Monges camaldolenses na igreja pós conciliar

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Monges Camaldolenses na Igreja Pós-Conciliar e Biografias Camaldolenses Recentes Mosteiro da Transfiguração Monges Beneditinos Camaldolenses

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Monges Camaldolenses na Igreja Pós-Conciliar

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Biografias Camaldolenses Recentes

Mosteiro da TransfiguraçãoMonges Beneditinos Camaldolenses

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Índice

Monges Camaldolenses na Igreja Pós-Conciliar............................................3

1 Quando a pequena crônica pode fazer a história.........................................32 Uma gestação lenta.......................................................................................53 A Comunidade Protagonista..........................................................................84 O Concílio em Camaldoli...............................................................................9

Biografias Camaldolenses Recentes..............................................................15

1 Dom Anselmo Giabbani, osb cam (1908-2004)..........................................152 Dom Benedetto Calati, osb cam (1914-2000).............................................163 Dom Cipriano Vagaggini, osb cam (1909 - 1999).......................................17

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Mosteiro da Transfiguração

Monges Camaldolenses na Igreja Pós-Conciliar

Don Emanuele Bargellini OSB Cam

1 Quando a pequena crônica pode fazer a história

19 de junho de 1943 (Solenidade de São Romualdo): “Inauguração do presbitério com a participação do P. Geral, do Bispo Monsenhor Cappelli e autoridades. O trabalho à vista de todos saiu muito bem e se espera que seja logo completado com o restauro de toda a Igreja. Como lembrança será colocada uma lápide com dizeres respectivos, composta em latim clássico por D. Bernardo Ignesti” (crônica do Mosteiro de Fonte Avellana) – 19 de junho de 1943.

Junto às antigas paredes e arcos de pedra, a nova comunidade Camaldolense sediada em Fonte Avellana apenas em 1935, procura trazer à luz as antigas tradições dos discípulos de São Romualdo e de São Pedro Damião, liberando-as das tantas coberturas que os séculos haviam colocado em cima, não menos espessas que os revestimentos barrocos que ocultavam a originária estrutura românica da Igreja e do Mosteiro. Um retorno às origens com um restauro em grande estilo. O sonho era “voltar ao genuíno de São Romualdo”, como se dizia. Mas qual era este genuíno espírito Romualdino? A mesma riqueza de expressões da exuberância carismática de São Romualdo e de seus discípulos ao longo da história aparecia como um caleidoscópio difícil de compor em um projeto orgânico linear de vida.

Os novos chegados desejavam olhar longe, mas possuíam poucos elementos culturais e hermenêuticos que fossem adequados para interpretar e reelaborar o rico patrimônio cultural herdado. A família Camaldolense que chamava a atenção para o exemplo e o ensinamento de São Romualdo, depois de quase cinco séculos de unidade, articulada e frequentemente dialética, entre vida cenobítica, vida eremítica e serviço ao Evangelho, havia terminado por se dividir em três troncos autônomos, frequentemente em tensão entre eles, cada um dos quais reivindicava a autenticidade exclusiva do espírito Romualdino.

As forças internas do novo núcleo Camaldolense se encontraram então diante de um novo obstáculo imprevisto: a interpretação autêntica – pelo menos assim era apresentada – que as instituições eclesiásticas romanas haviam dado, de própria autoridade, do genuíno espírito Romualdino, com o decreto que acompanhava e explicava as razões da supressão da congregação cenobítica Camaldolense, e da sua integração àquela dos eremitas da Toscana em 1935. Segundo aquele decreto publicado nas Constituições de 1941∕3, as primeiras a entalhar “a letra sacra” de 1671, para o monge Camaldolense a única forma legítima de vida monástica era aquela eremítica. O Mosteiro era somente elemento suporte logístico e espiritual1.

29 de setembro de 1969 – Igreja de São Gregório em Celio em Roma: com celebração do capítulo geral extraordinário 1968-1969.

Preside a concelebração o novo prior geral que acabara de ser eleito por unanimidade, D. Benedetto Calati. No abraço da paz acolhe todos com muito calor e todos trocam com alegria o abraço eucarístico. Mas um grupinho faz fila diante de D. Anselmo Giabbani, o antigo

1 R. FORNACIARI, oferece uma detalhada reconstrução de todos os acontecimentos e consequências que esta provocou no tecido comunitário e no debate teológico em curso dentro da congregação dos eremitas da Toscana. Tese de doutorado junto à Universidade Gregoriana (2006) publicada em parte com o título Eremitismo e Cenobitismo in conflitto nell’Ordine Camaldolese. La soppressione ecclesiastica dei Monaci Cenobiti nel 1935 e l’abate Emanuele Caronti; Edizioni Camaldoli, Camaldoli 2007.

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prior de Fonte Avellana e que foi Prior Geral deposto seis anos antes pela Santa Sé, para abraçá-lo. Eram os opositores que com grande vigor tinham contrastado por trinta anos a linha de renovação por ele levada a frente com determinação, e por eles e outros consideradas lesiva para a verdadeira identidade Romualdina-Camaldolense.

Hoje todos concelebram a conciliação. Não formal e nem imprevista. Se toda reconciliação fraterna é antes de tudo dom de graça, esta é também um fruto de um duro e sério trabalho de reflexão sobre as próprias origens e sobre o próprio destino presente e futuro, levado em frente por anos, e agora sereno pelo clima de abertura e confiança instaurado na Igreja de forma surpreendente e vasta pelo Concílio.

20 de janeiro de 1981: Saccidananda Ashram in Shantivanam (Tamil Nadu – Sul da Índia)

Uma bela foto retrata dois monges anciãos, um ao lado do outro contra a luz da manhã. Padre Bede Griffiths, universalmente reconhecido como o guru/padre espiritual do Ashram, monge beneditino inglês radicado na India desde 1954, e D. Benedetto Calati, Prior Geral dos Camaldolenses desde 1969, no seu primeiro contato direto com a India.

A razão da presença de D. Benedetto em Shantivanam foi o pedido feito dois anos antes pelo padre Bede para transferir a sua stabilitas monástica e aquela dos seus jovens discípulos da comunidade de Sacro Eremo e Mosteiro de Camaldoli, e de inserir juridicamente o Ashram na congregação Camaldolense da Ordem de São Bento. Radicar o novo em uma tradição consolidada, aberta ao conselho e à atualidade. Dedicado à dimensão contemplativa, de extrema simplicidade e sensibilidade social, o Ashram é ao mesmo tempo extremamente aberto para acolher a misteriosa tensão espiritual presente nas grandes tradições religiosas e sapienciais da India, e a sede de espiritualidade frequentemente confusa, que leva ao Ashram numerosos jovens peregrinos do Ocidente secularizado tanto como da própria India. Para usar a linguagem de padre Bede, que vê a possibilidade de celebrar um novo matrimônio entre Ocidente e Oriente.

Fonte Avellana em 1943: com a restauração da Igreja se busca uma reconstrução da atualidade a partir do antigo.

São Gregório em Celio 1969: celebra-se a reconciliação na congregação através do diálogo entre raízes e o presente mediado pelo Concílio.

Shantivanam 1982: o diálogo com a tradição se abre àquele com a individualidade e universalidade da busca espiritual, típicas expressões da cultura contemporânea. Um retorno ao centro que coincide com o de fora e o universal.

Três etapas de um caminho que se dilata e se abre para o futuro de Deus e do homem, na medida em que o encontro com as fontes se faz mais profundo, mais pessoal e mais universal. Nesse episódio, há o antes e o depois do Concílio de Camaldoli. O seu passado e o seu futuro.

Menos de quarenta anos separam o difícil restauro de Fonte Avellana e o encontro em Shantivanam. Dois episódios da crônica da pequena família Camaldolense. Mas talvez nem mesmo a grande distância geográfica que separa o milenário e rochoso Mosteiro Avellanita da frágil Ashram surgida às margens do Karevy consegue expressar a longa travessia do deserto realizada entrementes pela comunidade Camaldolense no seu percurso de renovação espiritual e institucional. A ponte entre estas duas margens tão distantes fora o Concílio e a sua decisiva ressonância no Capítulo Geral de 1968-69 e as novas constituições.

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2 Uma gestação lenta

Se a lápide em latim clássico de Fonte Avellana marcava a linha de “restauração”, o inquieto grupo avellanita dos anos 30 e 40 não se contentava em se mover naquele sulco. Ainda menos naquela “restauração” que havia marcado profundamente a sociedade européia e a Igreja do século XIX. Até o olhar do renascimento monástico naquele século foi substancialmente voltado para recuperar e repetir o passado. Nesta mesma linha renasce Solesmes – França (1837) e nascem ex novo Beuron – Alemanha (1860), Maredsous – Bélgica (1872), Saint- André – Bélgica (1901), para recordar apenas alguns dos mais conhecidos e beneméritos centros monásticos2.

Os estudiosos sublinham que tal concepção de renascimento não era estranha, na fase inicial, nem mesmo aos vários “movimentos”, nascidos na segunda metade do século XIX e que se tornariam depois pioneiros do caminho excepcional que conduziu ao Concílio com prospectivas muito diferentes daquelas iniciais: movimento litúrgico, bíblico, patrístico, eclesiológico, neo-escolástico3.

Até mesmo a longa marcha Camaldolense havia-se iniciado naquela tempestade histórica e cultural, agravada pelo isolamento não só geográfico, mas cultural e espiritual, no qual a comunidade de Camaldoli vivia já há dois séculos. A supressão das ordens religiosas realizada pelo governo unitário italiano entre 1866 e 1870 havia golpeado o Sacro Eremo e o Mosteiro de Camaldoli às outras instituições monásticas. A comunidade coincidia de fato com a congregação dos eremitas da Toscana. Mesmo sendo estruturada em eremitério e mosteiro desde o seu nascimento em 1012 ou 1024, havia se tornado em realidade uma comunidade/congregação exclusivamente eremítica, regulada pelas constituições de 1671, redigidas em um período no qual Sacro Eremo e Mosteiro se haviam reunido temporariamente com a congregação dos eremitas Camaldolenses de Monte Corona, e profundamente impregnadas do seu espírito4.

A supressão havia expulso a comunidade de Camaldoli, deixando um pequeno grupo como guardiões. Dez anos após a expulsão em 1875 os poucos monges celebraram as primeiras novas profissões solenes, mas o mundo Camaldolense de Sacro Eremo e Mosteiro estava totalmente mudado. Inquilinos e estrangeiros na própria casa estavam à procura da sobrevivência material e da própria identidade. Tinham à disposição apenas a memória da prática cotidiana guardada com fé e tenácia pelos poucos sobreviventes e onde sobrevivia para eles a tradição Camaldolense dos últimos dois séculos. Esta representava o todo, o absoluto. A rocha à qual agarrar-se.

A situação da maior parte das comunidades monásticas italianas não era muito diferente. A busca da sobrevivência a duras penas absorveu por muitos anos o grosso das suas energias resíduas. Entre as estratégias colocadas em ação por muitos deles existiu também a iniciativa de abrir pelo menos uma casa no exterior, contra o risco de novas supressões. Camaldoli não foi exceção. De forma que foi aceito quase com entusiasmo o

2 A.ACERBI, La rinascita del monachesimo benedittino nel XIX secolo fra Solesmes e Beuron, in “Annali di Scienze Religiose” (2000) 5, 243-267; (2001) 6, 301-325.3 Veja como exemplo M.Paiano, Liturgia e società nel novecento.Percorsi del movimento liturgico di fronte ai processi di secolarizzazione; Ed. Storia e Letteratura, Roma 2000,7-12.4 Em 1520 Paolo Giustiniani, eremita em Camaldoli desde 1510 deixa a comunidade devido a dificuldades em

que se encontra o S. Eremo por motivo de uma situação interna confusa da ordem camaldolense. A partir de 1527 o grupo de eremitas por ele formado assume configuração jurídica de congregação autônoma, e a partir de 1530 assume o nome de Congregação dos Eremitas Camaldolenses de Monte Corona. Sua característica em relação à Camaldoli é o desenvolvimento exclusivo da tradição Romualdina eremítica, deixando aquela cenobítica. Veja-se J: LECLECQ, Un umanista eremita. Il beato Paolo Giustiniani (1476-1527). Publicado em francês pela editora Camaldoli em 1951, recebeu uma nova tradução pela editora Scritti Monastici, Abbazia di Praglia 2009. A imensa obra literária de Giustiniani, prevalentemente de tipo espiritual está em vias de publicação aos cuidados do professor Eugenio Massa, junto às edições de Storia e Letteratura, Roma.

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convite considerado provincial feito à pequena comunidade do Sacro Eremo por D. Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão, bispo do Rio Grande do Sul no Brasil, durante uma sua visita a Camaldoli em 1899. O Rio Grande do Sul era naquele momento o grande porto no qual desembarcavam milhares de imigrantes italianos5.

A aventura no Brasil que durou 27 anos entre 1899 e 1926 seria o espelho mais significativo e dramático do impérvio caminho que a família Camaldolense deveria percorrer para remodelar a própria identidade num diálogo com a memória e o presente, à medida que conquistava os elementos culturais e hermenêuticos que tornariam possível este duplo diálogo. Os generosos pioneiros assim como os irmãos deixados em Camaldoli se encontraram em um cruzamento intrincado, aparentemente sem via de saída. A sensibilidade humana e espiritual dos “brasileiros” os impelia a serem solidários com as necessidades primárias dos imigrantes em nível humano e espiritual, enquanto se esforçavam de todas as maneiras para permanecerem fiéis ao modelo de vida eremítica que haviam deixado no Sacro Eremo.

Para os eremitas de Camaldoli as dificuldades práticas encontradas pelos brasileiros para conjugar as duas exigências eram a comprovação de que aquela situação constituía a traição da própria vocação. Assim havia sentenciado também o enviado da Santa Sé, o então Abade de São Paulo Fora dos Muros de Roma, D. Ildefonso Schuster para o qual foi suficiente encontrar os eremitas de Camaldoli para dar o seu veredicto de fechamento da experiência brasileira, sancionada no Capítulo de 1923. Na tradição Romualdina e de Camaldoli teriam podido encontrar uma clara indicação da pacífica comunhão entre vida eremítica, vida comunitária e serviço ao Evangelho. Mas tudo isto era ainda para os interlocutores de uma e de outra margem do oceano cofre selado.

O retorno dos brasileiros, juntamente ao gesto de obediência heróica, trouxe consigo um acúmulo de interrogações abertas sobre si mesmo e sobre Camaldoli, continuando a manter viva a fermentação em curso dentro da comunidade6.

As celebrações do IX centenário da morte de São Romualdo (1927) colocaram diante de todos uma história muito articulada. À medida que os dados históricos emergiam, o problema mais relevante era a sua interpretação que continuava a ser prevalentemente “literal” quando não fundamentalista e circunscrita ao mundo Camaldolense.

Estava ainda muito longe da casa Camaldolense a consciência que a historia da Igreja assim como das comunidades constitui lugar teológico da manifestação do desígnio de Deus e do desenvolvimento dinâmico dos carismas difundidos pelo Espírito, através dos acontecimentos humanos com todas as suas dinâmicas. Portanto também, lugar relativo e objeto de necessário discernimento crítico e espiritual.

“Se a história não consiste apenas da erudição simples ou de um conto jornalístico do passado, podemos, com esta, situar-nos melhor no presente, ter consciência mais lúcida do que acontece realmente e do significado das tensões que vivemos”7.

Colocando-se no mesmo comprimento de onda, um conhecedor fino da alma de Romualdo e da complexa história dos seus discípulos pudera escrever: quem era São Romualdo? O que ele era de verdade? Um monge, um eremita, um pregador, um reformador, um missionário, um profeta? Na verdade, tudo isto ao mesmo tempo. Romualdo foge a qualquer catalogação, exatamente como os mais típicos padres do deserto, seus mestres, seus

5 H.DALL’ALBA, A saga dos camaldulenses no Rio Grande do Sul; Porto Alegre 1999.6 Com relação aos acontecimentos que assinalaram o caminho de Camaldoli entre as décadas 1930-50, durante o Concílio e após o Concílio veja-se G.I.GARGANO, Camaldolesi nella spiritualità del novecento; Ed. Dehoniane Bologna, vol 1 (2000), vol 2 (2001);vol 3 (2002). L’A oferece uma apresentação detalhada dos principais protagonistas deste percurso, interno e externo à familia Camaldolense, e das principais linhas que emergiram no plano e das iniciativas.7 Y.CONGAR, La storia della Chiesa `luogo teologico”em Concilium n. 7 (1970), p. 107. -cf M.-D.CHENU, La théologie au douzième sècle; Vrin, Paris 1957.Trad. It. La teologia nel XII secolo, Jaca Book, Milano 1999.

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modelos, seus amigos, dos quais herdou a graça particular... Deixou-se colher pelo sopro do Espírito que “presidia” a sua alma, como disse Pedro Damião” 8.

A inserção imprevista de um grupo de monges Camaldolenses na congregação dos eremitas da Toscana em 1935 e a ferida brasileira aceleraram a urgência de chegar a um esclarecimento ideológico.

Aqui se insere a obra de restauração/redescoberta das estruturas arquitetônicas e ideais colocada em prática pelos mestres empreendedores e jovens professos de Fonte Avellana. Junto a esta se insere uma crescente preocupação pastoral para com as novas gerações de noviços e professos. O horizonte dos estudos Camaldolenses se enriquece com publicações, encontros de estudo e debates entre os monges (1948-1949), e se começa a esclarecer, ou pelo menos colocar em discussão, posições que até então pareciam óbvias.

No vértice deste trabalho de preparação havia um objetivo. Depois de séculos de fragmentação e isolamento, recuperar a unidade articulada de relacionamentos entre vida cenobítica, vida eremítica, apostolado, entendido, sobretudo nas suas dimensões espirituais e culturais. Esta unidade entre os três elementos – se afirmava em tantos modos e linguagens - correspondia também a uma presença viva do monaquismo hoje na Igreja. Por isto deve orientar o seu programa de renovação.

A partir do Capítulo de 1951 o processo “de atualização” da congregação, segundo a expressão com que o apresentará o novo prior geral D. Anselmo Giabbani (+2004) nas páginas de Camaldoli [V (1951) n. 5-6,1] recebia uma aceleração decisiva. Aparecerá sempre mais à luz o outro protagonista principal desta história, que até então permanecera substancialmente à sombra, porque dedicado a trabalhar em um nível mais profundo e amplo da diatribe Camaldolense: D. Benedetto Calati (+2000). Com a sua incansável pesquisa espiritual sobre os pais, e o seu modo discreto de acompanhar as pessoas, começa a aparecer com repetidos escritos na revista Camaldoli/Vida Monástica, enquanto no Mosteiro São Gregório em Celio em Roma acompanha o caminho cultural e espiritual dos jovens professos, e no Ateneu de Santo Anselmo desenvolve um apreciado ensinamento sobre os pais monásticos da Idade Média e, sobretudo sobre São Gregório Magno, estrela polar da sua inteligência da Escritura e vida espiritual9.

No centro do debate está a pessoa do monge, nos seus objetivos interiores e no seu itinerário de amadurecimento. O objetivo do monge Camaldolense seja no eremo e como no mosteiro é a vida contemplativa “como foi compreendida e realizada por São Romualdo e seus discípulos”. E reivindicada a dimensão apostólica na vida do monge e na comunhão da Igreja, seja numa como na outra comunidade. A dinâmica eremitério-mosteiro com a abertura recíproca e a flexibilidade da stabilitas exprime e serve a pessoa que no curso do seu caminho pode encontrar em um e em outro o suporte mais idôneo para o seu itinerário espiritual.

Em 1963 parecerá que tudo tenha sido colocado em discussão, com a substituição de autoridade por parte da Santa Sé de D. Anselmo para D. Aliprando Catani, monge rico de humanidade proveniente da suprimida congregação dos cenobitas, e até então colaborador do Concílio Generalício, de certa forma, à sombra. Mas neste momento estamos dentro do clima do Concílio e a parada momentânea constituirá paradoxalmente a pausa para uma retomada

8 L.-A.LASSOUS,San Romualdo di Ravenna eremita e profeta; Abbazia San Benedetto Seregno 1994,70-729 Foi publicada uma seleção das numerosas obras realizadas durante quase 40 anos de Benedetto Calati em ocasião dos seus 70 anos, recolhidas no volume: B.CALATI, Sapienza Monastica - Saggi di storia, spiritualità e problemi monastici: Ed. Studia Anselmiana Roma 1994. A introdução de Innocenzo Gargano oferece uma ampla panorâmica da sua biografia de homem e monge e oferece elementos adequados para enuclear os gânglios fundamentais do seu pensamento. No livro de G.PARIS, Uomo di Dio amico degli uomini.L’insegnamento spirituale di P. Benedetto Calati; Ed. Dehoniane Bologna 2007 encontra uma apresentação articulada do ensinamento espiritual de D. Benedetto. Uma jóia preciosa que ainda mantém a frescura inigualável da experiência vivida junto aos irmãos e colocada em uma síntese pacata é Il primato dell’amore.Diciotto anni a servizio dei fratelli; 2 ed. Camaldoli 2001. O seu amor apaixonado e sofrido pela Igreja vista a fadiga pela realização do Concílio, quase explode no seu último testemunho-entrevista a R.LUISE, La visione di un monaco: Cittadela Editrice 2000.

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definitiva e orgânica de uma renovação interna que pode, então, se valer do respiro e dos horizontes abertos pelo Concílio para a Igreja inteira.

3 A Comunidade Protagonista

Por que recordar com abundância de particulares episódios e passagens dos acontecimentos Camaldolenses do início da primeira metade do século XX nesta fotografia em movimento que deveria iluminar o Pós-concílio? Naqueles eventos Camaldoi preparava em profundidade, com dificuldades e dores, o seu impacto liberalizante com o Concílio e aí germinava a determinação com a qual acolheu as grandes linhas de renovação de espiritual e estrutural para a Igreja e para a própria vida monástica. Dali afloraram critérios para orientação teológico-espiritual, juntamente a preocupações de ordem pedagógica e espiritual que encontraram no Pós-concílio desenvolvimento pleno. Ali afundam as raízes também de algumas passagens problemáticas do fervido Pós-Concílio Camaldolense na sua vida interna e nas suas relações com o externo.

No final desta corrida sobre a crônica Camaldolense gostaria de evidenciar um elemento importante. Os grandes propulsores daquele caminho, com abordagem e estilos diversos, foram indubitavelmente D. Anselmo e D. Benedetto, sem querer subvalorizar a contribuição de alguns outros monges e amigos da comunidade mais ou menos conhecidos. Mas com eles se afirma também uma diferença significativa na comunidade em relação a outros percursos.

Dom Anselmo, com responsabilidade de guia desde 1935 na comunidade onde se formaram os jovens, enfatizava a importância vital da reinterpretação da hereditariedade espiritual Camaldolense, para a busca de uma justificativa histórica e sapiencial que abrisse para atualidade quem tinha crescido no esquema moral de fidelidade à observância regular, identificada como “a tradição”, sem ulteriores distinções, e para permitir aos jovens um caminho mais sólido e livre. O seu pensamento colocava em primeiro plano a formação da consciência individual, a gradualidade do crescimento espiritual da pessoa e como consequência a gradualidade e a interação da tríplice orientação Camaldolense, cenóbio-eremitério-serviço apostólico, superando a exclusividade eremítica dos últimos séculos, que a experiência mostrava ser fonte de sofrimento e ambiguidade para não poucas pessoas. As suas reflexões tinham sempre este dimensão pastoral, mesmo quando formuladas em tom polêmico, e tendiam a incidir diretamente sobre as estruturas com propostas de reforma. Numerosos são os seus escritos com esta tonalidade na Camaldoli/Vida Monástica entre 1947 e 1963.

Dom Benedetto estava trabalhando desde os tempos de Fonte Avellana para ampliar o horizonte de referência para a auspiciada renovação Camaldolense para além dos seus confins históricos retomando os pais e a Escritura como história da salvação e, portanto, história ainda em ato para a Igreja e para cada pessoa. Ali ele percebia como teria afirmado mais tarde “um método de espiritualidade, de teologia e de oração que nos caracterizou e qualificou sempre mais”10. Dar de novo à lei do amor o seu primado, a confiança, encorajar para escolhas responsáveis pessoais na liberdade do Espírito, era o seu objetivo constante.

Dom Benedetto não se comportou como padre espiritual. Nem mesmo quando, com a eleição para Prior Geral em 1969, se alargou muito para ele o horizonte para colocações pessoais escritas, e pode exercitar num raio amplo aquele fascínio extraordinário que fez dele um pólo de atração para não poucas vocações e para tantas pessoas fora da comunidade e fora da instituição eclesiástica que o caracterizou até a morte. “O ideal monástico é divino, escreve em uma apaixonada carta a D. Anselmo em 1956 e não é nem um pouco necessário confundi-lo com as várias estruturas acidentais como sempre foi feito”11. Acrescenta: “sonho uma comunidade tipo ‘família’, simples e modesta com características estreitamente fraternas,

10 B.CALATI, Il primado dell’amore… p.21.

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sem cair no pântano da interpretação ordinária beneditina. Autoridade tipo serviço: com a maturidade da personalidade cristã que é fruto de uma verdadeira maturidade da revelação que certamente se aproxima mais da plenitude dos tempos. Sem necessidade de insistir tanto sobre o caráter da autoritas romana transportada no mosteiro” (ivi). Como prior geral buscou traduzir este sonho no estilo do seu serviço, como teria sintetizado de maneira brilhante na “relação-testamento espiritual” com a qual se despediu dos irmãos depois de dezoito anos no Capítulo Geral de 198712.

Estas atitudes interiores e de estilo dos seus principais protagonistas fizeram com que o caminho de renovação Pós-conciliar em Camaldoli se configurasse rapidamente e espontaneamente como movimento de comunidade e não de líderes fortes e benemerentes, mas isolados. Uma característica esta por eles promovida em linha com a tradição Romualdina.

Innocenzo Gargano evidenciou e documentou como, para além da familiaridade com as fontes históricas espirituais dos pais da tradição Camaldolense e da interior disciplina monástica, tenha contribuído para o processo de amadurecimento pessoal e para a proposta renovadora seja de D. Anselmo, seja de D. Benedetto, o relacionamento com amigos leigos e eclesiásticos qualificados dos quais receberam estímulos culturais e sustento para a obra de renovação interna. A sua estadia no Mosteiro de São Gregório em Célio em Roma, respectivamente nos anos 1945-51 e 1951-69, desenvolveu um papel decisivo juntamente à reabertura da hospedaria de Camaldoli em 1934. Para citar apenas um nome emblemático basta recordar aquele de Monsenhor Giovanni Battista Montini, o futuro Papa Paulo VI, então Substituto da Secretaria de Estado de Pio XII que acompanhou com premura e sugestões o caminho interno Camaldolense e os relacionamentos com os movimentos leigos católicos dos Graduados Católicos e dos Jovens Universitários da FUCI. Este diálogo cultural e espiritual entre família Camaldolense e mundo cultural leigo e eclesial tornar-se-á um traço constitutivo do Pós-Concílio para todas as comunidades Camaldolenses, cada uma com características próprias13.

4 O Concílio em Camaldoli

O Concílio tinha claramente indicado que a vida religiosa para ser autêntica deveria passar por uma profunda mudança de parâmetros. Não bastava voltar ao passado nem simplesmente adaptar-se ao presente. Comportava “um contínuo retorno às fontes de toda a vida cristã e ao espírito primitivo dos Institutos e ao mesmo tempo a adaptação dos próprios Institutos às mutações das condições dos tempos” (PC 2). Critério e regra suprema para orientar e avaliar este relacionamento duplo “seguir a Cristo como é ensinado pelo Evangelho” (ivi). Esta diretiva iluminadora lançava luz clarificadora sobre o fadigoso caminho Camaldolense, dando um suporte definitivo e bem mais amplo e sólido para os critérios gradualmente identificados e seguidos pelos seus promotores e serenidade também para aqueles que se tinham oposto em nome da fidelidade ao carisma Romualdino.

Uma comissão de estudo eleita democraticamente por todos os membros professos da congregação, três anos de trabalho conduzidos com um método aberto às contribuições de todos os professos, um diálogo constante e transparente sobre as posições pessoais de cada membro da comissão como também de cada comunidade e de seus membros, permitiram afrontar também os problemas mais espinhosos com o olhar amplo do Concílio. Nasceram assim as novas constituições aprovadas quase por unanimidade no Capítulo de 1968-69.

Assim, renovavam-se os fundamentos teológicos e espirituais da vida monástica, os horizontes de formação e de presença na Igreja dos monges Camaldolenses e a própria

11 Carta manuscrita enviada ao Prior Geral, 29/7/1956,p.10; Arquivo Histórico de Camaldoli, sezione B,cassetta XI,inserto 5.12 B.CALATI,Il primado dell’amore…13 I.GARGANO,Camaldolesi nella spiritualità del novecento…III,pgg 63-118..

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estrutura da congregação, tornada mais flexível porque sustentada por uma base teológica comum, condividida e dinâmica, cujas referências efetivas eram a sua tradição e os horizontes do Concílio. A intenção era de traduzir em um vivo ressurgimento a renovada relação com as raízes e de projetar em avante o caminho com o respiro da Igreja e da sociedade em transformação.

O “triplex bonum” , transmitido por Bruno Bonifácio na Vida dos Cinco Irmãos – Fraternidade do Cenóbio, solidão do eremitério, testemunha do Evangelho – foi recolocado no centro ideal da identidade Camaldolense para exprimir a visão de conjunto que a caracteriza, unitária na sua fonte, pluriforme nas suas expressões, dinâmica nos seus desenvolvimentos, a serviço do caminho espiritual da pessoa14.

A partir da renovada pacificação interna, e facilitado também pelo novo clima geral da sociedade, o Concílio imprimiu uma nova vitalidade à família Camaldolense contribuindo para traçar um novo rosto, abrindo novos espaços e desafios para liberar com fidelidade dinâmica e criadora as potencialidades inseridas na graça do carisma de Romualdo e entrar com modéstia e coragem nas potencialidades e contradições do nosso tempo. Foram, sobretudo, os grandes documentos DV – LG - SC – GS – UR – NA que tiveram uma repercussão mais imediata sobre a vida Camaldolense.

A DV constituiu o principal elemento inovador da formação teológica e da vida espiritual dos monges. A revelação como história, e o reconhecimento que esta hoje assim como no passado é o lugar da ação criativa de Deus, que continua com a presença viva do seu Espírito na Igreja e na humanidade até à plenitude escatológica, redoou à iniciativa de Deus o seu primado e às complexas vicissitudes humanas a espessura de história da sua salvação. Homens como Dom Benedetto e Dom Cipriano Vagaggini haviam semeado com mão prodigiosa por anos esta semente fecunda no tecido Camaldolense, a partir da espiritualidade dos padres e da liturgia. Mas a DV ampliava o horizonte para bem além do âmbito monástico e da própria liturgia, colocando a Palavra no centro do caminho espiritual. A busca teológica como processo de formação das novas gerações de monges fez reemergir a exigência de uma teologia sapiencial que soubesse conjugar a hereditariedade espiritual com as grandes contribuições do pensamento moderno, da mesma forma como tinha sabido fazer a seu tempo a “teologia monástica”.

A lectio divina reencontrou a centralidade na vida dos monges, no estudo, nas collatio, na hospitalidade, no ensinamento por eles professado em algumas faculdades de filosofia e teologia, e nos vários serviços culturais e espirituais que hoje caracterizam as comunidades. É suficiente olhar os programas que as hospedarias propõem anualmente. Como para os pais, a lectio divina, está se tornando um método global de leitura e interpretação, à luz do Espírito, nos dados da vida, a partir das páginas bíblicas para chegar aos eventos da vida cotidiana e da história.

O relacionamento com as celebrações litúrgicas encontrou um novo alento, dando mais continuidade interior ao tecido da vida cotidiana. A partir desta multiforme relação com a Palavra busca-se construir aquele processo de unificação da pessoa o único que pode conduzir a celebrar o culto espiritual da vida que não oferece mais a divisão entre tempos litúrgicos e tempo profano. Na medida em que esta orientação cresce não se sente a

14 Edição crítica realizada por J.KARWASINSKA in Monumenta Poloniae Historica, Series nova, Tomus IV, Fasc 3; Warszawa 1973; T.MATUS. Alle Origini di Camaldoli. San Romualdo e cinque fratelli; Ed.Camaldoli 1996. Esta obra relançada na cena da história em 1888 percorreu um caminho original para reentrar completamente no âmbito camaldolense. Nas Constituições de 1941/43 aparece timidamente na forma de citação do texto do “triplex bonum” acompanhando uma antiga litografia de Camaldoli Sacro Eremo e Mosteiro colocada na abertura do livro. Em 1947 aparece como base no título da Revista Camaldoli. Em 1951 é publicada a primeira tradução italiana da obra por Dom Bernardo Ignesti nas Edições Camaldoli com breves citações in “Catechismo Camaldolese - Medulla camaldulensis doctrinae”(1951). A abordagem de fundo do “triplex bonum” está na base das reflexões dos anos 50-60 e das Constituições de 1968 embora sem ter sido citado explicitamente nestas. Em fim, vem inserido como critério interpretativo do próprio carisma Romualdino-Camaldolense na sua última redação (art.3) de 1993.

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necessidade de ritualizar muito os gestos do viver cotidiano que mantém a sua natural simplicidade.

Em coerente conexão com o horizonte da DV uma segunda pilastra da renovação da comunidade foi a LG. Com as categorias teológicas de Igreja participação no mistério da comunhão trinitária, comunhão na diversidade dos carismas e povo de Deus em caminho “de Abel até o último justo” (LG 2), ela estimulou um profundo repensar sobre o sentido e estilo de vida das comunidades. Um acento que se apóia na Palavra de Deus meditada e celebrada e na sua ação fiel, na responsabilidade assumida pela pessoa mais do que na disciplina da observância regular ou na uniformidade, e no relacionamento mais fraterno entre Prior e irmãos o que estimula a comunicação e colaboração entre os membros.

O desenvolvimento dos eventos sucessivos mostrou que aqui se encontra um ponto nevrálgico não resolvido no processo de iniciação à vida monástica dentro do novo contexto cultural, pois no processo de iniciação à vida monástica permanece aberta a questão de como realizar “o encontro Pascal”, de purificação e crescimento no Espírito, ou seja, entre a proposta de vida que a comunidade é chamada a guardar e a oferecer como seu carisma específico e a atitude típica da cultura contemporânea que sublinha antes de tudo a auto-realização do indivíduo e dos seus projetos.

A revista Camaldoli/Vida Monástica, nascida para formar a consciência Camaldolense sobre a própria identidade, alargou no curso dos anos o seu horizonte em proporção ao progressivo sintonizar-se da família Camaldolense com o respiro da Igreja atenta ao mistério de Deus presente nas outras confissões cristãs, nas outras experiências religiosas e na modernidade. Nela a LG se entrelaçou profundamente com a GS.

Em chave eclesiólogica foi repensada a tradição dialética Camaldolense entre mosteiro e eremitério, assim como a hospitalidade. O eremitério antes de ser uma estrutura jurídica e logística da congregação é uma dimensão existencial constitutiva do monge Camaldolense, assim como da pessoa humana. É um modo de ser e de existir em relação ao Senhor, a si mesmo e à realidade humana. Interioridade, pobreza de espírito, presença diante do Mistério que nos transcende. Estas dimensões constituem o coração do mistério da Igreja e da fecundidade do seu ser no mundo. A tradição Camaldolense do eremitério herdada desta tensão cultivada desde os primeiros habitantes do deserto por causa de Cristo conferiu a esta com São Romualdo, um sapiente equilíbrio entre solidão e fraternidade, entre liberdade interior e obediência. Neste cadinho se purifica e se reorienta a dialética pessoa-comunidade, superada no sinal de uma liberdade que não se torna olhar auto-centrado, mas escuta e doação.

Camaldoli tem também hoje uma vocação de testemunho preciosa para condividir com a Igreja e com a sociedade, a partir da flexibilização e da interação das suas estruturas espirituais e organizativas com os seus eremitérios, assim como a sua fraterna hospitalidade monástica aberta generosamente a todos. Eremitério e hospitalidade são as duas faces da mesma medalha Camaldolense. A hospitalidade também é antes de tudo um modo de ser, mais do que um deveroso e cordial serviço aos irmãos por quem experimenta ser acolhido pela benevolência do Pai, cuidado e relançado para uma nova vida. Desta experiência radical de hospitalidade divina nasce uma hospitalidade que se faz acolhida, condivisão e proposta, sem complexos de superioridade próprios de quem só tem para dar.

Graças a uma renovada atenção à realidade das Igrejas locais e à Igreja como comunhão de carismas, no curso dos últimos decênios tomaram forma ao redor da família Camaldolense alguns núcleos monásticos, compostos por homens e mulheres, sacerdotes e leigos, inspirados pela tradição de Camaldoli e inseridos no seio das respectivas dioceses. Para esta tradição estão olhando com simpatia natural não poucos membros do movimento de vida eremítica que está nascendo entre os leigos, homens e mulheres, religiosos(as) e sacerdotes diocesanos. É significativo o elevado e crescente número de leigos (oblatos-amigos), que nos vários países estão descobrindo nas comunidades monásticas um ponto de

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Monges Camaldolenses na Igreja Pós-Conciliar

referência importante no próprio caminho espiritual. A autonomia que goza cada comunidade Camaldolense na estrutura da congregação sugere a eles de dar-se um rosto próprio que, a partir do patrimônio comum da tradição e das constituições, permita a estas comunidades de radicar-se de maneira original no tecido vital de cada Igreja e cultura.

O caráter internacional assumido nos últimos decênios pela congregação tornou este desafio amplo e complexo. Em 1958 a fundação do Eremitério de New Camaldoli nos USA tendeu a responder a um forte apelo na direção da vida eremítica nos Estados Unidos, da qual era porta voz cheio de autoridade havia anos Thomas Merton, e às tendências internas. A partir dos anos 80 se irradia de Camaldoli um impulso notável que deu novo vigor a algumas comunidades históricas em dificuldade e gerou novas experiências com características próprias. 1979: Incarnation Monastery em Berkeley (USA), em colaboração com os monges anglicanos da Ordem de Holy Cross. 1979: experiência monástica diocesana com um sacerdote oblato e um grupo de leigos no Eremitério de Santa Helena em Onigo (TV), depois transferido para Santa Maria em Colle – Montebelluna. 1982: fraternidade de vida simples em Torra (TN) transferida em 1993 para o Eremitério San Giorgio sul Garda (VR). 1982: incorporação da Saccidananda Ashram de Shantivanam (Índia) à congregação Camaldolense. 1985: fundação do Mosteiro da Transfiguração (BR). 1994: transferência de um grupo de monges de Camaldoli para o Mosteiro de Fonte Avellana. 1997: presença monástica diocesana em San Andréa em Mosciano (FI) dirigido por um sacerdote oblato. 2008: residência Camaldolense na Igreja de Santo Estefano – Verona. 2008: preparação do eremitério de Monte Giove (PU). 2010: Mosteiro “Ya Mtakatifu Romualdo” – San Romualdo em Mafinga (Tanzânia), próximo às monjas Camaldolenses presentes no lugar desde 1969.

Em várias comunidades da Itália e do exterior estão se desenvolvendo formas de condivisão de vida e de colaboração entre comunidades de monges e monjas Camaldolenses. Desta forma retoma-se o antigo relacionamento de fraternidade com as irmãs monjas Camaldolenses perdido há séculos. Infelizmente este é um capitulo ainda a ser escrito pela demora com o qual partiu e pelas condições de fragilidade que se encontram a maior parte dos mosteiros femininos italianos. Ao contrário estão mostrando boa vitalidade quase todas as fundações femininas na Tanzânia, Índia e Brasil, Polônia, nascidas do Mosteiro de Santo Antonio em Roma revitalizado depois do Concílio com grande impulso espiritual e carisma pessoal operado, sobretudo pela madre abadessa Ildegarde Ghinassi (+1993)”. O monaquismo feminino beneditino italiano também se beneficiou do seu impulso pessoal e do empenho do mosteiro para a formação das monjas.

A SC produziu uma nova compreensão teológica e espiritual da liturgia que havia permanecido no centro da estrutura da vida comunitária, mas não constituía mais o centro vital. A primeira tarefa que a comunidade assumiu foi a formação teológica -espiritual. D. Cipriano Vagaggini com a sua clássica obra O Senso Teológico da Liturgia e com as suas grandes contribuições durante o Concílio e na fase da reforma litúrgica Pós-Conciliar contribuiu fortemente para a consolidação de um profundo espírito litúrgico em Camaldoli15.

Em paralelo foi levada avante uma profunda reestruturação das celebrações com a imediata introdução do italiano e da criação de novos cânticos em língua falada na tradição gregoriana no seu estilo meditativo e facilmente participável por aqueles que são acolhidos na celebração da comunidade monástica. A condivisão das celebrações litúrgicas juntamente com a lectio divina está no coração da proposta de caminho espiritual oferecido aos hóspedes16.

15 Originariamente monge de Santo André (Bélgica), viveu por muitos anos em relação de amizade e afinidade espiritual com os camaldolenses. Em 1978 transferiu a sua stabilitas monastica para Camaldoli onde morreu em 1999. Para o percurso biográfico de Vagaggini, a sua obra acadêmica, o seu estímulo para a renovação monástica na Itália, o seu pensamento teológico e a sua contribuição fundamental para a renovação litúrgica para o concílio e para a reforma, veja-se o número monográfico da Rivista Liturgica 2009 (3), Cipriano Vagaggini. L’Intelligenza della liturgia.16 16.E.BARGELLINI, Una comunità monastica condivide le celebrazioni, in M.SODI (organizada por), “Actuosa participatio”; Libreria Ed. Vaticana 2002,37-50.

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Mosteiro da Transfiguração

Busca-se um novo equilíbrio entre a celebração do Oficio Divino eixo base da oração pessoal do monge e da liturgia monástica com as suas várias horas e a celebração cotidiana da liturgia. O que já foi alcançado é um caminho aberto que já deu frutos espirituais válidos para as comunidades e para os hóspedes. O Saltério Monástico de Camaldoli organizado por Dom Thomas Matus, e editado pela Editora Dehoniane de Bolonha e as Semanas de formação litúrgicas organizadas em Camaldoli desde 1963 são, na Itália, expressão deste percurso. Caminho análogo realizaram também algumas comunidades fora da Itália.

Outra linha de renovação parte do decreto UR sobre o ecumenismo e da declaração Nostra Aetate sobre o diálogo com as religiões não cristãs em particular com o Hebraísmo. A descoberta mais direta neste sentido aconteceu nos anos 1968-70 através da colaboração com o movimento leigo italiano do Secretariado para Atividade Ecumênica (SAE) e do empenho pessoal de alguns monges.

Poucos anos depois nasceu como fruto espontâneo desta atenção para além dos confins cristãos e com o olho atento às raízes da fé e da experiência monástica, outro diálogo, aquele hebraico-cristão. Tendo chegado ao seu 31 encontro com crescente dinamismo e sempre mais profunda ressonância, seja em âmbito cristão como hebraico, gerou em vários ambientes núcleos significativos de Amizade hebraico-cristã, centro de encontro e de diálogo.

Camaldoli, New Camaldoli em Berkeley (USA) e Shantivanam Ashram (Índia) são hoje comunidades que estão interpretando em grande dimensão as várias formas desta vocação e a missão, em diálogo ecumênico e inter-religioso, nutridos, sobretudo pela condivisão de vida fraterna, busca e oração. As constituições Camaldolenses indicam a atenção para as várias experiências religiosas e sapienciais e o ecumenismo como uma tarefa enraizada na própria vocação monástica (Prólogo e art 125) e como itinerário interior antes ainda que uma atividade.

Os Camaldolenses acolheram com alegria e empenho a tarefa de viver e operar no horizonte ecumênico dirigido a eles pelo Papa João Paulo II na visita ao Sacro Eremo de Camaldoli em 1993.

São muitos os desafios abertos que estão diante de nós e as fragilidades a serem consideradas. Mas caminhando sem nostalgias inexistentes do passado pelo caminho iniciado pela Igreja com tanta coragem e energia do Espírito com o Concílio pode-se esperar com a confiança própria de discípulos do Senhor ressuscitado que também os modestos mosteiros e eremitérios Camaldolenses possam contribuir para criar um cruzamento de reconciliação, âmbitos de diálogo e acolhimento, espaços de contemplação para ler além da superfície do eventos e para desenvolver na Igreja uma sensibilidade profética.

Talvez a partir da história milenar Camaldolense e da sua pequena crônica mais recente possa-se aprender alguma lição interessante para este nosso tempo, assinalado também na Igreja, mais pelo medo que pela esperança, expresso em tentativas de se dobrar sobre um tradicionalismo de formas que dêem segurança, ou ao contrário, de imaginar-se nascido do nada, sem memória e sem futuro, identificado com um presente líquido e indeterminado. A memória na historia salvífica que reconhecemos na fé, por sua natureza é realidade complexa e dinâmica, que não pode ser reduzida àquilo que já aconteceu ou a sua interpretação unilateral, uma vez que é vital o espírito que a gerou, enquanto que é sempre parcial, se não ambígua a sua realização histórica. A sua plenitude está no futuro de Deus. Hoje repousa no coração e nas mãos dos profetas, eco antecipado do Senhor que vem.

O caminho percorrido nestes anos não nos entregou a sua meta definitiva, mas um laboratório aberto, no qual aprender a manejar os instrumentos idôneos da arte espiritual (RB 4). Por isto a comunidade monástica nos acolhe e nos orienta em uma escola de vida que não tem prazo de validade para a entrega do diploma no final do curso. Nessa se aprende a servir o Senhor (RB, prólogo 45), com alegria e determinação junto com aqueles que sentimos irmãos e

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irmãs não porque professaram conosco a mesma regra, mas porque condividiram conosco a mesma tensão monástica da existência e a mesma esperança17.

17 A.BARBAN - J-H.WONG (organizada por), Come acqua di sorgente.La spiritualità camaldolese tra memoria e profezia; Ed. Dehoniane Bologna 2005. O volume, fruto da colaboração de um nutrido grupo de monges e monjas, apresenta a autoconsciência mais recente do monaquismo camaldolense em relação ao próprio carisma e à tensão profética que o desafia na atualidade.

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Biografias Camaldolenses Recentes

1 Dom Anselmo Giabbani, osb cam (1908-2004)

Nasceu em Pratovecchio (Arezzo) em 5 de julho de 1908 e morreu em Camaldoli em 18 de agosto de 2004. Dom Anselmo entrou muito jovem no Sacro Eremo de Camaldoli fazendo a primeira profissão em 1925. Formou-se em filosofia em Roma e, foi ordenado presbítero em 1932 no Eremo da França. Distinguiu-se imediatamente pelo espírito agudo e vivo interesse para com as fontes camaldolenses tendo promovido as primeiras publicações em italiano às quais valorizou com o estudo metódico como acompanhante dos jovens em formação em Camaldoli e em Fonte Avellana. São frutos destas pesquisas realizadas junto com eles os volumes Camaldolesi (Camaldoli 1944) e L’Eremo (Morcelliana 1945).

Despertou dentro da família Camaldolense a sensibilidade para com a própria tradição pluralista, repropondo a tríplice dimensão do carisma Romualdino: vida cenobítica, vida eremítica, serviço ao Evangelho como testemunho de amor. Por solicitação da amizade com padre Mariano Cordovani op, teólogo pontifício e com Mons. Giovanni Battista Montini ( o futuro Paulo VI) compreendeu a importância de uma formação cultural e espiritual sólida para os seus monges. Os seus estudos assim como as suas reflexões logo se orientaram na direção da pesquisa de propostas capazes de animar a renovação espiritual e institucional da vida Camaldolense.

Teve como amigo de aventura humana e espiritual D. Benedetto Calati por longos anos, com o qual se encontrou em profunda sintonia e talora até em dialética diante dos novos desafios do caminho camaldolense pós conciliar.

Prior geral de 1951 a 1963 durante o seu mandato se destacou não somente pelo impulso para a renovação monástica, mas também pela abertura a algumas instâncias eclesiais e sociais. Foram muitas as iniciativas por ele promovidas: o nescient da Revista Vita Monastica da qual ele foi por muitos anos editor e animador tendo public ado muitos artigos, a restauração e requalificação da hospitalidade na hospedaria de Camaldoli, a abertura do Hospitium Gregorianum no Mosteiro de São gregório em Celio em Roma (1951) como espaço de acolhida e formação espiritual para jovens universitários. Realizou também uma primeira atualização das Constituições Camaldolenses (1951-57), a fundação do Eremo New Camaldoli na Califórnia, o relacionamento constante com as confraternal Camaldolenses, e a busca de uma nova base econômica para a comunidade Camaldolense. Com tais escolhas d. Anselmo preparou a comunidade para reconhecer-se nas instâncias do Concílio Vaticano II ao qual participou na primeira sessão de 1962.

Uma síntese do seu pensamento monástico foi redigida por eleno pequeno volume Colloquio monastico ( Dehoniane, Bologna 1983).

A obra de d. Anselmo, não obstante algumas difficulties encontradas, foi a base do caminho successive de Camaldoli. Procurador geral da congregação de 1945 a 1951 e novamente de 1969 a 1987 viveu no Mosteiro de São Gregório em Celio até 2001. Sempre curioso nas suas leituras e atento aos acontecimentos sociais e eclesiais viveu em relacionamento estreito com comunidade nascente de Santo Egídio e tablehop para inserir as irmãs da Caridade de madre Teresa de Calcutá no Hospitium Gregorianum para cuidar dos novos mendigos de rua, no espírito de caridade do Papa São Grepório Magno, em cuja casa foi construído o Mosteiro. Voltou ao Mosteiro de Camaldoli onde transcorreu os últimos anos de sua vida com espírito pacificado e indomito até a morte acontecida em 18 de agosto de 2004. Na última década a comunidade pôde receber o testemunho da sua ligação profunda com o Espírito Santo, tantas vezes ressaltado nos seus ensinamentos, e que se pode apreciar no

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Biografias Camaldolenses Recentes

pequeno volume Tu e Lui. Riflessioni sullo Espirito Santo che è in te ( Libreria Editrice Vaticana 1988).

2 Dom Benedetto Calati, osb cam (1914-2000)

D. Benedetto Calati nasceu em Pulsano (Taranto) em março de 1914 e morreu em Camaldoli em 21 de novembro de 2000. Entrou com 17 anos como noviço no Eremo de Camaldoli e fez a sua profissão simples em 1932. Completou os estudos teológicos inicialmente no Seminário Interregional de Fano (PU) e depois no Angelicum em Roma. Foi ordenado presbítero em 1937. Em 1939 foi nomeado mestre dos clérigos no Mosteiro de Fonte Avellana (PU), onde o novo Prior d. Anselmo Gambiani havia iniciado um percurso dinâmico de renovação da vida camaldolense através da redescoberta das fontes e da milenária tradição camaldolense. Os dois jovens monges tornaram sempre mais colaboradores na formação dos jovens, e próximos espiritualmente, e sobretudo profundamente amigos entre eles, em um caminho que os veria juntos em todos os futures acontecimentos da congregação. D. Benedetto por sua parte realizou em Fonte Avellana as primeiras aproximações aos padres da Igreja, abrindo o caminho que o teria conduzido para definir o horizonte da sua futura identidade espiritual e cultural e para colocar num contexto vital mais amplo mesma tradição de Romualdo e Camaldoli. Esses dois elementos revelaram-se decisivos em toda a sua obra de mestre espiritual e animador da renovação da vida camaldolense.

De 1951 a 1969 foi procurador junto a Santa Sé e prior do Mosteiro de São Gregório em Celio em Roma, casa onde estudavam os membros da congregação. Nesses anos ele acompanhou o caminho espiritual de muitos jovens monges, desenvolveu um ensinamento muito apreciado em vários institutos acadêmicos romano, e viveu relacionamentos intensos com amigos leigos qualificados de várias orientações culturais e políticas que contribuiram por sua vez para desenvolvimentos ulteriores do pensamento e da person alidade de d. Benedetto. Foi sobretudo a experiência conciliar vivida em grande proximities a assinalar profundamente a sua vida nos anos 60 e o seu futuro ministério de Prior Geral. O Mosteiro de São Gregório se transformou em um centro de protagonistas de primeira linha para a Assembléia Conciliar e um local de pesquisa, uma vez que ali chegavam notícias em primeira mão e assim propostas eram elaboradas. Por mais de 30 anos d. Benedetto uniu às responsabilidasdes na congregação o ensino nos ateneus romanos pontifícios e uma intense atividade de escritos sobre a espiritualidade dos padres: Espiritualidade Monastica medieval no Instituto Monastico de Santo Anselmo, chiamatovi da D. Cipriano Voyaging (1953); Teologia ascetica e mistica al Lateranum; Esegesi medieval al Pontifico Istittuto Biblico pela fama adquirida no estudo da exegese dos Padres, em particular de São Gregorio Magno, sua paixão por toda a vida; Espiritualita all’Istituto de teologia da vida consagrada del Claretianum.

De 1969 a 1987 durante 18 anos d. Benedetto desenvolveu o serviço de prior geral da congregação Camaldolense da Ordem de São Bento. A sua eleição assinallou a conclusão de um longo e sofrido percurso da família camaldolense e o surgimmento de uma fase decisivamente nova. Dedicou com paixão todas as suas energies a esta renovação na linha traççada pelo Concílio, renovando o plano teológico e espiritual da vida monástica, os horizontes de formação, o sentido e a modalidade da presença monástica na Igreja e na sociedade, na busca de uma nova síntese entre tradição e renovação.

Atento a cada pessoa, promoveu o sentido de responsabilidadee de cada um e a solidariedade recíproca , recolocando no centro a Palavra de Deus, e com essa a lei suprema do amor que faz da pessoa e da comunidade unida em nome do Senhor, o sacramento da sua presença e coprotagonista da sua história de salvação sempre em curso. A amizade era o respiro da vida, da Páscoa do Senhor. Em seu nome estimulou sempre a iniciativa e a

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colaboração responsável de cada um na renovação da vida comunitária, como no seu desenvolvimento cotidiano, e com eles se pôs à busca de novas formas para colocar a comunidade no coração do Mistério de Deus e da igreja , e fora de todas as torres de marfim da Igreja e de todas as cidadelas na sociedade. Consciente do preço que isso comportava e da difícil liberdade a ser buscada humildemente em cada momento na obediencia ao Espírito. Dotado de carismaticacapacidade de atração , fugiu de toda e qualquer atitude de paternalismo espiritual.

As grandes constituições do Concílio DV- LG - SC - GS, unidas ao decreto UR e a declaração NA sobre as religiões não cristãs foram os horizontes teológicos e pastorais que animaram as suas reflexões , o seu ensinamento espiritual, orientaram o seu ministério de prior geral e fizeram dele homem de acolhida cordial e diálogo aberto com as mais diversas pessoas e instâncias do nosso tempo.

Soube unir com entusiasmo o diálogo ecumênico e a amizade Hebraic-cristã à paixão pelos padres antigos, junto `a escuta atenta das misteriosas vozes inspiradas presentes nas religiões não cristãs. Fato este que o conduziu a abrir as portas de Camaldoli à experiência particular de padre Bede Griffiths e o ashram de Shantivanam na India (1981).

Alguns dados biográficos essenciais: Sapienza Monastica - Saggi di storia, spiritualità e problemi monastici; Studia Anselmiana, pagina 591, Roma 1994. Compõe uma rica escolha thematic entre seus numerosos escritos que apareceram ao longo do tempo preceded por uma ampla introdução de Innocenzo Gargano que contextualiza o caminho pessoal e o desenvolvimento do pensamento de d. Benedetto, e segued pela biografia de Calati até 1994. - Il Primato dell’amore. Diciotto anni a servizio dei fratelli; ed. Camaldoli 2001. Síntese dos critérios aspirators da vida monastica e do seu ministério de prior geral - Conoscere il cuore di Dio. Omelie per l’anno liturgico; Ed. Dehoniane Bologna 2001. - G. PARIS, Uomo di Dio amico degli uomini. L’insegnamento spirituale di P. Benedetto Calati; pagine 402, Ed. Dehoniane 2007. Primeira abordagem orgânica do pensamento espiritual de d. Benedetto.

3 Dom Cipriano Vagaggini, osb cam (1909 - 1999)

Dom Cipriano Vagaggini nasceu em Piancastagnaio (Siena) em 3 de outubro de 1909 e morreu em Camaldoli em 18 de janeiro de 1999. Tornou monge beneditino em Santo André junto a Bruges na Bélgica em 1928. Profundo conhecedor dos padres do oriente e do ocidente buscou a fusão entre o horizonte intelectual e aquele experienciall no estudo e no ensinamento da teologia dogmática, tendo sido catedrático no Pontifício Ateneu Santo Anselmo em Roma quase ininterruptamente de 1942 a 1978, exceto por uma interrupção de 1963-1971 quando ensinou em Bologna e em Milão.

Com uma ampla formação acadêmica recebida no Pontifício Ateneu em Roma, em segued na faculae teológica de Lovain (Bélgica) e por final no Pontifício Instituto Oriental em Roma. Foi também vice-reitor do Pontifício Colégio Grego em Roma. Antes de assumir o ensino em Santo Anselmo.

Preocupado com a formação acadêmica e espiritual das novas gerações monásticas e com a nova vitalidade do monaquismo, promoveu a fundação do Instituto Monástico em Santo Anselmo nos primeiros anos da década de 1950 e do Pontifício Instituto Litúrgico em 1961, assim como o surgimento de uma série de convênios monásticos entre os monges italianos, sendo que o primeiro ocorreu no Mosteiro de São Gregório em Celio em Roma em 1959.

Profundo conhecedor da tradição teológica, litúrgica e espiritual do ocidente latino e do oriente grego e siríaco gerou a partir do seu vasto conhecimento cultural os dois pulmões que alimentaram a respiração do seu ensino acadêmico e da sua experiência monástica. Se a sua biografia assinala até 1995 cerca de 130 escritos, com intervenções que vão desde o estudo específico de alguns padres da Igreja às reflexões sobre percursos possíveis de renovação da

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Biografias Camaldolenses Recentes

vida monástica para o nosso tempo, é possível identifficar no tecido desta fina trama alguns fios vermelhos que a atravesssam constantemente. Que são a busca sapiencial da teologia, capaz de conjugar a abordagem filosófica e histórica àquela histórico-salvífica espiritual, assim como a dimensão da liturgia como memória sacramental da Páscoa do Senhor e da inteira história da salvação centrada em Cristo, que na celebração da Igreja torna-se evento Pascal novo no Espírito.

Estas duas linhas emergentes encontraram com o tempo expressão orgânica em duas obras fundamentais de d. Cipriano: Il senso teologico della liturgia. Saggio di litrugia teologica generale; Ed. Paoline 1957, e a voz Teologia no Nuovo Dizionario di Teologia ( Ed. Paoline 1977), premissa para um trabalho mais vasto de metodologia teologica .Il senso teologico della liturgia, tradition em várias línguas teve 6 edições e uma reimpressão mesmo após a sua morte. Nessa obra Vagaggini dá forma completa e orgânica à pesquisa teológica e espiritual que o movimento litúrgico havia produzido de maneira fragmented ao longo do percurso de um século, enriquecendo-a com suas contributions específicas, fruto do seu vasto conhecimento da tradição teológica e espiritual do oriente e ocidente e da sua experiência de monge. O núcleo essencial se centrará sobre a celebração litúrgica como memorial atual da história da salvação, que insere a Igreja no dinamismo da encarnação e do desenvolvimento do reino até a realizaçãao escatológica plena, e que por isto exige e anima a vida espiritual e a participaçãao ativa de todos os fiéis .

Membro do Consilium para a realizaçãao da reforma litúrgica (1963-1967), Vagaggini contribuiu de maneira relevante para o desenvolvimento das orações Eucarísticas III e IV, assim como do Rito da Concelebração e da Comunhão sob as duas espécies e para a preparação de outros documentos do magisterial que acompanharam o caminho da reforma. Escreveu numerosos ensaios e artigos. Em 1971- 72 , para integrar melhor a dimensão teológica e espiritual com aquela histórica e ritual da liturgia, promoveu a fundação da especialização dogmatic-sacramental no Ateneu Santo Anselmo.

Entre 1967 e 1971 tentou a realização de um sonho que parecia estar no coração também de alguns bispos italianos: a fundação de uma faculdadde de Teologia na Universidade Católica de Milão a fim de permitir que a teologia entrasse de forma mais abrangente em contato com a cultura contemporaneous. Mas o projeto, por causa de resistencias internas, acabou por se transformar na atual Faculdade Teologica Interregional da Itália Setentrional. d. Cipriano foi membro muito ativo da comissão teológica internacional junto à Santa Sé de 1969 a 1986.

Fora a das classes acadêmicas continuou também a refletir sobre a natureza da teologia e sua função no plano do conhecimento e da experiência espiritual. Em continuidade com o desenvolvimento da publicação Teologia escreveu Connaturalità ed esperienza mistica Cristiana (Camaldoli 1985).

Em 1978 transferiu a sua stabilitas monastica para Camaldoli, uma finalização natural da sua relação de amizade e afinidade espiritual com os camaldolenses que se dava a anos. Dedicou-se com uma paixão renovada ao estudo da Teologia come sapiens dando inicio a um estudo complexo das fontes biblicas,filosóficas antigas e patristicas. Deixou incompleto um trabalho que pretendia ser em vários volumes. O arquivo do Mosteiro de Camaldoli conserva uma coleção riquíssima de manuscritos e várias contributions de d. Cipriano.

Para o percurso biográfico de Vagaggini, a sua obra acadêmica, o seu estímulo para a renovação monastica na Itália, o seu pensamento teológico e a sua contribuição fundamental para a renovação litúrgica durante o Concílio e para a reforma que se seguiu, veja-se o número monographic da Rivista Liturgica 2009(3), Cipriano Vagaggini. L’intelligenza della liturgia.

Para uma apresentação sintética da experiência e do pensamento de d. Cipriano veja-se Dom Emanuele Bargellini, Don Cipriano Vagaggini monge, teologo e liturgista, em Revista de Liturgia, , outubro - dezembro 2010.

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