Momentos Pedagógicos e as Etapas Da Situação de Estudo

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1 Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Campus Soane Nazaré de Andrade, Km 16. Rodovia Ilhéus-Itabuna. Ilhéus, BA, Brasil. 45.662-900. [email protected] 2 Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí, RS, Brasil. 3 Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil. MOMENTOS PEDAGÓGICOS E AS ETAPAS DA SITUAÇÃO DE ESTUDO: COMPLEMENTARIDADES E CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS Pedagogical moments and the stages of Study Situation: complementarities and contributions to the Science Education 1 Ciência & Educação, v. 18, n. 1, p. 1-22, 2012 Simoni Tormöhlen Gehlen 1 Otavio Aloisio Maldaner 2 Demétrio Delizoicov 3 Resumo: Parte da pesquisa em Educação em Ciências tem se apoiado de forma significativa nas ideias de Freire e Vygotsky para configurar novas propostas curriculares. Destacam-se as propostas aborda- gem temática freireana e Situação de Estudo, balizadas, respectivamente, pelos pressupostos de Freire e Vygotsky. O objetivo deste trabalho consiste em analisar o processo de desenvolvimento das propos- tas em sala de aula, em que a abordagem temática freireana tem como base os momentos pedagógicos, enquanto a Situação de Estudo também apresenta determinadas etapas. Sinaliza-se que há complemen- taridade entre as propostas, em que as etapas da Situação de Estudo – problematização, primeira elaboração, função da elaboração e compreensão conceitual – , que configuram o processo da significação conceitual, contribuem no contexto dos momentos pedagógicos, uma vez que a organização do conhecimento pode ser potencializada seguindo as etapas da significação conceitual abordadas pela Situação de Estudo. Palavras-chave: Situação de Estudo. Abordagem Temática Freireana. Paulo Freire. Vygotsky. Abstract: Part of the research in Science Education has relied significantly on the ideas of Freire and Vygotsky to set new curriculum proposals. We highlight the proposals of a Freirean Thematic Ap- proach and Study Situation, respectively by the ideas of Freire and Vygotsky. The objective of this study is to analyze the process of developing the proposals in the classroom, where Freirean Thematic Approach is based on Pedagogical Moments, and the Study Situation also has certain steps. It signals that there is complementarity between the proposals in the steps of the Study Situation – Problematiza- tion, First Establishment, Function of the Elaboration and Conceptual Understanding – which shape the process of conceptual meaning, contribute in the context of the Pedagogical Moments, since the Organization of Knowledge can be increased by following the steps of the conceptual significance addressed by the Study Situation. Keywords: Study Situation. Freirean Thematic Approach. Freire, Paulo. Vygotsky, L. S.

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Demétrio Delizoicov

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  • 1 Departamento de Cincias Exatas e Tecnolgicas, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). CampusSoane Nazar de Andrade, Km 16. Rodovia Ilhus-Itabuna. Ilhus, BA, Brasil.45.662-900. [email protected] Programa de Ps-Graduao em Educao nas Cincias, Universidade Regional do Noroeste do Estado doRio Grande do Sul. Iju, RS, Brasil.3 Programa de Ps-Graduao em Educao Cientfica e Tecnolgica, Universidade Federal de Santa Catarina.Florianpolis, SC, Brasil.

    MOMENTOS PEDAGGICOS E AS ETAPASDA SITUAO DE ESTUDO:

    COMPLEMENTARIDADES E CONTRIBUIESPARA A EDUCAO EM CINCIAS

    Pedagogical moments and the stages of Study Situation:complementarities and contributions

    to the Science Education

    1Cincia & Educao, v. 18, n. 1, p. 1-22, 2012

    Simoni Tormhlen Gehlen1 Otavio Aloisio Maldaner2 Demtrio Delizoicov3

    Resumo: Parte da pesquisa em Educao em Cincias tem se apoiado de forma significativa nas ideias

    de Freire e Vygotsky para configurar novas propostas curriculares. Destacam-se as propostas aborda-

    gem temtica freireana e Situao de Estudo, balizadas, respectivamente, pelos pressupostos de Freire

    e Vygotsky. O objetivo deste trabalho consiste em analisar o processo de desenvolvimento das propos-

    tas em sala de aula, em que a abordagem temtica freireana tem como base os momentos pedaggicos,

    enquanto a Situao de Estudo tambm apresenta determinadas etapas. Sinaliza-se que h complemen-

    taridade entre as propostas, em que as etapas da Situao de Estudo problematizao, primeira elaborao,

    funo da elaborao e compreenso conceitual , que configuram o processo da significao conceitual,

    contribuem no contexto dos momentos pedaggicos, uma vez que a organizao do conhecimento pode ser

    potencializada seguindo as etapas da significao conceitual abordadas pela Situao de Estudo.

    Palavras-chave: Situao de Estudo. Abordagem Temtica Freireana. Paulo Freire. Vygotsky.

    Abstract: Part of the research in Science Education has relied significantly on the ideas of Freire and

    Vygotsky to set new curriculum proposals. We highlight the proposals of a Freirean Thematic Ap-

    proach and Study Situation, respectively by the ideas of Freire and Vygotsky. The objective of this

    study is to analyze the process of developing the proposals in the classroom, where Freirean Thematic

    Approach is based on Pedagogical Moments, and the Study Situation also has certain steps. It signals

    that there is complementarity between the proposals in the steps of the Study Situation Problematiza-

    tion, First Establishment, Function of the Elaboration and Conceptual Understanding which shape the process

    of conceptual meaning, contribute in the context of the Pedagogical Moments, since the Organization

    of Knowledge can be increased by following the steps of the conceptual significance addressed by the

    Study Situation.

    Keywords: Study Situation. Freirean Thematic Approach. Freire, Paulo. Vygotsky, L. S.

  • 2Gehlen, S. T.; Maldaner, O. A.; Delizoicov, D.

    Cincia & Educao, v. 18, n. 1, p. 1-22, 2012

    Introduo

    No ensino de Cincias existe uma preocupao cada vez mais significativa em tornoda reestruturao curricular em que diversas propostas, em fase de elaborao e desenvolvi-mento, esto sendo acompanhadas pela pesquisa. Nessas propostas, h uma abordagem sdiversas classes de problema, tais como: a) problemas sociais marcados pela dimenso cient-fica e tecnolgica ligados aos pressupostos do movimento Cincia-Tecnologia-Sociedade (CTS),como os estudos de Santos (2008), Auler et al. (2005), Andrade e Carvalho (2002) e Zylber-sztajn e Cruz (2001); b) o problema como situaes que envolvem questes sociais vivencia-das pela sociedade e comunidade escolar, representadas pelos temas transversais sugeridospelos Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), e c) o problema como situaesque envolvem o contexto do estudante e que auxiliam na estruturao de conceitos de umadeterminada disciplina, a exemplo da proposta curricular do estado de Minas Gerais, queaborda determinados contedos de qumica por meio de temas (MORTIMER; MACHADO;ROMANELLI, 2000).

    H, tambm, propostas curriculares que se apoiam nas ideias de Paulo Freire, em queo problema assume papel fundamental na organizao curricular, potencializando o processode ensino-aprendizagem, como os estudos que exploram a abordagem temtica freireana (DE-LIZOICOV, 1982, 1991, 2008; SILVA, 2004; DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO,2002; PONTUSCHKA, 1993; PERNAMBUCO, 1994; ANGOTTI, 1982). Assim como exis-tem os trabalhos balizados pelos pressupostos de Vygotsky, em que o problema tem relaocom as situaes relacionadas alta vivncia dos estudantes fecundadas na significao deconceitos disciplinares e interdisciplinares das Cincias Naturais, denominadas de Situao deEstudo (MALDANER, 2007a; AUTH et al., 2004; MALDANER; ZANON, 2004).

    Na Situao de Estudo no h aprofundamento, de forma dinmica, do processopedaggico em torno do seu desenvolvimento em sala de aula, como ocorre na abordagemtemtica freireana, por meio dos momentos pedaggicos (DELIZOICOV, 1991, 2008; DELI-ZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002), pois parece privilegiar a questo da signifi-cao conceitual, indicando preocupao mais cognitiva do que pedaggica. Desse modo, asetapas da Situao de Estudo sero explicitadas e aprofundadas, no sentido de se investigaremtambm complementaridades com os momentos pedaggicos. Com isso, o objetivo deste tra-balho consiste em analisar o processo de desenvolvimento das propostas em sala de aula, que,na abordagem temtica freireana, segue a dinmica dos momentos pedaggicos (DELIZOI-COV, 1991, 2008; DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002), especificamenteancorada numa abordagem pedaggica; e na Situao de Estudo que, fundamentada na abor-dagem vygotskyana, apresenta uma sustentao terica do ponto de vista cognitivo e tambmsegue uma dinmica especfica sistematizada em trs etapas.

    Com base em pesquisas sobre aproximaes tericas entre Freire e Vygotsky, no quediz respeito a propostas curriculares na educao escolar, pode-se compreender melhor aspossveis complementaridades entre elas se as analisarmos, sob o ponto de vista terico, emseus momentos e etapas, conforme explicitam os trabalhos de Gehlen (2009) e Gehlen et al.(2008).

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    Momentos pedaggicos e as etapas ...

    Momentos pedaggicos e as etapas da Situao de Estudo

    A estruturao da abordagem temtica freireana contempla a investigao temtica4

    proposta por Freire (1987), a qual pode apresentar sintonia com alguns elementos da Situaode Estudo balizada pelas ideias vygotskyanas. Para discutir a possvel sintonia entre as propos-tas, fez-se uso do processo de desenvolvimento dessas em sala de aula, uma vez que as etapasda elaborao e sistematizao de uma Situao de Estudo no so explicitadas da mesmaforma que na abordagem temtica freireana. Isto , na Situao de Estudo, no est explcitoo processo de obteno dos temas a serem abordados no contexto escolar, o que difere daabordagem temtica freireana em que a investigao temtica (FREIRE, 1987) se constitui nadinmica para a obteno dos temas a serem desenvolvidos.

    Problematizao

    Na dinmica dos momentos pedaggicos, organizada por Delizoicov (1991, 2008) epor Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), a problematizao inicial caracteriza-se por apre-sentar situaes reais que os alunos conhecem e vivenciam. nesse momento que os estudan-tes so desafiados a expor os seus entendimentos sobre determinadas situaes significativasque so manifestaes de contradies locais (FREIRE, 1987) e que fazem parte de suasvivncias. Vale lembrar que essas situaes foram obtidas durante o processo de investigaotemtica e, portanto, esto diretamente vinculadas aos temas selecionados.

    O trabalho de Silva (2004) ilustra as diversas questes desafiadoras que caracterizama problematizao inicial, denominadas, pelo autor, de estudo da realidade (ER), com o propsitode obter um panorama da concepo dos alunos acerca de aspectos que fazem parte do con-texto em que vivem. Por exemplo, no Quadro 1, o tema Falta dgua em Americanpolis-SP, a problematizao inicial gira em torno de questes como: Quais os equipamentos hidru-licos de sua casa? Como funcionam?, Para onde vai a gua utilizada em sua casa? Elapoderia ser reutilizada? Como? e Qual o consumo de gua em sua casa? E no seu bairro?

    Segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), a finalidade da problematizao ini-cial propiciar um distanciamento crtico do aluno ao se defrontar com as interpretaes dassituaes propostas para discusso e fazer com que ele reconhea a necessidade de se obteremnovos conhecimentos, com os quais possa interpretar a situao mais adequadamente. Isto :[...] deseja-se aguar explicaes contraditrias e localizar as possveis limitaes do conheci-mento que vem sendo expressado, quando este cotejado com o conhecimento cientfico que j foiselecionado para ser abordado (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002, p. 201).

    4 Sistematizado por Delizoicov (1991, 2008) em cinco etapas, a partir da proposio apresentada no captulo 3do livro Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1987): Primeira (levantamento preliminar): reconhecer o ambiente em quevive o aluno. Segunda (anlise das situaes e escolha das codificaes): escolha de situaes que sintetizam ascontradies vividas. Terceira (dilogos descodificadores): a partir desses dilogos se obtm os Temas Geradores.Quarta (reduo temtica): trabalho de uma equipe interdisciplinar, com o objetivo de elaborar o programa eidentificar quais conhecimentos disciplinares so necessrios para o entendimento dos temas. Quinta (trabalho emsala de aula): desenvolvimento do programa em sala de aula.

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  • 4Gehlen, S. T.; Maldaner, O. A.; Delizoicov, D.

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    PROGRAMAO - CINCIAS - 6 SRIE - FALTA DGUA EM AMERICANPOLIS - SP

    continua

    BLOCOS:Tpicosprogramticos

    FALAS X ATIVIDADES(ORGANIZAO METODOLGICA)

    I Da piapara outrosequipamentoshidrulicos

    II Da caixade descargapara a caixadgua

    III Distribuioda gua: dacasa para obairro

    IV Estao detratamento degua

    V Consumode gua(homem)

    Fala 2:

    ER *

    OC *

    AC *

    Fala 2:

    ER

    OC

    AC

    Fala 4,5:

    ER

    OC

    AC

    Fala 3:

    ER

    OC

    AC

    ER

    OC

    AC

    Quando falta gua, a ordem em que acaba nos equipamentos da residncia(tanques, pias, bacias etc) varia de casa para casaQuais os equipamentos hidrulicos de sua casa? Como funcionam?

    . Classificando os equipamentos hidrulicos

    . Pia como um sistema - funcionamento de uma torneira: alavanca, torque,presso, rosca e ao e reao. Funes: cano, bacia e ralo - abrindo e fechando o sistema

    . Extrapolando para outros equipamentos hidrulicos

    Quando falta gua, a ordem em que acaba nos equipamentos da residncia(tanques, pias, bacias etc) varia de casa para casaComo funciona a caixa de descarga?

    . Sifo e bia: vasos comunicantes, empuxo e feed-back negativo

    . Reservatrios de gua

    A gua acaba sempre antes em algumas casas e deois em outras. Nem sempreacaba a gua em todas as regies do bairro; h regies onde a falta maisfrequente

    A gua apresenta a mesma presso em todos os equipamentos hidrulicos dacasa? Quando ocorrem vazamentos?

    . Relaes entre os equipamentos hidrulicos de uma casa

    . Vazamentos no sistema (desequilbrios e conservaes)

    . Distribuio da gua no bairro

    Aps a falta de gua, ela chega esbranquiada e com cheiro desagradvel

    Que usos fazemos da gua? Quando podemos considerar a gua como de boaqualidade para o consumo?

    . Propriedades fsico-qumicas da gua: solubilidade, miscibilidade, densidade etc- Fracionamento de misturas - Utilizao da gua pelos seres vivos

    . Estao de tratamento de gua

    Qual o consumo de gua em sua casa? E no seu bairro?

    . Leitura do hidrmetro; Clculo do consumo mdio e controle

    . Consumo total de gua na cidade (estimativa)

    Quadro 1. Organizao do contedo programtico por meio de Temas

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    Momentos pedaggicos e as etapas ...

    Os autores tambm enfatizam que o papel do professor durante a problematizaoinicial diagnosticar apenas o que os estudantes sabem e pensam sobre uma determinadasituao. ele que organiza a discusso, no para fornecer explicaes prontas, mas, sim, parabuscar o questionamento das interpretaes assumidas pelos estudantes. A dinmica reco-mendada para essa etapa segue, num primeiro momento, a discusso em pequenos grupos,para depois ser compartilhada no grande grupo (DELIZOICOV, 2001).

    importante lembrar que, na forma como que foi concebida a problematizao inicialnos momentos pedaggicos, tambm, se fazem presentes os conceitos prevalentes, no impor-tando se so espontneos ou no. Isso quer dizer que os estudantes podem explicitar suaconcepo cientfica acerca das questes desafiadoras que lhes so apresentadas. Todavia, aproblematizao inicial mais ampla, no envolve apenas os conceitos cientficos e espontneos,pois o pano de fundo um problema que est orientando a problematizao. Isto , as pergun-tas realizadas no primeiro momento, que buscam trazer tona as concepes dos estudantesacerca de determinada situao, so decorrentes de um problema que fundamenta todo oprocesso didtico-pedaggico. Em suma, os questionamentos realizados na problematizao ini-cial emergem de um problema, de uma contradio.

    Ainda que essa caracterstica da problematizao inicial seja compartilhada tanto porSilva (2004) como por Delizoicov (1991, 2008), por Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002)

    VI Estao detratamento deesgoto;Represa - cicloda gua nanatureza

    VIIDistribuiosocial da gua- viso geral doprocesso eextrapolaespara o planeta

    Fala 6:

    ER

    OC

    AC

    Fala 7:

    ER

    OC

    AC

    A falta de chuva uma fatalidade; quando h estiagem sempre falta gua

    Para onde vai a gua utlizada em sua casa? Ela poderia ser reutilizada? Como?

    .Sistema de coleta de esgoto

    . Esgoto domstico e industrial

    . Coleta parcial: perda na captao

    . Fontes fornecedoras: Mananciais

    . Ciclo da gua (natureza): calor e clima como fatores reguladoresMesmo nos perodos chuvosos h falta de gua

    O que h de comum entre o funcionamento de um equipamento hidrulico e adistribuio da gua urbana? Quais so os fatores reguladores nos dois nveis?S a falta de chuva explica o abastecimento precrio em alguns bairros?

    . Retomando o funcionamento hidrulico (tanque, casa, cidade)

    . Distribuio da gua (prioridades socioeconmicas e polticas)

    . Ciclo da gua no planeta e a interferncia humana

    . Retomando e questionando todas as sete falas iniciais

    . Propostas para a superao da falta dgua no bairro

    Momentos pedaggicos: ER * - estudo da realidade; OC *: organizao do conhecimento: AC *: aplicao doconhecimento

    Fonte: Silva (2004, p. 405).

    Quadro 1. continuao

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  • 6Gehlen, S. T.; Maldaner, O. A.; Delizoicov, D.

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    e Pernambuco (1994), o fato de Delizoicov e Angotti (1991) no terem explicitado esse aspectonum livro que estrutura a abordagem de conceitos da Fsica, por exemplo, a partir de um tema- produo, distribuio e consumo de energia eltrica -, pode propiciar um entendimentoambguo dos momentos pedaggicos do ponto de vista de fundamentao e do tratamentosistemtico, o que pode dar uma dimenso exclusivamente metodolgica a essa dinmica.

    Na Situao de Estudo, a primeira etapa da dinmica de sala de aula tambm deno-minada problematizao, que, segundo Auth (2002), busca explicitar o primeiro entendimentoque os alunos tm sobre uma determinada problemtica, em que fica posta a necessidade denovos conhecimentos. nesse momento em que os estudantes tambm so desafiados acercade entendimentos sobre algum aspecto relacionado ao tema que faa parte de sua vivncia.Nessa etapa, o professor traz para a discusso algumas palavras que mostram outras possibi-lidades de se compreender a situao problemtica. Essas palavras, sempre conceitos sob oponto de vista vygotskyano, comeam a produzir algum sentido novo e podem vir a se tornarconceitos no decorrer do estudo. Elas orientam a discusso, embora os estudantes tenhamtotal autonomia para usar suas palavras na produo dos entendimentos prprios. Cria-se,assim, a necessidade do estudo para se compreender a situao.

    Nessa etapa, problematiza-se o conceito espontneo do estudante mediante a intro-duo do conceito cientfico, para se abordar um problema que est vinculado a uma situaoreal do contexto do estudante, como o efeito estufa, a camada de oznio e a chuva cida. Aose questionarem aspectos relacionados a essas situaes, denominadas de problema no mbitoda Situao de Estudo, o professor vai fazer referncia a uma palavra que, no decorrer dasdemais etapas, vai se tornar um conceito para o estudante. Isso no significa que o questiona-mento realizado na problematizao tenha como referncia os conceitos cientficos, pois preci-so proporcionar uma interao dialgica que ser possvel se os estudantes se sentirem desa-fiados por meio das questes relacionadas s situaes que lhes so familiares.

    Em suma, a problematizao na Situao de Estudo tem a funo de significar as lin-guagens que vo se tornar uma discusso conceitual. Ento, o professor precisa saber osconceitos cientficos centrais sobre os quais necessita trabalhar e introduzir a palavra necess-ria. Um exemplo disso apresentado por Maldaner (2007b) na Situao de Estudo Ar Atmos-frico, a qual est estruturada a partir da disciplina de Qumica. A atmosfera uma situaoda vivncia e permite a significao de muitos conceitos iniciais de qumica. Os estudantestm muito a dizer sobre ela e conhecem os problemas que esto ligados atmosfera, como: apresena do oznio na alta e na baixa atmosfera, a chuva-cida em centros urbanos, o efeitoestufa na regulao da temperatura da superfcie da Terra, entre outras. Esses problemas, noentanto, s sero compreendidos se alguns conceitos bsicos de Qumica, Fsica e Biologiaforem significados nesse contexto, adquirindo sentido. As perguntas que caracterizam a proble-matizao so, por exemplo: De que feita ou constituda uma poro de ar atmosfrico?;Como se constituiu e se mantm a atmosfera terrestre?; Como podemos modificar a com-posio de uma amostra original de ar atmosfrico?.

    Maldaner (2007b) explica que:

    Ao fazer essas perguntas em sala de aula sobre a composio do ar,

    costumam aparecer respostas como: gases, poeira, fumaa, poluentes,

    etc. Essas no so, ainda, respostas que interessam sob o ponto de

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    vista da Qumica. Uma nova pergunta, por exemplo, [quais gases?], per-

    mite encaminhar respostas mais interessantes sob o ponto de vista de

    significao dos primeiros conceitos qumicos, pois os estudantes co-

    meam a nomear substncias que compem a poro gasosa do ar at-

    mosfrico: oxignio, nitrognio, gs carbnico, vapor de gua e outras. (MAL-DANER, 2007b, p. 21 - grifos do autor)

    Como o aluno precisa formar um pensamento sobre uma determinada situao real,a exemplo do Ar atmosfrico, a introduo da palavra necessria para permitir o pensa-mento sistematizado. importante que a palavra representativa do conceito esteja presente,que seja utilizada na interao, que docentes e estudantes se detenham nela, discutam sentidose significados que devero ter em um contexto especfico de uma disciplina ou no contextointerdisciplinar (MALDANER et al., 2001). Vale lembrar que a palavra em Vygotsky (2001),no inicio, apenas um som, mas j apresenta algum sentido para o estudante em um determi-nado contexto, isso porque o sentido sempre contextual e subjetivo. Desta forma, j existe aintencionalidade de introduzir uma palavra, e em torno dela vai se desenvolver o conceito,consequentemente, o entendimento da situao problemtica.

    Em vista do exposto, o processo da significao conceitual tem incio na problematiza-o - primeira etapa da Situao de Estudo -, o que faz com que sua configurao seja concei-tual. Isto , seu objetivo trazer tona um problema que est presente na vivncia dos estu-dantes, em que o seu equacionamento necessita de novas palavras representativas de concei-tos, sendo este o primeiro passo da significao conceitual.

    Na primeira etapa do desenvolvimento de um tema em sala de aula, tendo comoreferncia tanto os momentos pedaggicos quanto a Situao de Estudo, possvel identificarque, em ambos, os estudantes so desafiados a expor seus entendimentos acerca de situaesvinculadas ao tema em questo. Alm das semelhanas entre as propostas curriculares, naprimeira etapa do desenvolvimento em sala de aula, tambm h um aspecto que revela aespecificidade da abordagem temtica freireana e da Situao de Estudo, o qual diz respeito configurao de um problema - objeto de estudo. Na abordagem temtica freireana, a escolhado problema que passa a organizar todo o processo didtico-pedaggico segue a investigaotemtica, em que a problematizao consiste em abordar determinados problemas que somanifestaes de contradies locais (FREIRE, 1987), a exemplo da falta de gua no munic-pio de Americanpolis/SP (SILVA, 2004) e da questo da agricultura na Guin-Bissau (DE-LIZOICOV; CASTILHO, 1980). Em funo disso, a atuao docente, nesse momento daproblematizao inicial, no a de introduzir a palavra que est relacionada a um determinadoconceito cientfico, o que, no caso da Situao de Estudo, essencial. A meta da problematizaoinicial na abordagem temtica freireana a de preparar a introduo do conceito cientfico nomomento seguinte, isto , na organizao do conhecimento. Deseja-se conscientizar o aluno danecessidade de outros conhecimentos para a compreenso do problema, isto , os conceitoscientficos j selecionados para serem abordados na organizao do conhecimento (DELIZOICOV,1991, 2008; DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002).

    Na Situao de Estudo, o problema a ser explorado est relacionado com os concei-tos estruturados e estruturadores de uma nova compreenso a serem desenvolvidos em sala deaula, e a est a importncia dos conceitos espontneos dos estudantes, pois mediante o conhe-

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    cimento de maior generalidade, o cientfico, possvel tomar conscincia dos conhecimentosespontneos e da sua insuficincia. Os conhecimentos espontneos e cientficos se interinflu-enciam, de acordo com Vygotsky (2001), em movimentos opostos, em que os primeiros cami-nham para a abstrao e os segundos para a compreenso da situao concreta. Por exemplo,na Situao de Estudo Ar Atmosfrico, o efeito estufa um conceito que as pessoas, no dia-a-dia, tm ligado, muitas vezes, apenas compreenso de malefcio, mas a introduo deconceitos da Cincia permite que o sujeito passe a compreender o efeito estufa na regulaoda temperatura da superfcie da Terra. Em sntese, o objeto de estudo na Situao de Estudo um problema de dimenso conceitual, o que, portanto, difere da abordagem temtica freire-ana, na qual o problema tem relao com as contradies locais em que vivem os estudantes.

    Organizao do conhecimento e primeira elaborao

    A segunda etapa dos momentos pedaggicos, denominada organizao do conhecimento,compreende, no entender de Delizoicov (1991, 2008) e de Delizoicov, Angotti e Pernambuco(2002), o estudo sistemtico dos conhecimentos envolvidos no tema e na problematizao inicial.Isto , so estudados os conhecimentos cientficos necessrios para a melhor compreensodos temas e das situaes significativas. Nesse momento da atividade pedaggica importanteenfatizar que os conhecimentos cientficos so ponto de chegada:

    A abordagem dos conceitos cientficos ponto de chegada, quer da

    estruturao do contedo programtico quer da aprendizagem dos alu-

    nos, ficando o ponto de partida com os temas e as situaes significa-

    tivas que originam, de um lado, a seleo e organizao do rol de con-

    tedos, ao serem articulados com a estrutura do conhecimento cient-

    fico, e, de outro, o incio do processo dialgico e problematizador.

    (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002, p. 194)

    Os conhecimentos cientficos como ponto de chegada no processo de ensino-apren-dizagem contribuem para o entendimento dos Temas Geradores (DELIZOICOV, 1991, 2008;SILVA, 2004; DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002; PERNAMBUCO, 1994;PONTUSCHKA, 1993). Para que ocorra a apreenso desse conhecimento cientfico, por par-te do estudante, Delizoicov (1991) afirma que a prtica educativa necessita ser desenvolvidasegundo um modelo didtico-pedaggico que propicia a ruptura entre o conhecimento doestudante e o conhecimento sistematizado, isto , entre a cultura primeira e cultura elabo-rada (SNYDERS, 1988). nessa ocasio que Delizoicov (1991) explora a relao entre oprocesso-produto do conhecimento do aluno e o do conhecimento cientfico, conforme repre-sentao da Figura 1.

    Para Delizoicov (1991), o processo de produo de conhecimento tanto do alunoquanto da Cincia no pode ser desconsiderado pelo professor durante o planejamento, aorganizao e o desenvolvimento da atividade pedaggica de apropriao do produto do co-nhecimento cientfico pelo educando. Em outros termos, para o autor, o professor necessitaaprender no somente o produto construdo pelo educando no caso, a informao da

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    Momentos pedaggicos e as etapas ...

    concepo alternativa , mas, tambm, o seu processo de construo, isto , como essainformao se articula com os valores e filosofias da comunidade na qual construda.

    Ao caracterizar a ruptura, Delizoicov (1991) destaca como imprescindvel considerara continuidade no processo de interpretao de fenmenos. Defende a ocorrncia de continuida-de, a qual garantida atravs da ruptura, em que a apreenso do objeto do conhecimento peloeducando ocorrer por hiptese segundo um processo de continuidade-ruptura-continuidade.Para o autor:

    [...] o conhecimento prevalente do educando - particularmente o ca-

    racterizado pelas concepes alternativas - implica na continuidade do

    conhecimento vulgar para interpretao dos fenmenos. A aquisio dos

    paradigmas da Cincia dever ocorrer num processo de ruptura com

    aquele conhecimento prevalente para que seja possvel a continuidade da

    interpretao dos fenmenos, via conhecimento produzido pela Cin-

    cia e no pelo conhecimento vulgar. (DELIZOICOV, 1991, p. 62 -

    grifos do autor)

    importante destacar que a noo de ruptura foi estabelecida por Delizoicov (1991)a partir dos pressupostos de Kuhn (1975), apresentando sintonia com o que ocorre na passa-gem de um paradigma para outro, durante as revolues cientficas. Isto , durante a mu-dana de paradigma, dependendo do problema particular a ser investigado, o pesquisador noabandona totalmente os paradigmas, pois devido sua formao poder transitar e comparti-lhar tanto do paradigma velho como do novo. Por exemplo, dependendo do problema aser investigado, os paradigmas podem ser os da Fsica Clssica ou os da Fsica Quntica.

    nesse sentido que, para Delizoicov (1991), a ocorrncia de ruptura entre o conhe-cimento prevalente do educando e os paradigmas cientficos no significa abandono, mas sima possibilidade de conviver com diferentes explicaes para os fenmenos que constituem avivncia do educando. O estudante, ao se apropriar do conhecimento produzido pela Cincia,tem a possibilidade de transitar entre esse conhecimento e o seu conhecimento prevalente,particularmente caracterizado pelas concepes alternativas. Essa convivncia entre um co-nhecimento e outro pode ser exemplificada por meio do perfil conceitual, estabelecido por Mor-timer (1996, 2000) a partir das ideias de Bachelard (1996), em que o indivduo pode transitarentre as diversas zonas de perfis, desde que ele tenha conscincia delas.

    Fonte: Delizoicov; Angotti; Pernambuco (2002, p. 196).

    RUPTURASprocesso-produto processo-produto

    conhecimentodo aluno

    conhecimentocientfico

    Figura 1. Relao entre o processo-produto do conhecimento do aluno e o do conhecimentocientfico.

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    Ressalta-se que a seleo dos conhecimentos cientficos a serem abordados na organi-zao do conhecimento realizada antes de serem desenvolvidos em sala de aula, durante a redu-o temtica (DELIZOICOV, 1982, 1991, 2008; SILVA, 2004; PERNAMBUCO, 1994; FREI-RE, 1987). Isto , o educador, nesse momento, tem um planejamento prvio dos conceitoscientficos a serem trabalhados com os alunos. Por exemplo, Silva (2004) no Quadro 1 apresenta o planejamento prvio das atividades a serem desenvolvidas na 6a srie do EnsinoFundamental, em que na organizao do conhecimento, no tpico IV Estao de tratamento degua, so explorados conhecimentos relacionados s propriedades fsico-qumicas da gua,como a solubilidade, miscibilidade, densidade, etc., alm de fracionamento de misturas e autilizao da gua pelos seres vivos.

    Outro exemplo da organizao do contedo programtico da disciplina de CinciasNaturais, por meio do processo da investigao temtica, apresentado por Delizoicov eCastilho (1980) no material elaborado para a 5a srie, durante o projeto desenvolvido na Gui-n-Bissau. Por exemplo, no tpico Instrumentos Agrcolas a organizao do conhecimento, aquidenominada de estudo cientfico, explora conhecimentos cientficos relacionados s transfor-maes de energia qumica em mecnica (mquina simples), transformaes de energia qumi-ca em energia mecnica e/ou eltrica (motores a combusto), e transformao de energiamecnica em energia eltrica (hidreltrica).

    Para que os alunos compreendam cientificamente as situaes problematizadas, opapel do professor na organizao do conhecimento consiste em desenvolver diversas atividades.Dentre elas, est a utilizao de textos de divulgao cientfica seguindo a dinmica dos mo-mentos pedaggicos, como sugere Alvetti e Delizoicov (1998). Alm disso, outras atividadestambm podem permear esse processo, como aquelas relacionadas produo escrita envol-vendo a narrativa (RIBEIRO; MARTINS, 2007), utilizao das tecnologias da informao ecomunicao (GIORDAN, 2006) e a dinmica discursiva (MORTIMER; SCOTT, 2002).

    Na Situao de Estudo, a segunda etapa caracterizada, por Auth (2002), de primeiraelaborao, o que remete para atividades que envolvem, especialmente, textos de aprofunda-mento sobre as circunstncias que foram apresentadas na primeira etapa - problematizao. por meio dessas atividades que os estudantes vo ter o primeiro contato com conhecimentoscientficos para alm da palavra representativa de um determinado conceito. Esse primeirocontato com a palavra representativa de um conceito, num determinado contexto, realizadomediante a orientao do professor em diversas atividades. Por exemplo, na Situao de Estu-do Ar Atmosfrico, essa etapa consiste na orientao dos estudantes, em grupo, a desenvol-verem pesquisas bibliogrficas e eletrnicas complementares:

    [...] sobre as caractersticas das substncias participantes do ar atmos-

    frico, o uso comercial de alguma delas, o ciclo de conservao delas

    na atmosfera; sobre a composio da atmosfera terrestre h muitos

    anos atrs e sua modificao com o tempo (tempo geolgico); sobre

    a relao entre composio do ar atmosfrico e a atividade biolgica

    geral, envolvendo, tambm, a atividade tecnolgica (humana). (MAL-

    DANER, 2007b, p. 24)

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  • 1 1Cincia & Educao, v. 18, n. 1, p. 1-22, 2012

    Momentos pedaggicos e as etapas ...

    Essas atividades permitem, ao estudante, localizar situaes em que as palavras re-presentativas relativas ao conceito de substncia, por exemplo, so utilizadas no contexto desituaes que podem fazer parte do meio em que vive. Nessa ocasio, o estudante entra emcontato com situaes em que esto presentes elementos cientficos introduzidos por meio dapalavra; isso no significa que ele j tenha o entendimento necessrio. Neste momento seroagregados os significados desejveis e necessrios palavra que representa o conceito siste-matizado, que foi introduzida na problematizao - primeira etapa da Situao de Estudo.

    Por exemplo, na Situao de Estudo Ar Atmosfrico, na primeira elaborao que soapresentadas as frmulas representativas das substncias que compem o material denomina-do de ar atmosfrico, bem como caractersticas prprias dessas substncias, algumas de co-nhecimento dos estudantes e outras no. Tambm so produzidos significados de conceitosdiretamente vinculados linguagem qumica, como as frmulas representativas das substnci-as. Por exemplo, a substncia gua, ao ser representada por uma frmula qumica H

    2O

    chama-se ateno para o significado das letras e nmeros, em que H com ndice 2 representadois tomos do elemento qumico hidrognio, e O sem ndice representa um tomo do ele-mento qumico oxignio. Destaca-se que cada elemento expresso por um smbolo, letramaiscula, a qual, em alguns casos, seguida de uma minscula. Alm disso, o ndice usadona representao para expressar a relao existente entre os tomos da frmula qumica.

    A partir disso, o estudante ter condies de elencar os elementos constituintes dassubstncias componentes do ar atmosfrico e o nmero de vezes em que cada elemento qu-mico participa na formao da menor partcula da referida substncia, no caso, a sua molcula(MALDANER, 2007b). Esse passo na significao conceitual, o de situar um determinadoconceito no contexto da vivncia do sujeito mediante o uso induzido da palavra que o repre-senta desde o incio, permite que se comecem a construir os primeiros sentidos do conceito.Este, ao ser retomado em outros contextos, evolui em seu significado e atinge novos nveis deabstrao. Dessa forma, a primeira elaborao no contexto da Situao de Estudo o primeirocontato do estudante com situaes em que esto sendo usadas no apenas palavras represen-tativas de um determinado conceito, mas tambm lhe so agregados outros significados, como,por exemplo, propriedades qumicas e linguagem qumica mais evidente, que so frmulasqumicas que aparecem constantemente no cotidiano dos alunos. Esses novos significadospossibilitam, por parte do estudante, um entendimento mais complexo de determinados mate-riais, a exemplo do ar ou substncias como gua, oxignio e outras que compem o ar atmos-frico. Em suma, ao ter como referncia materiais e substncias conhecidas de seu cotidiano,caractersticas do ponto de vista da Qumica adquirem sentidos e o estudante pode melhorcompreender aspectos bsicos do conhecimento qumico sobre o mundo.

    A partir da caracterizao da primeira elaborao presente na Situao de Estudo e daorganizao do conhecimento na abordagem temtica freireana, possvel sinalizar articulaesvinculadas, em especial, abordagem dos conhecimentos cientficos, que, em ambos, central.Contudo, a primeira elaborao caracteriza um segundo nvel da abordagem dos conceitos, emque os estudantes se deparam com situaes que apresentam conceitos cientficos num nvelmais elevado que na primeira elaborao. Exploram-se os conceitos cientficos, mas sem o devi-do aprofundamento, aspecto que difere da organizao do conhecimento - segunda etapa dos mo-mentos pedaggicos. Nessa so realizadas diversas atividades com a finalidade de apreensodos conceitos cientficos, por parte dos estudantes, de forma que eles tenham condies de

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    compreender as situaes iniciais, propostas na problematizao inicial, e tambm outras apre-sentadas na aplicao do conhecimento. Na Situao de Estudo buscam-se novos contextos, j maisdistantes do contexto inicial em que o conceito foi introduzido pela primeira vez. Com isso ossignificados iniciais podem evoluir.

    Em suma, a primeira elaborao extrapola o contexto inicial, pois o objetivo est maisdirecionado significao conceitual do que, propriamente, ao entendimento do contexto departida. Assim, em ambos os casos, primeira elaborao (Situao de Estudo) e organizao doconhecimento (momentos pedaggicos), a recontextualizao e a significao do conhecimentocientfico so o produto da ao pedaggica. A partir dele, novos contextos e o contexto inicialpodem ser analisados e compreendidos em nvel mais elevado e com tomada de conscincia.Isso est de acordo com Vygotsky (2002), que defende que um conhecimento de maior gene-ralidade permite a tomada de conscincia de situaes anteriores, como as situaes do cotidi-ano ou escolarizao anterior. nesse sentido que a primeira elaborao configura-se como umdos procedimentos a serem realizados na organizao do conhecimento, isto , a primeira elaboraopode se constituir na primeira etapa da organizao do conhecimento, uma vez que ambas abordamo conhecimento cientfico, embora em diferentes nveis.

    Aplicao do conhecimentoe funo da elaborao e compreenso conceitual

    A terceira etapa dos momentos pedaggicos denominada de aplicao do conhecimento,que, segundo Delizoicov (1991, 2008) e Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), destina-sea empregar o conhecimento do qual o estudante vem se apropriando para analisar e interpretaras situaes propostas na problematizao inicial e outras que possam ser explicadas e compreen-didas pelo mesmo corpo de conhecimentos.

    Na viso dos autores, nessa etapa, o papel do professor consiste em desenvolverdiversas atividades para capacitar os alunos a utilizarem os conhecimentos cientficos explora-dos na organizao do conhecimento, com a perspectiva de form-los para articular constantementea conceituao cientfica com situaes que fazem parte de sua vivncia. Destaca-se, nessemomento, a busca pela generalizao da conceituao, isto , a identificao e o emprego daconceituao cientfica envolvida, em que o potencial explicativo e conscientizador dasteorias cientficas que deve ser explorado (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO,2002, p. 202). A partir disso, o estudante tem a potencialidade de compreender cientificamenteas situaes abordadas na problematizao inicial, motivo pelo qual, nesse terceiro momento,volta-se s situaes iniciais, que agora passam a ser entendidas a partir do olhar da Cincia.

    Alm disso, na aplicao do conhecimento, so exploradas situaes diferenciadas daque-las apresentadas no primeiro momento. Por exemplo, no estudo de Silva (2004), a abordagemde outros aspectos compreende a interpretao de situaes que vo alm daquelas que envol-vem o dia-a-dia do estudante, como a compreenso do Ciclo da gua no Planeta e a interfe-rncia humana, apresentada no Quadro 2 no momento da aplicao do conhecimento.

    A aplicao do conhecimento culmina com a defesa de Freire (2005, p. 87) de que ofundamental deixar claro ou ir deixando claro aos educandos esta coisa bvia: o regionalemerge do local tal qual o nacional surge do regional e o continental do nacional como o

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    VII Distribuiosocial da gua -viso geral doprocesso eextrapolaespara o planeta

    Fala 7:

    ER

    OC

    AC

    Mesmo nos perodos chuvosos h falta de gua;

    O que h de comum entre o funcionamento de um equipamento hidrulico e adistribuio da gua urbana? Quais so os fatores reguladores nos dois nveis?S a falta de chuva explica o abastecimento precrio em alguns bairros?

    . Retomando o funcionamento hidrulico (tanque, casa e cidade)

    . Distribuio da gua (prioridades socioeconmicas e polticas)

    . Ciclo da gua no planeta e a interferncia humana

    . Retomando e questionando todas as sete falas iniciais

    . Propostas para a superao da falta dgua no bairro

    Fonte: Silva (2004, p. 405).

    mundial emerge do continental. Assim as situaes abordadas na problematizao inicial, que,no exemplo de Silva (2004), corresponde basicamente falta de gua na residncia e no bairroem que vive o estudante, so referncias para a anlise de problemas regionais, nacionais emundiais, no se restringindo realidade local do aluno.

    Na Situao de Estudo, a terceira etapa caracterizada como funo da elaborao ecompreenso conceitual, momento relacionado ao nvel conceitual atribudo a cada ciclo de estu-dos ou srie, e a volta ao problema em foco, quando deve ocorrer a sistematizao (AUTH,2002). Nesse momento, so exploradas com os estudantes, situaes que apresentam explica-es de cunho cientfico, na maioria das vezes trabalhadas no mbito de textos cientficos.Nesses textos, o aluno comea a identificar as palavras representativas dos conceitos, com asquais j teve contato nas etapas anteriores, suas frmulas e sua significao no contexto emque empregada. Por exemplo, em um dos textos discutidos na Situao de Estudo ArAtmosfrico (MALDANER, 2007b), cada vez que uma substncia qumica mencionada -como oxignio, gua, hidrognio e outras - o estudante ter condies de identificar a suarepresentao qumica, bem como o significado da simbologia presente, pois essa j lhe foiapresentada em etapa anterior.

    De posse da palavra e de suas representaes qumicas iniciais (frmula qumica), aterceira etapa da Situao de Estudo configura o momento em que so proporcionadas novassignificaes, como equaes e transformaes qumicas. Com isso, o estudante poder com-preender o que ocorre, por exemplo, com o oznio na atmosfera. O texto presente no Anexo1 ilustra essa etapa, em que h necessidade de o estudante ter a compreenso dos significadosqumicos das representaes, como, por exemplo, do oxignio e do oznio, para que sejapossvel visualizar e entender aspectos de transformao e de conservao. No caso, o elemen-to oxignio conservado e substncias deixam de existir e novas so produzidas. O fragmentodo texto Ciclo do oznio e vida no Planeta Terra (Anexo 1), d uma ideia disso.

    Ao compreender o ciclo do oznio e sua relao com o Planeta Terra, possvelinferir que o estudante comea a dominar uma nova linguagem, em que ter uma compreen-so conceitual acerca das transformaes qumicas, denominada de apropriao de um pensa-mento qumico. Isto , o estudante ter o conceito verdadeiro, ao qual Vygotsky (2001) se refere,

    Quadro 2. Organizao do contedo programtico seguindo os momentos pedaggicos

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    obtido por meio do processo de formao de conceitos que envolve o movimento ascendentee descendente entre os conceitos cientfico e cotidiano. Esses movimentos, de acordo comVygotsky (2001, 2005), possuem processos construtivos opostos: os espontneos partem doconcreto para o abstrato, e os cientficos, do abstrato para o concreto. Neste caso, h umainterao dialtica entre os conhecimentos, desempenhando diferentes funes na teoria dodesenvolvimento e resultando no que Vygotsky (2001) denomina de conceitos verdadeiros.

    Esses conceitos so compreenses mais aprofundadas do sujeito sobre um domnioespecfico que, no entender de Schroeder (2008), possibilita libert-lo de seu contexto percep-tual imediato, o que pode indicar uma relao com o novo nvel de entendimento, um nvel dedesenvolvimento potencial. Aspecto que parece culminar com a questo da ruptura5 discutidapor Delizoicov (1991), que no significa abandono das concepes espontneas dos estudan-tes, mas sim, uma nova interpretao, uma conscincia mxima possvel, no sentido de Goldmann(1974), conforme destacado nas anlises de Freire (1987) e de Delizoicov (1991, 2008), quepossibilita a emerso do sujeito de seu contexto imediato e a transio entre os conceitosespontneos e cientficos.

    nessa terceira etapa da Situao de Estudo que se busca a generalizao do conceito,porque seu propsito maior a significao conceitual. Aqui importante lembrar que a gene-ralizao, na perspectiva vygotskyana, est presente desde a primeira etapa, desde a Problemati-zao, isso porque a palavra representa um ato de generalizao, como afirma Vygotsky (2001):

    A essncia do seu desenvolvimento , em primeiro lugar, a transio

    de uma estrutura de generalizao a outra. Em qualquer idade, um

    conceito expresso por uma palavra representa uma generalizao. Mas

    os significados das palavras evoluem. Quando uma palavra nova, liga-

    da a um determinado significado, apreendida pela criana, o seu de-

    senvolvimento est apenas comeando; no incio ele uma generaliza-

    o do tipo mais elementar que, medida que a criana se desenvolve,

    substituda por generalizaes de um tipo cada vez mais elevado,

    culminando na formao dos verdadeiros conceitos. (VYGOTSKY,

    2001, p. 246)

    Outro aspecto a destacar na funo da elaborao e compreenso conceitual a retomada dasquestes iniciais apresentadas na problematizao, pois h a finalidade de se obter uma compre-enso conceitual dessas. Alm disso, destaca-se que, a partir da formao de um pensamentoconceitual, o estudante ter condies de compreender outras situaes, para alm daquelasque lhe foram apresentadas durante o desenvolvimento da Situao de Estudo. Com basenisso, na terceira etapa, tambm so apresentadas outras situaes sobre as quais os estudantestm algo a dizer, e que, na maioria das vezes, representam uma problemtica mais ampla, umadimenso mais global. Na Situao de Estudo Ar Atmosfrico, por exemplo, essas situaesesto relacionadas ao efeito estufa e chuva cida.

    5 necessrio aprofundar a relao entre o conceito verdadeiro em Vygotsky e a ruptura qual se refereDelizoicov (1991).

  • 1 5Cincia & Educao, v. 18, n. 1, p. 1-22, 2012

    Momentos pedaggicos e as etapas ...

    Em vista do exposto, possvel constatar relaes entre a funo de elaborao e compreen-so conceitual no contexto da Situao de Estudo e a aplicao do conhecimento na abordagemtemtica freireana. Uma delas a retomada das questes iniciais que ocorre em ambas aspropostas. Contudo, na abordagem temtica freireana, volta-se s situaes significativas querepresentam as contradies locais dos estudantes, em que h necessidade de readmirar oproblema. Na Situao de Estudo volta-se, tambm, para as situaes iniciais, porm estomais prximas de um problema de dimenso conceitual e temas mais amplos e gerais.

    Outro aspecto que tambm pode apresentar relaes entre a funo de elaborao e com-preenso conceitual e a aplicao do conhecimento diz respeito generalizao da conceituao, queem ambas central. Contudo, na Situao de Estudo, a generalizao j comea na primeiraetapa, na problematizao, isso porque a palavra, que representa um conceito na perspectivavygotskyana, pode apresentar generalizaes do tipo mais elementares, sendo, na ltima etapa- funo de elaborao e compreenso conceitual - substituda por generalizaes mais elevadas, culmi-nando com a formao dos verdadeiros conceitos (VYGOTSKY, 2001).

    importante destacar que, na terceira etapa - funo de elaborao e compreenso conceitual-, h uma abordagem mais sistemtica dos conhecimentos estruturados, o que permite inferiruma semelhana mais prxima da organizao do conhecimento, do que da aplicao do conhecimento.Assim, h uma sintonia entre o segundo momento pedaggico e a terceira etapa da Situao deEstudo, uma vez que, em ambos os casos, ocorre uma discusso mais sistemtica em torno darelao entre os conceitos cientficos e cotidianos. Isto , na organizao do conhecimento, a argu-mentao de Delizoicov (1991) acerca da ruptura entre o conhecimento do aluno e o conheci-mento cientfico est muito prxima do conceito verdadeiro - resultado do movimento entre osconhecimentos cientfico e cotidiano em Vygotsky (2001) - que caracteriza a funo de elaboraoe compreenso conceitual na Situao de Estudo. Tal relao possvel, porque, em ambas, o foco a apreenso dos conhecimentos historicamente construdos, por parte dos estudantes.

    Algumas consideraes finais e contribuies para o ensino de Cincias

    importante destacar que, na abordagem temtica freireana, os momentos pedaggi-cos (DELIZOICOV, 1991, 2008; DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002) estorelacionados perspectiva pedaggica e a nfase na dimenso cognitiva est presente no quese refere aos nveis de conscincia real efetiva e conscincia mxima possvel, tendo como base Gold-mann (1974). Em outros termos, a estruturao com o uso dos momentos pedaggicos seconfigura em uma dinmica de organizao do trabalho para efetivar esse esforo da aborda-gem temtica freireana com a dimenso cognitiva, e, portanto, na etapa de sala de aula - quintaetapa da investigao temtica - assume o papel de pedagogicamente criar condies para queos educandos transitem da conscincia real efetiva para a conscincia mxima possvel. No entanto,essa dimenso cognitiva pode ser potencializada na abordagem temtica freireana por meio dealguns elementos presentes na Situao de Estudo, com o aporte das ideias de Vygotsky.

    Embora haja aspectos semelhantes entre as propostas, elas apresentam certas especi-ficidades. Por exemplo, a abordagem temtica freireana se diferencia da Situao de Estudo nosentido de apresentar critrios mais explcitos para a escolha de problemas. Esses critriosesto relacionados com o processo de humanizao presente na obra de Vygotsky, conforme

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    Gehlen, S. T.; Maldaner, O. A.; Delizoicov, D.

    Cincia & Educao, v. 18, n. 1, p. 1-22, 2012

    discutido por Gehlen (2009). Desta forma, a abordagem temtica freireana, como concepode estrutura curricular, no depende apenas da dimenso conceitual, ou seja, ela uma articu-lao de problemas - contradies sociais e existenciais - com os conceitos cientficos. O fatode existir uma sintonia entre as propostas no que concerne dimenso cognitiva, faz com quea Situao de Estudo apresente elementos que contribuem no aprofundamento da abordagemtemtica freireana, aspecto sintetizado na Figura 2.

    A Figura 2 sintetiza a interrelao entre os momentos pedaggicos e a Situao deEstudo, em que as etapas desta ltima contribuem para melhor sistematizar a abordagem dosconhecimentos cientficos na organizao do conhecimento da abordagem temtica freireana. ASituao de Estudo, ao centralizar suas discusses no processo da significao conceitual,estabelece etapas a serem desenvolvidas em sala de aula com esse propsito, ou seja, funda-menta cada etapa para a formao do pensamento conceitual do estudante. Com isso, h umaespecificidade em se planejar o processo da apropriao da dimenso cientfica, aspecto quetambm est presente nos momentos pedaggicos. Contudo, uma articulao entre as etapasda Situao de Estudo com a organizao do conhecimento da abordagem temtica freireana podepossibilitar uma abordagem para sala de aula fundamentada por uma concepo de desenvol-vimento cognitivo.

    As etapas da Situao de Estudo - problematizao, primeira elaborao, funo da elaboraoe compreenso conceitual -, que configuram o processo da significao conceitual, contribuem nocontexto dos momentos pedaggicos, uma vez que a organizao do conhecimento pode ser poten-

    Fonte: Gehlen (2009, p. 199).

    Momentos pedaggicos(DELIZOICOV, 2008, 1991)

    (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002)Etapas da situao de estudo

    (AUTH, 2002)

    problematizao

    primeira elaborao

    funo da elaboraoe compreenso conceitual

    aplicao do conhecimento

    organizao do conhecimento

    problematizao inicial

    Figura 2. Complementaridade entre os momentos pedaggicos e as etapas da situao de estudo

  • 1 7Cincia & Educao, v. 18, n. 1, p. 1-22, 2012

    Momentos pedaggicos e as etapas ...

    cializada seguindo as etapas da significao conceitual abordadas pela Situao de Estudo.Agregam-se, portanto, organizao do conhecimento, elementos da perspectiva vygotskyana.

    Por outro lado, h uma importante contribuio dos momentos pedaggicos para aquesto da significao conceitual na Situao de Estudo, como a problematizao inicial e aaplicao do conhecimento. Os momentos pedaggicos podem contribuir na estruturao da din-mica de sala de aula na Situao de Estudo, em que o ponto de partida da proposta tenhacomo referncia problemas com caractersticas semelhantes s da abordagem temtica freire-ana, isto , emergem de situaes da vivncia dos estudantes e que apresentam contradieslocais (FREIRE, 1987).

    Ao trazer para a Situao de Estudo a problematizao inicial, com base na perspectivafreireana, importante destacar que essa relao possvel porque Vygotsky (2001) prope asignificao conceitual em situao de enfrentamento de um problema ou situao problem-tica. Ou, ainda, diante de uma necessidade, que pode ser uma necessidade do contexto socio-cultural no qual o estudante est inserido e ao qual precisa dar conta atravs de bom aprovei-tamento escolar.

    Alm das aproximaes entre Freire e Vygotsky presentes na literatura, no campoterico (GEHLEN; MALDANER; DELIZOICOV, 2010), outras articulaes mostraram-sepossveis no campo pedaggico, como o caso da complementaridade entre as etapas deplanejamento e desenvolvimento em sala de aula da abordagem temtica freireana e da Situa-o de Estudo. Contudo, preciso investigar essas articulaes tericas no contexto da Edu-cao Bsica, isto , h necessidade de uma maior aproximao dos problemas investigadospelo Ensino de Cincias com aqueles enfrentados pelo Ensino de Cincias (DELIZOICOV,2004, p. 145).

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    ANEXO 1. Texto extrado de Ar Atmosfrico (MALDANER, 2007b, p. 27-28)

    Outro problema mais srio, associado ao lanamento de um tipo de solvente orgnico na atmosfera, osclorofluorcarbonetos (CFCs), o depauperamento da camada de oznio ou a destruio do oznio estratosfrico1.Nessa regio da atmosfera acontece o ciclo de formao de destruio do oznio, pela interao com a radiaoUV. Mesmo na estratosfera, os componentes atmosfricos mais abundantes continuam sendo oxignio e nitrognio,mas a concentrao de oznio, nessa regio da atmosfera, relativamente mais abundante, da denominar-secamada de oznio. A formao do oznio acontece, tambm, a partir do oxignio molecular, O2, quando raios UVcom suficiente energia, h, decompe uma molcula de O2 em dois tomos de oxignio, o chamado oxignio atmico,O. Este tomo colide com oxignio molecular formando O3. As equaes qumicas representativas dessa seqnciade transformaes dada a seguir:

    O2 + h O + OO + O2 O3

    Sabe-se que a atmosfera primitiva no continha oxignio molecular. Portanto, a camada de oznio um fenmenorelativamente recente, em torno de 600 milhes de anos, poca em que surgem os primeiros organismos vivoscapazes de fotossntese (vegetais). O subproduto da fotossntese O2. Esta molcula, ao absorver radiao UV dealta energia, produz o oxignio atmico, permitindo a produo do oznio, conforme representado acima pelasequaes qumicas.

    Na estratosfera, regio da camada de oznio, a radiao UV-B, de comprimento de onda (280-320 nm), absorvida pelo O3, exatamente a radiao contra a qual os seres vivos no tm proteo. Ou seja, os organismosvivos desenvolveram-se na ausncia dessa radiao, contra ela no tm defesas. Portanto, um aumento de radiaoUV-B sobre a superfcie terrestre, pela destruio da camada de oznio, acarretaria srios prejuzos para a vida naTerra. A destruio do oznio acontece por ao direta do homem ao lanar na atmosfera gases que reagem comoznio, diminuindo a sua concentrao. Isso d-se em reao em cadeia, com participao de molculas de CFCse xidos de nitrognio. Uma reao em cadeia produz em cada etapa de reao uma espcie ativa que reage comnovas molculas de oznio, acelerando a sua destruio. Nesse processo participa o cloro atmico (Cl), gerado naestratosfera pelas radiaes UV, em reao qumica denominada fotlise. Na fotlise, tomos de cloro, Cl, soliberados. Estes reagem com oznio, O3, produzindo ClO (monxido de cloro) e O2. Monxido de cloro reage comoxignio atmico, presente na formao de oznio

    , como visto antes, produzindo oxignio e cloro atmico novamente.

    O ciclo se repete indefinidamente, podendo um tomo de cloro destruir milhares de molculas de O3. Essa reao,em que uma espcie sempre regenerada em alguma etapa de um ciclo, denominada reao catalisada2. O ciclopode ser apresentado, segundo linguagem qumica:

    CFCs + h ClCl + O3 ClO + O2ClO + O O2 + Cl

    O resultado lquido : O3 + O 2O2

    Analisando a seqncia de reaes percebe-se a necessidade da presena de oxignio atmico em concentraoadequada. Isso nem sempre ocorre, principalmente na regio da Antrtica, onde sabemos que est o buraco nacamada de oznio. Nessa regio da estratosfera o ciclo de regenerao do cloro atmico acontece por interaoentre duas molculas de monxido de cloro:

    1 Ver em O Azul do Planeta, um retrato da atmosfera terrestre. Mario Tolentino; Romeu c. Rocha-Filho; Roberto Ribeiro da

    Silva. Editora Moderna. Col Polmica, 1997.2 Para ler mais: QNEsc, n.2, 1995: Camada de oznio d Nobel. Romeu C. Rocha-Filho.

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    Gehlen, S. T.; Maldaner, O. A.; Delizoicov, D.

    Cincia & Educao, v. 18, n. 1, p. 1-22, 2012

    2(Cl + O3 ClO + O2)ClO + ClO Cl2O2

    Cl2O2 + h Cl + ClO2ClO2 Cl + O2

    O resultado lquido : 2O3 + h 3O2

    Diante desse grave problema de destruio da camada de oznio por ao direta da ao humana, o conhecimentohoje disponvel permite aes conscientes contra o que vem acontecendo. Para participar do debate que se trava nomundo todo necessrio informar-se. Este convite vale para todos. H muitas informaes disponveis. Deve-sebusc-las e transform-las em aes!

    Artigo recebido em 12/08/2011. Aceito em 2401/2012.