Módulo iiic são tomás de aquino

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Curso Ciência e Fé Módulo IIIC São Tomás de Aquino © Bernardo Motta [email protected] http://espectadores.blogspot.com

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Curso Ciência e FéMódulo IIIC – São Tomás de Aquino

© Bernardo Motta

[email protected]

http://espectadores.blogspot.com

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Curso Ciência e Fé

I – Introdução

II – Filosofia Grega e Cosmologia Grega

III – Filosofia Medieval e Ciência Medieval

IV – Inquisição e Ciência

V e VI – O Caso Galileu

VII – A Revolução Científica

VIII – Darwin e a Igreja Católica

IX – Os Argumentos Cosmológico e Teleológico

X – Filosofia da Mente e Inteligência Artificial

XI – Milagres e Ciência

XII – Concordância entre Cristianismo e Ciência

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1. Introdução

2. O cristianismo primitivo e o conhecimento grego

3. Santo Agostinho

4. Ciência Medieval

5. São Tomás de Aquino

6. Conclusão

Índice

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São Alberto Magno (c. 1193/1206-1280)

Nascido na Baviera, foi educado em Pádua

1221-23: torna-se Dominicano; recebe formação teológica em Colónia

1228: termina os estudos teológicos, torna-se Professor em várias cidades

1241-42: segue para a Universidade de Paris; Mestre em Teologia em 1245

1245-48: São Tomás de Aquino é seu aluno

1248: Alberto volta para Colónia para chefiar os “estudos gerais” dominicanos

1248-52: São Tomás estuda com Alberto em Colónia, depois volta para Paris

1254-56: Alberto é prior provincial dos dominicanos na Alemanha

1260-63: Alberto é eleito Bispo de Ratisbona; de 1263 a 1274 percorre o país

1274: Alberto recebe a notícia da morte de São Tomás

1277: condenações anti-averroístas: Alberto vai para Paris defender a reputação de São Tomás

1280: Alberto morre em Colónia

1931: o Papa Pio XI declara Alberto Magno Santo e Doutor da Igreja

1941: o Papa Pio XII declara Alberto o santo padroeiro das Ciências Naturais

Alberto contribuiu para a Lógica, Psicologia, Metafísica, Meteorologia, Mineralogia e Zoologia

São Tomás de Aquino

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São Tomás de Aquino (1225-1274)

1225: Nasce em Roccasecca, no castelo da sua família, perto de Aquino

Filho de Landulfo, Conde de Aquino, e de Teodora, Condessa de Teano

1230: Enviado para ser educado em Monte Cassino, abadia beneditina

1236: Enviado para a Universidade de Nápoles

1243/44: Decide entrar para a Ordem dos Pregadores (Dominicanos)

Teodora, perturbada com a opção do filho pela pobreza, viaja para Nápoles

Tomás convence os seus superiores: irá para para Roma, e depois para Paris

São Tomás de Aquino

5

«Se queremos estudar [S. Tomás de] Aquino temos que ter para com ele a

consideração de tratar como importante o que ele considerava importante. Estudar

Aquino como Aquino é uma forma pobre de adulação, pois Aquino preocupava-se

muito pouco com Aquino, enquanto que ele se preocupava com Deus e com a

ciência» - C. F. J. Martin, Thomas Aquinas: God and Explanations, p. 203

«o estudo da filosofia não consiste em saber o que [certos] indivíduos pensavam,

mas como as coisas são» - São Tomás de Aquino, Sententia de caelo et mundo, I.22

Roccasecca

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São Tomás de Aquino (1225-1274)

Teodora envia os seus filhos Landulfo e Reinaldo “à caça” de Tomás

Eles interceptam o seu irmão antes de Roma, perto de Acquapendente

Levam-no para um castelo familiar: Monte San Giovanni Campano

Num ano de “prisão domiciliária”, Tomás decora a Bíblia e os quatro livros das Sentenças de Pedro Lombardo, um importante tratado teológico

São Tomás de Aquino

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Monte San Giovanni Campano

A Tentação de São Tomás de Aquino, Diego Velazquez (1631-32)

Durante esse período, as suas duas irmãs tentam demovê-lo da sua vocação, sem sucesso; a sua mãe Teodora desespera

Os seus irmãos tentam um último truque: uma prostituta

Tomás afugenta-a com um madeiro em brasa e ela foge

Mesmo antes da sua morte, Tomás revelará ao seu confessor, Frei Reinaldo, que nesse dia foi assistido em sonhos por dois anjos que apertaram a sua cintura com uma faixa

Segundo São Tomás, depois dessa data, ele nunca mais teve grande dificuldade em viver uma vida de castidade

A sua mãe Teodora desiste e deixa-o seguir a sua vocação

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São Tomás de Aquino (1225-1274)

1245-48: Aluno de Alberto Magno em Paris

1248-52: Em Colónia, com Alberto Magno, no “studium generale”

Tomás falha a sua primeira discussão teológica

Alberto: “Chamamos-lhe o boi mudo, mas um dia do seu ensino sairá um mugido que será ouvido na Terra inteira!”

1252: De volta a Paris para estudar para o grau de Mestre

1252-56: De ente et essentia

1256: Obtém o grau de Mestre em Teologia e começa a ensinar

1256-59: Quaestiones disputatae de Veritate

1259-69: Nápoles, Orvieto, Roma e Santa Sabina

1261-63: Summa contra Gentiles

1269-72: De volta a Paris como regente da Universidade

1270: De unitate intellectus adversus averroístas

1272-74: De volta a Nápoles e Orvieto; morre na Sicília em 1274

1265-73: Summa Theologica

6-12-1273, ao celebrar missa em Nápoles, tem uma visão mística

Diz a Reginaldo de Piperno: “tudo o que escrevi me parece palha” (“mihi videtur ut palea”)

São Tomás de Aquino

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Universidade de Paris (no manuscrito medieval “Chants royaux”, BNP)

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Ontologia (São Tomás de Aquino, “De principiis naturae”, Capítulos I e II)

São Tomás de Aquino

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«Este pequeno tratado oferece uma introdução

ideal aos conceitos básicos e princípios

hilemórficos de metafísica e filosofia da

natureza. Para além das suas óbvias virtudes

de síntese e claridade, o que é realmente

notável na apresentação de Aquino é que torna

claro de que forma os princípios e as distinções

conceptuais aqui introduzidas são aplicáveis de

forma geral, independentemente das nossas

particulares explicações científicas ou físicas

dos fenómenos que achamos que elas

instanciam.» - Gyula Klima

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Ontologia (De principiis naturae, Capítulos I e II)

Acto e Potência

“Chama-se ser em potência ao que pode existir e não existe, e ser em acto ao que já existe”

Substância e acidente

“(…) há duas espécies de ser: o ser essencial ou substancial de uma coisa, por exemplo, ser um homem, e isto é o ser considerado em si mesmo; e o ser acidental, como é o caso de o homem ser branco, e isto é o ser considerado sob relação particular.”

Matéria e forma

“Assim como tudo o que existe em potência pode ser chamado matéria, também tudo o que tem existência, qualquer que seja a existência, substancial ou acidental, pode chamar-se forma. (…) E porque a forma torna o ser em acto, eis a razão de se afirmar que a forma é acto. A forma substancial, porém, é aquela que faz existir em acto um ser substancial; a forma acidental é aquela que faz existir em acto um ser acidental.”

Geração e corrupção

“(…) a geração de um ser é movimento para a forma (…): à forma substancial responde a geração propriamente dita; à forma acidental responde a geração sob uma relação particular. (…) A esta dupla geração corresponde uma dupla corrupção: simples ou acidental.”

“(…) para haver geração requerem-se três coisas: o ser em potência, que é a matéria; o não ser em acto, que é a privação; e aquilo mediante o qual se torna em acto, que é a forma.”

“A geração não se opera a partir do que pura e simplesmente não existe, mas a partir de um não ente que existe em determinado sujeito e não em qualquer sujeito.”

São Tomás de Aquino

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Ontologia (De principiis naturae, Capítulo III)

Causa material e causa formal

“(…) são três os princípios da realidade natural: a matéria, a forma e a privação. Mas estes três princípios

não são suficientes para a geração.”

Para Aristóteles e São Tomás, a matéria e a forma são causas, mas a privação não o é

Causa eficiente

“De facto, o que existe em potência não pode por si mesmo passar a acto, tal como o cobre que existe em potência

para ser estátua não se faz por si mesmo estátua, mas precisa de um operador para que a forma da estátua saia

da potência ao acto.”

“Também a forma não pode por si mesma passar da potência ao acto (falo da forma do objecto gerado, da forma

que é ponto de chegada da geração), pois a forma só existe no ser do objecto produzido. (…) Importa, portanto,

que para além da matéria e da forma, haja algum princípio activo. É o que se chama causa eficiente, ou motora, ou

agente, ou de onde surge o princípio do movimento.”

Causa final

“E porque, na palavra de Aristóteles no segundo livro da Metafísica, tudo o que age só age em vista de alguma

coisa, importa que exista um quarto princípio, entendido pelo operador, e este chama-se fim. Advirta-se que,

embora todo o agente, tanto natural como voluntário, tenda a um fim, não se segue, todavia, que todo o agente

conheça o fim ou sobre ele delibere.”

Causas intrínsecas e extrínsecas

“(…) Aristóteles, no livro da Física, estabelece a existência de quatro causas e três princípios. (…) A matéria e a

forma são consideradas intrínsecas, por serem partes constitutivas de uma coisa; a causa eficiente e a causa

final são chamadas extrínsecas, porque são externas ao objecto produzido. Mas por princípios considera só as

causas intrínsecas. Não se nomeia entre as causas a privação, por ser princípio acidental, como foi dito.”

São Tomás de Aquino

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São Tomás de Aquino

Essência e Existência

Ente ("ens")

Ente real ("ens reale"): existe independentemente de um intelecto

Por exemplo, uma pedra

Ente racional ("ens rationis"): existe pela operação de um intelecto

Por exemplo, uma afirmação verdadeira ou falsa: "Isto é uma pedra", "Esta pedra respira"

Ente real => Ente racional

Acerca de todos os entes reais podemos formular entes racionais

Mas nem todos os entes racionais têm correspondência com um ente real

P. ex.: "a cegueira é a privação da visão" ("cegueira" não é um ente real mas racional)

Essência ("essentia")

O que faz uma coisa ser o que ela é, e de onde provêm, por causa formal, as suas propriedades

A essência de uma coisa é o que é expresso pela sua definição (De Ente et Essentia, I, 3)

A essência é a resposta à pergunta: “Quid?” (“O quê?”)

Por esta razão, a essência é também chamada de “quididade” por São Tomás

A essência das coisas naturais inclui a matéria e a forma (fazem parte da definição)

Existência ("esse")

A existência é acto de existir, ou seja, o acto pelo qual um ente ("ens") existe

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São Tomás de Aquino

O Princípio da Causalidade

“Nada pode ser reduzido da potencialidade à actualidade sem ser através de algo num estado de

actualidade” – Suma Teológica, I, questão 2, artigo 3

Aplicações do princípio:

T1: “Tudo o que é mudado é mudado por algo de distinto”

T2: “Tudo o que começa a existir tem uma causa”

T2a: “Tudo o que é contingente tem uma causa”

T3: “Tudo o que é composto tem uma causa, pois coisas distintas entre si não se podem unir sem

algo que cause a sua união” – Suma Teológica I, questão 3, artigo 7

Contra o princípio da causalidade:

O argumento de David Hume

O argumento de Bertrand Russell

A objecção baseada na lei newtoniana da inércia

As objecções baseadas na mecânica quântica

A objecção de Duns Escoto baseada no movimento próprio

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São Tomás de Aquino

Contra o Princípio da Causalidade: o argumento de David Hume

David Hume, “Treatise of Human Nature”, Livro I, Parte III, Secção III

1. Tudo o que é distinguível pode ser concebido como sendo separável

2. Causa e efeito são distinguíveis

3. Logo, a causa e o efeito podem ser concebidos como sendo separados um do outro

4. Tudo o que é concebível é possível na realidade

5. Logo, a causa e o efeito podem ser separados um do outro na realidade

O que está errado neste argumento?

O ponto 2 é pacífico, mas os pontos 1 e 4 são altamente problemáticos

Hume confunde conceitos mentais (“concebível”) com imagens mentais (“imaginável”)

Os conceitos são universais abstractos e objectivos (“triângulo”, “metal alcalino”, “coelho”, “causa”)

As imagens são entidades mentais concretas e subjectivas (S. Tomás chama-as de “fantasmas”)

É possível imaginar um efeito separado da sua causa

Mas não é possível conceber um efeito sem causa

É possível imaginar um coelho sem imaginar que tenha pais

Mas não é possível conceber que um coelho possa existir sem ter pais13

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São Tomás de Aquino

Contra o Princípio da Causalidade: o argumento de David Hume

É então possível que exista um efeito sem causa?

Determinar o que é possível implica uma rigorosa análise conceptual, e não apenas usar a imaginação

Hume supõe que uma distinção real entre duas coisas implica que elas sejam separáveis

Mas isso é falso: conceber A sem conceber B não implica:

Que A possa existir sem B existir

Que A seja separável de B

Um exemplo (adaptado de Feser):

É possível conceber um triângulo sem ao mesmo tempo conceber que a soma dos seus ângulos

internos é de 180 graus (como acontece com uma pessoa sem conhecimentos matemáticos)

Todavia, não existem triângulos cujos ângulos internos não somem 180 graus

Outro exemplo (retirado de Reichenbach):

O lado côncavo de uma taça é distinto do seu lado convexo

Todavia, o lado côncavo da taça não pode existir sem o lado convexo

Todavia, o lado côncavo da taça não é separável do lado convexo

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Page 15: Módulo iiic   são tomás de aquino

São Tomás de Aquino

Contra o Princípio da Causalidade: o argumento de Bertrand Russell

Russell, “On the Notion of Cause”, 1913

A Física descreve o mundo através de equações diferenciais sem referência a causas

“Nos movimentos de corpos mutuamente gravitantes não há nada que possa ser chamado uma

causa, e nada que possa ser chamado um efeito; há meramente uma fórmula”

A relação causa-efeito é temporalmente assimétrica e as equações do movimento são simétricas

Logo, o conceito de causa deve ser eliminado do vocabulário filosófico

O que está errado neste argumento?

A Física não nos dá uma descrição exaustiva da realidade: é um exercício de abstracção

Se a ausência de causas e efeitos das equações servisse para provar que elas não existem,

então teríamos que rejeitar conceitos científicos tais como: evento, lei, explicação, prova, etc.

A Física recorre a noções causais (p.ex.: a gravidade causa a atracção de corpos com massa)

A causa imediata de um efeito é simultânea com ele:

A mesa é a causa de o prato não cair ao chão sob o efeito da gravidade, e em cada

momento, a causa e o efeito imediato são simultâneos

Quando uma pedra estilhaça um vidro, a pedra é a causa, e o vidro estilhaçado é o efeito, e

no entanto, a pedra a pressionar o vidro (causa) e este a ceder fragmentando-se (efeito)

são as duas “faces” do mesmo evento temporal15

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São Tomás de Aquino

Contra o Princípio da Causalidade: a objecção baseada na lei da inércia

“it seems that Newton’s law wrecks the argument of the First Way.” – Anthony Kenny

Do PC, deduzimos T1: “Tudo o que é mudado é mudado por algo de distinto”

Trata-se da primeira premissa da primeira “via” tomista para demonstrar a existência de Deus

Primeira Lei de Newton (“Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica”, p. 13):

“Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uniformiter in directum, nisi

quatenus illud a viribus impressis cogitur statum suum mutare”

“Todos os corpos perseveram no seu estado de repouso ou de movimento uniforme rectilíneo,

excepto na medida em que sejam forçados a mudar o seu estado devido a uma força impressa”

1. Não existe contradição formal entre T1 e a Primeira Lei de Newton

A Primeira Lei apenas diz o que fará qualquer corpo não sujeito a “forças impressas”

Poderia existir um “agente motor” (fora da realidade física) que garantisse a Primeira Lei

2. Falácia de equivocação no conceito de “movimento”

“Movimento” (mudança) em contexto ontológico (filosófico), ou seja, qualquer tipo de mudança

“Movimento” em contexto físico (quantitativo), ou seja, movimento local (mudança de posição)

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São Tomás de Aquino

Contra o Princípio da Causalidade: a objecção da lei newtoniana da inércia

3. O movimento rectilíneo uniforme (MRU) e o “estado de repouso” como “estados”

Em Física, podemos definir “repouso” como caso particular de “movimento a velocidade zero”

Sendo assim, um corpo em MRU e um corpo parado estão apenas em “estados diferentes”

Estes “estados” representam uma certa “ausência de mudança” (do grego “stásis”, στάσις)

Em ambos os casos, a velocidade é constante (v=0 para o corpo parado)

A Primeira Lei afirma então que a velocidade de um corpo em MRU só mudará pela via de uma

ou mais “forças impressas” (ao corpo)

Formulada desta forma, a Primeira Lei pressupõe a tese T1

4. Movimento natural em Aristóteles

São Tomás de Aquino defende a física aristotélica

Movimento natural: quando um corpo se move para o seu estado natural

Movimento forçado (“contra-natura”): quando um corpo é movido de forma artificial

São Tomás defende a necessidade de um “motor” conjugado com o corpo em movimento forçado

Mas quando o corpo se move naturalmente, não há necessidade de “motores” conjugados

Assim, a lei da inércia é semelhante ao movimento natural gravítico em Aristóteles

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São Tomás de Aquino

Contra o Princípio da Causalidade: a objecção da lei newtoniana da inércia

Como conciliar então a Primeira Lei de Newton com a tese T1?

Ou o MRU constitui real mudança

A deslocação de um corpo de A para B constitui o actualizar de uma potência

Essa actualização tem que ser feita por algo já actual

Esse “algo” não pode ser uma força impressa (senão é violada a Primeira Lei)

Mas esse “algo” pode ser uma causa metafísica necessária (p.ex., um anjo, ou Deus)

A Primeira Lei seria garantida por uma causa necessária (incorruptível, perpétua)

Teríamos, como “bónus”, uma explicação metafísica para este tipo de regularidade física

Desta forma, a Primeira Lei de Newton seria compatível com a tese T1

Ou o MRU não constitui real mudança

Se o MRU é, realmente, um “estado” sem mudança real, então o problema desaparece

Então, a Primeira Lei de Newton é conciliável com a tese T1

E se a mudança for uma ilusão? (interpretação realista do espaço de Minkowski – “universo bloco”)

Mas há mudança, pelo menos, na consciência humana!

O conceito de “universo bloco” não é consistente: tempo e espaço não são análogos

Problema para o conhecimento científico: omo representar um silogismo no “universo bloco”?18

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São Tomás de Aquino

Contra o Princípio da Causalidade: a objecção da mecânica quântica

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«Dado que todas as experiências estão

sujeitas às leis da mecânica quântica, a

invalidade da lei da causalidade é

definitivamente provada pela mecânica

quântica.» - Werner Heisenberg (1927)

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São Tomás de Aquino

Contra o Princípio da Causalidade: objecções baseadas na mecânica quântica

1. O carácter indeterminístico da Mecânica Quântica é incompatível com o PC

R1: Há interpretações determinísticas da mecânica quântica (p. ex. De Broglie-Bohm)

R2: No aristotelismo-tomismo, causalidade não implica determinismo

No contexto aristotélico-tomista, “recua-se” do efeito para uma (ou mais) causa(s)

A causa que se encontra é suficiente para o efeito, mas não é necessária para o efeito

A causa deve apenas tornar o efeito inteligível (outra causa poderia gerar o mesmo efeito)

2. As desigualdades de Bell mostram que há correlações sem explicação causal

R1: Admitir velocidades superluminosas

R2: Admitir acção instantânea à distância (implica retrocausalidade, devido à Relatividade Geral)

R3: Para evitar ou mitigar a retrocausalidade, pode-se estipular um referencial absoluto apropriado tal que, nesse referencial, o efeito é posterior à causa (podendo ser anterior noutros)

R4: Postular uma lei que explique as correlações em questão

3. A teoria quântica de campos mostra que partículas podem aparecer e desaparecer sem causa

Pelo menos o sistema descrito pelas leis da teoria quântica de campos serve como causa

Mesmo que tais eventos sejam realmente indeterminísticos, isso não implica acausalidade

As partículas não surgem do “nada”, porque o vácuo quântico não é “nada”20

Page 21: Módulo iiic   são tomás de aquino

São Tomás de Aquino

Contra o Princípio da Causalidade: objecções baseadas na mecânica quântica

Respostas genéricas a qualquer objecção

R1: Pode-se optar por uma interpretação instrumentalista da mecânica quântica (anti-realista)

R2: O facto de as descrições matemáticas de um sistema quântico deixarem de fora explicações

causais não implica que elas não existam (a ausência de evidência não é evidência de ausência)

R3: Há aspectos da mecânica quântica que se assemelham à teoria aristotélica de acto/potência:

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1) «One might perhaps call it an objective tendency or possibility, a “potentia” in the sense of Aristotelian

philosophy. In fact, I believe that the language actually used by physicists when they speak about

atomic events produces in their minds similar notions as the concept of “potentia”. So the physicists

have gradually become accustomed to considering the electronic orbits, etc., not as reality but rather as

a kind of “potentia”.»

2) «The probability wave of Bohr, Kramers, Slater... was a quantitative version of the old concept of

“potentia” in Aristotelian philosophy. It introduced something standing in the middle between the idea of

an event and the actual event, a strange kind of physical reality just in the middle between possibility

and reality.»

- Werner Heisenberg, “Physics and Philosophy”, 1958

Page 22: Módulo iiic   são tomás de aquino

São Tomás de Aquino

Contra o Princípio da Causalidade: objecções baseadas na mecânica quântica

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3) «The probability function combines objective and subjective elements. It contains

statements about possibilities or better tendencies (“potentia” in Aristotelian philosophy),

and these statements are completely objective, they do not depend on an observer; and it

contains statements about our knowledge of the system, which of course are subjective in

so far as they may be different for different observers.»

4) «If we compare this situation with the Aristotelian concepts of matter and form, we can

say that the matter of Aristotle, which is mere “potentia”, should be compared to our

concept of energy, which gets into “actuality” by means of the form, when the elementary

particle is created.»

- Werner Heisenberg, “Physics and Philosophy”, 1958

Page 23: Módulo iiic   são tomás de aquino

O Princípio da Razão Suficiente (PRS)

PRS: qualquer coisa existente tem uma explicação (razão suficiente) para existir:

Ou noutra coisa diferente e já existente

Ou em si mesma:

Essa coisa existe obrigatoriamente

Essa coisa não pode não existir

Essa coisa não pode ser diferente do que é

23

São Tomás de Aquino

«Há uma razão suficiente, ou uma explicação

adequada, necessária e objectiva, para o ser do

que quer que exista e para todos os atributos

desse ser» - Bernard Wuellner

Page 24: Módulo iiic   são tomás de aquino

O Princípio da Razão Suficiente (PRS) e o Princípio da Causalidade (PC)

PRS: epistémico, ou seja, no contexto do conhecimento humano

PC: ontológico, ou seja, no contexto da realidade “extra-mental”

O PRS subjaz a toda a Ciência, porque o objectivo da Ciência é o de procurar

conhecer as razões dos fenómenos físicos: os cientistas assumem que o PRS é

verdadeiro e universal a todo o momento

O PRS pode ser rejeitado com base numa filosofia instrumentalista da Ciência

A empreitada científica não teria o objectivo de conhecer a realidade física

Serviria apenas para fazer previsões e aplicações tecnológicas

PRS => PC

Se o PRS for verdadeiro, o PC também é verdadeiro

?

Por isso, é inconsistente aceitar o PRS em Ciência e usar argumentos

científicos para tentar negar o PC 24

São Tomás de Aquino

Page 25: Módulo iiic   são tomás de aquino

São Tomás de Aquino

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«(…) Deus, a causa primeira (principium) e o fim

de todas as coisas, pode, a partir das coisas

criadas, ser conhecido com certeza pelo poder

natural da razão humana (…)» - Vaticano I

Page 26: Módulo iiic   são tomás de aquino

São Tomás de Aquino

Teologia Natural: o argumento existencial para a existência de Deus

O "argumento existencial"

1. É possível conceber uma coisa, pensando na sua essência, sem que ela exista

2. Se não é a essência de uma coisa que a faz existir...

3. ... Então algo só começa a existir porque “recebe” existência de algo que já existe anteriormente

4. Esta cadeia não pode regredir perpetuamente, tem que terminar num ser auto-existente

5. Logo, tudo o que existe, excepto Deus, deve o seu existir, “aqui e agora”, a Deus

O argumento existencial está relacionado com a Segunda Via (ver adiante)

Só em Deus é que essência e existência são idênticas (“Ego sum qui sum”: Êxodo 3, 14)

“Esse” / “Ser”: o acto de existir (conferido por Deus), ou seja, “ser” em acto

“Ens” / “Ser”: o ente, i.e., algo que existe, a conjunção de uma essência com um acto de existir

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Page 27: Módulo iiic   são tomás de aquino

Teologia Natural: as cinco vias de demonstração da existência de Deus (Suma Teológica, 1ª Parte, Questão 2, Artigo 3º; Suma contra os Gentios, Livro I, Capítulo 13)

Estas demonstrações são filosóficas: fazem parte dos “preâmbulos da Fé” (“praeambula fidei”)

A primeira via: pelo movimento (pela mudança)

A segunda via: pela causalidade eficiente

A terceira via: pela contingência (possibilidade) e pela necessidade

A quarta via: pela gradação do ser

A quinta via: pela causalidade final

Os atributos divinos:

Simplicidade (Questão 3), imaterialidade, incorporeidade

Perfeição (Questão 4)

Bondade (Questão 6)

Infinitude (Questão 7)

Omnipresença (Questão 8)

Imutabilidade (Questão 9)

Eternidade (Questão 10)

Unidade (Questão 11)

Omnisciência (Questão 14)

Amor (Questão 20)

Justiça e Misericórdia (Questão 21)

Omnipotência (Questão 25)

São Tomás de Aquino

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Page 28: Módulo iiic   são tomás de aquino

Teologia Natural: as cinco vias de demonstração da existência de Deus

Esquema de William A. Wallace

Quatro Passos (demonstração em silogismo):

1. Existe um dado observável

2. Esse dado é um efeito

3. Esse efeito requer uma causa adequada

4. Logo, essa causa existe

Exemplificados nas Cinco Vias:

1. Movimento

2. Causa eficiente

3. Contingência

4. Graus de perfeição

5. Ordem observável no universo

E terminando num...

1. Primeiro motor imóvel

2. Primeira causa não causada

3. Ser necessário

4. Ser sumamente perfeito

5. Inteligência suprema

São Tomás de Aquino

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Page 29: Módulo iiic   são tomás de aquino

São Tomás de Aquino

Dois tipos fundamentais de movimento (i.e., mudança: actualização de uma potência)

Motu per se:

A mulher que se levanta para ir abrir a porta move-se “per se”

O cão que corre atrás da bola move-se “per se”

A bola de bilhar que rola no pano da mesa move-se “per se”

Etc…

Motu per accidens:

A criança que segue quieta no carro dos pais move-se “per accidens”

O gato que sobe quieto no elevador move-se “per accidens”

A brancura da bola de bilhar que rola no pano da mesa move-se “per accidens”

Etc.

Mas as coisas com movimento “per se” não são inamovíveis!

A mulher que se levantou para ir abrir a porta “foi movida” pelo toque da campainha

O cão que correu atrás da bola “foi movido” pela visão da bola

A bola de bilhar foi movida pelo taco

Tudo que se move (per se ou per accidens) foi, ou é, movido!29

Page 30: Módulo iiic   são tomás de aquino

São Tomás de Aquino

Dois tipos de causalidade eficiente

Causalidade eficiente sequencial (“per accidens”):

A maçã surge numa árvore, a macieira

A macieira surge de uma semente

A semente surge numa maçã

Etc…, indefinidamente, pois o passado poderia ser infinito

O efeito existe devido à causa, mas pode persistir sem ela

Causalidade eficiente simultânea (“per se”):

Uma maçã é feita de moléculas (a maçã é a actualização de uma potência das moléculas)

As moléculas são feitas de átomos (cada molécula é a actualização de uma potência dos átomos)

Os átomos são feitos de protões, electrões (leptões) e neutrões (cada átomo é a actualização de uma ...)

Os protões e os neutrões são feitos de “quarks” (cada protão/neutrão é a actualização de uma potência ...)

Etc… até se chegar a uma causa primeira e fundamental que garante a persistência da maçã

O efeito existe devido à causa, mas não persiste sem ela

As causas simultâneas não regridem perpetuamente!30

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A primeira via

Demonstração pelo movimento (pela mudança):

1. Tudo o que está em movimento (em mudança) está a ser movido (mudado) por outra coisa (“omne quod movetur, ab alio movetur”, SCG)

2. Mas a série de motores e movidos não pode regredir infinitamente (“Sed non est procedere in infinitum”, SCG)

Logo, tem que existir um primeiro motor que não é movido (“Ergo necesse est ponere aliquod primum movens immobile”, SCG)

E esse primeiro motor todos entendem ser Deus (“et hoc omnes intelligunt Deum”, SCG)

Objecções comuns:

1. Movimento circular (A. Kenny, 1969): quando alguém tecla, move os dedos, e estes movem-no

Resposta: a alma move os dedos, que por sua vez, quando são movidos, movem o corpo,

mas o corpo não é a alma; logo, não há circularidade no movimento

2. Se o Cosmos for eterno há uma cadeia infinita de motores e movidos

Resposta: se o Cosmos fosse eterno, a cadeia de causas sequenciais (“per accidens”) seria eterna; mas a cadeia de causas simultâneas (“per se”) nunca pode ser eterna

Logo, a primeira via é imune à possibilidade de o Cosmos ser eterno

São Tomás de Aquino

31

Page 32: Módulo iiic   são tomás de aquino

A primeira via (reconstrução de Edward Feser)

1. A actualicação de potências é uma realidade nos eventos que conhecemos por experiência sensorial

2. A ocorrência de um evento E pressupõe a operação de uma substância S

3. A existência de S, a cada momento, pressupõe a simultânea actualização de uma potência

4. Nenhuma mera potência pode actualizar uma potência: apenas algo actual o pode fazer

5. Assim, qualquer actualizador A da existência de S tem que ser, ele mesmo, actual

6. A própria existência de A no momento em que actualiza S, por si mesma, pressupõe:

a) ou a actualização simultânea de uma potência adicional

b) ou que A seja puramente actual

7. No caso a) existe uma regressão de actualizadores simultâneos que, ou é infinita ou termina num

actualizador puramente actual

8. Mas tal regressão seria uma série causal "per se", e tais séries não podem regredir infinitamente

9. Por isso, ou A é puramente actual, ou há um actualizador puramente actual que termina a regressão

de actualizadores simultâneos

10. Assim, a ocorrência de E, e portanto a existência de S a cada momento, pressupõe a existência de um

actualizador puramente actual ("actus purus")

São Tomás de Aquino

32

Page 33: Módulo iiic   são tomás de aquino

A segunda via

Demonstração da existência de Deus pela causalidade eficiente:

1. Nada é a causa eficiente de si mesmo (“quod aliquid sit causa efficiens sui ipsius”, SCG)

2. Mas a série de causas eficientes não pode regredir infinitamente (“Non autem est possibile quod in causis efficientibus prcedatur in infinitum”, SCG)

Logo, tem que existir uma primeira causa eficiente (“Ergo est necesse ponere aliquam causam efficientem primam”, SCG)

E a essa causa todos chamam Deus (“quam omnes Deum nominant.”, SCG)

Objecções comuns:

1. E qual é a causa de Deus?

Resposta: São Tomás não diz que tudo tem uma causa, mas apenas que “nada é a causa

eficiente de si mesmo”, ou seja, que uma coisa não pode ser a causa de si mesma

A causa eficiente é o que actualiza uma potência; ora em Deus não há potência

2. Se o Cosmos for eterno há uma cadeia infinita de motores e movidos

Resposta: se o Cosmos fosse eterno, a cadeia de causas sequenciais (“per accidens”) seria eterna; mas a cadeia de causas simultâneas (“per se”) nunca pode ser eterna

Logo, a primeira via é imune à possibilidade de o Cosmos ser eterno

São Tomás de Aquino

33

Page 34: Módulo iiic   são tomás de aquino

A segunda via (reconstrução de Edward Feser)

1. A causalidade eficiente é uma realidade evidente pela experiência sensorial

2. Nenhuma coisa pode ser a causa eficiente de si mesma

3. A existência de S, a cada momento, pressupõe que a sua essência está conjugada com um acto de existir

4. Se S, de algum modo, fosse capaz de conjugar a sua essência a um acto de existir, então S seria a causa

eficiente de si mesma

5. Por causa de 2., tem que existir uma causa eficiente C distinta de S que conjuga, a determinado momento, a

essência de S a um acto de existir

6. A própria existência de C nesse momento pressupõe:

a) ou que a essência de C está simultaneamente a ser conjugada a um acto de existir

b) ou que a essência de C é idêntica ao seu acto de existir

7. No caso a) existe uma regressão de conjugadores simultâneos de essências e actos de existir que, ou é

infinita ou termina em algo cuja essência é idêntica ao seu acto de existir

8. Mas tal regressão seria uma série causal "per se", e tais séries não podem regredir infinitamente

9. Por isso, ou a essência de C é idêntica ao seu acto de existir, ou existe algo cuja essência é idêntica à sua

existência e que termina a regressão de conjugadores simultâneos

10. Assim, a existência de S a cada momento pressupõe a existência de algo cuja essência e existência sejam

idênticas

São Tomás de Aquino

34A segunda via demonstra a impossibilidade da inércia existencial

Page 35: Módulo iiic   são tomás de aquino

São Tomás de Aquino

Necessidade e Contingência

Necessidade ("necessitas")

São Tomás usa o termo de forma muito diferente face à filosofia moderna

Não é definida como necessidade lógica

Não é definida como "algo que existe em todos os mundos possíveis"

Para São Tomás, "X existe necessariamente" implica:

X não pode sofrer mudança substancial

X é um ser subsistente

X não é gerável nem corruptível

X só passa a existir via um acto de criação "ex nihilo"

X só deixa de existir via um acto de aniquilação total

Aristóteles pensava o mesmo, excepto que não admitiu a possibilidade de criação e aniquilação

Definir o que será um ente necessário não implica, obviamente, que exista um ente necessário

Contingência ("contingentia")

Todos os entes naturais, compostos de matéria e forma, são contingentes

"A possibilidade de não-ser está apenas na natureza daquelas coisas cuja matéria está sujeita à contrariedade das formas (...)" – Quaestiones disputatae de potentia Dei, questão V, artigo 3

A finitude temporal da existência dos seres contingentes faz parte da sua natureza

É uma contradição supor seres contingentes que existissem perpetuamente

35

Page 36: Módulo iiic   são tomás de aquino

A terceira via

Demonstração da existência de Deus pela contingência (possibilidade) e pela necessidade:

1. Na Natureza há coisas que podem ser ou não ser (“quae sunt possibilia esse et non esse”, SCG)

2. Mas o que é possível não ser (o que é contingente), a certa altura não existe (“quod possibile est non esse, quandoque non est”, SCG)

3. Mas se tudo o que há é apenas possível (contingente), então a certa altura nada existia (“Si igitur omnia sunt possibilia non esse, aliquando nihil fuit in rebus”, SCG)

4. Então agora nada existiria, porque o que não existe só começa a existir por algo que já existe (“etiam nunc nihil esset, quia quod non est, non incipit esse nisi per aliquid quod est”, SCG)

5. Logo, nem todas as coisas são apenas possíveis (contingentes): tem que haver algo necessário (“Non ergo omnia entia sunt possibilia, sed oportet aliquid esse necessarium in rebus”, SCG)

6. Mas uma coisa necessária ou tem a sua necessidade causada por outra, ou não (“Omne autem necessarium vel habet causam suae necessitatis aliunde, vel non habet.”, SCG)

Não pode haver regressão infinita: há algo necessário em si mesmo, ao que se chama Deus

Objecções comuns:

3. Nesta premissa assume-se eternidade no passado, mas e se o Cosmos fosse finito no passado?

Resposta: se o Cosmos tem início no tempo, então depende de uma causa necessária

Se o passado fosse eterno, porque é que a certa altura nada existia?

Resposta: se é possível que a certa altura nada existisse, então a certa altura nada existiu

São Tomás de Aquino

36

Page 37: Módulo iiic   são tomás de aquino

A terceira via (reconstrução de Edward Feser)

1. As substâncias que conhecemos sensorialmente são contingentes pois sofrem geração e corrupção

2. A sua geração e corrupção pressupõe matéria e forma, que são necessárias (nem geradas nem

corrompidas)

3. Mas a matéria é pura potência e as formas materiais, nelas mesmas, são meras abstracções, de forma

a que matéria e forma não existem separadas, e mesmo quando existem juntas não podem depender

uma da outra sob pena de circularidade

4. Por isso, matéria e forma não têm nelas mesmas a sua necessidade, que deriva de algo distinto

5. As substâncias materiais são compostos de essência e existência (tal como os anjos que são seres

necessários e não divinos), e devem a sua composição de essência e existência a algo distinto delas

mesmas

6. Os seres necessários e não divinos também derivam a sua necessidade de algo distinto deles

mesmos

7. As regressões referidas em 5 e 6 são uma série causal "per se", e tais séries não podem regredir

infinitamente

8. Por isso, deve existir algo que é necessário de forma absoluta, não derivando a sua necessidade de

outro ente, e portanto, não sendo um composto de matéria e forma, ou de essência e existência

São Tomás de Aquino

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Page 38: Módulo iiic   são tomás de aquino

São Tomás de Aquino

Os transcendentais

Um transcendental é algo que é comum a todas as coisas

Aristóteles concebeu-os como transcendendo (ὑπερβαίνειν, “huperbainein”) as suas dez categorias

São Tomás de Aquino identifica cinco transcendentais:

Coisa (“res”)

Algo (“aliquid”)

Um (“unum”)

Bom (“bonum”)

Verdadeiro (“verum”)

Os transcendentais estão ancorados no ser (na existência) e são “convertíveis” no ser:

“Coisa” e “Algo” são convertíveis no ser, pois aplicam-se a entes, coisas que existem

“Um” como transcendental é distinto de “um” como conceito quantitativo (matemático):

A indivisibilidade de um ente, qualquer ente, pressupõe uma unidade transcendental

Seguindo a tradição clássica, São Tomás considera o “Bom” como o que corresponde idealmente à natureza ou essência de uma coisa: algo é tão melhor quão melhor corresponder a ela

As coisas mais perfeitas são as que instanciam melhor uma natureza ou uma essência

O “Verdadeiro” consiste na adequação de um intelecto a uma coisa como ela é (existe)38

Page 39: Módulo iiic   são tomás de aquino

A quarta via

Demonstração da existência de Deus pela gradação do ser:

1. Na Natureza há coisas mais e menos boas, e verdadeiras, e nobres, e assim por diante (“in rebus aliquid magis et minus bonum, et verum, et nobile, et sic de aliis huiusmodi”, SCG)

2. Mas o “mais” e o “menos” é atribuído a coisas diversas segundo a sua semelhança com o que é o máximo (“Sed magis et minus dicuntur de diversis secundum quod appropinquant diversimode ad aliquid quod maxime est”, SCG)

3. Uma coisa é tão mais quente quão mais se assemelha ao que é maximamente quente (“sicut magis calidum est, quod magis appropinquat maxime calido”, SCG)

4. Então existe algo que é o mais verdadeiro, o melhor, o mais nobre, e consequentemente, o máximo ente, pois as coisas maiores na verdade são maiores no ser (“Est igitur aliquid quod est verissimum, et optimum, et nobilissimum, et per consequens maxime ens, nam quae sunt maxime vera, suntmaxime entia”, SCG)

5. O máximo em cada género é a causa de tudo o que está nesse género (“Quod autem dicitur maxime tale in aliquo genere, est causa omnium quae sunt illius generis”, SCG)

Logo, deve haver algo que é para todos os seres a causa do seu ser, bondade, e qualquer outra perfeição, e isso dizemos ser Deus (“Ergo est aliquid quod omnibus entibus est causa esse, et bonitatis, etcuiuslibet perfectionis, et hoc dicimus Deum”, SCG)

Comentários:

5. Não apenas “causa formal” (exemplar) mas sobretudo “causa eficiente”

Esta demonstração não compromete Tomás com o platonismo: as perfeições máximas (bondade,

verdade, etc.) não são formas distintas, mas transcendentais convertíveis no “Ser” de Deus

São Tomás de Aquino

39

Page 40: Módulo iiic   são tomás de aquino

A quarta via (reconstrução de Edward Feser)

1. As coisas que conhecemos sensorialmente exibem bondade, unidade, e outros

transcendentais apenas até um certo grau limitado

2. Mas apenas o fazem na medida em que participam no que é bom, uno, etc., sem

limitação

3. Mais ainda, os transcendentais são convertíveis entre si, e em última análise, com o

próprio ser

4. Por isso, existe algo que é o próprio ser, a própria bondade, a própria unidade, e assim

por diante, no qual as coisas da nossa experiência participam, cada uma no seu grau

5. Mas aquilo no qual as coisas participam é a sua causa eficiente

6. Por isso, a coisa que é o próprio ser, a própria bondade, a própria unidade, etc., é a

causa eficiente das coisas que experienciamos

São Tomás de Aquino

40

Page 41: Módulo iiic   são tomás de aquino

A quinta via

Demonstração da existência de Deus pela causalidade final:

1. Vemos que as coisas sem inteligência, como os corpos naturais, agem para um fim (“Videmus enim quod aliqua quae cognitione carent, scilicet corpora naturalia, operantur propter finem”, SCG)

2. Isto é evidente pelo seu operar sempre, ou quase sempre, do mesmo modo, para obter o que é óptimo (“quod apparet ex hoc quod semper aut frequentius eodem modo operantur, ut consequantur id quod est optimum”, SCG)

3. E é patente que não é por acaso, mas por intenção, que atingem os fins (“unde patet quod non a casu, sed ex intentione perveniunt ad finem”, SCG)

4. O que não tem cognição, não pode tender a um fim senão se for dirigido por um ser cognoscente e inteligente, tal como a seta pelo arqueiro (“quae non habent cognitionem, non tendunt in finem nisi directa ab aliquo cognoscente et intelligente, sicut sagitta a sagittante”, SCG)

Logo, existe um ser inteligente pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas aos seus fins, e isso dizemos ser Deus (“Ergo est aliquid intelligens, a quo omnes res naturales ordinantur ad finem, et hoc dicimus Deum”, SCG)

Costuma ser (erradamente) lida como o argumento do relojoeiro (Paley) ou um argumento de “design”

Objecções comuns:

1. Como é que coisas sem inteligência agem para um fim?

Se A causa regularmente B, então A é a causa eficiente de B

Porque A causa regularmente B, a causa final (a finalidade) de A é causar B

3. Há fenómenos aleatórios na Natureza!

São Tomás aceita a realidade do acaso: ele não diz que tudo tem uma causa final

Ele constata que há causas eficientes (agentes) e só essas requerem uma causa final

São Tomás de Aquino

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Page 42: Módulo iiic   são tomás de aquino

A quinta via (reconstrução de Edward Feser)

1. É evidente pela experiência sensorial que causas naturais não inteligentes geram específicos efeitos

ou gamas de efeitos

2. Tais regularidades são inteligíveis apenas no pressuposto de que estas causas eficientes

inerentemente "apontam para" ou "direccionam-se para" os seus efeitos como se para um fim ou

causa final

3. Por isso, há causas finais ou fins imanentes na ordem natural

4. Mas causas naturais não inteligentes apenas podem "apontar para" ou "direccionar-se para" tais fins

se forem guiadas por uma inteligência

5. Por isso, existe tal inteligência [que orienta as causas naturais para os seus fins]

6. Mas como os fins ou causas finais em questão são inerentes às coisas em virtude das suas naturezas

ou essências, a inteligência em questão tem que ser também a causa das coisas naturais terem as

naturezas ou essências que têm

7. Isto implica que tal inteligência seja o ser que conjuga as suas essências com um acto de existência, e

pela segunda via, apenas um ser no qual essência e existência sejam idênticas é capaz de o fazer

8. Por isso, a inteligência em questão é algo no qual essência e existência são idênticas

São Tomás de Aquino

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Page 43: Módulo iiic   são tomás de aquino

Os atributos divinos

São Tomás rejeita a exclusividade da “via negativa” (ST, 1ª Parte, Questão 13, Artigo 2º)

Simplicidade (Questão 3)

Deus, sendo incorpóreo e imaterial, não tem partes: é sumamente simples

Sendo simples, em Deus não há distinção entre atributos: a simplicidade de Deus é a perfeição de Deus, é a bondade de Deus, é a infinitude de Deus, é a omnipresença de Deus, etc…

Os atributos têm significados diferentes, mas quando aplicados a Deus designam a mesma coisa

Perfeição (Questão 4)

Uma coisa é tão mais perfeita quão menos potência tiver; sendo acto puro, Deus é perfeito

Bondade (Questão 6)

Pela convertibilidade do transcendental “Bom” no ser, se Deus é o Ser, Deus é sumamente bom

Infinitude (Questão 7)

Entes feitos de forma e matéria são finitos porque limitados por essa matéria

Entes feitos de forma mas sem matéria, como os anjos, são finitos porque limitados pela forma

A forma de Deus é “ser”, é a existência, pelo que a forma de Deus não está limitada por nada

Omnipresença (Questão 8)

Deus está em tudo o que existe, não como essência ou acidente, mas como causa de existência

Imutabilidade (Questão 9)

Como a mudança é a passagem de potência a acto, sendo acto puro, Deus é imutável

São Tomás de Aquino

43

Page 44: Módulo iiic   são tomás de aquino

O dilema de Eutifro: fatal para o atributo de Bondade?

Falso dilema: há mais opções do que as duas apresentadas:

1. Aquilo que é bom, é amado por Deus porque é bom

Implica que o ideal de Bem não estaria em Deus, mas “fora” de Deus

2. Aquilo que é bom, é bom porque é amado por Deus

Implica o voluntarismo arbitrário: a vontade de Deus é que definiria o Bem

Mas há uma terceira possibilidade, que permite escapar ao dilema:

3. Aquilo que é bom, é bom por referência a Deus, cuja essência é o sumo Bem

A simplicidade de Deus implica que os atributos de Deus se referem à mesma essência

Esta ideia é estrutural para a quarta via, a prova pela gradação dos seres

São Tomás de Aquino

«Considera esta questão: aquilo que é santo é amado

pelos deuses porque é santo, ou é santo porque é amado

pelos deuses?»,

Platão, “Eutifro”, diálogo entre Sócrates e Eutifro, 10a

44

Page 45: Módulo iiic   são tomás de aquino

Os atributos divinos

Eternidade (Questão 10)

Como Deus é imutável e o tempo não existe quando não há mudança, Deus é eterno

Unidade (Questão 11)

Só pode existir um ser em que essência e existência são idênticas, senão seriam indistinguíveis

Se houvesse mais do que um Deus, seriam distintos por perfeições ou privações diferentes

Mas o ser cuja essência é idêntica à sua existência tem todas as perfeições e nenhuma privação

Omnisciência (Questão 14)

Os seres inteligentes têm no seu intelecto a forma e a essência das outras coisas

O conhecimento das formas e das essências implica imaterialidade do intelecto

Deus é imaterial e a Sua inteligência é perfeita por Deus ser acto puro

Amor (Questão 20)

“O amor é o primeiro movimento da vontade e de todas as faculdades apetitivas”

Em Deus há vontade (Questão 19), logo em Deus há amor

A vontade de Deus é a causa primeira de todas as coisas, logo Deus ama todas as coisas

Justiça e Misericórdia (Questão 21)

A ordem e a estabilidade do Universo mostram a Justiça de Deus

A tristeza humana é uma imperfeição, e é por um acto livre (misericordioso) que Deus a remove

Omnipotência (Questão 25)

Deus actua pela sua essência (existência) infinita, logo, o poder de Deus para actuar é infinito

São Tomás de Aquino

45

Page 46: Módulo iiic   são tomás de aquino

O paradoxo da omnipotência

Trata-se de uma família de paradoxos, inicialmente discutidos por Averróis e São Tomás de Aquino

Estes paradoxos pretendem atacar a consistência do conceito de ente omnipotente

São falsos paradoxos, que se desmontam por redução ao absurdo:

1. Ou o conceito de omnipotência inclui a possibilidade de concretizar contradições

2. Ou o conceito de omnipotência não inclui a possibilidade de concretizar contradições

Vejamos o que acontece em cada caso:

1. Deus torna verdadeira (real) uma contradição: cria uma pedra que Ele não pode levantar; mas como Deus pode realizar contradições, Deus pode contradizer-se, e pegar na pedra e levantá-la!

2. “Uma pedra demasiado pesada para ser levantada por um ser omnipotente” é uma frase contraditória: tal coisa é impossível; não faz sentido falar em tornar possível o impossível, ou tornar verdadeiro o que é manifestamente falso por ser contraditório

As contradições não são possibilidades: a omnipotência é o poder de fazer tudo o que é possível fazer

São Tomás de Aquino

«Pode um ser omnipotente criar uma pedra tão pesada que mesmo

ele não a conseguiria levantar? Se sim, então ao não conseguir

levantá-la, mostra que não é omnipotente. Se não a consegue criar,

então não é omnipotente.»

46

Page 47: Módulo iiic   são tomás de aquino

Metafísica – Ontologia tomista

São Tomás de Aquino

Acto / Potência

Essência / Existência

EssênciaNecessidade

/ Contingência

Matéria / Forma

Substância / Acidentes

Mudança

Deus (intelecto e vontade livre)

Acto puro

Idênticas Simples NecessárioForma perfeita e incorruptível

Substância Imutável

Anjos (intelecto e vontade livre)

Acto e Potência

Distintas Simples NecessáriosForma

imperfeita e incorruptível

Substância e acidentes

Imutáveis na substância e mutáveis nos

acidentes

Seres humanos (intelecto, vontade livre e corpo)

Acto e Potência

Distintas Composta

Alma necessária, mas corpo contingente

Matéria e Forma

incorruptível

Substância e acidentes

Mutáveis na substância e

acidentes

Outros seres naturais

Acto e Potência

Distintas Composta Contingentes †Matéria e

Forma corruptível

Substância e acidentes

Mutáveis na substância e

acidentes

Matéria Potência N/A N/A Necessária N/A N/A N/A

47

Page 48: Módulo iiic   são tomás de aquino

Filosofia Natural tomista: o papel da Matemática em Física

São Tomás não considera que a estrutura matemática seja imposta pela mente à realidade natural

Pelo contrário, ele considera que é a mente que a extrai, por abstracção, da realidade natural

Para São Tomás, a matemática tem duas funções distintas em Física:

Sugerir possíveis (hipotéticas) explicações físicas adequadas aos fenómenos observados

Apoiar o raciocínio físico na elaboração de explicações conclusivas (provas ou demonstrações)

Alguns excertos exemplificativos, retirados de obras de São Tomás:

São Tomás de Aquino

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«A razão pode ser aplicada de dois modos. De um modo, para provar suficientemente um princípio, como em ciência

natural, para provar suficientemente que o movimento dos céus é sempre de velocidade uniforme. De outro modo, não

para fornecer uma prova suficiente de um princípio, mas para confirmar um princípio já estabelecido, mostrando a

congruência dos seus resultados, como em astrologia [astronomia] a teoria dos excêntricos e dos epiciclos é considerada

estabelecida, porque dessa forma é possível salvar as aparências sensíveis dos movimentos celestiais; não, contudo,

como se essa prova fosse suficiente, porque poderiam ser salvas com outra teoria. (...)»

- Suma Teológica, Parte I, Questão 32 (sobre o conhecimento da Trindade por via racional), Artigo 1, resp. à objecção 2.

«(...) No entanto, não é necessário que as várias suposições [sobre os movimentos planetários] que eles [os

matemáticos] concebem sejam verdadeiras - pois apesar de estas suposições salvarem as aparências [os fenómenos],

não estamos no entanto obrigados a dizer que estas suposições são verdadeiras, pois talvez exista uma outra maneira,

que os homens ainda não compreenderam, através da qual sejam salvas as aparências acerca das estrelas. (...)»

- Comentário de São Tomás de Aquino à obra de Aristóteles, De Caelo, Lição 17, nº 2

Page 49: Módulo iiic   são tomás de aquino

Filosofia Natural tomista: o papel da Matemática em Física

A propósito dos argumentos aristotélicos para a esfericidade da Terra, São Tomás comenta:

Os seus argumentos físicos:

Pelo movimento dos corpos graves: tendem para o centro da Terra, segundo o seu tamanho

Pelo ângulo da sua queda: os corpos graves tendem perpendicularmente para aTerra

Os seus argumentos matemáticos, baseados na astronomia

São Tomás considera mais conclusivos os primeiros, porque permitem conhecer as causas físicas

São Tomás de Aquino

«E ele [Aristóteles] diz que todos os corpos pesados, de qualquer região dos céus, são movidos em direcção à terra "em ângulos

idênticos", i.e., de acordo com ângulos rectos formados pela linha recta do movimento do corpo com a linha tangente à terra (o que é

evidente pelo facto de que objectos pesados não permanecem firmemente na terra a não ser que estejam perpendiculares a ela);

mas os corpos pesados não tendem para a terra "lado a lado", i.e., de acordo com linhas paralelas. Tudo isto está ordenado

segundo o facto de que a terra é naturalmente apta a ser esférica: porque os corpos pesados têm uma idêntica inclinação para o

lugar da terra independentemente da parte dos céus de que sejam largados. E então há uma apetência para acrescentos à terra

serem feitos de igual modo em todos os lados, o que a faz ser esférica em forma. Mas se a terra fosse naturalmente lata [plana],

como alguns pretenderam, os movimentos dos corpos pesados dos céus para a terra não seriam em ângulos semelhantes de todos

os lados. Logo, a terra deve ser esférica, ou esférica por natureza. Ele acrescentou esta última frase por causa dos picos das

montanhas e das depressões dos vales que parecem militar contra a terra rotunda. Mas tais [desvios] surgem por causa de algumas

causas acidentais (...); nem isso corresponde a uma quantidade apreciável face à terra inteira (...). Assim, apesar de por acidente a

terra não ser perfeitamente esférica por causa de acontecimentos casuais, porque é naturalmente apta a ser esférica, deveria,

falando rigorosamente, ser chamada de esférica.» - Comentário de São Tomás à obra de Aristóteles, De Caelo, Livro 2, Lição 28.

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Page 50: Módulo iiic   são tomás de aquino

O método demonstrativo “ex suppositione”

Discutido no Comentário aos Analíticos Posteriores (Aristóteles), e no Comentário à Física (Aristóteles)

Não confundir com o método hipotético-dedutivo, que também remonta a Aristóteles:

1. Partir de uma hipótese (“ὑπόθεσις”), assumi-la como verdadeira, e deduzir as suas consequências

2. Verificar se as observações correspondem às previstas (um bom exemplo: o sistema ptolemaico)

Se P (hipótese teórica), então Q (consequência empiricamente verificável), ou PQ

Se Q é verificada, então aumenta a probabilidade (verosimilhança) de P

Se Q não é verificada, então P é falsa: ~Q~P

Para Aristóteles e São Tomás, a “scientia” consiste em conhecer as causas dos fenómenos naturais

Pergunta: é possível ter conhecimento científico (necessário) de fenómenos naturais contingentes?

São Tomás responde afirmativamente, se for seguido o método “ex suppositione”:

1. Estudar os processos naturais e como eles terminam na maioria dos casos (efeitos observados)

2. “Recuar” dos efeitos observados para as causas antecedentes que os provocaram

3. “Ex suppositione”, se esses efeitos se verificarem, é necessário que tenham essas causas

Se P (efeito observado), então Q (efeito deve-se necessariamente às suas causas), ou PQ

Por exemplo: o arco-íris é um fenómeno natural contingente (não é necessário)

Esse efeito (arco-íris) é causado pela reflexão e refracção dos raios de luz nas gotas de água

Logo, sempre que, e quando, se observar um arco-íris, é certo que foi causado dessa forma

Este método gera conhecimento científico (necessário), e não apenas probabilístico (verosímil)

São Tomás de Aquino

50

Page 51: Módulo iiic   são tomás de aquino

A teologia da “imago dei” e os fundamentos da Ciência

O judeo-cristianismo considera que o Homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26-27)

A teologia da “imago dei” não pretende antropomorfizar Deus (Deus não tem um corpo humano)

Ela afirma que no Homem há semelhanças analógicas com Deus: intelecto, livre arbítrio, moral, etc.

Diz São Tomás, na Suma Teológica:

A “imago dei”, acerca do intelecto humano, defende uma adequação desse intelecto à realidade

“veritas est adaequatio rei et intellectus”, ou seja, a verdade é a adequação entre a coisa e o intelecto

Este é o pressuposto filosófico (epistémico) sobre o qual assenta a confiança do cientista

A Ciência pressupõe a adequação do intelecto humano à realidade

Esse pressuposto é muito difícil (ou mesmo impossível) de explicar numa cosmovisão ateia

Se não há uma inteligência superior na base de toda a realidade, é inexplicável que ela seja inteligível

São Tomás de Aquino

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«Dado que é dito do Homem que ele é imagem de Deus por causa da sua natureza

intelectual, ele é mais perfeitamente como Deus de acordo com o que ele é mais capaz de

imitar Deus na sua natureza intelectual. A natureza intelectual [do Homem] imita

principalmente Deus nisto, em que Deus Ele mesmo compreende e ama.»

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1. Introdução

2. O cristianismo primitivo e o conhecimento grego

3. Santo Agostinho

4. Ciência Medieval

5. São Tomás de Aquino

6. Conclusão

Índice

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Conclusão

«Queremos, e pelo presente mandamos, que

adopteis a doutrina do bem-aventurado Tomás, como verídica e

católica, e procureis ampliá-la com todas as vossas forças» -

Papa Urbano V à Universidade de Toulouse, 3 de Agosto de 1368

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«A doutrina deste [S. Tomás] tem sobre as demais, exceptuada

a canónica, propriedade nas palavras, ordem nas matérias,

verdade nas sentenças; de tal sorte que nunca aqueles que a

seguirem se verão apartados do caminho da verdade, e sempre

será suspeito de erro aquele que a impugnar» -

Papa Inocêncio VI, Sermão de São Tomás

A importância dada pelo Magistério à obra de São Tomás

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Conclusão

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«(…) com grave empenho exortamos a que, para defesa e glória da fé católica,

pelo bem da sociedade e pelo incremento de todas as ciências, renoveis e

propagueis vastamente a áurea sabedoria de São Tomás. Dizemos a sabedoria

de São Tomás, pois se há alguma coisa tratada pelos escolásticos com

demasiada subtileza ou ensinada de maneira inconsiderada; se há algo menos

concorde com as doutrinas manifestas das últimas épocas, ou, finalmente, não

louvável de qualquer modo, de nenhuma maneira está em nosso ânimo propô-lo

para ser imitado em nossa época.

Por outro lado, procurem os mestres sabiamente eleitos por vós inculcar nos

ânimos dos seus discípulos a doutrina de Tomás de Aquino e ponham em

evidência sua solidez e excelência sobre todas as demais. Que as academias

fundadas por vós ou aquelas que havereis de fundar ilustrem e defendam a

mesma doutrina e a usem para a refutação dos erros que circulam.» -

Encíclica Aeterni Patris, Papa Leão XIII, 4 de Agosto de 1879

A importância dada pelo Magistério à obra de São Tomás

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Conclusão

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A importância dada pelo Magistério à obra de São Tomás

«Depois, para aclarar, quanto for possível, os mistérios da salvação de forma

perfeita, aprendam a penetrá-los mais profundamente pela especulação, tendo por

guia Santo Tomás, e a ver o nexo existente entre eles» -

Optatam Totius (“Sobre a formação sacerdotal”), Concílio Vaticano II, 28-10-1965

«Mais ainda naquelas que dela dependem, procura de modo orgânico que cada

disciplina seja de tal modo cultivada com princípios próprios, método próprio e

liberdade própria da investigação científica, que se consiga uma inteligência cada

vez mais profunda dela, e, consideradas cuidadosamente as questões e as

investigações actuais, se veja mais profundamente como a fé e a razão conspiram

para a verdade única, segundo as pisadas dos doutores da Igreja, mormente de S.

Tomás de Aquino» -

Gravissimum Educationis (“Sobre a educação cristã”), Concílio Vaticano II, 28-10-1965