Modelo Psicolinguistico de Leitura

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8/18/2019 Modelo Psicolinguistico de Leitura http://slidepdf.com/reader/full/modelo-psicolinguistico-de-leitura 1/26 Títulos e macroestruturas textuais * Hércules T olêdo Corrêa Centro Universitário de Belo Horizonte UNI-BH Abstract This study has the objective of verifying how university students understand the same newspaper text from the absence x pr esence of different kinds of titles as well as questions previous to the reading. The starting point was the classification of the titles as canonic and skewed: the first are those that carry the most important information of the text, its main idea, working as a kind of summary of the summary; the latter are those that promote information of less importance to the category of the main idea of the text. A pre-experiment was carried out with the aim of verifying the hypothesis that a given title expressed the global macr opr oposition of a text, thus constituting a canonic title. After that an experiment with seventy-five (75) students of the Language Course at a private college in Belo Horizonte was undertaken with the objective of verifying the extent of influence of the titles of different kinds and the initial questions in the understanding, acting on the construction of macropropositions and macrostructur es. The results of the experiment showed that the titles and the initial questions influence the construction of textual macrostructur e systematically, that leads to different interpretations of the same text. Canonic and skewed titles and the presence x absence of titles and initialquestions alter the interpretation of the same text in differ ent ways.

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Títulos emacroestruturas textuais*

HérculesTolêdo Corrêa Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH

Abstract This study has the objective of verifying how universitystudents understand thesame newspaper text from the absence x pr esence of different kinds of titles aswell as questions previous to the reading. The starting point was theclassification of the titlesas canonic and skewed: the first are those that carry themost important information of the text, its main idea, working as a kind ofsummaryof the summary; the latter are those that promote information of lessimportance tothe category of the main idea of thetext. A pre-experiment was carried out with the aim of verifyingthe hypothesis that agiven titleexpressed the globalmacr opr oposition of a text, thus constituting acanonic title. After that anexperiment with seventy-five (75) students of theLanguage Course at a private college in Belo Horizonte wasundertaken with theobjective of verifying the extent of influence of the titles of different kindsand theinitial questions in the understanding, acting on the construction ofmacropropositions andmacrostructur es. The results of theexperiment showed that the titles andthe initial questionsinfluence the construction of textualmacrostructur e systematically, that leads todifferent interpretations of the same text. Canonic and skewed titles and the

presence x absence of titlesand initialquestions alter theinterpretation of the sametext in differ ent ways.

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CORRÊA 54“Quer se trate de um jornal ou de Proust,o texto não tem significação a não seratravés de seus eitores.” (Michel deCerteau, 1990:247)

Este trabalho teve como objetivo verificar comoalunosuniversitárioscompreendem um mesmo texto jornalísticoa partirda ausência x presença de títulos de tiposdifer entes, bem como de

perguntas anteriores à leitura. Partiu-se daclassificação dos títuloscomocanônicos e enviesados: os primeiros sãoaqueles que trazema informação maisimportante do texto, a sua ideia central,funcionando como uma espécie de resumo do resumodesse texto;os últimos são aqueles que promovem uma informaçãode menorimportância à categoria de ideia central dotexto. O artigo está dividido em três partes: na primeira,apr esenta- se ummodelo psicolinguístico do processo de leitura; nasegunda parte,apresenta-se o papel do título nacompreensão textual e, naterceira parte,apresentam-se e discutem-se os principais r esultadosde uma pesquisa experimental.

1. UM MODELO PSICOLINGÜÍSTICO DELEITURA

A leitura, enquanto prática social e escolar, vem sendoestudada por diversas áreas doconhecimento, como a Linguística, aPsicologia, as Ciências Cognitivas, a Pedagogia, a História, aSociologia. Conforme o foco da pesquisa de cada um desses camposteóricos, a concepção de leitura se modifica. Essa variação deconcepções vincula-se àespecialização da pesquisa, ao progressocientífico e ao surgimento de novos paradigmas. Aqui, foram

priorizados os trabalhos realizados na perspectiva daPsicolinguística.

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Antes das teorias de Noam Chomsky, a Linguística tendia aser uma

espécie de “botânic a verbal” , ou seja, preocupava-se em coletarenunciados e classificá-los, sem que fosse feito um estudo sobreaorigem desses dados e sobre os processos mentais geradores ereceptores. Com Chomsky,estabelece-se uma área interdisciplinarentre a Linguística, propriamente dita, e a Psicologia Cognitiva,fundamentando-se a Psicolinguística(CARSTON,1988). Assim,osestudos da linguagem passam a se preocupar mais com a línguainternalizada do que com a língua externalizada, ou seja, a

preocupação desloca-se do produto do comportamento linguístico para os mecanismos mentais responsáveis por esse comportamento(CHOMSKY,1986).O processamento de informações ocorre em dois sentidos:asinformações que são percebidas pelos indivíduos (inputs) eaquelas quesão produzidas (outputs). Um dos tipos de informação pr oces sada pelosistema cognitivo humano é a linguagem verbal, omais complexosistema de linguagem de todos os seres vivos. O pr ocessa- mento dalinguagem verbal envolve mecanismos de produção, como a fala e aescrita, e derecepção, como a audição e a leitura.Confor me FODOR(1983), há dois dispositivos que participam do processamento dalinguagem: o módulo linguístico e o processador cognitivogeral. O módulo linguístico relaciona-se com o que Chomsky chamou delíngua internalizada ou gramática implícita.Resumida- mente, tem asseguintes características: é automático einconsciente, pois independeda vontade do indivíduo; é rápido (identificar, por exemplo, uma palavraou uma frase da língua é um processo psicológico que gasta poucotempo); é específico; égeneticamente deter minado; é sistemático; élimitado nacapacidade. Já o processador cognitivo geral é tido como umdispositivo comcaracterísticas inversas às características dos módulos: nãoé automático,ou seja, é pensado; é relativamente lento, em compara ção com osmódulos; é mais geral, nãorelacionado a determinado tipo de estímulo;é opcional e acessívelquando se deseja; émuito mais determinado

pelo meio; varia de indivíduo para indivíduo; é ilimitado nacapacidade.

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Como já foi dito, a leitura é um processo complexo e, portanto,

Exige o uso dos dois dispositivos acima propostos. Em cadaum deles,ainda, é possível perceber uma subdivisão. Éimportante falar de cadaum desses domínios separadamente.

1.1. Oreconhecimento de palavras ou acesso lexical

Neste domínio, os rabiscos sãoreconhecidos como letrase conjuntos deletras sãoreconhecidos como palavras de umalíngua ou comonão-

palavras. Ao se reconhecer uma palavra, váriostipos de informaçãosão ativados, como a grafia, a forma fonológica eo significado.Pesquisas experimentais já mostraram que o tempogasto noreconhecimento de uma palavra depende da sua extensão – quantomaior, mais tempo gasto – e da sua frequência – palavrasmais vistas sãomais facilmentereconhecíveis. Também o contexto tem importância,nessa etapa, uma vez que, através dele, é possível selecionar umsignificado em vez de outro (sobre essas pesquisas, ver, por exemplo,EYSENCK & KEANE,1994).O reconhecimento de palavras pertence ao módulolinguístico e é, porisso, automático, rápido einconsciente. Se se éalfabetizado, lêem-se as palavras vistasindependentemente da vontade, amenos que se tenha aatenção desviada(COSCARELLI,1993).

1.2. AIdentificação de estruturas sintáticas

Durante a leitura, após oreconhecimento de palavras, o leitoridentifica, nos enunciados que constituem o texto, asestruturassintáticas. Neste domínio, o leitor distingue frases gramaticaisde frasesagramaticais, conforme o seuconhecimento da estrutura da línguausada. MITCHELL(1987) postula que a identificação deestruturas sintáticas,também conhecida como parsing sintático, sejaconstituída de doisestágios diferentes: 1) a escolha da hipótese preliminar ou adivinhação;

2) a decisão de revisar ouabandonar uma hipótese a partir de outra.Para as frases ambíguas, parece ser nestesegundo

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Estágio que o leitor opta por uma dasinterpretações possíveis,com

Base no contexto e nos seusconhecimentos prévios. Para os autores que vêem a leitura apenas como‘decodificação’ desinais gráficos eorganização das estruturas sintáticas, o pr ocessotermina neste ponto. O processamento é visto como meramente modular, sem utilização de raciocínios maiscomplexos, como a geração de inferências, oestabelecimento de relações entrediversostextos, a utilização deconhecimentos prévios,etc.

1.3. Aprodução de significados ouinterpretação semântica

Alguns teóricos postulam que a estrutura sintática e aanálise semântica(produção de significados) sejamconduzidas independen temente,enquanto outros dizem que esses aspectos são processados ao mesmotempo. Estudos sugerem que as pessoas se esforçam paracompreender o significado da frase o mais rápido possível;então, aestrutura superficial é descartada e permanece o significado,ou seja, amemória de longo termo guarda as proposições e não as estruturaslinguísticas (ver, por exemplo, WINGFIELD, 1993). Em geral, passadoalgum tempo, o que“sobra” da leitura é osignificado e não mais aforma literal.

Inferências

Além das informações explícitas no texto, outras pr oposições são

geradas através deinferências, que são processos cognitivos atravésdos quais uma informação nova surge a partir deuma informaçãoanterior, em umdeterminado contexto. Essasinferências constituem a participação dosconhecimentos do leitor naleitura. Desta etapa emdiante, o texto perde um pouco a suaimportância para se dar maiorimportância aosconhecimentos prévios do leitor. As inferênciasocorrem tambémquando o leitor busca fora dotexto informações econhecimentos adquiridos pela suaexperiência, com os quais

preenche os “vazios” textuais. O leitor traz para o textoum universoindividual que interfere na sua leitura, uma vez queextrai inferênciasdeterminadas por seu“eu” psicológico e social(DELL’ISOL A,

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1988). É importante frisar que as inferências não estão no texto,uma Vez que são processos cognitivos: o texto existe, o leitorinfer e.

1.4. Aconstrução de macroestruturasDesta etapa em diante acompreensão depende basicamente do

processador cognitivo geral.A partir das proposições geradas nainterpretação semântica – tanto aquelas originadas dasinfor mações

explícitas, quanto as originadas das inferências – o leitor tentaconstituir a coerência global do texto. Assim, a partir de

proposições, formam-se asmacroproposições de diversos níveis,construindo-se a macroestrutura textual.

Macroestruturas

Hoje em dia, define-se o texto como uma unidadesemântica em que

os vários aspectos da significação são materializadosatravés decategorias lexicais, sintáticas, semânticas e estruturais.Dessa forma, parece que o que define mesmo um texto é a noção deunidade ,composta de várias outras unidades menores ousubunidades desentido chamadas proposições. O conjunto de proposições de umtexto aparece na superfície, previamente sinalizada pelo autor,como um conjunto de frases que se relacionam constituindo umtodo semântico .

É essa ideia de um todo semântico que permite a noção de macroestrutura textual. Proposições lineares e sequenciais seagrupam numa proposição de nível superior, que pode serinferidadurante a leitura – uma abstração feita pelo leitor – para constituirumamacroproposição. ConformeVAN DIJK & KINTSCH(1983), aconstrução das macros-

proposições se dá através de três macro regras, que transformamainformação semântica,reduzindo, abstraindo e, ao mesmotempo,

hierarquizando o conteúdo proposicional: 1. Apagamento – dada umasequência de proposições, aquelasque são secundárias podem ser apagadas (ou, numa analogia como

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Jargão informático, deletadas). Por exemplo: asequência Uma Senhora elegantemente vestida com umconjunto preto e brancoentrou numa joalheira de um dos centros comerciais mais elegantesda cidade e assaltou a loja com um revólver de brinquedo poderiaser resumida em Senhora elegante assalta joalharia, em queváriasinformações consideradas secundárias são eliminadas,

per mane cendo apenas aquelas consideradas fundamentais para a expressão do conteúdo macr opr oposicional. 2. Generalização – proposições específicas podem ser reunidasnuma proposição mais generalizada. Por exemplo, Tomarumônibus da viação Cometa até São Paulo pode sergeneralizado namacroproposição Viajar . 3. Construção: uma nova proposição pode ser construída, contendo uma informação abstraída dasequência de proposições original.Por exemplo, as proposições Comprar passagem; Ir até oter minal rodoviário e Tomar o ônibus podem ser agrupadas numa

macroproposição mais genérica que seria: Viajar de ônibus ou,num outro exemplo, Namorar pode ser umamacroproposiçãogenérica de proposições do tipo: Olhar apaixonadamente um para ooutro, Ir aocinema abraçados, Comer pipocas juntos . As macroproposições de um texto constituem conceitos relativos,uma vez que, estabelecidas as macroproposições de primeiro nível,estas se agrupam para formar outras de segundo nível e assim pordiante. A macroproposição global é aquela proposição que,construída através das macro-regras acima referidas, r epr esenta oconteúdo geral do texto ou sua ideia central.Asmacroproposiçõesde níveishierárquicos inferiores à global são chamadas demacr o-

p ró posições locais, e o conjunto, tanto os nódulos globais quanto os locais, é chamado demacroestrutura textual. Em linguagem mais próxima da sala de aula, pode-se dizerque amacroproposição global do textocorresponde ao tópicocentral,tema, conteúdo global ou ideia central do texto.Asmacroproposições locais são os tópicossecundários ou as váriasideias centrais decada uma das partes dotexto.

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A capacidade de construção da macroestrutura textual, enquanto

indicador doestabelecimento da coerência global, constitui um índiceda capacidade de compreensão de um texto, em seusaspectosglobais. Pesquisas realizadas porTERZI (1995) e LOBATO(1993 e 1995)utilizam a noção demacroestrutura textual para observar acapaci dadede compreensão de alunos alfabetizandos, de pós-graduação e desegundo grau,respectivamente. As três pesquisas r ealizadas apontam para a dificuldade que os sujeitos têm, nos três níveis,na construção damacroestrutura textual, o que os leva aconstruír em macroestruturasdiferentes daquelas sinalizadas no texto. Aesse “defeito” de leitura, asautoras chamaram de“process o de apropria ção do texto”. As autoras justificam essa terminologia, baseando-se no fato de que os sujeitos, aoterem dificuldade de captar amacroes trutura sinalizada pelo autor,constroem a sua própria, de difer entes maneiras, a partir dareformulação das informações textuais ecomo resultado datransformação de uma macroproposição local em global, por exemplo.Isso gera uma leitura“inadequada”. Entretanto, é preciso levar em conta que um mesmo texto pode gerardiferentesmacroestruturas, conforme seu leitor, sem queessas sejamconsideradas inadequadas. A possibilidade de variação existe e precisa serconsiderada, uma vez que se tem como pressuposto aconstrução do sentido pelo leitor e não apenas a reconstrução dosentido sinalizado pelo autor. Essa diferença possível entre asváriasmacroestruturas de um mesmo texto justifica-se pela natureza

estratégica daconstrução do tema do texto, influenciada porfator escomo: 1) eficiência em leitura dos sujeitos-leitores; 2) os aspectossociais da construção de sentido do texto (atitudes, crenças, valores,enfim, todo o conhecimento prévio do leitor); 3) os aspectoslinguísticos do texto.

Superestruturas

Além dessamacroestrutura de ordem temática, os textosem geralcomportam formasesquemáticas convencionais chamadas

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Superestruturas. Assim como se propõe uma sintaxe para a frase,com

estruturas típicas, propõe-se uma macrossintaxe para otexto. As superestruturas devem ser vistas como elementos de naturezacognitiva culturalmente organizadas na memória, em for ma demodelos de diferentes tipos de textos. Portanto, elas nãosão universais,masculturalmente dependentes. Textos argumentativos têm superestruturas típicas tais como osilogismo, descrito pela Lógica, constituído de diferentes tiposde premissas e uma conclusão. Um outro modelo deargumentação,

descrito por VAN EEMEREN &GROOTENDORST(1984), traz aseguinte superestrutura: (1) Abertura; (2) Argumentação, subdivididaem três partes: Formulação da tese,Posicionamento, Suporte – esteúltimo, constituído de evidências; e (3)Conclusão. Asnarrativas têm umasuperestrutura típica constituída decinco partes,a saber, apresentação ou situação (setting), complicação, resolução,avaliação e conclusão (coda)(LABOV & WALETSKY,1967).Essassuperestruturas típicas constituem apenas umaexempli ficação demuitas das possibilidades oferecidas pela literatura.Há muitos modelosde textosargumentativos, narrativos, dentreoutr os, embora, em geral,essassuperestruturas se aproximem em diversos pontos.

Conhecimentos prévios

Os conhecimentos prévios do leitor passaram adesempenhar um papelfundamental no ato de ler, a partir dasconcepções de leitura que

priorizam a relação texto-leitor, uma das principais contribuições daPsicolinguística aodesvelamento e à descriçãodo processo de leitura.KLEIMAN(1989:13) afirma que“é mediante a interação de diversosníveis deconhecimento, como oconhecimento linguístico, o textual, oconhecimento de mundo, que oleitor consegue construir o sentido dotexto.” Portanto, osconhecimentos prévios são as estruturas cognitivasde que dispomos e que nos auxiliam na produção e nacompreensão dodiscurso.

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Aorientação construtivista de pesquisas recentes temenfatizado

O papel doconhecimento prévio na leitura. Não apenas a faltadeconhecimento sobre um assunto impede acompreensão, como a extensão doconhecimento influencia aqualidade da interpr etação queum leitor pode construir.

Estruturas cognitivas

Já se sabe suficientemente sobre a leitura para se afirmarque os

conhecimentos prévios a influenciam decisivamente, podendo originarleituras bastante diferentes de um mesmo texto, conforme o leitor, oumesmo leituras diferentes de um mesmo leitor, emmomentos distintos.Porém, é necessário responder a uma questão básica:como essesconhecimentos são organizados no cérebro humano? Foi buscando respostas a essa questão que pesquisadores daPsicologia Cognitiva e da InteligênciaArtificialcomeçaram aelaborarteorias a respeito daorganização do conhecimento, as quais têm

despertado muito interesse na área dos estudos da linguagem.O termoesquema (do grego schema, pluralschemata – aspecto, for ma, figura)ganhou destaque na literatura das Ciências Cognitivas a partir da décadade 70, muito embora já tivesse sido utilizado anterior- mente por algunsestudiosos, como, por exemplo, Kant (1724-1804), Head, em 1920, eBartlett, em 1932.Asestruturas cognitivasdenominadas esquemas sãofundamentais parao processamento da informação e, por conseguinte, para o

processamento do discurso, tanto oral quanto escrito. Elassãoempregadas nos diversos processos deinterpretações perceptuais(linguísticas e não-linguísticas), narecuperação de informações na memória, naorganização das ações, nadeterminação de metas, naalocação de recursos e,genericamente, no direcionamento dosr esultados . Para explicar a natureza do esquema,RUMELHART(1980) utiliza umametáfora: oesquema é como uma peça de teatro, cujoroteiro poderá ser

adaptado sem que se perca a sua essência e cujosator es e formas derepresentação são diferentes conforme aocasião.

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1.5. Aintegração de conhecimentos

O conhecimento veiculado pelo texto é“captado” , ao adequar- se aconhecimentos armazenados na memória do leitor, nomomento daatividade de compreensão, gerando a construção do sentido. Essedomínio da leitura é chamado de integração deconhecimentos. Osconhecimentos prévios, uma espécie de dicionárioenciclopédico domundo e da cultura arquivado na memória, são ativados no momento darecepção do texto, auxiliando naconstrução de sentidos e noestabelecimento do tema global, dentre outrosaspectos. A partir dosconhecimentos prévios e dos índices formaisdo texto, oleitor constrói para si umarepresentação mental desse texto. Essarepresentação mental nada mais é que uma das possíveismacroestruturas do texto, uma vez que, na maioria das vezes,o produtoda leitura – a interpretação do texto – é síntese das proposições maisimportantes. Em virtude das diferenças nas estruturas cognitivas entre interlocutores,em circunstâncias reais decomunicação, o leitor pode elaborarinferências não-pretendidas e não-autorizadas pelo autor do texto, istoé, inferências ditadas não peloconteúdo do texto,mas por ativação doconhecimento prévio do leitor sobredeterminado assunto, contido emsua memória.Aconstrução de sentido dotexto, durante a leitura, estarávinculada à integração entre osconhecimentos que o leitor já possuía eas informações advindas do texto.Como esses conhecimentos variamde pessoa para pessoa, a integraçãode conhecimentos e a construçãoda macroestrutura textual poderão se dar de maneira mais ou menosdiferenciada, de acordo com oleitor. Resumidamente, o modelo psicolinguístico de leitura,confor me oestado do conhecimento atual, pressupõe os seguintes domínios de

processamento: • O reconhecimento de palavras ou acesso lexical;• A identificação deunidades sintáticas ou parsingsintático; • A produção de significados ouinterpretação semântica; •

A construção de macroestruturas (esquemas); • A integração deconhecim entos.

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Uma contribuição prática desse modelo psicolinguístico da leitura é uma

maior possibilidade de visualização do planeamento e da execução deatividades didáticas. Como o processo estádividido em váriossubprocessos, autores de manuais didáticos e pr ofessor es podemelaborar atividades práticas para o ensino que enfatizemum ou outrodesses subprocessos. Por exemplo, para a produção de textos que visemà questão daconstrução de esquemas, o psicolin guista Mike Dillingersugere um“vara l de histórias” . Para a r ealização dessa atividade, bastafazer um varal na sala de aula, com barbante ou fio de nylon, e reservaruma parte dele para cada grupo dealunos. Os alunos deverãodependurar objetos e desenhos no varal, formando uma história. Nenhum estímulo verbal será permitido,ou seja, não se podemdependurar no varal palavras ou frases.Montado o varal, pordeterminado grupo, os outros grupos deverão“ler” a história contada.Para checar se a tarefa foi bem cumprida ounão, basta avaliar o grau dedificuldade que os alunos têm de contara história montada. Se a históriarecontada for muito diferente da pretendida pelo grupo que a montou, ésinal de que osmembros do grupo não colocaram pistas suficientes novaral/texto. Os colegas, então, deverão contribuir, sugerindo modificações nadisposição, retirada e/ou acréscimo de objetos. Dessaforma, os colegas vão chegar a um acordo quanto à intenção dos autorese à interpr etação dos leitor es. Uma atividade didática bastante tradicional em nossasescolas é otrabalho com o resumo de textos. Entretanto, sabe-se quemuitas vezes oaluno, na verdade, não resume o texto, mas apenas“pinça” nele algumasfrases, transcrevendo-as sem nem fazer asadaptações gramaticaisnecessárias. Pesquisas como as deTERZI(1995) e LOBATO (1993 e1995),anteriormente citadas, confirmam essa dificuldadedos alunos naconstrução de resumos textuais. Trabalhar osubprocesso deconstrução de macroestruturas pode contribuir para aapr endiza gem detarefas como essa. Para isso, o professor não pode apenas pedir aosalunos que leiam e resumam determinado texto (de preferência um textonão-literário). O professor deve trabalhar

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Sistematicamente com os alunos a leitura do texto, tendo em vistaa

Identificação das suas ideias principais esecundárias através dacompreensão, atividadeeminentemente cognitiva, do que estásendolido e do desenvolvimento da habilidade, também cognitiva, de síntese. Só assim o aluno estará apto a realizareficientemente a tarefade resumirtextos. Muitas outras atividades didáticas – tradicionais ou não – poderiam serdiscutidas neste artigo, não fosse aexiguidade de espaço. Entretanto, a partir da descrição deste modelo de leiturae da análise dos dadoscoletados, pode-se pensar nessasatividades, reavaliando práticasantigas e cristalizadas e criando novas práticas pedagógicas com oobjetotexto. Em suma, a maior vantagem do modelo é a possibilidade de sedesdobrar o processo emsubprocessos, permitindo trabalharcada parte sem perder de vista o conjunto no qual ela seinser e .

2. O PAPEL DO TÍTULO NALEITURA

O título do texto jornalístico constitui aapropriação de uma forma publicitária pelo jornalismo, ou seja, a sua principalcaracte rística échamar a atenção do leitor para o texto. O título é comoum anúncio publicitário, cujo objetivo é vender seu produto: a notícia (ou outrotipo de texto qualquer publicado no jornal, como oartigo, areportagem, a coluna, o editorial, etc.). Por seu aspecto gráfico,localizado acima do texto e impresso com tipos maiores egeralmente

ocupando mais de uma coluna, ele constitui umasaliência textual.Com isso, o título ganha funções semânticas e cognitivas.Redigidodepois do texto, portanto anafórico do ponto de vista da produção, otítulo desempenha, no processo de leitura, uma funçãoeminente-mente catafórica e, assim, exerce grande influência sobre o leitor,namedida em que funciona como estímulo ou desestímulo àleitura. Otítulo desempenha, dessa forma, uma importante funçãoargumen tativa, pois constitui uma estratégia a serviço dasintenções

do enunciador que pretende influir sobre o leitor, interessá-lo econven cê-lo, numa situação real de interlocução (CORACINI,1989:235).

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O tipo de título mais comum é aquele que representa um resumo do

resumo do texto. Esse tipo,denominado canônico , expressa amacroproposição global e, portanto, o topo damacroes truturasemântica. Os títuloscanônicos exercem um papel fundamental no

processamento de informações expressas nostextos jornalísticosantes, durante e depois da leitura do texto em si.Hipoteticamente, pressupõe-se que, enquanto se lê, o conte údo

proposicional do título vai funcionando como umamacropro posição, com a qual se monitora acompreensão do texto,

per mitindo que o leitor“descarte” as informações menos relevantese se atenha às mais relevantes, a fim de que possa entender earmazenar, na memória de trabalho, as informações. Durante aleitura, amacr opr o posiçãomonitoradora permite ainterpretaçãode detalhes locaise/ ou ambíguos. Muitas vezes, na ausência dotítulo, essesdetalhes podem tornar difícil oestabelecimento dacompreensão globaldos textos. Um outro tipo de título,denominado enviesado (skewedheadline – VAN DIJK & KINTSCH,1992b), é aquele em que uma propo sição denível baixo da estrutura semântica – uma macroproposição local – é promovida a tópico principal – macroproposição global – ,aparecendo no título do texto. Essasmacroproposições locais

podem ser oriundas dequalquer um dos níveis damacroestrutura,em termos semânticos, ou de qualquer das partes dasuperestrutura, em termos da suamacro sintaxe.

3. APESQUISA EXPERIMEN T AL

Foi realizado um pré-experimento, com o objetivo de se verificar ahipótese de que determinado título expressasse amacr opr oposição global de um texto,constituindo, assim, umtítulo canônico.Depois, foi realizado o experimento que seencontra abaixodelineado:

Sujeitos: Setenta e cinco (75) alunos do primeiro período docursode Letras de uma faculdade particular de BeloHorizonte

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– Turmas do segundo semestre de 1995 e primeirosemestr e de 1996(sete gruposexperimentais, com uma média de 10 sujeitos em cadaum).

Materiais:Um mesmo texto jornalístico (Anexo A) em quatroversões: 1. Sem título;2. Com título canônico (T1) – Autoridades brasileiras parecemhumoristas; 3. Com títuloenviesado (T2) – Banco engana banco; 4. Com título (mais)enviesado (T3) – José Simãoameaçado. Asversões 2, 3 e 4 foramapresentadas de duas for mas: 1. Sem perguntas iniciais; 2. Com perguntas iniciais, referentes aoconteúdo dos títulos.

Tar efas:

Análises:

Os sujeitos da pesquisa deveriam realizar asseguintes tar efas:1. Leitura dotexto;

2. Reprodução livre (freer ecall );3. Reprodução dirigida (respostas a perguntas objetivasreferentes a cada um dos subtópicos dotexto); 4. Respostas às perguntas iniciais (apenas trêsgrupos).

Os dados foram trabalhados através dos seguintes processos: 1. Análise proposicional do texto;

2. Análise de processamento (reprodução literal de proposições – R, reprodução com inferência – RI, einferência – I);3. Análise Multivariada deVariância.

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CORRÊA 68

R. Livres

R. Dirigidas

Principais resultados e discussão

Abaixo, são apresentados os principais resultados da pesquisaexperimental. Para facilitar a leitura, discussões sucintas desses resultados foramapresentadas imediatamente.

Efeitos dos grupos

1

0,9

0,8

0,7

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

Grupo

1 -SPST

Grupo2 -SPCT

Grupo 3 - CPCT

0R RI I R RI I R RI I Tipo deProcessamento

GRÁFICO1 – Efeitos de grupos: ausência x presença de títulos e perguntas iniciais, por tipode processamento, nas reproduções livres e dirigidas

Grupo 1 – Sujeitos que leram o texto sem perguntas e sem títuloGrupo 2 – Sujeitos que leram o texto sem perguntas e com títulosGrupo 3 – Sujeitos que leram o texto com perguntas e comtítulos

Resultados

Na presença de títulos,aumentou a probabilidade média de processamento de reproduções, reproduções com inferências e inferências. Na presença de perguntas iniciais, diminuiu a probabilidade médiade processamento de reproduções literais e reproduções cominferências .

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Discussão

Parece que o título promove mais processamento infer encial,talvez por tornar disponíveis algunsconhecimentos préviosnecessá rios àleitura. Os títulos afetaram acompreensão, porque influenciaram mais justamente as inferências, nas quais a participação dosconheci-mentos prévios do leitor émaior . As perguntas iniciais inibem e/ou desestimulam o pr ocessa- mentoliteral sem interferir nas inferências, talvez por r edirecionar ,implicitamente, o objetivo da leitura,sugerindo que não sejaapenas a reprodução fiel do texto lido. Pode ser também que as

per guntas iniciais tenham desestimulado os leitores em virtude desua semelhança com tarefas escolares, embora a escola trabalhemais perguntas posteriores à leitura.

Efeitos dos títulos

25 22,94

20

15

12,95 10

5

19,98

13,4

20,3

19,85

R. Livre s

R. Dir igidas

0

Título 1 Título 2 Título 3

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Resultados

As diferenças são maiores para o Título 1 – Autoridades brasileiras parecem humoristas – diminuem um pouco para o Título2 – Banco engana banco – e quase desaparecem para o Título 3 – José Simãoameaçado.

Discussão

A reprodução dirigida parece conduzir ao pr ocessamento maior de proposições que não foram processadas espontaneamente nasreproduções livres. Assim, no caso do Título 3, parece queas

perguntas das reproduções dirigidas fizeram com que seaumentasse a quantidade de proposições processadas relativas aosubtópico textual que trata da“ameaça ao JoséSimão”, enquantonos outros casos essas informações ficaram“perdidas” para osleitores, que não viram nelas maior importância para acompreensão global dotexto.

Efeitos das macroproposições

1

0,9

0,8

0,7

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0

1 2 3 4 5 6 7

Macroproposição

R. Livre s R. Drigidas

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Resultados

Para uma melhor compreensão das macroproposições aqui

consideradas, ver o Anexo A.Diferença maior na macroproposição 1 – O narrador apresenta asituação: sua felicidade pelo último diade trabalho antes das férias.Diferença entre asmacroproposições (2 – O gover no espiona o própriogoverno, 3 – O governo usa malo dinheiro público e 4 – Bancos estataisenganam umao outro) e (5 – O presidente do Banco Central espionaseus colegas do Banco do Brasil, 6 – O narrador se oferece para umaauditoria na agência do Banco do Brasil em Madrie 7 – O narradorchega à coluna de seu ídolo, José Simão,e se dececiona com sua poucagraçanaquele dia.)

Discussão

Parece que o conteúdo das macroproposições 2, 3 e 4 é maisimportante para aconstrução da macroproposição global. Houve baixíssima probabilidade média de processamento damacroproposição 1. Isso talvez se deva à ausência de perguntas a seurespeito nasreproduções dirigidas. A macroproposição 7 (que veicula umconteúdo r elacionado com oTítulo 3 – mais enviesado) obteve maior probabilidade média de

processamento pelos sujeitos que leram o texto com o Título 3, na presença de perguntas iniciais. Quando se apresenta esse título, asinformações do textorelacionadas a ele têm probabilidade média de

processamento muito maior, o que demonstra a influência do enviesamento dos títulos nos processos de leitura. Como foiditoacima, parece que, se não aparece esseconteúdo proposicional notítulo, os leitorestenderão a despr ezá-lo.

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CORRÊA 72

Efeitos dos tipos de reprodução (perguntas posteriores)

GRÁFICO4 – Efeitos de grupos: ausência x presença de títulos e perguntas iniciais nasreproduções livres e dirigidas

Observação: os grupos são os mesmos doGRÁFICO1

Resultados

Efeitos significativos apenas nasreproduções livr es. Ausência x presença do título afetou mais o pr ocessamento do que a ausência x presença de perguntas iniciais.

Discussão

Os efeitos dos títulos são maiores nasreproduções livres do quenas reproduções dirigidas, tanto em termos globais quanto por tipode processamento.

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É provável que areprodução livre seja uma forma mais fiável de

medida decompreensão do que a reprodução dirigida,quando sequer medir a influência do fator título, uma vez que dámaior liberdadede processamento por parte dos leitores. A r eprodução dirigida parece inibir e/ou desestimular o processamento. É pr ovável que areprodução dirigida torne mais homogênea, a posteriori, ainterpretação feita. Os próprios nomes dados às r epr oduçõesendossam as conclusões: reproduções livres permitem umainterpre tação mais subjetiva,enquanto a reprodução dirigida parece

pr oduzir umaconvergência de leituras entre os diversossujeitos.

Outros fatores relevantes

O Título 3 (maisenviesado) – José Simãoameaçado – levou a umnúmero maior de inferências. Isso talvez se deva ao fato deque ossujeitos tiveram que inferir mais para garantir a coerência textual,enquanto os outros dois títulos“facilitaram” a leitura, namedida em

que talvez tenham possibilitado aos sujeitos fazer ummenor número deinferências. Parece que as perguntas iniciais, ao contrário do que se pensa na prática pedagógica, têm um efeito negativo na leitura, namedida emque não modificamsubstancialmente a compreensão confor me avariedade de título usado. As perguntas posteriores (r eproduçãodirigida) parecem ter também efeito negativo, uma vez queinibem o

processamento das reproduções literais e de reproduções com

inferências e não aumentam as inferências. Há que selembrar ,contudo, que são perguntas objetivas e nãoinfer enciais. Resumindo, pode-se dizer que os resultados doexperimentomostraram que os títulos e as perguntas iniciais influenciamsistema ticamente aconstrução da macroestrutura textual, o que levaainterpretações diferentes para um mesmo texto.Títuloscanônicos e enviesados e a presença/ausência de títulos e de

perguntas iniciais alteram de diferentes maneiras ainterpretação de

um mesmotexto.

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CORRÊA 74

Contribuições

Abaixo, são apresentadas sucintamente algumas contribuiçõesteóricas,metodológicas, empíricas e práticas desta pesquisa.

1. Teórica• Descrição de um modelo psicolinguístico de leitura, comênfase (detalhamento) na construção de macroestruturas textuais.

2. Metodológicas• Avaliação da análise de processamento (R,RI,I), via análise

proposicional do texto, como medida decompreensão de textos, emlíngua portuguesa. • Avaliação da relevância da Análise Multivariada de Variância – MANOVA – como forma de se detectar em as diferenças estatisticamente significativas.

3. Empíricas• Levantamento sistemático de dados, em língua portuguesa, com umgrupo de sujeitos,sobr e:

– A leitura de alunos recém-ingressos no cursosuperior , – A leitura de um texto jornalístico deopinião, – Os efeitos de títulos, em geral, naleitura, – Os efeitos de títulos na leitura de um texto jornalístico deopinião , – Os efeitos de perguntas iniciais naleitura, – Os efeitos de perguntas posteriores na leitura.

4. Práticas• Os dados da pesquisa podem constituir subsídios paratrabalho

didático-pedagógico a partir do modelo teórico descrito com textos jornalísticos de opinião; com títulos e com per guntas anteriores e posteriores à leitura;

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• Os dados também podem constituir subsídios teóricos e sistemáticos

para produtores de textos e de títulos em geral, para profissionais dediversas áreas, como redatores, jornalistas,autores de materialdidático-pedagógico, etc.

Pesquisas futuras

Os resultados da presente pesquisa apontam para a possi bilidade derealização de trabalhos como a investigação das r elações entre o

conteúdo proposicional dos títulos e oconteúdo dos textos, bemcomo oaproveitamento desse conteúdo na leituraApontam, também, para anecessidade de elaboração de uma classificaçãomais rigorosados tipos de títulos, com relação à sua função naconstrução damacroestrutura textual. Um outro ponto importante a ser investigadosão os processos de construção de macroproposições emacroestruturas, bem como o uso das macrorregras. Sãoimpor tantes,ainda, pesquisas para avaliar as causas(inibição/desmoti vação –

redirecionamento dos objetivos) da alteração do pr ocessa- mentoinferencial na presença de perguntas iniciais. Concluindo este trabalho, éinteressante lembrar que a palavra ler, dolatim legere, numa primeira instância, significavacontar , enumerar asletras; em seguida, significava colher e, porúltimo, roubar. A palavratraduz, em sua raiz, três níveis de leitura: 1) aleitura enquantodecodificação ou decifração (a soletração, avocalização de sinaisgráficos, oagrupamento de letras em sílabas e palavras);

2) A leituraenquanto “colheita” , por parte do leitor, do sentido já pronto no texto,demarcado unicamente pelasintenções do autore 3) A leituraenquanto construção do sentido por parte do leitor,namedida em que roubar traz uma ideia de subversão, declandestini dade. Não se rouba algo com oconsentimento do proprietário. Assim, aleitura é, metaforicamente, um roubo por parte doleitor, umaapropriação de um bem (WALTY,1995).E, como diz MicheldeCerteau: “Bem longe de serem escritores, fundadores de um lugar

próprio (...), os leitores são viajantes; eles circulam sobre asterras deoutrem, caçam, furtivamente, comonômades através decampos quenão escreveram.” (CERTEAU, 1990:251)

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CORRÊA 76

ANEXO A

São Paulo – Abro aFolha feliz da vida. É sexta-feira, últimodia de trabalhoantes de uma semana de férias. O bom humor aumenta ao chegar à página 1-5 eao título “Jaten e prova que governo‘escondia’ dinheiro e leva sobras paraSaúde”. Lembro-me de“Spyx Spy”, a melhor das tiras da revista satírica“Mad” . Ogoverno espionando o governo para ver onde ogover no esconde dinheiro dogoverno. Formidável. Se a moda pega, imagineo Sérgio Motta, com aquelecorpinho de miss,escondido atrás dascortinas do Planeamento para ver o

Serracontando o dinheiro dos impostos do dia. Passo para a 1-7 e meu humor se transforma em incontido orgulho cívico.“Planalt o usaFSE para comprargoiabada” , diz o título. Que beleza. Pode nãoser uminvestimento social, mas que é de extremo bom gosto, lá isso é. Aindamais que se trata de goiabada cascão.Só me irrita um pouco o tom crítico do texto. Areportagem diz que o Ministrodas Comunicações comprou tampa de vaso sanitário com dinheiro do FundoSocial de Emergência. Por que acrítica?Há algo demais fundo e de maioremergência do que vaso sanitário?Passo para o caderno 2. Na página 7, está:“BB dribla limite detrês meses nocrédito” . É a informação de que a agência de Brasília do BB financia carros emseis meses, o dobro do prazo permitido pelo Banco Central. Distraído, cabeça meio em férias, penso: banqueiro é fogomesmo. Vive inventando um jeito de passar a perna um no outro. Só depois me lembroque BB e BC são ambos bancos estatais. Deveriam atuar em conjunto e não passar a perna um nooutr o. Já imaginou se o Pérsio Arida, o presidente do BC, resolveespionar , como

Jatene, seus colegas doBB?Ô, Pérsio, se precisar de umamãozinha, meofereço para uma auditoriaindependente na agência da calleSerrano emMadri. Nãoentendo nada de banco, mas Madri é comigomesmo. O estado de espírito feliz sofre um baque ao chegar à coluna domeu ídolo JoséSimão. Estava meio sem-graça ontem. Deve ser o efeito detanta concorrênciadesleal. Zé, cuidado que, nesse ritmo, os homens aindavão tomar o teuemprego.

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NOTA * Este artigo é um resumo da dissertação de mestrado intitulada Processos deleitura:a influência do título naconstrução de macroestruturas textuais, defendida noCurso dePós-Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras daUFMG,em 13 dedezembro de 1996, sob a orientação do Professor Doutor Mike Dillinger.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARSTON,Robyn. Language and cognition. In: NEWMEYER,F. J. (Ed.) Linguistics:the Cambridge survey, v.3: Language: psychological and biological aspects.Cambridge: Cambridge University Press, 1988.CHOMSKY, Noam. Knowledge oflanguage: its nature, origin, and use. NewYork :Praeger Publishers, 1986.CERTEAU,Michel de.L’Ivention du quotidien, I (Arts de faire). Paris: Gallimard,1990.

COSCARELLI,Carla V. A leitura dos elementos coesivosnominais na 1a. Série.Belo Horizonte: Faculdade de Letras daUFMG,1993. (Dissertação, Mestrado emLetras: Estudos Linguísticos).CORACINI,Maria José R. Faria. O título: uma unidade subjetiva(caracterização eaprendizagem). Trabalhos de Linguística Aplicada. Campinas (13), jan./ Jun., 1989. p. 235-254.DELL’ISOLA, Regina Lúcia Péret. Leitura:inferências e contextosócio-cultural. Belo Horizonte: UFMG, 1988.EYSENCK,M. W.,KEANE,M. T. Psicologia cognitiva: um manual introdutório.Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.FODOR, Jerry A. Themodularity of mind. Cambridge, MASS: MIT Press, 1983.GLEASON,J. Berko,RATNER, N. B. (Ed.s) Psycholinguistics. New York:Harcourt Brace Jovanovich, 1993. KLEIMAN,Ângela.Textoe leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas:Pontes, 1989.LABOV, W., VALETSKY,Y. Narrative Analysis: oral versions of personalexperience.

In: HELM,J. (Ed.) Essays on the verbal and visual arts. Seattle:Washington University Press, 1967.LOBATO, Carmen H. M. Hipóteses de leitura: umaexperiência com pr otocoloverbal. In: Congresso de Leitura, 9, 1993. (Mimeogr .).

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LOBATO,Carmen H.M.Leitura no segundo grau: aapropriação como processo

de construção da macroestrutura do texto. Campinas: IEL/Unicamp, 1995.(Dissertação, Mestrado em Linguística Aplicada)MITCHELL,Don C. Reading and syntactic analysis. In:BEECH,J., COLLEY, A.(Ed.s). Cognitiveapproaches reading. New York: John Siley, 1987. p.87-112.RUMELHART,D. E. Schemata: the building blocks of cognition. In: SPIRO etal.(Org.s) Theoretical Issues in ReadingComprehension. New Jersey:L.Erlbaum, 1980. p. 33-58.TERZI, Sylvia B. Aconstrução da leitura: uma experiência com crianças de meios iletrados. Campinas: Pontes, 1995.

VAN DIJK, Teun A., KINTSCH, Walter. Strategies of discourse comprehension. Nova Iorque: Academic Press, 1983.VAN DIJK, Teun A. Estrutura da notícia na imprensa. In:VAN DIJK, T.Discurso, cognição, interação. São Paulo: Contexto, 1992a. p.158-181.VAN EEMEREN,T. A., GROOTENDORST, R. Speech acts inar gumentativediscussions. Dordrecht: Fons, 1984.WALTY,Ivete Lara Camargos. Os sentidos da leitura. Presença pedagógica. BeloHorizonte: Dimensão, v.1, n. 4, jul./ago., 1995. p.26-33.WINGFIELD,A. Sentence processing. In: BERKOGLEASON,J., RATNER, N.B. (Eds.) Psycholinguistics. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1993. P.200-235.