Módulo Didático: Ôxente! Isso aqui é Nordeste: Um passeio entre a Literatura e a Dramaturgia...

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1 PROJETO: Cultura, Literatura e Criatividade: Do erudito ao popular – CLIC COORDENADORA DA ÁREA DE LETRAS: Magliana Rodrigues da Silva ESCOLA PARTICIPANTE: E.E.E. Fundamental e Médio Professor Raul Córdula SUPERVISORA DA ESCOLA: Diana Nunes Ramalho LICENCIANDOS EM LETRAS:Ana Daniele F. Silva Andreia Aparecida M. Martins Arthur Velázquez F. de Carvalho Nathália Pinto Souza Um passeio entre a literatura e a dramaturgia ALUNO (A): ________________________________ www.clicletras.blogspot.com

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PROJETO: Cultura, Literatura e Criatividade: Do erudito ao popular – CLIC

COORDENADORA DA ÁREA DE LETRAS: Magliana Rodrigues da Silva

ESCOLA PARTICIPANTE: E.E.E. Fundamental e Médio Professor Raul Córdula

SUPERVISORA DA ESCOLA: Diana Nunes Ramalho

LICENCIANDOS EM LETRAS:Ana Daniele F. Silva

Andreia Aparecida M. Martins

Arthur Velázquez F. de Carvalho

Nathália Pinto Souza

Um passeio entre a literatura e a dramaturgia

ALUNO (A): ________________________________ www.clicletras.blogspot.com

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TEXTO 01

O NORDESTE É POESIA

Patativa do Assaré

Deus quando fez o mundo

Fez tudo com primazia

Formando o céu e a terra

Cobertos com fantasia

Para o Sul, deu a riqueza

Para o Planalto, a beleza

Pro Nordeste, a poesia

Como o som duma seresta

Fez tudo com harmonia:

Dos pássaros fez a orquestra

Deu à mata sinfonia

Deu ao Sul o boiadeiro,

O Norte ao aventureiro,

Ao Nordeste, a poesia

Ao juiz se dá a toga

Ao padre a freguesia

Ao bispo e ao cardeal

Dá-se a eles a prelazia

Tudo nasce ou é criado

Só o poeta é formado

Pela sua poesia

Dotou a mãe-natureza

Com tanta filosofia

Fez o sol e a lua

O sol quente e a lua fria

Para o Sul deu a fartura

Para o Centro, a agricultura

Pro Nordeste, a poesia

Ao doutor deu a ciência

Ao filosofo, a filosofia

O astrônomo estuda os astros

O profeta profecia

O poeta exalta e canta

Essa terra boa e santa

Com sua poesia

Esse mundo foi feito

Diz a santa profecia

E a natureza divina

Fez a sua primazia

O poeta com certeza

Canta assim a natureza

O Nordeste, a poesia

Deus quando fez o mundo

Fez tudo com primazia

Formando o céu e a terra

Cobertos com fantasia

Para o Sul, deu a riqueza

Para o Planalto, a beleza

Pro Nordeste, a poesia

Como o som duma seresta

Fez tudo com harmonia:

Dos pássaros fez a orquestra

Deu à mata sinfonia

Deu ao Sul o boiadeiro,

O Norte ao aventureiro,

Ao Nordeste, a poesia

Ao juiz se dá a toga

Ao padre a freguesia

Ao bispo e ao cardeal

Dá-se a eles a prelazia

Tudo nasce ou é criado

Só o poeta é formado

Pela sua poesia

Dotou a mãe-natureza

Com tanta filosofia

Fez o sol e a lua

O sol quente e a lua fria

Para o Sul deu a fartura

Para o Centro, a agricultura

Pro Nordeste, a poesia

Ao doutor deu a ciência

Ao filosofo, a filosofia

O astrônomo estuda os astros

O profeta profecia

O poeta exalta e canta

Essa terra boa e santa

Com sua poesia

Esse mundo foi feito

Diz a santa profecia

E a natureza divina

Fez a sua primazia

O poeta com certeza

Canta assim a natureza

O Nordeste, a poesia

Disponível em:

http://www.overmundo.com.br/banco/o

-nordeste-e-poesia.Acesso em: 20 de

fevereiro de 2017.

TEXTO 02

NORTE NORDESTE ME VESTE

Rapadura XC

O nordeste é poesia,

Deus quando fez o mundo

Fez tudo com primazia,

Formando o céu e a terra

Cobertos com fantasia.

Para o sul deu a riqueza,

Para o planalto a beleza

E ao nordeste a poesia.

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(trecho de Patativa do Assaré).

Rasgo de leste a oeste como peste do sul ao

sudeste

Sou rap agreste norte-nordeste epiderme

veste

Arranco roupas das verdades poucas das

imagens foscas

Partindo pratos e bocas com tapas mato essas

moscas

Toma! eu meto lacres com backs derramo

frases ataques

Atiro charques nas bases dos meus sotaques

Oxe! Querem entupir nossos fones a

repetirem nomes

Reproduzindo seus clones se afastem dos

microfones

Trazem um nível baixo, para singles fracos,

astros de

Cadastros

Não sigo seus rastros, negados padrastos

Cidade negada como madrasta, enteados já

não arrasta

Esses órfãos com precatas, basta! ninguém

mais empata

Meto meu chapéu de palha sigo pra batalha

Com força agarro a enxada se crava em

minhas mortalhas

Tive que correr mais que vocês pra alcançar

minha vez

Garra com nitidez rigidez me fez monstro

camponês

Exerce influência, tendência, em vivência em

crenças

Destinos

Se assumam são clandestinos se negam não

nordestinos

Vergonha do que são, produção sem

expressão própria

Se afastem da criação morrerão por que são

cópias

Não vejo cabra da peste só carioca e paulista

Só frestyleiro em nordeste não querem ser

repentistas

Rejeitam xilogravura o cordel que é literatura

Quem não tem cultura jamais vai saber o que

é

Rapadura

Foram nossas mãos que levantaram os

concretos os

Prédios

Os tetos os manifestos, não quero mais

intermédios

Eu quero acesso direto às rádios palcos

abertos

Inovar em projetos protestos arremesso fetos

Escuta! a cidade só existe por que viemos

antes

Na dor desses retirantes com suor e sangue

imigrante

Rapadura eu venho do engenho rasgo os

canaviais

Meto o norte nordeste o povo no topo dos

festivais,

Toma!

Refrão:

Êha! ei! nortista agarra essa causa que

trouxeste

Nordestino agarra a cultura que te veste

Eu digo norte vocês dizem nordeste

Norte nordeste norte nordeste

Êha! hei! nortista agarra essa causa que

trouxeste

Nordestino agarra a cultura que te veste

Eu digo norte vocês dizem nordeste

Norte nordeste norte nordeste

Poesia:

Minhas irmãs, meus irmãos, se assumam

como

Realmente são

Não deixem que suas matrizes, que suas

raízes morram

Por falta de irrigação

Ser nortista e nordestino meus conterrâneos

num é ser

Seco nem litorâneo

É ter em nossas mãos um destino nunca

clandestino para

Os desfechos metropolitanos.

Devasto as galerias tão frias cuspo grafias em

vias

Espalho crias nas linhas trilhas discografias

Arrasto lp's, ep's,cds, dvds

Cachês, clichês, surdez, vocês? não desta

vez!

Esmago boicotes em estrofes em portes

cortes nos

Flogs

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Poetas pobres em montes dão choques em

hip pops

Versos ferozes em vozes dão mortes aos tops

blogs

Repente forte do norte sacode em trotes

galopes

Meto a fita embolada do engenho em bilhetes

de states

Dou breaks em fakes enfeites cacete nas mix

tapes

Bloqueio esses eixos os deixo sem

alimentação

Alheios fazem feio nos meios de

comunicação

Essas rádios que não divulgam os trabalhos

criados em

Nossos estados

Ouvintes abitolados é o que produz

Contratos que pagam eventos forçados com

pratos sobre

Enlatados

Plágios sairão entalados com esse cuscuz

Ao extremo venho ao terreno me empenho

em trampo

Agrônomo

Espremo tudo que tenho do engenho a um

campo autônomo

Juntos fazemos demos oxigênios anônimos

E não gêmeos fenômenos homogêneos

homônimos

Caros exteriores agrários são os criadores

Diários com seus labores contrários a

importação

São raros nossos autores amparo pra

agricultores

Calcários pra pensadores preparo pra

incitação

Sou coco e faço cocada embolada bolo na

hora

Minha fala é a bala de agora é de aurora e de

Alvorada

Cortando o céu da estrada do nada eu faço de

tudo

Com a enxada aro esse mundo e no estudo

faço morada

Sou doce lá dos engenhos e venho com essa

doçura

Contenho poesia pura a fartura de rima tenho

Desenho nossa cultura por cima e não por de

baixo

Não sabe o que é cabra macho? me apresento

rapadura

Espanco suas calças largas com vagas para

calouros

Estranha o som do Gonzaga a minha sandália

de couro

Que esmaga cigarras besouros mata nos

criadouros

Meu povo o maior tesouro amor regional

duradouro

Recito os ribeirinhos o mara - baixo em

vivência

Um norte com essência não enxerga essa

concorrência

São tão iguais ouvi vários e achei que era só

um

Se no nordeste num tem grupo bom

Não tem em lugar nenhum, toma!

Refrão:

Êha! ei! nortista agarra essa causa que

trouxeste

Nordestino agarra a cultura que te veste

Eu digo norte vocês dizem nordeste

Norte nordeste norte nordeste

Êha! ei! nortista agarra essa causa que

trouxeste

Nordestino agarra a cultura que te veste

Eu digo norte vocês dizem nordeste

Norte nordeste norte nordeste.

Disponível em:https://www.vagalume.com.br/rapadura/norte-nordeste-me-veste.htmlAcesso em: 20 de fevereiro de

2017.

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TEXTO 03

NORDESTE: AQUI É MEU LUGAR!

Carlinhos Cordel

Vou falar do meu lugar

Terra de cabra da peste

Terra de homem valente

Do sertão e do agreste

Terra do mandacaru

Do nosso maracatu

Meu lugar é o Nordeste!

Meu Nordeste tem

riquezas

Só encontradas aqui

Sua música, sua dança

Sua gente que sorri

Nosso povo tem bravura

Tem tradição, tem

cultura

Da Bahia ao Piauí.

A nossa música é linda

Temos coco e embolada

Aboio e banda de pife

Poesia improvisada

Axé, repente, baião

O forró do Gonzagão

Que faz a maior

noitada.

Frevo, xote e xaxado

Violeiro, canturia

O martelo agalopado

O cordel e a poesia

O cantador de viola

Fazendo versos na hora

Pra nos trazer alegria.

Nossa dança é muito

rica

E bastante popular

Tem ciranda, afoxé

Para quem quiser

dançar

Bumba-meu-boi,

capoeira

Essa dança brasileira

Querida em todo lugar.

Tem baião e tem forró

Pra dançar agarradinho

Tem maracatu, congada

Tem o cavalo-marinho

Festa junina animada

Pra toda rapaziada

Namorar um

“bucadinho”.

Nossa culinária é rica

Em tradição e sabor

Tem cuscuz, tem

macaxeira

Que têm um grande

valor

Tem o xinxim de

galinha

Rapadura com farinha

Tudo feito com amor.

Do bode tem a buchada

Carne de sol com pirão

O mocotó, a rabada

O bobó de camarão

Bredo no coco, paçoca

Vatapá e tapioca

Venha provar o

qu’ébão.

Temos doce bem

gostoso

Como o Bolo de Fubá

A cocada, a rapadura

O quindim e o

mungunzá

Temos Beijinho de coco

Que deixa qualquer um

loco

Venha aqui saborear.

As festas do meu

Nordeste

Têm alegria e calor

O carnaval de Olinda,

De Recife e Salvador

Em Natal o “Carnatal”

Em Fortaleza o “Fortal”

Micaretas de valor.

Quando chega o São

João

A "disputa" é pra valer

A "Capital do Forró"

Todos querem conhecer

Caruaru tem beleza

Campina Grande

destreza

Para o forró não morrer.

Terra de Alceu Valença

E de Jackson

doPandeiro

Terra de Luís Gonzaga

Esse grande brasileiro

A terra de Elba

Ramalho

E também de Zé

Ramalho

Famosos no mundo

inteiro.

A terra de Virgulino

O famoso Lampião

A terra de Vitalino

Rei do barro feito à mão

A terra do “PadimCiço”

Dos milagres, “dos

bendito”

Do poder da oração.

Piauí da Pré-História

Bahia do candomblé

Paraíba das cachaças

Em Sergipe eu boto fé

Pernambuco tem o

frevo

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Alagoas tem segredo

Vá descobrir o que é.

Maranhão é o estado

Pra dançar bumba-meu-

boi

Ceará do “PadimCiço”

Só conhece quem já foi

No Rio Grande do

Norte

A cultura é muito forte

Vá! Não deixe pra

depois.

Essa terra é muito boa

Dela ninguém me

separa

Tem tudo pra se viver

Uma culinária rara

Uma beleza campestre

Só deixo o meu

Nordeste

No último pau-de-arara.

Disponível em:

http://www.recantodasletras.

com.br/cordel/2149968.

Acesso em: 23 de fevereiro

de 2017.

TEXTO 04

O AUTO DA COMPADECIDA

ARIANO SUASSUNA

[...]

SEVERINO - Muito bem. Como é o nome de Vossa Senhoria?

JOÃO GRILO - Minha Senhoria não tem nome nenhum, porque não

existe. Pobre tem lá senhoria, só tem desgraça!

SEVERINO - Diga então o nome de Vossa Desgracência!

JOÃO GRILO - João Grilo.

SEVERINO - Chega então agora a vez de Sua Desgracência, o Senhor João Grilo, o amarelo mais amarelo

que já tive a honra de matar. Pode ir, a casa é sua.

JOÃO GRILO - Um momento. Antes de morrer, quero lhe fazer um grande favor.

SEVERINO - Qual é?

JOÃO GRILO - Dar-lhe esta gaita de presente.

SEVERINO - Uma gaita? Para que eu quero uma gaita?

JOÃO GRILO - Para nunca mais morrer dos ferimentos que a polícia lhe fizer.

SEVERINO - Que conversa é essa? Já ouvi falar de chocalho bento que cura mordida de cobra, mas de gaita

que cura ferimento de rifle, é a primeira vez.

JOÃO GRILO - Mas cura! Essa gaita foi benzida por Padre Cícero, pouco antes de morrer!

SEVERINO - Eu só acredito vendo.

JOÃO GRILO - Pois não. Queira Vossa Excelência me ceder seu punhal.

SEVERINO - Olhe lá!

JOÃO GRILO - Não tenha cuidado. Pode apontar o rifle e se eu tentar alguma coisa para seu lado, queime.

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SEVERINO, ao Cangaceiro. - Aponte o rifle para esse amarelo, que é desse povo que eu tenho medo!

(Entrega o punhal aJoão sob a mira do Cangaceiro.) E agora?

JOÃO GRILO - Agora vou dar uma punhalada na barriga de Chicó.

CHICÓ - Na minha, não!

JOÃO GRILO - Deixe de moleza, Chicó. Depois eu toco na gaita e você fica vivo de novo! (Murmurando,

aChicó.) A bexiga, a bexiga!Acena para Chicó, mostrando a barriga e lembrando a bexiga, mas Chicó não

entende.

CHICÓ - Muito obrigado, mas eu não quero não, João.

JOÃO GRILO, novos acenos - Mas eu não já disse que toco na gaita?

CHICÓ - Então vamos fazer o seguinte: você leva a punhalada e quem toca na gaita sou eu.

JOÃO GRILO - Homem sabe do que mais? Vamos deixar de conversa. Tome lá! Morra, desgraçado!

Dá uma punhalada na bexiga. Com a sugestão, Chicó cai ao solo, apalpa-se, vê a bexiga e sóentão entende.

Ele fecha os olhos e finge que morreu.

JOÃO GRILO - Está vendo o sangue?

SEVERINO - Estou. Vi você dar a facada, disso nunca duvidei. Agora, quero ver é você curar o homem.

JOÃO GRILO - É já.

Começa a tocar na gaita e Chicó começa a se mover no ritmo da música, primeiro uma mão, depois as duas,

os braços, até que se levanta como se estivesse com dança de São Guido.

SEVERINO - Nossa Senhora! Só tendo sido abençoada por Meu Padrinho Padre Cícero. Você não está

sentindo nada?

CHICÓ - Nadinha.

SEVERINO - E antes?

CHICÓ - Antes como?

SEVERINO - Antes de João tocar na gaita.

CHICÓ - Ah, eu estava morto.

SEVERINO - Morto?

CHICÓ - Completamente morto! Vi Nossa Senhora e Padre Cícero no céu!

SEVERINO - Mas em tão pouco tempo? Como foi isso?

CHICÓ - Não sei, só sei que foi assim.

SEVERINO - E que foi que Padre Cícero lhe disse?

CHICÓ - Disse: “Essa é a gaitinha que eu abençoei antes de morrer. Vocês devem dá-la a Severino, que

precisa dela mais do que vocês”.

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SEVERINO - Ah meu Deus, só podia ser Meu Padrinho Padre Cícero

mesmo. João me dê essa gaitinha!

JOÃO GRILO - Então me solte e solte Chicó.

SEVERINO - Não pode ser, João. Eu matei o bispo, o padre, o sacristão, o

padeiro e a mulher e eles morreram esperando por você. Se eu não o matar,

vêm-me perseguir de noite, porque será uma injustiça com eles.

JOÃO GRILO - Mas mesmo eu lhe dando essa gaita? Você repare que eu podia ter morrido sem nada lhe

dizer e você nunca saberia de nada, porque ninguém ia dar importância a uma gaita.

SEVERINO - É verdade!

JOÃO GRILO - Eu lhe dei uma oportunidade de conhecer Meu Padrinho Padre Cícero e você me paga desse

modo!

SEVERINO - De conhecer Meu Padrinho? Nunca tive essa sorte. Fui uma vez ao Juazeiro só para conhecê-

lo, mas pensaram que eu ia atacar a cidade e fui recebido a bala.

JOÃO GRILO - Mas pode conhecê-lo agora.

SEVERINO - Como?

JOÃO GRILO - Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, você vai visitá-lo. Então eu toco na gaita e você volta.

SEVERINO - E se você não tocar?

JOÃO GRILO - Não está vendo que eu não faço uma miséria dessa? Garanto que toco.

SEVERINO - Sua ideia é boa, mas por segurança entregue logo a gaita a meu cabra. (João entrega a gaita.)

Agora eu levo um tiro e vejo Meu Padrinho?

JOÃO GRILO - Vê, não vê,Chicó?

CHICÓ - Vê demais. Está lá, vestido de azul, com uma porção de anjinhos em redor. Ele até estava dizendo:

“Diga a Severino que eu quero vê-lo”.

SEVERINO - Ai, eu vou. Atire, atire!

CANGACEIRO - Capitão!

SEVERINO - Atira, cabra frouxo, eu não estou mandando?

CANGACEIRO - Capitão!

SEVERINO - Atire!

JOÃO GRILO - Homem atire logo pelo amor de Deus!

O Cangaceiro ergue o rifle.

SEVERINO- Espere. (João, extremamente nervoso, ergue os braços para o céu.) Não se esqueça de tocar na

gaita.

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CANGACEIRO - Não tenha cuidado, Capitão.

SEVERINO - Então atire.

O Cangaceiro ergue o rifle de novo e atira. Severino cai e o Cangaceiro pega a gaita.

JOÃO GRILO, impedindo-o - Não, deixe para tocar depois! Deixe pobre Severino conversar mais um

pedaço com Padre

Cícero! Essas ocasiões são poucas, é preciso aproveitar.

CANGACEIRO - Não, já deu tempo de ele ver o padre. (Toca na gaita e nada.) Capitão! (Toca na gaita.)

Capitão! Capitão! (Empurra Severino com o pé.) Está morto!

JOÃO GRILO - Toque na gaita.

CANGACEIRO, depois de tocar - Capitão! Ah Grilo amaldiçoado, você matou o capitão.

JOÃO GRILO - Em cima dele, Chicó. - Atacam o Cangaceiro. Sem que ninguém veja a facada, João Grilo

dá uns meneios e saltos de gato na frente do Cangaceiro, que puxa um revólver. Chicó imobiliza os braços

do

Cangaceiro, segurando-o por trás. Com uma das mãos força-o a apontar o revólver para o chão.

JOÃO GRILO - Solte o homem, Chicó!

CHICÓ - Mas, João, soltar o homem com um revólver na mão?

JOÃO GRILO - Solte o homem, Chicó!

CHICÓ - João, se eu soltar o homem, ele mete-lhe revólver na cara!

JOÃO GRILO - Solte o homem, Chicó!

CHICÓ - João, você está doido? Não está vendo que o homem passa-lhe fogo?!

JOÃO GRILO - Solte o homem, Chicó

CHICÓ - Pois então tome! (Solta o Cangaceiro, que cai ao chão.)

JOÃO GRILO - Eu não lhe disse que soltasse, homem? Na primeira

visagem que eu fiz na frente dele, meti-lhe a faca na barriga!

CHICÓ - João, meu filho, você é grande! Vamos embora!

JOÃO GRILO - Nada disso, só saio daqui com o testamento do cachorro. (Vai ao lugar onde está o corpo de

Severino e tira o dinheiro.)

CHICÓ - João, de tudo isso eu só não entendo uma coisa.

JOÃO GRILO - O que é?

CHICÓ - Como foi que você adivinhou que Severino vinha e preparou a história da bexiga?

JOÃO GRILO - Eu não adivinhei coisa nenhuma, a bexiga estava preparada para a mulher do padeiro,

quando ela viesse reclamar o preço do gato.

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Eu ia ver se convencia o marido dela a dar-lhe uma facada, para experimentar a gaita e me vingar do que ela

me fez. Severino meteu-se no meio porque quis e de enxerido que era.

CHICÓ - Vamos embora, João!

JOÃO GRILO- Mas Chicó, tenha vergonha, você ainda está com medo?

CHICÓ - Estou, João, com um pressentimento ruim danado!

JOÃO GRILO - Então vamos embora, mas deixe de agouro.

Chicó sai para cidade, mas João pára no limiar, erguendo teatralmente os braços.

JOÃO GRILO - E agora a vida boa e a independência para João Grilo e para Chicó, graças à minha altíssima

sabedoria e ao testamento do cachorro.

CHICÓ, de fora - João, venha embora pelo amor de Deus!

JOÃO GRILO - Já vou, Chicó, João Grilo já vai.

O Cangaceiro reergue dificilmente a cabeça, pega o rifle, atira em João

e morre. João entra em cena segurando o espinhaço e senta-se no chão.

Chicó volta correndo.

CHICÓ - Que foi isso, João?

JOÃO GRILO - O cabra estava vivo ainda e atirou em mim.

CHICÓ - Ai, minha Nossa Senhora, será que você vai morrer, João?

JOÃO GRILO - Acho que vou, Chicó, estou ficando com a vista escura.

CHICÓ - Ai, meu Deus, pobre de João Grilo vai morrer!

JOÃO GRILO - Deixe de latomia, Chicó, parece que nunca viu um homem morrer! Nisso tudo eu só

lamento é perder o testamento do cachorro.

Morre.

CHICÓ - João! João! Morreu! Ai meu Deus, morreu pobre de João Grilo!

Tão amarelo, tão safado e morrer assim! Que é que eu faço no mundo sem João? João! João!

Não tem mais jeito, João Grilo morreu. Acabou-se o Grilo mais inteligente do mundo.

Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho

destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de

condenados, porque tudo o que é vivo morre. Que posso fazer agora? Somente seu enterro e rezar por sua

alma.

Entra na igreja, limpando as lágrimas e aqui pode-se novamente interromper o espetáculo. Se se montar a

peça com dois cenários, organiza-se então a cena para o julgamento que se segue. Mas pode-se continuá-lo

com o mesmo cenário, usando-se somente pequenas modificações, já sugeridas no início e que o próprio

texto a seguir esclarece.

PALHAÇO, entrando

Peço desculpas ao distinto público que teve de assistir a essa pequena carnificina, mas ela era necessária ao

desenrolar da história. Agora a cena vai mudar um pouco. João, levante-se e ajude a mudar o cenário. Chicó!

Chame os outros.

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SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. ed. 35ª. Rio de Janeiro: Agir,2005, p. 100 – 112.

TEXTO 05

PAISAGEM DE INTERIOR

JESSIER QUIRINO

Matuto no mêi da pista

menino chorando nu

rolo de fumo e beiju

colchão de palha listrado

um par de bêbo agarrado

pretovéio rezador

jumento jipe e trator

lençol voando estendido

isso é cagado e cuspido

paisagem de interior.

Três moleque fedorento

morcegando um caminhão

chapéu de couro e gibão

bodega com surtimento

poeira no pé de vento

tabulêro de cocada

banguela dando risada

das prosa do cantador

buchuda sentindo dor

com o filho quase parido

isso é cagado e cuspido

paisagem de interior.

Bêbo lascando a canela

escorregando na fruta

num batente, uma matuta

areando uma panela

cachorro numa cadela

se livrando das pedrada

ciscador corda e enxada

na mão do agricultor

no jardim, um beija-flor

num pé de planta florido

isso é cagado e cuspido

paisagem de interior.

Mastruz e erva-cidreira

debaixo dum jatobá

menino querendo olhar

as calça da lavadeira

um chiado de porteira

um fole de oito baixo

pitomba boa no cacho

um canário cantador

caminhão de eleitor

com os voto tudo vendido

isso é cagado e cuspido

paisagem de interior.

Um motorista cangueiro

um jipe chêi de batata

um balai de alpercata

porca gorda no chiqueiro

um camelô trambiqueiro

avelós e lagartixa

bodevéio de barbicha

bisaco de caçador

um vaqueiro aboiador

bodegueiro adormecido

isso é cagado e cuspido

paisagem de interior.

Meninas na cirandinha

um pula corda e um toca

varredeira na fofoca

uma saca de farinha

cacarejo de galinha

novena no mês de maio

vira-lata e papagaio

carroça de amolador

fachada de toda cor

umbruguelim desnutrido

isso é cagado e cuspido

paisagem de interior.

Uma jumenta viçando

jumento correndo atrás

um candeeiro de gás

véi na cadeira bufando

radio de pilha tocando

umchoriço, um manguzá

um galho de trapiá

carregado de fulô

fogareiro abanador

um matador destemido

isso é cagado e cuspido

paisagem de interior.

Um soldador de panela

debaixo da gameleira

sovaqueira, balinheira

uma maleta amarela

rapariga na janela

casa de taipa e latada

nuvilha dando mijada

na calçada do doutor

toalha no aquarador

um terreiro bem varrido

isso é cagado e cuspido

paisagem de interior.

Um forró de pé de serra

fogueira milho e balão

um tum-tum-tum de pilão

um cabritinho que berra

uma manteiga da terra

zoada no mêi da feira

facada na gafieira

matuto respeitador

padre, prefeito e doutor

os home mais entendido

isso é cagado e cuspido

paisagem de interior.

Disponível em: https://www.vagalume.com.br/jessier-quirino/paisagem-de-interior.html. Acesso em: 13 de

fevereiro de 2017. acesso em 23 de fevereiro de 2017.

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TEXTO 06

Disponível em:https://1.bp.blogspot.com/-iNV0S7VG1fw/Uifh4FzuT_I/AAAAAAAAVlc/z_Ds6C8Ok-

8/s640/charge+medicos.jpg. Acesso em 11 de março de 2017.

TEXTO 07

Disponível em: http://sopadeletrasunip.blogspot.com.br/2012/10/pluralidade-cultural-pluralidade.html. Acesso em 11 de março

de 2017.

Page 13: Módulo Didático: Ôxente! Isso aqui é Nordeste: Um passeio entre a Literatura e a Dramaturgia (2017.1)

13

TEXTO 08

“EU NÃO TROCO O MEU OXENTE, PELO OK DE NINGUÉM!”

MARCÍLIO SIQUEIRA

“Esse tal de rocambole

Esfirra, nissinmiojo

Quer-me ver cuspi com nojo

Ofereça-me um rizole

Prefiro uma fruta mole

Beliscada do vem-vem

Feijão de corda xerém

Canjica com leite quente

Eu não troco o meu oxente

Pelo ok de ninguém.

Tomar wiski importado

Na taça pra ser bacana

Sou mais um gole de cana

Num caneco enferrujado

Não sou muito refinado

Nem tenho inveja também

Druris, conhaque, almadem

Prefiro minha aguardente

Eu não troco o meu oxente

Pelo ok de ninguém.

Esses verbetes do inglês

Que usam no dia a dia

Não me trazem simpatia

Estragam meu português

Vou ser sincero a vocês

Sou muito mais meu quinem

Adonde, prumode, heim?

Acho mais inteligente

Eu não troco o meu oxente

Pelo ok de ninguém.

Eu não falo REDBUL

Prefiro touro vermelho

MIRROR pra mim é espelho

BLUE BIRD pássaro azul

Bonito e não BEAUTIFUL

Falo dez em vez de TEN

BABY pra mim é neném

E HOT pra mim é quente

Eu não troco o meu oxente

Pelo ok de ninguém.

Não gosto de pancadão

Nem de rap improvisado

HIP HOP pé quebrado

Sem métrica e sem oração

Sou muito mais Gonzagão

No forró do xem, nhem, nhem

Gosto de aboio e também

De um baião de repente

Eu não troco o meu oxente

Pelo ok de ninguém

Disponível em:http://blognoticiasemdestaque.blogspot.com.br/2014/04/poesia-eu-nao-troco-o-meu-oxente-

pelo.html. Acesso em: 09 de fevereiro de 2017 acesso em 23 de fevereiro de 2017.

TEXTO 09

A Morte do Vaqueiro

Dominguinhos

Numa tarde bem tristonha

Gado muge sem parar

Lamentando seu vaqueiro

Que não vem mais aboiar

Não vem mais aboiar

Tão valente a cantar

Tengo, lengo, tengo,

lengo, tengo, lengo,

tengo

Ei, gado, oi

Bom vaqueiro

nordestino

Morre sem deixar

tostão

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E o seu nome é esquecido

Nas quebradas do sertão

Nunca mais ouvirão

Seu cantar, meu irmão

Tengo, lengo, tengo, lengo, tengo, lengo,

tengo

Ei, gado, oi

Sacudido numa cova

Desprezado do Senhor

Só lembrado do cachorro

Que inda chora sua dor

É demais tanta dor

A chorar com amor

Tengo, lengo, tengo, lengo, tengo, lengo,

tengo

Tengo, lengo, tengo, lengo, tengo, lengo,

tengo

Ei, gado, oi

Numa tarde bem tristonha

Gado muge sem parar

Lamentando seu vaqueiro

Que não vem mais aboiar

Não vem mais aboiar

Tão dolente a cantar

Tengo, lengo, tengo, lengo, tengo, lengo,

tengo

Ei, gado, oi

Bom vaqueiro nordestino

Morre sem deixar tostão

O seu nome é esquecido

Nas quebradas do sertão

Nunca mais ouvirão

Seu cantar, meu irmão

Tengo, lengo, tengo, lengo, tengo, lengo,

tengo

Ei, gado, oi

Sacudido numa cova

Desprezado do Senhor

Só lembrado do cachorro

Que inda chora a sua dor

É demais tanta dor

A chorar com amor

Tengo, lengo, tengo, lengo, tengo, lengo,

tengo

Tengo, lengo, tengo, lengo, tengo, lengo,

tengo

Ei, gado, oi

Êh!

Disponível em: https://www.letras.mus.br/dominguinhos/1587593/. Acesso em:24 de fevereiro de 2017.

TEXTO 10

Vida de Vaqueiro

Nelson Barbalho

Quando o claro do sol vem despontando

Por detrás das montanhas lá da serra

Abro a porta e sinto o cheiro da terra

Do puleiro do quintal canta o galo

Boto a cela no lombo do cavalo

E depois de tomar meu café

Com carinho, amor e muita fé

Vou levando minha vida de gado

Sou vaqueiro, e vivo apaixonado

Por forró, vaquejada e mulher

Sou vaqueiro, e vivo apaixonado

Por forró, vaquejada e mulher

O que vejo de belo no sertão

É o gado correndo na

colina

O sorriso na boca da menina

E o segredo que tem em seu coração

Meu forró e as festas de São João

Santo Antonio, São Pedro e São José

O meu vicio você já sabe qual é

Me perdoe se isso for pecado

Sou vaqueiro, e vivo apaixonado

Por forró, vaquejada e mulher

Sou vaqueiro, e vivo apaixonado

Por forró, vaquejada e mulher...

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Disponível em: https://www.vagalume.com.br/mano-walter/vida-de-vaqueiro.html acesso em 24 de fevereiro de 2017

TEXTO 11

O REGRESSO

José Condé

Vinte anos me separavam daquele mundo – vinte anos me separavam de Catarina. Que fizera

durante esse tempo? Vagara de cidade em cidade, um dia aqui, outro acolá, como um fugitivo. Agora,

porém, retornava e não podia impedir que a lembrança do passado me seguisse, embora não desejasse

recuperá-lo.

A lua acabara de aparecer sobre a estrada velha de Santa Rita, um pássaro noturno flechou à

minha frente. E sob o silêncio cortado apenas pelo trote do cavalo, eu revia a paisagem antiga:

conservava-se a mesma, embora vinte anos mais houvesse transformado minha angústia em indiferença,

meu sofrimento em serenidade. Estranha vida! Ao fim de tudo, apenas um homem só; um homem que

pode recordar sem ficar triste.

De repente, porém, vi a casa grande. Recuada da estrada, em campo aberto, como sempre a tinha

visto noutros tempos. Havia luz no alpendre. Se não me engano, ouvi mesmo um piano que tocava, vozes

e risos. Freei o animal e fiquei olhando: não me atemorizava a presença da casa. Não despertava em mim

nenhum sentimento de tristeza. Pensei, então: “é preciso que eles saibam disso; é preciso que ela saiba

disso... Ouçam: sou o mesmo, apesar de mais envelhecido, sou o mesmo, apesar do passado”.

A porteira abriu-se com um rangido seco, e nenhum cachorro me veio ao encontro. Fui

atravessando o pátio: à esquerda, a senzala; ao lado da casa, o depósito de carros velhos e, mais adiante, o

terraço onde batiam o café. Também a velha gameleira lá estava, a mesma, à sombra da qual eu dissera

um dia a Catarina: “Eu te amo”.

Já próximo à escadaria que dava acesso ao alpendre, gritei:

– Ó de casa!

Silêncio. Nenhuma resposta. Tornei a chamar, pensando: “Será que me teriam visto e recusam-se a

receber-me?”

Ao erguer os olhos, todavia, vislumbrei-o à soleira da porta, ereto, nem mais velho nem mais

moço, o olhar frio fitando-me como antigamente.

– Boa noite, coronel. Ia passando pela estrada e...

Não me estendeu a mão, mas disse:

– Você esteve fora muitos anos, não foi?

Sentei-me na rede e ele em sua cadeira de palhinha, também a mesma do nosso último encontro. Durante

alguns minutos nada falamos. Eu, sobretudo, não podia falar. Vagando o olhar pelo alpendre, descobri um

trecho de sala iluminada e a parede onde estava o retrato dela. Do interior chegava o rumor de vozes, e

alguém – quem seria? – tocava ao piano. Subitamente, porém, tudo silenciou. Perguntou-me o coronel:

– Que fez durante esses anos?

Então, comecei a falar. Era como se durante aquele tempo todo houvesse vivido à espera dessa

oportunidade e agora quisesse gozá-la vagarosamente, com o prazer de quem pode ferir com cada palavra

que pronuncia.

– Que fiz durante esse tempo? Ora, coronel, vivi, vivi muito, ganhei dinheiro, conheci o mundo, mas

estive sempre só, fruindo o prazer de não me sentir preso a coisa alguma. Talvez até tenha sido feliz,

coronel.

Minhas palavras não o perturbaram. Prossegui:

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– E o senhor, coronel, e a fazenda? Como se viu com os negros após a abolição da escravatura?

Sem me encarar, olhando os campos adormecidos, talvez falando mais para a noite do que para mim,

disse-me:

– As lavouras crescem, os negros trabalham, e Deus protege as minhas terras. Os cafezais florescem e

perfumam as estradas. Você não o sente agora?

Baixei a cabeça, confundido. Ele, porém, continuou falando e suas palavras eram somente para aquelas

terras: ali nascera, ali também tinha nascido seu pai e o pai do seu pai, as filhas – Elisa, Malvina e

Catarina –, ali casara-se, ali...

Interrompi-o quase bruscamente:

– E Catarina?

Não respondeu. Continuou fitando a noite.

** *

A lua começava a descer. Então, me dispus a partir:

– Vou indo. Está ficando tarde.

– Não. Durma aqui. Siga viagem amanhã de manhã, pois está muito escuro.

Há quanto tempo conversávamos? Talvez uma hora, talvez duas ou três. Mas as suas palavras já não me

interessavam, tampouco me interessava o que eu pudesse dizer ainda. O meu desejo naquele instante se

resumia em ver Catarina. Após vinte anos de ausência, como seria ela?

Queria vê-la mais envelhecida, com rugas, talvez, mais triste, só para vingar-me com a minha presença;

ou a desejaria como nos outros tempos: bonita, com os cabelos soltos pelos ombros, o sorriso e a voz?

– Durma aqui – continuou o coronel – durma aqui.

Atravessamos a sala onde tudo era como antigamente: os móveis de jacarandá, o espelho de

cristal, os quadros.

Depois, o quarto:

– Boa noite – disse-me.

Fechei a porta, deitei-me, mas não adormeci logo. A verdade é que não devia ter aceito o convite.

Viera para vingar-me. No entanto, aquela casa prendia-me, sufocando-me a vontade e a resistência. Tudo

saíra ao contrário do que havia planejado. Estava vencido, e o mundo antigo retornava.

Cerrei os olhos e virei-me para o lado. Depois foi o vento. A princípio, uma simples brisa

soprando pelas frestas da janela, para tornar-se, depois, ventania forte, uivante, varrendo os campos e

chicoteando as árvores. Subitamente, a chuva chegou, violenta, caindo lá fora.

** *

Creio que adormeci, porque, quando dei acordo de mim, estava amanhecendo e a primeira

claridade do dia se projetava através da janela. Chovia ainda, embora o aguaceiro se houvesse

transformado em chuvisco. “E o cavalo?” – pensei. Com os diabos! O animal passara toda a noite ao

relento, levando chuva. Ergui-me, rápido, e decidi ir em seu socorro. Embora ainda estivesse escuro, era-

me possível ver as coisas em redor. E a minha primeira sensação de estranheza veio com a desordem do

quarto: um monte de coisas velhas estava depositado ao pé da porta. Saí para o corredor e... Que se

passava? Gritei:

– Coronel! Coronel!

Caminhei, apressado, até a sala. Não havia sala, meu Deus, não havia móveis, nem quadros: havia

apenas ruínas e um piano despedaçado a um canto. Corri toda a casa, e somente via paredes esburacadas,

teias de aranha, um rato que, ao avistar-me, enfiou-se no primeiro esconderijo.

– Coronel! Coronel!

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Entrei em todos os quartos, e ninguém. Voltei ao alpendre: não havia teto, nem rede, nem a

cadeira de palhinha. E o pátio mais adiante era somente mato e pedras, por onde a chuva escorria

lentamente, como se caísse sobre túmulos. CONDÉ, José. Santa Rita: Histórias da cidade morta e Os dias antigos. 3. ed. Rio de Janeiro/Brasília: Civilização Brasileira/ INL, 1977, p. 11-17

TEXTO 12

Relembrando fatos de 2016 – Proibição da vaquejada

Orlando Brito

Dezembro 22, 2016, 17:05

Vaquejada: sofrimento do boi e do cavalo. Foto Orlando Brito

O que parecia uma simples questão revela-se uma grande polêmica. O Supremo Tribunal Federal

decidiu no dia 6 passado ser inconstitucional a prática das vaquejadas no Ceará, medida que pode se

estender para outros estados. A vaquejada – considerada por muitos como esporte e competição – consiste

na perseguição de um boi por um peão montado em lombo de cavalo, até derrubá-lo puxando-o pelo rabo

durante sua corrida. A queda do animal pode resultar em fraturas e sofrimento. O que é ilegal.

Evidentemente, há opiniões discordantes e favoráveis à sentença dos ministros da Suprema Corte

brasileira. No dia seguinte à decisão dos magistrados, entidades contrárias a ela promoveram

manifestações em dez estados do país, lançando a mobilização do movimento nacional em favor das

vaquejadas. E também das corridas de pega-do-boi.

Nas cidades de Juazeiro, na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco, separadas pelas águas do Rio São

Francisco e região tradicional de festas e eventos desse tipo, os protestos reuniram centenas de vaqueiros,

boiadeiros, admiradores e demais interessados no assunto, como empresários que exploram as festas que

ali acontecem. Em Acari, no Grande do Norte, e em Serrita, em Pernambuco, consideradas “capitais” das

vaquejadas a gritaria não foi menor. E em outras localidades do Nordeste também.

Embora não pareça, é mesmo um tema repleto de polêmica. Até o resultado da votação na

Suprema Corte reflete a controvérsia. Ficou no empate em cinco a cinco até que a presidente, Carmen

Lúcia, decidiu-se a favor da proibição. Em seu voto, a jurista reconhece a importância da vaquejada como

manifestação cultural de alguns estados, mas considerou também que a prática impõe agressão e

sofrimento aos animais.

Essa é, porém, somente uma porta de entrada para o assunto. Quem é contra a proibição alega que,

antes de tudo, representa sim a quebra de uma grande tradição nordestina. E mais, que a atividade é meio

de sustento para famílias e, famílias que sobrevivem do trabalho decorrente das vaquejadas e pegas-de-

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boi. Por exemplo, incontáveis empregos de vaqueiros, pequenos comerciantes, artistas e várias

pessoas que encontram sustento nas feiras e festividades desse tipo.

Interessante como as palavras do voto da ministra Carmem Lúcia oferecem discussão para o tema.

Ela diz, em determinado momento, que sempre haverá defensores dessa tradição, mas cultura também se

muda. E que muitas foram levadas nessa condição até que se houvesse outro modo de ver a vida de

maneira mais ampla e não somente a dos seres humanos. E é justamente tomando essa última colocação

da ministra Carmen que um adepto das vaquejadas diz:

– Ora, se o objetivo da discussão é o não sofrimento dos animais, o que evidentemente todos

concordamos, por que não livrarmos do mesmo sofrimento também os animais que participam dos

rodeios tão comuns principalmente nas feiras do interior de São Paulo? E olha que em muitos desses

lugares usam o sedém como artifício de tortura. Sedém é uma cinta – às vezes embebida em produtos que

provocam ardência – para que o animal se irrite e o faça saltar ainda mais em reação à dor. Isto é tão

doloroso e ilegal quanto deveriam ser as corridas de cavalo, com grandes prêmios e derbys milionários e

até mesmo os concursos de equitação e hipismo, como os de saltos com obstáculos nos campeonatos

internacionais e até nos Jogos Olímpicos?

Outra opinião lembra:

– Foram consideradas vitória a proibição da festa da Farra do Boi, em Santa Catarina , das

touradas e das rinhas de galo e brigas de cães Brasil a dentro. E também da restrição da atuação nos

circos de elefantes, focas, onças, leões, tigres etc. Porém, não se cumpre a mesma proibição, por exemplo,

de manter presos em gaiolas os passarinhos. E mais: por que não tornar delito as lutas entre os próprios

humanos nos ringues, que deixam muitas vezes sequelas definitivas e até levam à morte?

E você, qual sua opinião?

Cada vez mais fico impressionado com a nova dimensão que o mundo moderno ganhou. Olha que

coisa: por força de interagir com um sem fim de seguidores, amigos, colegas e pessoas interessadas em

trocar impressões sobre jornalismo, tenho minha conta no Facebook. Tenho um amigo em Petrolina, mora

lá. Sujeito descolado, ligado no mundo, já morou em São Paulo, Rio, Salvador e fora do Brasil, fala

idiomas, inteirado sobre os temas da atualidade etc. Tenho uma amiga que em Juazeiro da Bahia, mora lá.

Mulher descolada, ligado no mundo, anda por São Paulo, Rio, Salvador e pelo Exterior, fala idiomas,

atualizada com os temas do planeta, tem opinião sobre tudo.

E o mais interessante. Eles não se conhecem, embora vizinhos. Moram a metros um do outro.

Como eu disse, sou amigo de ambos – eu que moro em Brasília, a 1500 e tantos quilômetros de distância

de Juazeiro e Petrolina – falo com um e outra quase que diariamente. Pois as colocações em aspas que

exponho acima são deles.

Eu mesmo já estive várias vezes fotografando pegas-de-boi e vaquejadas.

Grannnnnnde Facebook.

Orlando Brito Disponível em:http://osdivergentes.com.br/orlando-brito/proibicao-da-vaquejada-de-simples-questao-a-grande-polemica/ . Acesso em: 24 de fevereiro de

2017.

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19

TEXTO 13 VIETNÃ UM POEMA DE WISLAWA SZYMBORSKA

Mulher, como te chamas? - Não sei.

Quando nasceste, tua origem? - Não sei.

Por que cavaste um buraco na terra? - Não sei.

Há quanto tempo estás aqui escondida? - Não sei.

Por que mordeste o meu anular? - Não sei.

Sabes, não te faremos mal nenhum. - Não sei.

De que lado estás? - Não sei.

É tempo de guerra, tens de escolher. - Não sei.

Existe ainda a tua aldeia? - Não sei.

E estas crianças, são tuas? - Sim.

Disponível em:http://casulotemporario.blogspot.com.br/2009/11/vietna-um-poema-de-wislawa-szymborska.html?m=1.Acesso em 22 de fevereiro de 2017.

TEXTO 14

A MULHER QUE VENDEU O MARIDO POR 1,99

JANDUHI DANTAS

Hoje em dia, meus amigos

os direitos são iguais

tudo o que faz o marmanjo

hoje a mulher também faz

se o homem se abestalhar

a mulher bota pra trás.

Acabou-se aquele tempo

em que a mulher com

presteza

se fazia para o homem

artigo de cama e mesa

a mulher se fez mais forte

mantendo a delicadeza.

Não é mais "mulher de

Atenas"

nem "Amélia" de ninguém

eu mesmo sempre entendi

que a mulher direito tem

de sempre só ser tratada

por "meu amor" e "meu

bem".

Hoje o trabalho de casa

meio a meio é dividido

para ajudar a mulher

homem não faz alarido

quando a mulher lava a louça

quem enxuga é o marido!

Também na sociedade

é outra a situação

a mulher hoje já faz

tudo o que faz o machão

há mulher que até dirige

trem, trator e caminhão.

Esse fato todo mundo

já deu pra assimilar

a mulher hoje já pode

seu espaço conquistar

quem não concorda com isso

é muito raro encontrar.

Entretanto ainda existe

caso de exploração

o salário da mulher

é de chamar atenção

bem menor que o do homem

fazendo a mesma função.

Também tem cabra safado

que não muda o pensamento

que não respeita a mulher

que não honra o casamento

que a vida de pleiboy

não esquece um só momento.

Era assim que Damião

(o ex-marido de Côca)

queria viver: na cama

sem tirar copo da boca

enquanto sua mulher

em casa feito uma louca...

... cuidando de três meninos

lavando roupa e varrendo

feito uma negra-de-ferro

de fome o corpo tremendo

e o marido cachaceiro

pelos botequins bebendo.

Mas diz o velho ditado

que todo mal tem seu fim

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e o fim do mal de Côca

um dia chegou enfim

foi quando Côca de estalo

pegou a pensar assim:

"Nessa vida que eu levo

eu não tô vendo futuro

eu me sinto navegando

em mar revolto e escuro

vou remar no meu barquinho

atrás de porto seguro."

"Na próxima raiva que eu

tenha

desse meu marido ruim

qualquer mal que me fizer

tomarei como estopim

e a triste casamento

eu vou decidir dar fim."

Estava Côca pensando

na vida quando chegou

Damião morto de bêbado

(nem boa-noite falou

passava da meia-noite)

e na cama se atirou!

Dona Côca foi dormir

muito triste e revoltada

contudo tinha na mente

a sua ação planejada

pra dar novo rumo à vida

já estava preparada.

De manhã Côca acordou

com a braguilha pra trás

deu cinco murros na mesa

e gritou: "Ô Satanás

eu vou te vender na feira

vou já fazer um cartaz!"

Pegou uma cartolina

que ela havia escondido

escreveu nervosamente

com a raiva do bandido:

"Por um e noventa e nove

estou vendendo o marido."

Assim mostrou ter no sangue

sangue de Leila Diniz

Pagu, Maria Bonita

DeAnayde Beiriz

(de brasileiras de fibra)

de Margarida e Elis!

Pegou o marido bêbado

de jeito, pela abertura

da direção do mercado

ela saiu à procura

de vender o seu marido

ia com muita secura!

Ficou na feira de Patos

no mais horrendo lugar

(na conhecida U.T.I.)

e começou a gritar:

"Tô vendendo o meu marido

quem de vocês quer

comprar?"

Umas bêbadas que estavam

estiradas pelo chão

despertaram com os gritos

e uma do cabelão

perguntou a Dona Côca:

"Qual o preço do gatão?"

"É um e noventa e nove

não está vendo o cartaz?"

Dona Côca respondeu

e a bêbada disse: "O rapaz

tem uma cara simpática

acho até que vale mais."

Damião estava "quieto"

e de ressaca passado

com cordas nos pés e braços

numa cadeira amarrado

também tinha um

esparadrapo

em sua boca colado.

Começou a chegar gente

se formou a multidão

em volta de Dona Côca

e o marido Damião

quando deu fé, logo, logo

encostou o camburão.

Nisso um cabo da polícia

do camburão foi descendo

e perguntando abusado:

"Que é que tá acontecendo?"

Alguém disse: "Esta mulher

o marido está vendendo."

Do meio do povo disse

um velho em tom de chacota:

"Esse carneiro já tem

uma cara de meiota

não tem mulher que dê nele

de dois reais uma nota."

E, de fato, ô cabra feio

desalinhado e barbudo

fedendo a cana e a cigarro

com um jeito carrancudo

banguelo, um pouco careca

pra completar barrigudo.

Nisso chegou uma velha

que vinha com todo o gás

e disse para si mesma

depois de ler o cartaz

"Hoje eu tiro o prejuízo

com esse lindo rapaz!".

Disse a velha: "Francamente!

Eu estou achando pouco!

Por 1 e 99?!

Tome dois, nem quero o

troco!

Deixe-me levar pra casa

esse meu Chico Cuoco!".

Saiu a velha enxerida

de braços com Damião

a polícia prontamente

dispersou a multidão

eCôca tirou por fim

um peso do coração.

Retornou Côca feliz

pra casa entoando hinos

a partir daquele dia

teria novos destinos...

Com os dois reais da venda

comprou de pão pros

meninos!

Disponível em: http://leiacordel.com.br/1/72-a-mulher-que-vendeu-o-marido-por-r-199.html

Acesso em 24 de fevereiro de 2017.

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TEXTO 15

PARAÍBA

LUIZ GONZAGA

Quando a lama virou pedra

E Mandacaru secou

Quando o Ribação de sede

Bateu asa e voou

Foi aí que eu vim me embora

Carregando a minha dor

Hoje eu mando um abraço

Pra ti pequenina

Paraíba masculina,

Muié macho, sim sinhô

Eita pau pereira

Que em princesa já roncou

Eita Paraíba

Muié macho sim sinhô

Eita pau pereira

Meu bodoque não quebrou

Hoje eu mando

Um abraço pra ti pequenina

Paraíba masculina,

Muié macho, sim sinhô

Quando a lama virou pedra

E Mandacaru secou

Quando arribação de sede

Bateu asa e voou

Foi aí que eu vim me embora

Carregando a minha dor

Hoje eu mando um abraço

Pra ti pequenina

Paraíba masculina,

Muié macho, sim sinhô

Eita, eita

Disponível em: https://www.letras.mus.br/luiz-gonzaga/47095/ acesso em 23 de fevereiro de 2017.

TEXTO 16 Mulher Rendeira

Elba Ramalho

Olêmuié rendera

Olêmuiérendá

Tu me ensina a fazê renda

Que eu te ensino a namorá

Lampião desceu a serra

Deu um baile em Cajazeira

Botou as moças donzelas

Pra cantámuié rendera

As moças de Vila Bela

Não têm mais ocupação

Se que fica na janela

Namorando Lampião

Disponível em: https://www.letras.mus.br/elba-ramalho/mulher-rendeira/

Acesso em 24 de fevereiro de 2017

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TEXTO 17

MARIA, MARIA

MILTON NASCIMENTO

Maria, Maria

É um dom, uma certa magia

Uma força que nos alerta

Uma mulher que merece

Viver e amar

Como outra qualquer

Do planeta

Maria, Maria

É o som, é a cor, é o suor

É a dose mais forte e lenta

De uma gente que ri

Quando deve chorar

E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força

É preciso ter raça

É preciso ter gana sempre

Quem traz no corpo a marca

Maria, Maria

Mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha

É preciso ter graça

É preciso ter sonho sempre

Quem traz na pele essa marca

Possui a estranha mania

De ter fé na vida

Mas é preciso ter força

É preciso ter raça

É preciso ter gana sempre

Quem traz no corpo a marca

Maria, Maria

Mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha

É preciso ter graça

É preciso ter sonho sempre

Quem traz na pele essa marca

Possui a estranha mania

De ter fé na vida

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!!

Lá LáLáLerererêLerererê

Lá LáLáLerererêLerererê

Hei! Hei! Hei! Hei!

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!

Lá LáLáLerererêLerererê!

Lá LáLáLerererêLerererê!

Mas é preciso ter força

É preciso ter raça

É preciso ter gana sempre

Quem traz no corpo a marca

Maria, Maria

Mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha

É preciso ter graça

É preciso ter sonho, sempre

Quem traz na pele essa marca

Possui a estranha mania

De ter fé na vida

Disponível em: https://www.letras.mus.br/milton-nascimento/47431/ acesso em 24 de fevereiro de 2017.

TEXTO 18

HÁBITOS DOS NORDESTINOS (SÉCULO XIX)

Isabel Pinto

Precisei estudar os hábitos dos nordestinos para entender como era a vida dos meus ancestrais.

É sabido que nos séculos XVIII e XIX no Nordeste, como em todo o Brasil, os hábitos e costumes eram,

para nós que vivemos no século XXI, realmente aterrorizantes. Principalmente quando se trata do papel

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da mulher naquela sociedade, que se resumia tão somente em ficar dentro da casa, sempre ocupada com

os serviços domésticos, ou seja, cozinhando, lavando, passando e costurando, cuidando dos filhos

(geralmente mais de dez), subordinadas sempre ao pai ou ao marido, e, não raro, submetidas a maus

tratos (era comum o marido bater na mulher para “corrigí-la”)..

A mulher tinha na sociedade um papel de submissão e de inferioridade em relação ao homem.

É bom salientar que mal a menina atingia doze anos era considerada uma “moça”, pronta para se casar.

Os pais lhes “arrumavam” o marido, e o casamento ocorria quando tinham entre 12 e 16 anos. Se

atingissem 20 anos de idade eram consideradas “moças velhas” que estavam no “caritó”. As

“solteironas” viravam “babás” dos sobrinhos.

Segundo Horácio de Almeida*“... os casamentos precoces e mais particularmente os casamentos

consanguíneos, à força de repetidos, acabaram por constituir norma adotada a preceito pelas gerações

passadas. Eram frequentes as uniões consanguíneas, sobretudo de tios com sobrinhas, não só pelo

preconceito de branquidade, como pelo receio de dar ingresso a estranhos no seio da família... os

casamentos davam certo, talvez mais do que hoje, mas isso se devia acima de tudo a um fator

preponderante, que era a submissão da mulher – peça silenciosa do lar – sem noção de personalidade e

tampouco sem possibilidades econômicas que lhe assegurassem independência. Reduzida a um ser

humano protegido, resignava-se a desempenhar a função de procriar e às vezes até de criar filhos

naturais do marido.”

Fiquei realmente chocada quando descobri que algumas de minhas ancestrais se casaram no início da

adolescência, umas com apenas catorze anos deidade.

Mas, este era o costume da época.

Naquela época (entre os séculos XVII e XIX) ser mulher era difícil. Ser homem era bem mais fácil.

Em uma sociedade machista os homens eram privilegiados: podiam escolher

a profissão (geralmente igual à do pai) e suas futuras esposas. Os homens mandavam nas suas esposas,

nos seus filhos e nos seus escravos.

Longe da “Corte” o nordestino do século XIX desconhecia o que se passava no Rio de Janeiro. Falava

português arcaico, enriquecido de inúmeros vocábulos indígenas. Estima-se que hoje, temos mais de dez

mil palavras oriundas do tupi, entre as quais aquelas já utilizadas naqueles tempos como beiju, tapioca,

tipoia, arapuca, pindaíba, peteca, capim, cipó, mingau, toca e outras tantas de origem africana como

maribondo, mocotó, mangar e xingar.

No Nordeste, como em todo o Brasil, a influência indígena na geografia é impressionante: rios (Abiaí,

Guajú, Potengi e Inhobim), cidades (Itaporanga, Juripiranga, Parnamirim e Sipiúba), nome de serras

(Borborema, Jabitacá e Mogiqui), tudo deriva da língua

indígena, até os nomes de alguns estados como

PARAÍBA, PIAÚI E PERNAMBUCO.

Os nordestinos dormiam em redes. As camas eram raras.

Em muitas casas havia cabos de madeira fincados no

chão para pendurar as redes, pois as paredes das casas

(geralmente de taipa) não aguentavam o peso.

Até a metade do século XIX, não existiam privadas ou

banheiros. Nas casas de pessoas com melhores

condições financeiras usava-se o penico (também chamado de urinol), que era um recipiente

arredondado e fundo (parecendo uma grande xícara), o qual era mantido nos quartos debaixo da cama

para ser usado principalmente à noite, quando era perigoso sair de casa e arriscar-se no mato a fim de

satisfazer as necessidades fisiológicas.

O penico foi usado até a década de 70 do século XX, em áreas rurais onde não existiam banheiros ou

privadas, ou estas eram localizadas no quintal da residência e não em seu interior.

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Até a metade do século XIX a maioria das mulheres não usava nenhum tipo de roupa íntima. Calcinhas

eram usadas somente por prostitutas. Desconheciam os métodos de contracepção e por isso as famílias

eram grandes, somando-se a isso a precocidade das mulheres nos casamentos.

Para deixar a roupa mais lisa, usava-se a “goma” de mandioca e água, daí até hoje se usar a expressão

“engomar a roupa”.

Antigamente muitos sertanejos possuíam, além de suas moradias regulares (sítios ou fazendas,) as

“casas de rua”, que eram ocupadas nas “festas do ano” (festa da padroeira, Natal e Semana Santa) e, já

no final do século XIX, também eram ocupadas nos dias de feira (esse costume dura até hoje). Em Santa

Cruz/RN, aos sábados – dia da feira – até hoje muitos ocupam suas casas na cidade para “fazer a feira”

retornando para seus sítios na zona rural no final do domingo.

Até o século XIX, nas ribeiras encontravam-se quase sempre membros de uma mesma família, em

média 40 pessoas, sem contar os escravos. As povoações e vilas eram quase sempre formadas do mesmo

clã, sendo hábito comum o casamento entre primos, que é explicado em parte pela proximidade dos

membros da família.

Pude comprovar que vários membros da minha família se casaram entre si com certa frequência, o que

facilitou minha pesquisa, pois reduziu em muito o número de meus ancestrais.

Neste aspecto, é importante salientar que muitos dos cristãos-novos, que se estabeleceram na Paraíba, se

dedicaram ao cultivo de tabaco e café. O que mais diferenciava um cristão-novo é que tinham duas ou

mais atividades diferentes e mantinham residência em uma vila ou povoação, mas circulavam pela

região onde a rede de parentesco era reforçada pelos casamentos entre membros da mesma família, o

que me faz acreditar que a origem da família PINTO seja mesmo de algum cristão-novo.

Extraído do livro GENEALOGIA SERTANEJA – Capítulo IV

Disponível em:http://genealogiasertaneja.blogspot.com.br/2013/06/habitos-dos-nordestinos-seculo-xix.html acesso em 21 de

fevereiro de 2017.

TEXTO 19

EU SÓ QUERO UM XODÓ

Dominguinhos

Que falta eu sinto de um bem

Que falta me faz um xodó

Mas como eu não tenho ninguém

Eu levo a vida assim tão só

Eu só quero um amor

Que acabe o meu sofrer

Um xodó pra mim do meu jeito assim

Que alegre o meu viver

Que falta eu sinto de um bem

Que falta me faz um xodó

Mas como eu não tenho ninguém

Eu levo a vida assim tão só

Eu só quero um amor

Que acabe o meu sofrer

Um xodó pra mim do meu jeito assim

Que alegre o meu viver

Disponível em: https://www.vagalume.com.br/dominguinhos/eu-so-quero-um-xodo.html. Acesso em 20

de fevereiro de 2017.

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TEXTO 20

CASAMENTO SUSPEITOSO - (PARTE DO 2º ATO CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO)

ARIANO SUASSUNA

Corta ofio; aluz baixa. Os doisse retiram a um canto. Entram LÚCIA, SUSANA e ROBERTO,

comum candeeiro.

LÚCIA- A luz está no fim, que foi? Quem está aí? Quem é?

CANCÃO- É Cancão, Dona Lúcia, Cancão e Gaspar.

LÚCIA- Se Geraldo encontrar vocês... Vieram impedir o casamento de novo? Você não conseguirá nada.

O frade chegou: eu convenci Geraldo a casar no religioso ainda hoje e o civil será amanhã, quando o juiz

chegar.

CANCÃO- Dona Lúcia, Frei Roque chegou, mas saiu da cidade para fazer uma extrema-unção.

SUSANA- Miserável! Foi você!

CANCÃO- Eu vim propor um negócio: com o retrato, o casamento de Geraldo é coisa resolvida. Assim,

quero ver se pelo menos volto a ser avaliador, porque Geraldo me demitiu. Só quem sabe onde está Frei

Roque a essa hora sou eu. Mas é um lugar perto da cidade. Se entrarmos num acordo, eu faço o

casamento ainda hoje, tanto o civil como o religioso.

LÚCIA- Como, se o juiz também saiu?

CANCÃO- Só digo se a senhora arranjar a avaliação e minha reconciliação com Geraldo.

LÚCIA- Estou com medo de seus negócios, Cancão.

CANCÃO- Com o retrato, não há nada a temer.

LÚCIA- Vocês o que é que acham?

ROBERTO- Sou pelo acordo. O dinheiro está no fim e, se o casamento for feito hoje, estamos garantidos.

LÚCIA- Pois venha de lá esse acordo. Como é que se faz o casamento civil?

CANCÃO- Com o suplente do juiz, Fragoso.

LÚCIA- E existe isso aqui?

CANCÃO- Existe. Está meio adoentado, levou uma queda de cavalo e está com o rosto enfaixado, mas se

a gente der dinheiro a ele, vem.

LÚCIA- Eu quero uma garantia, Cancão.

CANCÃO- A garantia será dada por eles, Frei Roque e o suplente. A senhora me reconcilia com Geraldo?

LÚCIA- Reconcilio, mas a avaliação eu só arranjo depois do casamento. Com você eu não facilito mais.

E tem uma coisa: os retratos estão aqui.

CANCÃO- É o primeiro retrato que tiro na vida. Eu fiquei bem até. Gaspar é que é feio que só a peste!

Ave-Maria parece um cavalo. Está bem, Dona Lúcia, estamos entendidos. Gaspar vá buscar o suplente.

(Sai GASPAR.) O juiz fica indignado quando o suplente Fragoso faz casamento na ausência dele, por

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causa das custas. Mas eu disse que Dona Lúcia pagaria as custas no dobro, uma para o suplente, outra

para o juiz. Com o casamento civil feito, vou buscar Frei Roque.

LÚCIA-O frade não interessa. Mas como Geraldo faz questão, vou me submeter àquela encenação. Saia,

ele vem aí, vou prepara o terreno.

CANCÃO- Prefiro ficar, quero ouvir o que a senhora diz.

LÚCIA- Que homem desconfiado! Está certo, fique aí. (Geraldo, que vem entrando com Dona Guida.)

Geraldo, estou tão feliz! Você não pode imaginar o que aconteceu.

GERALDO- Que há?

LÚCIA- Cancão está arrependido do que fez conosco e veio se desculpar.

GERALDO- Não, minha filha, não quero ver Cancão nunca mais. Trair-me daquela maneira!

LÚCIA- Você deve levar em conta a situação em que seus amigos vivem meu filho. Quem vive como

eles não pode ter os padrões morais de nossa classe.

GERALDO- E além de tudo o atrevimento de estar olhando para você como ele fez!

LÚCIA- Meu filho, o pobre me explicou tudo, a culpa foi minha. Ele não estava habituado a ver gente

vestida assim e ficou olhando. Eu, que não esperava isso, fiquei pensando que era má intenção. Coitado,

ele ficou tão agoniado!

GERALDO- É verdade?

LÚCIA- O que acontece é que eu sou muito zelosa nessas questões e às vezes me excedo um pouco.

Fiquei de coração apertado por ter causado essa separação entre você e seus amigos. E ele nos fez um

favor tão grande para mostrar seu arrependimento...

GERALDO- Que foi?

LÚCIA- Frei Roque já chegou. Sabendo disso, Cancão foi procurar o suplente do juiz.

GERALDO- Fragoso! Mas ele está de cama.

LÚCIA- Ele prometeu que vinha. Eu acho esse casamento assim dividido tão sem jeito... Tudo podia se

resolver ainda hoje, o civil e o religioso, dependendo, é claro, de você e de Tia Guida.

GERALDO- E onde está Cancão?

CANCÃO- (Avançando.) Aqui, Geraldo.

DONA GUIDA- Que é isso? O que é que estão combinando desde hoje?

CANCÃO- Dona Guida, não se zangue comigo não.

DONA GUIDA- Ouvi dizer que você estava combinando com aquele ladrão para roubar Geraldo, é

verdade?

CANCÃO- Pronto, entrei nas brincadeiras do juiz! (Alto, a DONA GUIDA.) Estou aqui dizendo que

arranjei o casamento de Geraldo ainda hoje.

DONA GUIDA- De novo? Sem os banhos?

CANCÃO- Fica tudo regularizado, Dona Guida. O suplente vem fazer o casamento.

DONA GUIDA- Fragoso? Outro ladrão, igual ao juiz e a você. E descobri mais essa: você, além de

ladrão, é safado!

CANCÃO- Dona Guida sempre com brincadeira!

DONA GUIDA- Brincadeira! Quem é a favor desse casamento é safado!

GERALDO- Mamãe!

LÚCIA- Não, Geraldo, é melhor que você saiba logo. Ela humilha assim por que eu sou pobre. Tia Guida

pensa que o que eu quero é seu dinheiro.

GERALDO- Ah, dinheiro amaldiçoado! Não está vendo que mamãe não ia pensar isso, meu amor?

LÚCIA- Não ia! Todos os atos dela indicam isso!

DONA GUIDA- O que é que meus atos indicam? Fale aí, cabrita malcriada!

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GERALDO- Mamãe, isso também é demais!

DONA GUIDA- É demais? Pois vá. Faça seu casamento, aja como quiser, eu não estou me incomodando

mais com nada. Quando terminarem, avisem: eu quero sair de casa. Quando se arrepender, também,

mande dizer. Por que aí quero voltar. (sai)

GERALDO-Mamãe....

LÚCIA- Meu Deus, como fui mal interpretada! Ela falou em arrependimento, em abandono.... Quem

sabe? Talvez fosse melhor nós acabarmos este casamento!

GERALDO- Mas meu bem!

LÚCIA- Ela suspeitará de mim. Você prefere acabar?

GERALDO- Não, nunca! Mas isso de mamãe passa!

LÚCIA- Passará mesmo, Geraldo? Não sei. Mas, para evitar qualquer suspeita, nós nos casaremos com

separação de bens.

GERALDO- Lúcia!

LÚCIA- Se você não aceita, prefiro romper!

GERALDO- Então está bem. Envergonho-me do que minha mãe fez! Mas se houvesse um jeito dela

concordar...

CANCÃO- Frei Roque concorda e Dona Guida assina em cruz tudo o que diz. Deixe por minha conta que

eu ajeito isso, Geraldo.

GERALDO- Agora sim, estou vendo de novo meu velho Cancão. Venha de

lá esse abraço!

CANCÃO- Vá dizer a Dona Guida a opinião de Frei Roque. Diga que o

frade chega já para confirmar tudo. E venha, que Fragoso não tarda.

GERALDO- Está bem. (sai.)

CANCÃO- Muito bem, dona Lúcia, agora a avaliação.

LÚCIA- Primeiro casamento. Ruim foi essa separação de bens, mas era

preciso impressionar o rapaz.

CANCÃO- A gente dá um dinheirinho ao suplente e, no contrato, em vez

de“separação de bens” ele bota “comunhão de bens”.

SUSANA- Mas quando se fizer a leitura,Geraldo notará.

CANCÃO- Geraldo não presta atenção a nada, dona Lúcia ajeita isso, com um daqueles de cobra.

ROBERTO- Mas quanto teremos que dar?

CANCÃO- Mil, eu acho que dá.

LÚCIA- Quanto ainda lhe resta, mamãe?

SUSANA- Duzentos e cinquenta.

LÚCIA- Roberto tem seiscentos que eu dei a ele. Você acha que dá?

CANCÃO- Vamos ver, nessas coisas a justiça não transige. E aí vem Fragoso, juiz de direito na ausência

do titular, substituto de tabelião, fanhoso, gago e comerciante de miudezas nas horas vagas.

ENTRA MANUEL GASPAR, VESTIDODE TOGA COM O ROSTO INTEIRAMENTE COBERTO

DE GAZES E ESPARADRAPO, DE MODO QUE PÚBLICO NÃO O RECONHEÇA.

GASPAR- Senhores, despachemo-nos. Vou proceder à leitura do contrato.

CANCÃO- Um momento, Doutor Fragoso. Ali onde diz “sendo feito o casamento pelo regime etc.”, nós

queríamos que o senhor colocasse “pelo regime de comunhão de bens”.

GASPAR- Mas meu caro Cancão, isso é feito pelo noivo, na sua presença!

CANCÃO- Doutor, a gente lhe dá oitocentos e cinquenta, para isso.

GASPAR- Mas oitocentos e cinquenta Cancão? Está tudo tão caro!

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CANCÃO- O que se arranjou foi isso, Doutor. O mais que se pode fazer é eu mesmo entrar na cota.

GASPAR- Ah, então faltava você! Quem não fala Deus não ouve! Quanto significa isso?

CANCÃO- Oitenta.

GASPAR- Total?

LÚCIA- Novecentos e trinta.

GASPAR- Vá lá. É pouco, mas como são hóspedes não quero desmoralizar a hospitalidade sertaneja.

Cancão queira servir de escrevente e colocar a palavra em questão.

CANCÃO- “Pelo regime... pelo regime... de comunhão de bens.” Muito bem, agora só faltava o noivo.

GASPAR- Chamo sua atenção para a outra parte do acordo.

CANCÃO- Que outra parte?

GASPAR- Os novecentos, não, os novecentos e trinta.

CANCÃO- Ah, é verdade, que distração a minha! Bem, o resto fica a cargo de vocês.

GASPAR- (Não se dominando.) Cancão, eu gostaria tanto que você ficasse!

CANCÃO- Não é possível que eu faça o casamento melhor do que um juiz!

ROBERTO- Você não fica?

CANCÃO- Vou buscar Frei Roque para ele convencer Dona Guida e fazer o religioso. Até já e

felicidades. (Sai.)

LÚCIA- Bem, se estamos nesse ponto, vá buscar o noivo, mamãe. (Sai SUSANA.)

ROBERTO- Chegou a hora. Tanto lutamos por isso, mas quando chega o momento... Você vai casar e me

esquecer.

LÚCIA- Que é isso? Está triste? Por você eu faço tudo! Vá me procurar hoje à noite!

ROBERTO- Hoje, Lúcia?

LÚCIA- Hoje, por que não? Acharei jeito de desaparecer aquele idiota.

ROBERTO- Mas Lúcia, Geraldo pode desconfiar!

LÚCIA- Aquilo é uma besta!

ROBERTO- Está certo. Onde, então?

LÚCIA- Aqui mesmo. Mando o marido para o quarto e venho. Está combinado?

ROBERTO- Está.

Suassuna, Ariano. O casamento suspeito. 1961.

TEXTO 21

SÚPLICA CEARENSE

O RAPPA

(O meu Ceará gozará nova sorte)

Oh! Deus

Perdoe esse pobre coitado

Que de joelhos rezou um bocado

Pedindo pra chuva cair

Cair sem parar

Oh! Deus

Será que o senhor se zangou

E é só por isso que o sol se arretirou

Fazendo cair toda chuva que há

Oh! Senhor

Pedi pro sol se esconder um pouquinho

Pedi pra chover

Mas chover de mansinho

Pra ver se nascia uma planta

Uma planta no chão

Oh! Meu Deus

Se eu não rezei direito

A culpa é do sujeito

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Desse pobre que nem sabe fazer a

oração

Meu Deus

Perdoe encher meus olhos d'água

E ter-lhe pedido cheio de mágoa

Pro sol inclemente

Se arretirar, retirar

Desculpepedir a toda hora

Pra chegar o inverno e agora

O inferno queima o meu humilde Ceará

Oh! Senhor

Pedi pro sol se esconder um pouquinho

Pedi pra chover

Mas chover de mansinho

Pra ver se nascia uma planta no chão

Planta no chão

Ganância demais

Chuva não tem mais

Roubo demais

Política demais

Tristeza demais

O interesse tem demais!

Ganância demais

Fome demais

Falta demais

Promessa demais

Seca demais

Chuva não tem mais!

(Meu Ceará gozará nova sorte)

Ó Deus...

Só se tiver Deus... Disponivel em https://www.letras.mus.br/o-rappa/1333721/

acesso em 24 de fevereiro de 2017

TEXTO 22

SOBRADINHO

BIQUINI CAVADÃO

O homem chega e já desfaz a natureza

Tira gente, põe represa e diz que tudo

vai mudar!

O São Francisco, lá prá cima da Bahia

Diz que dia menos dia vai subir bem

devagar

E passo a passo vai cumprindo a

profecia

Do Beato que dizia que o Sertão ia

alagar

O Sertão vai virar mar!

Dá no coração

O medo que algum dia

O mar também vire sertão

Vai virar mar!

Dá no coração

O medo que algum dia

O mar também vire sertão

Naanananana

Naanananana

Adeus Remanso, Casa Nova, Sento Sé

Adeus Pilão Arcado, vem o rio te

engolir!

Debaixo d'água lá se vai a vida inteira

Por cima da cachoeira o Gaiola vai

subir

Vai ter barragem no Salto do

Sobradinho

E o povo vai-se embora com medo de se

afogar!

O Sertão vai virar mar!

Dá no coração

O medo que algum dia

O mar também vire sertão

Vai virar mar!

Dá no coração

O medo que algum dia

O mar também vire sertão

O Sertão vai virar mar!

Dá no coração

O medo que algum dia

O mar também vire sertão

Vai virar mar!

Dá no coração

O medo que algum dia

O mar também vire sertão

Virou!

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Naanananana

Naanananana

Naanananana

Adeus Remanso, Casa Nova, Sento Sé

Adeus Pilão Arcado, vem o rio te

engolir!

Debaixo d'água lá se vai a vida inteira

Por cima da cachoeira o Gaiola vai

subir

Vai ter barragem no Salto do

Sobradinho

E o povo vai-se embora com medo de se

afogar

O Sertão vai virar mar!

Dá no coração

O medo que algum dia

O mar também vire sertão

Vai virar mar!

Dá no coração

O medo que algum dia

O mar também vire sertão

O Sertão vai virar mar!

Dá no coração

O medo que algum dia

O mar também vire sertão

O Sertão vai virar mar!

Dá no coração

O medo que algum dia

O mar também vire sertão

Naaaanananana

Naaaanananana

Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão

Arcado, Sobradinho

Adeus! Adeus!

Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão

Arcado, Sobradinho

Adeus! Adeus!

Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão

Arcado, Sobradinho

Adeus! Adeus!

Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão

Arcado, Sobradinho

Adeus! Adeus!

Disponível em: https://www.letras.mus.br/biquini-cavadao/199940/ acesso em 23 de fevereiro de 2017.

TEXTO 23

CAPÍTULO IX-BALEIA

A CACHORRA Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pelo caíra-lhe em vários pontos, as

costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escurassupuravam e sangravam, cobertas de

moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços

dificultavam-lhe a comida e a bebida. Por isso Fabiano

imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e

amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho

queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas

estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava

os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda

pelada e curta, grossa na base, cheia de moscas, semelhante a

uma cauda de cascavel. Então Fabiano resolveu matá-la. Foi

buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o

saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito. Sinhá Vitória fechou-se na

camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a

mesma pergunta: - Vão bulir com a Baleia? Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de

Fabiano afligiam-nos, davam-lhes a suspeita de que Baleia corria perigo. Ela era como uma pessoa da

família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferençavam, rebolavam na areia do rio e no

estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras. Quiseram mexer na taramela e

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abrir a porta, mas Sinha Vitória levou-os para a cama de varas, deitou-os e esforçou-se por tapar-lhes os

ouvidos prendeu a cabeça do mais velho entre as coxas e espalmou as mãos nas orelhas do segundo.

Como os pequenos resistissem, aperreou-se e tratou de subjugá-los, resmungando com energia. Ela

também tinha o coração pesado, mas resignava-se: naturalmente a decisão de Fabiano era necessária e

justa. Pobre da Baleia. Escutou, ouviu o rumor do chumbo que se derramava no cano da arma, as

pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou. Coitadinha da Baleia. Os meninos começaram a gritar e

a espernear. E como Sinhá Vitória tinha relaxado os músculos, deixou escapar o mais taludo e soltou

uma praga: - Capeta excomungado. Na luta que travou para segurar de novo o filho rebelde, zangou-se

de verdade. Safadinho. Atirou um cocorote ao crânio enrolado na coberta vermelha e na saia de

ramagens. Pouco a pouco a cólera diminuiu, e Sinhá Vitória, embalando as crianças, enjoou-se da

cadela achacada, gargarejou muxoxos e nomes feios. Bicho nojento, babão. Inconveniência deixar

cachorro doido solto em casa. Mas compreendia que estava sendo severa demais, achava difícil Baleia

endoidecer e lamentava que o marido não houvesse esperado mais um dia para ver se realmente a

execução era indispensável. Nesse momento Fabiano andava no copiar, batendo castanholas com os

dedos. Sinhá Vitória encolheu o pescoço e tentou encostar os ombros às orelhas. Como isto era

impossível, levantou os, braços e, sem

largar o filho, conseguiu ocultar um pedaço

da cabeça. Fabiano percorreu o alpendre,

olhando a baraúna e as porteiras, açulando

um cão invisível contra animais invisíveis: -

Eco! eco! Em seguida entrou na sala,

atravessou o corredor e chegou à janela

baixa da cozinha. Examinou o terreiro, viu

Baleia coçando-se a esfregar as peladuras no pé de turco, levou a espingarda ao rosto. A cachorra

espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando, até ficar no outro lado da árvore,

agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a

janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto e levou de novo a arma

ao rosto. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns

passos. Ao chegar as catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos

traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a latir desesperadamente. Ouvindo o tiro e os

latidos, Sinhá Vitória pegou-se à Virgem Maria e os meninos rolaram na cama, chorando alto. Fabiano

recolheu-se. E Baleia fugiu precipitada, rodeou o barreiro, entrou no quintalzinho da esquerda, passou

rente aos craveiros e às panelas de losna, meteu-se por um buraco da cerca e ganhou o pátio, correndo

em três pés. Dirigiu-se ao copiar, mas temeu encontrar Fabiano e afastou-se para o chiqueiro das

cabras. Demorou-se aí um instante, meio desorientada, saiu depois sem destino, aos pulos. Defronte do

carro de bois faltou-lhe a perna traseira. E, perdendo muito sangue, andou como gente, em dois pés,

arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo. Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas

teve medo da roda. Encaminhou-se aos juazeiros. Sob a raiz de um deles havia uma barroca macia e

funda. Gostava de espojar-se ali: cobria se de poeira, evitava as moscas e os mosquitos, e quando se

levantava, tinha folhas secas e gravetos colados as feridas, era um bicho diferente dos outros. Caiu

antes de alcançar essa cova arredada. Tentou erguesse, endireitou a cabeça e estirou as pernas

dianteiras, mas o resto do corpo ficou deitado de banda. Nesta posição torcida, mexeu-se a custo,

ralando as patas, cravando as unhas no chão, agarrando-se nos seixos miúdos. Afinal esmoreceu e

aquietou-se junto as pedras onde os meninos jogavam cobras mortas. Uma sede horrível queimava-lhe

a garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a visão. Pôs-se a latir e

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desejou morder Fabiano. Realmente não latia: uivava baixinho, e os uivos iam diminuindo, tornavam-se

quase imperceptíveis. Como o sol a encandeasse, conseguiu adiantar-se umas polegadas e escondeu-se

numa nesga de sombra que ladeava a pedra. Olhou-se de novo, aflita. Que lhe estaria acontecendo? O

nevoeiro engrossava e aproximava-se. Sentiu o cheiro bom dos preás que desciam do morro, mas o

cheiro vinha fraco e havia nele partículas de outros viventes. Parecia que o morro se tinha distanciado

muito. Arregaçou o focinho, aspirou o ar lentamente, com vontade de subir a ladeira e perseguir os

preás, que pulavam e corriam em liberdade. Começou a arquejar penosamente, fingindo ladrar. Passou

a língua pelos beiços torrados e não experimentou nenhum prazer. O olfato cada vez mais se embotava:

certamente os preás tinham fugido. Esqueceu-os e de novo lhe veio o desejo de morder Fabiano, que

lhe apareceu diante dos olhos meio vidrados, com um objeto esquisito na mão. Não conhecia o objeto,

mas pôs-se a tremer, convencida de que ele encerrava surpresas desagradáveis. Fez um esforço para

desviar-se daquilo e encolher o rabo. Cerrou as pálpebras pesadas e julgou que o rabo estava encolhido.

Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha, sob a cama de varas, e

consumira a existência em submissão, ladrando para juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas. O

objeto desconhecido continuava a ameaçá-la. Conteve a respiração, cobriu os dentes, espiou o inimigo

por baixo das pestanas caídas. Ficou assim algum tempo, depois sossegou. Fabiano e a coisa perigosa

tinham-se sumido. Abriu os olhos a custo. Agora havia uma grande escuridão, com certeza o sol

desaparecera. Os chocalhos das cabras tilintaram para os lados do rio, o fartum do chiqueiro espalhou-

se pela vizinhança. Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de noite? A obrigação dela

era levantar-se, conduzi-los ao bebedouro. Franziu as ventas, procurando distinguir os meninos.

Estranhou a ausência deles. Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre, mas Baleia não

atribuía a esse desastre a impotência em que se achava nem percebia que estava livre de

responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela

hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar. às moitas afastadas. Felizmente os

meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde Sinhá Vitória guardava o cachimbo. Uma noite

de inverno, gelada e nevoenta, cercava a criaturinha. Silêncio completo, nenhum sinal de vida nos

arredores. O galo velho não cantava no poleiro, nem Fabiano roncava na cama de varas. Estes sons não

interessavam Baleia, mas quando o galo batia as asas e Fabiano se virava, emanações familiares

revelavam-lhe a presença deles. Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado. Baleia respirava

depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. Não sabia o que

tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do

pátio desvaneciam-se no seu espírito. Provavelmente estava na cozinha, entre as pedras que serviam de

trempe. Antes de se deitar, Sinhá Vitória retirava dali os carvões e a cinza, varria com um molho de

vassourinha o chão queimado, e aquilo ficava um bom lugar para cachorro descansar. O calor

afugentava as pulgas, a terra se amaciava. E, findos os cochilos, numerosos preás corriam e saltavam,

um formigueiro de preás invadia a cozinha. A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de

Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava,

espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença. Baleia encostava a cabecinha

fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente Sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito

cedo. Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de

Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme,

num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.

Disponivel em: http://www.lettere.uniroma1.it/sites/default/files/528/GRACILIANO-RAMOS-Vidas-secas-livro-

completo.pdfacesso em 24 de fevereiro de 2017.

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33

TEXTO 24

FILME “O QUINZE”

Data de lançamento 25 de maio de 2007 (1h 40min)

Direção: Jurandir de Oliveira

Elenco: Maria Fernanda, Juan Alba, Karina Barummais

Gênero Drama

Nacionalidade Brasil

SINOPSE: 1915, sertão central do Ceará. Uma grande seca dizimou boa parte da população local. A jovem

professora Conceição (Karina Barum), que trabalha em Fortaleza, passa as férias na fazenda de sua avó,

Mãe Inácia (Maria Fernanda Meirelles), no município de Quixadá. Lá ela convive com os problemas da

seca, além de se envolver com seu primo Vicente (Juan Alba). Ele é fazendeiro e está apaixonado pela

prima, mas no momento concentra sua atenção no combate a uma praga de carrapatos e em salvar o gado

da fome. No município também vive Chico Bento (Jurandir Oliveira), que trabalha como vaqueiro na

fazenda de Dona Marocas. Quando recebe ordem de se retirar do local, Chico negocia com Vicente sua

pequena criação em troca de uma burra velha e uma quantia em dinheiro. Ele então parte com sua família

rumo a Fortaleza, enfrentando as dificuldades do percurso.

Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-202245/. Acesso em: 19 de fevereiro de 2017.

TEXTO 25

ORGULHO DE SER NORDESTINO

FLÁVIO JOSÉ

Além da seca ferrenha

Do chão batido e da brenha

O meu nordeste tem brio

Quer conhecer então venha

Que eu vou te mostrar a senha

Do coração do Brasil

São nove estados na raia

Todos com banho de praia

Num céu de anil e calor, são nove

estados unidos

Crescentes fortalecidos

Onde o Brasil começou

E hoje no calcanhar da ciência

Formam uma grande potência

Irrigando o chão que secou

É verdade que a seca inda deixa sequela

Mas foi aprendendo com ela

Que o nosso nordeste ganhou

Deixou de viver de uma vez de esmola

E foi descobrindo na escola

A grandeza do nosso valor

Eu quero é cantar o nordeste

Que é grande e que cresce

E você não conhece doutor

De um povo guerreiro, festivo e ordeiro

De um povo tão trabalhador

Por isso não pise, viaje e pesquise

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Conheça de perto esse chão

Só pra ver que o nordeste

Agora é quem veste

É quem veste de orgulho a nação

Disponível em:https://www.letras.mus.br/flavio-jose/788355/. Acesso em: 21 de fevereiro de 2017

TEXTO 26

EU TENHO VERGONHA DOS NORDESTINOS QUE SE ENVERGONHAM DO NORDESTE!

Bastou o resultado da eleição ser divulgado para que uma

avalanche de preconceitos viessem à tona! As expressões foram as

mais ridículas e as mais ofensivas contra o Nordeste e seu povo.

Mas vamos rememorar algumas coisas? Quando o segundo turno se

iniciou, o marketing tucano levou a TV, às rádios e às ruas uma forte

campanha de sedução dos nordestinos. Um adesivo propagava “tenho

orgulho de ser nordestino. Voto Aécio 45.”

Terminada a apuração, o tal orgulho virou, nas palavras de

alguns, “vergonha”. Não foram poucos os que se disseram

envergonhados da sua naturalidade, dentre estes até figuras políticas que capitaneavam a tal campanha

marqueteira do PSDB e seus aliados. Esta confissão vinha acompanhada de uma série de impropérios: "o

nordestino é vendido ao bolsa família”, “os nordestinos são reféns do assistencialismo”, “os nordestinos

não sabem votar” ...

O que ficou escancarado é que o tal orgulho era mesmo só invenção marqueteira, coisa criada

para conquistar o voto, tentativa de ludibriar o povo do Nordeste! Pois bem. O que eles não esperavam era

que a nossa gente mostrasse o quanto é inteligente, que ela não se deixa enganar e que abestado é quem

pensa ser mais sábio que o povo baiano, pernambucano, piauiense, paraibano, alagoano...

Sabemos comparar discurso e prática, recorremos a história e a confrontamos com o presente,

não nos deixamos seduzir por mudanças irreais, surreais e mentirosas ou por palavras bonitas e sem

conteúdo!

Êita povo arretado de sabido! Tenho muito orgulho de ser nordestino, mais ainda de ser baiano e ainda

mais de ser juazeirense!!!

Clériston Andrade - Secretário Municipal da Educação e Esportes

Disponívelem:https://www.geraldojose.com.br/index.php?sessao=noticia&cod_noticia=56601. Acesso em: 19 de fevereiro de

2017.

TEXTO 27

QUEM É ESSE CABRA?

Poeta desde os 14 anos, Bráulio Bessa usou a internet para

promover um verdadeiro resgate da literatura de cordel através das

redes sociais. Seus vídeos com declamações já ultrapassaram a marca

de 40 milhões de visualizações e sua poesia é propagada para um

número incalculável de pessoas através do programa Encontro com

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Fátima Bernardes, da TV Globo, onde integra o elenco fixo encanta nosso povo no quadro POESIA COM

RAPADURA. Criou o projeto “Nação Nordestina” com mais de um milhão de fãs/seguidores e um alcance

médio de dez milhões de pessoas por mês. É considerado hoje o maior ativista da cultura nordestina na

internet.

Em sua palestra, Bráulio conta a história do matuto sonhador de Alto Santo no interior do Ceará que, sem

precisar abandonar o sertão, criou um dos maiores movimentos virtual de divulgação da cultura nordestina

no planeta e se tornou um dos mais importantes empreendedores sociais do país. Uma palestra repleta de

elementos como poesia de cordel, causos da sabedoria popular, humor e principalmente a mais pura

gaiatice cearense, tudo isso interligado à motivação, empreendedorismo e ao instinto batalhador e sonhador

do povo nordestino.

Disponível em: https://www.brauliobessa.com/ acesso em 22 de fevereiro de 2017.

TEXTO 28

PATATIVA DO ASSARÉ

POETA POPULAR

Biografia de Patativa do Assaré

Patativa do Assaré (1909-2002) foi um poeta popular, compositor, cantor e

repentista brasileiro. Foi um dos maiores poetas populares do Brasil. Com uma

linguagem simples, porém poética, retratava a vida sofrida e árida do povo do

sertão. Projetou-se com a música "Triste Partida" em 1964, uma toada de

retirantes, gravada por Luiz Gonzaga, o rei do baião.

Seus livros, traduzidos em vários idiomas, foram tema de estudos na

Sorbonne, na cadeira de Literatura Popular Universal.

Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva) (1909-2002) nasceu no município de Assaré, interior do

Ceará, a 623 km da capital Fortaleza. Filho dos agricultores Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da

Silva, ainda pequeno ficou cego do olho direito. Órfão de pai aos oito anos de idade começou a trabalhar

no cultivo da terra.

Com pouco acesso à educação, frequentou durante quatro meses sua primeira e única escola onde aprendeu

a ler e escrever e se tornou apaixonado pela poesia.

Logo começou a fazer repentes e se apresentar em festas locais. Antônio Gonçalves da Silva recebeu o

apelido de Patativa, pois sua poesia era comparada à beleza do canto dessa ave. Foi casado com Belinha,

com quem teve nove filhos. Com vinte anos começou a viajar por várias cidades nordestinas e diversas

vezes se apresentou na Rádio Araripe.

Com uma linguagem simples, porém poética, retratava em suas poesias o árido universo da caatinga

nordestina e de seu povo sofrido e valente do sertão. Viajou para o Pará em companhia de um parente José

Alexandre Montoril, que lá morava, onde passou cinco meses fazendo grande sucesso como cantador. De

volta ao Ceará continuou na mesma vida de pobre agricultor e cantador. Sua projeção emtodo o Brasil se

iniciou a partir da gravação de "Triste Partida" em 1964, toada de retirante de sua autoria gravada por Luiz

Gonzaga, o Rei do Baião. Teve inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais e

publicou "Inspiração Nordestina" (1956), "Cantos de Patativa" (1966). Figueiredo Filho publicou seus

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poemas comentados em Patativa do Assaré (1970). Gravou seu primeiro LP "Poemas e Canções" (1979)

uma produção do cantor e compositor cearense Fagner. Apresentou-se com o cantor Fagner no Festival de

Verão do Guarujá (1981), período em que gravou seu segundo LP, "A Terra é Naturá", lançado também

pela CBS.

A política também foi tema da obra e de sua vida. Durante o regime militar, ele criticava os militares e

chegou a ser perseguido. Participou da campanha das Diretas já, em 1984 e publicou o poema "Inleição

Direta 84".

Ao completar 85 anos foi homenageado com o LP "Patativa do Assaré - 85 Anos de Poesia" (1994), com

participação das duplas de repentistas Ivanildo Vila Nova e Geraldo Amâncio e Otacílio Batista e Oliveira

de Panelas. Tido como fenômeno da poesia popular nordestina, com sua versificação límpida sobre temas

como o homem sertanejo e a luta pela vida, seus livros foram traduzidos em diversos idiomas e tornaram-se

temas de estudo na Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor

Raymond Cantel.

Antônio Gonçalves da Silva, sem audição e cego desde o final dos anos 90, morre em consequência de

falência múltipla dos órgãos, no dia 8 de julho de 2002, em sua casa, em Assaré, Ceará, aos 93 anos.

POESIAS DE PATATIVA DO ASSARÉ:

A Festa da Natureza

ABC do Nordeste Flagelado

Aos Poetas Clássicos

A Terra dos Posseiros de Deus

A Terra é Naturá

A Triste Partida

Caboclo Roceiro

Cante Lá, Que Eu Canto Cá

Dois Quadros

Eu Quero

Flores Murchas

Inspiração Nordestina

Linguagem dos Óio

Mãe Preta

Nordestino Sim, Nordestino Não

O Burro

O Peixe

O Poeta da Roça

O Sabiá e o Gavião

O Vaqueiro

Vaca Estrela e Boi Fubá

Disponível em: https://www.ebiografia.com/patativa_assare/. Acesso em 22 de fevereiro de 2017.

TEXTO 29

A TERRA É NOSSA

PATATIVA DO ASSARÉ

A terra é um bem comum

Que pertence a cada um.

Com o seu poder além,

Deus fez a grande Natura

Mas não passou escritura

Da terra para ninguém.

Se a terra foi Deus quem fez,

Se é obra da criação,

Deve cada camponês

Ter uma faixa de chão.

Quando um agregado solta

O seu grito de revolta,

Tem razão de reclamar.

Não há maior padecer

Do que um camponês viver

Sem terra pra trabalhar.

O grande latifundiário,

Egoísta e usurário,

Da terra toda se apossa

Causando crises fatais

Porém nas leis naturais

Sabemos que a terra é nossa.

Disponível em: http://cacalopes.com.br/literatura-cordel/a-terra-e-nossa/. Acesso em: 22 de fevereiro de

2017.

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TEXTO 30

O VÔO DO PATATIVA

Dideus Sales

O sertão está de luto,

Sem sinfonia a aurora,

Pois a ave que cantava

O povo, a fauna e a flora

Sem sequer nos dar adeus

Alçou vôo e foi embora.

Calejado pelos anos,

Com noventa e três de idade

Mas com plena lucidez,

Muita sensibilidade.

Sua ausência nos cobriu

Com o véu frio da saudade.

Deu voz a uma lçegião

De rurícolas sem clareza;

Até falando em desgraça,

Seu canto tinha beleza

Porque recebeu as aulas

Do Mestre da natureza.

Sua poesia jorrou

Na viola e no repente,

Cantou saudade e tristeza

Miséria, seca e enchente.

Sua obra o transformou

Num símbolo da nossa gente.

Puro e simples como a flor,

Um gênio da raça humana,

Viveu como lavrador,

Morando numa choupana

Plantando e colhendo versos

Lá na terra de Santana.

Mesmo sem ter estudado

Não se fez ignorante,

Nutria um amor telúrico

Por seu torrão escaldante

Onde fez Triste Partida

A saga do retirante.

Sempre lutou para o povo

Não ser massa de manobra,

Teve humildade em excesso

Teve inspiração de sobra.

Não há quem saiba estimar

O valor de sua obra.

Mais que um poeta-maior

Um vate fenomenal,

Poesia genuína,

Improviso natural

Fazia das rimas arma

Na defesa social.

Cantou nossa gente simples

Do sertão com maestria;

Defendendo as injustiças,

Protestando a covardia,

Sua arma era o verso,

Munição, a poesia.

Guardo viva a sua imagem

Fazendo versos com esmero,

Glosando com muita prática,

Rimando sem exagero

Que da poética matuta

Só ele tinha o tempero.

Sua mensagem profética

Encheu o sertão de amor,

Sua genialidade

Trouxe a lume o seu valor,

O sertão chora a saudade

Do seu eterno cantor.

Voa, Patativa, voa

Para o céu de Jeová.

Vou ficando por aqui

Poetizando o Ceará.

Você no céu, eu na terra,

Cante lá que eu canto cá.

Disponível em:http://mundocordel.blogspot.com.br/2007/09/patativa-do-assar.html. Acesso em: 22 de fevereiro de 2017.

TEXTO31

SINOPSE: AS VELHAS, DE LOURDES RAMALHO

As Velhas, peça de Lourdes Ramalho, é um duelo manchado de rancor, amargura e paixão, que

conserva no texto toda a pureza da comunicação dos sertanejos. A obra de Lourdes Ramalho, ao mesmo

tempo em que preserva elementos culturais nordestinos com suas tramas cordelescas, falares entremeados

de regionalismos, denúncia da Indústria da Seca, mostra também personagens delineados

psicologicamente, como “Mariana” e “Vina”, apresentadas ao espectador no desenrolar da trama.

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E no sertão o universo humano aparece, do amor ao ódio, do político-social ao familiar, os conflitos

vão permitindo ao espectador indagar, se indignar, sorrir ou chorar, já que cada um pode ver como seu

olhar lhe permite.

Disponível em: http://www.passeiweb.com/estudos/livros/as_velhas. Acesso em: 23 de fevereiro de 2017.

TEXTO 32

Personagens Mariana, sertaneja na faixa dos 40 anos Chicó, seu filho, 20 anos Branca, filha de 16 anos

Tomás, mascate de 30 anos Vina, mulher de 45 anos José, seu filho, 22 anos

Cenário Toda a ação se passa em três planos: a oiticica1, onde se arrancha a família dos retirantes,a casa

de Vina e uma nesga de mato, ponto de encontro ou espécie de esconderijo.

CENA 01

Chicó- Mariana e Branca, com pequena bagagem às costas, procurando abrigo.

Chicó- Mãe, vamo parar com essas andança e ficar aqui até chegar o inverno. A senhora já viu que todo

lugar, nesse tempo, é como cantiga de perua – de pior a pior.

Mariana-Num é os lugar que me desinquieta, meu filho, é os serviço pesado que botam pra riba de você,

como se fosse qualquer flagelado acostumado a pegar no eito.

ChicóTá certo que eu nunca fui flagelado, mas chega tempo em que a situação dá pra isso – e quem é

homem tem que enfrentar toda versidade de trabalho.

Mariana-Mas lhe castigarem desse jeito na picareta, botando serrote abaixo pras estrada passar – pensa

que num vejo o seu sofrer, se virando a noite inteira na tipóia, sem poder pegar no sono – as mãos inchada

de fazer dó?

Chicó-Ora, mãe, as mãos é minha... E a senhora, por que num dorme?

Mariana-Acha que posso pregar os olhos vendo você num serviço que só Satanás aguenta? – Aquilo tira a

sustança de qualquer cristão.

Chicó-Besteira, mãe – com esse cabra aqui ninguém pode não. (Retirando dum saco um ganzá que segura

carinhosamente, começa a sacudi-lo, cantando.)

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— Pode chover canivetequem tá falando é Chicó fio de dona Mariana macho nascido nas brenha do sertão

do Piancó.

Branca-(Que observava o local, absorta.) Deixa de tua leseira, Chicó, e resolve se a gente fica aqui ou

não... Eu tou é cansada – e quando a gente tá enfadada só quer mesmo é canto pra sossegar...

Chicó-Enfadada? – Quem fala. Vinha passando de grande na boléia do caminhão. – Avalie quem vinha

sacolejando no lastro, bolando mais que xexo em ladeira...

Branca-Tou cansada de viver pra riba e pra baixo, os cacareco na cabeça, como se a gente tivesse sido a

vida toda retirante...

Chicó-E você pensa que é o quê? – A princesa Cesarina ou alguma baronesa? Ai que essa mocinha agora

tá que nem o sol – tudo lhe fede a sangue real.

Branca-Ora, a gente sempre teve onde morar, com que passar, sempre foi considerado – e agora deu pra

correr mundo... Podia ter ficado em casa, como gente decente...

Mariana-(Que escutava.) E que diabo você queria ficar fazendo naquele desterro? – Comendo lagartixa

assada ou fazendo vida de santa?

Branca-Se a gente num tivesse saído aparecia um jeito. Das outras vez ninguém saiu e escapou tudo – até

as criação.

Mariana-Mas isso foi das outras vez. – Mas dessa feita – num tem jeito que dê jeito... (Veemente.) Será

que você num via a urubuzada nas carniça dos bicho morto, as ossada quarando no sol, nem a derradeira

rês, que, pra num morrer de fome, tive que vender por pouco mais que nada?

Chicó-(Limpando o ganzá, a quem dedica um carinho todo especial.) Isso já

passou minha gente. É meter os peito de novo. Pra que tamovivo? – Só tenho

um prazer: tamo de retirada com os piquáio no lombo, mas nunca baixemo o

cangote. Sempre seguimo o conselho da velha que toda vida diz: “Quem se

abaixa demais... o cu aparece”.

Branca-Chicó fala se opando todo, como se fosse o dono do mundo... Oxente.

Já vi torres mais alta cair...

Mariana-(Irritada.) Larguem de bate-boca sem futuro e venham coidar da vida

que o tempo tá passando.

Chicó-E num já tamocoidando?

Mariana-(Surpresa.) Então a gente fica aqui mesmo?

Chicó-Pra que melhor? – Uma oiticica com um sombrão de fazer gosto, toda cercada em redor de

marmeleiro – quem fez esse rancho fez caprichado – e tem a vantagem de ficar em riba da cacimba e até

perto do barracão, uma meia leguinha só... Parece até coisa prometida por Deus...

Branca-(Ainda incrédula.) Como é, a gente fica aqui mesmo?

Mariana-(Sempre irritada.) Vocês num já resolveram? (Suspirando.) Fica-se até quando Jesus quiser...

Branca-(Desconfiada.) Ih, tás escutando essa, Chicó?

Mariana-Arre, menina, o futuro a Deus pertence. Você acha que agora a gente vai tirar galé4 numa beira-

de-estrada? – Fica-se enquanto der certo – quando num der...

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Branca-(Completando o raciocínio da mãe.) ...pernas pra que te quero, num é mãe? – É como das outras

vez – a senhora na frente, feito zelação e nós no rastro.

Mariana-(Amargurada.) E quem me fez virar zelação? — Vocês. Será por gosto? Tá esquecida do que

aconteceu no Rio Grande?

Branca-Ô mãe, e o que aconteceu também no Ceará, no Pernambuco... Em todo canto a senhora arranja

uma conversa mole pra dar o pira...

Chicó-Que gosto vocês duas tem de desenterrar defunto, hein? – Vamo tratar da vida, botar os terém nos

canto antes que chegue outros e tome conta do rancho. Branca, vigie aí uns garrancho e faça uma

vassourinha pra ir limpando o terreiro... E a senhora, mãe, que é velha, se assente ali e vá tomar o seu

deforete...

Mariana-(Cede, à força, ao carinho do filho e senta sobre o único caixote existente e que faz as vezes de

móvel.) Essa sua irmã tem o costume ruim de passar as coisa na cara da gente... Diz cada uma que me fica

atravessada aqui. (Gesto na garganta.)

Branca-Ora, a senhora quer me culpar de ter saído do Seridó... Enquanto a gente foi pequeno até que se

ficou quieto num canto, mas quando se cresceu, a senhora jurou tanto que afinal deu pra correr mundo –

atrás de que num sei...

Mariana-(Misteriosa.) Mas sei eu... É um causo comigo mesma, que

num tem nada a ver com vocês...

Branca-Mas a gente é que paga o pato. – Por que foi que se saiu do

Juazeiro?

Mariana-Ali foi aquele desgraçado que começou com zonzeira com seu

irmão. Duro com duro não dá bom muro... Vivia se jurando um ao outro.

– Se a gente ficasse lá, eles acabava se esfaqueando.

Chicó-(Que fazia a arrumação.) Mas pia mesmo. Aquilo era um frouxo.

Na primeira vez que eu cantei o bicho ele correu com a sela.

Mariana-Num é o que eu digo? – Você mesmo gosta de comprar briga,

meu filho. – É você na valentia e sua irmã na...

Branca-Lá vem mãe com a inticança de novo. A senhora mesmo inventa.

Mariana-Inventa? – Minha filha, eu num tou caduca, num sou doida e nem bebo cachaça pra num saber do

que se passa. – Você quer dizer agora que nunca deu cabimento àquele pilantra?

Branca- Agora sim. – Eu num digo que tou mole mesmo?

Mariana-(Zangada.) E num fique aí dando muxoxo e se fazendo de inocente não. Eu ia lá aguentar ver

aquele papangu de novena passar dez vez por dia no meu terreiro, passando e quebrando, quebrando em

ponto de torcer o pescoço, até se encobrir na curva?

Branca-(Desdenhosa.) Pra mim é que ele num quebrava...

Mariana-Senum era pra você – era pra mim ou pra Chicó, pois, só tinha nós três em casa.

Chicó-Pra mim, vôtes. – Tenho lá cara de veado!

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6

Branca-Tá bom, tá bom, num já viemo embora, num já tamo aqui? – Agora é coidar de ficar e pronto. Mas

ficar mesmo, viu?

Mariana-É sua irmã que pega com as animação dela com qualquer catraia – e inda vem com pilerinha,

como se eu fosse qualquer troço que num merecesse respeito...

Chicó-Mãe, já que ninguém quer ajeitar nada – vou na cacimba ver água... pode ser que assim esse comer

saia... (Pega o pote.) – E façam logo o fogo, já quero sair pro serviço armoçado! (Sai dizendo coisas.)

Branca-(Assustada.) Taí, Chicó afobou-se. Vamo logo botar as coisas nos canto, mãe. (Conciliatória.) Eu

faço a cozinha desse lado porque ali tem galha boa de armar rede, num é?

Mariana-(Ainda amuada.) Faça do jeito que quiser... (Noutro tom.) Eu, que já tou assentada, vou

fuxicando os calção de trabalho dele. (Branca começa a varrer. Mariana costura, pensativa.) – Ai que dor

nas cruz. (Fala só.) Tou mais banida que couro-de-pisar-fumo. – Também, viver que nem judeu errante...

Mas, já comecei vou até o fim... Esperei a vida inteira por isso: andar, andar até achar aquele ingrato.

(Suspira.) – Talvez fosse melhor ter morrido tudo em casa, numa ruma feito tapuru... Mas as leis de Deus

tem que ser justa, tem que fazer ela pagar tim-tim por tim-tim todo o mal que me fez...

RAMALHO, Maria de Lourdes Nunes. Teatro de Lourdes Ramalho: 2 textos para ler e/ou montar. Edição comemorativa do 30º.

Aniversário (1975-2005) de As Velhas + O Trovador Encantado. Organização, apresentação, notas e estudos: Valéria Andrade e

Diógenes Maciel. Campina Grande / João Pessoa: Bagagem / Idéia, 2005.

TEXTO 33

LOURDES RAMALHO

Maria de Lourdes Nunes Ramalho, que ficou conhecida apenas

como Lourdes Ramalho, nasceu em 23 de agosto de 1923, no sertão de

Jardim do Seridó, fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba, numa

família de artistas e educadores.

A maior parte de sua produção literária é de textos para teatro. O

primeiro texto teatral foi escrito em 1939, durante sua adolescência. Nos

30 anos seguintes, conciliando seu o ofício de dramaturga e poeta com o

de professora, encontra espaço para suas atividades de animação cultural,

voltadas especialmente para a cena teatral. De 1975 em diante, após a

primeira montagem teatral do seu texto "As Velhas", seus textos

começam a ser montados fora de Campina Grande, na Paraíba, onde reside até hoje.

No final dos anos 1950, início dos anos 1960, enquanto no Sul do País, a cena teatral era renovada

pelo Teatro de Arena, em São Paulo, em Recife, um grupo de atores, intelectuais e poetas, como Hermilo

Borba Filho e Ariano Suassuna, tomam a tarefa de renovar a cena teatral local, com o Teatro Popular do

Nordeste.

No Estado vizinho surge o Teatro do Estudante da Paraíba, também visando a cultura popular.

Cresce um movimento em torno do Teatro Santa Roza, em João Pessoa, e do recém-construído Teatro

Severino Cabral, em Campina Grande. Já na primeira metade dos anos 1970, entre outros nomes da

dramaturgia local, como Paulo Pontes, Lourdes Ramalho ganha projeção.

São desta época, peças como "Fogo-fátuo", "As Velhas", "A Feira", "Os Mal-Amados" e "A

Eleição", com as quais desponta no cenário teatral do País, com a proposta de reinventar no palco o

universo nordestino, valorizando sua herança cultural. A partir dos anos 1990, ela passa a dar mais ênfase a

uma dramaturgia em cordel.

Autora de extensa obra publicada, celebrada como grande dama da dramaturgia nordestina,

premiada no Brasil, em Portugal e na Espanha em inúmeros concursos de dramaturgia e festivais de teatro,

é uma das expressões mais significativas da dramaturgia contemporânea brasileira de autoria feminina.

Disponível em: http://www.teatronaescola.com/index.php/banco-de-pecas/category/lourdes-ramalho. Acesso em: 21 de fevereiro de 2017.