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MODOS DE APRENDERENSINAR EM REVEZAMENTOS TEORICOSPRÁTICOS: INTERLOCUÇÕES SOBRE CURRÍCULOS, EXPERIÊNCIAS JUVENIS E FORMAÇÃO DOCENTE Problematiza os currículos escolares e a formação inicial de professores pela compreensão dos espaçostempos educacionais como territórios onde teoria e prática coexistem, coabitam e incessantemente se revezam, recusando uma única verdade-saber que supervaloriza uma em detrimento da outra, subvertendo a lógica de reprodução mecânica em movimentos de aprendizagens mais sensíveis e com outra duração nos currículos escolares e na formação docente. Faz interlocução entre pesquisas que mobilizam diferentes referenciais teóricos, tais como Ariés (1978), Bergson (2006), Certeau (1994), Deleuze (2006), Nietzsche (2015), Sarmento (2007). Toma como metodologia as redes de conversações (CARVALHO, 2009; 2012), com jovens de ensino médio, estudantes licenciandos e professores, ao acompanhar o cotidiano escolar por meio de estudos, registros, produção de materiais e discussões sobre e com escolas da região metropolitana do Espírito Santo. Insere-se no campo de discussão proposto no Eixo 1, “Didática e prática de ensino: desdobramentos em cenas na educação pública” e de modo específico no subeixo 3 “Modos do ensinar e aprender em experiências”, uma vez que utiliza pesquisas e produções do cotidiano da educação com alunos/as e professores/as como lócus privilegiado de suas discussões. O primeiro texto a partir de pesquisa com professores de ensino fundamental, debate sobre os processos de ensinar e aprender em sua relação de aproximação e distanciamento com o campo das teorias e dos conceitos filosóficos. O segundo, aborda experiências dos jovens estudantes nos diferentes espaçostempos do Instituto Federal do Espírito Santo como outras possibilidades teoricopráticas de produção de currículos. O terceiro artigo apresenta reflexões sobre infância, formação e fazer docente, a partir da articulação de um grupo de estudantes das licenciaturas em um Centro de Educação Infantil Universitário. Nas diferentes propostas das pesquisas que o constituem, esse painel trata de modos de aprender e ensinar que articulam teoria e prática como potencia para os processos educativos. Palavras-Chave: Formação Docente, Currículo, Teoria e Prática XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 2755 ISSN 2177-336X

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MODOS DE APRENDERENSINAR EM REVEZAMENTOS

TEORICOSPRÁTICOS: INTERLOCUÇÕES SOBRE CURRÍCULOS,

EXPERIÊNCIAS JUVENIS E FORMAÇÃO DOCENTE

Problematiza os currículos escolares e a formação inicial de professores pela compreensão

dos espaçostempos educacionais como territórios onde teoria e prática coexistem, coabitam

e incessantemente se revezam, recusando uma única verdade-saber que supervaloriza uma

em detrimento da outra, subvertendo a lógica de reprodução mecânica em movimentos de

aprendizagens mais sensíveis e com outra duração nos currículos escolares e na formação

docente. Faz interlocução entre pesquisas que mobilizam diferentes referenciais teóricos,

tais como Ariés (1978), Bergson (2006), Certeau (1994), Deleuze (2006), Nietzsche

(2015), Sarmento (2007). Toma como metodologia as redes de conversações

(CARVALHO, 2009; 2012), com jovens de ensino médio, estudantes licenciandos e

professores, ao acompanhar o cotidiano escolar por meio de estudos, registros, produção de

materiais e discussões sobre e com escolas da região metropolitana do Espírito Santo.

Insere-se no campo de discussão proposto no Eixo 1, “Didática e prática de ensino:

desdobramentos em cenas na educação pública” e de modo específico no subeixo 3

“Modos do ensinar e aprender em experiências”, uma vez que utiliza pesquisas e

produções do cotidiano da educação com alunos/as e professores/as como lócus

privilegiado de suas discussões. O primeiro texto a partir de pesquisa com professores de

ensino fundamental, debate sobre os processos de ensinar e aprender em sua relação de

aproximação e distanciamento com o campo das teorias e dos conceitos filosóficos. O

segundo, aborda experiências dos jovens estudantes nos diferentes espaçostempos do

Instituto Federal do Espírito Santo como outras possibilidades teoricopráticas de produção

de currículos. O terceiro artigo apresenta reflexões sobre infância, formação e fazer

docente, a partir da articulação de um grupo de estudantes das licenciaturas em um Centro

de Educação Infantil Universitário. Nas diferentes propostas das pesquisas que o

constituem, esse painel trata de modos de aprender e ensinar que articulam teoria e prática

como potencia para os processos educativos.

Palavras-Chave: Formação Docente, Currículo, Teoria e Prática

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DOS TRATADOS TEÓRICOS: FRAGMENTOS DE REVEZAMENTO ENTRE O

CONCEITUAL E O IMANENTE NA ESCOLA

Steferson Zanoni Roseiro/CE-Ufes

Resumo

Este texto objetiva, a partir de problematizações decorrentes de processo de pesquisa com

professores de escolas públicas de ensino fundamental, debater os processos de ensinar e

aprender em sua relação de aproximação e distanciamento com o campo das teorias e dos

conceitos filosóficos. Compreendendo, historicamente, o lugar da teoria na produção de

jogos de verdades que dizem sobre, isto é, como uma figura ideal e perfeita da realidade, a

escola sugere que, ao adentrá-la, deixe-se de fora o personagem encarnado da vontade de

saber para vivificar a escolar sob outra ótica. Assim, colado ao portão de entrada, a escola

deixa um aviso tendencioso que diz de uma longe relação conflituosa entre teoria e prática:

"Não contratamos teóricos!". Utilizando como estratégia metodológica a pesquisa-

intervenção em redes de conversações com professoras e professores, problematizamos o

próprio conceito de "teoria" e "prática" na articulação dos revezamentos realizados em

salas de aula. Partindo do princípio de que a escola é marcada por uma recusa imediata de

teóricos da "verdade", a própria teoria, isto é, o Teórico enquanto personagem conceitual,

passa a metamorfosear-se para adentrar e viver as relações emergentes nos contextos

escolares. Apartada da "boa teoria" sábia e controladora, o texto destaca o caráter

inquisitivo da escola na busca e produção de outros modos de produzir teorias cada vez

menos distanciados das práticas. Como apontam as professoras no contexto da pesquisa,

trata-se de desafiar a teoria para que essa seja capaz de encontrar mais ecos e reverberações

e menos silenciosas e precipitadas concordâncias; e, ao mesmo tempo, de desconfiar das

práticas e da imanência que se pensa apartada de conceitos e jogos teóricos.

Palavras-chave: Teoria e Prática. Revezamento. Filosofia imoral.

Desconversar a teoria; evitar a prática...

Quanto mais a gente se lança à vida, à imanência – ao teatro, às salas de aula, aos

parques, aos passeios, às brincadeiras –, mais um medo delicado nos assombra: parece que

a vida pouco tem de teoria. Ou, para assustar mais ainda os mortos – e também os vivos –,

parece que nossos teóricos, aqueles que defendemos tão avidamente em academias e salas

de aulas atravessadas de adultos, não são outra coisa que apáticos insossos, por demasiado

assépticos e distantes. Pessoas em roupas de grã-fino e palavrório de poetas, há tempos,

mortos.

Por vezes, pegamo-nos tentando encontrar um autor que explique essa ou aquela

realidade; tentando dar corda a algum teórico-juiz para nos dizer se isso é válido ou aquilo.

Flagramo-nos, mais insistentemente do que gostaríamos de admitir, duvidando dessa ou

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daquela escrita, desse ou daquele território de saber. "Vocês são marxistas?", pergunta-nos

uma diretora logo que entramos na escola. E, aturdidos com a pergunta – Somos? – ela já

interpela dizendo: "Porque marxista aqui não dá conta da escola não. Então, se forem, a

gente já coloca vocês lá no laboratório de ciências que vai ser mais fácil para vocês".

A pergunta e o comentário não nos dirigem nenhuma acidez. Fugida nesse

momento, a diretora segue, não espera nossa resposta. A escola toda se desmembra

enquanto a vida escolar inicia mais um dia. Aquela pergunta, amarrada no portão da escola,

espanta teóricos, espanta posicionamentos muito definitivos, espanta os teóricos em suas

poses de Senhores do Saber. Com quem se deita ao ler?, parece dizer aquela pergunta. E,

decerto, ela diz de uma rixa, ainda que não declare contra quem ou que não preexista um

nome certo a ser declarada.

No portão da frente, a diretora, em nome de toda a escola, cola o aviso: Não

contratamos teóricos! E, tão logo o cola, olha de esguelha para a rua, para ter certeza de

não avistar nenhum por perto.

Ora, mas nada distante desse mesmo lugar – talvez do outro lado da rua, escondido

sob óculos de grau alto sentado à sombra de um pequeno café –, o Teórico (personagem

conceitual), deleita-se daquela cena. Ele vê a rebeldia da vida e logo risca palavras em sua

caderneta. Arrogante e dono de si, ele olha para o aviso recém colado no portão da escola

como um convite para suas anedotas e analogias. A bem da verdade – ou melhor, em nome

da verdade (NIETZSCHE, 2015) –, buscam a rejeição como quem se enaltece com ela para

dizerem as mais precisas e preciosas verdades.

Fomos nós quem adentramos a escola – nós, pesquisadoras e pesquisadores –, e, ao

fazê-lo, foi-nos pedido que deixasse para trás aquele personagem conceitual, Teórico, a

quem a escola arremete com tanta força seu medo. E é desse movimento que emerge essa

escrita. Antes de tomarmos esse recorte como uma mostra do distanciamento entre "teoria

E prática", apontamos nele a existência de um paradoxo já levantado por Foucault e

Deleuze (2013) em uma conversa sobre a responsabilidade da teoria e da prática na

produção da vida. Isto é, partimos do princípio que essa cena e pergunta – "Vocês são

marxistas?" – dizem menos de desgosto em relação às teorias e mais de um problema

epistemológico-conceitual: afinal, o que é/o que pode a teoria? O que pode o personagem

conceitual Teórico quando adentra o campo imanente Escola? É possível dizer de relações

de ensino-aprendizagem sem considerar a imanência em revezamento contínuo com os

conceitos? O que implica aprender e experimentar senão efetuar passagens da filosofia à

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imanência e vice-versa?

Metodologicamente, a pesquisa foi realizada em redes de conversações

(CARVALHO, 2006) com professoras e professores, colocando em discussão os modos de

articular formações e as experiências de sala de aula. Dando corpo às perguntas,

encontram-se, assim, fragmentos de vida escolar discutidos e vivificados por essas

professoras e professores de uma escola de Ensino Fundamental da rede pública do

município de Vitória/ES. Fragmentos que, tal qual a cena inicial que nos (des)convida da

teoria, problematizam a escola em seu medo teórico; e, entretanto, também a arrombam em

um ímpeto de uma vontade desesperada de produzir (teórica, filosófica e conceitualmente)

nela/sobre ela/com ela. Afinal, como já despontava em Nietzsche (2015), a "boa teoria" – a

teoria dos apaixonados pela verdade – pode pouco contribuir além de destacar e dizer o

óbvio, o inócuo; todavia, o Teórico pode também romper sua envergadura de cavalheiro

para se espremer por entre as brechas do portão fechado, e, fazendo-o, deixa de ser um

Bom Teórico para ser um Teórico Imoral!

E, nesse instante, Teórico e Escola se encontram e o confronto começa. E é preciso

perguntar: como se invade por entre linhas tão rígidas e avisos tão explícitos pedindo

distância?

Do (des)convite como uma sacudidela

O Bom Teórico – a personagem da "boa teoria" –, dizem, anda bem acompanhado.

É sempre aquela pessoa bem afeiçoada, de características nobres, de olhares virtuosos que

exalam verdades. Arrogante de seu si, querem tudo e apenas em nome de uma verdade

universal, de uma vontade de saber esfomeada. O Bom Teórico, Nietzsche (2015) e

Foucault e Deleuze (2013) dizem, é quem pensa em salvar o mundo e por isso inicia suas

buscas! Anda fazendo pose, diz o que diz como se o dissesse a bem de alguém. A diretora

faz a pergunta-chicotada – "Vocês são marxistas?" – e, imediatamente, aparta-se de nós

essa figura do Bom Teórico. Ou, como Manoel de Barros (2007) brinca, aparta-se de nós a

Dona Lógica da Razão!

Imagem 01. Dona Lógica da Razão.

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Artista: Martha Barros.

Esse corpo excomungado de nós – o corpo da soberba sabedoria – é imediatamente

convidado a se retirar. Somos marxistas?, perguntamo-nos enquanto olhamos a diretora

seguir. E, claramente, a pergunta poderia ser dirigida a qualquer outro autor. "Somos

freudianos/deleuzianos/hegelianos/piagetianos...?" e, no fim, ela diria a mesma coisa:

somos tão afetados por um campo filosófico de saber que nos afastamos dos

desdobramentos da vida imanente?

Redesenhados em nossos corpos, os autores que lemos começam a pulular diante da

possibilidade de serem retirados de nossa carne, de nossa pele. Mal pisamos na escola e

começa um rebuliço na superfície. Os autores, geralmente tão empenhados em falar um de

cada vez, tão necessitados do silêncio e da calmaria para proferirem suas vozes monótonas

e racionais, temem diante do tom da diretora. Ela, decididamente, não os quer mortos – "Já

não estão todos?" pergunta ela demarcando o perigo da existência teórica –, todavia,

decerto não veria problemas em tirá-los de seus lugares de razão. E, sobreviventes em suas

palavras que nos habitam (SKLIAR, 2014), os teóricos se aglomeram para falar aos

trancos. Eles precisam sobreviver.

Ora, esse projeto de retirada – ou seja, esse (des)convite ao teórico – é comumente

analisado sob a ótica de um medo e de recusa da escola em se aliar ao campo de produção

teórica. Herdeiros de histórias de docência dogmática repleta de palavras de ordem

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(DELEUZE; GUATTARI, 2011) e da retomada da teoria como única fonte de saber

(FARIA, 2008), faria sentido, inclusive, manter-se em uma relação de afastamento

permanente com toda a produção teórica. Entretanto, é preciso, ao contrário, olhar para

essa fala e enxergar nela um convite. "Vocês são marxistas?" não é um convite a ser

marxista ou a qualquer outra corrente filosófica cegamente definida. Ou, como melhor

compreenderíamos em um segundo momento em que a diretora repete a pergunta, é um

convite para se fazer escola.

"Vocês são marxistas? Acho que não, né? Já vi vocês aqui algumas vezes, inclusive no

pátio com as crianças! E aquelas que vocês estavam agorinha não são fáceis não...

marxista não consegue fazer isso. Mas vocês não são, né? São piagetianos? Ou estão mais

na onda de Vigotski? Já li muito Paulo Freire na minha época do mestrado, mas acho que

hoje Saviani e Libâneo fazem mais sentido, né?".

A diretora lança uma série de perguntas, sempre multiplicando os autores e, aos

poucos, constrói o pano de fundo no qual a educação é, comumente, analisada. Autores e

autores são empilhados nas perguntas dela, e, ao não dar espaço para respondermos,

percebemos que cada pergunta é feita apenas para sacolejar o corpo físico-teórico que nos

habita.

Excomungados da Dona Lógica da Razão e do Bom Teórico, o corpo heterogêneo

de teóricos que nos habita, já não tenta mais responder às perguntas. Aos poucos, percebem

que podem dar conta das sacudidelas apenas quando são lançadas a elas. Não mais

inquietações, de sua parte, pela fala metafísica, pela verdade universal. De algum modo,

aquele corpos docentes começam a se perceber viventes em um mundo iminentemente

real, um mundo em que o físico e o real são tão presentes quanto a linguagem e as ideias.

De supetão, o corpo teórico em nós perde a peruca de magistrado e o discurso do justo, da

"justiça universal" (FOUCAULT, 2014) para se fazer mais local, para se perder em meio às

tramas e estratégias táteis e afetivas do plano em que a vida se exerce.

Diante de tanto movimento e de tanta turbulência, o Bom Teórico – a resposta

unitária! O Ser/saber do universal! – é, definitivamente, colocado para o lado de fora da

escola, do campo de imanência. E, diante do aviso ("Não contratamos teóricos!") ele se

sente muito bem consigo mesmo e mantém-se, sem perjúrio, do lado de fora.

Voltamos à cena inicial: o portão se fecha e o aviso já se faz visível aos olhos

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estrangeiros. Do lado de fora está o corpo personagem conceitual que, há instantes, fora

arrancado de nosso corpo. Do lado de dentro, a massa amontoada de corpos-teóricos que

nos habita pede passagem.

Um corpo nos empurra e todos os teóricos, em polvorosa, começam a falar.

Reina a cacofonia.

Das cacofonias do aprender e ensinar

E em meio à miscelânea quase incompreensível de vozes, entendemos uma única

palavra: criança.

O corpo que nos atinge possui uma força que é menos física e mais afetiva. No

contato, não somos lançados para frente, todavia, um gatilho ativa todos os teóricos na

superfície de nossa pele e, imediatamente, há um deslocamento entre o conceito-escola, o

conceito-criança e a imanência que nos atinge e empurra. Uma professora, vendo a cena,

grita de longe, "Já pediu desculpas?", e logo volta correndo para dentro de sua sala de

aula.

Esse breve minuto entre os acontecimentos – isto é, o momento em uma criança nos

esbarra e o momento do grito – insere uma pausa prolongada na dinâmica da escola.

Deslocados pelo encontro com a criança, cada teórico trabalha na tessitura do discurso

sobre a criança. Como é a criança? O que ela fazia? O que ela carregava? Estava

correndo de uma aula ou para uma? Perguntas simples assombram todo o corpo-teórico e

o coloca a se movimentar. Não que lhes seja interessante responder e precisar sobre o

encontro! Distantes do Bom Teórico, interessa-lhes menos produzir verdades e mais tecer

as possibilidades de verdades e saberes. Trata-se de traçar uma constelação de verdades e,

ao fazê-los, de retirar de si o lugar de quem dita as regras da enunciação. Talvez, como

Molina (apud SKLIAR, 2014, p. 127) propõe, trate-se de pensar "[...] um lugar para

perguntamo-nos [...] como conversar com desconhecidos".

É assim, talvez, que a cacofonia deixa de ser a produção de sons sem sentido para

integrar uma rede de sons que se sobrepõe na tentativa de articular saberes e preencher

vazios.

A professora, quando sai da sala novamente, dirige-se ao local onde estávamos e

comenta sobre sua sala de aula e sobre a bagunça ocorrida ao realizar uma discussão sobre

a história das negritudes. E, ao fazê-lo, ela traça os movimentos realizados entre ela e os

alunos, as confusões – "Histórias de negros tipo lá do meu bairro?", reconta a professora –

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, os acertos e os silêncios.

Produção de sons diferentes que se sobrepõe, sempre ampliando os sentidos.

Um outro professor, entrando na conversa, joga:

Ontem aconteceu um negócio na sétima série que um aluno perguntou: "Professor, você

acha que pode acontecer uma ditadura no Brasil?". Estávamos estudando movimentos

Revolução Industrial e Revolução Francesa. Aí eu dei uma resposta rápida e segui meu

tempo. Aí uma outra: "O que é ditadura?".

O professor não responde de imediato, mas propõe um debate.

"Ó, cinco pessoas vão falar e eu quero saber o que vocês acham do governo da Dilma". Foi difícil.

Cinco meninos podiam falar, só, e não podiam falar duas vezes. E começaram a falar: fizeram

crítica; defenderam. Aí fui falar: "Ó, Dilma chegou ao governo como? Vocês já ouviram alguma

vez que a eleição dela tenha sido ilegítima?" – lógico que eu não perguntei assim – "Não",

"Beleza. Todos que falaram concordam com ela?". Teve gente que concordou, teve gente que

discordou. "Isso se chama democracia". E continuei: "Na ditadura isso não acontece. Não ocorre

a eleição, porque é direito de oposição. E o direito de oposição não acontece, porque para

oposição, tem que ter o direito de querer mudar. E é mudar mesmo"

E, assim, uma aula de história vira um debate político, uma discussão

contemporânea junto a movimentos históricos. A história se faz cristal – discute o passado

no presente no encontro com o futuro. Revezando os tempos, revezando os

acontecimentos, a aula também opera revezamentos entre o conceitual e o imanente, entre

o teórico e o prático. As crianças evocam o conceito ditadura em um plano de imanência

no qual a palavra parece se apresentar como um signo vazio, e, entretanto, ao evocá-lo, ele

passa a operacionalizar-se em um campo altamente real.

E, como o professor continua, "Nós só conversamos... e a aula rendeu!".

O nascimento do Teórico Imoral

Ensinar e aprender, como Carlos Skliar diz, não passa de uma relação de troca, de

conversa, de travessia, de experimentação e de esvaziamento. É preciso encontrar-se com

algo que não seja imediatamente reconhecível para que se experimente e que se realize

uma travessia.

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Ora, é para isso, portanto, que Nietzsche (2015) bradava pelo saber do mau caráter,

do imoral! Afastemo-nos da gramática das governantas, riamos de quem se aproxima das

verdades com prosaica vaidade, com demasiada humanidade! Aprender e ensinar dizem de

relações de sacudidelas, de sacolejos e esbarrões. Dizem de violências contra a lógica

estabelecida. Por isso, decerto, a relação entre teoria e prática não pode, jamais, ser de

"busca", mas de "encontro". Não se trata de quem se lança ao jogo da procura pela

"verdade", mas de quem, em travessia, permite-se ser sacudido, assaltado, trespassado.

Talvez, junto à diretora, devêssemos nos perguntar "Você é...?" e, depois da

reticência, inserir uma classificação, uma indicação de corrente filosófica, um

posicionamento teórico. E, à sombra de Nietzsche, poderíamos responder a marteladas.

"Não sou, não sou, não sou!". E ceder às marteladas imorais.

E, junto a esse não, não marcaríamos uma recusa às teorias. Ao contrário,

indicaríamos brechas alternadas entre as teorias e as práticas; abriríamos, ambos os campos

(de imanência e da filosofia) ao possível do revezamento (FOUCAULT; DELEUZE,

2013). Revezando, teoria deixa de dizer a verdade sobre a vida para se articular com ela na

produção de vida; coengendrada com a teoria, a prática multiplica os poderes e os saberes,

criando novas estratégias de relacionamento. Por isso, talvez, toda relação seja de

revezamento e não de aplicação! Não há teoria que se aplique na prática! Não há prática

que possa ser capturada por um livro, por um autor e, entretanto, toda a vida se ramifica

por entre autores, por entre livros. A própria escola é revezamento desproporcional e de

ritmos desconhecidos entre teoria e prática, entre vida imanente e vida teórica.

Talvez, como diz uma professora:

Eu não gosto desse autor aí... não sei nem falar o nome dele, mas todo mundo gosta

demais dele, usa muito mesmo. E eu fico pensando: se todo mundo gosta, tem alguma

coisa errada, né? Nem Jesus agradou todo mundo... então pera lá.

E digamos com ela não de desgosto desse ou daquele autor, mas de desconfiança

necessária para essa ou aquela teoria, para essa ou aquela prática que se ache

autossuficiente. "Todo saber é local!", bradam Deleuze e Foucault. E somente entre os

jogos de verdade altamente localizados que podem transmigrar é que podemos encontrar

ecos entre imanência e teoria, entre saberes "globais" e "locais". Não gostar desse e gostar

daquele, não querer esse e almejar aquele; mas em todo um jogo de aqui e agora. Os textos

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se ramificam, espalhando-se por entre o corpo Escola. Ramificados, os textos não dizem

sobre a escola, mas são encontrados, aos poucos e de surpresa, nela. Talvez seja uma

questão de desafiar a teoria para que essa seja capaz de encontrar mais ecos e

reverberações e menos silenciosas e precipitadas concordâncias; e, ao mesmo tempo, de

desconfiar das práticas e da imanência que se pensa apartada de conceitos e jogos teóricos.

Ética da imoralidade!

Talvez seja apenas essa a questão: fazer-se imoral, desconfiar da boa vontade, da

boa verdade, da busca incessante pelo que é bom ou ruim. Talvez nos incomode justamente

essa necessidade de definir a vida entre o bem e o mal, de dizer entre o certo e o errado. As

teorias talvez funcionem por agrupamentos, por passagens de umas às outras e passagens

de teorias às práticas e, decerto, também as práticas funcionem por passagens de umas às

outras e a outras teorias.

Assim, pondo-se em transmigração, algo de imoral e contrário às assepsias do Bom

Teórico diverte-se.

E a partir de uma brechazinha eles veem aquele interesse... de repente um filme você, "Opa,

perai! Vamos resolver aqui!". E isso evolui de uma forma que aquele menino que estava lá no

canto e, de repente, tinha alguma dúvida, já se aproxima mais de você. E na sua aula em si ele não

gosta...

Na imoralidade, desencontramo-nos da "assertividade" e das perguntas e vidas

produzidas "fora do mundo". Na imoralidade, a linguagem se permite fio para o corpo da

rã, da formiga, da girafa, da sereia... na imoralidade, a imanência atualiza-se em arte, em

vida, em passagem. E os corpos, certamente, não podem fazer outra coisa que se

metamorfosear. É a própria relação teoria e prática que se deixa corporificar!

Prestando atenção à vida, talvez deparássemos com o Bom Teórico em

metamorfose do lado de fora, perdendo sua curvatura perfeita, começando a se encurvar.

Sua roupa, já envelhecendo, começaria a não lhe fazer mais falta. Se antes ele se parecera

com um poeta que há muito morrera, agora ele aparentaria um poeta marginal, um poeta

dos morros, um poeta criança. Uma professora, vendo a cena, talvez perguntasse o que se

passa com aquele corpo. E, decerto, nossa obrigação seria lhe dizer: "Ora... é teoria

encontrando vida...".

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Referências

BARROS, Manoel de. Poeminha em língua de brincar. Ilustrações Martha Barros. Rio

de Janeiro: Edições Record, 2007.

CARVALHO, Janete Magalhães. Redes de conversações como um modo singular de

realização da formação contínua de professores no cotidiano escolar. Revista de C.

Humanas, v. 6, n. 2, jul./dez., 2006, p. 281-293.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol. 2.

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2765ISSN 2177-336X

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TERRITÓRIOS TEORICOSPRÁTICOS DA ESCOLA: NOVOS SENTIDOS E

DURAÇÃO PARA OS CURRÍCULOS E EXPERIÊNCIAS JUVENIS

Helder Januário da Silva Gomes/ Ifes

Rejane Gandini Fialho/ PMV/FABRA

Resumo

O presente estudo marca o desejo de compreender como as experiências dos jovens

estudantes nos diferentes espaços e tempos do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) -

Aracruz-ES podem se constituir como outras possibilidades teoricopráticas de produção de

currículos no território-escola. Problematiza os modos pelos quais as experiências juvenis

no cotidiano escolar alternam praticateoriaprática potencializando uma nova duração e

outros sentidos para os currículos. Metodologicamente, faz um „mergulho‟ no/com o

cotidiano escolar (ALVES, 2002), utiliza como base o conceito de 'duração' de Bergson

(2006), a aposta que Deleuze e Guattari (1995) fazem nos processos de 'territorialização,

desterritorialização e reterritorialização' para a produção da diferença e da criação e o

conceito de 'cotidiano escolar como comunidade de afetos' (CARVALHO, 2009). Como

metodologia, este trabalho utiliza „redes de conversações‟ (CARVALHO, 2012) com os

alunos dos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio e as imagens da constituição dos diversos

territórios teoricopráticos das experiências juvenis na produção curricular. Tenta concluir

que o currículo escolar se constitui por composição e revezamentos entre teorias e práticas,

seus processos e relações deslizam para além das meras prescrições teóricas oriundas dos

documentos oficiais, buscando encontrar outros territórios para os sentidos da escola na

vida desses estudantes. Desterritorializa os lugares demarcados para o aprender e o ensinar,

como por exemplo, as salas de aula e os laboratórios. Desliza pela dureza dos

conhecimentos disciplinares e reterritorializa as múltiplas experiências juvenis nos

corredores, na biblioteca, no toldo, debaixo das árvores, nos bancos dos pátios, na cantina e

entre outros lugares de aprendizagens que, materializam os conceitos, os pensamentos e as

intencionalidades de ensino a partir dos usos e criações dos jovens para tecer uma nova

duração e outros sentidos para os conhecimentos escolares, apontando que no fazer

pedagógico, observa-se a indissocialilidade entre teorias e práticas na escola

contemporânea.

Palavras-chaves: Experiências juvenis. Currículos. Teoria e prática.

Introdução

Diante ao um cenário de engessamento das experiências de aprendizagens, que se

lança a processos de memorização mecânica de conteúdos disciplinares teóricos,

transcritos na quantificação do conhecimento pelos mecanismos de avalição, o currículo

escolar torna-se algo „imposto, proposto ou sobreposto‟ (CLARETO; NASCIMENTO,

2012), aos estudantes, que se deparam com um território-escola teórico, fechado para a

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2766ISSN 2177-336X

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produção de singularidades, para o exercício da alteridade e para a produção de sentidos

cognitivos, linguísticos e afetivos diferenciados.

Na contramão deste paradigma, o presente trabalho objetivou compreender como as

experiências dos jovens estudantes nos diferentes espaços e tempos do Instituto Federal do

Espírito Santo (Ifes) - Aracruz-ES podem se constituir como outras possibilidades

teoricopráticas de produção de currículos no território-escola. Utilizamos como

instrumentos de investigação redes de conversações entre/com os alunos dos cursos de

Química e Mecânica do segundo ano do Ensino Médio do Ifes - Aracruz-ES, dos turnos

matutino e vespertino, e o registro fotográfico das imagens dos diversos territórios das

experiências juvenis na tessitura curricular.

Concluímos que as experiências juvenis deslocam a produção dos currículos

escolares para rotas alternativas de sentidos que fazem alternar teorias e práticas. Traçam

linhas de fuga da dureza dos conhecimentos disciplinares localizados nas salas de aula,

laboratórios e, encontram outros espaços capazes de promover uma duração mais intensiva

para os saberes, que visa se efetuar pela constituição de relações mais humanas, éticas,

estéticas, políticas ou como uma „comunidade de afetos‟ (CARVALHO, 2009).

O cotidiano escolares em territórios teoricospráticos

O conceito de território se baseia no que Guattari e Rolnik (1999, p. 323)

argumentam ser um “[…] conjunto dos projetos e das representações nos quais vai

desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos

tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos”. Desse modo, ao sermos

constituídos por linhas molares (endurecidas), moleculares (flexíveis) e linhas de fuga

(devires), como destacaram Deleuze e Guattari (1995), os homens estariam mergulhados

em constantes movimentos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização, o

que convoca a problematizar a constituição dos currículos nos cotidianos das escolas e os

modos como fazem reverzar teorias e práticas pelo fazer pedagógico e pela experiência

juvenil.

O cotidiano é caracterizado tanto por Certeau (1994) quanto por Deleuze (2007) por

sua banalidade, e ao ser submetido às suas próprias leis vai se organizando como um

espetáculo ambulante, permeado pelas artes de fazer, saber e de poder que não se

aprisionam em determinações, prescrições e controle da coisa educativa. No cotidiano

escolar estão presentes as teorizações, a burocratização das práticas curriculares, mas

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2767ISSN 2177-336X

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também a composição de outras lógicas educativas mais sensíveis, éticas e estéticas que

circulam pelos espaços escolares e configuram o “lugar” ou o território-escola como um

espetáculo ambulante de múltiplas práticas e modos de experiênciar e produzir novas

teorias. Para problematizar as possibilidades de criação de novas maneiras de praticar um

território-escola, que fora sistematizado pelo paradigma moderno para ser teórico,

utilizamos a observação do espaço em suas múltiplas redes de conhecimentos e de

aprendizagens, tomamos as palavras de Certeau (1994, p. 201) ao distinguir os conceitos

de lugares e espaços.

Um lugar é a ordem (seja qual for), segundo a qual se distribuem elementos nas

relações de coexistência. Aí se acha portanto excluída a possibilidade, para duas

coisas, de ocuparem o mesmo lugar. Aí impera a lei do “próprio”: os elementos

considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar

“próprio” e distinto que define. [...].

Espaço [...] é de certo modo animado pelo conjunto de movimentos que aí se

desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o

circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de

programas conflituais ou de proximidade contratuais.

Em suma, o espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida

por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres.

A partir das análises de Certeau, consideramos que o território-escola tem se

configurado como um lugar que visa teorizar, almeja a verdade-saber ao estipular a ordem

e o controle, se alicerçando em rígidos horários de aulas e sobrecarregados pela

memorização de conteúdos que delimitam as possibilidades de se instruir e se educar.

Porém, a escola como lugar é praticada pelos mais distintos movimentos criados pelos

estudantes, ao encontrarem espaços não só para se apropriarem das informações

disciplinares, mas para transformarem o lugar, as teorias em novas apostas práticas de

produção de saberes, fazeres e poderes.

Em termos deleuzianos, por meio de linhas moleculares ou linhas de fuga somos

capazes de desterritorializar o lugar proprietário demarcado para o aprendizado, como as

salas de aulas, biblioteca e laboratórios, constituindo novas experiências educativas nos

corredores, debaixo das árvores, nos bancos dos pátios, na cantina, reterritorializando

outros lugares possíveis para que os conhecimentos tenham uma nova duração e sentido,

como ensina Bergson (2006), fazendo com que as teorias e as práticas escolares tenham

serventia para seus praticantes.

Isso significa que partimos da ideia de que há modos de fazer e de criar

conhecimentos no cotidiano diferentes daqueles aprendidos, na modernidade,

com a ciência e em todos os espaços/tempos organizados, como no mundo do

trabalho e nos movimentos sociais, em especial os sindicatos e os partidos

políticos. Ou seja, partimos do entendimento de que os conhecimentos são

criados não só pelos caminhos já sabidos e consagrados e, que precisam ser

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questionados permanentemente, mas também nesse tecer de encontros e de

desencontros cotidianos (ALVES, 2011, P. 17-18).

Experiências juvenis e as desterritorializações teoricopráticas nos currículos: o que os

estudantes têm a dizer?

O encontro com os jovens durante as aulas de Geografia e em outros espaços do

Instituto remetia sempre a indagar: como esses sujeitos teorizam e praticam o currículo na

escola? Solicitamos-lhes que fotografassem os espaços nos quais os processos educativos

se estabeleciam, tanto de modo formal (com professores e aulas), ou informal e depois

tecemos redes de conversações sobre suas experiências, pois, uma “conversação

estabelece-se sempre onde o individual se mescla com o social” (CARVALHO, 2009, p.

189).

Deleuze e Guattari (1995) ajudam a pensar que o currículo no território-escola é

atravessado por linhas que tentam nos moldar com a necessidade voraz do domínio dos

conhecimentos, da garantia do maior coeficiente de notas, da necessidade de uma verdade-

saber que vai paralisando corpos e mentes no lugar correto: a sala de aula, sua teoria e a

pratica restrita a aplicação da teoria em laboratórios. Seríamos capazes de aprender apenas

em territórios predeterminados pela verdade-saber?

Não negligenciando a importância da sala de aula como um espaço para a prática

do saber e das teorias para a produção de saberes e de práticas, o que afirmamos é que esse

processo não começa e termina dentro das quatro paredes, nem apenas mobiliza teoria em

detrimento da prática e vice versa. A sala de aula é um lugar para a tessitura de múltiplas

redes de conhecimentos, as quais apresentam um constante e articulado revezamento

teoricoprático.

A este respeito, foi possível perceber que os jovens reconhecem nesse lugar a

condição de apropriação de conhecimentos, mas também apresentam outros sentidos que

esse espaço ganha a partir dos encontros estabelecidos nele.

Imagem 1 – Sala de aula vazia

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2769ISSN 2177-336X

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Fonte: Arquivo dos estudantes.

Para alguns estudantes, a sala de aula se constitui, no sentido de Certeau (1994)

como “um lugar do próprio” ou como diz Deleuze e Guattari (1995) um território

dominado por uma “macropolítica”, ou seja, encontra-se engessada pela lógica teórica de

domínio de certos conteúdos disciplinares para “passar de ano” ou conviver com a

frustração das recuperações ou da reprovação.

Esse lugar apesar de ruim carrega lembranças da escola, as recuperações! Mas

apesar de tudo e ser um belo exemplo de um lugar o qual eu não me transformei

fisicamente, porém o meu “Eu” o repreende pelas lembranças ruins desse lugar

(Estudante A).

A sala de aula como um lugar de imposições institucionais de teorias que não se

fazem acessíveis pelos estudantes, desenha uma linha endurecida de mortificação dos

corpos juvenis, como um espaço-tempo apenas de cumprimento de tarefas, e os que não se

encaixam nessas demandas precisam conviver com o pesadelo da recuperação ou

reprovação, marcando muitos estudantes com lembranças de um triste momento de

exclusão.

Os jovens criticam o fato de estarem imersos em linhas molares que tentam

enquadram suas experiências curriculares em meras condições de apropriação das teorias

escolares. Entretanto, a lógica do saber e do não saber, dita uma ordem em muitos

discursos e pensamentos que, mesmo percebendo que há uma tentativa de dominação

incessante, alguns afirmam em suas falas a importância da sala de aula pela apropriação

recognitiva do conhecimento produzido e acumulado historicamente pela humanidade.

Eu vejo a sala de aula como um lugar totalmente adaptado para ocupar muitos

alunos, a fim de que todos possam se acomodar em suas cadeiras e mesas para se

sentirem confortáveis na hora de estudar. Muitos não veem o tamanho do poder

que uma sala de aula tem, não só pelo conforto, mas sim pelo que ela representa,

o saber de anos e anos de raça humana (Estudante B).

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2770ISSN 2177-336X

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Porém, Deleuze e Guattari (1995) indicam que entre as linhas que nos constitui,

também é possível a fuga da apropriação de conteúdos disciplinares que ocorre de forma

individual e competitiva, deslocadas dos sentidos e da imanência da vida dos alunos, isso

é o que permite fazer da sala de aula um espaço de invenção que altena

praticateoriaprática. Essas linhas possibilitam a desterritorialização dos sentidos da sala

de aula, tornando-a num lugar praticado coletivamente pelos estudantes, em redes de

aprendizagens, de relações e de afetos.

Nós participamos efetivamente dos espaços, principalmente na escola, não

somos apenas espectadores, o transformamos com a nossa presença, como é o

caso das salas de aula. Uma sala de aula vazia não se compara a uma sala cheia,

já que nela não há só interação entre os alunos, mas também entre os professores

e demais servidores (Estudante C).

Imagem 2 – Sala de aula praticada pelos estudantes

Fonte: Arquivo dos estudantes.

As múltiplas experiências juvenis nas salas de aula desterritorializam o currículo

teorizado e imposto pela lógica de um pensamento padronizado e agenciam outras

linguagens e teorias pela composição de novas práticas de aprendizagem como a música,

as redes de conversações entre os estudantes e os encontros de corpos, que potencializam a

produção de currículos em constantes movimentos de criação.

Imagem 3 – Encontro dos estudantes pela e com a música

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Fonte: Arquivo dos estudantes.

Bergson ajuda pensar nas experiências curriculares para além da dissociação entre

teoria e prática, além das molduras que tentam ditar qual é o modelo de aprendizagem

ideal: teórico ou prático. O autor subverte esse pensamento de homogeneização e de

enquadramento da singularidade, pois

De facto, sentimos que nenhuma das categorias do nosso pensamento – unidade,

multiplicidade, causalidade mecânica, finalidade inteligente, etc. – se aplica

exatamente às coisas da vida: quem pode dizer onde começa ou termina a

individualidade, se o ser vivo é um ou vários ou se é o organismo que se dissocia

em células? É inútil tentar integrar o vivente em qualquer uma das nossas

molduras. Todas as molduras se quebram. São demasiado estreitas, demasiado

rígidas sobretudo para aquilo que queremos colocar nelas (BERGSON, 2001, P

.8).

As redes de conversações e as imagens fotográficas dão indícios para pensar como

o currículo escolar não consegue ser aprisionado ou emoldurado por uma racionalidade

moderna pura (teórico ou prática). A sala de aula é lugar de invenção e as práticas

educativas se espalham pelo território praticoteoricoprática da escola. Os alunos ao

praticarem os mais diversos espaços, desde os mais tecnológicos até os mais naturais,

tecem linhas de fuga dos modelos burocráticos de aprendizagem esperados pela unidade de

ensino.

Em nossa escola há equipamentos de alta tecnologia, consequência do grande

avanço dos estudos do homem nos últimos anos, no entanto também existem

muitos espaços verdes, evidenciando a grande importância da natureza no

ambiente de aprendizado (Estudante B).

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Imagem 4 – Encontro com a natureza

Fonte: Arquivo dos estudantes.

Linhas que deslocam o sentido e a duração do tempo escolar. Apostam em redes de

conhecimentos tecidas entre a sala de aula e os laboratórios e bibliotecas e a natureza e o

outro, ou seja, entre a experimentação de múltiplas teorias e práticas. Os significados das

experiências juvenis são nômades, se movimentam de acordo com os desejos de aprender,

conversar e de se relacionar.

A composição do território-escola está num processo constante de fazimento e de

significações, como se evidencia em outras conversas com os jovens:

Esse é o lugar onde os alunos têm seus momentos de descontração, conhecido

como “O Toldo”. Durante aulas vagas e intervalos sempre há aí pessoas rindo,

conversando, jogando tênis de mesa, gritando, brincando... Um lugar de alegria

em que muitos se divertem e passam mais tempo com seus amigos (Estudante

E).

Este local é onde os alunos passam a maior parte do tempo livre fora das salas de

aula, onde é possível se descontrair, praticar um esporte como o tênis de mesa,

fazer novas amizades, discutir sobre as aulas, provas. Particularmente gosto

muito desse ambiente, pois foi onde foi possível conhecer pessoas de outras salas

(Estudante D).

Imagem 5 – Experiências juvenis no Toldo

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Fonte: Arquivo dos estudantes.

Os jovens explicitam que o lugar só se configura como um espaço de significados e

de conhecimentos quando é praticado, vivido por múltiplos sujeitos e suas histórias e

desejos e expectativas e encontros. O “toldo” não é apenas um lugar para brincar, mas

também para brincar. É um espaço para aprendizagens desterritorializadas, que por ora são

agenciadas pela preocupação e debates sobre as teorias das provas e dos trabalhos

escolares, do saber instituído. Mas que também permite fugas para a prática de esportes, a

linguagem corporal, a afetividade pela amizade, a alegria, as conversas com o “outro” e a

criação de um novo território existencial para a prática das múltiplas experiências escolares

dos estudantes.

Um outro tempo escolar é vivido não de forma linear. É um tempo puro de

vivenciar diferentes linguagens que potencializam o território teoricoprático da escola.

Assim, os estudantes indicam a importância deste tempo não controlado e homogeneizado

que permite que o currículo e a escola sejam percebidos e praticados como uma

„comunidade de afetos‟ (CARVALHO, 2009).

A ocupação dos diversos espaços produz um território-escola e experiências

curriculares que não só se deixam burocratizar, mas que pelos usos cotidianos, reinventam

um tempo puro para os acontecimentos educativos.

Cantina, local de se alimentar, local de “bater um papo” com os amigos no

intervalo. A afetividade se dá pelo contato com novas conversas, com novos

interesses (Estudante F).

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A cantina da escola tem um grande papel para o envolvimento dos alunos, pois é

no horário de intervalo que eles se comunicam ali mesmo, onde há várias

culturas, famílias, classes sociais e jeitos de pensar distintos, abra-se um espaço

novo para a interação entre os alunos (Estudante G).

Imagem 6 – Experiências de outro tempo escolar pelo encontro com xadrez

Fonte: Arquivo dos estudantes.

A nova duração (BERGSON, 2006) criada pelos jovens dão novos sentidos para as

redes de saberes, fazeres e poderes que circulam nos espaços e tempos do Instituto. Num

espaço comum, a vida se encontra, os desejos se aproximam e fazem revezar

praticasteoriaspráticas, quando o concentrar-se ao jogar xadrez com os amigos se torna

um convite para um tempo puro que agencia o pensamento a se movimentar.

As desterritorializações curriculares provocadas pelos estudantes afirmam que as

teorias e práticas educativas nas escolas são múltiplas e que o aprender não se localiza

apenas no lugar do instituído (salas de aula e/ou laboratórios e/ou bibliotecas). A prática do

território-escola favorece que as diversas linguagens sejam inventadas e experienciadas

pelos jovens em outro tempo e com novos sentidos cognitivos. A cognição passa a ter o

sentido de acontecimento, de revezamentos teoricospráticos, de encontro com o “outro” do

pensamento: com outros estudantes, com professores, servidores, jogos, músicas, natureza,

cantina, toldo ...

Esse é o meu lugar favorito da escola, pois é um lugar onde meus amigos e eu

nos encontramos para ouvir música, tocar violão e jogar conversa fora. É um

local bem fresco e um pouco afastado das outras pessoas, fatores que favorecem

a diversão. Em minha opinião existir locais desse tipo é super importante pois

em meio de tanto trabalho e estudo, existe a necessidade de um descanso e uma

pausa para se distrai e esquecer um pouco os „‟problemas‟‟ (Estudante G).

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Cantinho na árvore, local de conversa com os amigos. O afeto se dá pela

conversa com os amigos (Estudante H).

Imagem 7 – Conversações entre jovens e natureza e saberes escolares

Fonte: Arquivo dos estudantes.

Nesse sentido, as narrativas destacam a importância das redes de conversações para

a produção de novas lógicas cognitivas para os modos de aprender e ensinar nas escolas,

pois fortalecem e mobilizam as mais diferentes “redes de relações que se estabelecem entre

esses saberes escolares e os demais saberes sociais” (ALVES, 2011, p. 50).

É muito bom sair pela porta deste corredor e ver o lado de fora da escola no

recreio, tentar sair um pouco do clima de estudos, da temperatura fria promovida

pelo ar-condicionado e sentir o calor e conversar livremente (Estudante 13).

Imagem 8 – Experiências juvenis nos corredores

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Fonte: Arquivo dos estudantes.

Novos sentidos para os currículos nos territórios teoricospráticos da escola: tentativas

de não concluir

Os estudantes evidenciam que o currículo no Instituto é elaborado cotidianamente

pelas potencialidades das conversas estabelecidas com o “outro”. As narrativas juvenis

ressaltam que os espaços escolares são praticados pelo agenciamento de enunciações

coletivas que vão tecendo a recriação de saberes, fazeres e poderes de modo compartilhado

entre/com os jovens e os outros sujeitos, apontando para o entendimento de que no fazer e

no experienciar pedagógico, o que se pode observar é a indissocialilidade entre teorias e

práticas na escola contemporânea.

As redes de conversações com os estudantes apontaram que as experiências juvenis

ocorrem no/pelo encontro entre praticasteoriaspráticas e, é a partir dele, que o currículo

escolar ganha sentido, pois aprender é tornar-se livre, é desejar o pensamento, é ser

nômade. Aprender é praticar espaços de liberdade, povoar o território-escola,

desterritorializar os sentidos enrijecidos por teorias que não dialogam com a prática,

provocar nova duração para as aprendizagens, vivenciando um tempo puro, no qual os

conhecimentos se alternam pelos agenciamentos que afetos provocam nas práticas e nas

teorias.

Referências

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2777ISSN 2177-336X

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FORMAÇÃO DOCENTE E O DESVELAMENTO DA INFÂNCIA:

TEORIA/PRÁTICA E FAZER PEDAGÓGICO

Luciana Pimentel Rhodes Gonçalves Soares/CRIARTE, Ufes

Fabíola Alves Coutinho Gava/CRIARTE, Ufes

Ana Paula Rocha Endlich/CRIARTE, Ufes

Resumo

Este texto apresenta algumas reflexões acerca da infância, formação e fazer docente,

evidenciando a indissociabilidade teoria/prática, a partir de um projeto de ensino/pesquisa

intitulado Relações entre infância(s) e fazer docente, realizado em 2015, no período de

junho a dezembro na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) – Vitória/ES. Essa

iniciativa possibilitou a inserção de um grupo de estudantes das licenciaturas em um

Centro de Educação Infantil Universitário, propiciando a esses estudantes aproximações

à(s) infância (s) e ao fazer docente e diálogos/experiências num contexto teórico/prático.

Portanto, problematiza a complexidade da infância e o fazer docente na formação inicial

em articulação aos conhecimentos específicos das licenciaturas participantes do projeto de

ensino/pesquisa, destacando a indissociabilidade teoria/prática. Com base nos estudos da

literatura, consideramos as discussões realizadas por Ariés (1978), quanto às questões

históricas e sociais da construção do conceito de criança, bem como apontamos a questão

da (in)visibilidade social da infância com Sarmento (2007), desvelando o entendimento

da(s) infância(s) a partir das variáveis sociais que as constituem, bem como a sua

influência na educação e fazer docente na relação teoria/prática, onde a „práxis é a

atividade que precisa da teoria‟(KONDER, 1992). Quanto à metodologia utilizada,

concomitantemente aos estudos, registros, produção de materiais e discussões, os

estudantes participantes atuaram no fazer docente com crianças de 2 a 5 anos de idade,

onde os diálogos/experiências vivenciados foram atravessados não só pelas subjetividades

dos adultos ali atuantes, mas pelas lógicas, expectativas e contribuições infantis reveladas

nas suas vozes e nos seus desejos de participação. Na tentativa de concluir, a aproximação

da formação docente aos territórios teórico/práticos, ressaltam a significância do

diálogo/experiência no fazer pedagógico não só para a Educação Infantil, mas para as

outras etapas e modalidades da educação, onde a teoria/prática também se mostram

indissociáveis.

Palavras-chave: Infância(s). Teoria/prática. Fazer pedagógico.

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2779ISSN 2177-336X

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Introdução

Este texto é resultado do projeto de ensino/pesquisa intitulado Relações entre

infância(s) e fazer docente, realizado em 2015, no período de junho a dezembro,

possibilitado pelo Programa Institucional de Apoio Acadêmico (PIAA) por meio da Pró-

reitora de Graduação (PROGRAD) e do Departamento de Acompanhamento Acadêmico

(DAA) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Iniciativa que possibilitou a

inserção de um grupo de estudantes de licenciatura em um Centro de Educação Infantil

Universitário, favorecendo um aprofundamento teórico/prático no que tange a infância e à

docência.

Partimos das concepções de infância, que têm permeado diferentes áreas e

conhecimentos na formação de professores, tendo em vista que historicamente as crenças,

as teorias, as ideias ocultaram a complexidade da existência das crianças e das infâncias

(SARMENTO, 2007). Essa discussão impõe um modo distinto de olhar as crianças, para

além dos apelos midiáticos que proclamam a infância do consumo e um modo distinto que

reconheça as infâncias; que considere o processo histórico e as concepções subjacentes a

esse tema, em grande medida ainda alicerçadas num passado recente. Além disso, nos

coloca em frente a indissociabilidade teoria/prática na escola contemporânea e também à

reinvenção da escola, porque nos apresenta possibilidades de um trabalho pedagógico

crítico com crianças pequenas tendo em vista que os fazeres docentes com crianças

também são afetados pelas concepções que os professores têm a respeito delas. Um

trabalho, portanto, que considere as crianças na complexidade de sua existência, que

possibilite não mais a consideração da infância pelos traços da negatividade: o não-adulto;

o ser incompleto; o “futuro da nação”; o que não fala. Um posicionamento a respeito das

crianças que se coloque como “negatividade positiva”, conforme Sarmento (2007), ou seja,

que perceba a interpretação e a desconstrução/construção do mundo (e da escola) também

pela ação infantil.

Se na Idade Média inexistia o sentimento da infância (ARIÉS, 1978), se

constituindo, portanto, uma categoria recente na história, mais especificamente surgida

com as influências dos modos de vida da Era Moderna, hoje o mesmo não ocorre, embora

muitas significações a respeito desse tema sejam controversas. A marginalidade conceitual

da infância caminhou e ainda caminha, lado a lado à marginalidade social. Tanto uma

concepção de infância que tenha as crianças como sujeitos ativos, quanto seu

reconhecimento político, ainda disputam espaço na sociedade que temos construído. Nesse

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2780ISSN 2177-336X

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sentido, recai a preocupação: nos cursos de formação docente a discussão de tal tema tem

problematizado a indissociabilidade teoria/prática? Quais os impactos da não consideração

da complexidade da infância à luz dessa prerrogativa? Ou seja, os futuros profissionais

docentes têm tido a oportunidade, na formação inicial, de aproximarem-se dos modos de

ser criança em articulação aos conhecimentos específicos da área escolhida para a

formação, considerando, portanto teoria/prática como indissociavéis?

Diante dessas indagações, buscando subsídios para pensar o fazer docente e, por

saber que os modos de ensinar as crianças não caminham descolados das concepções que

se têm sobre elas; que as práticas pedagógicas se conformam aos pressupostos teóricos

anunciados pelo docente, ainda que o senso comum insista em afirmar que teoria e prática

não andam juntas, esse texto se propõe. Portanto, apresentamos reflexões apontando alguns

caminhos possíveis ditos nas vozes, nos desejos e nos traços dos sujeitos participantes do

projeto, professores em formação inicial e crianças.

Relações entre infância(s) e fazer docente

Nos cursos de formação docente, os estágios – curricular obrigatório e/ou

remunerado – se constituem espaços importantes para a compreensão teórica/prática a

respeito do objeto de estudo de cada licenciatura, favorecendo em articulação aos estudos

uma oportunidade de acesso a espaços da futura atuação profissional dos graduandos.

Assim, numa aproximação ao formato dessas iniciativas e tendo a problemática anunciada

como centralidade, um projeto de ensino/pesquisa foi estruturado. Denominado Relações

entre infância(s) e fazer docente se colocou como premissa investigativa uma vez que

inseriu no cotidiano de um Centro de Educação Infantil Universitário diferentes estudantes

em formação inicial, licenciandos, para experienciarem a docência na primeira etapa da

Educação Básica. Portanto, como objetivo geral buscou perceber quais aproximações à(s)

infância(s) os cursos de formação docente têm possibilitado, em articulação aos

conhecimentos específicos dessas licenciaturas, considerando as relações entre as

concepções que se têm das crianças e as práticas pedagógicas, a indissociabilidade

teoria/prática, portanto.

Em termos específicos esse projeto buscou promover situações educativas dos

estudantes das licenciaturas junto às crianças num Centro de Educação Infantil

Universitário, identificando as compreensões e articulações às manifestações das culturas

infantis nas situações vivenciadas e problematizar as práticas pedagógicas no que tange ao

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fazer docente com crianças, relacionando os conhecimentos específicos dos cursos de

licenciaturas à produção teórica em torno do tema infância(s).

A consideração da primeira etapa da Educação Básica – no que pese não ser locus

de atuação profissional de todas as licenciaturas participantes dessa iniciativa apresentada

(pelo menos não no formato escolar), e também não ser lugar exclusivo da infância

escolarizada – se colocou como estratégica uma vez que na Educação Infantil se mostra de

modo evidente e interessante a potencialidade de um olhar mais sensível às crianças, tendo

em vista que a dimensão do cuidado não prescinde da dimensão da educação; tendo em

vista a identidade da Educação Infantil representada nesse binômio indissociável

cuidar/educar. Ainda nesse sentido, há de se ressaltar que a atuação dos alunos das

licenciaturas não está circunscrita às escolas, mas também à espaços não-formais de

educação onde poderão lidar com crianças e, portanto, as concepções subjacentes à(s)

infância(s) são relevantes.

Assim, durante o período de junho a dezembro de 2015, sob a orientação de duas

professoras atuantes na Educação Infantil, dez estudantes das licenciaturas em Pedagogia,

Letras, Ciências Sociais e Música, concomitantemente aos estudos, registros, produção de

materiais e discussões realizados, atuaram no fazer pedagógico com crianças de 2 a 5 anos

de idade semanalmente, em um Centro de Educação Infantil Universitário. Desse modo, a

produção dos dados foi realizada a partir do compartilhar dessas experiências por meio dos

planos de aula submetidos às professoras orientadoras, dos registros dos estudos, das

discussões realizadas e de um texto (relato de experiência) produzido pelos estudantes ao

final do projeto de ensino/pesquisa. Essa iniciativa considerou a questão histórica da

construção do conceito de criança e sua influência na educação; as manifestações das

culturas infantis; o fazer docente com crianças e outros aspectos surgidos a partir das

problematizações dos estudantes.

Teoria/prática no desvelar da(s) infância(s) e da formação docente

Sarmento (2007), coloca a questão da (in)visibilidade social da infância,

comparando-a a um processo claro-escuro onde o lado não iluminado logra poucas chances

de se fazer ver porque se torna oculto, e oculto, muitas vezes nem sequer é considerado,

pois não se expressam expectativas de que seja encontrado. Assim, um olhar à história nos

remete a esse processo de ocultamento dos mundos sociais e culturais das crianças.

A referência histórica à infância pôde ser percebida apenas tardiamente e em fontes

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dispersas sob o olhar adulto e, a própria construção científica de uma ontologia social não

se debruçou a problematizar o tema. Portanto, num passado recente se percebe a

marginalidade conceitual e social da infância. Philippe Áries (1978) relaciona a ausência

física da imagem infantil à ausência da consciência da ideia da infância durante a maior

parte da história. Ao se questionar a respeito das relações entre infância e sociedade a

historiografia apontou algumas concepções de infância percebidas na Idade Média e no

período de transição para a Idade Moderna – período em que a ideia de infância passou a

ser vista como uma fase própria do desenvolvimento humano.

Foram várias as representações a respeito das crianças ao longo do tempo e

destacaremos brevemente aqui àquelas consideradas como imagens “pré-sociológicas”,

pois conforme Sarmento (2007) são expressões conceituais de tipos ideais de crianças em

grande medida presentes nas obras de filósofos e de outros pensadores e mais fortemente

disseminadas no senso comum. Portanto, destacamos: as concepções em torno da ideia de

criança má – centrada atualmente nas crianças das classes mais pobres e na evocação do

“risco social” que representam; de criança inocente – representativa do slogan “futuro da

nação”; de criança imanente – entendida como “tábula rasa”; de criança naturalmente

desenvolvida – expressão da psicologia do desenvolvimento; de criança inconsciente –

objeto da psicanálise. Concepções que se entrelaçam e se constituem dispositivos

simbólicos que justificam ações para com as crianças.

Dentre as ações balizadas por essas referências conceituais e simbólicas estão

também os fazeres pedagógicos. O entendimento das crianças pela via da negatividade –o

não adulto, o não completo, o que não fala – às coloca como desprovidas de autonomia e

competência, suspeitando do pensamento infantil. O não reconhecimento da complexidade

em torno da ideia de infância – dadas as inúmeras variáveis, como às que se referem às

questões étnicas, à classe social, à religião, ao nível de instrução, à regionalidade; etc. nos

levam a outro caminho que não o reconhecimento das crianças como sujeitos ativos no

mundo; como sujeitos que produzem cultura. Logo, o fazer docente encontra limites ainda

que muitas vezes se declare emancipatório.

A consideração do termo infância(s) diz respeito a essa complexidade porque as

marcas na infância (entendida como categoria sociológica do tipo geracional) são forjadas

a partir e em articulação às marcas das infâncias desveladas pelas variáveis sociais que as

constituem. Sendo assim, a compreensão das crianças nessa perspectiva considera os

fazeres infantis como modos de ser legítimos, portanto como modos de ser que tensionam e

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questionam o estabelecido.

De acordo com Sarmento (2007), a complexidade dos mundos de vida das crianças

– das favelas brasileiras aos bairros sociais europeus, em trânsito pelas ruas da cidade ou

fixadas em assentamentos, nas casas da classe média, nas escolas e jardins de infância, nas

instituições totais, nos centros de acolhimento e nos hospitais, nas aldeias ou nas reservas

territoriais – desafia uma ciência que parta ou que se fixe em imagens. Assim também o é

se pensarmos a escola.

O fazer pedagógico que considera a legitimidade das ações infantis na sua

complexidade se projeta ao que Konder (1992) afirma a respeito da necessária

simultaneidade entre a atividade e a corporeidade do sujeito, reconhecendo-lhe todo poder

material de intervir no mundo. Nesse entrelaçar atividade/corporeidade consiste a práxis.

A práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no

mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la,

transformando-se a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais

consequente, precisa da reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria

que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos,

cotejando-os com a prática [...]. Práxis e teoria são interligadas,

interdependentes. A teoria é um momento necessário da práxis; e essa

necessidade não é um luxo: é uma característica que distingue a práxis das

atividades meramente repetitivas, cegas, mecânicas. A práxis é a atividade que

precisa da teoria (KONDER, 1992, p. 115-116).

Nessa direção, o projeto de ensino/pesquisa Relações entre infância(s) e fazer

docente, ao possibilitar diálogos/experiências num contexto teórico/prático, foi

fundamental não só para garantir a qualidade das intervenções com as crianças, mas

também profundidade nas discussões no percurso da formação inicial dos alunos-

professores (estudantes das licenciaturas participantes do projeto), na esteira do que

afirmam Barreiro e Gebran (2006):

A articulação da relação teoria e prática é um processo definidor da qualidade da

formação inicial e continuada do professor, como sujeito autônomo na

construção de sua profissionalização docente, porque lhe permite uma

permanente investigação e a busca de respostas aos fenômenos e às contradições

vivenciadas (BARREIRO e GEBRAN, 2006, p. 22).

Nesses diálogos/experiências o fazer pedagógico foi atravessado não só pelas

subjetividades dos adultos ali atuantes, mas pelas lógicas, expectativas e contribuições

infantis reveladas nas suas vozes e nos seus desejos de participação. Essas vozes e desejos

ecoaram de diferentes maneiras e em distintas direções, em muitos casos contrárias à

proposição inicial dos alunos-professores e reafirmaram a importância de um transpassar e

um entrelaçar constante teórico/prático, de modo que a ação se constitua na corporeidade

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de quem a pratica e de quem é por ela afetado. De modo análogo, como afirma Moraes

(2009), que exista uma cumplicidade e uma reciprocidade entre teoria e prática.

Diante dos diálogos/experiências foi possível perceber quão distante oportunidades

que aproximam territórios teórico/práticos estão dos cursos de formação inicial de

professores, ainda que os estágios curriculares sejam prerrogativa obrigatória nessa

direção. As vozes e desejos dos sujeitos da pesquisa estudantes-professores também

ecoaram de modo bastante potente ressaltando a significância do diálogo/experiência

teórico/prático na iniciação à docência, não só na Educação Infantil, mas também nas

outras etapas e modalidades da educação. Nesse sentido destacaram caminhos possíveis,

quais sejam: as ideias em torno do cuidar/educar e do olhar sensível para além da

Educação Infantil.

Imagem 1 – Atividades desenvolvidas com as crianças pelos alunos-professores

Fonte: Arquivo do projeto de ensino/pesquisa

Fonte: Arquivo pessoal das pesquisadoras

As reflexões referentes ao binômio cuidar/educar – identidade da Educação Infantil

– como premissa indispensável para o trabalho educativo foi bastante elucidada, pois

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revelou e revela a dimensão política inerente à educação. Revela que a educação não

preescinde do cuidado ao outro para ser possível; é, inclusive porque se quer cuidar que se

propõe a educar. É um ato político. O olhar sensível, premissa também muito própria do

fazer pedagógico da primeira etapa da Educação Básica, foi destacado como princípio

formativo na medida que revela uma responsabilidade por parte dos professores àqueles

que ensinam. É, portanto, também um posicionamento político.

Assim, para além da tecitura das compreensões e articulações sobre as culturas

infantis, sobre a complexidade da infância e da problematização das práticas pedagógicas,

constatamos que diálogos/experiências entre os diferentes objetos de estudo das

licenciaturas participantes no projeto colocaram diante de nós um conjunto de discussões

que revelaram a carência de oportunidades teórico/práticas interdisciplinares no processo

formativo inicial de professores. Portanto, ainda que os estudantes-professores tenham

afirmado as experiências nos estágios – curricular obrigatório e/ou remunerado – como

processos formativos relevantes, destacaram a vontade de ir além, na direção, apontada por

Sarmento (2007), de uma outra ciência, mais atenta à complexidade das condições de

existência, não só das crianças, mas de todos nós, capaz de combinar os vetores

socialização e subjetivação na existência concreta da nossa singular (e ao mesmo tempo

coletiva) autoria da vida.

Considerações Finais

Esse texto se colocou diante da complexidade da infância e do fazer docente na

formação inicial de estudantes das licenciaturas em Pedagogia, Letras, Ciências Sociais e

Música, destacando a indissociabilidade teoria/prática. A partir das discussões realizadas

por Ariés (1978), quanto às questões históricas e sociais da construção do conceito de

criança e da questão da (in)visibilidade social da infância considerada por Sarmento (2007)

ao afirmar a(s) infância(s) a partir das variáveis sociais que as constituem, buscou relação

entre o fazer docente e a formação inicial de professores tendo teoria/prática como central,

onde a „práxis é a atividade que precisa da teoria‟(KONDER, 1992). Assim, a partir do

desenvolvimento do projeto de ensino/pesquisa Relações entre infância(s) e fazer docente

foi possível perceber que os os cursos de formação docente carecem de oportunidades

substantivas de aproximação dos alunos, não só efetivamente à infância, destaque desse

texto, mas também oportunidades mais aproximadas ao objeto de estudo de suas

licenciaturas, o que alargaria as possibilidades de compreensão da indissociabilidade

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teoria/prática. Os desdobramentos da não consideração da complexidade da infância à luz

dessa prerrogativa, ou mesmo os desdobramentos da não articulação do objeto de estudo

das licenciaturas ao campo de atuação docente confronta os estudantes à realidade,

remetendo-os à ação sem a possibilidade, como já nos alertou Konder (1992), de perceber

os acertos e os desacertos.

Destarte, não há teoria desligada da prática, o que fundamenta a necessidade de, nos

cursos de formação inicial de professores, os estudantes serem oportunizados a

experiências próximas ao campo de atuação, experiências que estimulem a sensibilidade, a

criatividade, a escuta, a elaboração de metodologias de trabalho. Ou seja, momentos que

contribuam para construção da práxis pedagógica. A patir dessas experiências os estudantes

tecem reflexões sobre questões que emergem do cotidiano, sobre suas próprias posturas

enquanto educadores, sobre as especificidades do trabalho que exercem num processo

criativo onde inscrevem sua autoria.

Cursos de formação que prescindem dessa reflexões e oportunidades acentuam uma

contradição entre saberes acadêmicos e prática profissional. A prática docente, como ação

humana precisa da teoria. Não existe sem ela, ainda que a compreensão a respeito do fazer

docente muitas vezes seja negada por ações repetitivas e mecânicas. Em outras palavras:

ainda que não se mostre uma articulação teórico/prática, de algum modo há essa

articulação, mas uma articulação meramente superficial em que o sujeito se coloca alheio

ao processo que constrói. Uma articulação artificial porque se admite a existência da teoria

e da prática, mas são concebidas como dicotômicas e, portanto, o sujeito não lança

curiosidade em saber sua gênese. Ou seja, também se coloca como uma questão (in)visível,

claro-escuro, em que uma penumbra encobre que se permita compreender que a teorização

a respeito da realidade é, dialeticamente, produto e produtora dessa realidade. Desse modo,

essa articulação artificial é ingênua, porque não admite que o conhecimento se confronta

segundo as concepções que se propõe a defender e às expectativas que se pretende

alcançar, evocando a indissociável e legítima relação teórica/prática.

Referências

ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. Tradução: D. Flaksman. Rio de

Janeiro: LCT, 1978.

BARREIRO, Iraíde Marques de Freitas; GEBRAN, Raimunda Abou. Prática de ensino e

estágio supervisionado na formação de professores. São Paulo: Avercamp, 2006.

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KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da práxis: o pensamento de Marx no século

XXI. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

MORAES. Maria Célia Marcondes de. A teoria tem consequências: indagações sobre o

conhecimento no campo da educação. Educação e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 107,

p.585-607, mai/ago. 2009. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 13

mai. 2012.

SARMENTO, Manuel Jacinto. Visibilidade social e estudo da infância. In:

VASCONCELOS Vera M.; SARMENTO, Manuel Jacinto. (Orgs.) Infância (In)Visível.

Araraquara. Junqueira e Marin, 2

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2788ISSN 2177-336X

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CINEMA E EDUCAÇÃO: (DES) DOBRAMENTOS DE EXPERIÊNCIAS COM UM

CURRÍCULO PARA “QUEM QUER SER MILIONÁRIO?”

Rejane Gandini Fialho/ PMV- FABRA

Helder Januário Da Silva Gomes/ Ifes

Hiran Pinel/ PPGE-Ufes

Resumo

O presente artigo é oriundo de pesquisa com professores de diferentes instituições públicas

da região metropolitana do Espírito Santo que, em roda de conversas, colocaram-se a

problematizar as potencialidades do cinema para pensar a Educação, mais especificamente,

Currículo Escolar. Toma como disparador as imagens fílmicas de Slumdog Millionaire

(Quem quer ser um milionário?), pois desenham linhas de fuga para as contraposições

curriculares prescrito/vivido. Objetiva investigar as imagens de existências e de

espaçostempos de aprendizagens possíveis na constituição dos currículos escolares. Toma

como intercessores teóricos Gilles Deleuze (2006), Michel de Certeau (1998) com o intuito

de dialogar sobre currículos que atuam em redes, fugindo do campo disciplinar e formando

rizomas capazes de responder à pergunta do policial que não consegue entender como

Jamal (um jovem de 18 anos e assistente de call center) pode chegar a disputar o prêmio

máximo que nem professores, doutores e intelectuais puderam vislumbrar: “O que um

moleque favelado pode saber?”. Metodologicamente, utiliza a potência das pesquisas com

o cotidiano escolar, mobilizando como instrumento de tecitura de redes de conversações

com professores (CARVALHO, 2009) por meio das imagens do cinema. O filme apresenta

quatro imagens como opções para o feito: trapaça, sorte, genialidade ou destino. Quão

ligadas estão essas alternativas às propostas de aprendizagem? Conclui que os docentes e

as imagens do filme vão indicando que as imagens de existências e os espaçostempos de

aprendizagens na constituição dos currículos escolares são complexos, diversos e

múltiplos, atravessando a produção das subjetividades pelos movimentos teoricopráticos

da escola e também de uma vida na produção de outros conhecimentos. Jamal e tantos

outros alunos sabem as respostas e, mais do que isso: tecem-nas em redes de sentidos,

caracterizando a potência de uma vida que escapa por meio da oralidade e das

experiências.

Palavras-chave: Currículo. Cinema. Aprendizagem.

Introduzindo algumas imagens e sabedorias

O conselho tecido na substância viva da existência tem um nome:

sabedoria. A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o lado

épico da verdade – está em extinção. Walter Benjamin. O narrador.

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O movimento de dobras proposto por Gilles Deleuze (1968) ajuda a pensar na

tecitura da existência e das experiências como algo incessante e que move-se pelas

relações de si com o mundo, permitindo problematizar com professores da rede pública de

escolas situadas em municípios que compõem a Região Metropolitana do Espírito Santo

(Vitória, Serra e Vila Velha), durante o ano de 2015, a constituição de determinados

territórios onde se experimentam e produzem movimentos curriculares. Dobrando-se e

desdobrando-se diante das cenas de uma vida, o cinema convida a pensar a Educação. Uma

vida marcada por experiências... Jamal sabia as respostas e, mais do que isso: ele soube

tecê-las na rede de sentidos caracterizando a potência da vida que escapa por meio da

oralidade. Essa tática, vista a partir do pensamento de Certeau (1998), leva às

discursividades que nos fazem compreender melhor um dos campos do currículo pelas

imagens do filme “Quem quer ser milionário?”.

A sabedoria, apresentada por Benjamin, pelo viés da narração, constitui-se como

um movimento de dobras inerentes à vida humana que produz saberes, fazeres e poderes

que ajudam a movimentar o pensamento, a buscar - em meio à „repetição cotidiana, a

diferença‟ (DELEUZE, 2006), possibilidades para a produção de outros sentidos

cognitivos, linguísticos e afetivos para os currículos escolares e para a vida. Assim, a

sabedoria da narração apresenta-se nesse texto como um movimento de dobras entre as

imagens do filme e as imagens do pensamento dos professores explicitadas por suas redes

de conversações.

Deste modo, o presente trabalho teve como objetivo investigar imagens de

existências e de espaçostempos de aprendizagens possíveis na constituição dos currículos

escolares. Tomou como principais intercessores teóricos Gilles Deleuze e Michel de

Certeau com o intuito de dialogar sobre currículos que atuam em redes, fugindo do campo

disciplinar e formando rizomas capazes de responder à pergunta do policial que não

consegue entender como Jamal (um jovem de 18 anos e assistente de call center) pode

chegar a disputar o prêmio máximo que nem professores, doutores e intelectuais puderam

vislumbrar: “O que um moleque favelado pode saber?”.

Metodologicamente, utiliza a potência das pesquisas com o cotidiano escolar,

mobilizando como instrumento de pesquisa a tecitura de redes de conversações com

professores (CARVALHO, 2009) como potência para agenciar as narrações disparadas

pelas imagens do cinema e entrevistas semiestruturadas realizadas em nove escolas,

abordando trinta professores.

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Imagens cinema e os espaçostempos que marcam a aprendizagem

Carregado de toda a realidade que uma fantasia é capaz de criar, o roteiro de

“Quem quer ser um milionário?” foi adaptado do best seller indiano Q & A, de Vikas

Swarup. A maioria dos espectadores do filme é capturada logo na primeira cena pela

fotografia atraente, pela música incidental misturada à sonoplastia indiana e pelo

questionamento: como um menino da favela conseguiu chegar ao topo de um jogo

televisivo por onde já passaram tantos outros sem sequer chegarem à pergunta final?

Órfão muçulmano, Jamal cresceu ao lado do irmão Salim e da pequena Latika, por

quem nutre uma paixão desde pequeno. É um roteiro sobre amor e destino, mas que muito

ajuda a conversar sobre Educação e Aprendizagem. Partindo do conceito de Deleuze

(1968) para a dobra, podemos inferir que Jamal exprime a invenção de diferentes formas

de relacionar-se consigo e com o mundo, ora dentro, ora fora do que a vida lhe ofereceu

como possibilidade.

Enquanto é torturado, o rapaz afirma ao policial: “Eu sei as respostas”. A certeza é

capaz de levar à dúvida o mais reticente dos homens. Desde que assistimos pela primeira

vez ao filme essa afirmação trouxe uma inquietação aos professores: por que buscamos

uma resposta para a certeza de tantos AlunosJamal que povoam as ruas brasileiras, que

passam por nossas escolas e potencializam respostas que não conseguimos ainda tecer?

O movimento de dobras, em Jamal, expõe-se em um processo de organização do

conhecimento que o captura por meio de um sistema de códigos próprio do sistema

capitalista, uma subjetivação quando descortina diferentes formas de produção de

subjetividade em uma determinada formação social. Para Deleuze e Guatarri (1992), a

subjetivação constitui um modo intensivo e não um sujeito pessoal. Daí inferimos que o

processo de subjetivação vivenciado por Jamal traduz o modo singular pelo qual se

estabelece a flexão de certos tipos de relação de forças, seja na escola, na TV, no trabalho,

na constituição familiar...

Quantos “ProfessoresJamal”, parafraseando mais uma vez a unidade indissociável

de termos, proposta pelas professoras Regina Leite Garcia e Nilda Alves (2000) sabiam a

resposta, mas foram excluídos dos contextos de formação? Quantos alunos são forçados a

abandonar a complexidade dos cotidianos em nome de um saber anteriormente

sistematizado e programado? Escapando da contraposição prescrito/vivido, o filme

apresentou aos professores possibilidades de diálogos levando a uma proposição de

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currículos que atuam em redes, fugindo do campo disciplinar e formando rizomas capazes

de responder à pergunta do policial que não consegue entender como Jamal (um jovem de

18 anos e assistente de call center) pode chegar a disputar o prêmio máximo que nem

professores, doutores e intelectuais puderam vislumbrar: “O que um moleque favelado

pode saber?”.

O filme é baseado na história real de um menino que perdeu a mãe em uma guerra

religiosa, estudou pouco e afirma saber ler com tamanha segurança que nos leva a acreditar

que ele gosta de ler muito mais do que sabe ler. Jamal foi morador de rua e talvez por esse

motivo chame tanto a atenção dos brasileiros: a pobreza apresentada nos é muito familiar,

com cores saturadas e uma câmera inquieta que faz da favela em Mumbai (Índia) um

espaçotempo muito próximo dos brasileiros. Em “O que é a filosofia?” Deleuze e Guatarri

(1992) explicam que a criação de todo conceito está diretamente relacionada a um

problema com o qual o filósofo se vê confrontado. Diante dos problemas o personagem

experimentava os conceitos (sistematizados pela escola ou que emergiam pela vivência

cotidiana em outros espaçostempos de aprendizagens) e deles se apropriava para constituir

sua existência. Essa similaridade social reportou professores às intensidades do cotidiano e

às tênues linhas de possibilidades de dobras criadas e praticadas no plano de imanência,

ou seja, no plano de uma vida em que as imagens são capazes de aguçar.

O filme vai movimentando suas imagens, que se apresentam como opções para o

entendimento das respostas dadas pelo personagem: trapaça, sorte, genialidade ou destino.

Quão ligadas estão essas imagens às propostas de aprendizagens intensivas? Essa pergunta

movimenta o pensamento, capturado inicialmente pela linha poética do filme e que segue

aprofundando-se em um questionamento sobre a possibilidade de produção de

conhecimentos e de experimentação da aprendizagem em diversas instâncias, espaços e

temporalidades.

A narrativa fílmica apresenta ao pensamento a consideração de que a proposta

curricular para a “sabedoria” começa bem antes da entrada na escola, tecendo-se no

cotidiano de Jamal e de seu irmão Salim. As imagens da existência se teciam em meio ao

que Benjamin (1996) retratou como experiência: cada experiência, um aprendizado e mais

algumas rúpias no jogo. Ele havia investido com muita persistência para ter o autógrafo do

ator cujo nome foi solicitado na primeira pergunta do jogo e, mesmo o papel assinado

tendo sido vendido pelo irmão, Jamal jamais esqueceria o que aprendeu. Assim conseguiu

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as primeiras mil rúpias no jogo e deu início a um caminho pautado na complexidade das

relações cotidianas.

Neste contexto, os docentes entrelaçavam imagens do filme com as imagens de

suas práticas e ressaltavam em conversações: “Em sala de aula a gente faz o tempo todo

referências à vida cotidiana porque eles fazem a relação e aprendem. Se não for assim fica

parecendo que a escola está falando de algo que não existe” (Professor 18)”.

Na segunda pergunta o protagonista nos leva a um importante questionamento: o

que é importante saber? Quem deve saber o quê? A pergunta feita era considerada de um

nível bastante fácil, mas Jamal não sabia respondê-la e recorreu à plateia. O policial diz a

ele que qualquer criança de cinco anos saberia aquela resposta e o garoto, então, retruca

com questionamentos que refutam a afirmação: o senhor sabe quem roubou a bicicleta em

Juhu (bairro onde ele morava) na semana passada? A partir da negativa do investigador,

ele diz: qualquer criança de cinco anos por lá sabe quem foi. Assim, Jamal mostra a

necessidade de compreendermos os modos e as intensidades do que está sendo estudado,

tanto quanto suas formas e conteúdos.

O plano de imanência discutido por Deleuze (1968) rompe com uma imagem do

pensamento que remete o próprio pensamento a pressupostos implícitos que têm como

base a forma pessoal e individual de um sujeito empírico. Do mesmo modo, Jamal rompe

com o plano cartesiano proposto/ imposto ao pensar e desenvolve um movimento que

ultrapassa o recurso estabelecido das memorizações mecânicas, muitas vezes

sistematizadas pelos sistemas de ensinos.

Assumindo diálogos permanentes com o cotidiano, o menino da favela de Mumbai

chegou à terceira pergunta e os nossos professores, a mais um questionamento: como

produzir uma nova imagem do pensamento? Para Deleuze (1968), pensar não é o

exercício natural de uma faculdade: nós só pensamos raramente e sempre a partir do

encontro com algo que nos força a pensar. A questão posta a Jamal tratava de

conhecimento sobre um poeta indiano que escreveu uma das mais belas poesias musicadas.

Jamal havia aprendido com a mãe essa canção e foi levado a pensar que poderia ganhar

dinheiro cantando profissionalmente. Assim ele conheceu Surdas, autor de Darshan do

Ghanshyam. Pensar exige uma relação imediata com o “fora”, como parte constituinte da

dobra.

A escola continua priorizando a memorização, mesmo que alguns profissionais

tentem fazer diferente, a gente está sempre encontrando alunos e professores que

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se voltam para o não refletir. Essa é a imagem que a gente tem hoje da escola:

decoreba, boas notas e aprovação (Professora 35).

A cena em que resolve ser guia turístico no Taj Mahal nos coloca frente a frente

com as inúmeras possibilidades de significações que vão sendo embricadas no contexto da

formação. Jamal traz a história do templo para dias atuais, dá seus próprios sentidos, mata

a personagem em um acidente de trânsito com um engarrafamento enorme e, enfim,

escreve uma nova história para o Taj Mahal. Ele ouviu contar por um guia turístico,

confundiu datas que para ele não faziam o menor sentido, vestiu-se de autoridade e contou

uma nova história. Relacionou a história ao seu tempo, sem qualquer mediação e seguiu

tecendo suas “emissões de singularidade” (DELEUZE, 1968), fazendo do pensar imensa

potência de invenção.

A próxima questão a ser respondida por Jamal é sobre quem está estampado na nota

de cem dólares. Ao responder corretamente que era Benjamin Franklin, o garoto confunde

mais uma vez o investigador, já que não sabia quem estava na nota de mil rúpias, ou seja,

Gandhi. Como poderia Jamal conhecer sobre uma cultura que não é a dele? E na

explicação o menino mais uma vez demonstra a confirmação da teoria na prática. Um

amigo cego o havia ensinado a partir de uma pergunta. Ao questionar quem estava na nota

fez com que Jamal a observasse e a aprendizagem se fez mais uma vez repleta de sentido,

compondo o que Deleuze (1968) chamou de campo transcendental, povoado de

singularidades-acontecimentos providos de uma “energia potencial”.

O rapaz indiano subverte as representações desde a infância e não aceita “as

máscaras da conformidade”, conforme abordado por Certeau em “A invenção do

Cotidiano” (1998). Jamal utiliza-se mais da „tática‟ do que da „estratégia‟ (CERTEAU,

1998) uma vez que esta última tem a identidade e o modo de operar já determinados. Mas,

ao contrário, foi capaz de se desestruturar e agrupar-se novamente com naturalidade, uma

resiliência necessária ao processo de tecitura que nos leva à aprendizagem. Jamal não está

atado à estratégia porque é flexível, não está amarrado a uma localização espaçotemporal

própria. Tal como o modelo tático de Certeau (1998), Jamal é capaz de realizar um

agrupamento de forma ágil para responder a uma necessidade.

O autor afirma que uma tática infiltra, mas não tenta dominar e não se envolve em

sabotagem. Ciente de seu status de "fraca", a tática não faz nenhuma tentativa de enfrentar

a estratégia de frente. Jamal é um jogador e assim permanece até a aprendizagem final,

manifestando-se muito mais na metodologia do que na estrutura e aí está parte significativa

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do poder da tática já que promove uma subversão difícil de ser mapeada ou descrita. O

apresentador dá ao rapaz uma resposta, mas ele faz outra opção. Por qual motivo optou

por outro caminho? Quando subverteu a ordem de confiança no apresentador, Jamal

modificou o caminho da tática e, também os professores, questionam sobre os caminhos

que os alunos tomam entre táticas e estratégias.

Às vezes a gente traz uma reflexão e os alunos vêm com respostas que seguem

outras lógicas. Nós poderíamos dizer que estão erradas essas respostas, mas

pensando no caminho que percorreram e no que viveram aquilo faz muito

sentido (Professora 22).

Buscando no filme pontos que nos aproximam de Michel de Certeau e Gilles

Deleuze, que se dedicaram a pensar sobre as invenções cotidianas como modos de

experimentar e de produzir conhecimentos para além da reprodução do mesmo, importa

também indagar: quais diálogos são possíveis com as perspectivas de formação de uma

sociedade cada vez mais instantânea, unida por uma diferença cada vez mais igual? Onde

estão as sinapses capazes de levar à ligação entre o que se sabe , o que se espera que

saibamos e o que somos capazes de compartilhar? Jamal aprendeu com o irmão sem

escrúpulos, com o algoz explorador de crianças, com a menina que amava, com a mãe,

com o insulto do professor. Tal como no filme, a rede cotidiana se constitui nos processos

de formação de professoresalunos dentrofora das escolas. Como essa rede se constitui na

sociedade atual e como se concretiza na formação das gerações marcadas intensamente

pela tecnologia é um desafio para todos nós que aos poucos fazemos conexões capazes de

estabelecer sentidos com grupos diversos, possibilitando a desvinculação do homem de um

mundo previamente programado.

As „redes de conversações e ações complexas‟ (CARAVALHO, 2009) tecidas

durante a pesquisa com os professores foram também apontando para a complexidade de

seus processos constituintes e das diversas imagens do pensamento que surgem ao se falar

da escola, do currículo e da aprendizagem, já que também se formam pelas experiências

produzidas dentrofora das escolas.

Ao dialogarem sobre as diferentes imagens presentes no filme, não preocupados em

classificá-las entre trapaça, sorte, genialidade ou destino para as respostas do personagem,

os docentes em suas narrativas compreendem que as redes de conhecimentos, linguagens e

afetos presentes nas escolas rompem com a possibilidade de uma totalidade curricular

estática, explicando-se a partir das produções discursivas que vão dar sentido à

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materialidade. Apenas quando materializou-se, o conhecimento fez sentido para Jamal e

ainda assim permanecia sem o menor significado para alguns grupos de telespectadores.

As imagens fílmicas de “Quem quer ser um milionário?” vão deslizando entre a

dureza de uma sociedade totalitária, previamente fabricada, consumista e individual e entre

a composição de intensidades e de agenciamentos feitos em diferentes espaçostempos de

aprendizagem. Imbricada nesse movimento de dobras, a narrativa fílmica vai

possibilitando a desconstrução da ideia de identidade do muçulmano que apresenta uma

essência fixa. A cultura apresentada por Jamal produz um discurso sobre o mundo e suas

relações, algo potente trazido à tona para simplesmente seguir algum curso na vida. Ele

toma a palavra, estabelece conexões e cresce no jogo. Busca parceiros todo o tempo (na

plateia, na sorte, nas vivências, nas materialidades, no amor...) e com a ajuda desses

atravessamentos vai ressignificando, aproximando e criando suas redes de aprendizagens.

Do cinema ao cotidiano as imagens se entrelaçam em pequenas apostas em outro mundo

de aprendizagens possíveis

Se para Agnes Heller (2004) o cotidiano é reprodução, marcado pela alienação;

para Certeau (1998) há nesse cotidiano a possibilidade da crítica, do escape e, para Deleuze

(2006), é nesse cotidiano ou plano de imanência que pode-se provar diante da repetição

cotidiana o surgimento potente da diferença. É nesse instante do escapar potencializado

que um rapaz indiano vai modificando não apenas a sua vida, mas a de milhares de

indianos que passam a acreditar na possibilidade de um fazer diferenciado com

temporalidades superpostas em um mesmo tempo histórico e, assim, a diferença se

apresenta como um possível.

O filme retrata ainda como Jamal aprendeu a lidar com as relações de poder que se

colocam no dia a dia como verdadeiras armadilhas do tempo. São representações que

coadunam com o tempo em que estão sendo vivenciadas e repensadas. A proximidade com

o que está sendo argumentado ao policial faz circular entre eles representações de saberes

que atuam como dispositivos de legitimidade. Encontrando o que havia de comum em

diferentes movimentos, o diretor nos apresenta uma sociedade de cegos, tal como José

Saramago nos mostra no romance “Ensaio sobre a cegueira” (1995): “A sociedade

hodierna é uma sociedade de cegos; cegos que veem”. Mas Jamal vê e agencia outros

olhares por meio de uma proposta de resistência, indignação, persistência e reinvenções.

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É um olhar a partir do cinema, mas que abarca toda a sociedade e suas instituições,

marcado pela intensidade. Conforme Deleuze (2006), é sempre pela intensidade que o

pensamento nos advém, uma intensidade que se produz no encontro com o que força a

pensar.

Podemos afirmar que o roteiro de “Quem quer ser um milionário?” é actante,

coloca o pensamento em movimento... Revela invisibilidades que nos levam a aprender e

desaprender e aprender... complexidade latente no discurso de Jamal: uma história e seus

acontecimentos. Os docentes colocam em questão as invisibilidades que provocam o

pensamento e não deixam que adormeça sobre o paradigma da pura representação

mecânica:

“Os alunos criam conexões para chegarem ao aprendizado final e assim a gente

acaba chegando a um conteúdo que não estava estabelecido inicialmente nem por eles e

nem por mim. Acho isso maravilhoso, mas também assustador porque a gente sai muito do

que foi programado”.(Professor 18).

A vida foi para Jamal, assim como para vários alunos brasileiros, um espaçotempo

de infinitas aprendizagens, ressignificadas conforme se apresentavam os questionamentos.

Por outras vozes ele contou sua história e jogou. Diversas vezes o filme mostra essas

situações de aprendizagens fora da escola: vendendo batatas, negociando sua música,

acessando a internet, pesquisando... Rompendo com o estigma de que só se aprende na

escola, a partir de um currículo elaborado e organizado para criar vencedores. Jamal

mostra ao mundo como o conhecimento se tece em redes, com espaçostempos diversos e

complexos.

Assim, para os professores que participaram desta pesquisa, “Quem quer ser um

milionário?” esclarece que educar e educar-se é uma atividade realizada a partir da

coletividade, pautada na flexibilidade e não pressupõe a existência de um roteiro pré-

estabelecido, limitador tanto da forma quanto do conteúdo. O filme ajuda a entender alguns

processos de transformação pelos quais passam a escola e a sociedade. Apresenta temáticas

transversais latentes no cotidiano das aprendizagens significativas, tal como nos ensina

Alves (2000): “[...] fique claro ser a prática um lócus de produção de conhecimentos que

muitas vezes antecipa o que a teoria mais tarde afirma ser a verdade científica”.

A discussão sobre a dicotomia entre teoria e prática evidenciada pela narrativa do

filme se apresenta atualmente por outro viés pelos olhares de muitos estudiosos do

currículo escolar. O que tem chamado atenção é uma aposta em movimentos de dobras

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entre praticateoriapratica, de modo indissociável, destituindo os lugares demarcados de

poder de uma sobre a outra, assim como argumenta GARCIA (2003): “Há diferentes

lógicas presentes na sala de aula e há caminhos diferentes de chegarmos ao mesmo lugar”.

Para compreender o que dizia Jamal, o policial teve que despir-se de uma série de

pré-conceitos para investir na compreensão de uma lógica bastante diversa da que foi

experimentada por ele. As lógicas que constroem o sentido do saber são, para Jamal,

bastante diversas daquelas propostas pela escola. As conversações com os professores

também caminham nesta direção, indicando que as aprendizagens são múltiplas e que não

cabe à escola definir quais são validadas e quais são desprezíveis à vida.

Os docentes e as imagens do filme vão indicando que as imagens de existências e

os espaçostempos de aprendizagens na constituição dos currículos escolares são

complexos, diversos e múltiplos, atravessando a produção das subjetividades pelos

movimentos teoricopráticos da escola e também de uma vida na produção de outros

conhecimentos. Jamal e tantos outros alunos sabem as respostas e, mais do que isso:

tecem-nas em redes de sentidos, caracterizando a potência de uma vida que escapa por

meio da oralidade e das experiências.

Referências:

BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: ______. Obras escolhidas: Magia e

técnica, arte e política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996. (Texto originalmente

publicado em de 1933).

CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

DELEUZE, G. Différence ET répetition. Paris: PUF, 1968.

DELEUZE, G. e GUATARRI, F. O que é a filosofia?. São Paulo: Ed.34, 1992.

HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e

Leandro Konder. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

GARCIA, R. L.; MOREIRA, A. F. (ORG.). Currículo na Contemporaneidade. São Paulo:

Cortez, 2003

GARCIA, R. L.; ALVES, N. (ORG.). O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000

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