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MODIFICANDO CONCEPÇÕES CURRICULARES DE PROFESSORES DA
REDE PÚBLICA ESTADUAL DE SÃO PAULO: DA ORGANIZAÇÃO LINEAR
À IDÉIA DE REDE.
Marcio Antonio da Silva
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
INTRODUÇÃO
Muitos conceitos que os professores têm sobre o currículo de Matemática são
intrínsecos à experiência que estes docentes vivenciaram como discentes, seja na
formação inicial dos cursos de licenciatura, sejam nos cursos de capacitação, que serão
abordados neste trabalho. É a chamada simetria invertida.
A lista de conteúdos, a divisão seqüencial dos capítulos dos livros didáticos, o
registro dos professores nos diários de classe, entre outros, acabam ajudando a
intensificar o conceito de currículo linear, onde existe uma seqüência bem definida de
assuntos que devem ser abordados.
Procurando questionar alguns destes conceitos arraigados à prática do professor
de Matemática, elaborei uma aula que tinha como principal objetivo, ousado demais
talvez, modificar os conceitos de currículos da idéia linear à idéia de rede.
A aula de oito horas, realizada no 27 de setembro de 2003 foi a primeira de uma
série de dez, realizadas aos sábados, no Centro Universitário Nove de Julho
(UNINOVE), na cidade de São Paulo. Contei com a participação de quinze professores
da rede pública estadual que lecionam em escolas da periferia da Zona Norte da capital
paulista.
Esse projeto, “Teia do Saber”, foi promovido pelo governo estadual e tinha
como objetivo principal capacitar professores do Ensino Fundamental e Médio que
estavam atuando em sala de aula nas escolas estaduais da área de abrangência de suas
Diretorias de Ensino.
Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 7 - Formação de Professores que Ensinam Matemática 2
Dentro desta perspectiva, resolvi utilizar algumas “provocações” para incitar
uma série de questionamentos sobre conceitos não refletidos com profundidade por
estes docentes. Expus alguns exemplos de currículos apresentados em PIRES (2000, p.
50-55):
Em 1985, as principais preocupações apontadas nas Propostas Curriculares para
o ensino de 1º e 2º graus (assim denominados na época) da rede pública estadual de São
Paulo:
• Preocupação excessiva com o treino de habilidades, com a mecanização de
algoritmos e memorização de regras.
• Priorização dos temas algébricos e redução ou eliminação de temas
envolvendo geometria.
• Tentativa de exigir do aluno uma formalização precoce.
Pudemos concluir que todas estas preocupações ainda estão presentes, quase
vinte anos depois, ao menos nas salas de aula dos professores que participavam do
curso.
Ainda neste mesmo documento, a Matemática é apresentada como tendo dupla
finalidade:
• A Matemática é necessária em atividades práticas que envolvem aspectos
quantitativos da realidade, como as que lidam com grandezas, contagens,
medidas, técnicas de cálculo.
• A Matemática desenvolve o raciocínio lógico, a capacidade de abstrair,
generalizar, transcender o que é imediatamente sensível.
Os professores questionaram a segunda finalidade. Nesse momento, percebi que
alguns deles questionaram e criticaram esse documento oficial, elaborando argumentos,
ainda que empíricos.
Em seguida apresentei o Movimento de Reorientação Curricular, promovido
pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, no período de 1989 a 1992
(PIRES, 2000, p. 53) que tem como características marcantes:
• Optar por “temas geradores” para desenvolver propostas interdisciplinares:
transporte, moradia, saúde, saneamento básico, trabalho, lazer e convivência.
• Apresentar três temas articulados: números, geometria e grandeza.
• Propor o currículo em espiral.
Verificamos que a proposta apresenta temas geradores, que têm semelhanças
com as atuais propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais que propõem temas
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transversais: ética, orientação sexual, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural,
trabalho e consumo. Já os três temas apresentados são similares aos apresentados
anteriormente pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Antes de definir o que seria currículo em espiral, perguntei aos docentes o que
eles achavam a respeito dos tais “pré-requisitos”, tão presentes no discurso dos
professores. Muitos enfatizaram que é necessário seguir uma seqüência bem definida de
conteúdos para que os alunos possam ter uma “base” bem sólida e que eles encontravam
dificuldades ao ensinar determinado assunto, pois tinham que “voltar” a conteúdos mais
“simples” que os alunos não haviam aprendido. Questionei se realmente os alunos não
haviam aprendido os se apenas não lembravam. Responderam que, na maioria dos
casos, apenas não recordavam pois, ao iniciarem a retomada do assunto, os alunos logo
se manifestavam, mostrando lembrarem do assunto. Afirmei, então, que na verdade eles
não ensinavam novamente, apenas faziam os alunos lembrarem através de exemplos, ou
atividades, com abordagens diferentes daquelas que os alunos aprenderam há anos. A
linguagem, os problemas, a forma de explicar, tudo isso foi modificado nessa nova
abordagem do conteúdo. Não foi uma repetição da aula em que os alunos tiveram o
primeiro contato com um determinado conteúdo. Os professores concordaram com essa
observação, então apresentei aos mesmos a definição de Currículo em espiral, segundo
Bruner, que permite que o aluno veja o mesmo tópico em diferentes níveis de
profundidade e modos de representação.
Apresentei, em seguida, a proposta da Secretaria de Educação do Estado de
Minas Gerais (PIRES, 2000, p. 55), onde apresenta, entre outras coisas, a existência de
grupos de pessoas, classificadas com relação ao aprendizado de Matemática: gênios,
talentos, pessoas com relativa capacidade de aprender Matemática, incapazes
escolarmente. No mesmo documento a Matemática é apresentada como “a única
disciplina que, em todos os sistemas educacionais, alcançou um caráter universal, é
ensinada aproximadamente da mesma maneira e com o mesmo conteúdo. Logo, é quase
impossível haver alterações profundas no conteúdo já consagrado”. Esta proposta foi
imediatamente rejeitada pelos professores presentes, porém ao serem questionados se
conheciam professores que compartilhavam essa idéia disseram que sim, inclusive
alguns citaram que esse discurso é muito ouvido nas salas de professores.
Atualmente, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática destacam o
tema “tratamento da informação” como um bloco de conteúdo, a necessidade de
explorar os conteúdos não apenas conceitualmente, mas também na dimensão de
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procedimentos e atitudes, a importância de buscar várias conexões, faz referência ao uso
de tecnologias da informação (computadores, calculadoras, etc.) e tem como ponto de
partida a resolução de problemas. A metodologia já ultrapassada, porém muito utilizada,
de iniciar as aulas com conceitos e definições seguidos por exemplos (normalmente
simples), exercícios de aprendizagem e exercícios de fixação, estes últimos que
poderiam proporcionar uma oportunidade de questionamentos mais importantes por
parte dos alunos, porém quase sempre não sobra tempo da aula para a realização dos
mesmos, sobrando para o próprio aluno a tarefa de solucionar em casa os desafiadores
problemas que fogem completamente da simplicidade dos exemplos utilizados na aula.
A nova metodologia sugere que os problemas desafiadores deveriam estar no início da
aula, incitando questionamentos e fazendo com que os alunos consigam articular os
conhecimentos já adquiridos para produzir novos, sempre com a intervenção do
professor e finalizando com uma fase de institucionalização.
CONHECIMENTO EM REDE
Além da metodologia, a forma como o conhecimento é assimilado e adquirido
modificou-se. As idéias, já ultrapassadas porém ainda presentes, sobre conhecimento
estavam ligadas a três metáforas:
A metáfora do balde, onde o conhecimento é acumulado ao longo do tempo de
vida e a avaliação é como uma vareta que mede o quanto alguém conhece sobre algo.
A metáfora do edifício, onde é necessária uma boa base (alicerce sólido) para
poder construir o ‘edifício do conhecimento’. Essa idéia foi enfatizada por G. Mialaret,
quando diz que devemos segurar a mão do aluno e levá-lo pelo edifício do
conhecimento matemático, e estava presente no discurso de vários professores do curso.
A metáfora da cadeia de elos, onde um conhecimento depende de outro e não é
possível deixar um elo de fora, pois caso isso ocorra é impossível continuar a
construção de novos conhecimentos sem que esse elo seja refeito.
Essas metáforas fazem parte de mitos que foram criados a respeito do
conhecimento, ligando-os a idéia de acumulação e linearidade.
Para introduzir a idéia de conhecimento em rede, pedi aos professores que
respondessem qual seria o caminho que percorreriam na Internet para conseguir
encontrar o site da Universidade de São Paulo.
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A primeira idéia que surgiu foi entrar em um site de busca, em seguida digitar
USP e entrar diretamente na home page da universidade. Teríamos, então, o caminho:
Site da USP Site de busca
Mas será que esse é o único caminho possível? Outra professora disse que era
mais simples digitar o endereço do site, www.usp.br. Disse que aquilo só seria possível
pelo fato desta professora conhecer, previamente, a forma de escrever o endereço de
uma universidade brasileira. Desta forma o caminho que ela utilizaria seria:
Site da USP www.usp.br
Propus um novo caminho: Se quisesse conhecer mais do que simplesmente o site
da USP, poderia pesquisar pelas universidades paulistas e entrar, por exemplo, no site
da UNESP, e buscar algumas informações adicionais e, em seguida, voltar ao site de
busca e localizar o site da USP. Ou ainda, a partir do site da UNESP poderia acessar o
site da USP diretamente, caso houvesse um link disponível. Os caminhos seriam:
Site da USP Site da UNESP
Seleção das Universidades
paulistasSite de busca
Mas afinal, qual o melhor caminho? Ou qual o caminho correto? Sabendo-se
diretamente o endereço da home page da USP, o tempo seria menor, mas a quantidade
de informações também seria bem menor. O caminho mais longo pode ser o que traz
uma quantidade de informações maior, portanto não existe caminho correto, existem
diversos caminhos, cada um com sua riqueza de informações e possibilidades.
Da necessidade de criar uma nova metáfora para o conhecimento, surge uma
extremamente ligada aos conhecimentos modernos e a globalização: a idéia de rede.
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E se, ao invés de procurarmos o site da USP, quiséssemos encontrar uma rede de
significados ligados ao conceito de números negativos? Teríamos algo como descrito
abaixo (PIRES, 2000, p. 181):
PROBLEMAS GERADORES
Ligando a idéia de rede às orientações existentes nos Parâmetros Curriculares
Nacionais podemos buscar “problemas geradores” que produzam uma rede de assuntos
ou conteúdos que poderiam ser abordados pelo professor na sala de aula e relacionados
pelos próprios alunos.
A proposta, a partir de agora, é exemplificar um desses problemas geradores,
mostrando que uma infindável lista de exercícios de aprendizagem e fixação pode ser
trocada por apenas um problema rico em contextualizações. Entenda-se por
contextualização não algo que está ligado apenas ao cotidiano, pois dessa forma
estaríamos incorrendo ao erro de buscar contexto em problemas pobres (como o de
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pintar uma fração da cerca em um dia, outra fração no dia seguinte, etc.), mas buscar
contexto dentro da própria Matemática, como no caso do exemplo dos problemas
propostos aos professores do Projeto “Teia do Saber” (IMENES, 1999, p. 28-29):
Problema 1: Esta figura em forma de T foi construída com 5 quadrados
congruentes. Divida-a em 4 figuras congruentes.
Problema 2: Este trapézio é formado por 3 triângulos eqüiláteros congruentes.
Divida-o em 4 figuras congruentes.
Os problemas não foram apresentados ao mesmo tempo. Inicialmente apenas o
problema 1 foi reproduzido com a utilização de um retroprojetor. Curiosamente, os
professores encontraram muita dificuldade em interpretar a linguagem matemática do
problema. Ninguém conseguiu interpretar o texto e descrever o que deveria ser feito.
Levantei a hipótese que o contrato didático a que estes professores estão acostumados
produz a necessidade de uma explicação inicial ou de um exemplo esclarecedor antes de
buscar alguma interpretação própria e iniciar o trabalho de resolução.
Intencionalmente, aderi ao contrato didático estabelecido implicitamente pelos
professores, mas expus um exemplo que levaria a caminhos distantes da resolução
correta. Exemplifiquei alguns cortes possíveis:
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Fica evidente, pelo exemplo acima, que não obtemos quatro figuras congruentes.
Obtemos apenas quatro triângulos, dois a dois congruentes. Esse exemplo levou os
professores a entenderem o que estava sendo pedido – dividir o “T” em quatro peças de
um quebra-cabeça, de tal forma que as peças fossem “iguais” e pudessem refazer o “T”
– porém o exemplo dos cortes induziu os professores a procurarem segmentos que não
fossem paralelos aos segmentos que formavam a figura original.
Depois de alguns minutos sem progressos, informei aos professores que o
exemplo citado acabou induzindo ao erro e aproveitei para comentar que, muitas vezes,
fazemos isso nas aulas: ao procurarmos um exemplo para ajudar, acabamos
atrapalhando. Pedi que buscassem cortes paralelos aos segmentos que formavam a
figura e logo obtiveram alguns avanços. Um dos professores expôs uma resolução que,
embora estivesse errada, foi a primeira tentativa de expor uma solução:
A figura foi montada pensando-se em uma sobreposição de peças, de tal forma
que pudessem ser montadas quatro peças sobrepostas, o que foi logo refutado por
argumentos dos próprios professores, alegando que com estes cortes obteríamos oito
peças e não quatro.
Após mais tentativas, propus uma mudança de quadros e conduzi os professores
a pensarem no problema utilizando aritmética. Vejamos:
Tenho uma figura formada por cinco quadrados e quero quatro figuras iguais,
logo preciso dividir os cinco quadrados igualmente até obter um número de peças
divisíveis por quatro. Dividindo cada quadrado na metade, obtenho dez peças (não é
divisível por quatro). Dividindo cada quadrado em três peças iguais, obtenho quinze
peças (não é divisível por quatro). Dividindo cada quadrado em quatro peças iguais,
obtenho vinte peças (é divisível por quatro!). Logo, concluo que devo iniciar buscando
uma divisão de cada quadrado em quatro peças congruentes. Mas aí aparece um novo
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problema: existe mais de uma maneira de realizar a divisão dos quadrados. Algumas
maneiras encontradas junto com os professores:
Em seguida, os professores iniciaram um trabalho de tentativa e erro em busca
da combinação que levaria à divisão correta da figura. Não demorou muito para que o
primeiro professor chegasse à solução utilizando a divisão dos cinco quadrados em
vinte:
Ao apresentar o problema 2, não houve necessidade de explicações nem
exemplos, pois já conheciam uma estratégia para obter a solução. Dessa forma,
utilizaram o seguinte raciocínio: se tenho três triângulos congruentes e quero obter
quatro figuras congruentes devo encontrar o menor múltiplo de três que seja divisível
por quatro, ou seja, doze. Ou então, em outra notação: m.m.c (3,4)=12.
Dessa maneira, posso generalizar o problema da seguinte forma:
Seja x o número de peças congruentes que formam a peça maior e y o número de
peças congruentes que desejo obter. Então, devo dividir e peça original em z peças
congruentes, tal que z = m.m.c.(x,y).
Ou então, simplificando ainda mais, basta dividir cada peça congruente que
forma a peça maior em y peças congruentes, lembrando que y é igual ao número de
peças congruentes que desejo obter.
Mesmo com todas essas conclusões, verifiquei que apenas os professores que
haviam resolvido o problema 1 encontraram rapidamente a solução do problema 2:
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Depois de vivenciarem a atividade que seria reproduzida durante a semana com
os alunos destes mesmos professores, propus que elaborassem uma rede de conceitos
utilizando como nó principal este tipo de problema. Quais seriam os conteúdos que
poderiam ser abordados a partir deles? Quais os conceitos que os alunos poderiam
utilizar para elaborar estratégias de resolução?
A partir dessas questões, os professores foram divididos em cinco trios e cada
grupo produziu o material abaixo que foi reproduzido na lousa pelos próprios
professores:
Grupo 1
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Grupo 2
Grupo 3
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Grupo 4
Grupo 5
Muitos dos conceitos que aparecem nas “redes” foram questionado por outros
grupos ou por mim mesmo, o que gerou contribuições de todos. Como exemplo, posso
citar que em quase todos os grupos os conjuntos numéricos foram apresentados sem
restrições ( , e ). Questionei sobre a validade de abordar, por exemplo, números
negativos através deste problema. Os grupos que haviam citado conjuntos numéricos
resolveram modificar os conjuntos na lousa, acrescentando restrições ( , e ). *+
*+
*+
A Semelhança poderia ser abordada a partir, por exemplo, do problema 2, onde
obtemos como solução quatro trapézios isósceles semelhantes ao trapézio da figura
original. Vale ressaltar que os alunos estudam, principalmente, casos de semelhança de
triângulos e não verificam essa propriedade para outros polígonos.
Já a congruência aparece no próprio enunciado do problema e parece-me ser um
conteúdo fundamental para o próprio entendimento da questão.
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As razões e proporções decorrem do uso da semelhança de figuras. Poder-se-ia
atribuir comprimentos aos lados das figuras e extrair delas várias relações e problemas
decorrentes destes.
O leitor mais atento deve ter verificado que o grupo 2 utiliza “ângulos” e
“conceitos” como nós da rede. Indagados sobre a forma de utilização destes conteúdos,
o grupo acabou relatando um outro problema que pensaram, utilizando-se destes dois
propostos. Na verdade, este grupo foi além da atividade proposta e começou a elaborar
novos problemas que gerariam novas redes que estariam interligadas. Pela
complexidade da análise e limitação de tempo durante a realização da atividade não
aprofundei a pesquisa por esta vertente e procurei conduzí-los novamente à proposta
original, reafirmando o contrato didático estabelecido inicialmente.
O grupo 1 apresenta Progressão Aritmética (P.A.) como um assunto ligado a
múltiplos, o que parece pertinente. Também destaca o assunto “Diagonais” como
decorrência do estudo de Áreas. Indaguei o grupo sobre o aparecimento da Álgebra e
como abordariam esse conteúdo. O fato interessante decorrente desta indagação é que o
próprio grupo não sabia justificar (na verdade, acredito na hipótese que boa parte destes
professores não tinham uma idéia clara da diferença entre aritmética e álgebra), mas
outro grupo fez uma contribuição interessante – propuseram que utilizassem equações
de primeiro grau para obter múltiplos comuns ou até mesmo utilizar como introdução ao
Teorema de Bézout, esta última observação foi minha.
Ainda nesta etapa de institucionalização, os professores concluíram que este tipo
de abordagem ocorre em muitas aulas, porém eles nunca perceberam que a idéia de rede
é muito mais natural que uma abordagem linear do conhecimento. Demonstraram
preocupação quanto à forma de registrar esse conteúdo nos seus diários de classe, por
exemplo. Repliquei dizendo que o objetivo da aula não era introduzir uma nova forma
de registrar as aulas, mas uma forma de perceber as dinâmicas diferentes de pensamento
de alunos diferentes, e que o importante era o professor ter em mente uma rede de
significados para um conteúdo ensinado e proporcionar atividades que levem seus
alunos a percorrerem o maior número possível de nós dessa rede, atribuindo
significados pessoais para aquilo que aprendem.
No final da aula, os professores se prontificaram a propor aos seus alunos,
durante a semana de 29 de setembro a 3 de outubro, o problema trabalhado por eles.
Na semana seguinte, pude resumir as expressões dos docentes em uma palavra:
surpresa. Os relatos foram quase unânimes de alunos normalmente desinteressados que
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se dedicaram à resolução deste problema, proposto para eles como um desafio. Um caso
interessante foi o relato de uma professora que ficou surpresa com um aluno que,
segundo ela, sempre dormia em suas aulas. Ao propor o desafio, o aluno caminhou até
sua mesa (fato que nunca havia ocorrido antes) e mostrou a solução correta para ela que,
surpresa, o indagou sobre o raciocínio que havia utilizado para resolver o problema. Ele
explicou: “Tenho cinco quadrados, quero encontrar quatro peças. Cinco dividido por
quatro é igual a 1,25, então a divisão fica assim (mostra novamente a resposta)”.
Outros professores relataram que os chamados “melhores alunos das classes”
não gostaram da atividade e demonstraram resistência para aceitarem a proposta.
Levanto a hipótese que estes alunos tinham o seu bom desempenho associado ao
contrato didático vigente que, ao ser quebrado, fez com que as inseguranças destes
alunos viessem à tona, pois não tinham certeza que o seu desempenho também seria
satisfatório por esse novo contrato estabelecido.
Uma professora que leciona para classes de suplência em curso noturno, todos
adultos, trouxe contribuições interessantes para a aula, dizendo que seus alunos não se
interessaram tanto pela atividade. Perguntou porque isso teria ocorrido. Acredito que,
pelo fato do problema não ter uma contextualização ligada ao cotidiano destes adultos, o
interesse pela resolução do mesmo se restringiria aos alunos com interesse real pela
própria Matemática. Talvez os alunos do ensino fundamental sentiriam maior prazer em
encontrar contextualização dentro da própria Matemática. Um professor fez um
comentário interessante ao encontrar uma possível solução para esse problema: Bastaria
contextualizá-lo, por exemplo, dizendo que a figura representa um terreno que deve ser
dividido entre irmãos, de modo que o formato dos terrenos repartidos fossem iguais para
todos. Completei dizendo que poderíamos desenhar ruas, aproveitando o contorno da
figura e acrescentar uma nova variável, propondo uma divisão de tal forma que o
comprimento do terreno voltado para a rua fosse igual para todos os irmãos. Nesse caso,
o problema 1 não teria solução (como mostra a figura abaixo) e o problema 2
apresentaria a mesma solução já relatada anteriormente.
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RUA
O terreno branco possui “frente voltada para a rua” menor que os outros, o que torna a divisão impossível.
CONCLUSÃO
Pude observar, não só pelas conclusões extraídas dessa aula, mas das
observações feitas nas aulas subseqüentes do curso, que a visão de currículo linear, onde
os conteúdos seguem uma seqüência bem definida e inquestionável, foi modificada para
essa nova concepção de currículo em rede. Termino esse relato com um texto elaborado
pelo professor Maurício Dias da Escola Estadual Paul Hugon, participante do curso, que
entregou o texto reproduzido abaixo no final da aula, sem que eu pedisse para que eles
redigissem algo. Portanto acredito ser uma representação dos sentimentos vividos pelo
grupo:
“Trabalhar com o currículo em forma de rede é, sem dúvida nenhuma, muito
mais interessante. Pude perceber que o que falta é o tipo de registro e análise dessa
dinâmica. A vivência dos temas ou eixos temáticos, pode acontecer dentro de sala de
aula. O que muda é a forma de abordagem do eixo temático e aproveitar todo
conhecimento que o aluno traz. Agradeço as dicas e o bom dia que passamos...”
Palavras Chaves:
Formação, Professor, Currículo.
Referências Bibliográficas:
IMENES, L.M. Problemas Curiosos. São Paulo: Scipione, 1999.
PIRES, C.M.C. Currículos de Matemática: Da Organização Linear à Idéia de Rede.
São Paulo: FTD, 2000.