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MODIFICAÇÕES NA PAISAGEM E MUDANÇAS SOCIAIS OCASIONADOS PELA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE: O FIM DA COMUNIDADE SANTO ANTÔNIO. Jane Carla dos Santos SARMENTO¹ Carla Giovana Souza ROCHA² RESUMO Essa pesquisa tem por objetivo compreender as modificações na paisagem e as mudanças sociais a partir da construção da hidrelétrica Belo Monte na comunidade de Santo Antônio no município de Vitória do Xingu, Pará. Tem-se como objetivos específicos: compreender a história da comunidade; identificar as mudanças na paisagem; discutir as mudanças sociais decorrente da instalação da hidrelétrica Belo Monte. Para tanto foram utilizadas os seguintes procedimentos metodológicos: revisão bibliográfica e documental, observação in loco e aplicação de questionário semiestruturado, seleção das principais mudanças na paisagem em virtude da instalação do canteiro de obras do Consórcio Construtor Belo Monte, georreferênciamento de algumas paisagens humanizadas com uso de GPS (Sistema de Posicionamento Global). O questionário contém informações tais como: histórico da família, economia e infraestrutura. Podemos perceber severas alterações na paisagem que deixa de ter aspectos da comunidade tradicionalmente concebida e assume contornos de um grande projeto hidrelétrico na Amazônia, em virtude da construção do canteiro de obra, da retirada de vegetação de área de preservação permanente como encostas, planície de inundação, fluxo intenso de veículos na Transamazônica e desconforto térmico. Além disso, salientam-se os impactos sociais e pessoais que afligem os moradores da comunidade estudada e que sempre são de difícil mensuração, porém perceptíveis no decorrer da pesquisa. Palavras - Chave: modificação na paisagem, mudanças sociais, hidrelétrica de Belo Monte. _____________________

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MODIFICAÇÕES NA PAISAGEM E MUDANÇAS SOCIAIS OCASIONADOS PELA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE: O FIM DA

COMUNIDADE SANTO ANTÔNIO.

Jane Carla dos Santos SARMENTO¹

Carla Giovana Souza ROCHA²

RESUMO

Essa pesquisa tem por objetivo compreender as modificações na paisagem e as mudanças sociais a partir da construção da hidrelétrica Belo Monte na comunidade de Santo Antônio no município de Vitória do Xingu, Pará. Tem-se como objetivos específicos: compreender a história da comunidade; identificar as mudanças na paisagem; discutir as mudanças sociais decorrente da instalação da hidrelétrica Belo Monte. Para tanto foram utilizadas os seguintes procedimentos metodológicos: revisão bibliográfica e documental, observação in loco e aplicação de questionário semiestruturado, seleção das principais mudanças na paisagem em virtude da instalação do canteiro de obras do Consórcio Construtor Belo Monte, georreferênciamento de algumas paisagens humanizadas com uso de GPS (Sistema de Posicionamento Global). O questionário contém informações tais como: histórico da família, economia e infraestrutura. Podemos perceber severas alterações na paisagem que deixa de ter aspectos da comunidade tradicionalmente concebida e assume contornos de um grande projeto hidrelétrico na Amazônia, em virtude da construção do canteiro de obra, da retirada de vegetação de área de preservação permanente como encostas, planície de inundação, fluxo intenso de veículos na Transamazônica e desconforto térmico. Além disso, salientam-se os impactos sociais e pessoais que afligem os moradores da comunidade estudada e que sempre são de difícil mensuração, porém perceptíveis no decorrer da pesquisa.

Palavras - Chave: modificação na paisagem, mudanças sociais, hidrelétrica de Belo Monte.

_____________________

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¹ Mestranda em Geografia – UFPA/ Campus Altamira – [email protected] ² Professora da Faculdade de Etnodiversidade e do Programa de Pós-graduação em Agricultura Amazônica da Universidade Federal do Pará / Campus Altamira – [email protected]

AMBIOS EN EL PAISAJE Y CAMBIOS SOCIALES CAUSADOS POR LA REPRESA DE BELO MONTE: COMUNIDAD FIN SAN ANTONIO.

RESUMEN

Esta investigación tiene como objetivo comprender los cambios en el paisaje y los cambios sociales de la ejecución de la planta de Belo Monte en la comunidad de San Antonio en Vitória do Xingu, Pará. Uno tiene los siguientes objetivos: comprender la história de la comunidad; identificar los cambios en el paisaje; discutir los cambios sociales derivados de la central hidroeléctrica de Belo Monte. Por lo tanto se utilizaron los siguientes procedimientos metodológicos: la literatura y la revisión de documentos, en el lugar de la observación y aplicación de cuestionario semi-estructurado, selección de los principales cambios en el paisaje debido a la instalación de la obra de construcción del Consorcio de construcción de Belo Monte la georreferenciación de algunos paisajes culturales utilizando GPS (Sistema de Posicionamiento Global). El cuestionario contiene información, como los antecedentes familiares, la economía y la infraestructura. Podemos ver los cambios profundos en el paisaje que ya no tiene aspectos de la comunidad de diseño tradicional y asume contornos de un gran proyecto hidroeléctrico en la Amazônia, debido a la construcción de la obra de construcción de la retirada de las áreas de preservación permanente de vegetación como laderas, llanuras de inundación, flujo pesado de vehículos en la Transamazônica e incomodidad térmica. Además se destacan los impactos sociales y personales que afectan a los residentes de la comunidad de estudio y son siempre difíciles de medir, pero perceptible durante la investigación. Palabras - Clave: el cambio del paisaje, de cambio social, de Belo Monte.

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1- Introdução

A questão da produção, transmissão e distribuição de energia elétrica é um

assunto que vem sendo discutido e questionado há muitos anos por diversos setores

da sociedade, desde centros de pesquisa e institutos acadêmicos até organizações

não governamentais (ONGs) e movimentos sociais. A política energética brasileira, tal

como ela se apresenta atualmente, protagoniza diversas situações que acarretam

mudanças no espaço, paisagem e território, constantemente, em suas mais variadas

dimensões (SANTOS; SIEBEN, 2014, p 02). No Brasil, 85% da matriz energética são

compostas de energia elétrica provenientes de hidrelétricas.

A energia hidrelétrica é a obtenção de energia elétrica por meio do

aproveitamento do potencial hidráulico de um rio, e é realizada com a construção de

usinas em rios que possuam grande vasão de água e que apresentem desníveis em

seu curso (FRANCISCO, 2011).

Para Souza e Silva (2010, p. 219) é inegável que os grandes empreendimentos,

uma vez que ocupam extensas áreas, afeta de diversas formas o meio no qual se

inserem, com impactos de cunho social, ambiental, político e econômico. Vainer e

Araújo (1992.p. 34) conceituam hidrelétrica como:

Empreendimento que consolidam o processo de apropriação de recursos naturais e humanos em determinados pontos do território, sob a lógica estritamente econômica, respondendo as decisões e definições configuradas em espaços relacionais exógenos aos das populações regiões das proximidades do empreendimento.

É indiscutível a necessidade de energia elétrica que o Brasil possui, sendo que

as usinas hidrelétricas são vistas como fundamentais para a matriz energética do país.

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Nessa perspectiva surge a implantação do Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Belo

Monte, obra prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo

federal, executado no rio Xingu. Essa hidrelétrica tem a capacidade de gerar 11 mil

megawatts de energia. De acordo com Canazio (2009) o valor do investimento é de

R$7 bilhões segundo a estimativa do governo, a CPFL Energia estima o valor

referente a R$30 bilhões e para Alstom a estimativa é de R$30 bilhões.

No entanto, se percebe que o grande desafio é o remanejamento populacional,

uma vez que os impactos causados atingem diretamente pessoas, suas fontes de

renda, promove corte de laços afetivos e culturais, alterando assim o seu cotidiano e

sua vida.

Diante do exposto este artigo tem como objetivo compreender as modificações

da paisagem e as mudanças sociais a partir da construção da hidrelétrica Belo Monte,

na comunidade de Santo Antônio no município de Vitória do Xingu, Pará. A

comunidade corresponde à área onde será construído o reservatório dos canais e

próximo ao local da casa de força principal da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Por

este motivo, esta comunidade está sendo totalmente remanejada para outra área,

sendo construída assim toda a infraestrutura de apoio à obra e no lugar serão

instaladas as estruturas principais do UHE Belo Monte como estradas, canteiros de

obras, alojamentos, postos de combustíveis, linhas de transmissão, barragens,

vertedouros, casas de força, dentre outros, assim esses moradores terão que deixar

suas casas e locais de trabalho

Tem-se como objetivos específicos: apresentar a história da comunidade;

identificar as mudanças na paisagem; discutir as mudanças sociais decorrente da

instalação da hidrelétrica de Belo Monte. Para tanto foram utilizados os seguintes

procedimentos metodológicos: revisão bibliográfica e documental, observação in loco

e aplicação de questionário semiestruturado, seleção das principais mudanças na

paisagem em virtude da instalação do canteiro de obras do Consórcio Construtor Belo

Monte, georreferênciamento de algumas paisagens humanizadas com uso de GPS

(Sistema de Posicionamento Global).

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Os dados apresentados neste trabalho foram coletados nos dias 01 e 02 de

Outubro de 2011 e 13 a 17 de Junho de 2012. Foram entrevistados 22 famílias. O

trabalho irá retratar um momento determinado da história da comunidade que é o da

expectativa da indenização e saída das primeiras famílias.

2- Histórico da Comunidade Santo Antônio

A comunidade Santo Antônio localizava-se no município de Vitória do Xingu,

Sudoeste do Estado do Pará, às margens da rodovia Transamazônica. A comunidade

está a 60 km de Altamira, sendo delimitada pelas seguintes coordenadas S 03° 06’

57.3’’ e W 51° 47’ 28.6’’ (Figura 01).

Figura 01. Localização da área de estudo

Fonte: Google maps (2010). Confeccionado por Pedro Rafael (2014).

A comunidade foi fundada em 1973 como área de colonização dentro do

Programa Integrado de Colonização para a Amazônia, na década de 1970, anunciada

pelo governo militar do presidente Emílio Garrastazu Médici. Incluíam-se neste

programa a construção de várias rodovias federais, entre elas a Transamazônica (BR

230), e a construção de vários núcleos de povoamento, em áreas consideradas

“despovoadas” na Amazônia. Neste cenário, a cidade de Altamira ocupava uma

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posição de destaque como núcleo político e social, abrigando um intenso fluxo

migratório e passando por grandes transformações econômicas. É no entorno desta

cidade que foram construídos espaços para abrigar os diferentes migrantes que

chegaram para ocupar um lote de terra (ALVES, 2013).

É neste contexto que é fundada a comunidade de Santo Antônio, nome dado

inicialmente pelos primeiros moradores, “colonos” como eram chamados, que

receberam um lote de 100 ha do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA). Para Alves (2013) a denominação comunidade foi atribuída mais tarde pelos

próprios moradores com a chegada de outras famílias em 1973 e tem como referência

as comunidades católicas.

A população local apresentou redução visível em seu número de moradores no

ano de 2011- passando de 45 para apenas 09 famílias- devido a maioria das famílias

já terem sido indenizadas. Quanto a escolaridade das famílias 85% não completaram

o ensino fundamental de 1ª a 4ª series. A maioria dos moradores está na faixa de 18

a 32 anos e de 44 a 76 anos. No que diz respeito ao estado civil, grande parte dos

moradores é casada ou possuem união estável.

A comunidade mencionada tinha sua economia centrada na pesca para a

comercialização, em pequenos comércios, na agricultura para a própria subsistência

e para o mercado, assim como, trabalhavam nas fazendas circunvizinhas como mão

de obra braçal, construindo curral e cerca, como vaqueiro, na colheita de cacau,

plantio de capim, limpeza dos pastos e outros.

A infraestrutura da comunidade era precária, pois não possuía saneamento,

iluminação, pavimentação (Figura 02), mesmo após algumas melhorias financiadas

pela Norte Energia como a reforma da escola de educação infantil e construção de

posto policial. Atualmente a escola funciona como ponto de apoio do canteiro de obra

(Figura 03).

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Figura 02. Infraestrutura da comunidade Figura 03. Escola reformada.

Fonte: Arquivo da autora (2011). Fonte: Arquivo da autora (2011).

3- Mudanças na Paisagem da Comunidade Santo Antônio

Segundo Santos (1988, p. 21) tudo aquilo que vemos, que a nossa visão

alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que

a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores,

movimentos, odores, sons e etc. Segundo Machado (1988, p. 37), a paisagem

contribui para compreender os diferentes aspectos da organização do espaço: os

aspectos físicos e bióticos constituídos pelos quadros naturais aos quais os humanos

imprimem transformações.

A análise na paisagem aponta alguns impactos observáveis nas variáveis

climáticas, geomorfológicas, hidrográficas, geológicas e pedológicas. Os sítios

arqueológicos existentes na comunidade foram inevitavelmente afetados,

considerando ainda o fato de que a abertura de estradas e outros movimentos de terra

implicarem em danos ou destruição dos mesmos.

A pesquisa permitiu caracterização de quatro grandes unidades. As áreas mais

elevadas (como nos morros, morrotes e colinas que podem atingir até 100 m) estão

sendo usadas para instalação dos canteiros de obras do complexo Belo Monte,

apresentam elevada vulnerabilidade pela modificação através do aplainamento do

terreno com uso de maquinários. E as áreas mais baixas (como as planícies de

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inundação) ocorrem às margens do furo do Rio Xingu e do igarapé Santo Antônio que

variam entre 3m a 10m e sofrem inundações sazonais de acordo com regime das

cheias do rio Xingu. A retirada dos solos é feita através da exploração de argila, sendo

muito comum observar setores ao longo da rodovia onde acontece esse tipo de

exploração (Figura 04).

Figura 04. Transporte da argila. Fonte: Arquivo da autora (2011).

A velocidade de transformação dessa paisagem altera substancialmente sua

legibilidade semiótica por parte dos habitantes do lugar, podendo provocar perdas de

continuidade histórica e o abismo entre o cotidiano atual e as referências transmitidas

pela pintura, fotografia e literatura através das gerações (PANITZ, 2012, p. 151).

Ao analisarmos as modificações na paisagem da comunidade Santo Antônio

na concepção de Coelho (2012, p. 209) que considera a paisagem contemporânea

como decorrente de processos de transformação construídos socialmente,

entenderemos que a paisagem não se esgota, e que o desaparecimento de uma

paisagem significa a substituição daquela paisagem por outra, não sua morte.

Portanto, a paisagem da comunidade Santo Antônio foi sendo substituída,

dando origem a uma nova paisagem local que destrói a anterior. A mudança na

paisagem da comunidade decorrente da ação direta do empreendimento, em curto

prazo é de caráter irreversível e permanente. A mudança nesta paisagem significa o

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desaparecimento de uma paisagem construída ao longo de mais de 30 anos, com

significados culturais, afetivos e socioprodutivos.

4- Mudanças sociais decorrente da instalação da Hidrelétrica de Belo Monte

A modificação na paisagem da comunidade Santo Antônio impôs mudanças

sociais na vida da população local a partir da implantação do canteiro de obra da

hidrelétrica Belo Monte. O grande desmatamento provoca aos moradores um

desconforto térmico devido a maior área de exposição à radiação solar agravado pelo

intenso fluxo de veículos na Transamazônica, ocasionando o aumento da poeira,

consequentemente, alergias, indisposição, fadiga, estresse. A retirada de água dos

rios e igarapés além de provocar o assoreamento torna a água imprópria para o

consumo e inferindo sobre o cotidiano da população.

O homem do campo perde sua história, sua cultura, seus símbolos, sua forma

de organizar e produzir no espaço, ele perde o lugar identidário, aquele lugar que dá

existência a seu ser “homem da terra”, assim, com a destruição do território que o

identifica ele passa a construir uma nova identidade distante de sua realidade histórica

e local (ROCHA; SOARES 2013, p. 8).

Desta forma a população da comunidade tenta inserir-se em novas atividades

como a construção civil, desaparecendo cada vez mais a figura do pescador e do

vaqueiro, inserindo-se tais sujeitos em novas relações de trabalho como ajudante de

pedreiro, mestre de obras, mateiro, quase todos assalariados.

O que antes poderia ser considerado um lugar tranquilo para se viver, o que

destaca-se é o grande tráfego de máquinas trabalhando quase que o tempo inteiro.

O horário mais crítico era das 12 às 15 horas, ressaltando o período noturno que

deveria conferir clima mais ameno entretanto, tem sido afetada pelo intenso fluxo de

veículos na Transamazônica. O barulho causado pela implosão das rochas também

afeta a tranquilidade na comunidade e também contribui para o afugentamento dos

peixes e dos animais.

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Segundo relato dos moradores, a empresa construtora deveria realocar a

comunidade de Santo Antônio para uma área próxima, porém devido à demora no

processo de realocação grande parte dos moradores preferiu receber a indenização

e se deslocar para uma nova localidade de sua preferência. O que foi verificado é que

a pressão que as famílias passaram devido a todas as modificações na paisagem e

sociais expostas neste trabalho e a vagarosidade na definição de áreas para

reassentamento, levaram as famílias a aceitarem as indenizações em dinheiro e

desistirem do reassentamento.

É visível os traumas psicológicos que os moradores estão sofrendo por terem

que deixar suas casas, muitos vivem uma indecisão de onde recomeçar sua vida, pois

dependem da indenização oferecida pela empresa como relata a moradora:

“Dependendo do que eu ganhar, eu vou escolher meu destino”. ( A.L. 61 anos).

Os atingidos ao terem suas terras tomadas pelas instalações do

empreendimento hidrelétrico, saem do seu lugar e acabam se dirigindo para a cidade

na esperança de reconstruir uma vida melhor com a indenização recebida pela

empresa construtora (ROCHA e SOARES, 2013, p. 6).

Muitos moradores estabeleceram suas vidas em terras devolutas e passiveis

de, futuramente, tornarem-se razão de conflitos por terras. Aos que ainda continuam

na comunidade, estes servem como mão de obra para o empreendimento. Não há

como quantificar memórias, crenças, afetividade, usando as palavras do Senhor N.S.

morador da comunidade: “E agora o que fazer? o rio é o nosso mundo”.

Quando se trata de ter que sair do seu local de origem, e deixar para trás toda

uma história de vida, não se pode deixar de falar do sentimento de perda. Os impactos

decorrentes da instalação do canteiro de obra da hidrelétrica de Belo Monte, além de

gerar a destruição da paisagem local, ocasionam também uma mudança social no

modo de vida da população e no seu cotidiano. De acordo com Cureau (2010, p. 18)

acarretam sérias ameaças ou até mesmo a destruição do patrimônio cultural e dos

modos de viver, criar e fazer dos moradores atingidos pelo empreendimento.

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O enraizamento de sentimento que os moradores têm pelo seu local,

contribuem para a formação de identidade e do sentimento de pertencimento. O apego

pelas coisas que parecem ser banais, aos olhos dos moradores é muito significante,

além da relação com o rio Xingu, outro local tem bastante importância para os

moradores, a exemplo do campo de futebol, como relata o senhor (A. S. 32 anos): “O

que levarei de lembrança será o campo de Futebol”.

O que se vê é a paisagem transformada, que por sua vez modifica o lugar, onde

são construídas as identidades, o espaço do cotidiano dos moradores. A

transformação na paisagem da comunidade Santo Antônio a partir da construção do

canteiro de obras ocorreu de maneira rápida e irreversível, que por sua vez influenciou

nas mudanças sociais para os moradores, gerando alterações drásticas nos modos

de vida em geral.

5- Conclusões

A comunidade Santo Antônio passou por profundas modificações na paisagem

em virtude do canteiro de obra e, por conseguinte, na paisagem local, através de

inserção da população em novas atividades e chegada de novos moradores

temporários. As modificações na paisagem ocorreram de maneira rápida, que tornam

muito mais difícil de serem monitoradas, a exemplo da implosão das rochas,

decapitação do solo, retirada da vegetação natural para limpeza da área e

implantação de instalações e as alterações no leito do Rio Xingu.

A comunidade começou com poucos moradores que procuravam uma vida

tranquila, com a facilidade de conseguir terras para construir suas residências e um

meio de sobrevivência para sua família. A população, por sua vez, sofreu mudanças

sociais decorrentes das alterações na paisagem, bem como, a possibilidade de ser

brutalmente inserida em novas atividades, estranhas ao seu estilo de vida e gerando

alteração no seu cotidiano, além da possível desestruturação psíquica, uma vez que

parte da memória está se perdendo neste processo, através do distanciamento físico

de seus entes queridos e dificuldades de refazer seus modos de vida.

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Enfim, podemos perceber severas alterações na paisagem que deixa de ter

aspectos da comunidade tradicionalmente concebida e assume contornos de um

grande projeto hidrelétrico na Amazônia, em virtude da construção do canteiro de

obra, da retirada de vegetação de área de preservação permanente como encostas,

planície de inundação, fluxo intenso de veículos na Transamazônica e desconforto

térmico. Além disso, salientam-se os impactos sociais e pessoais que afligem os

moradores da região estudada e que sempre são de difícil mensuração, porém

perceptíveis no decorrer da pesquisa.

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