Moira Toledo na Folha Dirigida

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Educação FOLHA DIRIGIDA www.folhadirigida.com.br 13 a 19 de outubro de 2011 CADERNO DE Recursos audiovisuais ajudam a ampliar foco da aprendizagem S ão frequentes os debates acadêmi- cos sobre como melhorar o ensino dentro das salas de aula. Um dos grandes entraves da educação brasileira é a falta de interesse dos estudantes pe- los conteúdos pedagógicos das discipli- nas. Um comportamento em parte jus- tificado pelo uso de metodologias e ava- liações tradicionais. Ou seriam mesmo ultrapassadas? O que muitos especialistas acreditam é que a escola deve ser mais atrativa para os estudantes. Esta também é a opinião da educadora e doutora em Cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Uni- versidade de São Paulo (ECA-USP), Moira Toledo. E ela vai além... Autora da tese “Educação Audiovisu- al Popular no Brasil”, a professora acre- dita que a utilização de ferramentas au- diovisuais no processo educativo de cri- anças e jovens pode ser transformadora em nossa sociedade. Para ela, seria ne- gligência ignorar o imenso potencial destas novas tecnologias. Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, a doutora em Cinema afirma que, além de ser encarada como ferramenta, a lingua- gem audiovisual pode ampliar as pos- sibilidades de ensino tanto em ambien- tes formais, como nos informais. “As ferramentas audiovisuais são hoje qua- se que mais necessárias na escola do que os próprios conteúdos”, afirma. Segundo a educadora, a escola tende a privilegiar, em diferentes níveis, os con- teúdos mais desenvolvidos na esfera das inteligências linguística, matemática e corporal, em detrimento dos outros tipos de inteligência. Para ela, as escolas têm pecado no desenvolvimento do que é mais importante no projeto de vida de cada aluno, que é o desenvolvimento de com- petências que permitam que ele continue aprendendo - sozinho - depois da esco- la. Com oficinas de vídeo, por exemplo, os alunos desenvolvem habilidades que poderão usar para sempre em suas vidas. A solução, de acordo com Moira, é pos- sível: basta vontade política. “Na gran- de maioria das escolas, que possuem mínimas condições de ensino, o uso das ferramentas audiovisuais já é absoluta- mente possível, dependendo apenas de vontade política e desejo pedagógico”, afirma. A educadora foi uma das orga- nizadoras do “Seminário Claro Curtas”, onde foram debatidas, em agosto, refle- xões e práticas sobre a utilização da lin- guagem audiovisual na educação. JOYCE TRINDADE [email protected] Doutora em Cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Moira Toledo defende o uso de recursos audiovisuais como forma de despertar o maior interesse dos alunos pelos conteúdos disciplinares. E, mais do que isso, como estratégia para ampliar o horizonte do processo de ensino-aprendizagem AS FERRAMENTAS AUDIOVISUAIS SÃO COMUNS HOJE NA SOCIEDADE. ELAS SÃO REALMENTE NECESSÁRIAS NA SALA DE AULA? Moira Toledo - O que é necessário, de fato, nas salas de aula? Já faz muito tempo que se questiona o currículo do nosso ensino formal. Um aluno formado nos nossos ensinos fundamental e básico tem que conhecer e dominar um universo extenso de conhecimentos, e eu reformu- lo a própria pergunta assim: o que se ensina hoje nas escolas é realmente ne- cessário para a vida, para o futuro dos alunos? Creio que boa parte dos conteú- dos só interessa de fato a quem preten- de seguir carreira em uma ou outra de- terminada área. Acredito que, em busca de um universo amplo de conhecimen- tos, as escolas acabam perdendo a chance de ensinar com plenitude conhecimen- tos básicos e mais universais. E, especi- almente, as escolas têm pecado no de- senvolvimento do que é mais importante no projeto de vida de cada aluno, que é o desenvolvimento de competências que permitam que ele continue aprendendo - sozinho - depois da escola; que ele se relacione bem com as pessoas, em casa, no trabalho; que ele seja uma pessoa ativa e tenha um método de pesqui- sa e estudo que seja autônomo e crí- tico. O processo de ensino-aprendizagem das ferramentas audiovisuais, que ocorre especialmente a partir de oficinas e workshops, possui características intrín- secas que permitem aos alunos desen- volver tais competências em um curto período de tempo, e de maneira defini- tiva. Então, respondendo à pergunta, e levando-a a um paroxismo: sim, as fer- ramentas audiovisuais são hoje quase que mais necessárias na escola do que os próprios conteúdos. QUAIS BENEFÍCIOS A UTILIZAÇÃO DESSAS FERRAMENTAS PODE TRAZER AO PROCESSO DE APRENDIZAGEM? O principal benefício advém do próprio perfil da realização audiovisual. Para se produzir um vídeo, são necessárias - em geral - muitas pessoas, com habilidades e perfis distintos. O pesquisador Howard Gardner afirma que existem diversos ti- pos de inteligência, igualmente comple- xas e necessárias. Ou seja, ninguém é to- talmente inteligente ou desprovido de inteligência. O que ocorre é que as pes- soas possuem diferentes tipos de inteli- gência. A escola tende a privilegiar, em diferentes níveis, aqueles mais desenvol- vidos nas inteligências linguística, ma- temática e corporal. No filme “entre os muros da escola” isso fica muito claro, quando o jovem Suleyman - até então um péssimo aluno - se revela um excelente fotógrafo (ou seja, uma pessoa com inte- ligência visual desenvolvida). Em uma equipe de vídeo há lugar para todo tipo de criança ou jovem, para todo tipo de inteligência. Para os hábeis em lingua- gem, roteiro. Os desenvoltos em aspec- tos visuais, há a direção de arte, a foto- grafia, a direção. Os destros em inteligência corporal podem assumir a operação de câmera, o microfone, a construção de ce- nários. Os bons em matemática desco- brem novos desafios na direção de foto- grafia, na construção de cenários/maque- tes, na operação das ilhas de edição. E, assim, ao compor uma equipe, privile- gia-se e se dá espaço a todos os alunos, ou seja, constrói-se um percurso pedagó- gico inclusivo. Fora isso, o próprio circuito educativo das oficinas privilegia - e mui- to - o desenvolvimento de outras com- petências. Por exemplo, durante o pro- cesso de experimentação e aprendizagem do uso da câmera de vídeo, os alunos são estimulados a fazer experimentações ri- gorosas, sempre mudando apenas um parâmetro envolvido da experiência. Sem perceber, praticam o método científico - algo que poderão usar para sempre em suas vidas. No processo coletivo de de- senvolvimento dos roteiros, todos os alu- nos acabam se expondo, se expressando, e tendo que lidar com as críticas do ou- tro. Aprendem a fazer e ouvir críticas, a dissociar o trabalho de si mesmos, e en- tendem, por fim, que quando alguém está criticando algo que você fez, o que está sendo debatido é o que foi produzido, e não você, como pessoa. Essa é uma dis- tinção fundamental, que é útil para o de- senvolvimento da inteligência interpes- soal, da inteligência emocional dos alu- nos, revelando-se, por fim, uma compe- tência para todos os relacionamentos que eles terão no futuro. E esses são apenas dois exemplos de aspectos de uma ofici- na audiovisual, que vão muito além de quaisquer resultados audiovisuais em si. HÁ EDUCADORES, PRINCIPALMENTE OS MAIS ANTIGOS E TRADICIONAIS, QUE AINDA TÊM UMA CERTA AVERSÃO À TECNOLOGIA. MUITOS DIZEM QUE É POSSÍVEL ENSINAR BEM SEM TAIS FERRA- MENTAS. O QUE PENSA A RESPEITO DISSO? Acho que a questão da tecnologia é se- cundária aqui. O que a educação audio- visual traz hoje é um meio de integrar os alunos em um processo expressivo, técnico e humanista que tem diversos aspectos e resultados positivos, que podem ajudar as escolas a superar desa- fios crônicos. Os professores de gerações mais antigas, mesmo da geração da mi- nha mãe, que sempre pediu ajuda pra co- nectar os fios do VHS na televisão, hoje estão muito mais familiarizados com a internet, celulares, câmeras fotográficas digitais do que há dez anos. E os alunos, então, ainda muito mais do que os edu- cadores. É fato que é possível ensinar sem o audiovisual. Mas seria simples negli- gência perceber o potencial imenso de uma nova ferramenta - que não por aca- so envolve tecnologia - e ignorá-la. En- tão, não é uma questão de ser possível ou não. Sem dúvida que um professor brilhante, que envolve os alunos de outras maneiras e conquista resultados signi- ficativos, pode questionar a necessida- de da educação audiovisual. Nesse con- texto, entendo que o educador vai se apaixonar pela educação audiovisual, se experimentar, porque isso levará o de- sempenho da turma que já é boa a ní- veis ainda mais profundos. Agora, um professor que encontra dificuldades em sala de aula, alunos desmotivados, muita evasão ou baixo desempenho... bom, para esse, a educação audiovisual é um acha- do, pois ajudará a colocar o processo edu- cativo nos trilhos. Enfim, acredito que é só falta de oportunidade, de formação e de condições para fazê-lo, como tempo dentro do cronograma das aulas e pro- fessores interessados, entre outras. A DISCUSSÃO SOBRE EDUCAÇÃO AUDIOVISU- AL NÃO FOGE UM POUCO DA REALIDADE DA MAIORIA DAS ESCOLAS, QUE NÃO POSSUI A MENOR INFRAESTRUTURA PARA LECIONAR AS MATÉRIAS BÁSICAS DO ENSINO REGULAR? É impossível falar em educação audiovi- sual quando não há mínimas condições de aprendizagem, como escolas de lata, um professor atendendo diversas turmas, etc. Nesses casos, sem dúvida, as preocu- pações sempre serão outras. Mas, na grande maioria das escolas, que possuem míni- mas condições de ensino, o uso das fer- ramentas audiovisuais já é absolutamen- te possível, dependendo apenas de von- tade política e desejo pedagógico. MUITAS ESCOLAS PARTICULARES UTILIZAM ESSE TIPO DE TECNOLOGIA OU TÊM PROJETOS DESSE TIPO. MAS, COMO LEVAR ESSAS TEC- NOLOGIAS A QUEM NÃO TEM ACESSO A ELAS? Um caminho é o uso de celulares e câ- meras digitais portáteis, uma realidade até em localidades pequenas e distantes. No Festival Claro Curtas, assisti a filmes de formato curtíssimo realizados em to- dos os cantos do país, em cidades cujos nomes nunca antes tinha ouvido falar. Ci- dades que se pode antever nos vídeos, de interior, do sertão. As câmeras hoje estão em todos os lugares. Então, eu acredito, de verdade, que é uma questão de vonta- de política. Se houver uma política naci- onal de incentivo à educação audiovisu- al, haverá muito mais cidades e escolas em condições de participar do que o con- trário. E todas se beneficiarão. O QUE FAZER PARA QUE A EDUCAÇÃO AUDI- OVISUAL SEJA POPULAR NO BRASIL? Bom, de certa maneira, ela já é. Nunca vi balanços negativos da realização de um processo similar. Já são mais de 2.500 alunos formados nos últimos 15 anos. Mais de 3.000 vídeos produzidos. São 18 estados e mais de 40 cidades diferentes com projetos contínuos... Ou seja, a edu- cação audiovisual popular já produz mais do que as escolas de cinema brasileiras. Agora, a ampliação disso para uma esca- la macro depende de políticas públicas. Minha tese de doutorado foi elaborada com o objetivo de oferecer subsídios àque- les que desenvolvem políticas públicas, de modo que esse passo possa enfim ser dado, contando com informações e a ex- periência das mais de 100 entidades que desenvolvem projetos similares. O SEMINÁRIO CLARO CURTAS, QUE ACONTE- CEU EM AGOSTO, COM O TEMA ‘EMPREENDER E APRENDER’, COMO PARTE DA EDIÇÃO DO FESTIVAL NACIONAL DE CURTÍSSIMA METRA- GEM DO INSTITUTO CLARO, FOI REALIZADO PARA DEBATER O ASSUNTO. DE ACORDO COM O SEMINÁRIO, QUAL É O BALANÇO DAS OPOR- TUNIDADES E AVANÇOS NO USO DA LINGUA- GEM AUDIOVISUAL EM AMBIENTES EDUCATI- VOS? Acho que seguimos avançando. A cada dia fico sabendo de uma nova iniciativa, um novo projeto, uma nova abordagem via políticas públicas. O seminário foi mui- to ilustrativo nesse sentido: Cineclubes, Secretaria de Cultura do Rio, universida- des, alunos virando professores... Há um movimento social muito grande, um es- pírito da época, movendo energia nesse sentido. São diferentes iniciativas que, em um seminário como esse, se aproximam em busca de soluções comuns e de inte- resse real para a sociedade. O GUIA DO EDUCADOR FOI DESENVOLVIDO PELO INSTITUTO CLARO PARA OFERECER, GRATUITA- MENTE, AOS PROFESSORES E ALUNOS, FERRA- MENTAS E SUBSÍDIOS PARA ESTIMULAR O DE- SENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES AUDIOVISUAIS EM SALA DE AULA. AÇÕES COMO ESSAS CON- SEGUEM BONS RESULTADOS? Sem dúvida. O processo de síntese em ma- teriais educativos é fundamental para ga- rantir que não se caia, sempre, no desper- dício da experiência social. Como diz Bo- aventura Souza Santos, a experiência so- cial do mundo é muito maior do que se imagina. E grande parte dela está sendo desperdiçada... É fundamental que docu- mentemos o que estamos pensando e construindo, e que os alunos tenham como buscar referências em seu proces- so ‘se-virista’, em sua ‘sevirologia’. Ou seja, que eles tenham bons materiais para es- tudar enquanto buscam aprender a ‘se virar’, que é um dos principais objetivos das oficinas audiovisuais. Material pode auxiliar educadores No site do Instituto Claro, os professores e educadores em geral po- dem ter acesso a links de materiais para auxiliar no desenvolvimento de atividades audiovisuais. Um deles é a Cartilha ‘Tecnologias na Es- cola’, que mostra como explorar o potencial das tecnologias de infor- mação e comunicação na aprendizagem. Já o ‘Guia do Educador’, traz dicas sobre o uso da linguagem audiovisual em sala de aula. Link Tecnologias na Escola: https://www.institutoclaro.org.br/banco_arquivos/Cartilha.pdf Link Guia do Educador: http://clarocurtas.com.br/uploads/cc_guia_educador.pdf É fato que é bem possível ensinar sem o audiovisual. Mas seria simples negligência perceber o potencial imenso de uma nova ferramenta - que não por acaso envolve tecnologia - e ignorá-la Moira Toledo: “Um caminho para viabilizar a produção audiovisual é o uso de celulares e câmeras digitais portáteis, uma realidade até em localidades pequenas e distantes” DIVULGAÇÃO

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EducaçãoFOLHA DIRIGIDA

www.folhadirigida.com.br13 a 19 de outubro de 2011

CADE

RNO

DE

Recursosaudiovisuaisajudam a ampliarfoco da aprendizagem

São frequentes os debates acadêmi-cos sobre como melhorar o ensinodentro das salas de aula. Um dos

grandes entraves da educação brasileiraé a falta de interesse dos estudantes pe-los conteúdos pedagógicos das discipli-nas. Um comportamento em parte jus-tificado pelo uso de metodologias e ava-liações tradicionais. Ou seriam mesmoultrapassadas?

O que muitos especialistas acreditamé que a escola deve ser mais atrativa paraos estudantes. Esta também é a opiniãoda educadora e doutora em Cinema pelaEscola de Comunicações e Artes da Uni-versidade de São Paulo (ECA-USP), MoiraToledo. E ela vai além...

Autora da tese “Educação Audiovisu-al Popular no Brasil”, a professora acre-dita que a utilização de ferramentas au-diovisuais no processo educativo de cri-anças e jovens pode ser transformadoraem nossa sociedade. Para ela, seria ne-gligência ignorar o imenso potencialdestas novas tecnologias.

Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, adoutora em Cinema afirma que, além deser encarada como ferramenta, a lingua-gem audiovisual pode ampliar as pos-sibilidades de ensino tanto em ambien-tes formais, como nos informais. “Asferramentas audiovisuais são hoje qua-se que mais necessárias na escola do queos próprios conteúdos”, afirma.

Segundo a educadora, a escola tende aprivilegiar, em diferentes níveis, os con-teúdos mais desenvolvidos na esfera dasinteligências linguística, matemática ecorporal, em detrimento dos outros tiposde inteligência. Para ela, as escolas têmpecado no desenvolvimento do que é maisimportante no projeto de vida de cadaaluno, que é o desenvolvimento de com-petências que permitam que ele continueaprendendo - sozinho - depois da esco-la. Com oficinas de vídeo, por exemplo,os alunos desenvolvem habilidades quepoderão usar para sempre em suas vidas.

A solução, de acordo com Moira, é pos-sível: basta vontade política. “Na gran-de maioria das escolas, que possuemmínimas condições de ensino, o uso dasferramentas audiovisuais já é absoluta-mente possível, dependendo apenas devontade política e desejo pedagógico”,afirma. A educadora foi uma das orga-nizadoras do “Seminário Claro Curtas”,onde foram debatidas, em agosto, refle-xões e práticas sobre a utilização da lin-guagem audiovisual na educação.

JOYCE [email protected]

Doutora em Cinema pela Escola de Comunicações e Artesda Universidade de São Paulo (ECA-USP), Moira Toledodefende o uso de recursos audiovisuais como forma dedespertar o maior interesse dos alunos pelos conteúdosdisciplinares. E, mais do que isso, como estratégia paraampliar o horizonte do processo de ensino-aprendizagem

AS FERRAMENTAS AUDIOVISUAIS JÁ SÃOCOMUNS HOJE NA SOCIEDADE. ELAS SÃOREALMENTE NECESSÁRIAS NA SALA DE AULA?Moira Toledo - O que é necessário, defato, nas salas de aula? Já faz muito tempoque se questiona o currículo do nossoensino formal. Um aluno formado nosnossos ensinos fundamental e básico temque conhecer e dominar um universoextenso de conhecimentos, e eu reformu-lo a própria pergunta assim: o que seensina hoje nas escolas é realmente ne-cessário para a vida, para o futuro dosalunos? Creio que boa parte dos conteú-dos só interessa de fato a quem preten-de seguir carreira em uma ou outra de-terminada área. Acredito que, em buscade um universo amplo de conhecimen-tos, as escolas acabam perdendo a chancede ensinar com plenitude conhecimen-tos básicos e mais universais. E, especi-almente, as escolas têm pecado no de-senvolvimento do que é mais importanteno projeto de vida de cada aluno, que éo desenvolvimento de competências quepermitam que ele continue aprendendo- sozinho - depois da escola; que ele serelacione bem com as pessoas, em casa,no trabalho; que ele seja uma pessoaativa e tenha um método de pesqui-sa e estudo que seja autônomo e crí-tico. O processo de ensino-aprendizagemdas ferramentas audiovisuais, que ocorreespecialmente a partir de oficinas eworkshops, possui características intrín-secas que permitem aos alunos desen-volver tais competências em um curtoperíodo de tempo, e de maneira defini-tiva. Então, respondendo à pergunta, elevando-a a um paroxismo: sim, as fer-ramentas audiovisuais são hoje quaseque mais necessárias na escola do queos próprios conteúdos. QUAIS BENEFÍCIOS A UTILIZAÇÃO DESSASFERRAMENTAS PODE TRAZER AO PROCESSODE APRENDIZAGEM? O principal benefício advém do próprioperfil da realização audiovisual. Para seproduzir um vídeo, são necessárias - emgeral - muitas pessoas, com habilidadese perfis distintos. O pesquisador HowardGardner afirma que existem diversos ti-pos de inteligência, igualmente comple-xas e necessárias. Ou seja, ninguém é to-talmente inteligente ou desprovido deinteligência. O que ocorre é que as pes-

soas possuem diferentes tipos de inteli-gência. A escola tende a privilegiar, emdiferentes níveis, aqueles mais desenvol-vidos nas inteligências linguística, ma-temática e corporal. No filme “entre osmuros da escola” isso fica muito claro,quando o jovem Suleyman - até então umpéssimo aluno - se revela um excelentefotógrafo (ou seja, uma pessoa com inte-ligência visual desenvolvida). Em umaequipe de vídeo há lugar para todo tipode criança ou jovem, para todo tipo deinteligência. Para os hábeis em lingua-gem, roteiro. Os desenvoltos em aspec-tos visuais, há a direção de arte, a foto-grafia, a direção. Os destros em inteligênciacorporal podem assumir a operação decâmera, o microfone, a construção de ce-nários. Os bons em matemática desco-brem novos desafios na direção de foto-grafia, na construção de cenários/maque-tes, na operação das ilhas de edição. E,assim, ao compor uma equipe, privile-gia-se e se dá espaço a todos os alunos,ou seja, constrói-se um percurso pedagó-gico inclusivo. Fora isso, o próprio circuitoeducativo das oficinas privilegia - e mui-to - o desenvolvimento de outras com-petências. Por exemplo, durante o pro-cesso de experimentação e aprendizagemdo uso da câmera de vídeo, os alunos sãoestimulados a fazer experimentações ri-gorosas, sempre mudando apenas umparâmetro envolvido da experiência. Semperceber, praticam o método científico -algo que poderão usar para sempre emsuas vidas. No processo coletivo de de-senvolvimento dos roteiros, todos os alu-nos acabam se expondo, se expressando,e tendo que lidar com as críticas do ou-tro. Aprendem a fazer e ouvir críticas, adissociar o trabalho de si mesmos, e en-tendem, por fim, que quando alguém estácriticando algo que você fez, o que estásendo debatido é o que foi produzido, enão você, como pessoa. Essa é uma dis-tinção fundamental, que é útil para o de-

senvolvimento da inteligência interpes-soal, da inteligência emocional dos alu-nos, revelando-se, por fim, uma compe-tência para todos os relacionamentos queeles terão no futuro. E esses são apenasdois exemplos de aspectos de uma ofici-na audiovisual, que vão muito além dequaisquer resultados audiovisuais em si.

HÁ EDUCADORES, PRINCIPALMENTE OS MAISANTIGOS E TRADICIONAIS, QUE AINDA TÊM UMACERTA AVERSÃO À TECNOLOGIA. MUITOS DIZEMQUE É POSSÍVEL ENSINAR BEM SEM TAIS FERRA-MENTAS. O QUE PENSA A RESPEITO DISSO?Acho que a questão da tecnologia é se-cundária aqui. O que a educação audio-visual traz hoje é um meio de integraros alunos em um processo expressivo,técnico e humanista que tem diversosaspectos e resultados positivos, quepodem ajudar as escolas a superar desa-

fios crônicos. Os professores de geraçõesmais antigas, mesmo da geração da mi-nha mãe, que sempre pediu ajuda pra co-nectar os fios do VHS na televisão, hojeestão muito mais familiarizados com ainternet, celulares, câmeras fotográficasdigitais do que há dez anos. E os alunos,então, ainda muito mais do que os edu-cadores. É fato que é possível ensinar semo audiovisual. Mas seria simples negli-gência perceber o potencial imenso deuma nova ferramenta - que não por aca-so envolve tecnologia - e ignorá-la. En-tão, não é uma questão de ser possívelou não. Sem dúvida que um professorbrilhante, que envolve os alunos de outrasmaneiras e conquista resultados signi-ficativos, pode questionar a necessida-de da educação audiovisual. Nesse con-texto, entendo que o educador vai seapaixonar pela educação audiovisual, seexperimentar, porque isso levará o de-sempenho da turma que já é boa a ní-veis ainda mais profundos. Agora, umprofessor que encontra dificuldades emsala de aula, alunos desmotivados, muitaevasão ou baixo desempenho... bom, paraesse, a educação audiovisual é um acha-do, pois ajudará a colocar o processo edu-cativo nos trilhos. Enfim, acredito que ésó falta de oportunidade, de formação ede condições para fazê-lo, como tempodentro do cronograma das aulas e pro-fessores interessados, entre outras.

A DISCUSSÃO SOBRE EDUCAÇÃO AUDIOVISU-AL NÃO FOGE UM POUCO DA REALIDADE DAMAIORIA DAS ESCOLAS, QUE NÃO POSSUI AMENOR INFRAESTRUTURA PARA LECIONAR ASMATÉRIAS BÁSICAS DO ENSINO REGULAR?É impossível falar em educação audiovi-sual quando não há mínimas condiçõesde aprendizagem, como escolas de lata,um professor atendendo diversas turmas,etc. Nesses casos, sem dúvida, as preocu-pações sempre serão outras. Mas, na grandemaioria das escolas, que possuem míni-

mas condições de ensino, o uso das fer-ramentas audiovisuais já é absolutamen-te possível, dependendo apenas de von-tade política e desejo pedagógico.

MUITAS ESCOLAS PARTICULARES JÁ UTILIZAMESSE TIPO DE TECNOLOGIA OU TÊM PROJETOSDESSE TIPO. MAS, COMO LEVAR ESSAS TEC-NOLOGIAS A QUEM NÃO TEM ACESSO A ELAS?Um caminho é o uso de celulares e câ-meras digitais portáteis, uma realidadeaté em localidades pequenas e distantes.No Festival Claro Curtas, assisti a filmesde formato curtíssimo realizados em to-dos os cantos do país, em cidades cujosnomes nunca antes tinha ouvido falar. Ci-dades que se pode antever nos vídeos, deinterior, do sertão. As câmeras hoje estãoem todos os lugares. Então, eu acredito,de verdade, que é uma questão de vonta-de política. Se houver uma política naci-onal de incentivo à educação audiovisu-al, haverá muito mais cidades e escolasem condições de participar do que o con-trário. E todas se beneficiarão.

O QUE FAZER PARA QUE A EDUCAÇÃO AUDI-OVISUAL SEJA POPULAR NO BRASIL?Bom, de certa maneira, ela já é. Nunca vibalanços negativos da realização de umprocesso similar. Já são mais de 2.500alunos formados nos últimos 15 anos.Mais de 3.000 vídeos produzidos. São 18estados e mais de 40 cidades diferentescom projetos contínuos... Ou seja, a edu-cação audiovisual popular já produz maisdo que as escolas de cinema brasileiras.Agora, a ampliação disso para uma esca-la macro depende de políticas públicas.Minha tese de doutorado foi elaboradacom o objetivo de oferecer subsídios àque-les que desenvolvem políticas públicas,de modo que esse passo possa enfim serdado, contando com informações e a ex-periência das mais de 100 entidades quedesenvolvem projetos similares.

O SEMINÁRIO CLARO CURTAS, QUE ACONTE-CEU EM AGOSTO, COM O TEMA ‘EMPREENDERE APRENDER’, COMO PARTE DA 3ª EDIÇÃO DOFESTIVAL NACIONAL DE CURTÍSSIMA METRA-GEM DO INSTITUTO CLARO, FOI REALIZADOPARA DEBATER O ASSUNTO. DE ACORDO COMO SEMINÁRIO, QUAL É O BALANÇO DAS OPOR-TUNIDADES E AVANÇOS NO USO DA LINGUA-GEM AUDIOVISUAL EM AMBIENTES EDUCATI-VOS?Acho que seguimos avançando. A cada diafico sabendo de uma nova iniciativa, umnovo projeto, uma nova abordagem viapolíticas públicas. O seminário foi mui-to ilustrativo nesse sentido: Cineclubes,Secretaria de Cultura do Rio, universida-des, alunos virando professores... Há ummovimento social muito grande, um es-pírito da época, movendo energia nessesentido. São diferentes iniciativas que, emum seminário como esse, se aproximamem busca de soluções comuns e de inte-resse real para a sociedade.

O GUIA DO EDUCADOR FOI DESENVOLVIDO PELOINSTITUTO CLARO PARA OFERECER, GRATUITA-MENTE, AOS PROFESSORES E ALUNOS, FERRA-MENTAS E SUBSÍDIOS PARA ESTIMULAR O DE-SENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES AUDIOVISUAISEM SALA DE AULA. AÇÕES COMO ESSAS CON-SEGUEM BONS RESULTADOS?Sem dúvida. O processo de síntese em ma-teriais educativos é fundamental para ga-rantir que não se caia, sempre, no desper-dício da experiência social. Como diz Bo-aventura Souza Santos, a experiência so-cial do mundo é muito maior do que seimagina. E grande parte dela está sendodesperdiçada... É fundamental que docu-mentemos o que estamos pensando econstruindo, e que os alunos tenhamcomo buscar referências em seu proces-so ‘se-virista’, em sua ‘sevirologia’. Ou seja,que eles tenham bons materiais para es-tudar enquanto buscam aprender a ‘sevirar’, que é um dos principais objetivosdas oficinas audiovisuais.

Material pode auxiliar educadores

No site do Instituto Claro, os professores e educadores em geral po-

dem ter acesso a links de materiais para auxiliar no desenvolvimento

de atividades audiovisuais. Um deles é a Cartilha ‘Tecnologias na Es-

cola’, que mostra como explorar o potencial das tecnologias de infor-

mação e comunicação na aprendizagem. Já o ‘Guia do Educador’, traz

dicas sobre o uso da linguagem audiovisual em sala de aula.

Link Tecnologias na Escola:

https://www.institutoclaro.org.br/banco_arquivos/Cartilha.pdf

Link Guia do Educador:

http://clarocurtas.com.br/uploads/cc_guia_educador.pdf

“ É fato queé bem possívelensinar sem oaudiovisual.Mas seria simplesnegligênciaperceber opotencial imensode uma novaferramenta - quenão por acasoenvolve tecnologia- e ignorá-la

Moira Toledo:“Um caminho paraviabilizar a produçãoaudiovisual é ouso de celulares ecâmeras digitaisportáteis, umarealidade até emlocalidadespequenas edistantes”

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