que você faria se encontrasse com a bruxa? R: “Correria”.
Essa etapa da experiência de estágio realizada está em consonância com uma pesquisa
organizada por Amarilha (2009), cujo intuito era observar a relação que a criança estabelece
entre a realidade e a ficção a partir do texto literário, testando o grau de discernimento entre o
leitor-mirim sobre o que era possível de ser real e o que era ficcional na obra. As perguntas
em Amarilha (2009) se dividiam em quatro categorias: de localização espacial: “onde mora
Chapeuzinho?”, por exemplo; de identificação: “você já chorou como Cinderela?”; de
convivência: “você visitaria Rapunzel?”; de confronto realidade/ ficção: “onde estava
Cinderela, antes de vir para o livro?”. De acordo com os resultados da pesquisa, à primeira
questão, as crianças responderam sem problemas. Elas sempre achavam um endereço, não
duvidavam da existência do local.
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Como a criança não consegue desvincular a ideia de personagem da
concepção de pessoa – ela não consegue lidar satisfatoriamente com a
operação simbólica proposta pela narrativa. Essa proximidade proposital
entre o real e o irreal é típica da ficção e contribui para confundir a
percepção infantil pouco educada no jogo ficcional da linguagem. No
entanto, é preciso que se diga que a ficção não existe para ludibriar o
indivíduo, mas para ajudá-lo a superar os limites físicos de sua condição e
desafiá-lo a enxergar além do imediato.
Embora estejam lidando cotidianamente com a linguagem escrita, as
crianças mostraram não dominar um princípio elementar dessa experiência
de que a linguagem é um “sistema” que propõe relações tanto da vida para o
texto, quanto do texto para a vida. E não uma transcrição da realidade. Suprir
lacunas de informação na ficção com a lógica do real pode ser pitoresco e
criativo, e até necessário, mas não é o suficiente no desenvolvimento e
aprendizado da abstração simbólica. […] Sem o contato contínuo,
sistemático e consciente com o simbólico, as crianças não realizam uma
atividade mediada. Não reconhecem que o texto é pretexto simbólico da
organização, seleção e discussão de problemáticas humanas e não sua
reprodução fiel. É nesse espaço que se percebe uma das contribuições da
literatura ao desenvolvimento humano.
(cf. AMARILHA, 2009, p. 66-7)
Percebe-se nas respostas dos discentes, sujeitos da pesquisa de Amarilha (2009), em
alguns momentos, que, por causa da “verossimilhança da personagem com a figura humana”,
eles acabam por percebê-la “uma criatura real em si mesma” e não “uma representação do que
possa ser uma pessoa”, desconhecendo que a natureza da personagem é apenas simbólica. É o
que também pode ser percebido nas respostas às perguntas da “entrevista” da experiência de
estágio.
Vê-se, aqui, a importância de se compreender a história: a fim de envolver-se, o leitor
busca perguntas dentro do texto, conduzindo seu aprendizado num crescente entendimento
das características do fazer literário, ampliando seu repertório de leitura. A criança, no jogo da
linguagem da literatura, se distancia por um momento de sua realidade e adentra por outro
universo, apagando, por um instante, o mundo que a cerca.
Do mesmo modo que
[...] a realidade apresenta sua própria organização, a ficção também tem um
sistema organizado [...] o mundo factual serve de modelo ao ficcional, em
contrapartida a realidade representada na ficção traz aspectos do mundo dito
real, bem como constrói outros mundos tendo como referente à realidade e
explorando as possibilidades ficcionais. Para o leitor maduro, o
discernimento dessas fronteiras entre real e ficcional resulta em vantagem
cognitiva, estética, pessoal e social.
(cf. AMARILHA, 2009, p. 60-1)
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Tanto a história contada quanto as perguntas feitas e respostas dadas durante as pausas
e após a leitura confirmam a ideia de que, ao ler/ ouvir uma história, o leitor/ ouvinte não só
assiste ao seu desenrolar, podendo “encarnar um personagem, vestir sua máscara e viver suas
emoções, seus dilemas”, como também “se projeta no outro e através desse jogo de espelho
ganha autonomia e ensaia atitudes e esquemas práticos, necessários à vida adulta” (Tuttle,
Paquete, 1993, p. 23 apud Amarilha, 2009, p. 53). A narrativa traz para a criança “modelos
antecipatórios de situações” que ela pode vir a vivenciar (cf. AMARILHA, 2009, p. 53).
Após a realização das “entrevistas”, cada criança foi presenteada com um livro em
miniatura de João e Maria, e o álbum seriado, que utilizamos para a apresentação da história,
foi doado, como já dito na introdução, para o cantinho da leitura da referida sala.
Ao analisarmos os questionamentos realizados, como também as respectivas respostas,
vemos que a criança adentra na história de forma maravilhosa e maravilhada. Ela se coloca
em lugar do personagem e (re)cria, modificando suas ações na história.
A fim de desenvolver uma aula atrativa, procuramos instigar as crianças na percepção
e interpretação da leitura, com o que elas poderiam se identificar, o que havia de realidade, o
que havia de ficção? Se a bruxa poderia existir, então o que ela representaria para eles? Se
João e Maria existiam, então a casa de guloseimas existiria também?
A criança, ao ler, desenvolve sua autonomia no imaginar. Identificando-se com a
história, pode criar possibilidades e expectativas em relação à problemática do conto (cf.
Amarilha, 2009). De modo que, (re)criando possibilidades de situações, podem superar suas
dificuldades, melhorar sua percepção em relação à realidade e à ficção, diversificando seu
vocabulário, contribuindo para seu crescimento cultural e literário.
7.2. REFLEXÕES ACERCA DO ESTÁGIO
O estágio é uma etapa relevante na formação acadêmica, pois, durante esse processo,
podemos praticar os conhecimentos teóricos aprendidos. É essencial a experiência em sala de
aula, porque, tendo contato direto com os alunos, vivenciando a realidade do dia-a-dia da
escola, é possível desenvolver habilidades e competências, estruturando o saber e nos
aprimorando profissionalmente.
Para que o estágio alcance sua finalidade, é necessário, no entanto, que aja
planejamento e dedicação por parte do formando ao executá-lo, pois o estagiário-docente está
mediando o conhecimento, tendo que preparar seu plano de aula, para que tudo transcorra de
acordo com os objetivos e conteúdos programados.
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A integração com o corpo docente da escola foi muito importante, pois nos fez
vivenciar as dificuldades e pensar como superá-las em sala de aula, pois vimos a preocupação
e dedicação dos professores ao planejar a aula de acordo com as necessidades de cada criança,
seguindo o que preconiza a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (1996). Também
presenciamos o interesse da equipe em enfrentar as dificuldades inerentes ao dia-a-dia, tanto
em relação a alguns pais (que veem a escola como apenas um local onde deixar seus filhos),
como em relação às angústias e anseios da própria criança em estar em um ambiente
educacional a fim de aprender, se superando continuamente.
Ao iniciar a aula na qual tivemos como foco o conto João e Maria, tivemos a certeza
de que a dedicação com que foi planejada e todo o esforço empreendido, foram válidos.
Quando começamos a idealizamos minha caracterização, quando escolhemos, preparamos
todo o material a ser utilizado, pensamos contribuir para o crescimento cultural, literário,
social, cognitivo e emocional dos alunos.
Talvez, por termos planejado cada detalhe da aula, não tivemos dificuldades em
desenvolvê-la e em alcançar os resultados esperados: os alunos se entregaram à história, se
debruçaram sobre o conto lido, esperavam ansiosos por cada etapa da leitura. Quando
chamados a participar, me surpreendi porque eles se comentaram sobre todos os momentos da
narrativa, demonstrando terem prestado bastante atenção no que foi contado. Constatar que o
aprendizado teórico adquirido na faculdade e colocado em prática surtiu resultado foi
gratificante.
O trabalho com as crianças é prazeroso, pois entendemos contribuir para o
enriquecimento do aprendizado de cada uma. Vivenciamos uma nova experiência: a de poder
estar em sala de aula como docentes e contribuir para o crescimento sócio-cultural, cognitivo-
emocional dos discentes, pondo em prática parte do aprendizado teórico-acadêmico adquirido
na graduação. Embora acredite termos contribuído para o processo de aprendizagem dos
alunos, posso afirmar que este foi mútuo, pois, de minha parte, também cresci pessoal (os
contos e as reflexões no contato com as crianças nos proporcionam isso) e profissionalmente
(no despertar da auto-confiança, sinto-me mais preparada para enfrentar os desafios da prática
docente).
42
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta monografia foi elaborada com o intuito de apresentar reflexões acerca de proposta
didática desenvolvida durante meu processo de estágio no curso de Pedagogia. O foco deste
trabalho teve como base a importância da contação de histórias e a utilização da literatura,
mais especificamente, dos contos de fadas e/ou contos maravilhosos, na educação infantil.
Para tanto, ao longo deste trabalho: apresentei reflexões acerca do ensino de leitura,
com base em Rojo (2009) e Solé (1998); do ensino de literatura infantil e da importância da
contação de histórias para a criança, em Amarilha (2009), Lajolo (1994) e Abramovich
(1991); discuti acerca do letramento literário, em Cosson (2009); da estrutura e importância
dos contos de fadas e dos contos maravilhosos para as crianças, em Bettelheim (2002),
Coelho (1991) e Abramovich (1991); e relacionei os aspectos teóricos com a prática de
estágio.
Sobre as reflexões acerca da leitura e de seu ensino, concordo com Solé (2008),
quando aponta que é possível ensinar leitura, a partir da consideração das diferentes
estratégias utilizadas para a interpretação dos mais diversos gêneros, sendo necessária a
elaboração e exploração de estratégias, por parte do professor, em diferentes momentos: o
antes, o durante e o depois da leitura. Também concordo com Alves (2011) quando defende
que a leitura é uma forma de desenvolver o raciocínio, o pensamento crítico, a capacidade
argumentativa e a formação de opinião nos discentes.
No porquê de a leitura de literatura ser importante, na educação infantil, para o
desenvolvimento da criança, concordo que, para além da aprendizagem dos aspectos
linguísticos e textuais dos gêneros discursivos produzidos, a leitura de literatura auxilia na
formação de cidadãos, de indivíduos críticos, capazes de refletir, questionar, interagir,
dialogar e identificar situações adversas de modo a resolvê-las de forma coerente. Além disso,
como afirma Amarilha (2009), também promove o desenvolvimento da auto-estima e da
identidade psicológica e social.
Sobre a promoção do letramento literário na escola, concordo quando Cosson (2009)
quando este afirma que apenas selecionar algumas obras literárias, ainda que sejam de
referência, e dar para que os alunos leiam sem demonstrar propósito algum, mediação alguma,
durante uma aula, não forma leitores. Por isso, o letramento literário deve ser preocupação
primeira da escola em todos os níveis de ensino. Além disso, é preciso ser cuidadoso com
práticas extremistas: trabalhar apenas os cânones ou apenas os textos escritos mais
recentemente, apenas porque possuem temas que despertam maior interesse nas crianças e
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jovens ou por apresentarem linguagem mais “acessível”. O ideal seria tentar unir o trabalho
com a diversidade (em termos de qualidade, e não, de quantidade) de obras, autores, temas,
épocas e gêneros. Também abordei as diferentes estratégias que, segundo o autor supracitado,
é possível desenvolver: rodas de leitura; grupos de discussão entre os que leram ou estão
lendo a mesma obra; dramatizações, resenhas, debates, cartas a serem enviadas aos autores;
visita de algum autor à escola; comparações entre um livro e sua adaptação cinematográfica;
comparação entre um livro e outro anteriormente lido, do mesmo autor ou com temática
semelhante e tantas outras quantas a criatividade permitir. Nesse caso, também é preciso
pensar no antes, no durante e no depois da leitura do texto literário. Todas as etapas são
importantes.
No que concerne à importância da contação de histórias na aprendizagem da leitura
pela criança e no incentivo ao gosto pela literatura, concordo com Amarilha (2009) quando
diz que a criança, ao ouvir uma história, acaba por envolver-se imaginariamente. E, a partir
disso, experimenta sensações, sentimentos, reações de prazer ou de frustração, podendo assim
lembrar/vivenciar, antecipadamente, as inúmeras possibilidades do destino humano.
Ademais, ouvir histórias enriquece a bagagem antecipatória do leitor, familiarizando-o com as
estratégias da narrativa e, por conseguinte, com as convenções da escrita, auxiliando também
em seu processo de alfabetização e letramento.
Sobre a importância dos contos de fadas e dos contos maravilhosos, por, como afirma
Bettelheim (2002), terem como ponto de partida uma situação real, concreta, ao lidarem com
emoções que qualquer criança possa ter vivenciado ou venham a vivenciar, por serem
representados em um lugar fora dos limites do tempo e do espaço, por terem personagens
enfrentando situações diferentes, nas quais têm de buscar uma resposta importante e
fundamental para a resolução de seus problemas, por trazerem para a criança a percepção de
um mundo diferente, podendo ser associados a sua realidade na busca pela resolução de seus
problemas, por tudo isso, esses contos são essenciais para o desenvolvimento cognitivo e
psicológico das crianças.
Sobre o modo como o trabalho com o conto João e Maria pode ter contribuído para o
desenvolvimento e a aprendizagem das crianças envolvidas: o conto aborda a problemática da
falta de alimentos, da pobreza, da falta de afetividade, em relação à perda da mãe, e de uma
infinidade de conflitos que vão se resolvendo até o término da narrativa. Isso contribui para o
desenvolvimento de autodescobertas, de como é possível se ajudar em situações difíceis,
enfrentar situações adversas, conforme as noções de valores, de percepção, de justiça ou
injustiça apresentadas. A partir da identificação com as narrativas, com os personagens, a
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criança busca a compreensão e a resolução dos problemas emocionais que possui. O conto,
segundo Bettelheim (2002, p. 178), faz refletir sobre a importância de agir em cooperação
com os outros, num auxílio mútuo, alcançando o sucesso devido aos esforços empregados, o
que pode auxiliar para que as crianças consigam, aos poucos, transcender, ainda que em parte,
sua dependência dos pais e alcançar níveis seguintes e mais altos de desenvolvimento,
aprendendo a valorizar o apoio dos companheiros de mesma idade. Também faz refletir sobre
a importância da boa convivência entre irmãos. Isso auxilia para que as crianças
compreendam a realidade mesmo antes de alcançarem a maturidade intelectual e emocional.
Já em relação às contribuições que experiência realizada trouxe para a aprendizagem
dos alunos: a atividade experimental relatada objetivou envolver os alunos na história exposta,
ajudando-os a compreender a distinção entre a realidade e a ficção. Proporcionando a
interação entre eles na sala e incentivando a leitura como fonte inesgotável de aprendizado.
Sendo assim, a participação, a interatividade e a curiosidade sobre a história contada
contribuíram para o desenvolvimento pessoal e coletivo das crianças, por demonstrarem estar
receptivos à sensibilidade, à imaginação e à compreensão, proporcionando a elas o
aprendizado didático-interativo, oportunizando-as o prazer da leitura de literatura.
Percebi que a aquisição do conhecimento a partir de contos deve ser trabalhada e
detalhada durante a formação escolar do aluno, enquanto futuro leitor, proporcionando a ele
sempre uma formação continuada.
A leitura se coloca como processo interativo de compreensão, envolvendo o
conhecimento linguístico, proporcionando o crescimento intelectual e interacional da criança.
Sendo a escola um lugar de construção e reconstrução de conhecimentos, deve-se dar
uma atenção especial à contação de histórias, pois ela contribui na aprendizagem escolar em
todos os aspectos: cognitivo, físico, psicológico, social, afetivo, proporcionando maior
desenvolvimento do educando.
Em relação ao processo de contação de histórias, é possível destacar a aprendizagem de
conteúdos, a socialização, a comunicação, a criatividade, observando também a importância
das histórias na escola que se deve ao fato de ela contribuir no desenvolvimento do raciocínio,
no fortalecimento da auto-estima, na compreensão de textos orais e escritos, além de uma
função lúdica, mostrando aos discentes o quanto essa temática é relevante no processo de
construção do aprendizado.
O estágio é muito relevante no curso de licenciatura, para que a teoria ganhe sentido,
pois ele contribui para o contato direto com o aluno, uma vez que, como futuros docentes, é
possível pôr em prática, de modo reflexivo, parte (porque a formação do professor deve ser
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continuada, há sempre o que se aprender) da aquisição teórica de conhecimento adquirido ao
longo do curso. O trabalho indireto (planejamento da aula) e direto (aplicação prática do que
foi planejado) com a leitura faz refletir sobre a necessidade de aplicá-la em sala de aula, a
contribuição efetiva com o desenvolvimento social, com o lúdico, com as interpretações dos
alunos. A evolução é notória, fazendo sentir realizados, enquanto estagiária e futura
professora.
Esta monografia, espero, faz cumprir o propósito de despertar os graduandos do curso
de licenciatura em Pedagogia e também os já pedagogos para a importância e possibilidade de
se trabalhar literatura, de se utilizar da contação de histórias, especialmente, dos contos de
fadas e dos contos maravilhosos, já na educação infantil. Espero ter contribuído com este
trabalho para a conscientização do quanto a literatura pode auxiliar na aquisição da língua
escrita por parte da criança e também em seu desenvolvimento psíquico e social.
Novos estudos podem ser realizados na tentativa de investigar como a literatura, a
contação de histórias, os contos de fadas e os contos maravilhosos são trabalhados nas escolas
de educação infantil, podendo também ser realizadas pesquisas que busquem investigar que
concepções e práticas de ensino de literatura os educadores infantis possuem, qual a
importância que veem e dão ao trabalho com os temas anteriormente citados ou como os
alunos nesse nível de ensino recebem os textos literários contados por seus professores, de
que modo essas histórias contribuem para o desenvolvimento desses alunos, de que modo
esses textos influenciam na aprendizagem e no desenvolvimento do gosto pela leitura, no
desenvolvimento para a alfabetização e o letramento desses educandos. Enfim, há diversas
outras possibilidades além das citadas por agora. O importante é reconhecer a importância do
tema e buscar práticas interessantes, criativas e prazerosas.
Concluo esta monografia satisfeita com os resultados alcançados: as hipóteses
elencadas foram confirmadas no decorrer das análises. Tanto a experiência do estágio como
as reflexões que pude realizar acerca dele foram significativas para mim: ao observar o quanto
é relevante a inserção da leitura da literatura infantil, da contação de histórias e dos contos de
fadas na sala de aula, pude efetivamente perceber suas contribuições para o desenvolvimento
social, cultural, cognitivo, intelectual e emocional das crianças.
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REFERÊNCIAS
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NOTAS EXPLICATIVAS
i Álbum seriado é uma história apresentada por uma sequência de fatos representados por ilustrações e
texto. Aquelas devem ser atraentes e visíveis aos leitores, podendo, por isso, ser utilizado na contação
de histórias ou como produto a ser elaborado na aula de artes.
ii Os paradidáticos são, tais quais os livros didáticos, em sua essência, utilitários, uma vez que
constituídos de informações objetivas pretendem transmitir conhecimentos e informações. De maneira
geral, tratam de assuntos paralelos ligados às disciplinas do currículo regular, de modo a serem
complementos daquilo que é exposto nos livros didáticos. Um exemplo seria a publicação de um livro
que trate da Mata Atlântica discutindo aspectos da ecologia, com o intuito de complementar o livro de
Ciências utilizado regularmente em sala de aula. Ainda que se utilize de ficção, se possuem o intuito
final de trazer algum tipo de lição, de informação objetiva, esclarecedora, de, ao término da leitura,
que todos os alunos tenham chegado à mesma conclusão, do ponto de vista do conhecimento objetivo,
didático e utilitário, essa obra será paradidática. São textos que tratando de informações concretas, de
conceitos que podem se modificar, de normas de bons costumes e, ao mesmo tempo, por serem
essencialmente informativos, necessitam de atualização periódica: a astronomia muda; os países
mudam; a ecologia muda; dentistas já deram mais medo; minorias sociais mudam; os costumes, a
família, a economia, a pedagogia ou as posturas diante da sexualidade, também. (cf. AZEVEDO,
Ricardo).
iii A autora, na 1ª etapa de sua pesquisa, observou que de 80 professores entrevistados apenas 25%
afirmou trabalhar com a literatura em sala de aula ainda que de modo não sistemático. Um dos
motivos para tanto era o fato de que os professores não entendiam o conteúdo ou as atividades que
dele viessem como significativos. (cf. AMARILHA, 2009, p. 17)
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ANEXO
JOÃO E MARIA Irmãos Grimm
João e Maria moravam numa cabana na floresta com o pai, um pobre lenhador, e a
madrasta. Já há várias semanas, eles não tinham quase nada para comer.
A madrasta armou um plano para não morrerem todos de fome.
-Amanhã, daremos um pedaço de pão a João e Maria. Depois, vamos deixá-los na floresta.
Eles ficarão bem!
O plano era cruel, mas o lenhador acabou sendo convencido.
Porém, João e Maria estavam no quarto ao lado e ouviram tudo. Maria chorou baixinho de
desespero. João disse a ela:
-Não se preocupe! Vou pegar umas pedras para marcar o caminho de volta!
A madrasta acordou-os de madrugada para o passeio. Dirigiram-se à floresta e João pôs a
sua idéia em execução, soltando as pedrinhas sem que a madrasta visse. Mas as pedras acabaram e
João passou a jogar farelos de pão para marcar o caminho.
Ao chegarem numa clareira, o pai disse para eles tristemente:
-Esperem aqui, vamos cortar lenha e já voltamos.
João e Maria sabiam do plano, mas esperaram durante horas, com a esperança de que o pai e
a madrasta pudessem mudar de idéia.
Famintos e cansados, João e Maria esperaram tanto tempo que adormeceram. Quando
acordaram, já era noite de lua cheia, que iluminava a floresta. Eles procuraram pela trilha de farelos de
pão para voltar para casa.
Mas, não a encontraram, pois certamente os pássaros haviam comido as migalhas de pão a
apagado a trilha.
-E agora? Disse Maria, desesperada.
-Como é que vamos voltar?
Desesperados e perdidos, continuaram procurando o caminho de casa e, quando anoiteceu
outra vez, viram uma luz na floresta... Era uma casinha muito bonita, toda feita de doces, chocolates,
biscoitos e guloseimas. Os dois trataram de encher a barriga o quanto podiam arrancando partes da
casinha de doces.
Mas, de repente, ouviram uma voz... uma velha muito feia apareceu e os convidou para entrar
e jantar.
Como João e Maria ainda estavam com fome, logo aceitaram. Depois de comerem bastante,
João e Maria adormeceram satisfeitos.
No dia seguinte, a casinha de doces tinha se transformado num casebre e a velha era uma
bruxa terrível que queria jantá-los. A bruxa prendeu João numa gaiola e mandou Maria preparar
comida para engordar seu irmão.
Como a bruxa enxergava muito mal, cada vez que ela pedia para ver se o dedo de João estava
mais gordinho, eles a enganavam com um osso de galinha. Os dias se passavam e a bruxa não entendia
como o menino não engordava. Mas, um dia a bruxa decidiu jantar as criancinhas e ordenou que Maria
preparasse o fogo para o forno. Maria foi esperta e, com um empurrão, trancou a bruxa malvada dentro
do forno.
Felizes, os dois irmãos se abraçaram e encontraram um baú cheio de pedras preciosas antes
de partirem do casebre. Pegaram o quanto puderam e foram para a floresta. Logo encontraram a
cabana de seu pai e correram para abraçá-lo.
O lenhador contou que a madrasta havia morrido. João e Maria mostraram as jóias da bruxa
e eles viveram felizes, porque nunca mais passaram fome outa vez.