MONOGRAFIA A GESTÃO PARTICIPATIVA E DEMOCRÁTICA … · Licenciatura Plena em Pedagogia sob a...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
FACULDADE DE PEDAGOGIA
MONOGRAFIA
A GESTO PARTICIPATIVA E DEMOCRTICA ATRAVS DO CADERNO DE
GESTORES PRODUZIDO PELO INEP: UM OLHAR SOBRE O CONCEITO DE
DEMOCRACIA
LARISSA BORGES DE OLIVEIRA
RIO DE JANEIRO, 26 DE JULHO DE 2013.
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LARISSA BORGES DE OLIVEIRA
A GESTO PARTICIPATIVA E DEMOCRTICA ATRAVS DO CADERNO DE
GESTORES PRODUZIDO PELO INEP: UM OLHAR SOBRE O CONCEITO DE
DEMOCRACIA
Monografia apresentada UNIRIO como requisito parcial para a obteno de Licenciatura Plena em Pedagogia sob a Orientao da Prof. Dr. Tania Mara Tavares da Silva.
Rio de Janeiro
2013
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Agradecimentos
Aos meus pais Nicia Borges e Andr Coutinho que sempre me acompanharam e
incentivaram a seguir meus sonhos. Me dando todo suporte e amor, demonstrando-
se exemplos de carter. Alm disso, por terem me ensinado a acreditar na f.
Ao meu marido Gabriel Raposo, por ter sempre estado ao meu lado em muitos dos
desafios que a vida reservou. Por me amar e incentivar a buscar meus sonhos, me
instigando ser uma pessoa melhor.
Ao meu irmo Leandro Borges, que sempre foi e o melhor amigo. Por incentivar os
meus sonhos e por tantas vezes me apoiar, me fazendo tambm ter meus ps no
cho. Por me amar e aceitar.
A minha famlia por me cobrir de amor e ensinar a viver com f. Por serem exemplo
de fora e carter. Em especial minha av Sylvia, que o colo e as risadas jamais vou
esquecer.
A famlia do meu marido que me acolheu e esteve ao meu lado durante todo esse
caminho. Por me amarem e torcerem por mim.
Ao meu grande amigo e parceiro de faculdade Sebastio SantAnna, que esteve ao
meu lado durante todo este caminho. Me incentivando a continuar, a me superar e
acima de tudo, buscar melhorar minhas habilidades acadmicas. A minha amiga
Vanessa Christine que tambm foi essencial nesse caminho com o apoio,
companhia e carona.
Aos meus amigos que fazem parte da famlia que escolhi, que me do fora, alegria
e ajudam a ver o lado bom das coisas.
A minha orientadora e professora Tnia Mara Tavares da Silva pela enorme
pacincia e compreenso, alm de incentivo e fora.
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SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................................ 5
CAPTULO 1 - O INEP E O CADERNO DE GESTORES: UMA ANLISE NO QUE
TANGE A GESTO DEMOCRTICA ........................................................................ 7
1.1 - SOBRE O INEP............................................................................................... 7
1.2 - SOBRE GESTO ESCOLAR E FORMAO DE GESTORES .................................. 10
CAPTULO 2 - O CONCEITO DE DEMOCRACIA .................................................... 13
CAPTULO 3 - A GESTO DEMOCRTICA SOB A PERSPECTIVA GERAL DOS
AUTORES DA PUBLICAO EM ABERTO DE 2000: UMA SOBREVISTA .......... 20
CAPTULO 4 UM TRABALHO DETETIVESCO: O CONCEITO DE DEMOCRACIA
NO CADERNO SOBRE OS GESTORES ................................................................. 34
CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 44
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................... 47
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INTRODUO
O presente trabalho busca entender de que forma a democracia pensada na
coletnea de textos, organizada pelo Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos
(INEP) no ano de 2000, que deu origem ao Caderno de Gestores na conhecida
coleo publicada pelo INEP com o ttulo Em Aberto.
A publicao acima citada tem como objetivo maior mostrar o novo paradigma
da gesto escolar atravs de textos mais gerais como o de Luck (2000) que aborda
o surgimento e consolidao do novo paradigma da gesto e tambm mais
especficos como o de Gandin(2000) sobre o Planejamento Participativo dentre
outros. Partindo do pressuposto que a sociedade passou e passa por
transformaes que deram origem a mudanas no s de cunho social, mas
tambm escolar, os diversos autores presentes na publicao buscam explicitar de
que forma se d a necessidade de uma nova gesto, que deixa para trs o enfoque
administrativo para abranger o aspecto em que o gestor passa a responsabilizar-se
pelo todo e no somente por trabalhos administrativos e meramente burocrticos,
caracterizando, assim, uma gesto democrtica e participativa. Tal mudana prope
alteraes em pressupostos e novas abordagens do que se pensa para a escola e
para o ambiente educacional.
Visando atender a estas necessidades, alguns pontos so levantados como
bsicos para a eficcia da gesto escolar: descentralizao, autonomia e
democratizao. Nesta monografia ser abordada a perspectiva da democratizao
na educao, tendo como objetivo analisar qual a viso de democracia presente nos
textos da coletnea.
Para tal anlise necessrio discutir o que democracia e seus
desdobramentos possveis, no ficando uma anlise restrita a etimologia, mas
buscando refletir sobre o papel da democracia, de que forma ela se caracteriza na
sociedade e como ela internalizada no meio educacional.
Como forma de dialogar com os textos selecionados, o entendimento quanto
ao papel do gestor escolar torna-se indispensvel, j que o debate referente
democracia permeia o embasamento da funo do gestor. Portanto, aspectos como
participao e co-responsabilizao so requeridos para promoo da gesto
escolar, em que a escola deixa de atuar dissociada do conjunto de atores presentes
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na manuteno e desenvolvimento da educao, passando a dar espao para que
todos participem e transformem o processo escolar.
Ao final, o presente trabalho procura discutir como possvel agir de forma
democrtica, promovendo por meio da gesto escolar a participao e como
consequncia, a cooperao to necessria para que as mudanas reclamadas
possam, de fato, tornarem-se reais e eficazes. Busca analisar seus aspectos
positivos e negativos. Tenta tambm entender a estrutura proposta pelo Poder
Pblico, por meio de marcos legais, uma vez que a coletnea realizada por um
rgo subordinado ao Estado, em que suposto que h o objetivo de propagar sua
viso sobre o que gesto democrtica, de que forma entendida a participao e
como a democracia refletida para que esteja presente na prtica escolar e no s
nessa, mas tambm no sistema educacional.
Alm desta introduo, a monografia est dividida em quatro captulos. O
primeiro faz uma breve abordagem a respeito da histria do instituto Nacional de
Estudos Pedaggicos com o objetivo de contextualizar a elaborao do Caderno de
Gestores e o porqu de sua confeco. O segundo captulo visa aprofundar e
introduzir minimamente o conceito de democracia, discutindo as diferentes anlises
existentes. O terceiro ir abordar os diferentes textos sobre gesto democrtica
presentes no Caderno de gestores, e uma informao importante que o critrio de
seleo dos textos a serem analisados nesta monografia foi tratar do tema
democracia. J o quarto captulo busca analisar o conceito de democracia presente
no caderno de gestores, discutindo criticamente a respeito.
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CAPTULO 1 - O INEP e o caderno de gestores: Uma anlise no que tange a
gesto democrtica
1.1 - Sobre o Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos
No incio deste captulo, antes de entrar diretamente no tema da gesto
democrtica por meio da publicao Em Aberto, do INEP, acreditamos ser
necessrio recuperar um pouco do percurso histrico do instituto ainda que
sucintamente. Sua importncia est no s pela longevidade, mas tambm porque
nos possibilita por meio dos autores do campo cientfico e pelas instituies
representativas da rea conhecer um pouco dos temas, das tenses e dos principais
interesses do campo educacional. Assim, estudar estas formulaes tericas
perceber como uma parte considervel dos temas est sendo apresentada. a
possibilidade tambm de compreendermos o momento histrico atual com maior
profundidade, uma vez que a Educao pode ser entendida como um campo em
disputa, desde longa data. No o objetivo, entretanto, realizar um extenso
levantamento de dados sobre o INEP, apenas localizar algumas das questes
concernentes a este trabalho.
O INEP foi criado em 30 de julho de 1938, por um Decreto Lei, o Decreto n
580. Inicialmente, esta sigla designava o Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos,
que esteve, em sua primeira fase, sob a direo de Loureno Filho. O contexto da
poca era o da nacionalizao da educao no governo Vargas, em plena vigncia
do Estado Novo. O objetivo do INEP traduziu-se no fomento a pesquisas, visando,
principalmente, a interveno nos sistemas estaduais de ensino. A diagnose dos
problemas se daria atravs dos mtodos estatsticos, com grande destaque na
poca. (COELHO, 2009, p.38).
No artigo1 O Inep, o diagnstico da educao brasileira e a Rbep, Saviani
(2012) chama a ateno para o fato de que, para ele, nesta poca, a psicologia da
1 No referido texto, Saviani apresenta-nos o art. 2 do decreto que estabelece as seguintes competncias para esta instituio: a) organizar documentao relativa histria e ao estudo atual das doutrinas e das tcnicas
pedaggicas, bem como das diferentes espcies de instituies educativas; b) manter intercmbio, em matria de
pedagogia, com as instituies educacionais do Pas e do estrangeiro; c) promover inquritos e pesquisas sobre todos os problemas atinentes organizao do ensino, bem como sobre os vrios mtodos e processos
pedaggicos; d) promover investigaes no terreno da psicologia aplicada educao, bem como relativamente
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educao teria exercido uma hegemonia em relao ao pensamento pedaggico
brasileiro. Para o autor, o embasamento cientfico da educao girava em torno da
psicologia. (SAVIANI, 2012, pp.293-294).
Ferreira (2008) no artigo Pesquisa e Poltica Educacional: Reflexes sobre os
usos e funes dos estudos promovidos pelos Centros de Pesquisa do INEP entre
as dcadas de 1950 e 1970, no entanto, para o mesmo perodo, pe em relevo, ao
invs da psicologia da educao, o emprego de mtodos estatsticos na realizao
dos diagnsticos referentes aos sistemas estaduais da educao.
Ela aponta, por exemplo, que um balano dos principais levantamentos feitos
pelo INEP serviu de subsdio para a elaborao das chamadas leis orgnicas do
ensino, ao oferecimento de assistncia tcnica tanto para estados, quanto para
municpios e auxiliaram na elaborao das normas do Fundo Nacional do Ensino
Primrio. (FERREIRA, 2008).
Em 1946, aps o fim do Estado Novo, Murilo Braga de Carvalho assume a
direo do INEP. Segundo a autora, houve uma reorientao das funes da
instituio. Nesta poca, o instituto concentrou-se em aspectos administrativos
voltados expanso da rede primria, ao oferecimento de cursos de
aperfeioamento de professores primrios e a organizao das classes de
demonstrao. Sua anlise ressalta que a reorganizao interna dentro do Ministrio
da Educao e o prprio processo de redemocratizao em curso no pas
contriburam para a reorientao das prticas do INEP, levando o instituto a ter uma
funo mais executiva.
Em 1952, Ansio Teixeira assume a direo do INEP. Para este educador,
enquanto projeto nacional, a simples ampliao do nmero de escolas no seria
suficiente. Era preciso uma renovao dos contedos e mtodos. As escolas
deveriam se adaptar s novas exigncias ocasionadas pelas mudanas em direo
a uma sociedade urbano-industrial. Como nas diferentes regies do Brasil esse
processo ocorria de forma distinta, era necessria a realizao de uma pesquisa de
grande envergadura relacionada a essa demanda. A criao dos Centros Regionais
ao problema da orientao e seleo profissional; e) prestar assistncia tcnica aos servios estaduais, municipais
e particulares de educao, ministrando-lhes, mediante consulta ou independentemente desta, esclarecimentos e
solues sobre os problemas pedaggicos; f) divulgar, pelos diferentes processos de difuso, os conhecimentos
relativos teoria e prtica pedaggicas (Brasil, 1938) (SAVIANI, 2012, p.293).
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de Pesquisas educacionais (CRPE) e do Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais (CBPE) tem a ver com tal inteno.
A dcada de 1950, assim, foi marcada por importante deslocamento em
direo sociologia. Ansio Teixeira pretendia realizar um tipo de pesquisa diferente
das realizadas anteriormente. Houve uma aproximao com outros setores tpicos
das cincias humanas, expandindo os parmetros da pesquisa educacional. Os
processos de mudanas sociais em curso teriam, portanto, uma poltica educacional
adequada, baseando-se em interpretaes sociolgicas.
No ano de 1960, Braslia inaugurada. Em 1961, entra em funcionamento a
Universidade de Braslia. Ansio Teixeira e Darcy Ribeiro, um importante
coordenador dos programas de pesquisa do CBPE, assumem novos papis na
capital federal. Em 1962, criada a COPLED, Comisso de Planejamento da
Educao, que acaba absorvendo vrios pesquisadores, veiculados anteriormente
quela instituio. Gradativamente, vai ocorrendo um esvaziamento dos quadros de
pesquisadores da instituio.
Durante a ditadura militar, j no governo de Castelo Branco, Ansio Teixeira
aposentado compulsoriamente. Carlos Pasquale assume a direo do INEP em
abril de 1964. Os CBPEs, ento, retomaram a uma pesquisa de carter quantitativo.
Demerval Saviani (2012) vai dizer que ao longo da dcada de 1960 o pensamento
pedaggico tendeu a incorporar outra rea de estudos cientficos, diante da
emergncia de temas como a importncia econmica da educao e o
financiamento do ensino.
Este autor tambm esclarece que a dcada de 1970 marcada pelo
incremento da viso educacional tecnicista dentro do campo educacional.
significativo, nesta poca, o debate entre o behaviorismo e o cognitivismo. Em
novembro de 1972, a denominao Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos foi
alterada para Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, mantendo-se
a sigla INEP. Saviani (2012) ainda ir sugerir que esta mudana talvez se explique
pelo contexto do momento, no qual entravam em vigor os programas de Ps-
Graduao, voltados prioritariamente para o desenvolvimento da pesquisa no
Brasil.
Segundo Libnia Nacif Xavier, O INEP, a partir do movimento poltico-militar de 1964, transformou-se num rgo eminentemente burocrtico, perdendo a caracterstica de agncia de produo de
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pesquisa, ao mesmo tempo em que ocorria a expanso dos quadros universitrios no pas. (COELHO, 2009, p.42).
Em 1977 o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) foi extinto.
Este perodo foi marcado pela transferncia da sede do INEP do Rio de Janeiro para
Braslia. Nesta poca, a biblioteca do instituo doada Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ).
Na dcada de 1980 surgem as publicaes Em aberto e Informativo Inep. Em
1983, por solicitao da Secretaria de Planejamento do Ministrio da Educao, o
Inep convidou um grupo de quatro consultores, incluindo Demerval Saviani, para
elaborar um Termo de Referncia tendo em vista a implantao do Programa
Diagnstico do Setor Educao. Parte de seu artigo, citado nesta monografia, para
informar-nos sobre os mritos deste programa e para nos alertar que, a despeito dos
resultados positivos, estes foram postos de lado.
Na dcada de 1990, no perodo do governo Fernando Collor de Mello, quase
houve a extino do INEP. Na vigncia do governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso, o instituto se transformou em autarquia federal. Em 1997, o
instituto foi virtualmente refundado. O seu perfil se alterou, transformando-se num
rgo responsvel pela avaliao da educao brasileira.
Em certa medida, pode-se dizer que ainda hoje o objetivo de subsidiar as
polticas educacionais se faz presente na instituio. Aps essa breve incurso
sobre o percurso histrico do INEP. Vejamos agora como apresentado o Caderno
dedicado aos Gestores por Luck (2000) que foi responsvel pela sua organizao.
1.2 - Sobre Gesto Escolar e Formao de Gestores
Na apresentao da referida publicao, Lck (2000) constata que,
ultimamente, tem sido dada muita ateno ao tema da gesto escolar. Para a autora
este um conceito capaz de superar enfoques mais limitados referentes
administrao escolar. O objetivo, com tal conceito, seria realizar uma mobilizao
diferenciada, dinmica, englobando, de maneira articulada, condies materiais e
humanas, para a soluo dos problemas caractersticos do ambiente educacional.
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Alm desta mobilizao coletiva, imprescindvel tambm o diagnstico dos
problemas educacionais de forma sistmica, global. Esta atitude revela uma
compreenso de que as questes ligadas educao funcionam de modo
interdependente, sendo necessria uma viso de conjunto que abarque globalmente
os problemas. Este novo modelo de gesto, portanto, tem a ver com a mobilizao
coletiva e compreenso sistmica dos fenmenos.
Essas seriam as condies fundamentais para que fossem alcanados bons
resultados. Isto , so necessrias aes conjuntas, articuladas e associadas, para
as mudanas que se pretende realizar. Esses objetivos tm a ver com a
transformao da prpria identidade da educao brasileira e de suas escolas.
O foco, entretanto, e isto exposto claramente, no deixa de centrar-se no
aluno e na melhoria da qualidade do ensino. Os estudantes, no cotidiano das
escolas, devem desenvolver as competncias que a sociedade necessita. Para
enfrentar os desafios da sociedade atual globalizada e da economia centrada no
conhecimento, fundamental a promoo efetiva da aprendizagem. Os princpios
gerais, enquanto objetivos, so expressos de forma clara pela autora.
Para Lck (2000, p. 8),
pensar criativamente; analisar informaes e proposies diversas, de forma contextualizada; expressar idias com clareza, tanto oralmente, como por escrito; empregar a aritmtica e a estatstica para resolver problemas; ser capaz de tomar decises fundamentadas e resolver conflitos, dentre muitas outras competncias necessrias para a prtica de cidadania responsvel. Portanto, o processo de gesto escolar deve estar voltado para garantir que os alunos aprendam sobre o seu mundo e sobre si mesmos em relao a esse mundo, adquiram conhecimentos teis e aprendam a trabalhar com informaes de complexidades gradativas e contraditrias da realidade social, econmica, poltica e cientfica, como condio para o exerccio da cidadania responsvel.
Como forma de auxiliar na reflexo que nos ajude a atingir tais metas, a
publicao do Inep, intitulada Em aberto, selecionou um conjunto de artigos voltados
para o tema. O objetivo desta monografia estudar prioritariamente os temas
voltados para a gesto democrtica, problematizando, quando for o caso, alguns de
seus pressupostos. O intuito contribuir com este processo reflexivo, por meio da
anlise dos textos, adicionando algumas consideraes, quando pertinentes. Um
captulo especfico sobre estas consideraes vir ao final, aps a anlise dos textos
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em questo. Vejamos, agora, em continuidade, de forma breve dada a complexidade
do tema sobre o conceito de democracia.
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CAPTULO 2 - O Conceito de Democracia
Antes de adentrar na produo especfica sobre o conceito de Democracia da
publicao em foco, faz-se necessrio nos debruarmos sobre o prprio conceito
que, dado os limites de uma monografia no tem a pretenso de esgotar um tema
de uma complexidade mpar. Assim, nosso objetivo apenas refletir de que forma o
Estado entende e estimula a promoo da democracia, por meio do papel do gestor
nas escolas. importante ressaltar, ainda, que este modelo de gesto coaduna-se,
como mostra o texto de Gandin (2000) na ideia de Planejamento Estratgico, mas
que dele difere pelo fato que por meio de uma participao democrtica a escola
busca a transformao da sociedade e o mesmo no ocorre na empresa privada.
Em muitos trabalhos que versam sobre o tema da democracia, bastante
comum encontrarmos, em geral, logo no incio do texto, uma explicao sobre a
origem etimolgica da palavra. Assim, constatamos que democracia formada pela
juno de dois termos gregos: demos (povo) e kratos (governo ou poder)
(MACRIDIS, 1982). tambm frequente o reconhecimento de que, por meio da
histria, diferentes sentidos foram atribudos a este conceito, tonando necessria
distino das noes mais significativas.
Podemos, por exemplo, operar com a ideia de democracia de um modo
eminentemente terico, acentuando suas caractersticas conceituais ou formais. o
que acontece quando trabalhamos de maneira normativa. A anlise realizada desta
forma volta-se no para o que a democracia efetivamente, mas para o que ela
deveria ser. A apreciao da democracia funciona como um modelo, para o qual
as experincias concretas podem estar mais prximas ou distantes.
Outra opo trabalharmos descritivamente. A teorizao sobre democracia,
neste caso, procurar refletir uma sociedade especfica, com seu modo
institucionalizado de exerccio do poder. Procura-se, assim, descrever uma
democracia concreta e no um modelo. No entanto, como os Homens podem
interpretar a realidade de maneiras diferenciadas, nem sempre o mesmo fato poltico
ser visto de forma equivalente. Um mesmo fenmeno pode gerar construes
tericas distintas. preciso que tenhamos bem clara esta noo sobre a
possibilidade da existncia de desacordos interpretativos.
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Alm disso, hoje em dia, igualmente usual encontrarmos o termo
democracia associado a variados qualificativos, tais como: (democracia) burguesa,
direta, representativa, social, popular, formal, deliberativa, entre outros. Tanto quanto
possvel, este trabalho procurar deixar claras algumas destas diferenas.
Inicialmente, o conceito de democracia se desenvolveu nas antigas Cidades-
Estados gregas. A democracia ateniense era uma democracia direta. No havia
assembleia representativa. O povo participava diretamente das decises legislativas,
sem delegar tal poder a representantes eleitos. A lei ateniense fixava 40 reunies
ordinrias por ano, o que significava uma assembleia a cada nove dias, onde todos
os homens adultos e livres poderiam participar (mulheres, escravos e estrangeiros
tinham sua participao excluda). (RIBEIRO, 2008).
Para que as decises coletivas fossem implantadas, um grupo de pessoas
responsveis por esta tarefa era escolhido, por sorteio, para um tempo determinado.
No havia cargos fixos, mas encargos. Todos os cidados da polis grega poderiam
assumir qualquer funo. Uma exceo a essa regra era a escolha dos chefes
militares. Deles, e de poucos outros, se exige uma competncia tcnica que no se
requer nas tarefas cotidianas. Nestas um nvel de desperdcio tolerado, porque
mais importante a igualdade (isonomia) entre os cidados. (RIBEIRO, 2008, p.11).
Uma distino clssica, igualmente originria da Grcia antiga, ope
democracia, as formas de governo monrquicas e aristocrticas. A monarquia seria
o poder centrado nas mos de um s (mono), enquanto que aristocracia seria o
poder dos melhores (aristoi - excelentes). A democracia, nesta distino, seria o
regime do povo comum, igualados de forma mais horizontalizada. (RIBEIRO, 2008).
Aristteles, no entanto, fez uma distino mais especfica, na qual diferencia
trs formas puras e trs formas corruptas de governo. A deformao aconteceria se
o responsvel (ou os responsveis) pela organizao poltica da sociedade agisse
em benefcio prprio e no em nome do interesse geral. Assim, uma monarquia
poderia degenerar-se, convertendo-se em tirania, se visasse exclusivamente o
interesse do monarca. A oligarquia, desvio da aristocracia, seria o governo voltado
apenas para os ricos.
Quando a maioria governa a cidade com vistas ao bem comum, Aristteles d
o nome a esta forma de administrao do poder pblico de governo constitucional
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(polietia).2 forma corrompida que ele chamar de democracia. Esta seria, segundo
autor, uma forma de governo voltada para o interesse apenas dos pobres.
(ARISTTELES, 1985, [1279 a-b]).
Nos dias de hoje, uma distino no to fcil de ser estabelecida, mas
igualmente importante, a diferena entre democracia e repblica. Rohmann (2000)
nos diz que estes termos costumam ser empregados como sinnimos, embora haja
diferenas. Democracia seria um termo mais amplo, enquanto repblica seria uma
forma de governo mais especfica, por definio no monrquica. Maquiavel (2001,
p. 29) no trabalha com a tripartio grega, mas com uma bipartio na qual a
democracia poderia ser considerada como includa no conceito de repblica, este,
talvez mais amplo. Todos os Estados que existem e j existiram so e foram
sempre repblicas ou principados. 3
Contemporaneamente, uma tipificao interessante pode ser encontrada no
livro A incluso do outro: estudos de teoria poltica (2007), do filsofo alemo Jrgen
Habermas. No captulo intitulado Trs modelos normativos de democracia, ele
distingue os modelos: republicano, liberal e deliberativo. O autor nos diz que para o
republicanismo clssico, o indivduo s se desenvolveria plenamente se considerado
como elemento de uma comunidade poltica mais ampla, a qual pertence. Para
Habermas (2007), este seria o caso do esprito pblico da antiga Grcia, onde se
valorizava a comunidade, a polis e a participao poltica.4 Neste modelo de
democracia existe uma identificao com as tradies da coletividade. Segundo
essa concepo republicana, a poltica pode ser concebida como,
o medium em que os integrantes de comunidades solidarias surgidas de forma natural se conscientizam de sua interdependncia mtua e,
2 importante verificarmos que Aristteles utiliza a palavra democracia de forma diferente da maioria dos usos
histricos. Como vimos, ele chama a forma corrompida de governo para os pobres de democracia. O termo
empregado por Aristteles para o governo da maioria segundo Riberio (2008) e Bobbio (1985) seria politeia. Mario da Gama Kury neste livro sobre Aristteles traduz, como vimos, este termo para Governo Constitucional.
3 So bastante numerosos os textos que trabalham com as diferenas e similaridades entre democracia e
repblica. No interesse aqui aprofundar esta questo, apenas apont-la para o leitor.
4 Vale esclarecer que o termo repblica no tem origem grega, mas romana. O que Habermas est fazendo aqui
aplicar certa concepo de republicanismo para classificar uma experincia concreta, histrica. Bobbio elucida
que com res publica os romanos definiram a nova forma de organizao do poder aps a excluso dos reis.
uma palavra nova para exprimir um conceito que corresponde, na cultura grega, a uma das muitas acepes do
termo politeia, acepo que se afasta totalmente da antiga e tradicional tipologia das formas de Governo. Com
efeito, res publica quer pr em relevo a coisa pblica, a coisa do povo, o bem comum, a comunidade, enquanto que, quem fala de monarquia, aristocracia, democracia, reala o princpio do Governo (archia). (BOBBIO, 1985,
p. 1107).
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como cidados, do forma e prosseguimento s relaes preexistentes de reconhecimento mtuo, transformando-se de forma voluntria e consciente em uma associao de jurisconsortes livres e iguais.( HABERMAS, 2007, p.278).
O destaque nesse caso est na formao de uma identidade coletiva, na qual
os sujeitos de forma voluntria e consciente se sentem capazes de se auto-
organizarem como jurisconsortes livres e iguais para a criao de suas prprias
leis, de forma quase natural. O projeto coletivo de ordenao social intrnseco a
esse modelo republicano de democracia.
J no caso da democracia liberal, a nfase no estaria centrada na
comunidade, mas no cidado privado. Em tal modelo, o destaque recai no sujeito,
no no grupo social. Os interesses particulares dos indivduos vm em primeiro
lugar. Segundo Habermas (2003), o grande problema que este modelo no produz
uma motivao expressiva para que as pessoas venham a participar de forma mais
efetiva na esfera pblica.
por isso que o filsofo vai defender o que ele chama de democracia
deliberativa. Para ele, a formao da vontade poltica, isto , a formao de uma
opinio pblica de carter poltico estar assegurada desde que sejam garantidos os
pressupostos comunicacionais que possibilitem a deliberao dos diferentes grupos
sobre as questes que julguem pertinentes,
Na teoria do discurso, o desabrochar da poltica deliberativa no depende de uma cidadania capaz de agir coletivamente e sim, da institucionalizao dos correspondentes processos e pressupostos comunicacionais, como tambm do jogo entre deliberaes institucionalizadas e opinies pblicas que se formam de modo
informal. (HABERMAS, 2003, p.21).
Para Coelho (2011), esse modelo deliberativo habermasiano um projeto,
um agir para o gradativo aprofundamento da participao poltica. por isso que
concepo poltica habermasiana considerada procedimental. No endossado
nenhum contedo especfico, a no ser a defesa dos procedimentos comunicativos
para que se decidam, num processo comunicativo, os contedos que devem ser
valorizados em cada circunstncia.
Nesse artigo intitulado Qualidade argumentativa: uma competncia poltica na
esfera pblica, Coelho (2011) faz um estudo dos conceitos habermasianos de
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democracia deliberativa e esfera pblica, voltando-se para o contexto brasileiro, com
destaque para o cenrio educacional. Em relao a estas instncias, o autor aponta
que h particularidades em nosso processo de formao social que dificultam ainda
mais a discusso pblica, mesmo de assuntos de interesse comum.
O autor vai afirmar que:
No caso brasileiro esta questo se agrava devido s barreiras do passado, formao cultural e s exigncias de um meio social marcado por desigualdades. S faz sentido pensarmos em acordo, pacto social, conscincia crtica e etc. se existe uma efetiva troca de opinies de forma embasada e consistente. Para aspirarmos a correo das assimetrias preciso que uma grande parcela da populao possua convices amadurecidas que possibilitem uma boa interao comunicativa no processo de tomada de decises (COELHO, 2011, p. 97).
Por isso que, antes de tudo, interessante compreendermos essas questes
gerais sobre democracia, para entendermos melhor o modelo de democracia no qual
estamos inseridos. Ele ser o grande motivador dos diferentes processos de
democratizao estabelecidos em outras instncias da sociedade, a escola um
desses exemplos.
Vale ressaltar, no entanto, que os processos institucionalizados de
organizao da prtica poltica no so imutveis. O modo de operao do sistema
poltico, embora possua uma fixidez considervel, pode sofrer transformaes, de
acordo com a maior ou menor participao de seus integrantes.
Nos dias de hoje, vivemos o que se convencionou chamar de democracia
representativa. Tal sistema de governo implica na representao do povo por
indivduos eleitos, onde somente os dotados de direitos polticos participam de tal
eleio. Benjamim Constant defendia esta forma de governo como a nica
compatvel com o liberalismo. A responsabilidade de fazer as leis fica a cargo destes
representantes do povo.
De acordo com o autor,
Nesta concepo liberal da Democracia, a participao do poder poltico, que sempre foi considerada o elemento caracterizante do regime democrtico, resolvida atravs de uma das muitas liberdades individuais que o cidado reivindicou e conquistou contra o Estado absoluto. A participao tambm redefinida como manifestao daquela liberdade particular que indo alm do direito de exprimir a prpria opinio, de reunir-se ou de associar-se para influir
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na poltica do pas, compreende ainda o direito de eleger representantes para o parlamento e de ser eleito (BOBBIO, 1998, p. 324).
No podemos esquecer, contudo, que a sociedade abriga grupos e classes
sociais antagnicas. Com isso, os representantes acabaro por refletir mais as
ideias de uma classe (ou grupo) do que de outra. Saes (1987), dentro de uma viso
marxista, vai postular que o Estado busca desequilibrar o conflito entre as classes
reforando o poder econmico e ideolgico da classe exploradora. Para ele, a fora
numrica advinda da classe explorada neutralizada. Esta relao entre o Estado e
a classe exploradora vai ser o que o autor chama de regime poltico.
Ribeiro (2008, p.61) vai dizer que existe um problema na relao entre
marxismo e democracia. O marxismo se apresentaria como cincia e as posies
vistas como contrrias a este iderio so tratadas como erradas. Da vem a
dificuldades do marxismo, no poder, em aceitar a divergncia.
Essa concepo, conforme a colocao do autor, sugere uma noo de
cincia como detentora das verdades inequvocas, imunes ao dilogo. A cincia
seria o regime da verdade absoluta. Contudo, esta apenas uma viso possvel da
cincia. Em muitos discursos, porm, ela no mais vista como o lugar das
verdades inequvocas e fechada a qualquer forma de argumentao. Hoje em dia, j
se fala de uma poca de crise da fundamentao ou de flexibilizao da verdade.
O grande valor da atualidade, pelo menos no campo discursivo, a ampliao
do dilogo. por isso que a gesto democrtica, a despeito de suas dificuldades
intrnsecas, vem recebendo maior destaque, tanto nos documentos oficiais, quanto
em comentrios gerais encontrados no seio da sociedade. Hoje se fala em
professor democrtico, pai ou mesmo patro democrtico [...] aqui o adjetivo
significa liberal, aberto ao dilogo, avesso prepotncia (RIBEIRO, 2008, p.54). A
democracia vista como um valor no somente como um regime poltico.
Ainda de acordo com Ribeiro (2008, p.65)
A democracia, aqui, significa um concentrado de atitudes, em que se incluem a conversa limpa, honesta e sincera, a renncia a ser o dono da verdade e, finalmente, as boas maneiras. Ser educado com o outro pode ser um trao essencial da democracia, porque um modo de dizer que ele vale tanto quanto ns.
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Dentro do campo educacional, Coelho (2009) destaca que as prticas
argumentativas so fundamentais para o estabelecimento de alguns princpios
fundamentais contidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educao. Enquanto
objetivos, o desenvolvimento humano e a formao do esprito crtico, no so
possveis de serem alcanados com o encadeamento de um s ponto de vista.
Imposies e dirigismos so contrrios capacidade de raciocnio e prpria
autonomia do educando.
A democracia, assim, passa a ser algo mais abrangente do que um regime
poltico. Seu conceito se vitaliza, abarcando valores, procedimentos e atitudes. Cada
vez mais, ela vai se tonando apreciada no seio da sociedade. A capacidade
democrtica vai se tornando sinnimo de abertura ao dilogo. Este processo,
contudo, nem sempre fcil. Veremos, agora, em continuidade, alguns dos
impasses especficos relacionados gesto democrtica nas escolas. Uma reflexo
sobre estes pontos pode ser esclarecedora, revelando, quem sabe, novos caminhos
e direcionamentos.
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CAPTULO 3 - A Gesto democrtica sob a perspectiva geral dos autores da
publicao Em Aberto de 2000: uma sobrevista
Para tratar do conceito de gesto democrtica proposto no Caderno,
escolhemos alguns textos sobre os quais faremos agora uma breve apresentao.
No artigo Perspectivas da Gesto Escolar e Implicaes quanto Formao
de seus Gestores, Helosa Lck(2000) aponta que a gesto democrtica tem relao
direta com as necessidades de mudana de uma sociedade que se democratiza e
se transforma. Um marco para a democratizao da educao, segundo a autora,
a criao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB) e a promulgao da
constituio de 1988.
Gradativamente, com tais mudanas, as prticas autoritrias passam a ser
vistas como ineficazes. A escola deve se adaptar ao novo jeito de pensar e fazer
educao. A prpria sociedade pede que ela o faa, pois para alavancar-se o
desenvolvimento, imprescindvel a valorizao da educao. Ocorre, assim, a
mudana de um paradigma esttico para um modelo dinmico de gesto escolar,
que exige a participao de todos os envolvidos com a educao.
Katia Siqueira de Freitas (2000), no artigo Uma Inter-relao: polticas
pblicas, gesto democrtico-participativa na escola pblica e formao da equipe
escolar, nos fala da atual mudana de paradigma gerencial. Ela inicia seu texto
fazendo uma comparao entre uma forma especfica da administrao,
caracterstica do incio do sculo e os estabelecimentos de ensino.
Predominava, naquela poca, o taylorismo. As escolas adotavam,
similarmente, um modelo de administrao com tais princpios. O estilo
administrativo era autoritrio, hierarquizado. A escola cumpria planejamentos
pedaggicos exgenos a sua realidade. At o incio da segunda metade deste
sculo, a execuo obrigatria desses planejamentos era acompanhada por visitas
peridicas de inspetores do Ministrio da Educao (MEC) (FREITAS, 2000, p. 47).
No texto, a autora traa um paralelo entre as polticas pblicas voltadas ao
planejamento e sua relao com o contexto poltico. Ela aponta uma conexo entre
o paradigma neoliberal em vigor e a descentralizao administrativa. O final do
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sculo XX testemunhar, em vrios discursos e prticas, mudanas importantes na
poltica da administrao da educao brasileira.
Freitas (2000) no se furta a realizar crticas e apontar limites ao implemento
destas prticas. Uma das crticas direcionada ao Estado. Ela expe que, por um
lado, pode haver o desejo do Poder Pblico de apenas reduzir os gastos e
escamotear sua responsabilidade com a poltica educacional, ao adotar novos
modelos de reorganizao administrativa. Por outro lado, a autora constata que o
Estado, pelo menos legalmente e por meio de muitos discursos, passa a permitir
realmente maior participao da sociedade. Ela assinala, contudo, que sem o
empenho de todos os envolvidos, diretores, funcionrios, professores, pais, alunos e
a comunidade em geral, a gesto democrtica nas escolas ser algo apenas
ilusrio.
So muitos os problemas que dificultam o exerccio da administrao
participativa. Constata-se que a comunidade escolar e local nem sempre esto
preparadas. Falta, portanto, preparo tcnico e experincia nesse exerccio. H um
discurso sobre a autonomia, nem sempre condizente com a realidade. Os lderes
escolares, integrantes do escalo superior, muitas vezes tambm so resistentes,
cerceando a autonomia geral.
Na prtica, a autora ressalta que pode acontecer do indivduo, em sua
singularidade, no ser ouvido. De forma efetiva, em muitos casos, pouco espao lhe
oferecido para participar de maneira ativa. Falta, segundo suas colocaes,
transparncia nas informaes, nos controles de avaliaes, nos debates e na
votao das decises coletivas.
frequente tambm a adeso mecnica dos participantes ao j definido
previamente. Ou seja, raro ocorrerem discordncias quanto s determinaes
superiores. H casos em que parece haver uma relao de dependncia entre o
diretor da escola e as decises tomadas pelos colegiados, conselhos e etc. Alguns
pais receiam desagradar diretores e professores, com medo de que seus filhos
venham a sofrer represlias. Num outro registro, a autora cita exemplo de um pai
que esperava receber pagamento por sua participao.
Esses so os problemas encontrados e revelados pelo trabalho da autora.
realizado, em contrapartida, um levantamento de experincias positivas no estado
de So Paulo, em Santa Catarina e nas cidades de Porto Alegre e em muitas outras
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cidades e municpios brasileiros. A autora afirma que desde a dcada de 80 so
registradas aes em prol da gesto participativa nestas localidades. A dcada de
90 testemunhou a implantao de rgos colegiados na escola pblica, com vrias
funes, zelando pela qualidade do ensino e pela transparncia dos recursos da
escola. A autora tambm cita experincias dos Estados Unidos e, dentro dessa
perspectiva, nos apresenta, com mais detalhes, uma parceria realizada entre
professores da Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia (UFBa) e
da Universidade Estadual da Califrnia que resultou no Programa Gesto
Participativa (PGP), com o objetivo de melhorar o desempenho educacional, por
meio do incremento da competncia das equipes escolares de modo que elas
possam exercer com maior eficincia a to propalada autonomia pedaggica,
administrativa e de gesto financeira.
O PGP valoriza o ser humano como eixo norteador de seus princpios;
estimula as comunicaes intra e interescolares e as inter-relaes que se
estabelecem no contexto social das escolas e do seu entorno. Publica
periodicamente o Gerir, um informativo objetivando o registro de atividades e a
oferta de leituras prximas ao cotidiano vivido pela equipe escolar. Entre outras
atividades, o PGP implementa oficinas sobre questes poltico-administrativo-
financeiras e pedaggicas, alm de promover uma forma de parceria entre
estabelecimentos de ensino, onde a equipe de uma escola ajuda as outras no
caminho da participao.
Nas palavras de Freitas,
A equipe PGP uma parceira das escolas. Estas discutem livremente seus problemas, superando receios de punies. Relatam problemas de disciplina dos alunos, a relao intra e interpessoal e organizacional, a comunicao vertical, a necessidade de acompanhamento, avaliao e (re) planejamento de seus planos escolares, currculo e outros aspectos. Discutem o clima organizacional. Sentem-se livres para avaliar o trabalho do PGP e dizer coisas do tipo: no queremos mais trabalho para casa, precisamos de materiais de estudo que sejam curtos e possamos dar conta durante as oficinas, queremos mais atividades que possamos empregar durante nossas aulas e reunies de Atividades Complementares (AC), precisamos de ajuda. (2000, p.53).
Em resumo, a autora estabelece que o exerccio da administrao
participativa, como um todo, bastante vantajoso tanto em termos de processos,
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quanto de resultados. As pessoas so valorizadas e percebidas como agentes que
merecem respeito profissionalmente e como indivduos.
No artigo Diretores de Escola: o desacerto com a democracia, Artemis Torres
e Lindalva Maria N. Garske (2000) tratam de forma mais especfica dos problemas
de implantao da gesto democrtica, centrando-se no papel dos diretores. O texto
o resultado de um conjunto de reflexes dos pesquisadores do Mato Grosso.
Uma das principais constataes deste de que, na prtica, existe uma
convivncia contraditria entre posturas distintas: a democrtica e a conservadora.
Um dos subttulos elaborado pelas autoras sugestivo desta constatao: O
resultado hbrido de uma democracia incipiente. Ele evidencia que este modelo novo
de gesto ainda encontra limitaes. A comunidade escolar muitas vezes no se d
conta que cultiva, por vezes, posturas autoritrias. Estas atitudes, em determinadas
ocasies, ainda so vistas como necessrias para o estabelecimento da ordem e
funcionamento organizacional. O esforo de banimento dos padres tradicionais de
comportamento esbarra no modus operandi geral da sociedade brasileira, originrio
de sua formao escravocrata e classista.
Na relao com o poder pblico, o texto revela que, a despeito dos discursos
e da propaganda das instncias governamentais, a escola no tem autonomia
necessria para a efetiva implantao da gesto democrtica, tendo que recorrer, na
sua relao com as secretarias de educao, ao jeitinho como forma de superao
dos obstculos. Quanto aos recursos, as autoras esclarecem que o aparelho
governamental ainda no responde altura das demandas reais.
A respeito da vivncia democrtica, as autoras observam que existem crticas
de gestores voltadas para a comunidade em geral. H depoimentos que indicam que
os conselhos mais atrapalham do que trazem solues. Existe uma postura
designada como parasitria, unicamente espera das iniciativas do governo. O
imobilismo geral da populao, em especfico dos pais, faz com que estes
interlocutores transfiram o problema para o governo e no participem de forma
efetiva.
O texto tambm aponta contradies nos discursos dos diretores se
comparados com a prtica. Elas nos falam de ocorrncias de posturas tradicionais
clientelistas no momento de candidatura destes diretores. Este comportamento seria
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responsvel por uma tenso ps-eleitoral, advindas do reconhecimento das
dificuldades que este contrato entre as partes pode produzir.
Para tratar das descontinuidades caractersticas das polticas
governamentais, as autoras localizam o momento histrico de emergncia dos
discursos sobre gesto democrtica na ocasio da abertura democrtica aps a
ditadura, de maneira especfica, a partir do ano de 1986.
O texto apresenta uma problematizao mais clara do conceito de
democracia, reconhecendo que tanto hoje, quanto naquela poca, o conceito de
democracia tinha mltiplos significados. Expe que naquele momento tal conceito
servia como palavra de ordem. As diferenas daquele momento eram submetidas a
um objetivo comum, o de varrer do Pas a ditadura militar, reinstalando o governo
liberal, mediante o retorno normalidade dos trs poderes polticos (Executivo,
Legislativo e Judicirio), as liberdades polticas individuais (TORRES. GARSKE,
2000, p.64).
Ou seja, encontramos no artigo uma relativa problematizao conceitual da
democracia. Elas falam que as diferentes concepes sobre democracia criam
embaraos, uma vez que o perfil da nova sociedade deve estar baseado nesta
definio. Citam Bobbio (1998) e sua diferena entre democracia formal e
substancial. Vo destacar tambm a possibilidade da utilizao de instrumentos
democrticos, o estabelecimento de regras e normas, sem incluir a participao
direta nas tomadas de deciso.
Ao mesmo tempo, as autoras no deixam de pontuar os avanos. H
mudanas efetivas na relao dos diretores com os pais, alunos, funcionrios e etc.
Existem evidncias de iniciativas que os outros integrantes da comunidade escolar
efetuam, reveladoras da gesto descentralizada que o diretor estabelece.
Em nvel macro, elas pontuam que a eleio dos diretores, o projeto poltico
pedaggico e a implantao de conselhos deliberativos so exemplos tpicos das
conquistas nesta rea. Programas e fundos criados pelo governo tais como a poltica
de formao dos gestores, o Programa de Manuteno e Desenvolvimento do
Ensino (PMDE), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE), o
Fundo de Fortalecimento da Escola (Fundescola), a despeito de seus limites, podem
ser considerados conquistas no mbito da gesto democrtica.
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Lauro Carlos Wittmann (2000), no artigo Autonomia da Escola e
Democratizao de sua Gesto: novas demandas para o gestor, traa tambm um
paralelo entre uma nova realidade scio histrica e avanos no pensar e fazer
educao. No incio o autor fala de expresses caractersticas da reflexo marxista,
de uma evoluo scio histrica da produo de bens materiais e da base material
das relaes entre os grupos e pessoas, o que ele denomina de fundantes
econmicos e sociais. Os avanos tecnolgicos e cientficos, que representariam
esta nova configurao da base material da sociedade, exigem novas formas de
relaes sociais e aptides cognitivo-atitudinais especficas, relacionadas
intersubjetividade.
O autor tambm destaca que a razo e sentido da escola a aprendizagem.
O objeto da educao e da sua administrao o conhecimento. Para o autor, a
construo de uma prtica educativa de qualidade exige do sistema educativo a
valorizao das relaes intersubjetivas, da corresponsabilidade, do compromisso
coletivo e do compartilhamento, visando consecuo do que o autor designa como
aprendncia.
Wittmann (2000) reconhece que as prticas educativas tm um significado
histrico-social e uma totalidade. Como afirma, o ato pedaggico est interligado
com outros atos pedaggicos. a totalidade que d sentido ao ato, como parte
deste todo. A dimenso administrativa da educao deve levar em conta a
compreenso desta totalidade. Para ele, as aptides cognitivas e atitudinais do
gestor esto aliceradas em trs pilares: o conhecimento, a comunicao e a
historicidade. O conhecimento, como j mencionado, o objeto especfico do
trabalho escolar. A comunicao entendida como competncia lingustica e
comunicativa. Para o processo de coordenao da elaborao, execuo e
avaliao do projeto poltico-pedaggico esta competncia fundamental para a
obteno e sistematizao de contribuies. A historicidade, neste caso, representa
a necessidade do conhecimento relativo ao contexto histrico-institucional no qual o
gestor atua. Assim reconhecer o contexto histrico como condicionante das aes
nas quais se produz e se trabalha o conhecimento, fundamental para o seu
impacto e o sentido da prtica educativa (WITTMANN, 2000, p. 95).
Maria Amelia Sabbag Zainko (2000), no artigo O Planejamento como
Instrumento de Gesto Educacional: uma anlise histrico-filosfica, no trata de
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forma prpria de democracia ou gesto democrtica em seu texto. Seu foco o
planejamento. Como o ttulo sugere, a autora efetua uma abordagem de cunho
filosfico e histrico sobre o tema. No entanto, ela advoga, logo no incio de sua
escrita, que o planejamento um elemento essencial da gesto escolar.
Zainko (2000) pretende estabelecer uma associao entre o que poderia ser
descrito como a histria do planejamento e uma histria da razo. Ela busca
respaldo na obra de Chatelt: Uma histria da razo. A autora recompe por meio
dos autores tradicionais da filosofia uma histria das ideias relativas razo, para
depois traar um paralelo com o planejamento. Ela, ento, conduz seu raciocnio at
apontar que o homem, neste processo, ir fazer histria nas condies dadas pela
Histria, sendo livre e criativo mas, ao mesmo tempo, enraizado, que pretendo
centrar a minha anlise, considerando a relao dialtica entre sujeito e objeto no
processo de conhecimento. (ZAINKO , 2000, p. 130). Ela ir ressaltar o papel ativo,
construtivo do sujeito, numa posio intermediria, segundo seu raciocnio, entre o
idealismo e o positivismo. Assim, a autora estabelece uma comparao com o
planejamento, visto tambm no como algo tecnocrtico e unilateral, mas dialtico:
A anlise do planejamento como ao humana, com o compromisso de vir a se constituir um movimento dialtico entre teoria e prtica, possibilitando ao educador discernir que meios no so fins em si mesmos, deve auxiliar na compreenso do papel que o planejamento
deve desempenhar na Modernidade (ZAINKO, 2000, pp 130).
Zainko (2000) tambm apresenta, em seu texto, parte importante da histria
poltica e econmica, relacionada com o planejamento, tanto do mbito geral quanto
do educativo. Ela relata que os planos no Brasil, em certa medida, se
estigmatizaram como exerccio tecnocrtico distante da realidade social. Localiza, a
partir da dcada de 60, a exigncia do planejamento como instrumento
racionalizador do desenvolvimento do ensino brasileiro, inclusive no mbito do
ensino superior.
A autora nos fala de vrios planos governamentais diferentes, no sentido
macro, e de questes ligadas universidade. Zainko esclarece que os planejadores
tiveram conscincia de que os seus planos no eram levados prtica ou quando
levados no conseguiam nela interferir, no sentido de modific-la.
Essa constatao associada crise do milagre econmico, somada
necessidade de reduo das desigualdades sociais s era passvel de explicao
pela necessidade da participao poltica dos trabalhadores. Foi ento que se
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introduziu no pas, j em tempo de abertura poltica, a ideia do planejamento
participativo apontando para a gesto participativa e democrtica da educao.
Como a gesto democrtica no o foco de sua anlise, encontramos
apenas algumas interrogaes ou comentrios sobre este processo, tais como: A
experincia de planejamento participativo incorre, porm, consciente ou
inconscientemente em alguns riscos, ou at mesmo em certos equvocos, sendo o
mais frequente o de manipulao da comunidade. (ZAINKO, 2000, p.135).
Antenor Manoel Naspolini (2000), professor e secretrio da Educao Bsica
do Estado do Cear, no artigo Gesto Escolar e Formao de Diretores: a
experincia do Cear, nos fala da vivncia especfica deste estado em relao ao
processo de implantao da gesto democrtica. O tom dado ao texto bastante
objetivo, com muitos exemplos, e bem otimista. No h menes de problemas ou
limites. A nica passagem que sugere alguma dificuldade logo direcionada
eufemisticamente para opes criadoras. Estamos em processo de construo em
que, a cada conflito e dificuldades vividas, afloram opes criadoras, delineiam-se
novos perfis de gestores escolares. (NASPOLINI, 2000, p. 144).
O autor tem um discurso favorvel sobre a poltica educacional de Todos pela
Educao de Qualidade para Todos de 1995, do Plano de Desenvolvimento
Sustentvel, previsto para o perodo de 1995 a 1998. Quanto aprovao pela
Assembleia Legislativa do Estado do Cear, em 1995, da Lei n 12.492, que
dispunha sobre o processo de escolha dos diretores de escolas estaduais do ensino
bsico, Naspolini (2000) sustenta que esta demonstrou o quanto a sociedade
ansiava por mudanas, pois segundo suas observaes, a lei resultou de uma ampla
discusso em todas as regies do Estado.
Naspolini (2000) trata especificamente de democracia, mas no de forma
conceitual. Ele cita o princpio de que s se educa para a democracia, educando-
se pela democracia. Fala de resultados concretos, de alterar o discurso da prtica
participativa para a prtica participativa do discurso. Um de seus subttulos
Aprender Democracia. Para ele, o processo de seleo tcnica e poltica de
diretores das escolas pblicas estaduais do Cear ensina democracia.
Objetivamente, Naspolini (2000, p.142) apresenta de forma pontual a efetivao
legal destas medidas:
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a) introduo do voto universal, superando o critrio anterior da proporcionalidade que privilegiava o corpo docente e administrativo da unidade escolar; b) deciso de tornar o prprio Conselho Escolar, responsvel pela organizao do pleito em cada escola; c) possibilidade de renovao permanente dos quadros de direo, evitando que a mesma pessoa ocupasse o cargo de diretor por anos a fio, sendo permitida, portanto, somente uma reconduo consecutiva e duas alternadas; d) criao do Ncleo Gestor da Unidade Escolar, formado pelo diretor, pelos coordenadores pedaggicos, administrativo-financeiros, de articulao comunitria e pelo secretrio escolar, como resposta forma autoritria de gerenciamento dos recursos pblicos. Os membros do Ncleo Gestor tambm foram selecionados publicamente, mediante prova escrita e de ttulos.
Segundo o autor, a comunidade, alm de eleger o diretor, coordena a
elaborao do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) 5 garante o seu
acompanhamento, monitoria e controle; assume a responsabilidade de, durante o
exerccio do cargo em comisso, avaliar periodicamente a direo da escola.
Naspolini (2000) advoga que para haver uma sustentao do discurso
democrtico nas escolas, estas, portanto, no podem se apresentar como ditatoriais.
No Cear, segundo o autor, uma criana de doze anos de idade j pode participar
da eleio do diretor de sua escola. Esta seria uma preparao vivencial para os
futuros exerccios polticos. A eleio macro sendo justificada e ligada
simbolicamente a eleio micro.
O autor apresenta ainda iniciativas do estado do Cear como a realizao de
cursos tendo como pblico-alvo os Ncleos Gestores recm-empossados e a
criao dos Comits de Participao (o Pedaggico, o de Gesto e o de
Monitoramento e Controle) em mbito regional, macrorregional e da prpria
Secretaria da Educao do Estado. Estes comits so descritos como ambientes de
reflexo, de intercmbios e de cooperao, permitindo que a Secretaria da
5 Naspolini afirma que quem est concorrendo, comprometesse com a proposta pedaggica, os fundamentos e
as aes que a escola definiu no seu PDE, instncia que garantir unidade e organizao vida escolar segundo uma viso de futuro. A comunidade escolar dever contar com um diretor que demonstre competncia tcnica e
viso poltica para gerir aquilo que foi desenhado por uma coletividade. (NASPOLINI, 2000, 42).
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Educao se desloque da sua sede, para trabalhar em cada uma das seis
macrorregies.6
Dalva Cmara de Oliveira (2000), no artigo Gesto Democrtica Escolar: um
estudo de expectativas, efeitos e avanos, realiza uma investigao, caracterizada
tambm como um resgate histrico, do processo de implementao dos conselhos
de escola na rede municipal de Vitria. Segundo a autora, estes conselhos eram
considerados uma posio de vanguarda adotada pela administrao municipal da
poca.
A autora, no incio do texto, tambm indica os marcos legais que propiciaram
o modelo de gesto descentralizada: a Constituio Brasileira de 1988, a
Constituio Estadual do Esprito Santo e principalmente a lei orgnica municipal n
3776, que garantiu a gesto colegiada. Esta proposta, no entanto, surgiu a partir de
determinaes poltico-partidrias e no de movimentos organizados no seio da
sociedade.
Oliveira (2000) nos conta que seu estudo resultado de uma pesquisa
quantitativa e qualitativa, desenvolvido em oito escolas de 1 grau do ensino
fundamental da rede municipal de Vitria do turno diurno, de 5 a 8 srie,
escolhidas por meio de sorteio. O universo da amostra foi composto por 406
pessoas entre alunos, docentes, servidores, pais, diretores, presidentes de Conselho
de Escola, representantes comunitrios e a Secretria Municipal de Educao que
participou diretamente do processo de implantao dos conselhos, mais a Secretria
de Educao que a sucedeu na nova gesto municipal.
Com relao aos resultados a autora apresenta vrios dados. A grande
maioria dos segmentos escolares foi favorvel participao da comunidade na
administrao da escola. A participao, no entanto, no foi massiva. Os
professores apoiaram expressivamente a proposta desde que a participao da
comunidade escolar na gesto se restringisse a questes administrativas, sem
intervenes nos assuntos pedaggicos.
A desinformao da comunidade escolar, principalmente daqueles no
ligados direto s funes pedaggicas e administrativas, foi expressiva. Houve
6 Naspolini apresenta tambm os seguintes dados positivos em relao ao Cear, em 1998: 97% das crianas encontravam-se matriculadas na escola, parece at que estamos decantando apenas a quantidade. H outro dado importante: o crescimento do ensino mdio no Cear no perodo de 1995-1998 foi de 46,9%, acima da mdia
nordestina (32,3%) e da mdia brasileira (29,6%). (NASPOLINI, 2000, p.143).
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pouca informao sobre a ocorrncia de eleies para os conselhos escolares. Ao
mesmo tempo, a comunidade se manteve desinformada com relao ao
funcionamento e s decises que eram tomadas nos conselhos escolares. As
avaliaes sobre funes do conselho foram inexpressivas, sobretudo por parte do
segmento dos pais.
Oliveira (2000) nos informa que, no geral, foram poucos os efeitos negativos
comentados pela comunidade, com certo relevo para o item baguna ou
desorganizao que so enunciados pelo autor como possvel ver na citao
abaixo:
horrios imprprios de reunies que impossibilitaram a participao da maioria; desinteresse dos pais em discutir e participar de reunies (opinio dos prprios pais e funcionrios); desinteresse dos alunos (conforme alunos e magistrio); falta de compreenso quanto importncia da participao; burocracia; falta de autonomia da escola; baixo nvel de instruo dos pais (concepo dos professores); falta de tempo para a realizao de outras tarefas que no as especficas (opinio dos funcionrios). (OLIVEIRA, 2000, p. 153).
Os dados da pesquisa tambm apontam que apesar das dificuldades, os
conselhos escolares caminharam, segundo a variao particular de cada escola, em
direo aos seus objetivos. Os efeitos positivos elencados aps a implantao dos
conselhos escolares so: melhoria da qualidade do ensino; aprendizagem mais
adequada; pais cientes do funcionamento escolar; conservao do prdio escolar e
mobilirio; ampliao da comunicao famlia escola; professores interessados em
ouvir os alunos (OLIVEIRA, 2000, p.120).
Em geral, a respeito dos diretores e de suas posturas no encaminhamento do
processo democrtico, a maioria dos segmentos escolares se declarou satisfeita.
Entre itens destacados podemos citar: cordialidade, abertura ao dilogo,
preocupao com o aperfeioamento do ensino e com a melhoria das relaes entre
pais, alunos, professores, funcionrios e comunidade.
Naura Syria Carapeto Ferreira (2000), no artigo Gesto Democrtica da
Educao para uma Formao Humana: conceitos e possibilidades, realizou um
estudo sobre o tema da gesto pelo vis de crtica aos princpios do liberalismo.
Uma anlise que se poderia designar como filosfica, no no sentido de uma
recomposio por meio de autores clssicos, mas por meio de uma escrita
fundamentada em ideias, conceitos e princpios.
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O geral de sua argumentao no trata de forma especfica de nenhuma
sociedade concreta ou pas, nem mesmo experincias especficas, pontuais. Ela
discute o liberalismo enquanto princpio norteador das prticas de diversas
sociedades pelo mundo. Ferreira (2000) parte da constatao que vivemos em um
mundo violento, de grandes contradies. Uma situao que acirra o individualismo.
Ao mesmo tempo, h o desejo de construo de uma sociedade mais justa e
igualitria, onde a solidariedade e felicidade possam estar materializadas de forma
ampla, entre todos. na reflexo do que ela chama de conceitos fundamentais que
a autora procurar esclarecer sua inteno. Antes de se debruar sob os princpios
do liberalismo, ela, como outros integrantes do caderno Em Aberto, tambm
localizar os marcos legais da gesto democrtica no Brasil. De forma precisa,
aponta: o Captulo III, Seo I, Art. 206, inciso VI da Constituio da Repblica
Federativa do Brasil, de 1988; e a Lei n 9.394/96, no Ttulo II, dos Princpios e Fins
da Educao Nacional, Art. 3, inciso VIII e no Art. 14.
Ferreira (2000, p.169) expressa a opinio de que o individualismo o nico
princpio da ideologia liberal que se desenvolveu e instalou na sociedade humana,
acirrando-se com intensidade voraz no mundo hodierno, nos seres humanos e nas
instituies. Com relao igualdade, ela vai dizer que, no liberalismo, esta
inseparvel da liberdade, entendida como igualdade de cada homem no direito
liberdade. Haveria uma identidade universal entre os homens, igualando-os em
seus direitos polticos e jurdicos em relao liberdade.
Essa igualdade, ento, deixaria livre os homens para se diferenciarem, sem
restries legais livre competio e ao desenvolvimento de suas capacidades.
Estes seriam os fundamentos bsicos da liberdade de iniciativa e da economia de
mercado. O grande problema, no entanto, que o individualismo pulveriza as
necessidades polticas e sociais. O sujeito torna-se autocentrado, perseguindo
isoladamente seus planos individuais de vida.
Ferreira (2000, p.170) postula, como um contraponto, que para realizar-se o
homem necessita no s do trabalho, mas de organizar-se coletivamente. Mas, ela
afirma que ao contrrio do individualismo esta no uma atividade que possa ser
realizada no isolamento, atravs da livre iniciativa. uma atividade que s pode se
realizar no seio da sociedade em conjunto com os demais seres humanos, em
coletividade.
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A partir de ento, em vrias ocasies, a autora assume um tom esperanoso,
idealista, destacando, a necessidade do que deve ser feito. Em outras partes, um
tanto quanto de forma breve, ela parece concluir que a soluo para os todos os
impasses da organizao coletiva geral se dar pela gesto democrtica da
educao.
Em suas palavras,
A viabilidade de tal compreenso s possvel mediante a gesto democrtica da educao, no seu amplo sentido e abrangncia, pois s ela permite o construto da participao coletiva por meio da criao e/ou aperfeioamento de instrumentos que impliquem a superao das prticas autoritrias que permeiam as prticas sociais e, no bojo dessas, as prticas educativas (FERREIRA, 2000, p.170).
Isso talvez seja compreensvel, pois Ferreira (2000), como j sinalizado, no
toma uma sociedade especfica ou uma experincia concreta de gesto
democrtica. A autora apresenta uma viso alargada de gesto democrtica que
inclui o educador e o ensino propriamente dito.
Para a autora,
O ideal democrtico supe cidados atentos evoluo da coisa pblica, informados dos acontecimentos polticos, dos principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pelas foras polticas e fortemente interessadas em formas diretas ou indiretas de participao. Talvez se possa dizer que o contedo relevante desta relao est na descoberta de que o cerne da participao a educao, se a compreendermos como arte maiutica de motivar a construo prpria do sujeito social. (FERREIRA, 2000, p.171).
Na continuidade do texto, a autora ir mesclar proposies relativas gesto
democrtica e prtica educativa, frequentemente relacionando-as, como quando
tentar pensar e definir gesto democrtica da educao para uma formao
humana, acrescenta: contemplar o currculo escolar com contedos e prticas
baseadas na solidariedade e nos valores humanos que compem o construto tico
da vida humana em sociedade (FERREIRA, 2000, p.172).
Cabe ressaltar que Ferreira (2000, p.172) chama a ateno tambm para
importncia da comunicao e da integrao parcial entre conjuntos culturais h
muito tempo separados. imprescindvel valorizarmos o dilogo e uma nova tica
no individualista, numa disposio generosa de cada pessoa para tentar incorporar
ao movimento do pensamento algo da inesgotvel experincia da conscincia dos
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outros. Devemos, portanto, aspirar nossa transformao em sujeitos capazes de
reciprocidade.7
7 Como mencionei, h uma valorizao explcita do papel do educador: no h como substituir a iniciativa prpria de quem pretende emancipar-se. Ningum emancipa ningum, a no ser que este algum se emancipe.
No se dispensa o educador, mas o seu papel essencial subsidiar, apoiar, instrumentalizar, motivar, nunca
impor, decidir, comandar. Da a importncia do planejamento participativo, caracterizado como aquele processo
que comea pela tomada de conscincia crtica que evolui para a formulao de projeto prprio de enfrentamento
dos problemas conscientizados e sublima-se no reconhecimento da necessidade de organizar-se de modo
competente. O educador no tem como funo capitanear as coisas, decidir pelos outros, antecipar-se s
iniciativas dos outros. Sua funo de educador stricto sensu, ou seja, motivador insinuante. (FERREIRA,
2000, p. 171).
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CAPTULO 4 Um trabalho detetivesco: o conceito de democracia no caderno
sobre os gestores
Na quase totalidade dos trabalhos da coletnea Em Aberto no so
encontradas formulaes que examinem, de forma especfica e detalhada, o
conceito geral de democracia. Portanto, foi necessrio realizar um trabalho
metodolgico seguindo a orientao de Ginsburg (1989) na sua proposta do
paradigma indicirio que pode ser menos rigoroso, mas busca atingir resultados
relevantes (cf Ginsburg, 1989 p 178). Portanto, preciso que o sentido de
democracia seja depreendido dos textos. Por isso, foi composto, no captulo 2 e
ainda que de forma breve algumas consideraes sobre o conceito de democracia.
Os artigos, em sua grande maioria, focam direto nas questes relativas
gesto democrtica, no se preocupando com uma definio minuciosa sobre
democracia. Encontramos, no entanto, uma discusso bem elaborada sobre
liberalismo no texto de Ferreira8 (2000). Torres & Garske (2000), em outro registro,
reconhecem que o conceito de democracia apresenta mltiplos significados e que
estas diferentes concepes podem causar embaraos. As autoras tambm
clarificam que na experincia concreta brasileira, no final da ditadura, democracia foi
utilizada como uma palavra de ordem. Citam Bobbio (1998) e sua diferena entre
democracia formal e substancial. Naspolini (2000), por sua vez, enuncia que s se
educa para a democracia, educando-se pela democracia e, retomando o jogo de
palavras, diz sobre a necessidade de alterarmos o discurso da prtica participativa
para a prtica participativa do discurso.
Foi comum, entretanto, os trabalhos apontarem o marco legal onde
regulamentaes sobre gesto democrtica ou administrao colegiada esto
inseridas. Tambm foi frequente a relao com momentos polticos mais amplos,
pocas especficas onde essa discusso se originou e ganhou corpo. Em alguns
casos a comparao foi mais ampla, segundo o enfoque trabalhado pelo autor.
Lck (2000) aponta como marco para a democratizao da educao a
criao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB) e a promulgao da
8 A partir de agora, todos os autores que sero mencionados, pertencem publicao Em Aberto, de 2000. No haver mais, portanto, nenhuma citao de ano ou pgina da coletnea, pois estas podem ser encontradas nos
captulos precedentes a no ser que algum detalhe da argumentao exija contrrio.
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constituio de 1988. Ferreira (2000) mais pontual, indicando o Captulo III, Seo
I, Art. 206, inciso VI da Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 1988; e a
Lei n 9.394/96, no Ttulo II, dos Princpios e Fins da Educao Nacional, Art. 3,
inciso VIII e no Art. 14.
Freitas (2000) faz a comparao entre uma forma especfica da administrao
do incio do sculo, o taylorismo, e a influncia deste pensamento sobre o modelo
administrativo empregado nas escolas antes do surgimento da gesto democrtica.
A autora tambm traa um paralelo entre as polticas pblicas voltadas ao
planejamento e sua relao com o contexto poltico. Ela aponta uma conexo entre
o paradigma neoliberal em vigor e a descentralizao administrativa, quando
ocorrero importantes mudanas na poltica da administrao da educao
brasileira.
Na maioria destes casos, vemos, portanto, a inteno dos autores de
localizarem os momentos polticos especficos. Embora no problematizem de forma
dirata o conceito de democracia, enquanto modelo poltico de organizao da
sociedade ou regime poltico, estes estudiosos se referem as sociedades concretas
e a tempos histricos precisos, onde descrevem, mesmo que sumariamente, como a
democracia se materializou.
Comparando com os trs modelos de democracia ilustrados por Habermas
(2003), vemos que Ferreira (2000) expe, com clareza, alguns dos problemas
principais do modelo de democracia liberal. Segundo a autora, o individualismo
pulveriza as necessidades polticas e sociais, uma vez que as pessoas do direito
privado procuram realizar seus projetos de vida seguindo de forma independente
suas preferncias individuais. O liberalismo no suscita, a princpio, a motivao
necessria para o incremento da participao coletiva, que tornaria possvel a
conformao da vontade geral do povo. A livre iniciativa no gera estmulos auto-
organizao e conscincia cvica.
Na maioria dos artigos, esse problema da falta de mobilizao coletiva no foi
descrita por meio de elaborao mais refinada sobre a democracia. No entanto, os
textos enfocaram numerosas vezes a falta de participao, o despreparo poltico, o
imobilismo e a escassa cultura poltica, elementos presentes na grande maioria das
experincias acerca da gesto democrtica.
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O nico texto onde este problema parece ter sido superado foi o de Naspolini
(2000). No Cear, pelo menos segundo a avaliao do autor, os resultados tem sido
bastante satisfatrios. Como vimos, de acordo com seu relato, a comunidade, alm
de eleger o diretor, coordena efetivamente a elaborao do Plano de
Desenvolvimento da Escola; garante o seu acompanhamento, monitoria e controle;
assume a responsabilidade de, durante o exerccio do cargo em comisso, avaliar
periodicamente a direo da escola.
Uma vantagem da teorizao sobre modelos normativos de democracia que
ela trabalha com a dimenso do que deve ser feito, em contraposio ao que , ao
que est materializado de fato. ainda mais significativo, entretanto, no perdermos
tal distino de vista, pois as pessoas, em geral, empregam o conceito de
democracia sem fazer essa distino. Tal postura pode ocasionar confuses
semnticas desnecessrias, caso no sejam tomados os cuidados necessrios ao
esclarecimento.
importante tambm encaramos o normativo, no sentido do que deve ser
feito, de forma realista e sem exageros. Embora os modelos reflitam uma idealizao
desejvel, no devemos nos limitar a propag-los como se por si s fossem
suficientes para a transformao da realidade. Como observamos, na histria de
nosso prprio pas, a democracia j foi tomada como uma simples palavra de ordem.
Depois de estabelecida a estrutura democrtica, se fazem necessrios
esforos reais para a transformao de realidade. A democracia a base formal
para a participao efetiva da populao, mas no garante, pelo menos num
primeiro momento, que as transformaes necessrias se efetuem, nem que a
participao seja efetiva. Um projeto coletivo de ordenao social uma questo
ampla, com inmeros desdobramentos.
O mesmo acontece com a gesto democrtica. Foi comum encontrarmos nos
textos algum tipo de idealizao ou de glorificao de suas promessas, quase
sempre encaradas como uma soluo para tudo.
importante termos esse cuidado, pois, como alguns textos sugerem, h
certa contradio entre a teoria e a prtica. Freitas (2000) adverte que a simples
divulgao da implementao da gesto democrtica no garante sua efetivao. O
Estado pode estar querendo reduzir gastos e escamotear sua responsabilidade com
a poltica educacional, ao adotar novos modelos de reorganizao administrativa.
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indicado no perdermos de vista, no que se refere educao, que o trato
com Estado frequentemente marcado por descontinuidades polticas. No caso
especfico da educao, encontramos esse problema em vrias instncias. O INEP
Coelho (2009) indica o excesso de determinaes polticas como responsvel por
vrias alteraes nos rumos das pesquisas educacionais realizadas por este
instituto. Muitas mudanas aconteceram sem maiores justificativas epistemolgicas.
Elas simplesmente ocorreram devido s alteraes do quadro poltico.
Saviani (2008) registra que o projeto Diagnstico da Educao nos Estados,
experincia desenvolvida pelo INEP entre 1983 e 1990, foi descontinuado, tendo
seus resultados cados em completo esquecimento. Ou seja, esse um bom
exemplo do trato da coisa pblica. A secretaria de planejamento, atravs do instituto,
solicita a realizao de um amplo projeto de diagnstico que, uma vez realizado,
posto de lado. Materiais, tempo e recursos financeiros foram gastos para um
trabalho que sequer foi divulgado. A pesquisa realizada por Saviani revelava, em
muitos momentos, a omisso do Estado. Talvez por isso mesmo, o Estado, via
INEP, preferiu esquecer os dados encontrados.
curioso notar que a despeito dos problemas relativos ao trato com o Estado,
nenhum texto assumiu estritamente uma posio mais radical, como a defendida por
Dcio Saes no livro Democracia, de 1987. Saes (1987) utiliza a categoria
Democracia Burguesa. Dentro dela, o Estado resume-se apenas a uma organizao
a servio da classe social exploradora. Faz sentido, por um lado, a ausncia desse
tipo de colocao. A coletnea Em Aberto uma publicao do INEP, que faz parte
do aparelho do Estado.
Vale ressaltar, contudo, que mesmos os textos mais crticos do sistema, pelo
menos nesta publicao de 2000, so amplamente favorveis descentralizao
administrativa que proporciona, mesmo que formalmente, maior grau organizativo
para a comunidade.
Em resumo, no podemos nos limitar com relao gesto democrtica a
uma conceitualizao ideal. Este modelo de gesto, embora vantajoso, no deve ser
valorizado por si s, para no ficarmos presos a uma viso idealizada. O trato com o
Estado e com a coisa pblica envolve, frequentemente, muitos problemas: decises
adiadas, burocratismos, abusos de poder e interesses particularistas. No devemos,
igualmente, tomar a gesto democrtica apenas como uma palavra de ordem. O
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mesmo acontece com a educao. Ora a gesto democrtica, ora e educao
tomada de forma idealizada.
Um detalhe bastante positivo encontrado nos textos que eles, em sua
maioria, foram compostos de modo a destacar tanto aspectos positivos, quanto
negativos acerca da administrao escolar participativa. reconfortante
localizarmos esta disposio contrria unilateralidade. Os trabalhos no se furtam
de examinar as contradies e os avanos.
Agora, antes de abordarmos o balano dos aspectos positivos e negativos,
gostaramos de adicionar ainda mais uma reflexo relacionando, com certa
liberdade, gesto democrtica e conceitos referentes democracia.
Conforme observamos, a gesto democrtica muitas vezes instituiu-se por
meio da organizao de colegiados ou conselhos. Nestes rgos, as pessoas
comuns participam de forma direta das discusses e deliberaes a respeito da
conduo da administrao educacional. Vrios textos consideram essa participao
como uma forma de se fazer democracia. A administrao participativa seria o
exerccio efetivo da cidadania e da autodeterminao democrtica.
Nesse sentido, a democracia considerada um valor. Ela associada
participao. Essas palavras so quase tomadas como sinnimo. Realizar tal prtica
social adquirir conscincia cvica. esse exerccio que caracterizaria
verdadeiramente a autonomia da soberania popular. Na totalidade dos textos, pode-
se dizer, encontramos essa ideia. So numerosos os louvores em relao
participao democrtica.
Como o intuito do trabalho operar com a interface conceitual entre
democracia e gesto democrtica, podemos estabelecer algumas colocaes acerca
das prticas efetivamente realizadas. Algumas liberdades nesta anlise, portanto,
so necessrias.
A gesto democrtica, comparada as votaes para os representantes do
poder pblico, tanto na esfera municipal, estadual ou nacional, representa o nvel
micro. A gesto escolar uma prtica social de participao que acontece no mbito
mais prximo comunidade. Isso no impede que ocorram candidaturas, eleies,
debates e disputas. Como sabemos, a amplitude diminuta no confere a esta prtica
o ttulo de democracia. Classificamos a gesto escolar como uma prtica
democrtica e no como a prpria democracia.
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Para as antigas cidades-estados gregas, por exemplo, falamos de democracia
direta. Para as sociedades contemporneas falamos de democracia representativa.
O plebiscito pode ser considerado como um exerccio atual de democracia direta. No
caso especfico da gesto democrtica, como vimos, ns no utilizamos estes
termos, mas podemos realizar um exerccio de classificao e trabalhar com estes
conceitos.
Se pensarmos na eleio de diretores, talvez pudssemos classificar esta
prtica como um gnero hbrido. Para os membros da comunidade e funcionrios,
uma prtica representativa, no sentido de que ser eleito um representante. Neste
caso, apenas algumas pessoas so elegveis e podem se tornar diretores9. direta,
uma vez que escolhemos diretamente, sem intermedirios e porque em muitos
casos as participaes nos conselhos so mais constantes, no se restringindo a um
espeado momento eleitoral. Alm disso, para os conselhos ou colegiados, como
existe um representante de cada segmento, qualquer um, virtualmente, pode ser
candidato, bastando para eleger-se ter a capacidade de convencer seus
correligionrios. representativa no sentido de que escolhemos representantes e
no votamos, caso a caso, nos assuntos.
Todas as possibilidades da gesto democrtica, como indicaram praticamente
todos os textos, na verdade representam o processo de auto-organizao da
sociedade, ao atribuir para si mesma, suas prprias leis. Esta prtica democrtica
micro, se comparada com a administrao do sistema poltico das esferas
superiores, indica, dentro da caracterizao habermasiana, o afastamento do
modelo estritamente liberal. A participao em processos institucionalizados j seria
o exerccio de uma democracia deliberativa, mbito onde poderamos manifestar
comunicativamente e de forma contundente a vontade popular.
Assim, a gesto democrtica de fato representa um avano. Como nos diz
Freitas (2000), pelo menos legalmente, o Estado passou a permitir maior
participao da sociedade. So muitas cidades e municpios dos estados brasileiros
que ampliaram a autonomia da administrao escolar. Podemos citar, conforme os
dados da coletnea: So Paulo, Santa Catarina, Porto Alegre, Espirito Santo, Cear,
Bahia, Vitria , entre outros.
9 Se pensssemos aqui na classificao aristotlica, talvez a designao aristocracia fosse possvel. Somente os melhores (aristoi) so elegveis.
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Vimos, com Freitas, que da Faculdade de Educao da Universidade Federal
da Bahia (UFBA) e da Universidade Estadual da Califrnia estabeleceram uma
parceria que resultou no Programa Gesto Participativa (PGP). Entre outras
realizaes, podemos citar a criao do Gerir, um informativo com o objetivo de
registro de atividades e a oferta de leituras prximas do cotidiano vivido pela equipe
escolar. O PGP implementa tambm oficinas sobre questes poltico-administrativo-
financeiras e pedaggicas e promove uma parceria entre estabelecimentos de
ensino, onde a equipe de uma escola ajuda as outras no caminho da participao.
Por seu turno, Torres & Garske (2000) assinalaram que a eleio dos
diretores, o projeto poltico pedaggico, a implantao de conselhos deliberativos
so exemplos10 tpicos das conquistas nesta rea. Programas e fundos criados pelo
governo, tais como a poltica de formao dos gestores, o Programa de Manuteno
e Desenvolvimento do Ensino (PMDE), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educao (FNDE), o Fundo de Fortalecimento da Escola (Fundescola), podem ser
considerados como conquistas no mbito da gesto democrtica.
Naspolini (2000) distingue como fatores positivos em seu estado: a criao de
cursos tendo como pblico-alvo os Ncleos Gestores recm-empossados e a
criao dos Comits de Participao (o Pedaggico, o de Gesto e o de
Monitoramento e Controle) em mbito regional, macrorregional e da prpria
Secretaria da Educao do Estado. Segundo o autor, os comits so apresentados
como ambientes de reflexo, de intercmbios e de cooperao, possibilitando que a
Secretaria da Educao se desloque da sua sede e amplie seu campo de atuao
efetiva.
Oliveira (2000) aponta como efeitos positivos aps a implementao dos
conselhos em Vitria: a melhora da qualidade do ensino; aprendizagem mais
adequada; pais cientes do funcionamento escolar; conservao do prdio escolar e
10 Como vimos, Naspolini, no Cear, elenca um conjunto de medidas efetivamente implementadas: a) introduo do voto universal, superando o critrio anterior da proporcionalidade que privilegiava o corpo
docente e administrativo da unidade escolar; b) deciso de tornar o prprio Conselho Escolar, responsvel pela
organizao do pleito em cada escola; c) possibilidade de renovao permanente dos quadros de direo,
evitando que a mesma pessoa ocupasse o cargo de diretor por anos a fio, sendo permitida, portanto, somente uma
reconduo consecutiva e duas alternadas; d) criao do Ncleo Gestor da Unidade Escolar, formado pelo diretor, pelos coordenadores pedag