Modelos Contemporâneos de Análise de Políticas Públicas Na França. VCdoc

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Modelos Contemporâneos de Análise de Políticas Públicas na França: análise sequencial, analise cognitiva, análise de redes RESUMO Este artigo tem por objetivo mapear alguns dos principais modelos contemporâneos de analise de politicas públicas, expor seus conceitos e categorias de analise, bem como contribuições e criticas. Respaldou-se em pesquisa bibliográfica. Os resultados mostraram que os modelos de análise basearam-se principalmente em dois grandes esquemas analíticos: i)análise sistêmica e sequencial e ii) análise estratégica. O primeiro parte do voluntarismo politico da ação do Estado para resolver problemas e conduzir a mudança social; o segundo, de base incremental, percebe a ação publica como uma ação situada historicamente no âmbito das politicas precedentes, sendo por elas influenciada e com menor capacidade de conduzir mudanças. A analise sequencial ainda é predominante sendo amplamente utilizada pela analise cognitiva, que considera as representações sociais e a relação global/setorial como categorias analíticas. A análise de redes se destaca na construção de tipologias e pode situar-se em um dos dois esquemas de análise destacados. As politicas publicas tornam-se mais complexas e utilizam-se cada vez mais de modelos analiticos combinados. Palavras Chave: Politicas Publica; Análise Sequencial e Sistêmica, Análise cognitiva; Análise de Redes 1

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Modelos Contemporâneos de Análise de Políticas Públicas na França: análise

sequencial, analise cognitiva, análise de redes

RESUMO

Este artigo tem por objetivo mapear alguns dos principais modelos contemporâneos

de analise de politicas públicas, expor seus conceitos e categorias de analise, bem

como contribuições e criticas. Respaldou-se em pesquisa bibliográfica. Os

resultados mostraram que os modelos de análise basearam-se principalmente em

dois grandes esquemas analíticos: i)análise sistêmica e sequencial e ii) análise

estratégica. O primeiro parte do voluntarismo politico da ação do Estado para

resolver problemas e conduzir a mudança social; o segundo, de base incremental,

percebe a ação publica como uma ação situada historicamente no âmbito das

politicas precedentes, sendo por elas influenciada e com menor capacidade de

conduzir mudanças. A analise sequencial ainda é predominante sendo amplamente

utilizada pela analise cognitiva, que considera as representações sociais e a relação

global/setorial como categorias analíticas. A análise de redes se destaca na

construção de tipologias e pode situar-se em um dos dois esquemas de análise

destacados. As politicas publicas tornam-se mais complexas e utilizam-se cada vez

mais de modelos analiticos combinados.

Palavras Chave: Politicas Publica; Análise Sequencial e Sistêmica, Análise cognitiva;

Análise de Redes

1. Introdução

A analise de politicas publicas na França está intrinsicamente relacionada

com o desenvolvimento cientifico do estado da arte da policy analisis, originada nos

Estados Unidos, da qual recebeu forte influência. De carater multidisciplinar essa

análise beneficiou-se do aporte de varias disciplinas como sociologia politica,

economia, ciencia politica, ciências de gestão, psicologia, geografia, urbanismo,

entre outras, e manteve-se em interação constante com as teorias do Estado, a

sociologia do poder e os estudos sobre politicas publicas dirigidos para a “ajuda a

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ação” tais como: otimização de despesas publicas, dificuldades e oportunidades de

ação, mediação e conflito (Gaudin, 1994).

O conhecimento sobre a análise de politicas públicas produzido nesse país foi

fortemente baseado nas teorias do Estado devido ao papel central do Estado

francês, diferente do observado no Estado americano. As abordagens ou modelos

de análise utilizaram-se de conceitos que constituem o que os estudiosos do tema

denominam uma “boite à outils”(caixa de ferramentas )para elucidar a ação estatal.

Conceitos como os de ator, poder, estratégia, expertise, entre outros, vem

contribuindo para uma visão sociológica do Estado(Muller,2003), visto nesse caso

de baixo e detalhadamente a partir de sua ação, a exemplo das obras “ Estado em

Concreto” de Padioleau(1982) e do “ Estado em Ação” de Bruno Jobert e Pierre

Muller(1987).

Este trabalho tem como objetivo mapear alguns dos principais modelos

contemporâneos de analise de politicas públicas, expor seus conceitos e categorias

de analise bem como contribuições e criticas. A escolha dos modelos concebidos

para análise de politicas setoriais , refere-se a três principais dominios disciplinares:

sociologia politica, gestão pública(management) e ciência politica. Esse artigo foi

baseado em parte da revisão bibliográfica efetuada no âmbito de um pós-

doutoramento no exterior apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico-CNPq.

2- Análise Sequencial e Análise Estratégica

Dois principais esquemas de analise de politicas públicas podem ser

ressaltados : “a análise sequencial” e a “análise estratégica”.

A “análise sequencial” respalda-se em um recorte “ideal-tipo” do processo de

elaboração e implementação de uma política pública em relação as suas etapas ou

fases. Mesmo que a ordem das etapas não seja sempre seguida, esse recorte

permite dar uma visão sinóptica de conjunto e esclarecer o processo de cada fase,

subdividida em múltiplas operações (Braud, 2006). Esse esquema parte do

voluntarismo politico da ação do Estado para resolver os problemas da sociedade,

que guia o processo e lhe permite o exercício do poder discricionário na tomada da

decisão, bem como na sua implementação.

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A “análise estratégica” parte do princípio que uma politica pública nova

aparece em um espaço de escolha muito limitado. O modelo incrementalista

concebido por Charles Lindblom percebe a ação pública como uma ação que se

desenvolve tendo por base de partida as politicas precedentes, ou seja, as politicas

anteriormente seguidas e podem contribuir com a expansão ou constituir um

obstáculo ou desaceleração das novas políticas. O principal campo de aplicação

desse modelo foi a política orçamentária(Braud, 2006).

Os modelos de analise abaixo listados podem ser classificados, de um modo

geral,nos dois esquemas acima apresentados. Os dois primeiros : A)Modelo de

analise sistêmica de politicas publicas e B)Modelo de analise cognitiva de politicas

publicas podem ser classificados na análise sequencial. O modelo de redes(c)

dependendo da corrente pode ser incluido em uma ou outra categoria. As

caracteristicas mais gerais de cada modelo foram sintetizadas no Quadro 1:

Quadro 1 Modelos de Análise de Políticas Públicas

Caracteristicas/

Especificações

Analise Sistêmica

de Pol.Publicas

Analise Cognitiva

de Pol. Publicas

Analise de

Redes

Abordagem Holista Holista Individualismo met./

Holismo

Método

Dedutivo Dedutivo Indutivo

Pesquisa Empirica e

Qualitativa

Empirica e

Qualitativa

Empirica e

Qualitativa

Nivel de Análise Macrológico Macrológico e

Mesológico

Mesológico e

Micrologico

Tipo de Analise Sequencial e

Sistêmica

Cognitiva Estratégica

Entrada no Objeto

de Estudo

Politica

Publica(Fases)

Pol. Pub.

(prod. da politica)

Org. e Ações dos

Atores sociais

Unidades de Base

de Análise

Inputs, Outputs,

Outcomes

Referencial;

Mediadores

Setor

Atores Sociais

Objetivo visado Explicação

Sistêmica da

politica publica

Gênese e

Transformação da

Politica Publica

Apreensão das rel.

entre organiz. e

grupos de interesse

.

Fonte: Elaboração própria a partir principalmente das seguintes fontes: BOUSSAGUET, Laurie et alli. Dictionnaire des Politiques Publiques. Paris, Presses de Science Po, 2006 ; BRAUD, Philippe, Sociologie Politique, Paris, LGDJ,

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2006 ; BRAUD, Philippe, La Science Politique, Paris, Presses Universitaires de France, 2007 ; FAURE , Alain et alli (orgs), La Construction du Sens dans les Politiques Publiques, Débats autour du référentiel, Paris, L’Harmattan,1995 ; LE GALÈS et THATCHER Mark (direction) Les Réseaux de Politique Publique, Débat autour des policy networks, Paris, L’Harmattan, 1995 ; MUSSELIN, Sociologie de l’Action Organisée et analyse des politiques publiques : deux approches pour un même objet ? in « Revue Française de Science Politique », vol 55, n.1, Février 2005 ; THIETART Raymond-Alain et coll., Méthodes de Recherche en Management, Paris, Dunod, 2007;

A) Modelo de Analise Sistêmica e Sequencial de Politicas Publicas

A Análise Sistêmica de Politicas Publicas refere-se mais a um método de

análise que propriamente a um modelo, pois tem sido utilizada por diferentes

abordagens teorico-metodológicas vinculadas a disciplinas diversas.

Esse método de análise está fundamentado em um processo sequencial de

ação (etapas ou fases) no qual toda politica pode ser dividida ,enquanto ideal-tipo

(Jacquot, in Boussoguet,2006) . Cada fase da politica se baseia em um sistema de

ação especifico, integrado por atores(governamentais ou não, grupos de interesses,

entre outros ), que estabelecem relações e interações.

Baseada no sistemismo de David Easton, a politica pode ser descrita de

forma simplificada como um sistema de atividades dinâmicas interligadas umas as

outras, que influenciam “a alocaçao autoritária de recursos”. Todavia, esse sistema

se relaciona com o seu meio, os inputs que os alimenta. Esses inputs são

compostos por duas categorias: as demandas(demandes) e as respostas (soutiens).

As demandas, constituem as expectativas e as exigências relacionadas com a

segurança ou o patrimônio, por exemplo. As respostas – soutiens, são ações

favoráveis as escolhas feitas ou disposições que legitimam o sistema politico, bem

como seus dirigentes. A saída do sistema encontram-se os outputs, resultantes da

ação produtiva: são leis, regulamentos, politicas públicas. Os outputs exercem o

feedback sobre demandas e expectativas, atendendo-as ou contribuindo para

exarcebá-las. A capacidade de adaptação ao meio é um aspecto fundamental. Essa

teoria considera a sociedade como um sistema complexo de agenciamento de

papéis e não como um conjunto de individuos, atores dos seus destinos

(Braud,2007, p.103-105).

A.1) Etapas da Política Pública

O método sequencial ou processual foi introduzido por Harold D. Laswell em

1956, o qual dividiu a politica num conjunto de fenômenos, desenvolvidos em uma

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sequência temporal. Todavia, esse método ficou conhecido a partir do manual de

Jones(1970): “An Introduction to the study of public policy”no qual o processo

politico foi dividido em cinco etapas : 1)Identificação do problema;

2)Desenvolvimento do programa ou da politica; 3)Implementação da politica;

4)Avaliação da politica e; 5) Finalização do programa. Esse método de analise não

está atrelado a uma corrente teorica especifica(Jacquot,in Boussoguet, 2006), mas

permitiu o desenvolvimento de um amplo elenco de pesquisas, algumas

interessadas no conjunto dos processos, outras em processos especificos como a

formação da agenda, a implementação e a avaliação.

A.2) Contribuições e Criticas

Muller(2003, p.26) observou que a politica publica se apresenta mais como

uma sequencia de etapas paralelas que de etapas sucessivas. A principal critica

refere-se a linearidade do processo. Sabe-se que as etapas nem sempre se

sucedem no tempo, pelo contrario, por vezes algumas são suprimidas ou ocorrem

numa ordem invertida, 1ou ainda apresentam-se paralelas em interações

retroalimentando-se constantemente.

Apesar do carater heuristico e didatico desse método, que permite uma

compreensão integrada dos processos que compõem a politica publica, pelo menos

num ideal-tipo, esse método foi muito criticado nos anos 1980, principalmente pelo

seu carater simplificador. Todavia tem sido objeto de ampla utilização no fim dos

anos 1990 por estudos comparativos(Jacquot, 2006).

Esse modelo tem sido acusado de a-histórico, principalmente pelos

partidários do modelo incremental, que partem do principio de que as politicas

públicas não acontecem no vazio, mas se sucedem historicamente, dão

continuidade as politicas anteriores ou são influenciadas pelo sucesso ou fracasso

daquelas que lhes precederam.

1 Algumas decisões são tomadas antes mesmo do problema seja posto devido a compromissos de campanha firmados por candidatos com empresarios entre outros agentes.

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B) Analise Cognitiva de Políticas Públicas

Essa abordagem destaca a função cognitiva da ação pública. Parte do

princípio de que a ação publica se organiza em torno de quadros(frames) que

constituem o universo cognitivo dos atores e apresentam uma certa estabilidade.

Verifica-se a existência de “cartas mentais” através das quais os atores de uma

politica pública percebem e então constroem o real, eliminando certos elementos e

selecionando outros (Muller,2003,p. 61). Pode ser classificada como uma

abordagem neo-institucionalista, visto que as instituições contribuem para dar forma

ao sentido que os atores atribuem as suas ações.

A analise cognitiva de politicas publicas teve sua origem nos trabalhos de

Lucien Nizard e Yves Barel, que dirigiram uma equipe de pesquisa sobre a

planificação francesa e os sistema de reprodução social nos anos 1970, em

Grenoble-França. Nizard analisou a função socializadora da planificação numa

perspectiva renovada de politicas publicas, na qual o que estava em jogo não era a

decisão, aspecto de importância vital naquele momento, mas a definição de critérios

a partir dos quais os diferentes atores sociais , publicos ou privados, definiam as

suas orientações . Coube a planificação difundir uma mesma visão de futuro da

sociedade, contribuindo para reduzir o grau de incompatibilidade dos projetos

perseguidos pelos atores autônomos(JOBERT, 1995).

Estavam vinculadas a citada equipe de Grenoble os pesquisadores então

iniciantes: Bruno Jobert et Pierre Muller, entre outros. O primeiro dedicou-se a

analise da planificação urbana, seguido da planificação social, enquanto que o

segundo dirigiu-se mais especificamente à analise da mudança da politica agricola.

O livro “Estado em Ação”, escrito por ambos em 1987, introduziu as noções chaves

dessa analise cognitiva como os conceitos de referencial , mediadores, relação

global X setorial. Noções essas que vêm sendo debatidas e esclarecidas em

publicações e seminarios ocorridos desde então.

“O Estado em Ação”(L’Etat en Action), segundo a definição dada pelos

autores Jobert e Muller (1987, p.10) é “um estado cujo funcionamento é estruturado

em torno da condução das políticas públicas... todavia, o que o Estado deixa ver

dele mesmo se distingue muito do que o Estado faz.” Isso se deve às complexidades

e ambigüidades que marcam a ação estatal, e à preocupação constante com a

comunicação que se faz da sua imagem e ação. A abordagem desses autores

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postulam a existência de incoerências, ambigüidades e incertezas em todos os

estados da ação pública.

B.1) Delineamento conceitual

“ As politicas públicas não são somente espaços onde se afrontam os

atores em função dos seus interesses, mas elas são também o lugar onde

uma dada sociedade ‘constroi sua relação com o mundo’ e então as

representações que ela se dá para compreender e agir sobre o real tal qual

ele é percebido”( Muller, Pierre in Boussaguet, Laurie, Jacquot Sophie et

Ravinet, Pauline, 2006, p. 372).

Cada politica passa pela definição de objetivos que partem de uma

representação do problema , de suas consequências, e das soluções almejadas

para resolvê-lo. A definição de uma politica pública se apoia sobre uma

representação da realidade que constitui o referencial dessa politica:

...”o referencial de uma política é constituído de um conjunto de

prescrições que dão sentido a um programa político definindo critérios

de escolha e modos de designação dos objetivos. Trata-se a cada vez

de um processo cognitivo permitindo compreender o real, limitando sua

complexidade e um processo prescritivo permitindo de agir sobre o

real.”(Muller, 2003, p. 63)

A percepção de mundo enquanto estrutura de sentido é apreendida pelo

referencial, que articula quatro níveis, ou seja: os valores, as normas, os algoritmos

e as imagens (Muller, 2003,p. 64):

Os valores são as representações sobre o bem e o mal, o que deve

ser desejável ou rejeitado;

As normas estabelecem os desajustes ou as distorções entre o que é

percebido e o que é desejável, referem-se aos princípios da ação;

Os algoritmos são relações causais que expressão uma teoria de ação

do tipo” se... então”.

As imagens conduzem imediatamente ao sentido, são frases curtas de

forte apelo cognitivo.

Toda política se decompõe em varios processos fundamentais e constitui:

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1) uma tentativa de gerir o lugar, o papel e a função do setor tratado em

relação à sociedade global ou em relação a outros setores;

2)a relação global/setorial (RGS) - se dá em função de uma imagem que

seus atores fazem. É a representação desta relação, “referencial de uma política

pública”, que designa o conjunto de normas ou imagens de referência a partir da

qual são definidos critérios de intervenção do Estado, bem como os objetivos da

política pública.

A politica publica se apresenta em geral, numa perspectiva setorial e pode ser

decomposta nos seus principais atores, ações, decisões, influências ideológicas e

cognitivas que nela repercutem. Ademais, a politica publica não serve apenas para

resolver problemas, mas também para expressar uma “visão de mundo” dos atores

envolvidos com a politica, ou seja uma percepção do real e uma projeção sobre o

futuro, “o que o mundo deveria ser”(Muller, 2000,p. 195). Identifica-se com a

abordagem neo-institucionalista segundo a qual as instituições devem ser

apreendidas como quadros de interpretação do mundo( Muller, 2000).

B.2 Contribuição e Criticas

A analise cognitiva de politicas publicas ajuda à compreensão da gênese e

da transformação da política setorial em seus diversos momentos, desde o

surgimento, ou seja, a emergência de um problema como objeto de política pública,

que constitui uma construção social que se apresenta na sociedade (emerge), se

difunde, e passa a exigir uma solução sob a forma da entrada do problema na

agenda política. Todavia, a aplicação de suas categorias de analise ao estudo de

algumas politicas setoriais tem revelado dificuldades e inadequações( Faure, Pollet e

Warin,1995), exigindo maior precisão conceitual e metodologica para respaldar a

construção de hipoteses e assim, dar suporte a novas pesquisa utilizando-se dessa

abordagem.

Todavia, novas dificuldades foram postas a tarefa em razão do momento

histórico atual, no qual multiplicam-se os atores envolvidos nas políticas públicas,

devido a diversos fatores como: a descentralização do Estado, redução das

fronteiras entre o público e o privado, maior relevância dos atores externos

“transnacionais”, sistemas de decisão mais complexos e interdependentes dos

sistemas de informações( Muller ,2003). Juntam-se a esses aspectos, a tendência

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atual de adoção de políticas transversais, com processos que perpassam várias

políticas setoriais, bem como espaços de concertação supranacionais, como é o

caso das politicas publicas discutidas e definidas no âmbito da Comunidade

Européia .

C) Redes de Acão Publica (Policy Networks)

O conceito de rêdes de ação publica abrange diferentes definições e

utilizações também diversas. De acordo com Le Galés(1995,p. 14) a definição mais

adotada no estudo das políticas públicas é a seguinte: “Em um meio ambiente

complexo, as redes são o resultado da cooperação mais ou menos estavel, não

hierarquica, entre organizações que se conhecem, e se reconhecem, negociam,

trocam recursos e podem dividir normas e interesses. Essas redes desempenham

um papel determinante na formação da agenda, na decisão e na implantação da

ação pública”.

A analise de redes parte do principio que o Estado mudou e não detêm mais

sozinho a capacidade de definir e implementar as políticas públicas. Há uma

multiplicidade de atores envolvidos, o que conduziu as ciências sociais a analisar as

organizações bem como a ação pública utilizando-se da expressão “ação

coletiva”(Le Galès,in Le Galès et Thatcher,1995,p. 57). Nesse sentido a analise em

termos de redes contribui para a análise da ação pública e das interações entre os

varios componentes do Estado e os grupos de interesse.

E importante destacar que essa analise veio preencher uma lacuna, a

conciliação da compreensão do Estado ao mesmo tempo unitario e diverso. Esse

aspecto tornou-se mais presente com as necessidades advindas das mudanças

observadas nos modos de governo e na coordenação da ação publica.

A idéia de rede de ação pública surgida na Grã Bretanha, tem sido utilizada

nos Estados Unidos desde os anos 1950 e 1960 com a conotação de governo de

nivel intermediário(sub-gouvernement). “Os governos de nivel intermediário são

considerados como grupos de pessoas tomando decisões de rotina em domínios

políticos específicos” (Grossman e Saurugger, 2006, p.72). Nesse sentido,

interesses privados podem se sobressair e dominar agências do governo que podem

passar a representá-los e assim influenciar a agenda do governo a seu favor. A

concepção de Lowi (1969) sublinhou a natureza dessas relações nos Estados

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Unidos utilizando-se para tanto da metáfora do “trângulo de ferro”, composto pela

agência central do governo, a comissão do congresso e os grupos de interesses.

Essa concepção foi criticada e substituída pela concepção pluralista de redes

temáticas abertas(Heclo, Mc Farland, 1987apud Rhodes et Marsh, 1995).

Rhodes e Marsh(in Le Galès et Thatcher, 1995) utilizam o conceito de redes

como um conceito méso2, enquanto modelo de intermediação de grupos de

interesse. Existem varios outros modelos de intermediação de interesses como os

modelos pluralista e o corporativista.

A contribuição de Rhodes(1995) tem sido amplamente utilizada, inclusive devido a

construção de uma tipologia de redes de ação publica. Ele retoma a definição de

Benson, 1982, p.148. Segunda sua definição :

“ a rede de ação publica é um grupamento ou um complexo de

organizações ligadas umas as outras pelas suas dependências em

relação aos recursos, e cujas distinções dos outros grupamentos e

complexos se devem as diferenças nas estruturas dessas

dependências. As mais integradas são as comunidades de politicas

públicas, as menos integradas são as redes temáticas”. Cinco tipos de

redes foram classificadas segunda a integração e o número de seus

membros, conforme Quadro 2.

2 Os autores entendem por nivel micro de analise aquele que se refere ao papel dos interesses e do governo no quadro de decisões politicas particulares e por nivel macro o interesse por questões mais abrangentes como a distribuição de poder na sociedade contemporânea.

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Quadro 2 Tipologia de Redes de Politicas Públicas – Modelo de Rhodes

Tipo de Rede Caracteristicas

Comunidade de Politica Publica/

Comunidade Territorial

Estabilidade, membros muito fortemente

selecionados, interdependência vertical,

articulação horizontal limitada. EX: interesses

setoriais, o setor de Educação ou interesses

territoriais

Rede Profissional Estabilidade, membros muito fortemente

selecionados, interdependência vertical,

articulação horizontal limitada, serve aos

interesses da profissão. EX: O Serviço de

Saúde Pública.

Rede Intergovernamental Numero de membros limitados,

interdependência vertical limitada, articulação

horizontal importante. EX: organizações

representativas de autoridades locais.

Rede de Produtores Numero de membros flutuante,

interdepêndencia vertical limitada. Serve aos

interesses dos produtores.EX: proeminência

dos interesses econômicos.

Rede Tematica Numero de membros importante e em

flutuação, interdependência vertical ilimitada,

estrutura atomizada.

Fonte: Rhodes, Marsh et 1995, Les Réseaux d’Action Publique en Grande-Bretagne Modelo de Rhodes, Rhodes e Marsh “ As Redes de Ação Publica na Grã Bretanha”p. 44.

C.1) “Comunidades Epistêmicas” e “Coalisões de Causa”

A analise de redes tem evoluido nas duas ultimas décadas. Nos anos

noventa destacaram-se duas abordagens: “ comunidades epistemicas”

(communautés epistemiques) e “coalisões de causa” (advocacy coalition

frameworks-ACF). A primeira é uma rêde de profissionais com competência

reconhecida em um dominio particular e cujo conhecimento politico nesse

dominio é reivindicado, pode reunir profissionais de disciplinas e de origens

diversas, que compartilham de uma mesma crença sobre normas e principios

bem como sobre a natureza dos problemas e as soluções almejadas, as

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mesmas noções de validade intersubjetivas sobre o conhecimento e uma

mesma iniciativa politica(Haas,1992 apud Grossmann, Saurugger, 2006,

p.75). A segunda apresenta similaridade com o de comunidade epistêmica no

sentido que “as coalisões de causa” tratam de subsistemas de politicas

públicas no âmbito de um sistema politico mais amplo. Esses subsistemas

são constituidos por atores heterogêneos(agencias do governos,

legisladores, líderes de grupos de interesses, pesquisadores, jornalistas, entre

outros), organizados em coalisões de defesa de uma causa. Observam-se

uma ou várias configurações (coalisões) de atores agindo em concertação

para traduzir suas crenças comuns em políticas públicas específicas. Elas

buscam explicar as mudanças nas politicas públicas em um horizonte de

tempo longo, dez anos ou mais. Essa abordagem está baseada na análise de

sistemas e considera os recursos e objeções dos atores bem como a

influência dos eventos exteriores no subsistema de politicas públicas.

C.2) Contribuições e Críticas

A analise de redes pode ser combinada a diferentes correntes teóricas

do Estado, embora esse tipo de analise esteja mais presente nas diversas

modalidades de pluralismo3( Rhodes e Mash,1995).

O conceito de redes foi utilizado em diferentes niveis de analise, no

nivel micro das relações interpessoais; no nivel meso das relações entre

grupos de interesse e governo, e no nivel macro dos modelos de relação

entre Estado e sociedade (Rhodes e Mash,1995,p.36).

A análise de redes da ação publica revelou inconsistência metodológica tal

como como a definição das fronteiras entre as redes. Outro problema refere-se a

pertinência, as mudanças, bem como a influência dessas redes nas politicas

públicas (Le Galès, 1995, Grossmann e Saurugger, 2006).

3 Segundo Grossmann e Saurugger(2006, p.58-61) o pluralismo é historicamente a primeira abordagem que trata da relação entre o Estado e os grupos As suas origens datam do século XVIII, mas foi depois da segunda guerra mundial que essa abordagem destacou-se e tornou-se preponderante. Nos Estados Unidos o pluralismo apresenta uma visão da sociedade fundada sobre os grupos, estando o Estado subordinado a competição entre esses grupos. Essa visão está baseada em dois principais principios: 1)os grupos são egoistas e incapazes de pensar o bem público ; 2)O poder politico é disperso em uma sociedade democrática moderna e a dominação duravel de um grupo é impedida pela emergência de novos contra poderes, ou seja grupos opostos ao grupo dominante. Quando os interesses são ameaçados novos grupos se mobilizam, isso constitui um certo equilibrio do tipo “mão invisivel” conhecido pela expressão ”checks and balances”.

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Alguns autores são extremamente críticos acerca dessa abordagem, tal como

Lowi(1969) que observou que as redes excluem o público, destruindo a

responsabilidade politica criando assim oligarquias de privilegiados e favorecendo

as elites.

Tendo em vista a organização cada vez mais acentuada de grupos de

interesse que ultrapassam inclusive as fronteiras nacionais, os estudos e pesquisas

aprofundando esse tipo de abordagem para a compreensão da ação publica parece

atual e extremamente pertinente.

3- Considerações Finais

O destaque dado aos três modelos de análise de politicas públicas permitiu

observar que os quadros analiticos podem ser combinados e complementados.

O aporte heurístico do modelo sistêmico e sequencial de politicas públicas

ainda é marcante, mesmo que se reconheça o carater não linear das etapas que

compõem a politica pública. As retroalimentações e feedbacks entre as etapas, bem

como a supressão de algumas delas, têm sido amplamente discutidos e aceitos

pelos autores e já podem ser incorporados como aperfeiçoamentos a esse modelo.

A importância do conhecimento dos aspectos cognitivos (valores, idéias,

visões de mundo) bem como das instituições e normas que integram as ações

públicas ganharam destaque e importância, tanto na análise cognitiva como na

constituição de tipologias no âmbito da análise de redes.

A compreensão dos setores de ação pública bem como dos atores sociais,

suas articulações e estratégias são elementos essenciais a compreensão da ação

pública na atualidade, a qual é cada vez mais percebida como uma correlação de

forças sociais, nem sempre estatais.

Os modelos aqui mapeados e descritos permitiram, todavia, sublinhar, que a

“boite a outil” das politicas públicas têm se densificado pela pluralidade de

conceitos, categorias de análise e abordagens num contexto de complexidade

crescente das relações e interações politicas, econômicas e sociais, com redefinição

do Estado e das fronteiras entre o público e o privado.

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BIBLIOGRAFIA

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