Modernização da agricultura PGDR

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Transcript of Modernização da agricultura PGDR

  • dos Autores1a edio: 2011

    Direitos reservados desta edio:Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Capa e projeto grfico: Carla M. LuzzattoReviso: Ignacio Antonio Neis e Sabrina Pereira de AbreuEditorao eletrnica: Lucas Frota Strey

    Universidade Aberta do Brasil UAB/UFRGSCoordenador: Luis Alberto Segovia Gonzalez

    Curso de Graduao Tecnolgica Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento RuralCoordenao Acadmica: Lovois de Andrade MiguelCoordenao Operacional: Eliane Sanguin

    M689 A modernizao da agricultura / organizado por Jalcione Almeida ... ; coordenado pela Universidade Aberta do Brasil UAB/UFRGS e pelo Curso

    de Graduao Tecnolgica Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento Rural da SEAD UFRGS. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011.

    94 p. : il. ; 17,5x25cm

    (Srie Educao A Distncia)

    Inclui figuras, quadros e tabelas.

    Inclui referncias.

    1. Agricultura. 2. Agricultura Modernizao - Desenvolvimento. 3. Agricultura Modernizao Papel do Estado. 4. Normatizao Prticas agrcolas. 5. Ques-to agrria brasileira. 6. Questo ambiental Normatizao Prticas agrcolas. 6. Ambiente Desenvolvimento. 7. Gesto Recursos naturais Desenvolvimento. 8. Ecodesenvolvimento Desenvolvimento sustentvel. 9. Agricultura moderna Crises. 10. Desenvolvimento rural sustentvel. 11. Comunidades tradicionais Mobilizao social. 12. Pobreza Segurana alimentar. 13. Agricultura Papel Desenvolvimento rural Sculo XXI. I. Almeida, Jalcione. II. Universidade Aberta do Brasil. III. Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul. Secretaria de Educao a Distncia. Gradua-o Tecnolgica Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento Rural. IV. Ttulo.

    CDU 631

    CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogao na Publicao.(Jaqueline Trombin Bibliotecria responsvel CRB10/979)

    ISBN 978-85-386-0120-3

  • Esta publicao baseia-se em experincia didtica da disciplina Seminrio Integrador II do Curso Tecnolgico de Planejamento e Gesto para o Desen-volvimento Rural (PLAGEDER) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

  • SUMRIO

    Introduo ..................................................................................................................9Unidade 1 Tema integrador e eixos temticos ..................................................11

    Jalcione Almeida e Tatiana Engel GerhardtIntroduo ................................................................................................................11Objetivo .....................................................................................................................11

    1.1 Como foram escolhidos o tema integrador e os eixos temticos na disciplina........................................................................11

    1.2 Modernizao, agricultura e desenvolvimento: conceitos-base ................................................................................................141.2.1 Notas sobre modernidade e progresso ....................................................14

    1.3 Atividades prticas: construo de um tema integrador e de seus eixos temticos e de um texto conceitual introdutrio .......................17

    1.4 Referncia .......................................................................................................18Unidade 2 A modernizao da agricultura e os eixos temticos ....................19

    Fabrcio Monteiro Neves, Patrcia Binkowski, Lorena Cndido Fleury, Stella Maris Nunes Pieve, Josiane Carine Wedig e Gabriela Coelho-de-Souza

    Introduo ................................................................................................................19Objetivo .....................................................................................................................19

    2.1 Eixo temtico 1 Papel do Estado e modernizao da agricultura .....................202.1.1 O Estado e a modernizao da agricultura ..............................................212.1.2 Qual desenvolvimento? ..........................................................................22

    2.2 Eixo temtico 2 Normatizao de prticas agrcolas .......................................252.2.1 A questo agrria brasileira .....................................................................252.2.2 O processo de modernizao da agricultura ............................................272.2.3 A questo ambiental e a normatizao de prticas agrcolas .....................29

    2.3 Eixo temtico 3 Ambiente e desenvolvimento ...............................................312.3.1 Desenvolvimento e a gesto dos recursos naturais ...................................322.3.2 De recursos naturais ao ambiente: ecodesenvolvimento e

    desenvolvimento sustentvel ..................................................................332.3.3 Desenvolvimento, ambiente e as crises da

    agricultura moderna ..............................................................................362.3.4 Desenvolvimento rural sustentvel: uma proposta de articulao

    positiva entre ambiente e desenvolvimento .............................................372.4 Eixo temtico 4 Comunidades tradicionais e mobilizao social ....................39

    2.4.1 Breve histrico de ocupao das populaes tradicionais no Brasil ...........................................................................39

    2.4.2 A categoria comunidades tradicionais..................................................412.4.3 Mobilizao social ..................................................................................43

    2.5 Eixo temtico 5 Pobreza e segurana alimentar ..............................................442.5.1 Situao de pobreza no Brasil .................................................................45

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    2.5.2 Populaes locais, pobreza e modernizao da agricultura .......................462.5.3 Repartio de pobreza e insegurana alimentar a partir da

    apropriao da agrobiodiversidade e dos conhecimentos locais ...............512.6 Atividade prtica ..............................................................................................532.7 Referncias......................................................................................................54

    Unidade 3 A elaborao de situaes-problema em realidades locais ...........59 Josiane Carine Wedig, Patrcia Binkowski e Tatiana Engel Gerhardt

    Introduo ................................................................................................................59Objetivo .....................................................................................................................59

    3.1 O conceito de situao-problema e a metodologia para sua problematizao .....593.2 A elaborao das situaes-problema em cada realidade local ...........................613.3 Atividades prticas ...........................................................................................783.4 Referncias......................................................................................................79

    Unidade 4 O papel da agricultura no desenvolvimento (rural) do sculo XXI .....................................................................................81

    Stella Maris Nunes Pieve, Leonardo Alvim Beroldt e Lorena Cndido FleuryIntroduo ................................................................................................................81Objetivos ...................................................................................................................81

    4.1 Cenrios prospectivos: conceito e metodologia.................................................824.2 Os cenrios prospectivos das realidades locais ..................................................854.3 Atividades prticas ...........................................................................................914.4 Referncias......................................................................................................91

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    INTRODUO

    O objetivo principal desta disciplina relacionar os contedos estudados nas disciplinas Organizao Social e Movimentos Sociais Rurais DERAD 006, Etnodesenvolvimento e Mediaes Poltico-Culturais do Mundo Rural DERAD 007, Agricultura e Sustentabilidade DERAD 008, Estado e Pol-ticas Pblicas DERAD 010 e Questo Agrria e Legislao Ambiental DERAD 011, buscando articular eixos temticos em torno de um tema integrador.

    Alm desse objetivo, a disciplina visa:u propor uma reflexo original e crtica acerca das polticas pblicas e de seu

    impacto sobre a realidade agrria local e regional;u oferecer ao corpo discente a possibilidade de aprofundar a compreenso de

    abordagens terico-metodolgicas de interesse compartilhado; eu proporcionar, atravs do debate entre docentes, tutores e discentes, um

    espao para a discusso da problemtica agrria local e regional.A disciplina ser desenvolvida com a leitura e a discusso de textos didticos e

    cientficos, a apresentao de vdeos, o fornecimento de uma lista bibliogrfica com-plementar de apoio, a elaborao de exerccios a distncia e presenciais, a produo de snteses ao final de cada Unidade, seminrios presenciais e a prtica dialgica em ambiente virtual.

    Os mecanismos de avaliao envolvem atividades relacionadas aos contedos em ambiente virtual, aos exerccios a distncia e presenciais, apresentao de dois seminrios (avaliaes presenciais) e de um trabalho escrito final.

    A carga horria semanal de 8 horas (8 crditos; 120 horas).Este Manual Didtico organizado em quatro Unidades, conforme segue.Na Unidade 1, explicita-se como foram escolhidos o tema integrador e os

    eixos temticos da disciplina. Para uma aproximao conceitual e terica ao tema integrador, foi proposto aos alunos e apresentado a seguir um texto elaborado pelos professores sobre o tema modernidade, modernizao e agricultura.

    Na Unidade 2, so apresentados os eixos temticos, destacando-se: (1) o papel do Estado e a modernizao da agricultura; (2) a normatizao de prticas agr-colas; (3) ambiente e desenvolvimento; (4) comunidades tradicionais e mobilidade social; e (5) pobreza e segurana alimentar.

    A elaborao de situaes-problema o tema focado na Unidade 3. Destaca-se o conceito de situao-problema e a metodologia para a elaborao de situaes-problema em realidades locais.

    Por fim, cenrios prospectivos o tema tratado na Unidade 4. Nela, apresen-tam-se o conceito e as metodologias para sua construo.

    Todas as Unidades so seguidas das respectivas referncias.

    O Organizador

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    UNIDADE 1 TEMA INTEGRADOR E EIXOS TEMTICOS

    Jalcione Almeida1 e Tatiana Engel Gerhardt2

    A figura ao lado ilustra Digenes de Snope (413 a 323 a.C.), filsofo gregoque andava pelas ruas com uma lanterna acesa, em plena luz do dia, em busca de ho-

    mens verdadeiros (autossuficientes e virtuosos). No contexto desta disciplina, por analo-gia, o tema integrador escolhido e os eixos temticos sero as lanternas que orientaro

    nossas discusses; e os alunos, como Digenes, sero aqueles que buscaro encontrar as possveis relaes entre os temas propostos.

    INTRODUO

    Uma das formas de se fazer a integrao de temas que se originam de distintas disciplinas a construo/identificao de um tema integrador (ou tema transver-sal) e de seus eixos temticos. Nesta Unidade, abordaremos os passos necessrios para se chegar a essas construes.

    OBJETIVO

    Busca-se demonstrar como se chega definio de um tema integrador e de seus eixos temticos.

    1.1 COMO FORAM ESCOLHIDOS O TEMA INTEGRADOR E OS EIXOS TEMTICOS NA DISCIPLINA

    Partiu-se inicialmente para a identificao e a leitura dos textos indicados e discutidos nas disciplinas a serem integradas. Com a ajuda dos professores dessas disciplinas, e a utilizao dos espaos delas no ambiente Moodle, foram selecionados alguns temas e, entre estes, aquele que seria escolhido por seu carter mais abrangen-

    1 Doutor em Sociologia pela Universit de Paris 10; Professor Associado do Departamento de Horticul-tura e Silvicultura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Professor e Pesquisador do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Rural (PGDR) e em Sociologia (PPGS), ambos da UFRGS; Professor do Curso Tecnolgico em Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento Rural (PLAGE-DER/UFRGS).2 Doutora em Antropologia Social e Cultural pela Universit de Bordeaux 2; Professora Associada do Departamento de Assistncia e Orientao Profissional, curso de Anlise de Polticas e Sistemas de Sade (UFRGS); Professora e Pesquisadora do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Rural (PGDR) e em Enfermagem (PPGENF), ambos da UFRGS; Professora do Curso Tecnolgico em Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento Rural (PLAGEDER/UFRGS).

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    te e recorrente, o tema integrador. Este exerccio produziu uma malha de temas e de conexes que, por processos sucessivos de seleo, levou a um conjunto de temas (integrador e eixos temticos) que ilustravam as discusses ocorridas nas disciplinas.

    Aps as discusses, escolheu-se, pois, como tema integrador a modernizao da agricultura; e os eixos temticos identificados foram: (i) o papel do Estado e das polticas pblicas; (ii) a normatizao das prticas agrcolas; (iii) ambiente e desen-volvimento; (iv) pobreza e segurana alimentar; e (v) comunidades tradicionais e mobilizao social.

    A figura 1, abaixo, apresenta de forma esquemtica a relao entre o tema integrador, as disciplinas a serem integradas e os eixos temticos identificados a partir das diferentes inter-relaes possveis entre eles. Cabe ressaltar que cada dis-ciplina tem sua coerncia interna, sua prpria lgica em funo do tema abordado. Mas, quando falamos de integrao e de inter-relaes, inmeras so as possibilida-des de realizarmos articulaes entre os diferentes elementos presentes em uma dada realidade, levando-se em conta que, grosso modo, todos os elementos presentes se re-lacionam entre si. No se trata necessariamente de um conjunto coerente e harmo-nioso, podendo haver aparentes contradies. Mas estes aspectos esto interligados entre si de tal maneira que no se pode dar conta de um deles desconsiderando-se totalmente os outros. O exerccio pedaggico do Seminrio Integrador II con-siste em conduzir o aluno a pensar sobre formas possveis de analisar os diferentes elementos presentes em uma dada realidade e estabelecer as relaes entre eles. Na primeira edio desta disciplina, fizemos escolhas de temas e eixos que no so os nicos possveis, mas apenas retratam um olhar momentneo.

    Didaticamente, operamos por meio de aproximaes sucessivas com as disci-plinas, para, em um segundo momento, realizar as escolhas dos eixos temticos. Des-sa forma, a figura 1 tambm ilustra essas escolhas: o eixo temtico papel do Estado foi identificado a partir dos contedos trabalhados nas disciplinas Estado e Polticas Pblicas DERAD 010 e Questo Agrria e Legislao Ambiental DERAD 011; o eixo normatizao das prticas agrcolas tambm surge dessas duas disciplinas, bem como dos contedos oriundos da disciplina Agricultura e Sustentabilida-de DERAD 008. J o eixo pobreza e segurana alimentar apareceu nos contedos de trs disciplinas: Estado e Polticas Pblicas DERAD 010, Agricultura e Sustentabilidade DERAD 008 e Etnodesenvolvimento e Mediaes Pol-tico-Culturais do Mundo Rural DERAD 007. Comunidades tradicionais e mobi-lizao social surge como eixo dos contedos das disciplinas Organizao Social e Movimentos Sociais DERAD 006 e Etnodesenvolvimento e Mediaes Poltico-Culturais do Mundo Rural DERAD 007. Por fim, ambiente e desenvolvi-mento foi o eixo temtico proposto a partir dos contedos das disciplinas Agricul-tura e Sustentabilidade DERAD 008 e Etnodesenvolvimento e Mediaes Poltico-Culturais do Mundo Rural DERAD 007.

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    No momento seguinte, em atividades correspondentes a diferentes mdulos da disciplina Seminrio Integrador II, os alunos tiveram que discutir e aprofun-dar contedos das disciplinas integradas tendo por base o tema integrador e os eixos temticos escolhidos. Cinco grupos (em cada polo) tiveram a incumbncia de desenvolver, em dois seminrios presenciais, os eixos temticos selecionados. As anlises tericas referentes ao tema integrador e aos eixos temticos foram de-senvolvidas tomando-se como base uma situao-problema de cada realidade local, e foram elaboradas pelo conjunto de alunos de cada polo.

    Ao final da disciplina, foi solicitado um trabalho individual, que consistiu na sntese e discusso dos contedos apresentados por cada grupo nos mdulos an-teriores, com o intuito de instigar a reflexo sobre cenrios possveis para a agricultura em mbitos local e regional, a partir das tendncias socioculturais, econmicas, ambientais e polticas que se apresentam na atualidade. Essa sntese incluiu a apreciao analtica de cada aluno.

    Figura 1 Grade de disciplinas integradas, tema integrador, eixos temticos e suas inter-relaes

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    1.2 MODERNIZAO, AGRICULTURA E DESENVOLVIMENTO: CONCEITOS-BASE

    necessrio que se desenvolva junto aos alunos uma aproximao conceitual e terica ao tema integrador escolhido. Nesse sentido, convm que se proponha a leitura de alguns textos que permitam uma compreenso geral e introdutria, para que os alunos se situem no contexto daquilo que se pretende integrar. Quando do primeiro oferecimento da disciplina, um tutor produziu um texto sobre o tema mo-dernidade, modernizao e agricultura, que apresentado a seguir.

    1.2.1 Notas sobre modernidade e progresso3

    Modernidade um conceito de vrios usos e, por isso, sem sentido especfico. Geralmente, este conceito vem articulado com expresses como sociedade moder-na, arte moderna, cincia moderna, direito moderno, Estado moderno, cada uma das quais apresenta caractersticas distintas em relao a perodos histricos anteriores modernidade. Portanto, a primeira coisa que o conceito nos fornece uma diferena histrica. Essa diferena foi criada no sculo XVIII pelo Iluminismo, que traou uma linha histrica para a sociedade. Essa linha histrica iniciava no pero-do antigo, passava pelo medieval e adentrava o moderno, e foi condicionada poca atual, contempornea. Ademais, pode-se situar tambm a modernidade em um lugar geogrfico especfico, onde os conceitos supracitados se manifestavam, ou seja, no Oci-dente. Diante disso, tornou-se habitual condicionar a existncia da sociedade moderna ao mundo ocidental e a todas as transformaes ocorridas no marco da modernidade a partir do sculo XVIII. Este o conceito de modernidade que ser utilizado por pensadores como Karl Marx, Alxis de Tocqueville, Georg Simmel e mile Durkheim.

    A Europa moderna, no fim do sculo XVIII, apresentava-se industrial e cien-tfica, limitada por organizaes polticas circunscritas por Estados-naes. Neste perodo, assistiu-se ao apogeu da forma industrial de sociedade, da tcnica moderna e do cientificismo, ideologia que orientou as concepes de mundo forjadas naquele perodo, desde o socialismo cientfico at o darwinismo, passando pelo positivismo.

    Outro aspecto institucional da modernidade sua organizao econmica em termos racionais, caracterstica crucial de sua instituio mais conhecida, o capi-talismo burgus, fortemente industrial, global, baseado na separao radical entre possuidores e despossudos dos meios de produo e na produo de mercadorias. Tudo isto tornou-se mais ou menos mundial, chegando o capitalismo a participar posteriormente da organizao e reorganizao dos demais Estados-naes. A isso se convencionou chamar de processo de modernizao.

    Em termos sociolgicos, dois aspectos desse processo reforam-se reciproca-mente. De um lado, h um contnuo desacoplamento dos atores, das organizaes e dos subsistemas sociais uns em relao aos outros, sendo este processo caracteriza-

    3 Texto produzido pelo tutor Fabrcio Monteiro Neves especialmente para a disciplina Seminrio Integrador II DERAD 014.

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    do como individualizao, emancipao, autonomizao e muito bem descrito por Durkheim como incremento da diviso do trabalho. Do outro lado, h o declnio de comprometimentos, rotinas e expectativas tradicionais, tornando-se a ao so-cial autnoma e sem limite, insacivel, como diria Marx. Isso segue o processo que Max Weber conceituou como racionalizao de tipo ocidental, caracterizado pela emancipao da razo e da subjetividade, tendo como consequncia a instaurao da razo instrumental sobre todas as formas de organizao da vida social. Em de-corrncia disso, distinguem-se dois tipos puros de organizao social, o tradicional e o moderno, afetividade versus neutralidade afetiva, burocracia racional versus orga-nizao tradicional, particularismo versus universalismo e orientao para interesses coletivos versus orientao para interesses privados.

    Isso significa que pases ainda no modernos, ou, como se prefere dizer em termos econmicos, em desenvolvimento, direcionam seus esforos para desen-volver os elementos acima mencionados, reorganizando suas instituies autctones e sua cultura de acordo com eles. Modernizao, nesse sentido, foi um termo usado muitas vezes como elemento de dominao de naes estrangeiras, seja diretamente pela guerra, seja indiretamente por mecanismos de dominao cultural e econmica, frequentemente pelo apoio de elites locais. Para tanto, o moderno identificado como urbano e industrial era precedido de tradicional muitas vezes associa-do ao rural e ao atrasado. Tais concepes baseavam-se, em grande parte, em autores do incio da era moderna, como Thomas Morus e Tomasso Campanella, para os quais a utopia moderna se dava em um lugar especfico, na cidade. Portanto, o processo de modernizao estar relacionado a concepes etapistas do desenvol-vimento social: de sociedades mais simples e indiferenciadas a outras mais complexas e diferenciadas. Com base nessas concepes, ainda muito em voga, tem-se que modernizao frequentemente interpretada como progresso.

    A interpretao do moderno como um progresso histrico pode ser verificada claramente em Marx e Durkheim. O incremento da tcnica e da cincia e a conduo da sociedade por estas foras, por exemplo, tema recorrente na obra dos dois autores. O progresso seria a efetivao das potencialidades intrnsecas s instituies modernas, ou seja, uma atualizao constante de potencialidades racionalizadoras. O progresso manifesta-se, por exemplo, na concretizao do estado democrtico de direito, no avano da industrializao, no moderno individualismo, na separao entre a religio e outros mbitos da vida, na organizao racional do trabalho, na burocracia e na globali-zao do mercado. Nossa moderna concepo de superao histrica realiza-se sinteti-camente pela chegada ou pelo desenvolvimento desses fenmenos. Por isso, ainda se sada a implantao de uma indstria em algum lugar como a chegada do progresso, ou a produo de uma nova tecnologia como progresso cientfico.

    Nesses termos, estaramos inexoravelmente condenados aceitao de tais premissas modernas, portanto, condenados ao progresso. Esse processo, no entan-to, no foi e no unvoco. Progresso e modernizao, como processos sociais, no

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    escondem mais sua dimenso obscura. J no a escondiam no sculo XIX, quando os impactos da industrializao se faziam notar na poluio urbana, na explorao de mo de obra infantil, gerando movimentos operrios de contestao a este modelo, promovendo inclusive a quebra de fbricas. No sculo XX, as guerras em funo da expanso dos mercados, a crise de superproduo de 1929, o nazismo, as bombas atmicas e a crise ambiental apresentaram de maneira mais clara esta outra face do progresso. A ideia geral parece ser a de que, ao lado da modernidade vitoriosa das maravilhas cientficas, descansam os riscos que esta mesma modernidade oferece. A modernidade , assim, um processo ambguo.

    Essa ambiguidade flagrada na contradio entre a maior produo alimentar potencializada pela tcnica e as crises agroalimentares recentes, entre a construo de organizaes internacionais de produo da paz e o incremento do arsenal at-mico, entre a urbanizao crescente e a periferizao de reas das cidades, entre as tecnologias limpas e ambientalmente corretas e a extino em massa de espcies, entre a globalizao e a destruio diria de culturas e saberes tradicionais. Por estas e outras, as discusses sobre modernizao tm se apresentado de forma mais crtica, salientando aspectos oportunos e arriscados. No fim do sculo XX, assiste-se a uma mudana nas orientaes tericas sobre o tema, evidenciando-se as limitaes que o conceito unvoco de modernizao apresentava. No h, nesse sentido, uma ideia de etapas a serem cumpridas para ser moderno, e tampouco o processo progressivo e inexorvel. Contra isso, surgem concepes que tendem a ressaltar as contradies e os problemas implcitos modernizao.

    No que tange especificamente modernizao da agricultura, cabe fazer meno a fenmenos anteriormente mencionados, relacionados ao processo geral de modernizao. A urbanizao e a industrializao, como fenmenos especfi-cos desse processo, generalizaram sua fora transformadora e, no contexto rural, transformaram formas de produo com a implementao de tcnicas cientifi-camente informadas e com as mudanas ocorridas na estrutura populacional e fundiria. Tais fenmenos fizeram-se notar inicialmente na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Frana, mas posteriormente foram notados, em menor ou maior grau, em diversas partes do mundo.

    Por estar relacionada ao processo mais geral de modernizao, pode-se dizer que a modernizao agrcola est ligada transformao da produo em commodities, alterando os mercados agrcolas internacionais e as culturas locais tradicionais. O processo demandou incrementos tecnolgicos para o aumento da produo, como estratgia de competio global entre grandes empresas agrcolas e a escassez de ter-ras devida ao aumento da demanda e saturao dos espaos tradicionais de cultivo nos pases desenvolvidos. O paradigma da Revoluo Verde decorre dessa conjuntu-ra, e, nas dcadas de 1960 e 1970, diversas mudanas tecnolgicas e organizacionais foram implementadas mediante o uso de agrotxicos, fertilizantes, mquinas e im-

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    plementos, tcnicas de irrigao e novas variedades agrcolas, transformando a face da agricultura mundial.

    No entanto, como resultado, aprofundaram-se mais e mais os problemas fun-dirios e populacionais, em funo da exigncia cada vez maior de terra e da pouca oferta de mo de obra. Por outro lado, a produo foi concentrada em poucas mul-tinacionais produtoras de commodities e em grandes empresas produtoras de insumos agrcolas (fertilizantes, sementes, mquinas, etc.). No tardou para que problemas ambientais comeassem a surgir de forma mais patente, devido ao avano colonizador sobre reas de mata nativa e a tecnologias que acarretaram desequilbrios ambientais. Ademais, pde-se constatar uma nova forma de dependncia, a saber, a dependncia tecnolgica para com insumos agrcolas. Portanto, a face da modernizao na agri-cultura apresenta-se em consonncia com o processo mais geral de modernizao, engendrando, dessa forma, contradies essenciais.

    ANOTE

    Os contedos ideolgicos do desenvolvimento

    A partir de meados da dcada de 1960, vrios pases latino-americanos se engajaram na chamada Revoluo Verde, sinnimo, para muitos, de modernizao da agricultura. Esta se baseou em princpios de aumento da produtividade atravs do uso intensivo de insumos qumicos, de variedades de alto rendimento melhoradas geneticamente, da irrigao e da motomecanizao, criando a ideia que passou a ser conhecida com frequncia como a do pacote tecnolgico. Este padro de agricultura foi coerente com o desenvolvimento rural pensado e implementado na poca, passando a incorporar quatro grandes elementos ou noes: (a) a noo de crescimento (ou de fim da estagnao e do atraso), ou seja, a ideia de desenvolvimento econmico e poltico; (b) a noo de abertura (ou do fim da autonomia) tcnica, econmica e cultural, com o consequente aumento da heteronomia; (c) a noo de especializao (ou do fim da polivalncia), associada ao triplo movimento de especializao da produo, da dependncia a montante e a jusante da produo agrcola e a inter-relao com a sociedade global; e (d) o aparecimento de um novo tipo de agricultor, individualista, competitivo e questionando a concepo orgnica de vida social da mentalidade tradicional.

    Para mais detalhes, ver: ALMEIDA, Jalcione. Da ideologia do progresso ideia de desen-volvimento (rural) sustentvel. In: ALMEIDA, Jalcione; NAVARRO, Zander. Reconstruindo a agricultura: ideias e ideais na perspectiva do desenvolvimento rural sustentvel. 3. ed. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2009. p. 33-55.

    1.3 ATIVIDADES PRTICAS: CONSTRUO DE UM TEMA INTEGRADOR E DE SEUS EIXOS TEMTICOS E DE UM TEXTO CONCEITUAL INTRODUTRIO

    Tendo por base as disciplinas a serem integradas no contexto de uma nova dis-ciplina Seminrio Integrador,

    u proponha um tema integrador e seus respectivos eixos temticos; eu produza um breve texto que apresente as bases conceituais iniciais para o

    entendimento e a discusso do tema integrador proposto.

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    1.4 REFERNCIA

    ALMEIDA, Jalcione. Da ideologia do progresso ideia de desenvolvimento (rural) susten-tvel. In: ALMEIDA, Jalcione; NAVARRO, Zander. Reconstruindo a agricultura: ideias e ideais na perspectiva do desenvolvimento rural sustentvel. 3. ed. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2009. p. 33-55.

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    UNIDADE 2 A MODERNIZAO DA AGRICULTURA E OS EIXOS TEMTICOS

    Fabrcio Monteiro Neves4, Patrcia Binkowski5, Lorena Cndido Fleury6,Stella Maris Nunes Pieve7, Josiane Carine Wedig8 e Gabriela Coelho-de-Souza9

    INTRODUO

    Esta Unidade apresenta e discute mais detalhadamente os cinco eixos temti-cos definidos na disciplina. Os aspectos conceituais e os relativos a processos sociais assumem posio destacada.

    OBJETIVO

    Visa-se discutir os eixos temticos tendo por centro os conceitos principais e os processos sociais que integram cada um deles.

    4 Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Professor do Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Coordenador do curso de Sociologia UAB/UFSM.5 Engenheira Agrnoma; mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS); doutoranda em Desenvol-vimento Rural (PGDR/UFRGS); Tutora a distncia do Curso Tecnolgico em Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento Rural (PLAGEDER/UFRGS).6 Biloga; mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS); doutoranda em Sociologia (PPGS/UFRGS); Tutora a distncia do Curso Tecnolgico em Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento Rural (PLAGEDER/UFRGS).7 Biloga; mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS); doutoranda em Antropologia Social (PPGAS/UFRGS); Tutora a distncia do Curso Tecnolgico em Planejamento e Gesto para o Desen-volvimento Rural (PLAGEDER/UFRGS).8 Licenciada e bacharel em Cincias Sociais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Tutora a distn-cia do Curso Tecnolgico em Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento Rural (PLAGEDER/UFRGS).9 Biloga; doutora em Botnica (nfase em Etnobotnica); ps-doutorado em Desenvolvimento Rural na Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Professora Adjunta do Departamento de Economia da UFRGS; Professora e Pesquisadora do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Rural (PGDR) da UFRGS; Professora do Curso Tecnolgico em Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento Rural (PLAGEDER/UFRGS).

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    2.1 EIXO TEMTICO 1 PAPEL DO ESTADO E MODERNIZAO DA AGRICULTURA

    O Estado pode ser definido, grosso modo, como um conjunto de instituies que se relacionam e executam funes diferentes. Essas funes tm a ver, por exem-plo, com o uso da violncia e com a criao de regras no interior de um territrio delimitado. Na sociedade moderna, tais funes so exercidas pelo Estado devido centralizao cada vez maior do poder poltico, em oposio a ordens polticas lo-cais, policntricas. A tenso entre centralizao poltica e descentralizao marcar a constituio do Estado brasileiro, acarretando consequncias no plano de sua orga-nizao, de seu contedo e da implementao das polticas, entre outras. Ademais, esta tenso ir marcar o conflito entre grupos de interesse no interior do Estado, sujeitando-o s demandas deles. Desse modo, para pensar o Estado brasileiro e seu papel na modernizao da agricultura, deve-se levar em conta a dinmica do conflito poltico que se instala em diferentes pocas e contextos na sociedade brasileira.

    No concernente modernizao da agricultura brasileira, a questo remonta s discusses das dcadas de 1950 e 1960. Tais discusses ressaltaram os entraves modernizao da agricultura brasileira com o intuito de neutralizar um suposto atra-so. Buscava-se fazer avanar o desenvolvimento rural, superando os gargalos sociais e econmicos que ainda perduravam. Alguns elementos eram entendidos como causas do atraso; entre eles, a abundncia de terra e mo de obra, que significava um entrave implementao de insumos industriais na agricultura. Outro elemento dizia respei-to estrutura do Estado e s polticas pblicas. Como afirma Santos (1988, p. 132), alguns trabalhos mostram como as polticas utilizadas para a agricultura brasileira, desde a poca de sua ocupao, foram responsveis pelas distores introduzidas na sua estrutura agrria.

    No entanto, a despeito dos entraves referidos, o pas assistiu desde fins da dca-da de 1960 a um impulso modernizador em sua agricultura. Isso significou absoro cada vez maior de crdito agrcola, incorporao de novas tecnologias e mquinas na produo e insero das modernas redes internacionais de comercializao agrcolas (PALMEIRA, 1989). Todos esses insumos incorporados levaram ao aumento da pro-duo, com a consequente transformao do pas em um dos maiores produtores de gneros agrcolas, tanto para o abastecimento das grandes cidades, em um momento de expanso do territrio urbano, quanto para a exportao, alcanando alguns pro-dutos, como a soja, preos antes inimaginveis no mercado internacional.

    Deve-se, no entanto, ressaltar os efeitos perversos que tal processo de mo-dernizao acarretou para o mundo rural. De acordo com Palmeira (1989, p. 87),

    [...] a propriedade tornou-se mais concentrada, as disparidades de renda aumentaram, o xodo rural acentuou-se, aumentou a taxa de explorao da fora de trabalho nas atividades agrcolas, cresceu a taxa de autoexplorao nas propriedades menores, piorou a qualidade de vida da populao trabalhadora do campo. Por isso, os autores gostam de usar a expresso modernizao conservadora.

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    Isto posto, como compreender o fenmeno da modernizao da agricultura, ou da modernizao conservadora, como o chamam alguns autores, naquilo que diz respeito poltica do Estado brasileiro? Em que sentido tais polticas, fundamentais para a modernizao da agricultura, tambm repercutiram os interesses da elite rural e das posteriores empresas rurais, acentuando problemas como o xodo rural, a concentrao fundiria, a fome e a explorao da mo de obra rural?

    2.1.1 O Estado e a modernizao da agricultura

    A participao do Estado na conduo deste processo contraditrio deve ser evidenciada para que se possam compreender as razes do processo. Cumpre salien-tar que a participao do Estado no processo de modernizao da agricultura s faz sentido se se compreende quais foram os conflitos e interesses no jogo poltico que se estabeleceu em seu interior. Foi do resultado destes confrontos que emergiram as polticas voltadas para a modernizao da agricultura.

    Entre as polticas mais conhecidas esto aquelas relacionadas esfera legal, as quais visavam a regular uma srie de processos rurais. So elas: o Estatuto do Traba-lhador Rural, de 1963, o Estatuto da Terra, de 1964, e uma legislao previdenciria, importante a partir da dcada de 1980, representando um aparato jurdico antes ine-xistente para o mundo rural. Todos esses desdobramentos rurais foram resultados de longos embates sociais e polticos, que no se encerraram aps tais desdobramentos legais (PALMEIRA, 1989). Isso ir repercutir na organizao dos grupos envolvidos nas questes agrrias nas prximas dcadas.

    Outra forma historicamente relacionada modernizao agrcola levada a cabo pelas polticas estatais foi o incentivo s exportaes agroindustriais por meio do cr-dito subsidiado. Tal crdito cresceu exponencialmente a partir da dcada de 1970 e representou a fonte principal de recursos para a compra de insumos e mquinas agr-colas. Com acesso facilitado ao crdito, os produtores puderam beneficiar-se com as novas tecnologias criadas nos pases de capitalismo avanado, como as sementes hbridas e os novos defensivos agrcolas, tornando-se partcipes daquilo que se con-vencionou chamar de Revoluo Verde. verdade que tal disponibilidade de recur-sos seguiu a lgica da concentrao, pois caiu nas mos de um pequeno nmero de grandes proprietrios, reproduzindo e acirrando a dinmica de conflito no campo.

    As isenes fiscais tambm fazem parte do rol das polticas estatais de moder-nizao agrcola. Estas cobriam principalmente reas das regies Nordeste e Norte, incentivando projetos agrcolas para a criao de empregos e a distribuio de renda. No entanto, de um modo geral, desses incentivos no decorreram bons resultados, nos termos dos objetivos originais, nem aumento da produtividade agrcola.

    Pode-se ainda elencar a srie de medidas que foram tomadas no sentido de transferir o patrimnio fundirio da nao para as mos de particulares. Essas me-didas encontraram amparo legal em diversas portarias, normas e decretos governa-mentais, principalmente no perodo militar. O principal mecanismo usado eram os

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    leiles de terras pblicas, os quais, no entanto, por reproduzirem os problemas de concentrao fundiria no Brasil, no previam limites para aquisio, nem no tocante ao tamanho da propriedade adquirida, nem no que diz respeito posse por um mes-mo grupo. Isso coibiu a participao de grupos detentores de menores recursos, em funo, segundo Palmeira (1989, p. 97-98),

    [...] da prpria mecnica dos leiles e de todo o ritual envolvido (edi-tais, projetos, etc.) que excluem os que no tm recursos para cobrir lances e os que no dispem de recursos financeiros e culturais para sequer entrar na parada, que beneficiavam grandes fazendeiros e gru-pos econmicos nacionais e estrangeiros interessados na terra como reserva de valor.

    Por outro lado, o incremento da industrializao e os grandes projetos ligados aos planos de desenvolvimento do governo militar, principalmente as hidreltricas e as grandes rodovias, repercutiram sobremaneira na estrutura do mundo rural. Tais empreendimentos atraam mo de obra local, desviando sua participao de projetos agrcolas, levando com isso famlias a se deslocarem foradamente e no menos impactante encarecendo propriedades e fomentando a especulao fundiria.

    O processo, globalmente, teve impacto na configurao poltica do mundo rural. A antiga tutela do trabalhador exercida pela elite rural local passa a ser cada vez mais exercida pelos interesses que migram para o interior da mquina estatal, centralizada, desde os interesses dos antigos proprietrios at os interesses das em-presas estrangeiras, atradas pela oferta de condies favorveis para a compra e o uso da terra. O conflito e o consenso em torno do processo de modernizao da agricultura passam a se concentrar em outro mbito, mais distante das demandas dos agricultores, alterando a conformao das foras polticas em disputa pela direo do processo de modernizao.

    Estamos querendo chamar a ateno para que, independentemente da via tomada, os pressupostos legais da ao do Estado, articulados s prprias transformaes por ele sofridas enquanto mquina administra-tiva, alm dos efeitos provocados por sua presena direta no campo, impuseram uma mudana das relaes Estado/grandes proprietrios/camponeses (PALMEIRA, 1989, p. 101. Grifo do autor).

    Desse modo, pode-se afirmar que, no plano estrito do Estado, da poltica p-blica para a agricultura, a forma da modernizao seguiu a resultante do conflito entre os atores interessados, ao mesmo tempo em que esse conflito se alterou em funo das consequncias dessas polticas.

    2.1.2 Qual desenvolvimento?

    Assim sendo, pode-se constatar que o processo de modernizao esboado acima ensejou um padro especfico de desenvolvimento rural muito diferente de

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    concepes anteriores. Esse padro basicamente estava ligado ideia de transforma-o radical das relaes sociais na agricultura e no rural brasileiros. Nesse sentido, podem-se elencar quatro noes de desenvolvimento em voga no processo de mo-dernizao, segundo Almeida (2009, p. 39-40):

    [...] (a) a noo de crescimento (ou de fim da estagnao e do atraso), ou seja, a ideia de desenvolvimento econmico e poltico; (b) a noo de abertura (ou do fim da autonomia) tcnica, econmica e cultural, com o consequente aumento da heteronomia; (c) a noo de especializao (ou do fim da polivalncia), associada ao triplo movimento de especializao da produo, da dependncia a montante e a jusante da produo agrcola e a inter-relao com a sociedade global; e (d) o aparecimento de um novo tipo de agricultor, individualista, competitivo e questionando a concepo orgnica de vida social da mentalidade tradicional.

    Tudo isso induziu a uma srie de questes hoje centrais na discusso da moder-nizao e do desenvolvimento rural. No se atentou para as consequncias ambientais do avano das fronteiras agrcolas e do uso intensivo de agrotxicos na agricultura, a diminuio da rea verde e da biodiversidade e o uso predatrio dos recursos hdri-cos na grande propriedade de monocultivos. Ao mesmo tempo, negligenciaram-se as questes demogrficas e os conflitos que no tardariam a ocorrer, principalmente a partir da dcada de 1980. Com o intuito de transformar a produo agrcola tra-dicional em moderna, aproximando-a dos padres produtivos dos pases de capita-lismo central, desprezaram-se questes locais relativas especificidade ambiental e social do mundo rural brasileiro. Nesse sentido, os planos estatais de modernizao da agricultura, contraditrios em seus objetivos, unilaterais em sua proposta, deixa-ram a descoberto a face menos gloriosa do processo de modernizao em geral.

    Todo esse processo acentuou-se nas ltimas dcadas, mesmo acompanhando as crises do Estado brasileiro na dcada de 1980 e as polticas liberais da dcada de 1990. Ainda que houvesse ocorrido uma descapitalizao dos produtores rurais por causa de problemas com os incentivos fiscais e financiamentos na dcada de 1980 e um acesso mais restrito ao crdito em funo de taxas de juros exorbitantes na d-cada de 1990, isso no impediu que a face unilateral do padro de modernizao da agricultura, levada a cabo pela presena do Estado, se manifestasse.

    A concentrao da terra intensificou-se em funo da necessidade de maior produo da agroindstria, altamente internalizada, capitalizada pelos preos inter-nacionais das commodities agrcolas. Ademais, tal situao, aguda na dcada de 2000, devido a patamares nunca vistos nos preos dessas commodities, fez com que o Estado brasileiro agisse maciamente no incentivo a este modelo de desenvolvimento rural, j que comprometera parte considervel de sua balana comercial com os resulta-dos da produo agrcola voltada exportao. Em decorrncia da competio no mercado internacional, e em funo da mundializao cada vez maior da economia nacional, essa dinmica se exacerbou.

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    Neste contexto, fala-se em uma Segunda Revoluo Verde, em funo de novas tcnicas que surgiram desde a dcada de 1980, incorporadas pelos grandes complexos agroindustriais emergentes. As variedades transgnicas e os organismos geneticamente modificados (OGMs) sero smbolos dessa nova fase de moderniza-o da agricultura brasileira, ao concentrarem em torno de si os conflitos dos atores que participam desta nova fase do processo de modernizao. A complexidade deles remete inevitavelmente para o fato de que o mundo rural contemporneo congrega interesses variados, desde os tradicionais, das oligarquias rurais representadas por bancadas parlamentares, da Igreja e de suas pastorais da terra, dos movimentos so-ciais rurais organizados, at os mais contemporneos, como os das organizaes no governamentais (ONGs) e dos ambientalistas.

    O resultado das disputas travadas em torno dos OGMs aponta para a manuteno de um padro convencional de modernizao. A aprovao da Lei de Biossegurana, autorizando a pesquisa e o plantio dessas variedades, privilegiou a grande produo agrcola, os complexos agroindustriais, os monocultivos de exportao, a internaciona-lizao da produo e a subordinao dos agricultores aos insumos tecnolgicos produ-zidos em outros pases. Disso resulta a negligncia para com as pequenas propriedades, as tecnologias locais, as sementes crioulas e o mercado interno.

    Na dinmica conflitiva da modernizao da agricultura no Brasil, nota-se a dificuldade da poltica pblica no tocante ao atendimento dos interesses variados. O que leva, novamente, afirmao de que o Estado brasileiro reproduz uma forma unilateral de lidar com as questes do mundo rural. De algum modo, isso est ligado importncia que tal mbito da sociedade tem para a estruturao do prprio Esta-do, este sempre sensvel aos interesses das oligarquias rurais.

    ANOTE

    Complexos agroindustriais

    Assim conceitua Fajardo (2008, p. 31-32): A noo de Complexo Agroindustrial serve para caracterizar uma tipologia marcada pelas relaes intersetoriais indstria-agricultura-comrcio-servios num padro agrrio moderno, no qual o setor agropecurio passa a ser visto de maneira integrada indstria. [...] A ideia bsica era de que o processo de desen-volvimento formado por setores e atividades produtivas interligadas. Na atividade produ-tiva no poderia haver vazios, setores considerados vazios quando ocupados provocavam o surgimento de outras atividades para frente e para trs formando uma cadeia produtiva. A perspectiva histrica da formao do Complexo Agroindustrial Brasileiro inclui a insero da economia nacional a uma lgica produtiva global com adoo de um modelo moderno onde a presena de tecnologias e padres de consumo novos expe a realidade da grande produo que no distingue mais a natureza dos diversos capitais (agrcola, agroindustrial ou financeiro).

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    2.2 EIXO TEMTICO 2 NORMATIZAO DE PRTICAS AGRCOLASEste eixo temtico busca evidenciar aspectos histricos e sociais do processo de

    modernizao da agricultura e a influncia que eles tm sobre as dinmicas do mundo rural e sobre a criao da legislao ambiental brasileira. Para tanto, o presente texto divide-se em trs momentos: o primeiro diz respeito questo agrria brasileira; o segundo trata do processo de modernizao agrcola e dos efeitos sociais e ambientais dele decorrentes; e o terceiro e ltimo apresenta uma reflexo sobre a questo ambien-tal e a normatizao das prticas agrcolas a partir da legislao ambiental.

    2.2.1 A questo agrria brasileira

    No final da dcada de 1950, comea-se a discutir com maior nfase as din-micas observadas no mundo rural brasileiro, principalmente no que diz respeito questo agrria. Delgado (2001, p. 157) comenta que a questo agrria contm outros ingredientes fundamentais (estrutura fundiria e relaes sociais no campo), que so, de certa forma, externos discusso do lugar da agricultura no desenvolvi-mento industrial brasileiro.

    A partir do momento em que se adotou o padro modernizador de agricultura, es-sas disparidades fundirias se acirraram ainda mais no pas. Para Caio Prado Jnior (apud DELGADO, 2001, p. 159), por exemplo, a reforma agrria deveria ser entendida como a elevao dos padres de vida da populao rural e sua integrao em condies humanas de vida; para os agricultores, isso se resumia ao acesso terra, propriedade.

    Para resolver o problema agrrio em funo das injustas relaes de trabalho e de estrutura agrria, organizou-se uma proposta de reforma agrria que continha duas vertentes principais:

    Trata-se de um lado da extenso da legislao social trabalhista para o campo, isto , de proporcionar ao trabalhador rural proteo legal adequada que lhe assegure melhores condies de vida, tal como vem sendo praticado de vinte e tantos anos para c, com relao ao traba-lhador urbano da indstria e do comrcio. De outro lado, prev-se a modificao da estrutura da propriedade fundiria no sentido de corrigir a extrema concentrao que caracteriza essa propriedade, a fim de proporcionar aos trabalhadores rurais maiores oportunidades de acesso posse e utilizao de terra em provento prprio (PRADO JNIOR apud DELGADO, 2001, p. 159).

    No incio da dcada de 1950, surgiram no cenrio rural revoltas camponesas. Um exemplo destas foi a das Ligas Camponesas, movimento religioso e legalista (MAR-TINS, 1994) que teve sua origem entre trabalhadores rurais que reivindicavam seus di-reitos aos donos de engenho no municpio de Vitria de Santo Anto, em Pernambuco.

    Outras revoltas camponesas que marcaram a histria do Brasil foram a Revolta das Trombas, em Gois, e a Revolta Camponesa, no Paran. Tais conflitos tinham como foco a luta pelos direitos dos trabalhadores rurais. Ao longo do tempo, as Ligas

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    Camponesas receberam apoios importantes, como o da Igreja Catlica e o do Partido Comunista, passando estes a ser reconhecidos como atores sociais que apoiavam a Reforma Agrria no pas.

    De acordo com Delgado (2001, p. 160), a Igreja tambm desempenhou im-portante papel na luta poltica de organizao do sindicalismo rural brasileiro, ao mesmo tempo em que exerceu influncia na conceituao do direito da propriedade fundiria, legitimado em sua doutrina social pelo princpio da funo social:

    Este princpio, que no era exclusivo da Doutrina Social, inscreveu-se de direito nas normas do Estatuto da Terra de 1964 e, mais tarde, na Constituio Federal de 1988, substituindo de jure a velha tradio do direito de propriedade, proveniente da Lei de Terras de 1850, que tratava a terra como uma mercadoria como outra qualquer.

    A primeira legislao especfica para o campo foi o Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, e, em 1965, o Estatuto da Terra, considerado pea-chave para todo o aparato jurdico da poca. No incio dos anos 1970, criou-se tambm uma legislao previdenciria.

    Tanto o Estatuto do Trabalhador Rural quanto o Estatuto da Terra e seus desdo-bramentos foram resultado de um longo processo de lutas sociais e polticas no pas (CAMARGO, 1981). O Estatuto da Terra representava e refletia diversos interesses e conflitos entre os setores sociais envolvidos com a questo da terra ou dos direitos trabalhistas, ao mesmo tempo em que expressava as alteraes nas composies de poder e estilos de populismo (p. 224) que resultaram no Golpe Militar de 1964. Palmeira (1989, p. 94) comenta: nunca demais lembrar que esse processo de luta no parou com o Estatuto da Terra ou qualquer outra pea jurdica posterior.

    Cabe ressaltar que, j nos idos de 1957, os militares estavam atentos ao que acontecia no campo em relao s lutas camponesas e, desde ento, realizavam estu-dos em torno de polticas para a reforma agrria. O projeto foi implementado logo nos primeiros meses do golpe de 1964, com a consequente reforma constitucional, cuja prvia inviabilidade poltica bloqueara a possibilidade de uma reformulao da legislao fundiria, de modo a estabelecer limites para o tamanho e uso da pro-priedade da terra (MARTINS, 1994, p. 68-69). Os grupos sociais envolvidos nas discusses sobre a poltica de reforma agrria diziam que o estabelecimento de limi-tes para o tamanho e o uso da propriedade da terra era a pea-chave do Estatuto da Terra; no entanto, este ponto no constou do documento.

    Conforme Palmeira (1989, p. 95), a nova legislao imps um novo recorte da realidade, criou categorias normativas para uso do Estado e da sociedade, capazes de permitir modalidades, antes impensveis, de interveno do primeiro sobre esta ltima. Ela estabelecia com fora de lei conceitos como latifndio, minifndio, empresa rural, arrendamento, parceria e colonizao. Alm disso, o Estatuto da Terra possibilitava a efetivao de polticas como a reforma agrria, a modernizao agrcola, a colonizao, ao

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    mesmo tempo em que se tornou uma referncia capaz de permitir a reordenao das relaes entre grupos e propiciar a formao de novas identidades (p. 95).

    Assim, o Estatuto da Terra trazia em si uma ambiguidade, pois dava abertura para a organizao de diferentes vias de desenvolvimento da agricultura e oferecia mltiplos instrumentos de interveno ao Estado. Palmeira (1989, p. 96) chama a ateno para o fato de que os governos que sucederam ao Golpe Militar de 1964 priorizaram apenas uma via de desenvolvimento: a da modernizao do latifndio, em prejuzo daquela que era, aparentemente, privilegiada pela letra do Estatuto, a da formao de propriedades familiares.

    Com as discusses em torno da questo agrria, emergiram inmeros proble-mas sociais no meio rural, provocando a necessidade da elaborao das primeiras legislaes especficas para o campo, como os j citados Estatuto do Trabalhador Rural (1963) e Estatuto da Terra (1965). Esses estatutos, ao mesmo tempo em que propiciaram o empoderamento de determinados atores sociais e foram marco da normatizao das prticas agrcolas, possibilitaram tambm a efetiva concretizao do processo de modernizao da agricultura no Brasil. Este o ponto a ser apresen-tado na prxima seo.

    2.2.2 O processo de modernizao da agricultura

    Concomitantemente s discusses sobre a questo agrria no pas, o Brasil iniciava tambm seu processo de industrializao. No meio rural, esse processo se deu atravs da modernizao da agricultura, a qual tinha por base um modelo de produo agrcola sustentado pelo pacote tecnolgico. Este estava relacionado s inovaes tecnolgicas, ao aumento da produtividade mediante o uso intensivo de insumos qumicos, de variedades de alto rendimento melhoradas geneticamente, da irrigao e da mecanizao, da utilizao de mo de obra barata, entre outras estrat-gias voltadas produo agrcola. Dessa forma, propagou-se, na dcada de 1960, no meio rural, a crena de que ser moderno era um valor a ser perseguido.

    O moderno significava no ser mais o estagnado/atrasado, significava ter maior produtividade, melhor produo, equipamentos e mquinas de ltima gera-o, obter variedades geneticamente melhoradas, entre outros avanos. Portanto, modernizar-se na agricultura implicava crescimento econmico e progresso, con-ceitos que, por sua vez, j apontavam para a noo de desenvolvimento adotada na poca. Essas noes estavam estreitamente ligadas a paradoxos da modernizao da agricultura, entre os quais moderno/atrasado, desenvolvido/subdesenvolvido, progresso/estagnao, produtivo/improdutivo e riqueza/pobreza onde, via de regra, aqueles que adotavam o pacote tecnolgico despontavam como moder-nos, desenvolvidos, progressistas, produtivos e ricos.

    Ao longo do tempo, a partir da adoo deste novo padro de desenvolvimento agrcola, ocorreram transformaes sociais e ambientais no meio rural. Quanto a seus efeitos sociais, comenta Palmeira (1989, p. 1):

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    [...] a propriedade tornou-se mais concentrada, as disparidades de renda aumentaram, o xodo rural acentuou-se, aumentou a taxa de explorao da fora de trabalho nas atividades agrcolas, cresceu a taxa de autoexplorao nas propriedades menores, piorou a qualidade de vida da populao trabalhadora do campo.

    Entre os efeitos ambientais esto a contaminao qumica (solo, gua, ser hu-mano, etc.), o desmatamento, a degradao do solo, a poluio do ar e a perda da diversidade biolgica.

    A utilizao de grandes quantidades de insumos qumicos talvez tenha sido uma das maiores implicaes negativas para o meio ambiente. Novaes (2001) salienta que, a partir da adoo do padro centrado na Revoluo Verde, se passou a implan-tar cultivos de ciclo curto originrios de pases temperados ou frios, cultivos esses geralmente adaptados s condies de solos ricos em nitrognio, frequentes naqueles pases, porm pouco presentes nos solos brasileiros. O autor explica que, em funo disso, houve intensa utilizao de insumos qumicos nas produes agrcolas, o que se refletiu nos altos custos de produo. O processo de modernizao agrcola tam-bm implicou grandes reas desmatadas e intensa mecanizao, o que, por sua vez, desencadeou outros processos problemticos.

    Em decorrncia deste processo de modernizao e de suas consequncias no meio rural (com reflexos tambm no urbano), comeou-se a utilizar a expresso modernizao conservadora. Esta, segundo Delgado (2001, p. 158 e 164), teve sua fase urea entre 1965 e 1985 e constituiu-se na idade de ouro de desenvolvi-mento de uma agricultura capitalista em integrao com a economia industrial e urbana e com o setor externo, sob forte mediao financeira do setor pblico.

    Segundo Neves (2009), o processo de modernizao agrcola transformou for-mas de produo, com a implementao de tcnicas cientificamente informadas e mudanas na estrutura populacional e fundiria (p. 4). O autor complementa que

    [...] a modernizao agrcola vai estar ligada transformao da pro-duo em commodities, alterando os mercados agrcolas internacionais e as culturas locais tradicionais, demandando incrementos tecnol-gicos para o aumento da produo, como estratgia de competio global entre grandes empresas agrcolas e a escassez de terras devido ao aumento da demanda e saturao dos espaos tradicionais de cultivo nos pases desenvolvidos (p. 4).

    Com o mesmo enfoque, Delgado (2001) denomina este processo de integra-o tcnica-agricultura-indstria, caracterizado principalmente pela mudana na base tcnica dos meios de produo utilizados pela agricultura. Meneghetti (2009, p. 7) aponta que a modernidade agrcola teve uma peculiaridade no Brasil: a aliana entre o capital agroindustrial, os grandes produtores e o Estado, excluin-do os pequenos produtores ou relegando-os a um segundo plano.

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    Cabe salientar que, na dcada de 1980, houve notveis avanos em termos de direitos sociais, reivindicados de longa data pelos trabalhadores rurais. Delgado (2001, p. 170) lembra alguns desses avanos:

    Muda-se a relao jurdica que regia o direito propriedade fundi-ria, agora legitimado pela sua funo social (Constituio de 1988); universalizam-se os direitos previdencirios estendidos ao regime de economia familiar; reconfigura-se o espao rural sob o influxo dos aposentados rurais, dos assentamentos agrrios e dos agricultores fa-miliares em nvel significativo do ponto de vista do seu impacto social sobre o setor rural.

    No entanto, ao mesmo tempo em que o processo de modernizao da agri-cultura trouxe avanos em termos sociais, tambm trouxe efeitos desastrosos em termos ambientais, fazendo com que essa tal modernidade fosse tratada de forma ambgua. A prxima seo prope-se a tratar a questo ambiental e a regulamentao ambiental proveniente do diagnstico da insustentabilidade do padro moderniza-dor e de seus reflexos nas prticas agrcolas.

    2.2.3 A questo ambiental e a normatizao de prticas agrcolas

    A modernizao apresentou resultados positivos do ponto de vista da produti-vidade agrcola, em termos de aumento da produo e dos rendimentos fsicos dos principais cultivos. Caracterizou-se tambm pela utilizao intensiva e crescente de insumos e mercadorias agroindustriais, ampliando o parque de mquinas existente nas propriedades rurais e elevando de forma exponencial o consumo de produtos qumicos e insumos diversos para a agricultura (NAVARRO, 2001).

    Entretanto, os impactos sociais e ambientais negativos sobrepujaram a posi-tividade dos ndices de produtividade. De acordo com Navarro (2001), o modelo modernizador produziu visveis impactos ambientais que foram ignorados ou su-bestimados pelos condutores governamentais e pelos prprios agricultores. O alerta para tais impactos partiu, principalmente, de estudiosos, de movimentos sociais e de integrantes de organizaes rurais e profissionais das cincias agrrias. Foram estes atores sociais que passaram a contestar o padro de desenvolvimento agrcola in-tensivo e predatrio ento implementado pelos governos militares da poca (p. 3).

    Os discursos crticos na dcada de 1980 se direcionavam alterao da base tcnica da agricultura; ou seja, exigia-se que o modelo modernizador adotasse tec-nologias alternativas e que estas viabilizassem a produo agrcola, porm, focadas em um manejo adequado dos recursos naturais.

    No final da dcada de 1980, iniciaram-se as discusses em torno do desen-volvimento sustentvel, tido como modelo alternativo ao da modernidade agrcola. Segundo Almeida (2009, p. 46),

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    [...] na literatura sobre a agricultura mundial, o qualificativo sustent-vel passa a atrair a ateno de um nmero crescente de profissionais, pesquisadores e agricultores, fazendo surgir uma infinidade de defini-es sobre o termo. fcil perceber, atravs de diferentes manifesta-es, hoje, que os termos agricultura e desenvolvimento sustentveis indicam um anseio a um novo paradigma tecnolgico que no agrida o meio ambiente, servindo para explicitar a insatisfao com a agricul-tura convencional ou moderna.

    Paralelamente s discusses em torno de uma agricultura mais sustentvel, ocorreram tambm as primeiras regulamentaes ambientais, com o intuito de pre-servar/conservar o meio ambiente, o que de certa forma refletia tambm a imposio de novas normas para as prticas agrcolas.

    A legislao ambiental o conjunto de normas jurdicas que tem o intuito de disciplinar a atividade humana, tornando-a compatvel com a preservao/conser-vao do meio ambiente. Especificamente no Brasil, as leis destinadas conservao ambiental comearam a ser votadas a partir de 1981, com a criao da lei de Poltica Nacional do Meio Ambiente (PNMA).

    A Lei Federal n 6.938 e seu respectivo Decreto n 99.351, em 1983, estabele-ceram as diretrizes da PNMA; esse instrumento legal foi substitudo, posteriormen-te, pela Lei Federal n 7.804, de 1989, e seu respectivo Decreto n 99.274, de 1990. A Lei Federal n 6.938 criou tambm, em seu Art. 6, um rgo superior chamado Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a funo de assistir o Pre-sidente da Repblica na formulao de diretrizes da PNMA.

    Esse conjunto de leis ambientais tinha como objetivo criar instrumentos de preservao/conservao do meio ambiente, normas de uso dos diversos ecossis-temas, normas para disciplinar as atividades agrcolas, entre outros. Cabe realar alguns dos objetivos dessa Lei (Art. 2), que tm estreita relao com a normatizao de prticas agrcolas: a manuteno do equilbrio ecolgico, considerando-se o meio ambiente como patrimnio pblico a ser necessariamente assegurado e protegido, com vistas ao uso coletivo; a racionalizao do uso do solo, do subsolo, da gua e do ar; o planejamento e a fiscalizao do uso dos recursos ambientais; o controle e o zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; a recuperao de reas degradadas. Ao longo dos anos, a legislao brasileira foi incorporando outras novas leis, entre as quais cabe citar:

    u Lei dos Agrotxicos (n 7.802, de 10 de julho de 1989): regulamenta desde a pesquisa e a fabricao dos agrotxicos at sua comercializao, aplicao, controle, fiscalizao, bem como o destino da embalagem;

    u Lei da Poltica Agrcola (n 8.171, de 17 de janeiro de 1991): coloca a proteo do meio ambiente como um de seus objetivos e um de seus ins-trumentos; determina que o poder pblico deve disciplinar e fiscalizar o uso racional do solo, da gua, da fauna e da flora, realizar zoneamentos agroecolgicos para ordenar a ocupao de diversas atividades produtivas,

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    desenvolver programas de educao ambiental e fomentar a produo de mudas de espcies nativas;

    u Lei de Recursos Hdricos (n 9.433, de 8 de janeiro de 1997): institui a Poltica Nacional de Recursos Hdricos e cria o Sistema Nacional de Recur-sos Hdricos; define a gua como recurso natural limitado, dotado de valor econmico, que pode ter usos mltiplos (consumo humano, produo de energia, transporte, lanamento de esgotos);

    u Lei de Crimes Ambientais (n 9.605, de 12 de fevereiro de 1998): reordena a legislao ambiental brasileira no que se refere s infraes e punies.

    Como instrumento da PNMA, elaboraram-se diretrizes da Avaliao de Im-pacto Ambiental (AIA) e outros instrumentos complementares, como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatrio de Impacto Ambiental (RIMA). Esses ins-trumentos propem-se a constituir os procedimentos de avaliao do impacto am-biental no mbito das polticas pblicas, bem como a fornecer os subsdios para o planejamento e a gesto ambiental, visando, assim, preveno relativa aos danos ambientais (BASSO; VERDUM, 2006).

    Em nvel estadual, existe o Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSE-MA), que o rgo superior do Sistema Estadual de Proteo Ambiental, tem ca-rter deliberativo e normativo e responsvel pela aprovao e acompanhamento da implementao da Poltica Estadual do Meio Ambiente (FEPAM, 2010). Atravs das resolues do CONSEMA, foram regradas atividades agropecurias que esto na iminncia de provocar danos ao meio ambiente, como a suinocultura (Resolu-o n 05/1998), empreendimentos de irrigao, como a rizicultura (Resoluo n 036/2003), e, mais recentemente, o Zoneamento Ambiental para a Atividade de Silvicultura no Rio Grande do Sul (Resoluo n. 227/2009).

    A modernizao da agricultura considerada como tema integrador desta disciplina trouxe importantes reflexes sobre o mundo rural brasileiro. Essas refle-xes so bsicas para analisarmos as primeiras legislaes no mbito agrrio, as quais acabam por reger as relaes sociais e as prticas agrcolas. Por fim, o conjunto desses dados histricos e sociais revela-se fundamental para compreendermos o processo de desenvolvimento rural no pas.

    2.3 EIXO TEMTICO 3 AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO

    Pensar o ambiente vinculado ao desenvolvimento por si s j pode instigar desafios. Se adicionarmos a esses conceitos o de modernizao, poder parecer difcil conjug-los em uma mesma proposio. No entanto, a proposta de discusso deste eixo temtico pretende mostrar que os trs elementos mencionados esto mais estreitamente asso-ciados entre si do que a princpio se possa imaginar. Para tal, vamos mostrar inicial-mente como o desenvolvimento , desde sua origem enquanto categoria de anlise e termo mobilizador, atrelado noo de natureza. Em seguida, verificaremos que, ao se

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    delinear o projeto de desenvolvimento sustentvel, a noo de desenvolvimento passa a incorporar, alm dos recursos naturais, a importncia do ambiente. Finalmente, discu-tiremos como a modernizao em geral e a modernizao da agricultura em particular influenciam este processo de transformao dos ideais de desenvolvimento. Encerra-remos afirmando que tais transformaes compem, entre outros, o cerne do que se pretende com a proposta de desenvolvimento rural sustentvel.

    2.3.1 Desenvolvimento e a gesto dos recursos naturais

    Segundo Almeida (2009), a ideia de desenvolvimento pode ser considerada como caracterstica do sculo XX: desde o incio do sculo utilizada de modo cor-rente na literatura econmica e na linguagem comum, tornando-se um componente ideolgico essencial da civilizao ocidental. O termo desenvolvimento traz em suas origens a ideia de progresso, mas emerge com a pretenso de super-la: enquanto o progresso assume um sentido parcial e prtico, significando uma evoluo ou um avano com relao a algum critrio determinado, a noo de desenvolvimento pretende evidenciar as dimenses econmica, social e cultural da transformao es-trutural da sociedade (p. 36). De modo geral, entende-se o desenvolvimento como um bem em si, visto que significaria seguir rumo ao mais e ao melhor. Frequentemen-te, esse rumo interpretado como uma via pela qual o desenvolvimento tcnico-cientfico conduz ao desenvolvimento socioeconmico, que, por sua vez, gera o bem-estar da sociedade. Portanto, e de acordo com Favareto (2006), nesta concepo, desenvolvimento fruto do conhecimento e do domnio das foras da natureza.

    ANOTE

    Progresso: pode ser relacionado a evoluo ou a avano com relao a um critrio determinado.

    Desenvolvimento: pode ser entendido, de um modo geral, como uma transformao estrutural da sociedade, incluindo dimenses econmicas, sociais e culturais, e provocando determinaes ambientais.

    Muitas crticas e questionamentos podem ser feitos a propsito desta interpre-tao acerca do desenvolvimento, mas, para ns, neste momento, o interessante a ob-servar que nesta noo est pressuposta uma interveno na natureza com o objetivo de dela extrair recursos: so os recursos naturais que, bem administrados isto , com conhecimento suficiente sobre eles, produzido pela cincia, e com tcnicas adequadas de extrao e beneficiamento , iro gerar as fontes de riqueza nas quais se fundamen-tar o desenvolvimento tcnico-cientfico, socioeconmico e da sociedade em geral.

    Nota-se, portanto, que o desenvolvimento pode ser considerado dependente da natureza, mas em um sentido estrito dependente do uso da natureza como recurso. Segundo esta concepo, a gua, o solo, as espcies vegetais e animais so vistos como fontes das quais sero retiradas as matrias-primas necessrias ao desenvolvimento.

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    Levar ao desenvolvimento entendido, neste contexto, como implantar formas de se gerirem os recursos naturais para transform-los em riquezas para a comunidade, para a regio ou para o pas. Isso pode ocorrer, por exemplo, por via da agricultura in-terpretada como gesto dos recursos visando a um melhor aproveitamento do solo, das sementes, etc. , ou por via da implantao de infraestruturas, como construo de barragens ou usinas hidreltricas, entendidas como gesto dos recursos hdricos com finalidades energticas.

    LEMBRE-SE

    Foi com base nesta concepo de desenvolvimento como transformao dos recursos na-turais que foram elaborados os projetos de desenvolvimento, muito frequentes no Brasil ao longo das dcadas de 1950 a 1980. Ilustrativos so os Projetos de Desenvolvimento do Cerrado, atravs dos quais o governo federal incentivava a migrao de agricultores experientes oriundos do sul do pas para os estados de Gois, Mato Grosso, Minas Gerais, entre outros, visando a promover a transformao do bioma local, o Cerrado, em polos de crescimento econmico baseados na agricultura tecnificada para a exportao. Assume-se, portanto, que o ambiente natural deve ser transformado em recursos (solo, luminosidade, irrigao) e que esta transformao da natureza viabilizar o desenvolvimento.

    Contudo, ainda que esta concepo de desenvolvimento segundo a qual a natureza s cabe como recurso seja correntemente encontrada em vrias iniciativas, pblicas ou privadas, e facilmente identificada em discursos e prticas, os diversos limites por ela apresentados fizeram com que, gradualmente, tal abordagem fosse sendo contestada. Uma vez questionado e sujeito crtica social o poder explicativo da ideia tradicional de desenvolvimento, manifesta-se uma tentativa de reconceitualizao analtica dos processos de desenvolvimento em sua relao com a natureza, que tem sua principal expresso na noo de desenvolvimento sustentvel.

    2.3.2 De recursos naturais ao ambiente: ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentvel

    O marco de contestao dos rumos do desenvolvimento ocidental pode ser localizado em meados da dcada de 1960, quando este desenvolvimento foi questio-nado tanto pela emergncia de novos movimentos sociais quanto pelo incio de uma srie de publicaes que alertava para as consequncias sociais e ambientais da busca do desenvolvimento a qualquer custo. Uma obra emblemtica deste contexto o livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, publicado em 1962, o qual teve enorme impacto e contribuiu decisivamente para a criao da agncia de proteo ambiental dos Estados Unidos. Ao denunciar os efeitos do pesticida DDT nas redes trficas, verificados a partir da grande mortandade de pssaros na regio de Cape Cod, nos Estados Unidos, Carson questionou de forma eloquente a confiana da humanidade no progresso tecnolgico e o desenvolvimento a ele atribudo. Dessa forma, o livro

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    ajudou a abrir espao para o movimento ambientalista que se seguiu e para inmeras manifestaes em outras publicaes, eventos e organizaes de grupos militantes.

    Concomitantemente a essa crescente contestao social, constituiu-se, em 1968, o Clube de Roma, grupo composto por cientistas, industriais e polticos que tinha como objetivo discutir e analisar os limites do crescimento econmico levando em conta o uso crescente dos recursos naturais. De acordo com Godoy (2002), na ocasio foi detectado que os maiores problemas do desenvolvimento eram a indus-trializao acelerada, o rpido crescimento demogrfico, a escassez de alimentos, o esgotamento de recursos no renovveis e a deteriorao do meio ambiente. Em suma, o Clube de Roma definia que o grande problema do desenvolvimento estava na presso da populao humana sobre o meio ambiente.

    Em 1972, este grupo de pesquisadores publicou o estudo intitulado Limites do crescimento (MEADOWS et al., 1972). No estudo, como observa Godoy (2002), com base em uma projeo para 100 anos, apontou-se que, para atingir a estabilidade econmica e respeitar a finitude dos recursos naturais, seria necessrio congelar o crescimento da populao global e do capital industrial. Assim, os pesquisadores defendiam a tese do Crescimento Zero como um ataque direto s teorias de cresci-mento econmico contnuo propaladas pelas teorias econmicas.

    Segundo o mesmo autor, este estudo teve repercusso internacional, influen-ciando sobretudo o direcionamento do debate que ocorreu, tambm em 1972, na Conferncia das Naes Unidas sobre o Ambiente Humano, conhecida como Con-ferncia de Estocolmo. Esta conferncia, que reuniu 113 pases na capital sueca, foi o primeiro grande encontro internacional para a discusso dos problemas ambientais e considerada at hoje um marco na discusso da relao entre desenvolvimento e meio ambiente. Teve como produto final a elaborao de um documento composto por 23 artigos e assinado pelos pases participantes, onde se identifica a pobreza como causadora da degradao (artigo 10), no se apoia o crescimento zero, e sim, o crescimento com equilbrio (artigos 8, 9 e 11) e se afirma que deve haver preocupa-o com o crescimento populacional (artigos 15 e 16). Outro importante desdobra-mento da Conferncia de Estocolmo o conceito de ecodesenvolvimento, que emerge proposto por Ignacy Sachs ao final do evento.

    De acordo com Sachs (1980), o ecodesenvolvimento sustenta-se em quatro postulados:

    (a) a satisfao das necessidades bsicas das populaes, conforme a escala hierrquica de necessidades materiais e psicossociais;

    (b) a promoo da autonomia de comunidades locais organizadas para que elas te-nham a gerncia efetiva de seu desenvolvimento local, sem que isso leve ao isolacionismo;

    (c) a relao simbitica entre ser humano e natureza;(d) a reconsiderao dos conceitos de eficincia e eficcia econmicas, pon-

    derando o utilitarismo que se baseia no clculo de ganhos individuais de curto e de mdio prazos, a partir das dimenses socioambientais societrias.

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    Favareto (2006) lembra que a noo de ecodesenvolvimento sinalizava direta-mente a necessidade de se instituir um outro padro de relao entre a sociedade e a natureza, no qual a degradao crescente cedesse lugar a prticas fundadas em uma melhor relao com o ambiente.

    Contudo, conforme o mesmo autor, uma dcada e meia mais tarde a noo de ecodesenvolvimento viria a ser praticamente substituda pela ideia mais genrica, e em parte por isso mesmo mais aceita, de desenvolvimento sustentvel, que ficou consagrada no Relatrio Brundtland (COMISSO, 1988). Este relatrio, conhecido no Brasil pelo ttulo Nosso Futuro Comum, foi publicado como texto preparatrio Con-ferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente, que viria a realizar-se no Rio de Janeiro, em 1992. Neste relatrio, o conceito de desenvolvimento sustentvel definido como aquele desenvolvimento capaz de garantir as necessidades das geraes futuras:

    O desenvolvimento sustentvel [...] um processo de mudana no qual a explorao de recursos, a orientao dos investimentos, os ru-mos do desenvolvimento tecnolgico e a mudana institucional esto de acordo com as necessidades atuais e futuras.

    Almeida (2009) ressalta que esse conceito parece sugerir a ideia de uma busca de integrao sistmica entre diferentes nveis da vida social, ou seja, entre a explo-rao ambiental, o desenvolvimento tecnolgico e a mudana social, mas que ele deixa dvidas em relao ao agente ao qual caberia definir os parmetros valorativos e polticos capazes de nortear essa integrao: trata-se de sustentar o qu? Futuro comum de quem e para quem? Nesse questionamento reside a principal base de conflitos entre aqueles que disputam o conceito e as prticas sociais e produtivas a ele circunscritas (p. 43).

    Favareto (2006) pondera ainda que a gradativa substituio da definio de eco-desenvolvimento por desenvolvimento sustentvel nos documentos oficiais de organismos multilaterais e em parte do movimento ambientalista pode ser vista no somente como a troca de uma expresso por outra, mas como uma adequao de sentido ao paradigma dominante de organizao das ideias sobre desenvolvimento. O autor considera que, ao optar pela definio desenvolvimento sustentvel, tal como ex-pressa no Relatrio Brundtland, optava-se por uma conceituao que no sinalizava a necessidade de se instituir outro estilo de vida. Contudo, crticas parte, o fato que, no que diz respeito ao papel atribudo natureza em relao ao desenvolvimento, se nota uma significativa mudana de rumo ao se atribuir centralidade ao ambiente na adjetivao do desenvolvimento desejvel. Mais que mero recurso, o ambiente passa a ser incorporado como uma dimenso a ser considerada e, em muitos casos, pri-vilegiada quando se propem modelos de sociedade.

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    ANOTE

    Clube de Roma: Grupo composto por cientistas, industriais e polticos que tinha como objetivo discutir e analisar os limites do crescimento econmico levando em conta o uso crescente dos recursos naturais.

    Conferncia de Estocolmo: Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente, rea-lizada no Rio de Janeiro, em 1992, tambm conhecida como Rio-92. Nesta Conferncia, foi discutido o Relatrio Brundtland, ou Nosso Futuro Comum, no qual foi apresentado o conceito de desenvolvimento sustentvel.

    Ecodesenvolvimento: Conceito proposto por Ignacy Sachs, visando a um padro de de-senvolvimento em que a degradao crescente da natureza desse lugar a prticas fundadas em uma melhor relao com o ambiente.

    Desenvolvimento sustentvel: Processo de mudana no qual a explorao de recursos, a orientao dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnolgico e a mudana institucional esto de acordo com as necessidades atuais e futuras.

    2.3.3 Desenvolvimento, ambiente e as crises da agricultura moderna

    Nesse processo de incorporao do ambiente s prerrogativas para o desenvol-vimento, qual o papel da modernizao?

    Segundo Almeida (2009), seguidamente a ideia de desenvolvimento reduzida de modernizao, conduzindo aplicao no mundo inteiro de um modelo nico de modernizao possvel, de forma que os pases do Terceiro Mundo so julgados luz dos padres dos pases desenvolvidos. Este o critrio utilizado at para se clas-sificarem os pases ao redor do mundo: pases que passaram pelo processo de indus-trializao ao final do sculo XVIII e incio do sculo XIX so definidos como sendo aqueles que passaram pelo processo de modernizao e so, portanto, os pases de-senvolvidos; os demais pases, de industrializao tardia, so considerados subdesen-volvidos e vistos sempre como estando em atraso em confronto com os primeiros.

    Em relao agricultura, o desenvolvimento mediante a modernizao tem, no contexto brasileiro, sua expresso mais manifesta naquilo que se conhece como Revoluo Verde, isto , no processo de padronizao da agricultura brasileira por meio da quimificao, da mecanizao e da homogeneizao das tcnicas agrcolas, conforme expe Fleury (2009, p. 64):

    Percebe-se que, com suas concepes e prticas, a Revoluo Verde vem justamente a calhar ao objetivo de adequar a agricultura s neces-sidades da concepo urbano-industrial de desenvolvimento: atravs do estmulo mecanizao, favorece-se a disponibilizao de mo de obra barata para o trabalho nas indstrias e nos centros urbanos; a quimificao caracterstica da Revoluo Verde leva a agricultura a uma situao de dependncia dos insumos industriais, favorecendo, assim, o crescimento industrial; a produo em escala atende demanda da produo de alimentos em grandes quantidades para alimentar as po-pulaes dos centros urbanos, comercializados a baixos custos para serem acessveis a operrios mal-remunerados; e, finalmente, a partir

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    da homogeneizao da produo, tambm caracterstica da Revoluo Verde, o alimento produzido por esta agricultura adquire caracters-ticas de previsibilidade prerrogativas para a sua transformao em commodities tornando-se, portanto, passvel de negociao no mer-cado internacional.

    Contudo, se, do ponto de vista da produo em quantidade, os resultados des-ta transformao so inquestionveis, quando o olhar se expande para a incluso de critrios qualitativos e de outras esferas alm da financeira, considerando igualmente os resultados ambientais, sociais e culturais, so incontveis as brechas para crticas e insatisfao. Tais crticas podem ser explicitadas quando a ateno se detm na anlise das crises ambiental, sociocultural e tecnolgica deflagradas contemporaneamente.

    Nesta perspectiva, nas abordagens propostas por Dal Soglio (2009), Wedig (2009) e Pacfico (2009), so formuladas mltiplas interpretaes sobre o momento de crise com o qual a sociedade contempornea se depara, com nfase, respectiva-mente, em elementos ambientais, socioculturais e tecnolgicos. No entanto, ex-plcito parece que, independentemente da abordagem escolhida, desponta como fator central da crise a priorizao de um modelo modernizante de desenvolvimento, exigente quanto s adequaes demandadas para o meio rural.

    Para cumprir o papel designado neste contexto, o rural configurado de forma a atender a critrios seletivos e restritivos quanto s paisagens e s espcies cultiva-das, quanto s relaes de produo, aos hbitos e s culturas favorecidas e quanto s prticas e s tcnicas utilizadas. As consequncias desta adequao so a reduo da diversidade em todos os nveis abordados e a setorizao das funes, dos interesses e das expectativas sobre temas que so necessariamente intrincados e plurais, como o rural e o desenvolvimento.

    para superar essa concepo excludente e portadora de inmeras consequncias negativas de agricultura moderna que emerge a noo de desenvolvimento rural sustentvel.

    2.3.4 Desenvolvimento rural sustentvel: uma proposta de articulao positiva entre ambiente e desenvolvimento

    De acordo com Ploeg et al. (2000), o paradigma da modernizao da agricul-tura, que dominou a teoria, as prticas e as polticas como principal elemento para levar o desenvolvimento s comunidades rurais, vem sendo substitudo por um novo paradigma, o de desenvolvimento rural (sustentvel), na busca de um novo padro para o setor agrcola, com novos objetivos. Segundo Kageyama (2008), nesta perspectiva, o desenvolvimento rural implica a criao de novos produtos e servios, associados a novos mercados; procura formas de reduo de custos a partir de novas trajetrias tecnolgicas; tenta reconstruir a agricultura no apenas no nvel dos estabelecimen-tos, mas em termos regionais e da economia rural como um todo; representa, enfim, uma sada para as limitaes e falta de perspectivas intrnsecas ao paradigma da

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    modernizao e ao acelerado aumento de escala e industrializao que ele impe (PLOEG et al., 2000, p. 395).

    Almeida (2009) acrescenta que a noo de desenvolvimento rural sustentvel tem como uma de suas premissas fundamentais o reconhecimento da insustentabi-lidade ou inadequao econmica, social e ambiental do padro de desenvolvi-mento das sociedades contemporneas. Segundo o autor, essa noo nasce da com-preenso da finitude dos recursos naturais e das injustias sociais provocadas pelo modelo de desenvolvimento vigente na maioria dos pases (p. 42). Assim, o objetivo da agricultura sustentvel a manuteno da produtividade agrcola com o mnimo de impactos ambientais e com retornos econmicos adequados, que permitam di-minuir a pobreza e atender s necessidades sociais da populao.

    De forma sinttica, essas transformaes no processo de produo agrcola nos projetos de modernizao e, em contraposio, de desenvolvimento rural so apresentadas no quadro abaixo.

    Quadro 1

    Modelos Principais caractersticas da produo agrcola

    Modernizao

    Agricultores como empresrios agrcolas

    Especializao

    Aumento de escala

    Intensificao (uso de insumos)

    Produo orientada pela lgica de mercado (menor utilizao interna da prpria produo)

    Aumento do grau de commoditizao

    Dependncia crescente de poucos mercados especficos

    Desenvolvimento rural

    Esforo para reduzir a dependncia do mercado de insumos externos unidade produtiva, visando reduo de custos e ao melhor aproveitamento dos recursos naturais

    Introduo de novas atividades que permitam utilizar mais os recursos internos

    Produo ambientalmente mais adequada

    Introduo de prticas de cooperao e pluriatividade

    Diversificao de produtos e busca de economias de escopo

    Maior controle sobre os processos de trabalho

    Elaborado a partir de: PLOEG et al. apud KAGEYAMA, 2008.

    Kageyama (2008) argumenta que, embora haja uma multiplicidade de inter-pretaes acerca do que se prope como desenvolvimento rural sustentvel, podem ser identificadas algumas caractersticas fundamentais, tais como a diversidade de atores envolvidos, de atividades empreendidas e de padres de motivao emergen-tes e a multifuncionalidade, que implica a reconfigurao no uso de fatores como ter-ra, trabalho, conhecimento e natureza. Portanto, no se trata mais apenas de reduzir

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    o desenvolvimento a uma gesto de recursos naturais, mas de incluir a natureza e a sociedade, ou seja, o ambiente, como critrio de definio de agendas e propostas.

    Certamente, no isenta de desafios que emerge essa perspectiva. Almeida (2009) cita alguns, que podem ser pensados como pontos de partida para o debate; por exemplo: ser de fato possvel conciliar a mxima que atende aos apelos do so-cialmente equitativo, do ambientalmente equilibrado e do economicamente eficien-te e produtivo? Porm, mais importante do que apresentar respostas exatas a ques-tionamentos como este parece ser refletir sobre as implicaes e limites dos modelos propostos. Sem dvida, a sustentabilidade um processo complexo, que no pode ser atingido pelo atendimento exclusivo a apenas uma de suas dimenses, seja esta econmica, ambiental ou social. Contudo, pensar seriamente sobre as implicaes da incluso dessas dimenses em nossas propostas de desenvolvimento rural j pode ser um dos primeiros passos para a superao do axioma da modernizao a qualquer custo em nossas expectativas de transformao da agricultura.

    2.4 EIXO TEMTICO 4 COMUNIDADES TRADICIONAIS E MOBILIZAO SOCIAL

    Esta parte reflete sobre a relao entre o eixo comunidades tradicionais e mobilizao social e o tema integrador modernizao da agricultura, de forma a fomentar uma discus-so que leve em considerao os diferentes modos de vida e de organizao social das comunidades tradicionais presentes em nosso pas antes do perodo da modernizao da agricultura e as diversas transformaes, contrapontos, consequncias e formas de ao dessas comunidades frente ao processo de modernizao.

    A primeira parte do texto oferece uma contextualizao histrica da organizao das populaes tradicionais no Brasil. Segue uma discusso conceitual sobre comuni-dades tradicionais. Por fim, apresentam-se algumas formas de mobilizao social dessas populaes ao reivindicarem seu reconhecimento e seus direitos frente ao Estado.

    2.4.1 Breve histrico de ocupao das populaes tradicionais no Brasil

    Com a colonizao do Brasil, inicia-se um processo de ocupao europeia do territrio, mediante o qual as populaes tradicionais que j o ocupavam (indgenas) foram expropriadas, escravizadas e dizimadas, dando lugar expanso das fronteiras agrcolas. A intensificao dessa expanso deu-se por via da produo aucareira e algodoeira (as plantations), assim como a explorao de minrios e a produo cafe-eira deram incio ao trfico de escravos africanos. Tal processo gerou resistncias, apropriao e mistura entre diferentes grupos tnicos, resultando em ocupaes de natureza diferenciada do territrio e em interpretaes distintas quanto ao uso da terra (LITTLE, 2002a).

    A Lei de Terras, de 1850, iniciou a regulamentao fundiria desse territrio, impondo entre a terra e seus ocupantes um processo jurdico alh