Modernismo e Música Brasileira

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  • Copyright O 2000, Elizabeth Travassos

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    EdiqBo anterior: 2000

    Capa: Carol Sd e Sirgio Campanre I l u s t r a q ~ ~ da cap : Soirk kfnmilin (presente o piano de Mdrio

    de Andrade), 61eo sobre tela de Notmia MourPo, sern data. ColeqPo de Artes Visuais do Instiruto de Estudos Brasileiros - USP

    Vinheta da cole~5o: ilustraq50 de Debret

    ComposicHo eletrdnica: To],Tcxtos Edi~Bcs Grificas Ltda. ImpressK~: Cron1oset.e Grlficn Editora

    CI1'-Brasil. Catalogagio-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Travassos, Elizabeth T712m ~ ~ d e r n i s m o e mdsica brasile~ra / Elizabeth Travassos. 2.ed. - 2.ed. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000

    : 11.. - (Descobrindo o Brasil) Inclui bibliografia ISBN 85-71 10-536-7 1. Modernism0 (Arte) - Brasil - Hist6ria. 2. Mdsien -

    Brasil - HistClria e critlca. 3. Semana de Arre Modcrria (1922: SBo Paulo, SP). 4. Nacionalismo na mdsica, 1, Tltulo, 11. SCrie.

    CDD 9dLtOJ CDU #1"1912"

    Sumario

    Pequena digress50 sobre pseudbnimos 10

    Villa-Lobos e os modernistas: um compositor na Semana de Arte Moderna

    Miirio de Andrade: modernism0 e nacionalismo 33

    Folclore e cultura de massa 51

    Fragmentos da paisagem sonora 5 7

    Epilogo 61

    Cron ologia 66

    Ilustray6es (entre p.38-39)

  • Creditos das i l u s t r o ~ 8 e s

    1 a 3. Fotografia de Mirio de Andrade, lembrete em sua biblioteca e confraternizafzo de modernistas. Arquivo Ma- rio de Andrade / Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros - USP.

    4 e 5 . Fotografia de Villa-Lobos e capa da partitura das Bachianas. Reprodu~6es gentilmente autorizadas por Acer- vo do Museu Villa-Lobos e Academia Brasileira de Musica. 6. Retrato de Mirio de Andrade. oleo sobre tela de Lasar Segall. Cole550 de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros - USP. 7. Fotografia dc Villa-1,ohos corn Inaterial carnavalesco do bloco Sodadc [lo (:ord5o. licl,sod~lc;~o gcntilmente autori- zada por Accrvo t l o I I I S L ~ I I I I O Vill;l-L,~bos e Academia Bra- silcira dc mil sic.;^. 8. C:llargc dc I < ; t t 1 1 I'c(l(.l ~ l ( . i l ; t ~ . A S ~ I I ~ V O Ceral da Cidade do llio clc ] : I I I L * ~ I , ~ .

    Duas linhas de f o r ~ a tensionam o entendimento da rn6sica no Brasil e projetam-se nos livros que contam sua hist6ria: a alternincia entre reproduq5o dos mo- delos europeus e descoberta de urn carninho prbprio, de u m lado, e a dicotomia entre erudito e popular, de outro. Como uma esptcie de corrente subterrdnea que alirnenta a consci2ncia dos artistas, criticos e ou- vintes, as linhas de forsa vem B tona, regularmente, pelo menos desde o stculo XIX. Mobilizadas por di- ndmicas culturais nlais amplas, de que a mhsica d par- te, ou fermentadas no campo musical, com energia para vazar sobre outros dominios da cultura, elas se rnanifestaram de rnaneira dramitica em alguns mo- mentos da hist6ria.

    Tal foi o caso do romantismo, do modernism0 e da vanguards dodecafenica na segunda metade do st- culo XX. As linhas de forsa estiveram presentes, igual- mente, nos debates em torno da bossa-nova, do tro- picalismo, da can550 de protesto. Mais recentemente, emergern em torno de artistas como Egberto Gismon-

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    ti e Hermeto Paschoal, que problematizarn a separa- 550 entre erudito e popular, bem como na discuss50 desencadeada pela transforma550 da mhsica caipira em sertanejo-country e pelas metamorfoses do samba. Em todos esses momentos, pesa ora o eixo dado pela polarizaq50 entre nacional e cosmopolita, ora aquele t rapdo entre as op56es contraditdrias de elitismo e populismo. E m alguns casos, tentou-se resolver as duas tens6es simultaneamente, como ocorreu no mo- de rn i sm~: ali a cultura brasileira foi repensada em sua particularidade e em suas rela~6es com outras cultu- ras, ao mesmo tempo ern que artistas oriundos das elites e da burguesia procuravarn estabelecer urn novo modo de relacionamento com as culturas do povo.

    Este livro trata desse momento de reorienta~so cultural, focalizando a interse550 entre modernismo e m6sica. Para isso, P preciso falar do lugar que a m6- sica ocupou no debate modernists, das propostas de mode rn i~a~ i io musical do Brasil e do impacto que a vida musical l x ) p ~ ~ l a ~ - teve sobre aquele debate. 0 s comptndios tic hist6ria da musica costumam lidar se- paradarncntc. con] 1111isica ct-~udita, popular e folclhri- ca, as quais ;ic;lhnl-;i11i pol- ~ o n ~ ? ~ l l l - a l - cspecializa~Ses acadCmic;ls: ;I ~ l l ~ ~ s i c o l o ~ i n t c ~ ~ t l c tl.;ltnl- dc ~ufisica eruditn; o Ii,lclor.c, ; I c[11o111~lsi~.olo~;i:r, ;I lircl.;~rura e as citncias soci;ris c.111 i:c~.:~l O L . I I I I . I I I I sc5 ( I : I ~ ( I C , I I I : I ~ S . A necessidadc de. olI1;11. 1 1 ( . . I I I I ~ > O I I I I I ~ I C . ~ ~ 1 0 1 1 1 0 1 1 1 1 1 ~ o d o tem gel-ado, I . ~ ~ ~ . ~ I I I C . I I I ~ . I ~ ~ ~ . , c.5111ilo~; I ~ I I ~ I ~ L . V ( . I - I ~ ' I I ~ a

    tendencia a isolar objetos de anilise conforme ulna tipologia da musica prt-estabelecida - tendtncia que contribuiu, B sua maneira, para marlter as barreiras que o rnodernismo tentou vencer. Falar da interse550 entre musica e modernismo significa dedicar aten550 especial a Mirio de Andrade, que, embora traballlasse como professor de estttica e hist6ria da mhsica num conservatdrio, n5o era criador musical, e sim poeta e escritor. N o entanto, k ele quern sela a uni5o entre os dois termos do titulo deste livro, con10 autor de uma vasta lista de titulos que inclui critica, ensaios, estudos de folclore, poesia e fic55o.

    Este livro foi dividido em cinco partes. Na pri- meira, falo da fronteira entre mhsica erudita e popular no inicio do stculo XX, tpoca em que j5 existiam no Brasil institui56es dedicadas ao cultivo da mlisica eru- dita e u m pliblico de hperas e concertos, por precirios que fossem em cornparas50 con1 os similares euro- peus. A segunda apresenta a Semana de Arte Moderna e comenta o lugar da musica e dos musicos - leia-se Villa-Lobos - neste acontecimento. A terceira trata do nacionalismo que desponta, nos anos 20, como principal proposta para a arre rnusical e detkm-se nas idkias de Mirio de Andrade. Nesta parte, a mais ex- tensa, exponho os desafios do nacionalismo: lograr uma conversgo profunda dos mhsicos e fazer coinci- direm express20 individual e expressso nacional. Nas duas hltimas partes, falo da busca da verdadeira mh-

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  • ELIZABETH TRAVASSOS MODERNISM0 E MUSICA BRASlLElRA

    sica popular e da ambigiiidade corn que foi ouvida a musica vinculada ao mercado, divulgada em discos e radios que invadiam o cotidiano das popula~6es ur- banas, dos intelectuais modernistas inclusive.

    Pequena digressio sobre pseudbnimos

    Nos capitulos dos livros de hist6ria da musica brasi- leira, o compositor Francisco Mignone cornparece como um dos realizadores da proposta de nacionali- z a ~ 2 o artistica idealizada corn ardor combativo e se- riedade intelectual por Mir io de Andrade, seu con- temporiineo no Conservat6rio Dramitico-Musical de S2o Paulo, instituis50 na se formaram, em 19 17, e na qua1 vieram a lecionar.

    Filho de um imigrante italiano, na juventude Mig- none tocava flauta em choros, serenatas e orquestras de cinema mudo. De sua familiaridade com ambien- tes da mGsica popular paulistana do inicio do stculo e da necessidade de ganhar a vida nasceu o Chico Bo- ror6, pseuddnimo corn o assinava maxixes, tan- gos e valsas que antecedem 19 17, ano em que recebe o diploma e em que se irlicia a rela~5o de obras assi- nadas corn o nome de batismo.

    A necessidade de separar o compositor cuja pro- du@o se destina ao mundo da tn6sic;l dc concerto do musico que trabalha para illn nlcrcncio 111;lis amplo,

    exercitando-se nos gtneros da moda, parece inexpli- cave1 no caso desse artista, que aderiu B idtia de na- cionaliza+o corn base na mhsica popular. "E que na- quelas priscas eras do come50 do stculo, escre17er md- sica popular era coisa defesa e desqualificante mes- mo", explicou mais tarde. N o entanto, Chico Boror6 ainda teve sobrevida e voltou a aparecer, assinando o fox "Miami," em 1929. Mais ou menos na mesma tpoca, por tm no Rio de Janeiro, Heitor Villa-Lobos tambtm convivia com cho r~es , tambtm tocava em orquestras de teatros, cinemas e hottis. Escreveu nessa tpoca valsas, dobrados e polcas, sem atribui-las a um alter-ego compositor. No entanto, o caso de Mignone n50 t exceptional.

    Ctsar Guerra-Peixe, membro de uma gera55o posterior, tambtm usou pseud8nimos para assinar bo- leros, marchas, choros e sambas que produziu nos anos 1940, expurgados depois do catilogo de obras elaborado por ele mesmo num cuvricz~lum vitae de 1970: "0 autor deixa de mencionar um sem nhmero de composiq6es de cariter popularesco - sambas, marchas, choros etc., muitas das quais gravadas em discos fonomec9nicos e editadas - por achar que, evidentemente, n5o interessam em virtude do gtne- ro." Discipulo declarado das idtias de Mirio de An- drade e estudioso de folclore musical que deixou um livro sobre os maracatus de Recife e artigos sobre ban- das de pifanos, caboclinhos e cantos dos ritos funebres

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    populares, Guerra-Peixe sentiu-se no dever de prote- ger sua identidade de compositor de mhsica stria.

    0 s pseud8nimos sHo curiosos em autores que ten- taram aproximar t radi~6es populares e musica artis- tica, compondo com inspira~50 em congadas e ma- racatus, dobrados e c2nticos de xang8. Ocultaram seus nomes quando faziam mhsica que eles mesmos consideravam popularesca, comercial e transitdria, cuja qualidade artistica e ttcnica nHo os satisfazia. Ademais, ela poderia fechar-lhes as portas no meio restrito e exigente da mhsica de concerto, com poder para desqualificar p rodu~6es e produtores identifica- dos como populares.

    Enquanto isso, teatio de revista e casas noturnas, depois cinemas 2 empresas fonogrificas, atraiam mu- sicos com origens e trajetorias diversas. As empresas nHo queriam saber em qua1 escola seus contratados haviam estudado e nHo se importavam corn os abalos que poderiam causar na reputaq50 dos musicos que zelavam pot uma identidade de compositor erudito. O setor de entretenimento urbano oferecia, aliis, pos- sibilidades de profissio~lalizaqHo para individuos ori- undos das camadas populares, cuja formas50 musical se passava fora dos conservat6rios - nas rodas de choros, nas serestas de rua e bandas de mhsica. Even- tualmente, alcanfavam a celebridade compondo, to- cando e gravando, tal conlo aconteceu com Donga e com Pixinguinha: contempor$neos de Mignone e

    Villa-Lobos, passaram A historia (com seus nomes ar- tisticos) como, respectivamente, autor do primeiro samba gravado e f o r p motora da consolidaEHo do choro - protagonistas, portanto, da musica popular.

    Luciano Gallet, outro musico nascido no final do stculo XIX, tambtm completava seus ganhos como desenhista de arquitetura tocando piano em ambien- tes populares; num deles, teve como companheiro o violoncelista Villa-Lobos. Em 1910, apresentava-se num cinema no Largo do Rocio (atual P r a y Tiraden- tes, no Rio de Janeiro) ao quai acorriam "mulheres da rua do Nfincio, marinheiros, a mais linda esfera da sociedade", contava, com ironia. Nos anos seguin- tes, conheceu, ainda em suas palavras, "todo o mitier da mhsica, dentro de todas as modalidades. 0 cinema de outra esptcie, a revista vagabunda, o caft-concerto, os banquetes, casamentos, bailes, o bar, as estas6es de igua, tudo o que t possivel. Depois, as salas-de-espera dos cinemas." So quando se tornou mais proximo da violinists Paulina d'Ambr6sio e do compositor Glau- co Velisquez "abriram-se as perspectivas da mhsica mais sdria". Gallet preparou-se entgo para estudar no Institute Nacional de Musica, de onde, mais tarde, se tornou professor. Como se v&, a ordenaG50 hierir- quica dos espaCos publicos de pritica musical era pa- ralela i respeitabilidade social das respectivas plattias.

    Diferentemente de Gallet, o pianista e composi- tor Ernesto Nazart (1 863- 1934) permaneceu nas sa-

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    las de cinema, ainda que exercesse seu oficio, nos anos 10, num estabelecime~lto freqiientado pela chamada boa sociedade: o Odeon, na Avenida Central (hoje Avenida Rio Branco). Autor de uma obra original, extensa e tributaria tanto dos chor6es e das danCas urbanas cariocas quanto do gosto europeu, Nazark pa- rece ter alimentado o son110 de ocupar um lugar na musica culta. Num gesto anilogo B adoqgo de pseu- dbnimo, ele chamou de opus 1 o Noturno composto quando a lista de suas peGas publicadas ultrapassara a centena. Talvez quisesse inaugurar uma nova vida, deixando para trds os tangos, polcas e valsas que o tornaram famoso. Em 1922, Gallet tentou quebrar resistCncias do meio academic0 promovendo um con- certo no Instituro Naciona! de Musica. 0 programa, dedicado B literatura pianistica brasileira, dava desta- que a Nazark, que interpretou, no prestigiado palco, suas pr6prias composi~iies. 0 encobrimento do nome ganha sentido neste ce-

    nirio hierarquizado porque protege identidades e asse- gura certa autonomia criativa. N o caso do criador mu- sical, autonomia para exercer concrole sobre o maior nilmero possivel de etapas e aspectos musicais - no lirnite, controlar a realiza@o sonora da partitura, atra- vCs da escolha dos intkrpretes, e o mod0 de recep~ao da obra por parte dos ouvintes. As empresas de distri- bui+o de musica em larga escala, da era industrial, inrervtm n5o apenas na difuszo, mas no pr6prio pro-

    cesso de produGiio. Can56es compostas por urn indivi- duo sgo entregues para harmoniza~iio ou arranjo por outros, diretores artisticos podem indicar os intirpre- tes, e as grava~6es em estudio s5o conduzidas por tkc- nicos cujo trabalho incide sobre a feiqao sonora ultima. A divisgo do trabalho musical C ampliada nessa cadeia produtiva, ao passo que o compositor de rnhsica de concerto opera como um artesgo que C senhor do re- sultado final, apresentado num documento escrito: a partitura. Por meio dele, solicita dos intkrpretes fideli- dade Bs suas inten~iies e, dos ouvintes, a aud i~ao con- centrada que t regra nas salas de concerto.

    Distintos quanto i s linhas gerais do process0 de p r o d u q ~ o e quanto ao valor artistic0 e cultural dos produtos que geram, esses mundos n5o estgo divor- ciados. No inicio do sCculo, musicos de diversas ca- madas sociais, origens ktnicas, credos religiosos e, na- turalmente, forma~6es musicais cruzavarn-se nas casas editoras de partituras, cinemas e teatros. Na casa do pai de Pixinguinha circulavam muitos chor6es, Vil- la-Lobos inclusive. AlCm da rede heteroginea de pro- fissionais acionada p e l ~ setor de entretenimento, a rnovimenta~go botmia das cidades permitia certa conviv2ncia entre intelectuais burgueses e artistas po- pulares. Por suas posi~6es nessas redes, alguns desem- penharam o papel de mediadores que atravessaram fronteiras entre os ambientes culturais hi mente ordenados das sociedades de classes.

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    Entretanto, as fronteiras da m6sica erudita con- tinuaram sendo vigiadas, e era preciso dispor de mui- to prestigio para desafii-las publicamente. As carreiras de Mignone (1897-1986) e Villa-Lobos (1887-1959) prosseguiram com longas viagens B Europa, decisivas para sua p r o d u ~ s o posterior e para a acolhida defini- tiva nos palcos de concerto e nas institui~iies acadt- micas. Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna, 1897- 1966) e Donga (Ernesto Joaquim Maria dos Santos, 1888-1 974) fizeram breves tournies no exterior - em Paris, com 0 s Batutas; em Buenos Aires, con1 a or- questra completa, 0 s Oito Batutas. Ap6s essas via- gens, que tambirn tiveram importdncia no rumo de suas carreiras, retornararn B vida movimentada de shows, gravafiies e trabalho para as emissoras de ridio.

    A exce@o de Guerra-Peixe (19 14-93), todos os mlisicos citados pertencem B gerasso que viu, de lon- ge ou de perto, a agi ta~go cultural da Semana de Arte Moderna. Villa-Lobos tornou-se o expoente do mo- de rn i sm~ , na mlisica, e esti entre os mais famosos e festejados compositores brasileiros. MBrio de Andra- de (1893-1945) foi o principal tebrico do movimento e manteve estreita c ~ l a b o r a ~ ~ o com Gallet e Migno- ne. 0 modernismo procurou instituir um novo mod0 de relacionamento entre a alta cultura - dos letrados, academias, conservat6rios, saliies - e as culturas po- pulares. As barreiras entre erudito e popular foram sacudidas tanto pela transformafiZo dos bens culturais ern mercadorias produzidas em larga escala quanto

    pela atua+o dos artistas 2 pensadores da cultura. Mas nao forarm abolidas: todos os milsicos de quern se fa- lou pertenccin B galeria dos compositores erudiros, i exce~ao de Pixinguinha e Donga, cujas biografias s2o contadas em textos especializados sobre musica po- pular, e de Ernesto Nazark, que permaneceu no limiar entre os dois mundos.

    Villa-Lobos e os modernistas: urn compositor na Semana de Arte Moderna

    h Sernana de Arte Moderna, realizada nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de S2o Paulo, passou B histbria da cultura no Brasil como evenro que inaugura simbolica~nente o modernismo. A Semana consistiu em concertos antecedidos de con- fertncias e leituras de poesia e prosa, ambientados com a exposi~2o de obras de artes plisticas no sagu2o do teatro. Organizada por urn grupo de intelectuais e artistas paulistas e cariocas, contou com o apoio de Paulo Prado, rico fazendeiro e cornerciante de cafd que atuava como mecenas em SSo Paulo, e corn a dis- p o s i ~ j o do escritor e academic0 G r a ~ a Aranha, recdm- chegado da Europa, para assumir a lideranfa do gru- po. O prestigio social e cultural dos dois hltimos as- segurou a ocupafiio do mais nobre espaso artistic0 da cidade. 0 public0 presente ao Teatro reagiu, em al-

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    guns momentos, com vaias e zombaria, de certa forrna esperadas e talvez at6 desejadas por alguns dos parti- cipantes.

    E impossivel falar de modernism0 sem falar da Senlana e de um aco~ltecimento cultural anterior, ge- rador de polemica jornalistica: a e x p o s i ~ ~ o de pintu- ras, em 19 17, da qual participava Anita Malfatti. Um artigo de Monteiro Lobato publicado em dezembro daquele ano no jornal 0 Estndo de S. Paulo apontava defeitos nas obras da pintora, creditados sua incli- naeZto por tendencias estilisticas contemporBneas que traduzia~n a degenera~iio psic016~ica e cultural das so- ciedades europeias. Lobato atacava os "produtos do cansaso e do sadismo de todos os periodos de deca- dencia", a mistifica~iio de "escolas rebeldes" e suas "teorias efemeras", vinculando Anita Malfatti ao pa- norama artistic0 europeu de rebeliso antiacad6mica.

    Oswald de Andrade (1890-1954) saiu em defesa da pintora no Jornnl do Comme~cio, num artigo que apontava o atraso do meio artistic0 paulistano. A con- trovPrsia preludia a Semana ao levar ao conhecimento de um publico mais amplo, por meio da critica jor- nalistica, a nova maneira de codificar diferen~as por- ventura percebidas na produq5o artistica, que passam a ser interpretadas como sinais de moderniza~20. A recepgZto 1150 deixa duvida do inc8modo que certas p rodu~6es podiam causar, mas as avalia~6es opostas de Lobato e de Oswald t6m em comum estabelecerem

    I M O D E R N I S M 0 E MUSICA BRASILEIRA a relaGgo entre um traGo das obras de Anita - a au- stncia de certas conven~6es de representaqzo realista - e os movimentos que renovavam as artes na Eu- ropa. 0 epis6dio catalisou artistas, poetas e jornalistas,

    a maioria deles jovens, em torno da idPia de celebrar o Centenirio da IndependCncia, cujos festejos oficiais estavam em prepara520, colocando na cena cultural a polarizaqZto entre modernos - chamados generica- nlente de "futuristas" - e "passadistas". A Semana & marco tambtm na hi~torio~raf ia da musics, princi- palmente pela pro je~ao que deu a Heitor Villa-Lobos e pelo impact0 que teve em sua carreira.

    Mais complicado que eleger uIna data inaugural do modernism0 t posicionar-se quanto aos seus limi- tes. As diverg@ncias que superaram o consenso mo- m e n t h e o entre os participantes da Semana, logo agrupados em circulos empunhando suas respectivas idtias em revistas mais ou menos efemeras, tornam dificil delimitar at6 onde se manteve vivo o espirito do movimento. 0 s estudiosos situam o modernislno entre os anos de 1922 e 1945, periodo ao longo do qual se reconhecem geralmente duas fases.

    A primeira foi marcada pela tnfase na atualizaGiio estttica e na luta contra o "passadismo", representado grosso modo pel0 romantismo, na musica, e pelo par- nasianismo, na poesia. Grandiloqutncia, sentimenta- lismo e sujei+o da mfisica a intenq6es descritivas

  • eram as principais criticas endere~adas pelos rnoder- nistas ao romantismo. Quanto i pocsia, considerava- se que o parnasianisn~o castrava o poder inventivo dos poetas com o rigor das regras de metrificaq20 e rima, aliadas a temas e vocabulirio anacranicos. Esta fase inicial, B quai convdm o nome "n~ovimento", irlvo- cava - ainda que norninalmente - tendtncias ar- tisticas europdias que podiam funcionar como mode- 10s legitimadorcs das propostas locais. Foi o caso do "futurismo", vocibulo incorporado B linguagem dos artistas e do publico, As vezes como simples antanimo de passadismo. 0 mentor do movimento homenirno italiano, Marinerti, publican em 1909 seu primeiro manifesto, uma diatribe contra museus, bibliotecas e acadernias, templos da cultura esclerosada, sern sin- tonia com a vida moderna, traduzida na miquina e na velocidade. 0 lema "palavras em liberdade" toma- \,a mitr ica, rima e encadearnento sintirico como constrangimentos mutiladores. Quando Oswald de Andrade saudou os poernas da PatdzcXd desuni~ada (antecipando-se i publicaqao) como obra de poeta fu- turista, Mir io de Andrade preferiu desvencilhar-se do rotulo. Pois ainda que as circunstincias o colocassem diante de vaias, nas escadarias do teatro, Mirio era simultaneamente um pacato professor do conserva- t6rio e um estudioso voraz e disciylinado que viria a lutar pelo fortalecimento da intelighcia no pais.

    MODERlilSivlO E MIISICA BRASlLElRA

    Essa fase inicial caracteriza-se pela atit~tde com- bativa, dernolidora, que se compraz corn a rejeisao da cririca e do p6hlico. A segunda fase erlfatiza a preo- cupasgo com a realidade brasileira e introduz o tenla da naqso nos debates culturais e estiticos, gerando Lima nludanqa de tom que far5 corn que, mais tarde, se fale de modernism0 nacionalista. Ji nao se trata apenas de derrubar o velho com a iconoclastia carac- teristica do ethos vanguardista, mas de encontrar as bases para a edificaqao da arte apropriada aos novos tempos. A fase construtiva alterou o posicionamento corn relaqgo ao passado, transrnutado numa tradiG2o brasileira embrioniria e desco~lhecida dos artistas.

    A percepqao do inomento de constru~50 seguin- do-se i crise de ruptura niio escapou aos participantes do movimento. Por exernplo, Prudence de Moraes, neto, no texto "Vida da estttica e nao estitica da vida", remernorava as in ten~6es dos criadores da re- vista Estbticn, cujo primeiro n6rnero saiu em 1924. Segundo corlta, Rerlato Almeida, Sirgio Buarque de Hollanda e ele tinham ern mente, no Rio de Janeiro, uma publicasgo que desse continuidade B revista Kh- X O M , que deixara de ser editada apos nove numeros publicados entre 1922 e 1923. Estbtica representaria, contudo, o momento de constru~go do model-nismo, capaz de critici-lo de dentro. E Mirio de Andrade, nurna famosa conferincia de 1942 sobre o m o ~ .rmen- ' to modernista. referia-se aos momentos consecutivos de destruiqao e constru~50. Mantinha-se fie1 i neces-

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    sidade de critica da produGiio cultural e saudava as conquistas do movimento, resurnidas no direito dos artistas a pesquisa estitica, na a tua l i~a~i io da inteli- gCncia artistica e na es tab i l i~a~2o de uma consci@ncia criadora naciorlal. Para ele, o modernisrno como es- tad0 de espirito dominante durou rdpidos oito anos, at4 as revolu~6es politicas e a pacifica~5o literdria dos anos 1930. Outros observam que dessa tpoca at& o final da 11 Guerra o modernism0 consolidou-se como parte integral do &none artistic0 brasileiro.

    A fase aguerrida encontrou um alvo 6rimo nas 6peras sobre temas brasileiros de Carlos Gomes, su- bitamente transforrnado de maior gl6ria da musica brasileira em enlblema do passado. 0 indio que co- locou em cena foi motivo particular de riso para os modernistas, empenhados em passar a lirnpo o nati- vismo romfntico. "Ficamos nas 6peras de Carlos Go- mes, de um italianismo de realejo, que totalmente ig- norou a inspira~iio social e folclorica da nossa etno- grafia", denunciou Paulo Prado em 1924 na Revista do B7"asil. A avalia+o sumdria tornou-se moeda cor- rente nos anos 20, e em 1929 Mdrio de Andrade pre- cisava recuperar Carlos Gomes da saraivada de ata- ques que sofrera. N o Co?uzpe^ndio de histdria da Tnzisica, u n ~ livro diditico sobre o assunto, reafirrnou a genia- lidade do musico e a t t enxergou mais sinais de cariter naciorlal em sua obra do que a mera cobertura dada pelos libretos de 0 guarani e 0 escravo.

    M O D E R N I S M 0 E M U S I C A BRASILEIRA

    Na Semana de 22, al6m do repert6rio musical programado, foi executada uma peGa de Eric Satie, par6dia B n~archa funebre de Chopin. Ilustrava-se a critica irreverente dos modernistas franceses ao ro- mantismo. A p e p 6 tambim, em sua simplifica~20 deliberada, uma referincia satirica B tradifiio de com- plexidade ticnica que se exacerbara no piano oitocen- tista. 0 priviligio conferido ao repert6rio pianistico no Brasil era criticado por Mirio como verdadeira "pianolacria", sintonla de uma cultura musical preci- ria dos promotores e do public0 freqiientador de con- certos. 0 ma1 do piano era tomar espafo das "mani- festa~6es mais elevadas da musican, como a sinfonia e a musica de cfmara. Em 1922, levou Bs piginas do primeiro numero de Klaxon sua pos i~5o em pro1 do cultivo genuino da mhsica erudita, prejudicado pelo culto de estrelas do palco em que se transformara o aplauso dos bons pianistas.

    Mas as obras brasileiras apresentadas na Semana, de autoria de Villa-Lobos, n5o tinham agressividade dirigida expressamente contra a tradiG5o e niio foram ouvidas como n1anifesta~6es de hostilidade direta B milsica feita at6 ent2o. As referincias a Stravinsky e ao desejo de ultrapassar Debussy, na conferincia de aber- tura, mostram que Gtaqa Aranha voltara da Europa a par das novidades musicais parisienses, mas 1150 corres- pondem estritamente ao programa musical efetiva- mente ouvido no Teatro. A discuss50 jornalistica entre

  • ELILAKETI4 TRAVASSOS

    Menotri del Picchia e Oscar Guanabarino, logo depois da Semana, teve como garilho os gracejos sobre Carlos Gomes e foi mais troca de insultos do que debate estt- tico. Villa-Lobos saiu ileso da pol$mica, aparecendo para as duas partes corno talento promissor. Por isso mesmo, a historiografia da musica tem muito mais a dizer, quando trata dessa kpoca, sobre o nacionalismo do que sobre obras ou autores brasileiros que entraram em choque frontal corn o establishment de concertos e conservat6rios. Nao obstante, este C o pano de fundo para vririos artigos de Mririo sobre a forrnaqao insufi- ciente do music0 e as deficitncias do gosto de um pu- blico apegado B 6pera e ao virtuosismo.

    Considera-se mesmo que o rnodernismo chegou B musica, no Brasil, com sua for$a combativa amor- tecida. Apesar das descontirluidades ttcnicas e estilis- ticas percebidas na produqao do inicio do stculo, t possivel alinh6-la no eixo dos esforCos nacionalizado- res que t t m inicio em rneados do stculo XIX. As po- limicas mais acesas em torno da necessidade de atua- lizar-se na tkcnica e na concepszo est&rica, rompendo, eventualmente, corn o nacionalismo, tiveram lugar ap6s a 11 Guerra, corn a difusao tardia do dodecafo- nismo, mttodo criado por Arnold Schoenberg (1 874- 1951) para estruturar a musica sem recorrer B tona- lidade.

    Nas regiiies perifiricas 5 Europa ocidental - ideal de civilizasao e fonte de modelos culturais para

    h lODERNIS lv l0 E MUSICA BRASILEIRA

    as sociedades ern sua 6rbita --, o rnodernismo tin- giu-se de uma nostalgia das tradiq6es que derivou em movimentos artisticos nacionalistas. Isso vale para o carnpo musical no Brasil, onde o problema da con- solidaCzo de urna musica liberta dos rnodelos ditados pelas metropoles culturais ganhou o passo sobre todos os dernais, desde o sCculo XIX. A evoluqao da musica erudita no Brasil k vista, muitas vezes, como urn pro- cesso de conquista de autonomia e de irnpregnaqao por elementos nacionalizadores, processo cujo avanqo ora parece inelutrivel, ora t arduamente instigado pe- 10s agentes da hist6ria. Personagens menos iigadas a este tipo de preocupa$zo sgo encaradas como desvios ou exce@es, a exemplo de Glauco Velisquez (1884-b 1914), mais interessado no estudo de Wagner e De- bussy do que nas possibilidades de urna arte musical particularizadarnente brasileira.

    De certa forma, a consciCncia da diferensa entre o peso das tradi56es artisticas na Europa e nas Ame- ricas esreLre presente nos discursos corn que os mo- dernistas se apresentaram no Teatro Municipal. Nas declara~6es dos participantes da Semana, a tradisao artistica era, no Brasil, urn adversdrio frigil. Graqa Aranha, na abertura, dirigiu-se Bs forsas do passado que o grupo ali reunido estava disposto a combater e destacou as vantagens de n5o terrnos sobre n6s "a pkr- fida sorrlbra do passado", idtia repetida por Menotti del Picchia. N u m contexto reflexivo distante das to-

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  • ELIZABETH TRAVASSOS

    madas de posiq5o dos participantes da Semana, An- t6nio Candido lembrou que a relasao de forqas entre rnoder~lismo e t rad i~go era forqosamente outra no Brasil, sobretudo quando a arte passava a embeber-se das novidades trazidas pels etnografia.

    A luz da musicologia e da hist6ria da musica, a p r o d u ~ a o das prinleiras dtcadas do sCculo xx teste- nunh ha o atraso brasileiro e o descompasso entre evo- lu@o musical e literbria. A Semana parece musical- lnente desatualizada com relaqao i s ocorrtncias si- mult2neas nos circulos modernistas de Paris e Viena, nos quais se consumava a ruptura com o sistema to- nal, dando lugar B politonalidade e ao dodecafonis- mo. As obras de Villa-Lobos que figuravam como se- l e ~ a o da prod~lGao moderna no Brasil aproximam-se, em ~nui tos aspectos, do impressionismo, que, B mes- ma Cpoca, era combarido em Paris pelos modernistas do chamado Grupo dos Seis. Sob a tgide do manifesto anti-wagneriano Le coq e t Ikrlequin, de Jean Cocteau, o grupo defendeu a sirnplicidade e a inspira~ao nas priticas populares do circo e da feira. Darius Milhaud (1 892-1 977), um dos componerltes do grupo, viveu entre 19 17 e 19 18 no Rio de Janeiro e fez de Gallet e Villa-Lobos seus companheiros nos passeios musi- cais pela cidade.

    Dos musicos participantes da Semana, apenas Villa-Lobos passou i posteridade como representante do modernismo. 0 s demais, como os pianistas Guio-

    lviOUERNlSM0 E MUSICA BRASILEIRA

    mar Novaes e Ernani Braga, forarn convocados por sua reputa~ao como intkrpretes. Por isso mesmo, s5o nornes associados B tradisgo clissico-romgntica e so- bretudo ao stculo XIX, que elevou como nunca o sta- tus dos virtuoses. Seu vinculo com a t rad i~ao mani- festou-se na reas20 de Guiomar Novaes, que protes- tou publicamente contra a i nc lu s~o de uma p e p que, desrespeitando Chopin, exibia a intolerhcia estttica que se generalizou na Semana.

    0 espaqo privilegiado que Villa-Lobos teve nos programas da Semana como unico compositor brasi- leiro convidado deve-se B p o s i ~ a o que ocupava na cena musical. Seus contemporSneos moviam-se no terreno do romantismo tardio e talvez nao estivessem dispostos, caso fossem chamados, a participar de um empreendimento no quai o risco de rejei~ao da critica

    ,--

    era alto. As irisperas da Sernana. L u c i a n ~ Gallet - (1 893-1 93 1) era professor no Insrituto Naciorlal de Mhsica e n5o compusera ranto quarlto Villa-Lobos. Afora unl nlaxixe intitulado "Caxingueltn, que Mirio de Andrade considerou "profktico", e um "Tango-ba- tuque" para piano, suas obras inclinavam-se para o impressionismo de Debussy E m 1924, Gallet cotne- SOU a harrnorlizar can~6es populares - provavelmen- te ins t ipdo por Milhaud, con1 quem teve aulas no Rio de Janeiro --, trabalho ao quai seu futuro amigo Mir io darb grande valor.

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  • ELIZABETH TRAVASSOS

    Mignone tinha estreado em concerto no Teatro Municipal de Siio Paulo, 110s anos 10, com boa aco- lhida. Grasas a isso, recebeu uma bolsa de estudos do govern0 paulista para estudar na Itilia, em 1920, e de l i s6 retornaria definitivamente ao Brasil em 1929. A temporada italiana deixou marcas ern sua mhsica que niio soaram bem para o critic0 Mdrio de Andrade. Quando da estrtia em S5o Paulo da 6pera Li'nnocente (libreto em italiano de Arturo Rossato), em 1928, M6rio assinalou a falta de libretistas capazes de ela- borar "assuntos nacionais", e perguntava: "Mas que valor nacional tem 0 irzocente? Absolutamente ne- nhum, ... E m m6sica italiana, Francisco htignone serd mais um, numa escola brilhante, rica, numerosa, que ele niio aumenta. Aqui ele ser; um valor imprescin- divel." Mignone foi sensibilizado por esta idtia e con- verteu-se ao nacionalismo musical.

    Glauco Veldsquez faleceu precocemente em 1914, Camargo Guarnieri (1907-93) era muito jo- vem e outros mhsicos da gera~i io de Villa-Lobos, como Barroso Neto (1 58 1-1 941), eram respeitados como professores, mas 1150 tinham proje~iio como compositores. Villa-Lobos, diferentemente, suscitara reaq6es desfavordveis da critica, acusado de debusspa- no e de prolific0 produtor de vulgaridades disformes, sem p t nem cabesa. Sua posisgo de artista inde- pendente, sem vinculos com institui~6es escolares, e a originalidade de sua musica, rejeitada pelos porta-

    vozes da cultura rnusical acadtmica, conferiram-lhe o perfil moderno desejado pelos organizadores da Se- mana. E possi\7el que seu norne ta rnbtn~ despontasse na ocasi5o em virrude do vlicuo entre as gera56es con- sagradas, de rorniinticos ou p6s-romhticos, e os no- vos que ainda engatinhavam na composiqgo. Segundo seu pr6prio depoimento, Villa-Lobos foi procurado por G r a p Aranha e Ronald de Carvalho, que Ihe ex- puseram os planos para o evento, aos quais aderiu prontamente.

    A irrupqgo, na obra de Villa-Lobos, de uma lin- guagem musical do sPculo >uc na qua1 se encontram superposi~iies politonais e atonalismo, polirritmias e experitncias corn novas cornbina~iies instrumentais, constitui quase um mistkrio para os music6logos e historiadores. Como o pioneirismo agrega valor h obra artistica e a seu autor, pern~itindo-lhe afirmar sua originalidade, a gCnese d o modernismo em Iril- la-Lobos se torna rnatkria controvertida, dificil de elu- cidar ern meio a declara56es do pr6pri0, de seus pro- motores e dos historiadores. 0 s criticos europeus nos anos 20 enfatizavam sua independencia face aos acha- dos dos contemporhneos europeus, desconhecidos no k o de Janeiro naquela Ppoca,

    A influsncia de Debussy sobre a p r o d u ~ g o de Vil- la-Lobos nos anos 10 P reconhecida por musicologos, que destacam tambtm sua permeabilidade a elemen- tos da mhsica popular carioca, independentemente de

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  • ELIZABETH TRAVASSOI

    qualquer preocupaqiio explicita, nessa &poca, corn a racionaliza~go dos procedimerltos a partir de urn cre- do artistic0 nacionalista. Nesse sentido, a experitncia con1 os modernistas e suas idtias, juntarnente com a primeira viagem a Paris, em 1923, hi importante para que investisse na c o n s t r u ~ ~ o de ulna n~usica moderna cuja originalidade seria dada por sua pr6pria intuiqgo do Brasil. Ngo era, contudo, um te6rico preocupado corn a elabora~iio de uma doutrina, e seus bi6grafos observaram que, nele, a criaqgo dos mundos sonoros parece anteceder a elaboraqgo dos meios ttcnicos.

    Em urn artigo de 1924 para a Amk~ica B~ilsileim, Mirio fez uma avalia~iio precoce da Semana e apontou o carater disparatado dos eventos que congregaram ar- tistas de perfis variados, entre eles Villa-Lobos. Pois em sua obra conviviam harmonias impressionistas e real80 ao impressionismo "na constitui~iio formal das peqas, como na niridez crua, incisiva dos ternas". Apontava, portanto, para os sinais de primitivismo e energia telh- rica que constituiarn, no entender dos criticos euro- peus, os tralos rnais salientes da modernidade de Vil- la-Lobos, cornparaveis aos de Stravinsky e freqiiente- mente atribuidos origem do compositor nos tr6pi- cos, junto B natureza abundante e selvagem.

    0 s acontecimentos que se seguiram i Semana fo- ram decisivos para a consagra~go international de Vil- la-Lobos, cujo eco era ouvido irnediatamente no Bra- sil. 0 s brasileiros residentes em Paris quando da sua

    chegada (Strgio Milliet, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade) incumbiam-se de disseminar, nas revistas e jornais brasileiros, os feitos daqueie que j i era acla- mado corno o maior compositor brasileiro vivo. Da- rius Milhaud apresentava-o ao publico francts, na Re- vue Musicale, ao lado dos dois autores por cuja musica se encantara, Marcelo Tupinambi e Ernesto Nazart. h aclamaqzo era motivo de orgulho e, i s vezes, de alguma preocupaq8o. Seri que os brasileiros depen- dem da critica europkia at t para reconhecer os gtnios nativos? "Faqamos n6s mesmos nossas celebridades", conclamava Mhrio em 1928.

    A exceqiio da primeira p e p da strie, o grande con- junto dos Choros foi escrito depois de 1922, repercu- tindo o contato de Villa-Lobos com os mecenas e ex- poentes intelectuais do modernismo. Todos foram agraciados corn dedicatdrias, procedimento costu- meiro por nleio do quai um compositor retribui as didivas materiais dos que financiam sua atividade criativa ou as didivas imateriais que concorrem para beneficiar sua reputa~go. A Paulo Prado, que garantiu a apresentaqiio de Villa-Lobos na Semana, deixando-o livre para contratar inttrpretes, foi dedicado o Choros nG 10. 0 s efeitos vocais do coro masculino repetindo silabas das palawas pica-pau e pau-brasil, no Choros nQ 3 , de 1925, aludem B poesia Pau-Brasil, ainda mais conhecendo-se a dedicatbria a Oswald de Andrade e sua mulher Tarsila do Amaral. A Carlos e Arnaldo

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  • ELIZABETH TRAVASSOS M O D E R N I S M 0 E MUSICA BRASILEIRA

    Guinle, que ajudararvl Villa-Lobos em suas viagens B Europa, s20 dedicados os C:/~oror nG 4 e nc 7, respec- tivamente. Composros durante a estada na Europa, cont2m ecos de rnusicas indigenas, reais ou imagini- rias, cita56es e alus6es indiretas Bs musicas das popu- l a~6es rurais e urbanas, em p e p s cuja fluencia, espon- taneidade e espirito improvisarcirio os analistas asso- ciam ao estilo de performance dos chorijes. Estes ele- mentos estao entrela~ados cm procedimentos harm& nicos caracteristicos do stculo XX, como as dissonbn- cias e os ostinatos ritmicos, a austncia de desenvol\ri- mento temitico e a preferencia pelos encadearnentos raps6dicos de motivos.

    Dentre os prornotores de Villa-Lobos na Europa estavam o pianista Artur Rubinstein e a cantora Vera Janacopoulos, que fez uma carreira international de sucesso entre 1914 e o final dos anos 1930, q~lando retornou ao Brasil. 0 s programas de seus concertos incluiam autores brasileiros, alem de Igor Stravinsk>: Sergei Proltofief e outros autores con1 quem mantinha rela~6es pessoais. Sua coleq2o particular de partituras, que comeGa a ser examinada, traz B luz novos dados para a compreensso da carreira de Villa-Lobos. 0 ini- cio do relacionamento entre Villa-Lobos e Vera Jana- copoulos data, provavelrnente, de 1920, cluando a cantora esteve no Brasil. Desde entiio, Vera estreava obras de Villa-Lobos nos palcos internacionais, como fez em 192 1, interpretando trts peGas das M i ~ ~ i n t u n z s

    num concerto em Paris. Uma descoberta reveladora t a c6pia manuscrita dos Pribaoutki, de Stravinsky, do punho de Villa-Lobos, datada de 1920. 0 contato com a musica do compositor russo antecede, entiio, a primeira viagem do brasileiro B Europa. E o que depreende Manuel Correa do Lago no artigo "A m6- sica do stculo xx no acervo Janacopoulos/Uni-Rio", que descreve a referida cole@o. Nenhuma rela520 foi estabelecida ainda entre o convite de G r a ~ a Aranha e a reputasgo de Villa-Lobos junto a Vera Janacopoulos e seus amigos cariocas, nem a existtncia do manus- crito diminui o alcance das ousadias do compositor, embora permita rever as afirma~6es a respeito da in- venqso de ttcnicas cornposicionais por um modernis- ta instintivo isolado nos remotos tr6picos brasileiros.

    Mario d e Andrade , modern i smo e nacional ismo

    Com Villa-Lobos em pleno process0 de c o n s a g r a ~ ~ o na Europa, ocupado com a elabora~go dos Choros, e com Mdrio de Andrade assumindo o lugar de pensa- dor e critic0 da mlisica no Brasil, o movimento deri- vou em modernism0 nacionalista, que se firmou como a corrente estttica hegem6nica at t meados dos anos 1940. A racionalizas~o da estttica nacionalista pode ser sintetizada em cinco proposiqSes: 1) A mh- sica expressa a alma dos povos que a criam; 2) a imi-

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  • ELIZABETH TRAVASSOS

    ta~5.o d o modelos europeus tolhe os co~irpositores brasileiros formados nas escolas. for(ados a ulna ex- press50 inaut6ntica; 3) sua emancipa~80 serd uma de- salienaciio mediante a retomada do contato coln a musica veniadeirameote brasileira; 4) esta miisica na- cional ent i em foi-maqio, no ambientr p o p ~ ~ l a ~ e ai deve ser buscada; 5 ) elevada artisticamente pel0 tra- balho dos cornposirores cultos, estari pronta a figurar ao lado de outras no panorama internacional. le~rando sua contribuiqzo singriar ao patrimenio espiritual da humanidade.

    Essas idiias de Mirio foram expostas no Eninlo iobi-e n mibica bi,asiIei~n, verdadeiro manifesto do mo- d e r n i s m ~ nacionalista, inspirado na "li~5o" de Ma- nuel de Falla, segundo quem a dnica maneira de fazer mlisica universal era fazer musica "regional".

    A lijgica de encadeamento das proposi~oes fiji na- turalirada gratas B permanencia das representacnes sobre a musica popular que ela mesma engendrou e sistematizou. Para pensi-las em sua novidade, con- vem lembrar que o inicio do periodo republicano no Brasil foi marcado por uma verdadeira obsessjo peio progress0 e por ulna ~nodern izaq~o civilizatdria cujo referencial era dado pela Europa ocidental A menta- lidade progressista e cosmopolita que se instalou entre as elites negava, como afirmou o historiador Nicolau Sevcenko, "todo e q~ialquer elemento de cultura po- pular que pudesse macular a imagem civilizada da so-

    ciedade dominance". Nesse clima pouco propicio ao populismo, a prorimidade das culturas populares nos centros urbanos mais prdsperos foi vivida como pro- miscuidade. A saida purificadora era expulsar os po- bres e portadores de heranps culturais tradicionais dos centros, como ocorreu nas interven~Bes urbanis- ticas na capital. Paralelamenre, havia tentativas de er- ~adicac50 de religiBes afro-brasileiras e de controle po- licial das festas religiosas e carnavalescas. Isso ajuda a dimri~sionar qu2o eesandaloso arec cia o elogio de mhsicas identificadas como tipicas de negros e mes- t i p s . A face pliblica das culturas popuiares, exposta eln espaqos como or arredores da igreja da Penha, no Rio de Janeiro do inicio do stculo, envergonhava or setores culturalmente orientados para a Europa. Visto pelas lentcs racialistas e evolucionistas, o Btasil preci- sava apagar a niidoa das racas inferiores e dos povos culturalmente atrasados instalados no rerrithrio na- cional.

    A modernizacBo conceblda por artistas nos anos 20 remodelou a percepqBo negativa da particularidade brasileira, revendo tambim um inomento anterior da histdria no cjual se manifestara o anseio d r 1ibertaqPo do jug0 cultural europeu - o romantismo. A nacio- llalizacgo musical projetada pelos modernistas retira- va sua f o r p da insarisfaqio corn a incorpora(50 epi- dtrmica de cilulas ritmicas, melodias ou fragmentos melddicos populares que davam coloiido local mas

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  • ELIZABETH TRAVASSOS

    n50 alteravam as formas de expressio. A c i ta~5o vice- jara entre compositores do sCculo XIX e adentrava o skculo XX, sem afetar a estruturaq50 da mhsica con- forme tdcnicas composicionais e formas consagradas, associadas por sua vez a agrupamentos instrumentais e vocais especif cos. Deve-se observar que a anlplia~50 do universo de timbres por meio do uso de instru- mentos que n5o pertencem B orquestra sinf6nica - alguns imediatamente evocadores da pritica popular - ou da reuni5o inusitada de instrumentos conven- cionais teve lugar pioneiramente nas obras de Villa- Lobos: reco-reco, cuica e caracaxl, por exemplo, estio no naipe de percuss50 de alguns dos Choros.

    0 period0 modernista n50 inventou o naciona- lismo musical, que j6 tinha voga desde meados do sC- culo anterior, contando inclusive com defensores da a l ian~a entre coleta de folclore e processamento artis- tico. U m deles foi Alberto Nepomuceno (1864- 1920), que enfrentou dura opos i~ io , na critica jorna- iistica, Bs peqas que estreava no Rlo de Janeiro no ini- cio do sdculo. Notabilizou-se pela campanha em pro1 do canto em p0rtugui.s - que ainda levantava obje- ~ 6 e s - e p6s miios B obra numa serie de cang6es sobre textos de poetas e escritores brasileiros. Em 1904, apresentou ao pliblico carioca o Prel6dio da 6pera 0 gamtuja, nunca acabada, corn versos adaptados por ele mesmo do romance hombnimo de Jose de AIen- car. No Prellidio, serviu-se de uma mlisica popular

    de sucesso na tpoca, um maxixe que foi o gancho para a critica severa de Oscar Guanabarino n' 0 Pazz. A ciragZo dava i obra, segundo o critico, um "tom chulo, baixo, ordinirio, que por associag2o de idtias se liga a musica, cujos fins devem ser mais elevados". Anos depois, quando de uma outra apresentag20 do Prel6dio no Instituto Nacional de Mhsica, afirmou que a obra ficaria bem "num teatro maxixeiro ou num cinematt~~rafo". Guanabarino, como se v?, Lorna a dignidade social da fonte inspiradora como medida para estimar o valor da obra. Para ele, a d a n ~ a de genre baixa conspurca irremediavelmente a musica que se quer artistica, por niais que a elaboraggo possa tentar transformi-la. 0 episbdio, doloroso para Nepomuce- no, ilusrra a imagem da musica popular produzida pela vis2o elicista de fragbes do mundo artistic0 ca- rioca do inicio do stculo XX.

    Autores corno Nepon~uceno, Alexandre Levy e Brasilio Itiber? da Cunha, nascidos em meados do sC- culo XIX e considerados precursores do nacionalismo, serviram-se da citagso e dos titulos evocativos da cul- tura musical popular. A peqa final da Suite b~asi ie i~a para orquestra, de Leiy, chama-se "Samba". A Sdrie brasileira de Nepomuceno cita a can550 do "Sapo cu- ruru" na prinieira pane, e a ultima foi denominada

    . '< "Batuquen. A srrtanela, fantasia caracreristica" para piano. de Itiberi, foi anunciada em 1869 como obra representativa de u n ~ nlovimento de nacionaliza~ao e

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  • ELIZABETH TRAVASSOS

    cosrurna ser referida como pioneira na citaqgo de me- lodias da tradif2o oral, no caso o tema de dansa "Ba- laio, meu bem, balaio", que aparece numa das sefijes. Nenhum desses desempenhou o papel de adversdrio declarado dos modernistas, que coube, como se viu, ao nlais famoso milsico brasileiro at-& ent50, Carlos Gomes.

    Faltava a esses autores, do ponto de vista moder- nista, a intimidade com a miisica brasileira que tor- naria a cita@o urn procedimento superado. 0 s ele- mentos nacionais n5o estariam mais visiveis (e audi- veis) en1 melodias e cklulas ritmicas, mas poderiam desaparecer, absorvidos no recido das obras. As 6pe1-as com que Carlos Gomes granjeara aplauso na Itilia eram buns exemplos do problerna que os modernistas diagnosticavam: corn a roupagem do melodrama ita- liano e da i ~ ~ s t r u m e n t a ~ Z o sinfGnica, vestiam-se libre- ros que falavam de um longinquo Brasil; as persona- gens do drama cantavarn no estilo vocal do belcanto. Como resultado, Aidas feitas sob medida para Verdis, no dizer de Mdrio. Em outras palavras: exotismo, fas- cinio pelo remoto, sedu@o da diferenfa, compreen- siveis num europeu co~l lo Darius Milhaud, mas u n ~ tiro pela culatra nos planos nacionalizadores, pois a rneta ambiciosa do modernismo nacionalista era fazer con1 q i ~ e os compositores falassem a lingua musical do Brasil como quem fala sua lingua materna. A ci- tafso estd ao alcance de qualquer autor, e indepen-

    3. Lembrete de Mario em sua casa junto aos livros.

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  • 4 Villa-Lobos, 1923. L 5 Cdpa da par t i tura original das Bach~anas, 1930

    6. Retrato de Mar lo de Andrade. Oleo sobre tela de Lasar Segall, 1927.

    7. Villa-Lobos ern i i ieio a mascaras e instrurnentos do bloco carnavalesco Sodade do Cordso, 1940.

  • b~1e-n~ o que carib) ... direi de que !)air-Po + dente da rlacionalidade; a produS2o de milsica nacio- nal i. prerrogativa dos artistas enquanto mernbros de uma cornunidade nacional. 0 desejo de alcanpr uma identifica520 imediata

    e emocionalmerlte carregada com a mhsica brasileira fez da nacionaliza~go urn desafio. Niio seriam os c9n- ticos de candombli e as danGas rurais ex6ticos para urn rnlisico formado nos conservat6rios de S2o Paulo ou do RIO de Janeiro? N2o seriam t2o exdticos para este rnilsico quanto para os egressos das instituiqdes congtneres europtias? N2o seria exotico o canto dos indios Pareci, gravado por Roquette-Pinto e usado por Villa-Lobos no Choros n" 3? Por certo que sim, e a atraqzo que essas sorioridades exerciam sobre os ho- mens cultos era semelhante Bquela que fez Milhaud encantar-se pelos rnaxixes cariocas. A fronteira que se- para exotisrno da incorporaG20 profunda da mhsica popular era dificil de traGar.

    A intimidade com a cultura popular poderia ser traida tambirn nas coletas de folclore - reposit6rios de inspira~go para os artistas -, sobretudo quando deixararn de ser concebidas como tarefa diletante. Passos importantes na demanda por pesquisas crite- riosas tinham sido dados por Amadeu Amaral, nos anos 1920, assustado corn as freqiientes interven~des abusivas nos "documentos", alguns confessadarnente produzidos pelo suposto recolhedor! Corrigiam-se os

    I 8. Unia geografia musical do Rio de Janeiro, nas Scenas d a vida carioca, 1 "erros" da linguagem popular, impunha-se a censura de Raul Pederneiras. I

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  • ELIZABETH TRAVASSOS

    sobre textos ou simplesmente selecionavam-se aqueies que o pesquisador considerava mais bonitos ou me- Ihores. hlirio de Andrade reconhecia sua divida para corn Amadeu Amaral ern martria de folclore, embora separados em mattria de literatura pelo "espaqo abis- ma1 de duas gera(6es contiguas", como express0 em cr8nica de 1939 que levava o nome do folclorista. Quando dirigiu o Departamento de Cultura de Sio Paulo, entre 1935 e 1938, deu continuidade aos pla- nos de organizaq20 institucional do estudo da cultura popular. Criou entio a Sociedade de Etnografia e Fol- clore, que tinha, entre os sbcios fundadores, o com- positor Camargo Guarnieri. E m 1938, o Departa- mento enviou ao Nordeste uma missio de pesquisas folclbricas. A coleta de mGsica popular passaria do es- tigio rudimentar em qiie estava quando o folclore se tornasse uma citncia, corno ja ocorria em ourros pai- ses. Mirio nunca se considerou pleilamente i altura dos requisites de teoria e metodo que a nova ciencia exigia, ainda mais porque tinha feiro a maior parte de suas coleras numa viagem ao Nordeste em 1928- 29. Lamelitava os defeitos qLie mxergava no seu prd- prio trabalho, mas tinha confiansa na validade dos resultados obtidos graqas a um imenso entusiasmo pela musica popular.

    Mirio foi quem mais reriamenre se debrucou so- bre o problenla das fronreitas entre exotismo e nacio- nalismo, em rexros que n io faziam segredo de suas

    hesitaq6es. Ao faze-lo, elaborou uma viszo de povo e nag50 no Brasil, que mencionarei adiante. Paralela- mente, buscou apoio na nos50 de express50, enten- dida como dinBmica pr6pria aos atos de crlaqao que partem da realidade interna ao individuo e dirigem-se ao mundo externo. O trabalho artistic0 calcado em csnones europeus transmitidos nas escolas gerava obras que contrariavam a express20 auttntica do mu- s i c ~ brasileiro, no period0 moderno. Que o Padre Jost Mauricio se expressasse musicalmente nos nloldes do classicismo europeu era compreensivel, pois na tpoca em que viveu n2o havia propriamente um verniculo musical. No stculo XX, portm, as linhas mestras deste verniculo estavam em plena cristaliza~io. Este era quase um mote do folclorista MBrio de Andrade, an- sioso diante da instabilidade das cantigas brasileiras, nenhuma multissecular como queriam os te6ricos eu- ropeus de folclore musical. A mtisica popular brasi- leira, cabtica (ainda), tinha menos de um sCculo de idade, e era com essa triidiGio modesta que os cria- dores deveriam lidar.

    N o tocante B pritica criativa propriamente dita, Mir io de Andrade exercltou sua proposta numa obra literiria, Maczlnaima, exemplar quanto ao processa- mento da cultura popular prezado pelo autor. A trans- posi@o de experimentos literirios para a musica n io 6 automatica, mas com esse livro Mirio la altm da orientacio do esteta que n i o se envolve diretamente

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  • ELIZABETH TRAVASSOS

    com a p r o d u ~ i o . Nele, n2o & so o conteitdo da ex- ptessio que diz respeito a cultura popular; a propria forma esti contarninada pelas forrnas de expresslo po- pulares, algo que o autor quis rnanifestar chamando o texto de rapsddia. A narrativa transpiie ttcnicas com- posicionais da mhsica popular, corno a agrega~lo ad bar de episddios e os processor de variayio usados pe- 10s cantadores. 0 rapsodo fala de dentro da tradiyio. US& a linguagem de seus personagens e n2o detkm uma perspectiva externa, histdrica, antropolitgica ou psi- coldgica. Faz-se rapsodo para salvar do esquecimento os feitos do "heriti" da tribo Tapanhuna e a rnem6ria de um rnundo primitivo, encarnada nas maneiras de falar e de pensar, nas explica~6es miticas do cosmo, na confianya na magia e na sabedoria dos provtrbios. Pode-se argumentar que Macrinahna tem sernpte boa dose de exotismo, mas Mirio n2o estava retratando indios ou prirnitivos das Americas, e sirn a mentali- dade primitiva que os brasileiros catregam, na medida em que recorrem B rnacumba e outras magias, que se conformarn com a autoridade da t rad i~zo e com as situaq6es dizendo "pacitncia ...". Passando a limpo o bom selvagem do indianismo rombntico, corno no movirnento antropofigico de Oswald de Andrade, desmascarava o mod0 de ser brasileiro - o modo dos indecisos. com um p i no Uraricoera, mas prontos a se jogar nos brayos da Eutopa, corno ressaltou Gilda de Mello e Souza em 0 tupi e a alazin'e.

    A insatisfaqio com o rnodo de se relacionar com a rnusica popular que predominara entre os anteces- sores, aliada Bs reay6es anti-rombnticas que caracteri- zaram os rnovirnentos modernistas, produziram algu- mas t8nicas do discurso de ruptura corn o romantis- mo. Dentre elas, a repulsa a tudo o que pudesse ser qualificado de sentimental. A reaqlo, em Mirio, n l o visava a abolir o t l o decantado podet da rnitsica de mobilizar afetivamente os individuos e estava a servi- 50 da afirma@o de uma nova sensibilidade, propria- mente moderna.

    A tese da arte corno express20 que, a partir d o final do ~ 6 ~ ~ 1 0 XVIII, suplantou as teorias da arte corno imitaqio da natureza e irlstrume~lto de edifica- $50 moral e religiosa vingou, facilmente na poesia e na mhsica, menos cornprometidas com a descriyso o u mesmo imprdprias B representaqio da tealidade. Ne- las, os signos sonoros operarn de marleira peculiar. 0 s significantes - i~nagens sonoras ou graficas - n l o remetem a teferentes externos ao cddigo, da mesrna forma con10 ocorre nos signos verbais. 0 problema da produG20 de significado por meio de sons musicais C objeto de diversas teorias, e n lo falta quem advogue a pureza da linguagem musical, cuja "defici@ncia2 re- ferencial seria latgamente compensada pela riqueza da a b s o r ~ i o num cddigo singular. 0 s enigmas da semhn- tica musical eram um tema caro a MBtio de Andrade. D e seus estudos, concluiu que o destino da rnhsica

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  • ELIZABETH TRAVASSOS

    n50 t descrever o mundo, em que pese i s tentativas malogradas da "musica descritiva" e i s onomatopdias, que s5o icones rudimentares. Sua singularidade reside no poder de exteriorizar a dinSmica psiquica daquilo que ele denorninou, freqiientemente, corno~6es. Vt- se sua preocupa~5o corn o assunto em diversas obras que tratam de rnhsica, dentre elas uma inacabada In- trodug~o h e s t i a musical, recentemente publicada.

    Engajando-se no debate que era travado desde o s6culo XIX entre adeptos da expressPo, da descrifso e da musica pura, Mario elaborou uma posiglo pr6pria. Para ele, a musica P a rnais pura das artes porque dis- pensa por completo urn assunto, ao mesmo tempo ern que seu poder dinamogenico - de despertar rea- 56es corp6reas i s sensa~6es - 6 imenso. 0 sentido da rnilsica P intuido, resulta de uma compreens5o sern conceitos, conforme afirrnara o music610go francts Jules Cornbarieu. Essa f o r p misteriosa fez dela urn par obrigat6rio das religi6es e levou os homens a ra- cionalizar as dinarnogenias, associando-as a afetos identificaveis. Em alguns casos, afetos coletivos, como o ethos que os te6ricos da Grdcia antiga reconheciarn em cada urn dos modos. Em outros casos, as dina- mogenias converteram-se, nurna cadeia de associa~6es de idkias, em sentimentos individuais, graFas ao que se chegou a acreditar na capacidade descritiva de uma linguagem eminentemente pura - ou, corno diria o critico Edouard Hanslick, lido e citado por Mbrio, que tern nela rnesma o objeto de sua representa~so.

    Purismo e descritivisrno tinham seus represen- tantes, na rn6sica ocidental, nos periodos clAssico e rornsntico. 0 pr~rneiro desenvolveu a rnhsica pura e atingiu uma culrninhcia artistica exemplar. No se- !gundo, predominaram as tendtncias a fazer da musica uma serva da literatura e de sentimentos individuais. As tendtncias falham na explora@o das qualidades intrinsecas d o som musical e neutralizarn seu poder dinarnogenico e coletivizador. Mas as musicas primi- tivas e populares, segundo Mario, nso caem na arrna- dilha intelectualista e individualista da descri~80 e ex- pressso de afetos; lidam de outra forma corn as po- derosas d i n a r n o p i a s musicais, dando-lhes f u n ~ 6 e s migico-religiosas, por exemplo, ao incorporb-las nos rituais e na vida propriamente social.

    As descobertas da psicologia e da antropologia fo- ram ferramentas com as quais os artistas e pensadores das artes aprofundaram a critica ao romantismo mu- sical. Algurnas correntes modernistas e de vanguards procuraram desvencilhar-se das normas academicas enrijecidas, valorizando o instinto e a espontaneidade, como fizerarn surrealistas e expressionistas. Acredita- va-se que essas virtudes se manifestavarn nas artes dos povos primitivos e orientais, como tambkm na pro- du@o das crianfas e dos loucos - em suma, entre aqueles cuja exp ressPo n2o era policiada pelas conven- @es. Nas nas6es divididas entre uma pequena elite culta europeizada ou ocidentalizada e uma p o p u l a ~ l o

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    pobre de camponeses, artesios e trabalhadores, o veio psimitivista encontrou no povo um equivalente dos primitivos. Esta realidade social interrlarnente divi- dida impulsionou os rnovimentos de coleta de fol- clore nos paises americanos, na Europa central e na do Leste.

    A idtia de urna necessidade humana de expressio, geradora da milsica e das outras artes, desencadeia di- versos problemas. A mera exteriorizaggo das sensag6es n io basta para dar origem ao objeto artistico, pois este so se constitui, de fato, quarldo elaborado dentro de um codigo partilhado que pertence ao reino da cultura. N5o se pode atribuir a Mario de Andrade uma defesa simples do espontaneisrno - coisa que aliis muito o afligia, cioso que era do trabalho arte- sanal sobre a mattria, do conhecimento ttcnico das tradig6es, do estudo e da responsabilidade social do artista.

    Outro problems, que repercutia diretamente no ptojeto de nacionalizagso artistica, era resolver a di- cotomia entre express50 como fen6meno que diz res- peito B subjetividade do individuo e expressso como fen8meno que diz respeito aos membros de uma co- letividade. A dicotomia era sentida por Gallet no mo- mento de transportar as canc;iics populares para sua propria obra. Desde 1924, quando publicou o pri- meiro Album de cang6es populares harmonizadas - melodias e textos da tradiFho oral para os quais com-

    MODERNISM0 E MUSICA BRASILEIRA

    purlha acompanhamentos ao piano e outros instru- mentos -, defrontou-se com as dificuldades de tratar artisticamente o folclore. Ern 1927, confidenciou a Mario, por carta, que percebia incompatibilidade en- tre "musica interior" e "musica brasileira". Seu inter- locutor era sensivel ao problems, constatado no En- snio sobre a mzisica brasilei~a: "Ou o compositor faz mlisica nacional e falsifica ou abandona a f o r ~ a ex- pressiva que possui, ou aceita esta e abandona a ca- racteristica nacional."

    Uma das so lu~6es i ~ n a ~ i n a d a s por Mario foi tra- Gar uma homologia entre individuo e na~i io , ambos funcionando de maneira semelhante na produgso de cultura e na criagso artistica. Liberto das conveng6es acadtmicas alienantes, o artista individual poderia ex- teriorizar seu mundo interno de comoc;6es, devendo, em seguida, submeter a criagio bruta ao trabalho ar- t i s t i c~ de poda e refinamento. 0 mesmo processo te- ria lugar no plano coletivo, corn o "povo" ocupando o lugar das regi6es psiquicas inconscientes nas quais tern origem a cria~iio autenticamente expressiva. Em seguida, os artistas tomariam essa mattria-prima rude para transformi-la em obras de arte. Assim, a mlisica brasileira, preparada na "inconsciencia do povo", seria transportada para o nivel artistico pelos compositores forrnados nas escolas, dotados das melhores tkcnicas e do sentimento de um dever historic0 para com a cultura nacional.

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    Havia entso que fazer coincidir subjetividade in- dividual e cultura, ponto de fuga vislumbrado ao fim de u m processo evolutivo da musica e dos musicos brasileiros. De inicio, os compositores deveriam mi- litar em pro1 da nacionalizaf20 mesmo sacrificando os impulsos expressivos. Isso significava, por exemplo, coletar cantigas populares e harmonizi-las, tarefa con- siderada humilde demais para criadores tornados pela arnbi+o de ~ r i~ ina l i dade . Assirn, seria adquirido o gosto pela mlisica popular e suas caracteristicas. Fi- nalmente, vencida a fase de nacionalismo, os artistas fariarn rn6sica nacional tout couut. Uma esptcie de aculturaq~o harmonizaria individuo e cultura, fazen- do com que a express50 individual fosse, automati- camente, express50 nacional. Por isso rnesmo, era pre- ciso frear as tend6ncias egoisras dos artistas que nso levam em conta a realidade social e cultural que os cerca. Por isso tambim, era preciso ir altm da citaq5o e do enxerto de melodias populares brasileiras em obras estruturadas conforrne as tkcnicas de harrnoni- zaqso, contraponto e orquestraf50 europtias. Em lu- gar de recortar itens isolados da tradisso brasileira, era preciso um entendimento sglobal dos processos criativos e regularidades estruturantes da musica po- pular, como escalas, movimenta@o ritmica, arabes- cos, forrnas e combinaq6es instrumentais.

    Naturalmente, a musica e a personalidade de Vil- la-Lobos tanto fascinaram quanto criaram impasses

    para o inventor desse prograrna complexo de nacio- nalizasi%o. Em primeiro lugar, Villa-labos n2o preci- sou cumprir um roteiro sistemdtico de coleta da m6- sica popular. As viagens que fez pelo Brasil afora, na juventude, eram u m misto de trabalho e aventura. Aparentemente, o compositor n50 se deixava tolher pela critica B autenticidade dos documentos etnogri- ficos, servindo-se com desenvoltura do que lhe che- gava aos ouvidos e B lembranga. Tambtm n5o silen- ciou a difus2o de hist6rias fantasiosas, em Paris, sobre sua captura por indios na selva brasileira. Cedia B ten- ta+o do exotismo que podia encantar os europeus, mas ni%o tinha interesse para o Brasil. Este tipo de comportamento fazia Mdrio rneditar sobre a vaidade do compositor (apesar de tudo, o maior que conhe- cia): " ... igrlorante a t t a misiria do que i criticamente o Brasil musico, a obra dele se tornou um reposit6rio incomparavelmente rico dos fatos, das constiincias, das originalidades musicais do Brasil. N2o tem quase coisa do nosso populirio musical, de que a gente nso va encontrar exemplo na obra do Villa. Coisas que ele absolutamente ignora ...", dizia Mario numa carta a Prudente de Moraes, neto, em janeiro de 1933.

    Exemplo da avaliaqso ambigua t dado no comen- tdrio das Danras afiicanar em seguida a um concerto paulista em 1929. Como os criticos europeus, Mdrio tainbtm escutava em sua mdsica primitivismo e exu- berBncia tropical, mas n2o podia atribuir tais impres-

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    s6es sonoras B nacionalidade de Villa-Lobos. Ao con- tririo, elas rnostravam como o compositor sucumbia ao exotismo de "expressar em vez das constincias nos- sas, o que dentro da cerra americana era manifesta5so curiosa e moribunda". Se traduzem algo, t o tempe- ramento mesmo do artista individual.

    Altm do mais, a responsabilidade social do artista implicava sacrificios que Villa-Lobos nso parecia estar disposto a fazer. Dai o contraste, percebido por M i - rio, entre o individualism0 de Villa-Lobos e o des- prendimento de Gallet. "Se o lema de Villa-Lobos t 'EU sou EU', o de Luciano Gallet t um dos mais de- licados 'sejamos n&'." 0 primeiro era um gtnio, de quem s6 poderiam surgir epigonos; o segundo, fun- cional, capaz de cultivar discipulos. Ao longo da d t - cada de 30, Mdrio esforqou-se por manter uma cri- tics musical impartial, nso deixando que a censura moral contaminasse a admiraqgo pels mhsica de Vil- la-Lobos.

    Ao contririo de Mignone, Gallet ou Guarnieri, que aceitavam e procuravam a orienta~20 de Mirio, Villa-Lobos a dispensava. Curiosamente, Mbrio acre- ditava ter sido o responsive1 pelas Cirandas. Como reparava a resisttncia de Villa-Lobos ao uso direto do folclore, coisa que niio julgava desmerecedora do ar- tista na fase de militincia nacionalista, escreveu-lhe uma carta provocadora elogiando um inexistente compositor chileno. 0 rival ficticio compunha p q a s

    magistrais na forma A-R, a primeira se52o aproveitan- do um terna popular, a segunda, de invenq2o livre. Alfinetava, assim, a vaidade de Villa-Lobos, para em seguida pedir-lhe que escrevesse p q a s de dificuldade mtdia para seus alunos de piano. Meses depois, no Rio, Villa-Lobos o chamou para ouvir as Cirandas. 0 "bdrbaro insulado" atendia, a sua revelia, a uma en- comenda de Mbrio.

    Folclore e cultura de massa

    A busca do acervo popular deparava-se, ainda, corn outro fator cornplicador: os crittrios de autenticidade, que resultaram num posicionamento ambiguo com relaqiio mhsica popular urbana. Nas palavras de Amadeu Amaral, convinha distinguir o cantador da roGa do trovador da esquina, a cantiga rural, singela e an6nima - vista como auttntica -, da cantiga ur- bana, falsarnente instruida e com "pretens6es B lite- ratura".

    A mhsica ligada ao rnercado cultural modern0 era olhada corn desconfianp e, eventualmente, excluida da classe das produq6es populares e nacionais. De um lado, havia a preocupaq20 dos artistas com o que o fil6sofo alemso Walter Benjamin chamou de "perda da aura", decorrente da reprodus20 massif cada. A de- manda por mdsica no setor de divershes urbanas e o

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  • ELIZABETH TRAVASSOS

    surgimento de consunlidores que nao tinham acesso as salas de concerto e teatros de 6pera, mas iam aos cinemas, tearros de revista e cafds, colocaram em xe- que diversas crenCas que fazem parte do ideirio da mhsica seria. D e outro lado, a musica popular das cidades mostrava-se mais vulnerivel a influtncias in- ternacionais que poderiam atrapalhar o process0 de nacionalizasgo. Alkm disso, nem toda a mhsica po- pular parecia ser de criaqgo estritamente popular; par- te dela soava con10 versa0 facilitada da mdsica culta: por exemplo, as cans6es calcadas em Arias de 6pera famosas, com textos de poetas locais. Outra parte soa- va como c6pia da mhsica folcl6rica: por exemplo, as toadas e poemas sertanejos de Catulo da Paix5o Cea- rense, ma1 vistos pelos modernistas. Estes fendmenos desestabilizavam a divis5o do universo cultural em dois niveis - o erudito e o popular.

    A cultura popular concebida pelos modernistas ngo se confunde com o que veio a ser chamado cul- tura de massa. Nessa concep@o, exalta-se a pottncia criativa do povo portador da semente da tradiq2o bra- sileira, ao mesrno tempo em que se insinua a redusgo das classes populares i condis5o de consumidoras e reprodutoras de modismos importados. Essa concep- $20 da cultura popular cindida entre rural-auttntico e urbano-massificado pode refletir, na sua vertente politica conservadora, o tenlor diante das transforma- q6es sociais implicadas na modernizaqgo como pro-

    cesso social que integra amplos setores da popula@o ao mercado e a participa~ao politics plena, reivindi- cando os beneficios da democratiza~go. Assim como pode tambdm aliar-se, em sua defesa da arre, B critica aos destinos da cultura engolfada na mercant i l i za~~o das produs6es humanas. A perspectiva "positivistan da mhsica popular -- aquela que mede a populari- dade por meio de nhmeros de tiragens, hitparades e outros mecanismos de q u a n t i f i ~ a ~ g o - k rejeitada pe- 10s modernistas.

    Portanto, a palavra "popular" imp6e cuidados que saltam aos 01110s na terminologia que rnapeia o universo alheio B mhsica das salas de concerto e con- servat6rios: fala-se de popular, mas tambkm de popu- laresco, semiculto e popularizado. A existtncia de tais categorias ngo priva o observador das dificuldades classificatorias, evidenciadas, por exemplo, na avalia- $50 da modinha por MArio de Andrade. Afinal, era a modinha, genericamence, mhsica popular, ou apenas uma parte da p r o d u s ~ o modinheira poderia entrar nesta categoria! Com o riome de modinha, deparou- se com Lima quantidade de c a n ~ 6 e s de amor que apa- reciam em livros populares, em partituras para voz e piano, na tradisso oral. Era, sem duvida, um tipo de c a n ~ z o cuja popularidade alcanpra diversos meios so- ciais. Mir io reuniu num i lbum, Modinhas imperiais, algumas dessas cans6es compostas nos tempos do Se- p n d o Reinado. Nelas, j5 percebia certa heterogenei-

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    dade estilistica resultante da presenqa simultinea de elementos populares e cultos, estes hltimos soando i s vezes pretensiosos. Como o caso exernplifica, quem tinha interesse na rnusica popular deveria ser capaz de reconhect-la em meio a uma vasta produqzo po- pularizada.

    M6rio nso deixava escapar nada: estudava Ernes- to Nazart e Chiquinha Gonzaga, pregdes de rua, ma- xixes e ntt o que derlominou "dinamogenias politi- cas", palavras-de-ordem ritmadas recitadas em unis- sono por manifestantes em comicios paulistanos. NBO era, naturalmente, um folclorista ortodoxo que apli- cava cegamente critkrios de identificas20 do popular. Entretanto, ao anotar melodias que encontrava em livros, que os amigos e alunos lhe levavam ou que ele mesmo recolheu nas viagens de pesquisa, geralmente acrescentava observaqdes sobre a validade dos docu- mentos para o conhecimento do folclore. Quando a cantiga chegava a seu conhecimento por meio de pes- soas cultas da cidade, procurava elucidar se a fonte original era de fato popular e se o process0 de trans- miss20 nBo impusera distorqdes. Como a linha divi- s6ria entre rural e urbano parecia-lhe artificial no Bra- sil, onde muitas cidades mantinham o estilo de vida e os costumes do campo, ~refer ia desenvolver o senso de discrimina@o. 0 faro do folclorista permitia pe- neirar nd m h i c a popular em geral os exemplos ver- dadeiros da tradisgo national. E peneirar na musica

    das cidddes coisas de valor, como os choros e a mo- dinha.

    A grande coleqzo de cantigas que M6rio reuniu em sua viagern ao Nordeste realizada entre 1928 e 1929 foi submetida a um exame dessa natureza. In- comodava-o a he t e r~~ene idade de origens - popu- lares, cultas, semicultas - e estilos musicais em certas dansas. N o repert6rio musical do bailado natalino chamado pastoril, havia p y a s de procedencias diver- sas, "umas nacionais, outras estranhas". Era um fen& meno cultural de " i m p o s i ~ ~ o erudita, de importas20 burguesa" e n2o chegava a ser popular. Nos reisados, nas chegansas de marujos e nos congos, outros baila- dos que estudou in loco, constatou a presensa de ele- mentos de cultura urbana e erudita, como fragmentos de irias. Praticamente todos eles eram encruzilhadas nas quais t inham sido depositadas virias tradi~des. Nem por isso eliminou-os do plano de Nu puncuda do ganzk, livro que sintetizaria todo seu conhecimen- to do folclore musical.

    A reflex50 sobre este tema orientou-se, ainda, por urn cornponente do ideirio nacionalista no Brasil: a busca d o tip0 ttnico brasileiro, cuja salvagSo, para al- guns, e danasso, para outros, estava na mestiqagem. A discusszo em torno da mestiqagem antecede o mo- d e r n i s m ~ ; j6 estava presente, no stculo XIX, na pro- du@o de intelectuais conlo Silvio Romero, e prosse- gue no skculo XX com G r a ~ a Aranha, Gilberto Freyre,

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    duzida nos cruzamentos musicais entre povos dotados de acervos culturais e perfis raciais distintos, vozes e sons concretos faziam-se ouvir na vida cotidiana dos intelectuais paulistanos e cariocas. 0 debate moder- nista t concomitante ao crescimento da industria fo- nogrifica, que arregimenta milsicos oriundos de di- versas partes do pais, das rodas de choro e bandas de musica, ranchos carnavalescos e telnplos das religi6es afro-brasileiras. A imagem de uma ampla casa cujos c6modos nzo sZo acusticanlente isolados foi usada por virios autores que falam do Rio de Janeiro nos tempos da Primeira Repliblica. Foi andando a esmo pelas ruas de SZo Paulo, no carnaval de 193 1, que Mirio de An- drade viu um grupo de negros d a n p n d o e cantando em frente a urn bar. Esbarrou por acaso num tipo de samba bastante diferente do hom8nimo carioca, na forma, instrumenta~50 e coreografia. Por serem os praticantes oriundos do interior do estado, chamou-o "samba rural".

    Se era preciso vencer a preguip para ir direta- mente B "fonte" e recolher mais do que o "acaso faz entrar pelo ouvido da janela", como pregou no En- snio, a a u d i ~ s o atenta aos sons da cidade j6 trazia bas- tante informa550 para um musico disposto a contri- buir para a nacionalizas50 artistica. Assim, h i muitos ecos, dispersos nos textos dos modernistas, da paisa- gem musical urbana, que nko pode ser completamen- te subtraida de seus escritos. J i se fez refertncia B pr6-

    tica de cantar modinhas, antigas ou novas, que cru- zara as barreiras entre classes sociais, mesmo antes do advento dos poderosos meios de comunicasko do st- culo XX. Barreiras nacionais tambtm nao tiveram efei- to na dissemina5ko da pratica modinheira, de que d i testemunho o numero de m6sicos europeus radicados no Brasil que se dedicaram ao gtnero, compondo mu- sics para versos de poetas brasileiros.

    Ainda que nko fosse considerada musica popular, a hpera italiana tambim alcan$ara as camadas popu- lares urbanas. Quando Mir io retratou alegoricamente os trabalhadores de S5o Paulo - sublinhando a pre- senGa dos imigrantes italianos - no poerna As enj- bratz~ras do Ipirarzga, eles cantam uma Aria de Puccini. Como em outras partes do mundo, aliis, trechos de hperas tornavam-se amplamente conhecidos, da mes- ma forma como os nhmeros musicais e de d a n ~ a das produ~6es teatrais.

    0 Ensaio pode ser lido como documento frag- mentado da paisagem sonora nas duas primeiras dt- cadas do stculo ~ x . 0 texto abre com uma refertncia ao maxixe, que desencadeia a discuss50 ttcnica da rit- mica brasileira. Como music6logo atento As sutilezas da performance, comparou vers6es do Pinih, maior sucesso do carnaval de 1928: uma embolada nordes- tina na quai teve origem aquele maxixe, a partitura impressa, a interpreta~zo em disco dos Turunas da Maurictia (grupo integrado por Luperce Miranda,

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    seus irrn2os e o cantor Augusto Calheiros) e a inter- p re ta~ao dada pelo "po\~on. 0 s responsiveis pela no- taszo grifica transformavam a g r a p ritmica do ma- xixe em "quase uma chatice". 0 trecho t notivel sob muitos aspectos, como a critica detalhada do docu- mento escrito, a identificaq2o da fonte regional nor- destina e, portanto, a conscitncia de sua pene t ra~so na danqa urbana. Mas revela, ainda, que meslno um ouvinte seletivo, ligado por seu oficio aos espaqos da musica culta, estava inevitavelmente exposto i musica popular urbana. N o mesmo texto, as referencias acu- mulam-se - a Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazart, aos hits como "Luar do sertSon e "Cabocla de Caxan- g in (ambas de Catulo da PaixSo Cearense e Jo2o Per- nambuco), ao "Urubu" tocado por Pixinguinha e aos Oito Batutas.

    Naquele ano de 1928, quando Mirio publicou esse texto, um grupo de sambistas moradores do bair- ro do Esticio, no Rio de Janeiro, organizava o bloco Deixa Falar, que depois se transformou em escola de samba. Segundo u m dos componentes, Alcebiades Barcelos (conhecido como Bide), a organiza~ao tinha como modelo urn rancho do mesmo bairro que tinha l i cen~a para sair i s ruas e n2o sofria intimidaq20 po- licial. 0 norne, por sinal, era uma alus2o i reputaq2o de vadios dos sambistas. Corn este e outros grupos, surgiu na cidade, no carnaval, um samba mais proxi- mo das batucadas refugiadas em locais de divers50 po-

    pular, diferente dos que chegavam aos discos at6 en- tso. Nos anos 40, j i n2o seria mais possivel falar de mhsica popular sem mencionar o samba carnavalesco carioca, como se vt na Pequena histdrza da 'amzisica, de Mirio, revista para publica@o em 1942. A vers2o an- tecessora praticamente n5o continha referencia ao samba.

    Mas m6sica erudita e popular acabaram por se constituir como objetos de hist6rias separadas, ten- dtncia que vigorou a t t pouco tempo, quando come- Can1 a surgir incurs6es panorimicas na totalidade d o campo musical, como por exemplo o livro 0 violdo azzll. Modernisnzo e musica populas, de 1998, de San- tuza Cambraia Naves. O clissico Histdria d~ mzisica b~asileira, de Renato Almeida, focaliza, numa extensa primeira parte, a m6sica popular: como que pairando acima da historia, fandangos e cantos de trabalho, xd- caras e batuques flutuarn estabilizados ap6s sua emer- gencia num ponto mais ou menos impreciso do pe- riodo colonial. A segunda parte trata da musica escri- ta, imersa numa hist6ria que Ihe t prdpria, contada por meio da apresentaqgo cronol6gica de autores e obras.

    Epilogo

    A dPcada de 30 t lenddria para a mhsica popular. 0 samba instituiu-se como seu gtnero por excelencia,

  • ELIZABETH TRAVASSOS

    na conscitncia dos brasileiros. A partir de 1935, as escolas de samba integraram-se definitivamente aos festejos oficiais do carnaval carioca. As emissoras de radio ampliavam seus programas musicais e contri- buiam para o estrelato dos cantores, como Francisco Alves, Mirio Reis, Orlando Silva. Estavam em plena atividade Noel Rosa, Ari Barroso, Lamartine Babo, entre outros. Ernesto Nazare, que ainda produzia nos anos 20, morreu em 1933 num hospital para doentes mentais. Apesar de ter alimentado o desejo de ser co- nhecido, tambtm, como autor de repert6rio pianis- tic0 para recitais, entrou para a hist6ria como o rei do tango. Gallet, seu admirador, tambtm faleceu no inicio da dtcada. Donga e Pixinguinha ainda viveram bastante - o suficiente para atravessar a chamada era do ridio, nos anos 40, e para ver surgirem a televisiio, a bossa-nova, o it-i t-i t e o complexo de repert6rios denominado MPB, ga tado nos festivais da can~iio nos anos GO.

    Mir io de Andrade e Villa-Lobos, corn tempera- mentos opostos, foram atraidos, ambos, para a esfera da politica cultural oficial, o primeiro inicialmente em S2o Paulo, o segundo no entzo Distrito Federal. Villa-Lobos deu inicio B campanha pela educasiio musical, que recebeu apoio do presidente Getulio Vargas. Sua estrattgia foi disse~ninar o canto coral nas escolas, mobilizando alunos e professores, estes ulti- mos preparados n u m curso especializado destinado a

    multiplicar a ideia que unia educac;iio musical e civica. Corn apoio do govern0 populisca, Villa-Lobos criou e dirigiu a Superintendtncia de Educasiio Musical e Artistica, depois Conservat6rio Nacional de Canto Orfe6nico. As apresentas6es rnonumentais que pro- moveu, regendo dezenas de milhares de vozes, inscre- vem-se nas grandes manifesta~6es coletivas patrioticas que utilizaram a mcsica como mecanismo integrador.

    A experihcia de MBrio no Departamento de Cul- tura foi drasticamente interro~npida pelos reveses po- liticos locais, em 1938, f ~ r ~ a n d o - o a um exilio auto- impost0 no Rio de Janeiro. De volta a Siio Paulo, con- t i n u o ~ colaborando em jornais, estudando e escreven- do. 0 banqz~ete, a introdus20 B biografia de Shosta- kovich e Caf constituem uma espkcie de testamento cifrado que se aproxima ora da idkia de uni2o entre vanguardas estetica e politica, ora do realism0 socia- lists, no quadro de uma po1itizac;go crescente que niio anulava seu gosto pels reflex20 estitica. Mignone foi um de seus colaboradores constantes e o parceiro que escolheu para compor a mlisica de Cap, "concep520 melodramitica" de conteudo socialists. A morte de Mir io interrompeu a c01abora~Ho e Mignone niio p6de levar a cabo, sozinho, a realiza~ao da obra.

    C o m isso, ausentou-se dos inflamados debates musicais d o final dos anos 1940 o mais importante pensador da mlisica no Brasil. 0 aparecimento do grupo Musica Viva, liderado pelo professor e compo-

  • Cronologia

    I 887 Nascimento de Heitor Villa-Lobos, no Rio de Ja- neiro.

    1893 Nascimento de Mirio de Andrade, em S2o Pau- lo.

    191 3 Estreia do bale A sag~a@o da p~imauera, com mu- sics de Stravinsky, em Paris.

    I 91 4-1 6 Heitor Villa-Lobos comp6e Fis danCas afiica- nas (Fa~r*apos, Kankukz~s e Kankikis), que serzo apresen- tadas no programa da Semana de Arte Moderna.

    1917 ExposiG5o de pinturas da qua1 participa Anita Malfarti; estriia em Paris do bald Pnvadt> colaboraqso de Jean Cocteau e Eric Satie; sucesso de Pelo t e l f ne , "primeiro samba gravado".

    191 7-1 8 0 compositor franc& Darius Milllaud vive no Rio de Janeiro.

    191 8 Jean Cocteau publica Le coq et lkrlequin, notas a respeito de musica que orientam o Grupo dos Seis.

    1920 Francisco Mignone viaja para a Itilia. 1921 -29 Villa-Lobos comy6e os Chor.0~.

    1922 fev Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal

    de Sgo Paulo. mai C o m e ~ a a circular a revista Klaxon; publica~2o

    de Pauliciia desvazl-ada, livro de poesias de Mirio de An- drade; temporada parisiense d'Os Batutas.

    I 923 Villa-Lobos viaja para Paris; estreia do bale Les no- ces, com musics de Stravinsky, em Paris.

    I 924 Manifesto da poesia Pau-Brasil publicado no COT- ~e io da Manhti (sP); CanCo'espopulares, de Luciano Gal- let.

    1927 Segunda viagem de Villa-Lobos a Paris.

    1928 Publica~Zo de Ensaio sobre a nzzisicn brasilei~a e Maczlnaima, de Mirio de Andrade, e do Manz5sto ail- tropofigico, de Oswald de Andrade. I 92 9 Conzpindio dc histdria da mzisica, de Mirio de An- drade; Inzbapa~a, poerria sinftinico de Lorenzo Fernan- des sobre poesia de Basilio de Magalhses. 1930 Modinhas impei*iais, "dedicadas ao seu ilustre e ge- nial amigo, o maestro Heitor Villa-Lobos, por Mirio de Andrade"; Villa-Lobos retorna ao Brasil.

    1933 Bailado Maracatz~ de Chico-Rei, de Mignone.

  • Refersncias e fontes

    p. 11 A declara~5o de Mignone 6 citada pelo music6- logo Bruno Kiefer em Mignone. Vida e obra (Porto Ale- gre, Movimento, 1983, p. 12). p. 1 1 0 texto de Guerra-Peixe provtrn do cun-iculz~nz vitae escrito pelo compositor em 1970, docurnento in&- dito citado por AntGnio Guerreiro de Faria Jr. em Gz~er- ra-Peixe: sua evolz~gZo estilistica h luz das teses andradea- nas. Dissertaq50 de mestrado apresentada ao P P G M / U ~ ~ - Rio, 1997, p.27. p. 13 0 s trechos de Gallet s8o de uma carta de 1926 a Mirio de Andrade, reproduzida no livro p6stumo de Gallet, Estudos defolclore (Rio de Janeiro, Carlos Wehrs, 1924, p.11). p. 14 A informaq50 sobre o Noturno inkdito de Ernes- to NazarP e sobre o que representa chami-lo opus 1 P fornecida por Marcello Verzoni em Ernesto Nazareth e o tango brasileiro. Disserta~80 de mestrado apresentada ao ~ ~ ~ b f / U n i - R i o , 1996, p. 17. p. 18 0 artigo de Monteiro Lobato foi reproduzido em Brasil: ~"empo modernis ta - 191 7/29. Documentaga'o, p.45, catilogo editado por Martha Rossetti Batista, Tel& Porto Ancona Lopez e Yone Lima (S5o Paulo, Institute de Estudos Brasileiros, 1972).

    p.21 Eduardo Jardim de Moraes discute as duas fases do modernismo em A brasilidade nzodernista. Sua di- mensa'o filosdjca (Rio de Janeiro, Graal, 1978). p.22 0 texto de Prudente de Moraes, neto, constitui a apresentaqso da ediq5o facsimilada da revista Estbtica (Rio de Janeiro, Gernasa, 1974). A conferencia "0 mo- vimento modernista" foi publicada em Aspectos da lite- vatura b~zsileira (Belo Horizonte, Vila Rica, 199 1). p.23 A critica 2. pianolatria foi reproduzida em Brasil - 1"tempo modernista. Docunzentaga'o, op. cit., p.306-7.

    p.24 0 s artigos de Menotti del Picchia, no Correio Paulistano, e de Oscar Guanabarino, no Jornal do Corn- nze~io , foram comentados por Jose Miguel Wisnik em 0 coi*o dos contra'rios: a vzzisica em torno da Semana de 22 (Sgo Paulo, Duas CidadesISecretaria da Cultura, Citncia e Tecnologia, 1977, p.83-7). p.25-6 As conferencias de Graqa Aranha, "A ernoqiio estktica na arte moderna", e de Menotti del Picchia, "A arte moderna", foram reproduzidas por Gilberto Men- dongs Telles em kngz~ardas ezlropkias e modernismo bra- sileiro. Apresentaga'o e cvitica dos principais manzfestos van- gzrardistas (Petr6polis, Vozes, 1972, p. 173-5). 0 ensaio de Antonio Candido, "Literatura e cultura de 1900 a 1945", foi publicado em Literatura e sociedade. Estudos de teoria e hiitbria liteva'i-ia (S5o Paulo, Nacional, 1980). p.28 A critica de Mario foi incluida na coletiinea Md- sica, doce mdsica ( S ~ O Paulo, L.G. Miranda, 1933, p.258-63).

  • ELIZABETH TRAVASSOS MODERNISAilO E MUSICA BRASILEIRA

    p.30 A obser\ra~iio sobre a criaq2o de mundos sonoros e a elabora~iio dos meios tkcnicos C de Marcel Beaufils, e foi retomada por Jose Maria Neves em Mzisica con- te;?zpol-&zea brasileii*a (Sgo Paulo, Ricordi, 198 1). p.31 A reaF2o B submissiio brasileira aos juizos esteticos da critica estrangeira esti no artigo "Villa-Lobos", publi- cad0 em 12.1.1928 no Dikrio Nacionnle reproduzido por Flivia Canlargo Toni em Mdrio de Andrade e Villa-Lobos (S5o Paulo, Centro Cultural de S5o Paulo, 1985, p.88). p.33 0 artigo de Manuel Correa do Lago foi publicado em Brasilinna, 2, maio de 1999 (Rio de Janeiro, Acade- mia Brasileira de Mlisica). p.34-5 A afirrna~iio de Sevcenko provim de Lit