Modelos Contemporâneos de Análise de Políticas Públicas Na França. VCdoc
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Modelos Contemporâneos de Análise de Políticas Públicas na França: análise
sequencial, analise cognitiva, análise de redes
RESUMO
Este artigo tem por objetivo mapear alguns dos principais modelos contemporâneos
de analise de politicas públicas, expor seus conceitos e categorias de analise, bem
como contribuições e criticas. Respaldou-se em pesquisa bibliográfica. Os
resultados mostraram que os modelos de análise basearam-se principalmente em
dois grandes esquemas analíticos: i)análise sistêmica e sequencial e ii) análise
estratégica. O primeiro parte do voluntarismo politico da ação do Estado para
resolver problemas e conduzir a mudança social; o segundo, de base incremental,
percebe a ação publica como uma ação situada historicamente no âmbito das
politicas precedentes, sendo por elas influenciada e com menor capacidade de
conduzir mudanças. A analise sequencial ainda é predominante sendo amplamente
utilizada pela analise cognitiva, que considera as representações sociais e a relação
global/setorial como categorias analíticas. A análise de redes se destaca na
construção de tipologias e pode situar-se em um dos dois esquemas de análise
destacados. As politicas publicas tornam-se mais complexas e utilizam-se cada vez
mais de modelos analiticos combinados.
Palavras Chave: Politicas Publica; Análise Sequencial e Sistêmica, Análise cognitiva;
Análise de Redes
1. Introdução
A analise de politicas publicas na França está intrinsicamente relacionada
com o desenvolvimento cientifico do estado da arte da policy analisis, originada nos
Estados Unidos, da qual recebeu forte influência. De carater multidisciplinar essa
análise beneficiou-se do aporte de varias disciplinas como sociologia politica,
economia, ciencia politica, ciências de gestão, psicologia, geografia, urbanismo,
entre outras, e manteve-se em interação constante com as teorias do Estado, a
sociologia do poder e os estudos sobre politicas publicas dirigidos para a “ajuda a
1
ação” tais como: otimização de despesas publicas, dificuldades e oportunidades de
ação, mediação e conflito (Gaudin, 1994).
O conhecimento sobre a análise de politicas públicas produzido nesse país foi
fortemente baseado nas teorias do Estado devido ao papel central do Estado
francês, diferente do observado no Estado americano. As abordagens ou modelos
de análise utilizaram-se de conceitos que constituem o que os estudiosos do tema
denominam uma “boite à outils”(caixa de ferramentas )para elucidar a ação estatal.
Conceitos como os de ator, poder, estratégia, expertise, entre outros, vem
contribuindo para uma visão sociológica do Estado(Muller,2003), visto nesse caso
de baixo e detalhadamente a partir de sua ação, a exemplo das obras “ Estado em
Concreto” de Padioleau(1982) e do “ Estado em Ação” de Bruno Jobert e Pierre
Muller(1987).
Este trabalho tem como objetivo mapear alguns dos principais modelos
contemporâneos de analise de politicas públicas, expor seus conceitos e categorias
de analise bem como contribuições e criticas. A escolha dos modelos concebidos
para análise de politicas setoriais , refere-se a três principais dominios disciplinares:
sociologia politica, gestão pública(management) e ciência politica. Esse artigo foi
baseado em parte da revisão bibliográfica efetuada no âmbito de um pós-
doutoramento no exterior apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico-CNPq.
2- Análise Sequencial e Análise Estratégica
Dois principais esquemas de analise de politicas públicas podem ser
ressaltados : “a análise sequencial” e a “análise estratégica”.
A “análise sequencial” respalda-se em um recorte “ideal-tipo” do processo de
elaboração e implementação de uma política pública em relação as suas etapas ou
fases. Mesmo que a ordem das etapas não seja sempre seguida, esse recorte
permite dar uma visão sinóptica de conjunto e esclarecer o processo de cada fase,
subdividida em múltiplas operações (Braud, 2006). Esse esquema parte do
voluntarismo politico da ação do Estado para resolver os problemas da sociedade,
que guia o processo e lhe permite o exercício do poder discricionário na tomada da
decisão, bem como na sua implementação.
2
A “análise estratégica” parte do princípio que uma politica pública nova
aparece em um espaço de escolha muito limitado. O modelo incrementalista
concebido por Charles Lindblom percebe a ação pública como uma ação que se
desenvolve tendo por base de partida as politicas precedentes, ou seja, as politicas
anteriormente seguidas e podem contribuir com a expansão ou constituir um
obstáculo ou desaceleração das novas políticas. O principal campo de aplicação
desse modelo foi a política orçamentária(Braud, 2006).
Os modelos de analise abaixo listados podem ser classificados, de um modo
geral,nos dois esquemas acima apresentados. Os dois primeiros : A)Modelo de
analise sistêmica de politicas publicas e B)Modelo de analise cognitiva de politicas
publicas podem ser classificados na análise sequencial. O modelo de redes(c)
dependendo da corrente pode ser incluido em uma ou outra categoria. As
caracteristicas mais gerais de cada modelo foram sintetizadas no Quadro 1:
Quadro 1 Modelos de Análise de Políticas Públicas
Caracteristicas/
Especificações
Analise Sistêmica
de Pol.Publicas
Analise Cognitiva
de Pol. Publicas
Analise de
Redes
Abordagem Holista Holista Individualismo met./
Holismo
Método
Dedutivo Dedutivo Indutivo
Pesquisa Empirica e
Qualitativa
Empirica e
Qualitativa
Empirica e
Qualitativa
Nivel de Análise Macrológico Macrológico e
Mesológico
Mesológico e
Micrologico
Tipo de Analise Sequencial e
Sistêmica
Cognitiva Estratégica
Entrada no Objeto
de Estudo
Politica
Publica(Fases)
Pol. Pub.
(prod. da politica)
Org. e Ações dos
Atores sociais
Unidades de Base
de Análise
Inputs, Outputs,
Outcomes
Referencial;
Mediadores
Setor
Atores Sociais
Objetivo visado Explicação
Sistêmica da
politica publica
Gênese e
Transformação da
Politica Publica
Apreensão das rel.
entre organiz. e
grupos de interesse
.
Fonte: Elaboração própria a partir principalmente das seguintes fontes: BOUSSAGUET, Laurie et alli. Dictionnaire des Politiques Publiques. Paris, Presses de Science Po, 2006 ; BRAUD, Philippe, Sociologie Politique, Paris, LGDJ,
3
2006 ; BRAUD, Philippe, La Science Politique, Paris, Presses Universitaires de France, 2007 ; FAURE , Alain et alli (orgs), La Construction du Sens dans les Politiques Publiques, Débats autour du référentiel, Paris, L’Harmattan,1995 ; LE GALÈS et THATCHER Mark (direction) Les Réseaux de Politique Publique, Débat autour des policy networks, Paris, L’Harmattan, 1995 ; MUSSELIN, Sociologie de l’Action Organisée et analyse des politiques publiques : deux approches pour un même objet ? in « Revue Française de Science Politique », vol 55, n.1, Février 2005 ; THIETART Raymond-Alain et coll., Méthodes de Recherche en Management, Paris, Dunod, 2007;
A) Modelo de Analise Sistêmica e Sequencial de Politicas Publicas
A Análise Sistêmica de Politicas Publicas refere-se mais a um método de
análise que propriamente a um modelo, pois tem sido utilizada por diferentes
abordagens teorico-metodológicas vinculadas a disciplinas diversas.
Esse método de análise está fundamentado em um processo sequencial de
ação (etapas ou fases) no qual toda politica pode ser dividida ,enquanto ideal-tipo
(Jacquot, in Boussoguet,2006) . Cada fase da politica se baseia em um sistema de
ação especifico, integrado por atores(governamentais ou não, grupos de interesses,
entre outros ), que estabelecem relações e interações.
Baseada no sistemismo de David Easton, a politica pode ser descrita de
forma simplificada como um sistema de atividades dinâmicas interligadas umas as
outras, que influenciam “a alocaçao autoritária de recursos”. Todavia, esse sistema
se relaciona com o seu meio, os inputs que os alimenta. Esses inputs são
compostos por duas categorias: as demandas(demandes) e as respostas (soutiens).
As demandas, constituem as expectativas e as exigências relacionadas com a
segurança ou o patrimônio, por exemplo. As respostas – soutiens, são ações
favoráveis as escolhas feitas ou disposições que legitimam o sistema politico, bem
como seus dirigentes. A saída do sistema encontram-se os outputs, resultantes da
ação produtiva: são leis, regulamentos, politicas públicas. Os outputs exercem o
feedback sobre demandas e expectativas, atendendo-as ou contribuindo para
exarcebá-las. A capacidade de adaptação ao meio é um aspecto fundamental. Essa
teoria considera a sociedade como um sistema complexo de agenciamento de
papéis e não como um conjunto de individuos, atores dos seus destinos
(Braud,2007, p.103-105).
A.1) Etapas da Política Pública
O método sequencial ou processual foi introduzido por Harold D. Laswell em
1956, o qual dividiu a politica num conjunto de fenômenos, desenvolvidos em uma
4
sequência temporal. Todavia, esse método ficou conhecido a partir do manual de
Jones(1970): “An Introduction to the study of public policy”no qual o processo
politico foi dividido em cinco etapas : 1)Identificação do problema;
2)Desenvolvimento do programa ou da politica; 3)Implementação da politica;
4)Avaliação da politica e; 5) Finalização do programa. Esse método de analise não
está atrelado a uma corrente teorica especifica(Jacquot,in Boussoguet, 2006), mas
permitiu o desenvolvimento de um amplo elenco de pesquisas, algumas
interessadas no conjunto dos processos, outras em processos especificos como a
formação da agenda, a implementação e a avaliação.
A.2) Contribuições e Criticas
Muller(2003, p.26) observou que a politica publica se apresenta mais como
uma sequencia de etapas paralelas que de etapas sucessivas. A principal critica
refere-se a linearidade do processo. Sabe-se que as etapas nem sempre se
sucedem no tempo, pelo contrario, por vezes algumas são suprimidas ou ocorrem
numa ordem invertida, 1ou ainda apresentam-se paralelas em interações
retroalimentando-se constantemente.
Apesar do carater heuristico e didatico desse método, que permite uma
compreensão integrada dos processos que compõem a politica publica, pelo menos
num ideal-tipo, esse método foi muito criticado nos anos 1980, principalmente pelo
seu carater simplificador. Todavia tem sido objeto de ampla utilização no fim dos
anos 1990 por estudos comparativos(Jacquot, 2006).
Esse modelo tem sido acusado de a-histórico, principalmente pelos
partidários do modelo incremental, que partem do principio de que as politicas
públicas não acontecem no vazio, mas se sucedem historicamente, dão
continuidade as politicas anteriores ou são influenciadas pelo sucesso ou fracasso
daquelas que lhes precederam.
1 Algumas decisões são tomadas antes mesmo do problema seja posto devido a compromissos de campanha firmados por candidatos com empresarios entre outros agentes.
5
B) Analise Cognitiva de Políticas Públicas
Essa abordagem destaca a função cognitiva da ação pública. Parte do
princípio de que a ação publica se organiza em torno de quadros(frames) que
constituem o universo cognitivo dos atores e apresentam uma certa estabilidade.
Verifica-se a existência de “cartas mentais” através das quais os atores de uma
politica pública percebem e então constroem o real, eliminando certos elementos e
selecionando outros (Muller,2003,p. 61). Pode ser classificada como uma
abordagem neo-institucionalista, visto que as instituições contribuem para dar forma
ao sentido que os atores atribuem as suas ações.
A analise cognitiva de politicas publicas teve sua origem nos trabalhos de
Lucien Nizard e Yves Barel, que dirigiram uma equipe de pesquisa sobre a
planificação francesa e os sistema de reprodução social nos anos 1970, em
Grenoble-França. Nizard analisou a função socializadora da planificação numa
perspectiva renovada de politicas publicas, na qual o que estava em jogo não era a
decisão, aspecto de importância vital naquele momento, mas a definição de critérios
a partir dos quais os diferentes atores sociais , publicos ou privados, definiam as
suas orientações . Coube a planificação difundir uma mesma visão de futuro da
sociedade, contribuindo para reduzir o grau de incompatibilidade dos projetos
perseguidos pelos atores autônomos(JOBERT, 1995).
Estavam vinculadas a citada equipe de Grenoble os pesquisadores então
iniciantes: Bruno Jobert et Pierre Muller, entre outros. O primeiro dedicou-se a
analise da planificação urbana, seguido da planificação social, enquanto que o
segundo dirigiu-se mais especificamente à analise da mudança da politica agricola.
O livro “Estado em Ação”, escrito por ambos em 1987, introduziu as noções chaves
dessa analise cognitiva como os conceitos de referencial , mediadores, relação
global X setorial. Noções essas que vêm sendo debatidas e esclarecidas em
publicações e seminarios ocorridos desde então.
“O Estado em Ação”(L’Etat en Action), segundo a definição dada pelos
autores Jobert e Muller (1987, p.10) é “um estado cujo funcionamento é estruturado
em torno da condução das políticas públicas... todavia, o que o Estado deixa ver
dele mesmo se distingue muito do que o Estado faz.” Isso se deve às complexidades
e ambigüidades que marcam a ação estatal, e à preocupação constante com a
comunicação que se faz da sua imagem e ação. A abordagem desses autores
6
postulam a existência de incoerências, ambigüidades e incertezas em todos os
estados da ação pública.
B.1) Delineamento conceitual
“ As politicas públicas não são somente espaços onde se afrontam os
atores em função dos seus interesses, mas elas são também o lugar onde
uma dada sociedade ‘constroi sua relação com o mundo’ e então as
representações que ela se dá para compreender e agir sobre o real tal qual
ele é percebido”( Muller, Pierre in Boussaguet, Laurie, Jacquot Sophie et
Ravinet, Pauline, 2006, p. 372).
Cada politica passa pela definição de objetivos que partem de uma
representação do problema , de suas consequências, e das soluções almejadas
para resolvê-lo. A definição de uma politica pública se apoia sobre uma
representação da realidade que constitui o referencial dessa politica:
...”o referencial de uma política é constituído de um conjunto de
prescrições que dão sentido a um programa político definindo critérios
de escolha e modos de designação dos objetivos. Trata-se a cada vez
de um processo cognitivo permitindo compreender o real, limitando sua
complexidade e um processo prescritivo permitindo de agir sobre o
real.”(Muller, 2003, p. 63)
A percepção de mundo enquanto estrutura de sentido é apreendida pelo
referencial, que articula quatro níveis, ou seja: os valores, as normas, os algoritmos
e as imagens (Muller, 2003,p. 64):
Os valores são as representações sobre o bem e o mal, o que deve
ser desejável ou rejeitado;
As normas estabelecem os desajustes ou as distorções entre o que é
percebido e o que é desejável, referem-se aos princípios da ação;
Os algoritmos são relações causais que expressão uma teoria de ação
do tipo” se... então”.
As imagens conduzem imediatamente ao sentido, são frases curtas de
forte apelo cognitivo.
Toda política se decompõe em varios processos fundamentais e constitui:
7
1) uma tentativa de gerir o lugar, o papel e a função do setor tratado em
relação à sociedade global ou em relação a outros setores;
2)a relação global/setorial (RGS) - se dá em função de uma imagem que
seus atores fazem. É a representação desta relação, “referencial de uma política
pública”, que designa o conjunto de normas ou imagens de referência a partir da
qual são definidos critérios de intervenção do Estado, bem como os objetivos da
política pública.
A politica publica se apresenta em geral, numa perspectiva setorial e pode ser
decomposta nos seus principais atores, ações, decisões, influências ideológicas e
cognitivas que nela repercutem. Ademais, a politica publica não serve apenas para
resolver problemas, mas também para expressar uma “visão de mundo” dos atores
envolvidos com a politica, ou seja uma percepção do real e uma projeção sobre o
futuro, “o que o mundo deveria ser”(Muller, 2000,p. 195). Identifica-se com a
abordagem neo-institucionalista segundo a qual as instituições devem ser
apreendidas como quadros de interpretação do mundo( Muller, 2000).
B.2 Contribuição e Criticas
A analise cognitiva de politicas publicas ajuda à compreensão da gênese e
da transformação da política setorial em seus diversos momentos, desde o
surgimento, ou seja, a emergência de um problema como objeto de política pública,
que constitui uma construção social que se apresenta na sociedade (emerge), se
difunde, e passa a exigir uma solução sob a forma da entrada do problema na
agenda política. Todavia, a aplicação de suas categorias de analise ao estudo de
algumas politicas setoriais tem revelado dificuldades e inadequações( Faure, Pollet e
Warin,1995), exigindo maior precisão conceitual e metodologica para respaldar a
construção de hipoteses e assim, dar suporte a novas pesquisa utilizando-se dessa
abordagem.
Todavia, novas dificuldades foram postas a tarefa em razão do momento
histórico atual, no qual multiplicam-se os atores envolvidos nas políticas públicas,
devido a diversos fatores como: a descentralização do Estado, redução das
fronteiras entre o público e o privado, maior relevância dos atores externos
“transnacionais”, sistemas de decisão mais complexos e interdependentes dos
sistemas de informações( Muller ,2003). Juntam-se a esses aspectos, a tendência
8
atual de adoção de políticas transversais, com processos que perpassam várias
políticas setoriais, bem como espaços de concertação supranacionais, como é o
caso das politicas publicas discutidas e definidas no âmbito da Comunidade
Européia .
C) Redes de Acão Publica (Policy Networks)
O conceito de rêdes de ação publica abrange diferentes definições e
utilizações também diversas. De acordo com Le Galés(1995,p. 14) a definição mais
adotada no estudo das políticas públicas é a seguinte: “Em um meio ambiente
complexo, as redes são o resultado da cooperação mais ou menos estavel, não
hierarquica, entre organizações que se conhecem, e se reconhecem, negociam,
trocam recursos e podem dividir normas e interesses. Essas redes desempenham
um papel determinante na formação da agenda, na decisão e na implantação da
ação pública”.
A analise de redes parte do principio que o Estado mudou e não detêm mais
sozinho a capacidade de definir e implementar as políticas públicas. Há uma
multiplicidade de atores envolvidos, o que conduziu as ciências sociais a analisar as
organizações bem como a ação pública utilizando-se da expressão “ação
coletiva”(Le Galès,in Le Galès et Thatcher,1995,p. 57). Nesse sentido a analise em
termos de redes contribui para a análise da ação pública e das interações entre os
varios componentes do Estado e os grupos de interesse.
E importante destacar que essa analise veio preencher uma lacuna, a
conciliação da compreensão do Estado ao mesmo tempo unitario e diverso. Esse
aspecto tornou-se mais presente com as necessidades advindas das mudanças
observadas nos modos de governo e na coordenação da ação publica.
A idéia de rede de ação pública surgida na Grã Bretanha, tem sido utilizada
nos Estados Unidos desde os anos 1950 e 1960 com a conotação de governo de
nivel intermediário(sub-gouvernement). “Os governos de nivel intermediário são
considerados como grupos de pessoas tomando decisões de rotina em domínios
políticos específicos” (Grossman e Saurugger, 2006, p.72). Nesse sentido,
interesses privados podem se sobressair e dominar agências do governo que podem
passar a representá-los e assim influenciar a agenda do governo a seu favor. A
concepção de Lowi (1969) sublinhou a natureza dessas relações nos Estados
9
Unidos utilizando-se para tanto da metáfora do “trângulo de ferro”, composto pela
agência central do governo, a comissão do congresso e os grupos de interesses.
Essa concepção foi criticada e substituída pela concepção pluralista de redes
temáticas abertas(Heclo, Mc Farland, 1987apud Rhodes et Marsh, 1995).
Rhodes e Marsh(in Le Galès et Thatcher, 1995) utilizam o conceito de redes
como um conceito méso2, enquanto modelo de intermediação de grupos de
interesse. Existem varios outros modelos de intermediação de interesses como os
modelos pluralista e o corporativista.
A contribuição de Rhodes(1995) tem sido amplamente utilizada, inclusive devido a
construção de uma tipologia de redes de ação publica. Ele retoma a definição de
Benson, 1982, p.148. Segunda sua definição :
“ a rede de ação publica é um grupamento ou um complexo de
organizações ligadas umas as outras pelas suas dependências em
relação aos recursos, e cujas distinções dos outros grupamentos e
complexos se devem as diferenças nas estruturas dessas
dependências. As mais integradas são as comunidades de politicas
públicas, as menos integradas são as redes temáticas”. Cinco tipos de
redes foram classificadas segunda a integração e o número de seus
membros, conforme Quadro 2.
2 Os autores entendem por nivel micro de analise aquele que se refere ao papel dos interesses e do governo no quadro de decisões politicas particulares e por nivel macro o interesse por questões mais abrangentes como a distribuição de poder na sociedade contemporânea.
10
Quadro 2 Tipologia de Redes de Politicas Públicas – Modelo de Rhodes
Tipo de Rede Caracteristicas
Comunidade de Politica Publica/
Comunidade Territorial
Estabilidade, membros muito fortemente
selecionados, interdependência vertical,
articulação horizontal limitada. EX: interesses
setoriais, o setor de Educação ou interesses
territoriais
Rede Profissional Estabilidade, membros muito fortemente
selecionados, interdependência vertical,
articulação horizontal limitada, serve aos
interesses da profissão. EX: O Serviço de
Saúde Pública.
Rede Intergovernamental Numero de membros limitados,
interdependência vertical limitada, articulação
horizontal importante. EX: organizações
representativas de autoridades locais.
Rede de Produtores Numero de membros flutuante,
interdepêndencia vertical limitada. Serve aos
interesses dos produtores.EX: proeminência
dos interesses econômicos.
Rede Tematica Numero de membros importante e em
flutuação, interdependência vertical ilimitada,
estrutura atomizada.
Fonte: Rhodes, Marsh et 1995, Les Réseaux d’Action Publique en Grande-Bretagne Modelo de Rhodes, Rhodes e Marsh “ As Redes de Ação Publica na Grã Bretanha”p. 44.
C.1) “Comunidades Epistêmicas” e “Coalisões de Causa”
A analise de redes tem evoluido nas duas ultimas décadas. Nos anos
noventa destacaram-se duas abordagens: “ comunidades epistemicas”
(communautés epistemiques) e “coalisões de causa” (advocacy coalition
frameworks-ACF). A primeira é uma rêde de profissionais com competência
reconhecida em um dominio particular e cujo conhecimento politico nesse
dominio é reivindicado, pode reunir profissionais de disciplinas e de origens
diversas, que compartilham de uma mesma crença sobre normas e principios
bem como sobre a natureza dos problemas e as soluções almejadas, as
11
mesmas noções de validade intersubjetivas sobre o conhecimento e uma
mesma iniciativa politica(Haas,1992 apud Grossmann, Saurugger, 2006,
p.75). A segunda apresenta similaridade com o de comunidade epistêmica no
sentido que “as coalisões de causa” tratam de subsistemas de politicas
públicas no âmbito de um sistema politico mais amplo. Esses subsistemas
são constituidos por atores heterogêneos(agencias do governos,
legisladores, líderes de grupos de interesses, pesquisadores, jornalistas, entre
outros), organizados em coalisões de defesa de uma causa. Observam-se
uma ou várias configurações (coalisões) de atores agindo em concertação
para traduzir suas crenças comuns em políticas públicas específicas. Elas
buscam explicar as mudanças nas politicas públicas em um horizonte de
tempo longo, dez anos ou mais. Essa abordagem está baseada na análise de
sistemas e considera os recursos e objeções dos atores bem como a
influência dos eventos exteriores no subsistema de politicas públicas.
C.2) Contribuições e Críticas
A analise de redes pode ser combinada a diferentes correntes teóricas
do Estado, embora esse tipo de analise esteja mais presente nas diversas
modalidades de pluralismo3( Rhodes e Mash,1995).
O conceito de redes foi utilizado em diferentes niveis de analise, no
nivel micro das relações interpessoais; no nivel meso das relações entre
grupos de interesse e governo, e no nivel macro dos modelos de relação
entre Estado e sociedade (Rhodes e Mash,1995,p.36).
A análise de redes da ação publica revelou inconsistência metodológica tal
como como a definição das fronteiras entre as redes. Outro problema refere-se a
pertinência, as mudanças, bem como a influência dessas redes nas politicas
públicas (Le Galès, 1995, Grossmann e Saurugger, 2006).
3 Segundo Grossmann e Saurugger(2006, p.58-61) o pluralismo é historicamente a primeira abordagem que trata da relação entre o Estado e os grupos As suas origens datam do século XVIII, mas foi depois da segunda guerra mundial que essa abordagem destacou-se e tornou-se preponderante. Nos Estados Unidos o pluralismo apresenta uma visão da sociedade fundada sobre os grupos, estando o Estado subordinado a competição entre esses grupos. Essa visão está baseada em dois principais principios: 1)os grupos são egoistas e incapazes de pensar o bem público ; 2)O poder politico é disperso em uma sociedade democrática moderna e a dominação duravel de um grupo é impedida pela emergência de novos contra poderes, ou seja grupos opostos ao grupo dominante. Quando os interesses são ameaçados novos grupos se mobilizam, isso constitui um certo equilibrio do tipo “mão invisivel” conhecido pela expressão ”checks and balances”.
12
Alguns autores são extremamente críticos acerca dessa abordagem, tal como
Lowi(1969) que observou que as redes excluem o público, destruindo a
responsabilidade politica criando assim oligarquias de privilegiados e favorecendo
as elites.
Tendo em vista a organização cada vez mais acentuada de grupos de
interesse que ultrapassam inclusive as fronteiras nacionais, os estudos e pesquisas
aprofundando esse tipo de abordagem para a compreensão da ação publica parece
atual e extremamente pertinente.
3- Considerações Finais
O destaque dado aos três modelos de análise de politicas públicas permitiu
observar que os quadros analiticos podem ser combinados e complementados.
O aporte heurístico do modelo sistêmico e sequencial de politicas públicas
ainda é marcante, mesmo que se reconheça o carater não linear das etapas que
compõem a politica pública. As retroalimentações e feedbacks entre as etapas, bem
como a supressão de algumas delas, têm sido amplamente discutidos e aceitos
pelos autores e já podem ser incorporados como aperfeiçoamentos a esse modelo.
A importância do conhecimento dos aspectos cognitivos (valores, idéias,
visões de mundo) bem como das instituições e normas que integram as ações
públicas ganharam destaque e importância, tanto na análise cognitiva como na
constituição de tipologias no âmbito da análise de redes.
A compreensão dos setores de ação pública bem como dos atores sociais,
suas articulações e estratégias são elementos essenciais a compreensão da ação
pública na atualidade, a qual é cada vez mais percebida como uma correlação de
forças sociais, nem sempre estatais.
Os modelos aqui mapeados e descritos permitiram, todavia, sublinhar, que a
“boite a outil” das politicas públicas têm se densificado pela pluralidade de
conceitos, categorias de análise e abordagens num contexto de complexidade
crescente das relações e interações politicas, econômicas e sociais, com redefinição
do Estado e das fronteiras entre o público e o privado.
13
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