Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

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INTRODUÇÃO A Lei nº 11.340/06, hodiernamente conhecida como Lei Maria da Penha, tem sua destinação precípua a proteção de mulheres, quando estas se encontrarem como vitimas de violência nos domínios da entidade familiar. Todavia, a despeito de inexistência de previsão expressapara aplicabilidade ao homem, pretende este estudo, demonstrar a coerente incidência dosmecanismos de prevenção, inibição, punição e erradicação da violência doméstica para as situações de violência em que figure o homem como vítima as agressões previstas em lei.Tendo a razão de ser de tal entendimento, respaldo no próprio texto constitucional, quando dispõe serem iguais, homem e mulher, perante a lei que rege o Estado Democrático de Direito. Seria esta igualdade meramente formal, simples disposição legal, sem qualquer eficácia, se, tendo em vista a perpetração de violência contra o indivíduo, fosse incapaz o Estado, de oferecer-lhe resposta apta a fazer cessar os efeitos da conduta lesiva. De modo que, apreende- se de uma interpretação teleológica do texto da lei em estudo, o condão de proteger os integrantes do núcleo familiar, vitimados por qualquer espécie de violência. Deste modo, a necessária aplicação dos dispositivos legais à mulher, quando esta for a agente responsável pela conduta danosa em face de homem, reflete manifesta isonomia material, com vistas à proteção daquele que demonstra, no caso concreto a necessária e inadiável intervenção estatal. Neste diapasão, questiona-se, jurisprudência e doutrina, se o principio da isonomia material, que intenta tratar de forma desigual, os desiguais, para que se alcance uma igualdade real, seria de fato aplicável à Lei 11.340/06, de modo a dispensar proteção, apenas, para a mulher, tendo em vista a violência generalizada que ora se visualiza em nossa sociedade, a saber, indiscriminadas manifestações agressivas, tanto de homens contra suas esposas ou companheiras. De modo que, é de relevante importância apreciar a possível aplicabilidade do diploma especial, em favor do homem que, efetivamente, encontre-se em situação de violência doméstica. Para tanto, trataremos no capítulo I de uma breve exposição histórica a respeito do surgimento em nosso país, deste regramento que disciplina este tipo de relação familiar.

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INTRODUÇÃO

A Lei nº 11.340/06, hodiernamente conhecida como Lei Maria da Penha, tem sua destinação

precípua a proteção de mulheres, quando estas se encontrarem como vitimas de violência nos

domínios da entidade familiar. Todavia, a despeito de inexistência de previsão expressapara

aplicabilidade ao homem, pretende este estudo, demonstrar a coerente incidência

dosmecanismos de prevenção, inibição, punição e erradicação da violência doméstica para as

situações de violência em que figure o homem como vítima as agressões previstas em

lei.Tendo a razão de ser de tal entendimento, respaldo no próprio texto constitucional, quando

dispõe serem iguais, homem e mulher, perante a lei que rege o Estado Democrático de

Direito.

Seria esta igualdade meramente formal, simples disposição legal, sem qualquer eficácia, se,

tendo em vista a perpetração de violência contra o indivíduo, fosse incapaz o Estado, de

oferecer-lhe resposta apta a fazer cessar os efeitos da conduta lesiva. De modo que, apreende-

se de uma interpretação teleológica do texto da lei em estudo, o condão de proteger os

integrantes do núcleo familiar, vitimados por qualquer espécie de violência. Deste modo, a

necessária aplicação dos dispositivos legais à mulher, quando esta for a agente responsável

pela conduta danosa em face de homem, reflete manifesta isonomia material, com vistas à

proteção daquele que demonstra, no caso concreto a necessária e inadiável intervenção estatal.

Neste diapasão, questiona-se, jurisprudência e doutrina, se o principio da isonomia material,

que intenta tratar de forma desigual, os desiguais, para que se alcance uma igualdade real,

seria de fato aplicável à Lei 11.340/06, de modo a dispensar proteção, apenas, para a mulher,

tendo em vista a violência generalizada que ora se visualiza em nossa sociedade, a saber,

indiscriminadas manifestações agressivas, tanto de homens contra suas esposas ou

companheiras.

De modo que, é de relevante importância apreciar a possível aplicabilidade do diploma

especial, em favor do homem que, efetivamente, encontre-se em situação de violência

doméstica.

Para tanto, trataremos no capítulo I de uma breve exposição histórica a respeito do surgimento

em nosso país, deste regramento que disciplina este tipo de relação familiar.

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Quando do capítulo II, abordaremos os procedimentos e medidas protetivas dispostas na Lei

Maria da Penha, a saber, os mecanismos para sua aplicação, desde as questões de competência

à formas pelas quais se dará a instauração do processo penal.

E, finalmente, no capítulo III, versaremos sobre o homem como destinatário isonômico da Lei

11.340/06, com vistas aos princípios constitucionais aplicáveis à problemática, como por

exemplo o principio da isonomia, em face da vedação à interpretação extensiva na seara

penal, e obviamente, toda a problemática que surge em decorrência disto. Trazendo também, a

baila de nossos estudos, pesquisas jurisprudenciais que, tratando sobre a questão, possam

trazer luz à este controvertido tema.

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CAPÍTULO I

1DAS RAÍZES DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A violência, em suas mais variadas manifestações, é um tema recorrente em nossa sociedade,

pois como é sabido por todos, a violência é capaz de ceifar, diariamente a vida de milhares de

indivíduos em todo o mundo.

No que diz respeito ao conceito de violência, Mameluque expõe aquilo que o Conselho Social

e Econômico das Nações Unidas vem entendendo:

O uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra

pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em

sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação.

(MAMELUQUE,2010, p.01)

Deste modo, percebemos ser a violência um meio, que se destaca em todas as sociedades,

pelo qual se expressa modos de vida, comportamentos específicos e fenômenos mais gerais de

comportamentos humanos, assumindo até dado ponto, contornos de predicativo do jeito

humano de ser, como defende Strey(2001, p.47).

Esta violência, em razão do gênero, encontra-se intimamente relacionada às relações onde se

visualiza estados de subordinação, especialmente nas relações onde o gênero feminino

submete-se ao masculino. Em outras palavras, presume-se que a violência de gênero encontra-

se mais propensa a concretizar-se, em relações onde mulheres encontram-se subordinadas, por

diversos fatores, ao homem, o que por certo, encontra notório respaldo histórico, uma vez que

desde o primórdios da humanidade, à mulher é imposto um lugar de inferioridade em relação

ao homem, em praticamente todas as relações que se estabelecem nas civilizações. Com

especial relevo aquelas datadas do período das revoluções europeias do século XVIII, onde a

mulher, mesmo se vendo a desempenhar funções equiparadas ao homem, permanece relegada

à condição inferior, tal qual comenta Souza1 ou, como em nossos dias, onde mulheres

assumem posições de liderança, alcançando resultados igualmente satisfatórios aos dos

homens, no entanto não percebendo as mesmas remunerações pecuniárias2.

1Sérgio Ricardo de Souza,Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 36.

2 Dados do sítio do Observatório de Igualdade de Gênero, acessados em outubro de 2013, apontam diferença

de até 30% de salários entre homens e mulheres que exercem as mesmas atividades, numa evidente disparidade salarial em razão do gênero.

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Historicamente, as mulheres têm sido vistas nas sociedades como seres de menor escalão,

gozando de quantidade inferior de direitos e submissas à vontade e desejos do homem,

praticamente sem direitos, todavia imbuídas de diversas obrigações, como percebe-se notório

no trecho abaixo:

A mulher durante séculos foi vítima da opressão e de teorias machistas, no

entanto, nenhum obstáculo foi capaz de ofuscar o brilho feminino e impedir o

seu desenvolvimento na sociedade. Contudo o processo de emancipação da

mulher foi uma tarefa árdua, que perdurou durante séculos até alcançar o status

que possui hoje. De sexo frágil, a mulher passou a ser responsável pelo mais

novo processo que o mundo vem sofrendo: a revolução feminina, onde as

mulheres deixaram de ser apenas donas [sic] do lar, para participar efetivamente

da construção da história. (GALIZA, 2008, p. 01)

Desde a pré-história, perpassando períodos como a Idade Média, até a Idade Moderna,

percebe-se a mulher, como uma propriedade do homem, nas sociedades conhecidas como

patriarcais, onde se visualiza o homem como chefe e mantenedor da família, cabendo a

mulher tão somente a função doméstica e de procriação.

Chegando à nossa contemporaneidade, mais precisamente de eventos datados do final do

século XIX, manchetes de jornais como “Matou a esposa a punhaladas”, “Do ciúme ao crime”

ou mesmo “Crime de honra do marido traído”, eram frequentes e admitidas como práticas

comuns e permitidas na sociedade, em razão mesmo desta cultura da mulher como

propriedade do marido e, em sendo ela propriedade, poderia, certamente, seu dono, fazer

deste “bem” o que melhor lhe aprazia. Sendo este pensamento corroborado, inclusive, por

muitas mulheres à época.

Em período seguinte, já no século XX, floresce o movimento feminista e junto a ele, atos

internacionais de proteção à mulher se multiplicam ao redor do mundo. O feminismo foi um

movimento, que buscou principalmente a igualdade de direitos, respeitando as diferenças

entre sexos. Seu objetivo era reconhecer a mulher em igualdade com o homem, no intuito de

dirimir a ideia de superioridade do sexo masculino sobre o feminino.

Neste contexto de comum e tolerada violência doméstica contra a mulher, paralela a este

crescente movimento de luta por direitos femininos, visualiza-se uma premente necessidade

da intervenção estatal, com vistas àimplementação de políticas públicas que visassem proteger

as vítimas desse tipo de violência. Sendo, então, criada a Lei 11.340/2006, popularmente,

conhecida como Lei Maria da Penha, sancionada em 22 de setembro do referido ano, pelo

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Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Emhomenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia

Fernandes, mulher vitimada pela violência doméstica, durante anos, e que, por duas vezes,

sofreu tentativas de homicídio, por arma de fogo ,seguida de tentativa de eletrocussão,

perpetradas, ambas, por seu marido, restando à mesma paraplégica.

Incontestavelmente, a Lei Maria da Penha é legislação de cunho especial, cujo objetivo é

“criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher...”

que se lê em seu artigo 1º. Tendo então, a legislação em questão, objetivo indireto de adequar

o país à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a

Mulher à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as

Mulheres, das quais é o Brasil anuente3 e,aos ditames da Constituição Federal Brasileira no

tocante aos direitos e garantias universais. Pode-se dizer que a nova legislação tem como

paradigma o reconhecimento da violência contra as mulheres como uma violação direta aos

direitos humanos.

1.1LEI MARIA DA PENHA, RAZÕES HISTÓRICAS

A Lei Maria da Penha, amplamente difundida sob esta alcunha, tanto nos círculos populares

quanto nos acadêmicos, para a Lei nº. 11.340/06, remonta a década de oitenta. No dia 29 de

maio de 1983, na cidade de Fortaleza, no estado do Ceará, após anos de uma desgastada

relação, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, foi atingida por um tiro de

espingarda, enquanto dormia, desferido por seu então marido, o professor universitário Marco

AntonioHerediaViveros, colombiano naturalizado no Brasil. Em decorrência deste tiro, que

atingiu a vítima em sua coluna, destruindo duas de suas vertebras, resultando assim numa

lesão permanente que a deixou paraplégica. No entanto, as agressões, não findaram com estes

eventos, ocorrendo em 29 de maio de 1983, nova investida do então marido, contra a vida de

Maria. Estando ela já em sua residência após ser liberada dos procedimentos médicos em

3A convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, conhecida como CEDAW,

foi ratificada pelo Congresso Nacional em 1º de fevereiro de 1984, no entanto como nesta data ainda não havia sido promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, restou a ratificação com certas ressalvas, sendo estas removidas quando da superveniência da nova constituição. A ratificação plena veio por meio do Decreto Legislativo nº26/1994, promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto nº4.377/02. Já o segundo movimento, realizado neste mesmo intuito de combate a violências, foi a ratificação d Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, ratificada em 27 de novembro de 1995, por meio do Decreto Legislativo nº107/95 e promulgado pelo Presidente da República no Decreto nº1.973/96.

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razão do ataque narrado e, já em estado deficiente, é vitimada por nova investida, desta vez,

por meio de descarga elétrica, enquanto estava no banho4.

O caso tornou-se notório devido à morosidade excessiva da prestação judiciária ao caso, em

relação à punição do agressor. Denunciou o fato, o Ministério Público em 1984, quase um ano

após a ocorrência dos eventos. Apenas após oito anos da prática criminosa, em 04 de maio de

1991, é levado à Júri e condenado, o Senhor Marco AntonioHeredia, então ex-marido da

vítima. Todavia, a despeito da condenação, apelou a defesa da decisão e, sendo provido o

recurso, permaneceu em liberdade o condenado, não ocorrendo a efetiva prisão. Desta feita,

nova data para novo Júri fora marcada. Em 15 de março de 1996, treze anos após o fato, é

submetido o acusado à novo Júri e, novamente condenado, mais uma vez interpõe recurso,

tendo este recebido também provimento, continuando mais uma vez em liberdade. Apenas em

setembro de 2002, contados dezenove anos da data do crime, é efetivamente preso o

condenado, permanecendo, tão somente, dois anos no cárcere.

Após estes eventos, Maria da Penha dedicou sua vida à luta pela regulamentação de norma

que buscasse a punição mais severa para condutas da natureza que à vitimara, no intuito de

proteger outras mulheres de um futuro tão nefasto quanto o dela. Nesta diligencia, tornou

notório seu caso, por meio dos meios de publicidade á ela disponíveis.

Maria da Penha enviou sua história para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

(OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de natureza doméstica. Ocasionou uma

condenação ao Brasil, em razão da negligência em relação à violência doméstica. Uma das

punições que se deflagrou, foi a recomendação para que se criasse legislação adequada para

tratar deste tipo de violência. A partir dai um conjunto de entidades reuniu-se para definir um

anti-projeto de lei, que tratava das formas de violência doméstica e familiar contra as

mulheres, estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de prática criminosa.

Previa também o prévio projeto, mecanismos para prestação assistência das vítimas5.

4 Dados do sítio do Ministério Público do Estado do Ceará, onde está disponível entrevista com a própria Maria

da Penha que fornece detalhes sobre sua história. 5 Dados disponíveis no sítio do Observatório Lei Maria da Penha,

em:http://www.observe.ufba.br/lei_mariadapenha, que tem como objetivo a implementação da Lei Maria da Penha no território nacional e desenvolve suas atividades através de um Consórcio liderado formalmente pelo NEIM/UFBA e composto por outras oito instituições.

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Finalmente, em setembro de 2006 a lei 11.340/06 entra em vigor, removendo a violência

contra a mulher da esfera dos crimes de menor potencial ofensivo. A lei também elimina a

possibilidade de pagamento de penas, para as condutas nela previstas, por meio de cestas

básicas ou multas. Abarcando, além da violência física e sexual, também a violência

psicológica, patrimonial e o assédio moral.

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CAPÍTULO II

2 DOS PROCEDIMENTOS E MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTOS NA LEI Nº

11.340/06

O aludido diploma em seu Título II, Capítulo I, quando das disposições gerais, traz os

necessários esclarecimentos conceituais do que será admitido como violência doméstica,

definindo também a esfera de sua incidência, a saber, uma mínima definição do âmbito

familiar, como percebe-se no art.5º, incisos. Seguindo na seara das definições, no Capítulo II,

Art. 7º, incisos, trata o legislador das formas como se dá a violência doméstica contra a

mulher, elencando neste momento suas manifestações possíveis: física, psicológica, sexual,

patrimonial e moral, com os devidos acréscimos esclarecedores.

Superada esta imprescindível fase conceitual, passa o legislador à propor os mecanismos

efetivos para prevenção desta violência, com vistas ao objetivo precípuo do diploma, que é

dispor mecanismos aptos à coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, contra a mulher.

Deste modo, é exposto um rol de medidas assistenciais que devem ser adotadas em relação a

vítima desta violência, abordando ainda os procedimentos a serem despendidos pr cada órgão

competente pela prevenção deste mal combatido.

Para que se fale num efetivo apoio a vítima, disciplina a lei medidas protetivas, que segundo o

novo diploma, a luz da doutrina6, dividem-se em medidas integradas e medidas protetivas de

urgência, sendo estas ainda divididas em direcionadas ao agressor e a vítima, como restará

exposto no curso deste trabalho. Para que fosse possível a eficácia dos dispositivos

abstratamente elencados na lei, tratou ainda o legislador de estabelecer os procedimentos

cabíveis para que,efetivamente, fossem implementadas tais medidas, estabelecendo a

competência dos órgãos envolvidos no processo.

2.1MEDIDAS PROTETIVAS INTEGRADAS

O art. 8º e incisos da Lei Maria da Penha passa a dispor sobre as medidas de proteção

integradas que devem ser implementadas através de articulações, como determina o texto de

6 Neste sentido, corroboram Cleber Masson e Luiz Regis Prado

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lei, entre União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e não apenas dos entes,

mas do próprio corpo social, como percebe-se no inciso III, quando citado os meios de

comunicação social como recursos também propícios à construção e proteção de valores

éticos de uma sociedade que movimente-se com vistas à esta pretendida proteção. Ainda em

tempo, é deveras importante mencionar, ser meramente exemplificativo o rol exposto no

artigo em questão.

A importância inicial, rapidamente desprendida da leitura da lei, é a de mobilização de todos

os entes e da sociedade como um todo na busca pela extinção ou minimização dos efeitos

desta tenebrosa manifestação de violência, de modo a convocar tantos setores sociais e

governamentais na deflagração destas diligencias especificas. Isto percebe-se com facilidade

na leitura dos incisos do art. 8º, especialmente dos incisos IV, V e IX, que manifestam o

interesse do legislador em prover meios possíveis para construção de uma nova cultura no

seio social, que vislumbre e possibilite o dialogo sobre o tema com vistas em sua eliminação7.

Contudo, importante se faz ressaltar, que, a mera proposta de mudança dos ranços culturais na

sociedade, não garante a eliminação deste mal que se prolifera tão sorrateiramente.É

imprescindível, também, que haja uma resposta eficaz dos agentes públicos que irão tratar

diretamente com as vítimas destas violências8, de modo que se crie uma cultura, entre as

vítimas no intuito de manifestação desta luta por direitos estabelecidos no corpo legal, uma

vez que sabemos estar a mulher, ou mesmo o homem vítima deste tipo de violência, em

situação de peculiar fragilidade em razão dos vínculos afetivos que se desdobram pelos laços

familiares e todo seu entorno, logo, sem a devida recepção dos órgãos responsáveis, desta

vitima que os procura quando da ocorrência desta delicada circunstância, poderíamos verificar

o desistimo-lo pela busca de amparo estatal para tais situações de risco e, sem esta denuncia,

esta busca, que deflagraria todo o processo protetivo, estaria comprometida todo o intento

protetivo legal, em não visualizando o ambiente adequado para o surgimento desta cultura de

exposição por parte da vitima deste contexto de violência que esta experimenta no âmbito

doméstico.

7 Neste sentido o inciso IX, do art. 8º, que dispõe sobre a inclusão do tema nas diretrizes curriculares das redes

de ensino, de todos os níveis, sendo determinada já no texto da lei a ênfase que deve ser dispensada àdireitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e, com destaque,a violência doméstica e familiar contra a mulher. Num efusiva direcionamento do legislador. 8 Consoante previsão do inciso VII, do art. 8º do diploma em análise.

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Um fator de relevante importância, que não deve ser desprezado, é o destaque dado pelo

legislador aos novos contornos que o direito vem assumindo nas ultimas décadas em todo o

mundo, com vistas a formatação das ações governamentais voltadas à evidenciação e proteção

de direitos humanos, a própria menção ao tema, quando do art. 8º em seus incisos V, VIII e

IX, revelam o interesse em sublinhar a questão na própria narrativa legal. Neste sentido

Cançado Trindade (2004), traça comentários pertinentes a estas evidentes mudanças jurídicas:

“Todo novo corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos vem de

ser construído em torno dos interesses superiores do ser humano,

independentemente de seu vinculo de nacionalidade ou de seu estatuto político

[...] Se o Direito Internacional reconhece aos indivíduos direitos e deveres (como

comprovam os instrumentos internacionais de direitos humanos), não há como

negar-lhes personalidade internacional, sem a qual não poderia dar-se aquele

reconhecimento [...] O reconhecimento do individuo como sujeito tanto do

direito interno como do Direito Internacional, dotado, em ambos de plena

capacidade processual (cf. infra), representa uma verdadeira revolução jurídica,

para a qual temos o dever de contribuir. Esta revolução vem enfim dar um

conteúdo ético às normas tanto do direito interno como do Direito

Internacional.” (CANÇADO TRINDADE, 2004, p. 212-213).

A assertividade das palavras de Trindade é tal, que poderíamos trazer novamente as questões

pertinentes à pressão internacional contra o Estado Brasileiro pela legitimação e proteção dos

direitos da mulher, vitima de Tais violência, no sentido de criação de legislação especifica que

os viesse a resguardar estes direitos, o que de fato veio a ocorrer, como já demonstrado no

curso deste trabalho. Revelando assim, uma configuração, como propõe o autor, da noção de

direitos internos e internacionais para este novo indivíduo, que devem ser observados pelo

Estado, quando da proteção deste, de modo que a própria Lei Maria da Penha é a efetiva

demonstração de tal raciocínio, quando pensamos na defesa dos direitos humanos de um

determinado grupo, no caso em tela, das vítimas de violência doméstica.

2.2 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGENCIA DESTINADAS AO AGRESSOR E A

OFENDIDA

No Título IV, capítulo II da Lei em estudo, são dispostas as medidas protetivas de urgência,

que assumem aqui verdadeira natureza de procedimento cautelar9, podendo ser aplicadas

isoladamente ou em conjunto com as medida administrativas previstas nos artigos 11 e 12,

9 As medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo

e eficaz aplicação do direito de punir do Estado, como ensinaAury Lopes Jr, em seu artigo: Fundamento, requisito e princípios gerais das prisões cautelares.

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que tratam do atendimento ministrado pela autoridade policial ao ofendido. Isto se desprende

diretamente do texto de Lei quando em seu art.19, § 2º assevera:

§2oAs medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou

cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de

maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados

ou violados.

Tais medidas podem inclusive, para que alcancem seu fim, serem concedidas inaudita altera

pars, como podemos perceber pela dicção do §1º do art.18, quando determina o texto legal

estar apto o Magistrado para conceder, imediatamente, estas medidas independentemente de

ouvidas das partes e de manifestação do Ministério Público, restando a ressalva da

comunicação deste, quando imprescindível for tal postura10

.

As medidas protetivas apresentadas no corpo da Lei Maria da Penha, podem ser direcionadas

tanto à vitima da agressão quanto ao agressor, a depender da configuração fática percebida no

caso concreto. Assim, o legislador no art. 22, autorizou o Magistrado a aplicar ao agressor as

seguintes medidas, in verbis:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher,

nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em

conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre

outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao

órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o

limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de

comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e

psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe

de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

10

Fernando Capez, ao discorrer em seu Curso de Processo Penal, às paginas 420 e 421 sobre a definição e aplicação das medidas cautelares de modo abrangente, as classifica como medidas assecuratórias, urgentes e provisórias, determinadas com intuito de assegurar a eficácia de uma futura decisão judicial, defendendo inclusive poder o Juiz determinar tais diligências exofficio, quando vislumbrar a sua aplicação, corroborando o entendimento civilista, percebido no art.798 do CPC, que setraduz no poder geral de cautela que dispõe o Juízo.

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V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Percebe-se por uma breve leitura dos incisos acima, que intenta a lei proteger a integridade

física mora e psicológica da vitima, quando percebida a efetiva violência doméstica.

Oportunamente, comenta Nucci os incisos acima destacando a validade dos mesmos no atual

contorno social:

São previstas nesta Lei medidas inéditas, que, em nosso entendimento, são

positivas e mereceriam, inclusive, extensão ao processo penal comum, cuja

vitima não fosse somente a mulher. A suspensão da posse ou porte de arma de

fogo é valida, pois se pode evitar tragédia maior. Se o marido agride a esposa,

causando-lhe lesão corporal, possuindo arma de fogo é possível que, no futuro,

progrida para o homicídio. O afastamento do lar é, igualmente, salutar. Seria

uma medida de separação de corpos decorrente de crime e não de outras questões

de natureza exclusivamente civil. A proibição de aproximação soa-nos,

identicamente, correta,. Embora devesse a Lei ter previsto, exatamente o limite

mínimo da distância, evitando-se discussões acirradas nos processos. Igualmente,

a proibição de contato, que se pode dar por meio de diversas formas (email,

telefone, carta etc.), foi positiva. Quanto à frequentação de determinados lugares,

não vemos nenhum óbice. Finalmente, as medidas de caráter civil, restringindo

ou suspendendo o direito de visitas aos filhos menores e a prestação de

alimentos, só podem melhorar a eficiência da aplicação da Lei, uma vez que,

desde logo, o juiz criminal (com competência cumulativa) toma a decisão11

.

O destaque dado pelo doutrinador àassertividade das medidas legalmente propostas, somente

anunciam o compasso entre a lei e a demanda socialmente percebida, no tocante á postura que

deve ser tomada em face ao agressor, de modo que, tais medidas quando prontamente

aplicadas pelo Juiz, podem, pelo próprio bojo legal, alcançarem a eficácia pretendida,

propiciando a prevenção de danos mais gravosos à vitima e a própria entidade familiar. Indo

mais além, previu o legislador, a possível necessidade de aplicação de medidas outras que não

as elencadas no art.22, de forma tal que, destacou no parágrafo primeiro deste mesmo artigo,

o que segue:

§ 1oAs medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras

previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as

circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério

Público.

Quando faz uso da expressão outras [medidas] previstas na legislação, está nitidamente

tratando o rol do artigo 22 como meramente exemplificativo, o que mune o magistrado dos

meios necessários à efetiva proteção dos direitos á integridade física, moral e psicológica da

11

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.1057

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ofendida, e da própria entidade familiar. Tendo por fim a capacidade fixada no artigo 20, do

aludido diploma legal, de determinar a prisão preventiva do agressor, quando, ao valer-se

todas as medidas anteriormente previstas e potencialmente disponível, não vislumbrar a

efetiva proteção da vítima.

No tocante à vitima, tratam os artigos 23 e 24 das medidas de urgência cabíveis para sua

proteção, quando, por exemplo, no inciso I e II do art.23, determina a possiblidade de

remoção da ofendida e de seus dependentes do âmbito familiar e sua superveniente

recondução quando afastado o agressor do domicilio. Verificando-se aqui uma necessária

intervenção do Estado na condução desta proteção por meio da disponibilização e manutenção

de locais aptos ao acolhimento estes membros familiares agora desprovidos de habitação. Nos

incisos III e IV do art.23, assim como no art.24, são expostas medidas que venham proteger a

esfera patrimonial da vítima, como podemos perceber no texto legal:

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles

de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as

seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda

e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e

danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a

ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins

previstos nos incisos II e III deste artigo.

Deverascoerente foi a postura do legislador ao promover a proteção do patrimônio da vítima,

tendo em vista, a hipossuficiência da ofendida em relação ao gerenciamento patrimonial dos

bens, como percebe-se na grande maioria dos lares Brasileiros, adiantando-se, a lei, a proteção

da vítima a eventuais retaliações do ofensor12

.

12

TAKAHASHI PEREIRA, em seu artigo “Medidas protetivas da Lei Maria da Penha: aplicação analógica a meninos e homens” Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6827 comenta o fato de não serem suficientes as cautelares já existentes para tratar as peculiaridades da relação de violência domésticas, como por exemplo a hipossuficiência da mulher em relação à gerencia patrimonial do casal, de modo que a previsão de medidas cautelares específicas foi uma das inovações efetivamente benéficas trazidas pelo novo diploma.

Page 14: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

14

2.3DOS PROCEDIMENTOS

O título IV da lei em tela trata dos procedimentos a serem adotados para implemento das

medidas aqui abordadas, nesta seção da lei é registrado as disposições gerais, sem prejuízo de

perceber-se, ao longo de todo o diploma, outros tantos procedimentos necessários para

atendimento do sujeito passivo deste tipo legal.

Ainda nas disposições gerais constantes do capítulo I, deste título, é informada a aplicação

dos códigos processuais penal e cível para as questões processuais, o que não afasta o caráter

especial e consequentemente preferencial da lei 11.340 para a matéria, mesmo quando

mencionada a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente, no art.13 desta seção,o que

se vislumbra neste momento é a complementação de diplomas, já previsto na própria

legislação especial, para o mais efetivo atendimento às vítimas, tendo em vista a prévia

interdisciplinaridade da questão.

2.3.1DA COMPETÊNCIA PARA O PROCESSO, O JULGAMENTO E A EXECUÇÃO

O art.14 da Lei trata da possibilidade de criação de Juizados de Violência Doméstica e

Familiar contra a mulher, considerando-os como órgãos da Justiça Ordinária, dotados de

competência cível e criminal, a serem instituídos pela União, pelo Distrito Federal e pelos

Territórios e Estados. Prevendo inclusive, conforme disposição do parágrafo único deste

mesmo artigo, a possibilidade de realização de atos destes órgãos em horário noturno, como

uma evidente alusão á urgência das medidas cabíveis.

Ainda sobre a faculdade dos entes federativosquanto da instituição de tais órgãos especiais,

debatem na doutrina, Guilherme de Souza Nucci13

e Sergio Ricardo de Souza14

, o risco que

existe no diapasão entre: manter o respeito à autonomia das Unidades Federativas na

instituição de seus órgãos judiciais, manifesto pelo verbo “poderão”, e a não efetivação do

13

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.1057 14

SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher: lei Maria da Penha (11.340/2006). 3.ed. Curitiba: Juruá, 2009. p.90

Page 15: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

15

intento legal na criação dos mesmos. Pensando este ter andando mal o legislador por deixar a

faculdade desta instituição ensejar a sua própria ineficácia, enquanto aquele defende ter

procedido prudentemente o diploma neste tema.

2.3.2DO FORO COMPETENTE

Visando o melhor acesso à prestação jurisdicional da vítima, a Lei de proteção à mulher em

situação risco no ambiente familiar, deixou a seu encargo a escolha do foro para

processamento e julgamento das causas cíveis que se referem a lei, como apreende-se pela

dicção dos dispositivos:

Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos

por esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

Podendo optar pelo local onde é residente ou domiciliada, onde se deu o fato delituoso ou

mesmo do domicílio do agressor, quando nitidamente residem em locais distintos. Criando

assim um ambiente propicio à mais eficiente busca pela ajuda, no momento em que esta se faz

necessária.

2.3.3 DO ATENDIMENTO À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA E FAMILIAR

Na esteira dos procedimentos expostos no texto da lei encontramos nos artigos 11 e 12

aqueles que devem ser adotados pela autoridade policial na eminencia ou quando da efetiva

violência. É elencado o rol de providencias que devem ser tomadas quando da violência,

conforme se lê nos incisos do artigo 11:

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar,

a autoridade policial deverá, entre outras providências:

Page 16: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

16

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao

Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico

Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local

seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus

pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços

disponíveis.

Tratam estas disposições de um imediato amparo à vítima e seus dependentes, prestados pela

autoridade policial que lhe prestar atendimento. Importante é destacar a esta altura, que, antes

da vigência do diploma em estudo, um dos fatores determinantes para o silêncio davítima e a

inevitável perpetuação desta condição de fragilidade e violência, era o mal atendimento dado

por estes agentes quando da busca pela vitima pela ajuda. Logo, apercebendo-se deste fator

social, trata o legislador de registrar no próprio corpo da lei, as condutas que deveriam ser

óbvias a prestação mínima, de modo à garantir o auxilio eficiente aqueles que se encontrem

no curso desta situação15

.

Distinguem-se os artigos 11 e 12, pelo grau de ofensa ao direito da vítima. Discorre a doutrina

que o artigo 11 trata da eminencia da ofensa, aquele momento em que efetivamente a vítima

aindanão veio a sofrer lesão física, moral ou psicológica, embora restem as disposições do

inciso II, que orientam a autoridade policial a conduzir a ofendida ao hospital, o que se

presume uma necessidade oriunda de dano físico em algum grau. Enquanto que no artigo 12

resta evidente a intenção da lei em propor os procedimentos quando da efetiva agressão, isto

evidente pela redação do inciso IV, que faz alusão ao exame de corpo de delito, dentre outros

detalhes nos incisos seguintes. A despeito desta imprecisão do legislador, nos parece claro, a

intenção de firmar uma notória e indiscutível rol de ações das quais a autoridade policial não

poderia se escusar quando do atendimento à vitima, com vistas na proteção da ofendida e de

seus dependentes de outra forma de agressão, aquela que advém do descaso ou do

constrangimento do mau atendimento16

.

15

Neste mesmo sentido discorre Sérgio Ricardo de Souza ao tratar dos avanços procedimentais e culturais propostos pela Lei Maria da Penha, p.73. 16

Elizabeth Do Nascimento Mateus, em sua produção que trata da relação entre a Lei Maria da Penha e os direitos humanos da mulher, nos lembra que a recomendação para que especial atenção fosse dispensada aos

Page 17: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

17

2.3.4DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público atuará nos casos de violência doméstica e familiar em consonância com

o artigo 26 da Lei 11.340, conforme lê-se no texto legal:

Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos

casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de

assistência social e de segurança, entre outros;

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à

mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as

medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer

irregularidades constatadas;

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Sendo estas atribuições pertinentes nos casos onde o Ministério Público não é parte na

demanda, bem como não possuindo caráter exaustivo, sendo o rol presente nos incisos do

artigo 26 meramente exemplificativo, além de outras funções distribuídas em outros momento

da lei, como por exemplo quando da requisição de medidas protetivas de urgência, sua

renovação e revisão17

.

2.3.4DA ASSISTÊNCIA MULTIDISCIPLINAR

Outro ponto do diploma legal em estudo que merece destaque são as disposições presentes no

artigo 29,in verbis:

Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que

vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento

multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas

psicossocial, jurídica e de saúde.

mecanismos de controle dos atos dos próprios agentes públicos, quando do atendimento às vítimas deste tipo de violência, já constava nos tratados específicos sobre a promoção e defesa dos direitos da mulher, dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW de 1979 e a Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência Contra a Mulher conhecida como Convenção de Belém do Pará, ocorrida em 1994, oque geraram obrigações para o Estado Brasileiro neste sentido de cuidado na produção normativa, o que se refletiu neste rol de providencias. 17

Art.19, Lei 11.340/2006, caput e § 3º

Page 18: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

18

Em tempo, o dispostono artigo 32:

Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá

prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento

multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Preocupou-se o legislador em prover um acompanhamento muito além da mera prestação

jurisdicional pontual em face da violência em seu sentido estrito, mas antes, em uma acepção

mais amplo, com vistasa seus efeitos, psicossociais, jurídicos e no que tangencia a saúde da

vítima desta espécie de violência, de modo que fica faculdade ao poder judiciário a reserva de

recursos direcionados especificamente à este tipo de atendimento.

2.3.5DO RITO PROCESSUAL

Embora tenha ido o legislador muito bem em todos os temas tratados até este ponto, não

lograra o mesmo êxito quando da elucidação do rito processual a ser utilizado, não restando

claro, em todo o bojo legal qual dever-se-ia adotar quando nestes casos de violência contra

mulher, como muito bem sublinha Maria Berenice Dias18

, que a seu turno defende a aplicação

do rito dos Juizados Especiais, com vistas a celeridade, oralidade e economia processual,

quando dos incidentes processuais cíveis, o rito previsto no código de processo civil quando

das ações cíveis propostas pelo Parquet e por fim, mantendo-se o rito do processo penal

quando das ações criminais.

Defende autorizada doutrina que a Lei Maria da Penha teria retirado dos Juizados Especiais

Criminais a competência para processar os delitos pro ela previstos, instaurando a

competência para tal julgamento para as Varas Criminais. Embora reste ainda certo grau de

divergência quanto o tema, o entendimento que vem prevalecendo, reflete-se no julgado a

seguir:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA - LEI MARIA DA PENHA -

INCONSTITUCIONALIDADE - INOCORRÊNCIA - COMPETÊNCIA DO

JUÍZO SUSCITADO. I - A ação afirmativa do Estado que busque a igualdade

substantiva, após a identificação dos desníveis socioculturais que geram a

18

DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.83 e 84.

Page 19: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

19

distinção entre iguais/desiguais, não se pode tomar como inconstitucional, já que

não lesa o princípio da isonomia, pelo contrário: busca torna-lo concreto, efetivo.

II - As ações políticas destinadas ao enfrentamento da violência de gênero -

deságüem ou não em Leis - buscam a efetivação da igualdade substantiva entre

homem e mulher enquanto sujeitos passivos da violência doméstica. III - O

tratamento diferenciado que existe - e isto é fato - na Lei 11.340/06 entre homens

e mulheres não é revelador de uma faceta discriminatória de determinada política

pública, mas pelo contrário: revela conhecimento de que a violência tem

diversidade de manifestações e, em algumas de suas formas, é subproduto de

uma concepção cultural em que a submissão da mulher ao homem é um valor

histórico, moral ou religioso - a origem é múltipla. IV - O art. 33 da Lei Maria da

Penha dispõe sobre competência de juízo, competência das varas, que configura

matéria processual, ou seja, estabelece a competência das varas criminais (ainda

que de maneira transitória) para processo e julgamento dos crimes cometidos

contra a mulher no ambiente doméstico, e estabelecida esta competência é que,

conforme o disposto no art. 96, I, CF/88, na elaboração de seu regimento interno,

os tribunais disporão, com observância das normas de processo, sobre "o

funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos"”.

(TJMG; Proc. 1.0000.07.457002-9/000(1); Rel. Dr. ALEXANDRE VICTOR DE

CARVALHO; Publ. em 15/12/2007).

Percebe-se então, que mesmo não tendo sido plenamente claro o diploma no que tangencia a

competência de julgamento destas demandas, compete asvaras criminais o processamento e

julgamento dos crimes em estudo.

Superado este momento reservado a exposição dos caracteres de maior relevo da lei

11.340/2006, passaremosno próximo capítulo a análise do cabimento e aplicação do aludido

diploma legal ao homem, enquanto sujeito passivo na conduta típica, assim como exposição

de alguns julgados esparsos em território nacional que apontam o posicional jurisdicional

acerca do tema.

CAPÍTULO III

3HOMEM COMO SUJEITO PASSIVO NA LEI 11.340/2006

Page 20: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

20

A máxima de que é a mulher o sexo frágil nas sociedades ocidentais é algo tão intrincado no

imaginário popular, que mesmo parcela das mulheres defende esta ideia, de modo que o

pensamento machista19

espraia-se no âmbito social, criando dificuldades para mais isonômica

marcha social.

Quando pensamos no cerne da aplicabilidade da lei em estudo, necessariamente, devemos

pensar nos personagens das relações familiares por algumas perspectivas. Primeiramente, não

podemos nos distanciar, do ranço social em que a mulher é vista e tratada como objeto,

patrimônio do marido20

, e em sendo assim, percebe-se este homem, o chefe da família e único

mantenedor, como plenamente capaz de gerir esta instituiçãocomo melhor lhe convir.

Sendoexatamente neste momento, em que vislumbramos a possibilidade de manifestações de

violência, em todos os graus, fundando-se estas numa suposta e histórica, superioridade do

homem sobre a mulher, uma vez que este e somente ele, é o líder da família. Na esteira desta

cultura, vemos incontáveis casos em que a mulher esta inserida em núcleos sociais em que

esta visão de mundo ainda é pungente de modo a coibi-la na sua legitima refutação de

quaisquer agressões. Nestes agrupamentos, quando manifesta-se a mulher contra a postura

agressiva do cônjuge passaa ser ela alvo de reprimenda, devendo manter-se em silencio e

acatar os ditames de seu marido, esta postura, quase generalizada, é que dá ensejo e fulcro à

leis como a Maria da Penha, que saem na dianteira da defesa destas mulheres que

flagrantemente são vitimadas e silenciadas por uma cultura de repressão.

Mas não podemos nos distanciar demasiadamente dos novos contornos que a sociedade passa

sempre a ter e, por isto devemos nos aperceber que nem todos os núcleos familiares onde se

vislumbra ambientes propícios á agressões, hoje, são formados por mulheres submissas e

homens violentos, por vezes a situação se iguala ou mesmo se inverte.

19

Glaucia Maria Vasconcelos Vale, em sua obra “Gênero, Imersão e empreendedorismo: sexo frágil, laços fortes?”nos lembra que embora resista o traço sociocultural da fragilidade da mulher, a atuação econômica desta, tem sido determinante para o avanço econômico das sociedades, o que se reflete nos avanços legais d a proteção a mulher. 20

Margarita Danielle Ramos expõe em sua produção: “Reflexões sobre o processo histórico-discursivo do uso da legítima defesa da honra no Brasil e a construção das mulheres”, como se deu a lenta evolução história da mulher em relação ao homem, destacando o fato de há não muito tempo atrás era aquela, admitida como um bem deste, quando da constância do casamento, fato este refletido na impunibilidadedo homem, quando do cometimento de crimes contra a mulher motivados por adultério.

Page 21: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

21

Da notória escalada feminina na sociedade e das evidentes conquistas profissionais cujo

reflexo financeiro é inevitável21

, surge uma nova espécie de mulher: aquela que não silencia

facilmente em face de agressões contra seus direitos e, esta nova mulher, este perfil mais

austero, pode por vezes, ser o sujeito ativo de agressões no bojo familiar.

É neste contexto, de um sociedade que evolui, mas que ainda sim, permanece machista, que

nos questionamos ser ou não possível a aplicação desta lei, inicialmente protetiva ao sexo

frágil, o feminino, para o homem, quando este, se encontrar vitimado por violência no âmbito

familiar, haja vista as novas dinâmicas sociais.

3.1DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA QUANDO DA APLICAÇÃO UNILATERAL DA

LEI 11.340

A Constituição Brasileira elege como um de seus princípios basilares a igualdade entre os

indivíduos em seu artigo 5º, caput, quando assevera serem todos iguais perante a lei, sem que

haja qualquer distinção entre os indivíduos. E vai mais além quando registra o legislador

originário no inciso I, do aludido artigo serem homens e mulheres iguais, em direitos e

obrigações22

.

Sem e percebendo ser, igualmente o homem, vítima de violência doméstica, de iguais

natureza e proporções, e restando este desprotegido do amparo legal de uma Lei que se

destina a proteger o hipossuficiente nas relações domésticas, estaríamos diante flagrante

violação ao principio da isonomia.

Ignorar a atual conjectura onde é também o homem sujeito passivo de agressões por mulheres

no âmbito familiar, com fulcro em manter uma aplicação legal unicamente para o sexo

feminino, seria respaldar uma desigualdade material entre homens e mulheres, vez que a lei

protegeria estas a despeito daqueles, em uma mesma circunstância.

21

O empreendedorismo feminino vem sendo objeto de vários estudos, como ressalta Glaucia Maria Vasconcelos Vale, dada evolução do papel da mulher na sociedade contemporânea e as peculiaridades associadas à condição feminina. 22

Numa evidente busca pela materialização dos preceitos constitucionais de isonomia.

Page 22: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

22

Neste sentido Cristiane Cabra Ghizoni23

destaca:

A sociedade leva muito em conta que o homem é sexo forte e dominante fator

este, que muitas vezes é utilizado por aqueles que defendem a

constitucionalidade da referida lei. Sendo assim é hipocrisia basear-se no

referido artigo constitucional para defender a defesa exclusiva da mulher, uma

vez que, apesar de minoria, muitas delas agridem seus familiares. Os homens em

sua maioria quando agredidos permanecem quietos, algumas vezes por causa dos

filhos ou por pena da própria agressora e companheira que em um acesso de

fúria, os agride. Esse ataque de fúria em sua maioria ocorre por transtornos

hormonais ou extrema paixão, sendo que alguns casos de descontrole levam

homens e mulheres a praticar fatalidades com seus companheiros e após

suicidar-se. A relação afetiva também conta muito nesses tipos de agressão

independentemente do gênero do agressor e da vítima.

Defende a autora, a inconstitucionalidade das disposições da Lei Maria da Penha, exatamente

por ferirem, segundo ela, a isonomia que deve se perfazer em todas as relaçõe jurídicas

existentes em nosso ordenamento, não podendo subsistir a ideia de que algum sexo mereça

maior proteção legal a despeito de outro, mesmo em igual situação, exclusivamente por sua

condição sexual, o que configuraria para aquele uma irremediável desproporção.

Maria Berenice Dias24

quando aborda o conceito de sujeito passivo do aludido diploma, nos

traz um conceito novo para o feminino:

No que diz com o sujeito passivo, há a exigência de uma qualidade especial: ser

mulher. Nesse conceito encontram-se as lésbicas, os transgêneros, as transexuais

e as travestis, que tenham identidade com sexo feminino. A agressão contra elas

no âmbito familiar também constitui violência doméstica.

Somada ao questionamento de quão amplo pode ser hoje o conceito de feminino, que em

regra pode ir para muito além do sexo feminino em si, como proposto por Dias, somos

levados à analisar a casuística dos tribunais e nos debruçarmos sobre os mais atuais

acontecimentos sócias, como osnarrados por Ghizoni25

:

O Juiz Mário Roberto Kono de Oliveira do Juizado Especial Criminal Unificado

de Cuiabá – MT foi pioneiro na utilização de tal lei por analogia, uma vez que

recebeu em seu gabinete um caso em que o homem foi vitima de agressões

psicológicas, físicas e financeiras por parte de sua ex-mulher (...). Essa vítima é

uma exceção, pois sabe-se que a demanda de homens que procuraram a Justiça

por serem vitimas de agressão familiar é mínima. Os homens, na maioria das

vezes por vergonha de virar chacota na roda de amigos, na família e no trabalho

23

GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013 24

Em seu livro “A Lei Maria da Penha na Justiça” 25

GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013

Page 23: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

23

ocultam a agressão cometida por sua parceira, uma vez que ela pertence ao

considerado sexo frágil.

Poderíamos pensar ocorrer, mesmo nestes casos minoritários, uma inversão social do

fenômeno da repressão, onde o homem, agora vitimado pela mulher, se vê pressionado pelo

meio social em que circunda a permanecer em silêncio, pela vergonha que a exposição lhe

impeliria.

Manter o homem em situação de desamparo, quando este se vê em circunstancia de igual

agressão, seria proclamar uma desigualdade legalmente instituída, como assevera Ghizoni26

:

O homem sofre discriminação frente a lei em pauta, como vimos um homem e

uma mulher sofrem o mesmo tipo de violência e ela, a mulher, vai possuir muito

mais benefícios e seu agressor terá punição mais branda que o agressor do

masculino, podendo ser que, se ambos sofrerem a mesma agressão e forem

parentes a competência dos autos do homem migraram sua competência para

correrem juntamente com os autos da mulher. Contudo se o homem sofre uma

agressão igual ou pior que uma mulher, sem a companhia da mesma para figurar

como vítima, seu agressor praticamente não terá punição, uma vez que será

julgado pelo Juizado Especial (Lei 9.099/1995) por ter cometido um crime de

menor potencial ofensivo, independente dos efeitos morais e psicológicos que

ficarão para sempre em sua vítima.

Não se pretende demonstrar aqui uma ineficácia da lei, ou mesmo sugerir sua

inconstitucionalidade, mesmo porque ainda resiste fortemente o traço social, majoritário em

que fatidicamente é a mulher efetivamente o polo mais fragilizado da relação onde constata-se

violência, como elucida Sergio Ricardo de Souza27

:

Estudos realizados no âmbito da Organização das Nações Unidas, com ênfase

para o estudo a fundo sobre a violência contra a mulher, apresentado pelo

Secretário Geral, em cumprimento do mandado contido na Resolução 58/185 da

Assembleia Geral, deixam evidente que não só o Brasil, mas também em todos

os países, 'a violência contra mulher persiste [...] como uma violação

generalizada dos direitos humanos e um dos principais obstáculos a que se logre

a igualdade de gênero...'[...] Logo, não há igualdade material entre homens e

mulheres, não se justificando tratá-los, na questão da violência de Gênero, com

uma igualdade de cunho meramente formal.

Nota-se aqui, ser evidente a necessária aplicação das disposições do diploma legal sendo

ainda latente no seio social as causas que lhe deram origem, o que certamente não pode

26

GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013 27

SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contraa mulher: lei Maria da Penha (11.340/2006). 3.ed. Curitiba: Juruá, 2009. p.30-32

Page 24: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

24

enublar uma outar necessidade, igualmente pungente, a de proteção aos homens que se

encontrem em semelhante situação de risco.

Presumir que não exista o risco, tão somente pela premissa de ser o homem, um individuo do

sexo masculino, seria tão somente validar a máxima de que é este o sexo forte e que não são

efetivamente iguais os indivíduos perante a lei.

Com vistas a necessária aplicação isonômica, podemos mencionar o Doutor e doutrinador

Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho28

que conclui:

Não podem discriminar em razão do sexo dos envolvidos. Podem fazê-lo,

contudo, em atenção à situação de maior ou menor vulnerabilidade, mas sem

afrontar o princípio da isonomia. [...] Assim, a referida [11.340/2006], ao

pretender estabelecer ações positivas em razão do gênero, violou o princípio

constitucional. Isso acontece, entre outras situações, quando permite a prisão

preventiva do homem, mas não da mulher acusada de lesão corporal no âmbito

doméstico ou familiar (pense numa agressão de uma irmã à outra, ou de uma

neta à avó). [...] Tais ações positivas não têm caráter genérico, pois não

beneficiam a coletividade de mulheres, mas somente uma mulher determinada,

que é a suposta vítima da violência. Tampouco a medida gera uma igualdade de

oportunidade, pois não se trata disso nos âmbitos enfocados.

No curso destas acaloradas discussões sobra constitucionalidade ou não do aludido diploma,

defende, muito acertadamente, Ghizoni29

uma aplicação isonômica dos dispositivos legais,

quando amoldadafaticamenteas situações abstratamente previstas:

Não é necessário modificar a lei, entretanto é necessário que ela se torne um

direito de todos, pois a violência familiar não escolhe sexo, idade, cor ou credo.

Ela pode ocorrer com qualquer pessoa, e seus resquícios serão levados para o

resto da vida da vitima, com feridas na alma que jamais irão cicatrizar. Assim

como uma criança que sofre abuso, um adulto também leva para sua vida o

trauma de ter sido violentado, seja física, moral ou psicologicamente.

Em que pese o posicionamento que demonstra-se mais coerente, qual seja o defenda ser

constitucional a lei 11.340/2006, fora proposta pela Advocacia Geral da União a ADC/19,

versando sobre suposta afronta ao princípio da igualdade entre homens e mulheres, presente

no artigo 5°, I da Constituição Federal de 1988, sobre a competência atribuída aos Estados

para fixar a organização judiciária local e sobre a competência dos juizados especiais para a

matéria. Tal ADC Pende de apreciação no Supremo Tribunal Federal desde 19 de dezembro

28

CARVALHO, L. G. Grandinetti Castanho de. Processo pena e constituição: princípios constitucionais do processo penal. 5.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009.p.45-46 29

GHIZONI, Cristiane Cabral. A lei Maria da Penha aplicada em favor do homem. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3821>.Acesso em:05 nov.2013

Page 25: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

25

de 2007. E a Jurisprudencia não se mostra uniforme, pois sobre estes temas periféricos à

constitucionalidade, exatamente no tocante à proteção ou não exclusiva da mulher, ora tende

para a constitucionalidade, ora par a sua inconstitucionalidade, como podemos apreciar:

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. LEI Nº 11.340/2.006. PRINCÍPIO DA

ISONOMIA. OFENSA DESCARACTERIZADA. LEI Nº 9.099/95. CONFLITO

INEXISTENTE. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. A Lei nº

11.340/2.006 não contraria o princípio da isonomia esculpido no art. 5º, I, da CR,

pois a interpretação sistemática com o art. 226, § 8º, do texto constitucional

demonstra que o objetivo desta legislação ordinária é obstar a violência que

grassa no âmbito familiar, em razão da histórica desigualdade entre o homem e a

mulher brasileiros. Assim, resulta afastada a alegada inconstitucionalidade da

referida Lei nº 11.340/2.006. O princípio da especialidade, agasalhado no art. 2º

da Lei de Introdução ao Código Civil, afasta o eventual conflito entre a ''Lei

Maria da penha'' e a Lei nº 9.099/95. (TJMG - ACÓRDÃO N°

1.0015.07.036320-3/0011 - ALÉM PARAÍBA/MG – QUARTA CÂMARA

CRIMINAL - RELATOR EXMO SR. DES. DELMIVAL DE ALMEIDA

CAMPOS. JULGADO EM 11/06/2008, PUBLICADO EM 25/06/2008).

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR CONTRA A MULHER – DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.340/06 – RECURSO

MINISTERIAL – PEDIDO DE MODIFICAÇÃO DA DECISÃO

MONOCRÁTICA QUE DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DA

LEI N. 11.340/06 – VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE – VIOLAÇÃO

AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E PROPORCIONALIDADE –

DECISÃO MANTIDA – COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL

CRIMINAL – IMPROVIDO. A Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha) está

contaminada por vício de inconstitucionalidade, visto que não atende a um dos

objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, IV, da CF), bem como por

infringir os princípios da igualdade e da proporcionalidade (art. 5º, II e XLVI, 2ª

parte, respectivamente). Assim, provê-se o recurso ministerial, a fim de manter a

decisão que declarou a inconstitucionalidade da Lei n. 11.340/2006,

determinando-se a competência do Juizado Especial Criminal para processar e

julgar o feito. (RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N° 2007.023422-4/0000-00

- ITAPORÃ/MS - RELATOR: EXMO. SR. DES. ROMERO OSME DIAS

LOPES. ACÓRDÃO JULGADO EM 26/09/07).

Por fim, tende-se a maioria, mais lúcida, da doutrina e jurisprudência, consoante o

pensamento de Ghizoni, como já mencionado, que funda-se esta tratativa diferenciada na

própria realidade social que nos aponta uma irrefutável desproporção entre homens e

mulheres, carecendo estas de uma proteção diferenciada por parte do estado. O que por sua

vez não afasta a possibilidade de aplicação ao homem, enquanto sujeito passivo da norma,

quando a mesma situação fática o coloque em tais circunstâncias de vulnerabilidade.

Page 26: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

26

3.2DA SOLUÇÃO DO CONFLITO

A existência de lacunas em nosso ordenamento, bem como em qualquer outro, é fato

corriqueiro na práxis jurídica, de modo que o próprio ordenamento tende a desenvolver meios

para suprir estas lacunas30

, temos ainda que frisar ser vedado ao poder judiciário a não

prestação jurisdicional quando levada À sua apreciação, qualquer questão eu seja, assim,

temos, como já bastante abordado até aqui, a questão pertinente à possibilidade de uma

interpretação extensiva ou analógica aos dispositivos da lei Maria da Penha em favor do

homem e desfavor da mulher, quando esta for sujeito ativo da agressão.

Passa-se então a um analise na natureza jurídica da 11.340/2006 para em seguida verificarmos

a possibilidade, ou não, do aludido método de interpretação.

3.2.1DA NATUREZA JURÍDICA DA LEI 11.340/2006

A natureza jurídica do diploma em análise é tema pacífico, tanto em sede doutrinária quando

jurisprudencial. Trata-se de Lei cuja natureza jurídica é mista uma vez que ao tempo que

estipula direitos materiais para seus destinatários, também elenca procedimentos a serem

adotados na esfera processual civil e penal.

3.2.2DA ANALOGIA

Para ampliação deste estudo, cabe trazer os conceitos mais praticados de analogia para

compreensão mais cristalina de sua possível aplicação ao estudo em curso. Nesta seara,

evoca-se Maria Helena Diniz(2010) ao citar Tércio Sampaio Ferraz Jr:

É a analogia um procedimento quase lógico, que envolve duas fases: “a

constatação (empírica), por comparação, de que há uma semelhança entre fatos-

tipos diferentes e um juízo de valor que mostra a relevância das semelhanças

sobre as diferenças, tendo em vista uma decisão jurídica procurada (FERRAZ

apudDINIZ, p.462)

30

Maria helena Diniz em seu Compêndiode Introdução à ciência do direito, comenta que a existência de lacunas no direito é eminente ao próprio sistema e, ele mesmo deve prover meios para sua solução, como de modo um tanto quanto simplório, poder-se-ia dar pelo uso de analogia, do costume, dos princípios gerais do direito e da equidade. p.452 a 483.

Page 27: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

27

Em sendo analisado tão somente estes fragmentos e uma autônoma conceituação do instituto,

poder-se-ia afirmar ser possível uma aplicação analógica da Lei Maria da Penha ao homem

como sujeito passivo destinatário da norma, porém é preciso elucidar ainda a vedação de tal

prática interpretativa no direito penal.

Na esfera penal, saliente-se, é vedada a analogiain malam partem, de modo que,em se

aplicando a lei 11.340/2006 para benefício do homem em detrimento da mulher,

configurando-se nesta situação como sujeito ativo, estaria ocorrendo o que é vedado no

ordenamento, uma interpretação extensiva que alcança o agente, imputando-lhe algo que não

está expressamente previsto no texto da lei.

3.3 DA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA AO HOMEM E O

POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

A despeito do posicionamento rígido dos regramentos pertinentes á aplicabilidade da lei penal

e processual penal, não podemos nos esquivar na celeuma constitucional de uma não

aplicabilidade da lei 11.340/2006 ao homem, quando flagrante sua situação de igualmente nas

situação delituosas tipificadas, o que certamente ocasionaria uma afronta direta e legalizada

ao princípio da isonomia e aos ditamos constitucionais31

.

Os Tribunais em nosso país, tem se manifestado em face aos casos concretos levados a eles,

dos quais não podem se eximir de uma resposta satisfatória, e neste diapasão, decisões,

mesmo que em menor quantidade, favoráveis a configuração do homem como sujeito passivo

da norma, tem sido identificadas, como a já notória decisão do Juiz Mário Kono de Oliveira,

31Parte da doutrina sustenta que um dos fundamentos mais pungentes da equiparação do homem à mulher na aplicabilidade das medidas protetivas previstas pela Lei Maria da Penha é a admissão em nosso ordenamento do princípio da proibição de proteção deficiente, que por sua vez determina que: nem a lei nem o próprio Estado poderia se portar de modo a propiciar uma insuficiente tutela dos direitos fundamentais, cabendo ao Estado, a efetiva proteção aos indivíduos e seus direitos, de modo que não poderia abrir mão dos mecanismos de tutela, incluindo-se nestes, os de natureza penal, assegurando assim o pleno exercício dos direitos e garantias fundamentais. Emana assim, o princípio da proibição de proteção deficiente, diretamente do princípio da proporcionalidade, que estaria sendo invocado para evitar a tutela penal insuficiente.

Page 28: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

28

atendendo ao pedido formulado pelo marido em face aex-esposa, cujo conteúdo integral é

deveras pertinente a tema em estudo:

O pedido tem por fundamento fático, as varias agressões físicas, psicológicas e

financeiras perpetradas pela autora dos fatos e sofridas pela vítima e, para tanto

instrui o pedido com vários documentos como: registro de ocorrência, pedido de

exame de corpo de delito, nota fiscal de conserto de veículo avariado pela vítima,

e inúmeros e-mails difamatórios e intimidatórios enviados pela autora dos fatos à

vítima. Por fundamento de direito requer a aplicação da Lei de nº 11.340 ,

denominada Lei Maria da Penha, por analogia, já que inexiste lei similar a ser

aplicada quando o homem é vítima de violência doméstica. Resumidamente, é o

relatório.

DECIDO: A inovadora Lei 11.340 veio por uma necessidade premente e

incontestável que consiste em trazer uma segurança à mulher vítima de violência

doméstica e familiar, já que por séculos era subjugada pelo homem que, devido a

sua maior compleição física e cultura machista, compelia a fêmea”a seus

caprichos, à sua vilania e tirania.

Houve por bem a lei, atendendo a súplica mundial, consignada em tratados

internacionais e firmados pelo Brasil, trazer um pouco de igualdade e proteção à

mulher, sob o manto da Justiça. Esta lei que já mostrou o seu valor e sua eficácia,

trouxeram inovações que visam assegurar a proteção da mulher, criando normas

impeditivas aos agressores de manterem a vítima sob seu julgo enquanto a

morosa justiça não prolatasse a decisão final, confirmada pelo seu trânsito em

julgado. Entre elas a proteção à vida, a incolumidade física, ao patrimônio, etc.

Embora em número consideravelmente menor, existem casos em que o homem é

quem vem a ser vítima da mulher tomada por sentimentos de posse e de fúria que

levam a todos os tipos de violência, diga-se: física, psicológica, moral e

financeira. No entanto, como bem destacado pelo douto causídico, para estes

casos não existe previsão legal de prevenção à violência, pelo que requer a

aplicação da lei em comento por analogia. Tal aplicação é possível?

A resposta me parece positiva. Vejamos: É certo que não podemos aplicar a lei

penal por analogia quando se trata de norma incriminadora, porquanto fere o

princípio da reserva legal, firmemente encabeçando os artigos de nosso Código

Penal : “Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem

prévia cominação legal.”

Se não podemos aplicar a analogia in malam partem, não quer dizer que não

podemos aplicá-la in bonam partem, ou seja, em favor do réu quando não se trata

de norma incriminadora, como prega a boa doutrina: “Entre nós, são favoráveis

ao emprego da analogia in bonam partem: José Frederico Marques, Magalhães

Noronha, Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Costa e Silva, Oscar Stevenson e

Narcélio de Queiróz” [...] Ora, se podemos aplicar a analogia para favorecer o

réu, é óbvio que tal aplicação é perfeitamente válida quando o favorecido é a

própria vítima de um crime. Por algumas vezes me deparei com casos em que o

homem era vítima do descontrole emocional de uma mulher que não media

esforços em praticar todo o tipo de agressão possível contra o homem. Já fui

obrigado a decretar a custódia preventiva de mulheres à beira de um ataque de

nervos, que chegaram a tentar contra a vida de seu ex-consorte, por pura e

simplesmente não concordar com o fim de um relacionamento amoroso.

Não é vergonha nenhuma o homem se socorrer ao Poder Judiciário para fazer

cessar as agressões da qual vem sendo vítima. Também não é ato de covardia. È

sim, ato de sensatez, já que não procura o homem/vítima se utilizar de atos

também violentos como demonstração de força ou de vingança. E compete à

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29

Justiça fazer o seu papel de envidar todos os esforços em busca de uma solução

de conflitos, em busca de uma paz social.

No presente caso, há elementos probantes mais do que suficientes para

demonstrar a necessidade de se deferir a medidas protetivas de urgência

requeridas, pelo que defiro o pedido e determino à autora do fato o seguinte: 1.

que se abstenha de se aproximar da vítima, a uma distância inferior a 500 metros,

incluindo sua moradia e local de trabalho; 2. que se abstenha de manter qualquer

contato com a vítima, seja por telefonema, e-mail, ou qualquer outro meio direto

ou indireto. Expeça-se o competente mandado e consigne-se no mesmo a

advertência de que o descumprimento desta decisão poderá importar em crime de

desobediência e até em prisão. I.C32

.(sic)

Note-se que a aplicação das medidas protetivas ao homem, neste caso concreto, justificaram-

se pela impossibilidade do magistrado eximir-se de uma resposta eficaz ao suplício do autor

da demanda, ao tempo em que a preservação do principio da igualdade estaria certamente

ameaça em havendo qualquer outra decisão distinta desta proferida.

Todavia, não faltam decisões no sentido de afastar a possibilidade desta aplicação analógica

ao homem, mesmo sendo esta nitidamente cabível, em razão do rígido regramento penal33

,

como percebe-se no julgado a seguir, in verbis:

CAUTELAR. PRETENSÃO DO EX-MARIDO DE COMPELIR A EX-

MULHER A FICAR LONGE DELE COM BASE NO ART. 22, III, "a", DA

LEI DA MARIA DA PENHA. Inadmissibilidade porque a lei se destina à

violência doméstica praticada contra a mulher e não pela mulher. Inaplicação do

princípio da isonomia. Indeferimento acertado. Recurso improvido, por

maioria.(APELAÇÃO CRIMINAL N° 652.125-4/5 - COMARCA DE

REGISTRO/SP – RELATOR EXMO SR. DES. MAIA DA CUNHA.

ACÓRDÃO JULGADO EM 27/08/09).

Embora seja o entendimento mais elementar, a não aplicação das medidas protetivas e dos

demais dispositivos legais da lei 11.340/2006 ao homem, o entendimento contrário, o do seu

cabimento, tem encontrado, cada vez mais, guarida nos tribunais ao longo do Pais.

Entendo o Promotor de Justiça, Rogério Sanches Cunha34

, pelo cabimento e aplicabilidade

das medidas protetivas de urgência previstas na lei em estudo, ao homem enquanto vítima,

32

Conteúdo de decisão interlocutória proferida pelo juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, no Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, nos Autos do processo movido por Celso Bordegatto em face de Márcia Cristina Ferreira Dias em 2008. 33

Regramentos estes que encontram guarida nos atuais Princípios Garantistas que são em si mesmos, fundamentais à manutenção do Estado Democrático de Direito

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30

desde que observada tal situação no âmbito familiar, devendo o juízo, valer-sede seu poder

geral de cautela, pode aplicar em favor deste as medidas legais cabíveis.

Consoante este entendimento, apregoa o advogado, Dr. Rodrigo de Oliveira Machado35

, a

aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens, “sobretudo quando se encontrem em

situação de vulnerabilidade, seja em razão da idade (idosos e crianças), seja em razão de

condições físicas ou mentais (deficientes)”, fundamentando seu posicionamento, assim como

Sanches, no artigo 3º do Código de Processo Penal e no poder geral de cautela, esculpidos nos

artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil.

Neste mesmo o sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, decide em sede de recurso de

apelação, evocando os artigos 5º, inciso II c/c 226, § 8º, ambos da Constituição da República,

para fundamentar a aplicação da Lei Maria da Penha aos homens, in verbis:

A inconstitucionalidade por discriminação propiciada pela Lei Federal 11.340/06

(Lei Maria da Penha) suscita a outorga de benefício legítimo de medidas

assecuratórias apenas às mulheres em situação em violência doméstica, quando o

art. 5º, II c/c art. 226, § 8º, da Constituição Federal, não possibilitaria

discriminação aos homens em igual situação, de modo a incidir em

inconstitucionalidade relativa, em face do princípio da isonomia.

Tal inconstitucionalidade, no entanto, não autoriza a conclusão de afastamento

da lei do ordenamento jurídico, mas tão-somente a extensão dos seus efeitos aos

discriminados que a solicitarem perante o Poder Judiciário, caso por caso, não

sendo, portanto, possível a simples eliminação da norma produzida como

elemento para afastar a análise do pedido de quaisquer das medidas nela

previstas, porque o art. 5º, II c/c art. 21, I e art. 226, § 8º, todos da Constituição

Federal, compatibilizam-se e harmonizam-se, propiciando a aplicação indistinta

da lei em comento tanto para mulheres como para homens em situação de risco

ou de violência decorrentes da relação familiar.

Inviável, por isto mesmo, a solução jurisdicional que afastou a análise de pedido

de imposição de medidas assecuratórias em face da só inconstitucionalidade da

legislação em comento, mormente porque o art. 33 da referida norma de

contenção acomete a análise ao Juízo Criminal com prioridade, sendo-lhe lícito

determinar as provas que entender pertinentes e necessárias para a complete

solução dos pedidos. Recurso provido para afastar o óbice. (TJMG, ApCrim.

1.0672.07.249317-0, j. 06.11.2007, rel. JudimarBiber, data da publicação

21.11.2008)

34

Rogério Sanches Cunha. Aplicação da Lei Maria da Penha para homens. Atualidades do Direito. Disponível em:<atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2011/09/2011/aplicacao-da-lei-maria-da-penha-para-homens/>. 35

Rodrigo de Oliveira Machado. Aplicação da Lei Maria da Penha a homens vítimas de violência doméstica. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19703>.

Page 31: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

31

Destarte, presumir-se-ia inconstitucional a norma, quando de sua não aplicação a qualquer

membro do corpo familiar, uma vez que estaria a norma sobrepondo-se à Lei Maior, que

preza pela igualdade entre homens e mulheres, bem como, pela proteção de todos os membros

da família.

Page 32: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

32

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho de conclusão de curso tratou da viabilidade de aplicação da lei

11.340/2006 aos homens enquanto vítimas de violência doméstica, levando-se em conta a

aplicação geral do principio da isonomia.

Inicialmente discorreu-se sobre detalhes relevantes ao estudo, como o arcabouço histórico que

ensejou o surgimento da norma, bem como das características das medidas protetivas de

urgência aplicáveis segundo a previsão legal, seguiu-se com a discussão doutrinária e

jurisprudencial acerca da aplicabilidade ou não dos institutos legais ao homem, quando este

for vitimado pela violência no âmbito familiar.

Finalmente, tratou-se sobre a aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens enquanto

ofendidos, tendo como base os princípios mais elementares do nosso ordenamento jurídico,

quais sejam, da isonomia e proporcionalidade, sendo estes fundamentais à própria

manutenção do estado Democrático de Direito, verificando-se, neste interim, que a aplicação

analógica da lei ocasionaria sua própria validação, em face a urgente inconstitucionalidade ao

ocasionar a vedação ao direito á tratava isonômica de partes em estados de igual circunstancia

fática, conforme percebeu-se o entendimento dos tribunais que ora tendem á aplicação

isonômica das medidas protetivas de urgência.

Assim, tendo o principio da isonomia o caráter de norma sobre normas e não tão meramente

como uma sombra de possíveis interpretações legais, vislumbra-se o homem como sujeito

apto a receber as benesses oriundas da lei em estudo, promovendo assim uma proteção

isonômica à todas as vítimas da violência que se deflagra no âmbito familiar.

Page 33: Monografia A lei Maria da Penha e sua aplicação por analogia ao sexo masculino

33

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