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CENTRO UNIVERSITRIO RITTER DOS REIS

BARROCO: A ARTE DA DUALIDADE

PAULO GILBERTO B. FLORENCE JR. Orientador. Nestor Candi

PORTO ALEGRE

PAULO GILBERTO B. FLORENCE JR

BARROCO: A ARTE DA DUALIDADE Monografia apresentada ao Centro Universitrio Ritter dos Reis para aprovao no Curso de Graduao em Design Grfico sob a orientao do Prof Nestor Candi.

PORTO ALEGRE 2011

RESUMO Movimento artstico e filosfico que surge com o conflito entre a Reforma Protestante e a Contra Reforma. Seu objetivo era propagar a religio atravs de uma arte de impacto, sinuosa, enfeitada ao extremo. Arte altamente contraditria. A origem da palavra barroco obscura, hipteses tm sido consideradas mais aceitveis: barroco era o adjetivo que designava certas prolas de superfcie irregular e preo inferior. De qualquer forma h um valor depreciativo na palavra, que durante muito tempo foi usada para indicar uma arte e uma literatura bizarra, extravagante. Palavras chaves: Reforma Protestante, Contra Reforma, arte, barroco, contraditrio, literatura, religio, esculturas, Aleijadinho, ciclo mineiro, arte missionaria.

BARROCO (1601 - 1768) 1. ORIGENS E CARACTERSTICAS DO BARROCO O barroco foi uma tendncia artstica que se desenvolveu primeiramente nas artes plsticas e depois se manifestou na literatura, no teatro e na msica. O bero do barroco a Itlia do sculo XVII, porm se espalhou por outros pases europeus como, por exemplo, a Holanda, a Blgica, a Frana e a Espanha. O barroco permaneceu vivo no mundo das artes at o sculo XVIII. Na Amrica Latina, o barroco entrou no sculo XVII, trazido por artistas que viajavam para a Europa, e permaneceu at o final do sculo XVIII. O barroco se desenvolve no seguinte contexto histrico: aps o processo de Reformas Religiosas, ocorrido no sculo XVI, a Igreja Catlica havia perdido muito espao e poder. Mesmo assim, os catlicos continuavam influenciando muito o cenrio poltico, econmico e religioso na Europa. A arte barroca surge neste contexto e expressa todo o contraste deste perodo: a espiritualidade e teocentrismo da Idade Mdia com o racionalismo e antropocentrismo do Renascimento. 2. PAINEL HISTRICO-CULTURAL DO BARROCO 2.1. PANORAMA HISTRICO Na Europa O estilo barroco de origem controvertida. Pode ter nascido na Itlia, mas criou razes na Espanha entre poetas e pintores do sculo XVIII. A literatura barroca chega a Portugal em um perodo marcado por grandes tenses e mudanas. Portugal e Espanha tinham um nico rei. Com o desaparecimento de D. Sebastio (rei de Portugal), Felipe II torna-se herdeiro do trono e consolida a unificao da Pennsula Ibrica. Surge, ento, o mito do Sebastianismo, crena segundo a qual os portugueses achavam que D. Sebastio no morrera na batalha de Alccer-Quibir, na frica, e voltaria em breve para retomar o trono portugus. Alm disso, nessa poca, Portugal atravessa uma srie crise econmica. O comrcio com as especiarias orientais decai e a economia portuguesa declina, uma vez que os lusos no contam com as riquezas das colnias conquistadas. O sculo XVII apresenta a reao da Igreja contra as idias do antropocentrismo difundidas pelo Renascimento e contra a Reforma Protestante, solidificada na Inglaterra, Holanda e regies do Reno e do Bltico. Esta reao da Igreja, na tentativa de recuperar seu poder, chamou-se Contra-Reforma. Foi um movimento caracterizado pela censura de textos e idias, com decises elaboradas a partir do Conclio de Trento, ocorrido em 1545 a 1563. A unificao da Pennsula Ibrica d condies Companhia de Jesus de combater com mais vigor as idias da reforma protestante. O ensino passa a ser atribuio dos jesutas. Qualquer avano no campo cientfico-cultural passa pela censura eclesistica. Tudo isso fez com que a Pennsula Ibrica no acompanhasse o progresso cientfico da Europa. Portugal manteve-se alheio s idias de Galileu, Coprnico, Newton e Descartes. Entre essas descobertas esto as leis da mecnica e o processo de circulao do sangue no corpo humano. Nesse clima de profundas transformaes de ordem social, poltica, econmica que se desenvolve a esttica barroca. O Barroco reflete a tentativa de conciliar foras antagnicas: o bem e o mal, o esprito e a matria, o cu e a terra, a pureza e o pecado, a razo e a f. No Brasil Com a expanso do comrcio, a economia mercantilista do Brasil-colnia, com toda a sua produo, volta-se para a Metrpole. A cana-de-acar, no Nordeste, atinge rapidamente seu apogeu, mas entra logo em declnio. Em Minas Gerais, a extrao de minrios outra fonte de riqueza contribui para o desenvolvimento econmico. Aps a expulso definitiva dos franceses (1615), ocorrem as invases holandesas (1624 e 3

1630), e o Conde Maurcio de Nassau administra as regies ocupadas pelos holandeses (1637 1644). O Nordeste passa por rpidas mudanas culturais e econmicas, atravs do contato com os holandeses, at sua expulso em 1654. nesse contexto que a arte barroca surge, influenciada fortemente pelas tenses de sua poca. As Artes Na pintura, clara a influncia do conflito entre razo e f. As obras de arte demonstram essa dualidade atravs do uso de contrastes, como claro e escuro, luz e sombra, alm da explorao das idias de profundidade e de intensidade dramtica. Na arquitetura, o estilo retorcido, cheio de detalhes, exagerado, refletindo o prprio conflito vivido pelo homem desta poca. A arte renascentista, baseada no equilbrio, d lugar a uma arte mais intensa, emocional, envolvente, que expressa as emoes de forma passional. 2.2. PANORAMA CULTURAL O Barroco conhecido como a arte da Contra-Reforma. A reao da Igreja Catlica ao protestantismo luterano e calvinista principiou com a conveno do Conclio de Trento, realizado entre 1544 e 1563, na localidade de Trento, norte da Itlia. A cpula da Igreja Catlica, reunida em Trento, resolveu iniciar uma Contra-Reforma, que atuava por meio de um rgo executivo: a Santa Inquisio, sistema eclesistico, ideolgico-administrativo, de censura, que, por intermdio do Tribunal do Santo Ofcio, investigava, levava a julgamento e condenava aqueles que no contribussem para a preservao, defesa e manuteno da Doutrina Catlica, nos termos em que fora instituda no Conclio de Trento. Trs vtimas famosas da perseguio da Contra-Reforma: Galileu Galilei, Giordano Bruno e Coprnico. Assim, a poca barroca marcada pela contradio: de um lado, o Humanismo clssico e o Renascimento, com apelos ao racionalismo, ao prazer e ao apego aos bens materiais ( o Antropocentris-mo). De outro, o homem pressionado pela Igreja Catlica a um regresso ao Teocentrismo medieval, renncia aos prazeres, mortificao da carne. O Barroco Literrio, ento, convive com valores opostos: f x razo, alma x corpo, bem x mal, perdo x pecado, esprito x matria, Deus x homem, virtude x prazer. 3. CARACTERSTICAS DO ESTILO BARROCO - CULTISMO ou GONGORISMO o jogo de palavras; o rebuscamento da forma, a obsesso pela linguagem culta, erudita, por meio de inverso da frase (hiprbato), do uso de palavras difceis. o abuso no emprego de figuras de linguagem, especialmente a metfora, a anttese e o hiprbato. O principal cultista do barroco mundial foi o espanhol Luiz de Gngora. No Brasil, Gregrio de Matos. - CONCEPTISMO o aspecto construtivo do Barroco, voltado para o jogo das idias e dos conceitos. a preocupao com as associaes inesperadas, seguindo um raciocnio lgico, racionalista. O principal conceptista do barroco mundial foi o espanhol Francisco de Quevedo. No Brasil, padre Antnio Vieira - TEOCENTRISMO x ANTROPOCENTRISMO O rebusca-mento da arte barroca reflexo do dilema em que vivia o homem do seiscentismo (os anos de 1600). Da as preferncias por temas opostos: esprito e matria, perdo e pecado, bem e mal, cu e inferno. Tudo isso gerava a preocupao com a brevidade da vida (carpe diem). 4. A ARTE BARROCA Embora tenha o Barroco assumido diversas caractersticas ao longo de sua histria, seu surgimento est intimamente ligado Contra-Reforma. A arte barroca procura comover intensamente o espectador. Nesse sentido, a Igreja converte-se numa espcie de espao cnico, num teatro sacrum onde so encenados os dramas. O Barroco o estilo da Reforma catlica tambm denominada de Contra-Reforma. Arquitetura, escultura, pintura, todas as belas artes, serviam de expresso ao Barroco nos territrios onde ele floresceu: a Espanha, a Itlia, Portugal, os pases catlicos do centro da Europa e a Amrica Latina. O catolicismo barroco tambm impregnou a literatura, e uma das suas manifestaes mais impor4

tantes e impressionantes foram os autos sacramentais, peas teatrais de argumento teolgico, reflexo do esprito espanhol do sculo XVII, e que eram muito apreciados pelo grande pblico, o que denota o elevado grau de instruo religiosa do povo. Contrariamente arte do Renascimento, que pregava o predomnio da razo sobre os sentimentos, no Barroco h uma exaltao dos sentimentos, a religiosidade expressa de forma dramtica, intensa, procurando envolver emocionalmente as pessoas. Alm da temtica religiosa, os temas mitolgicos e a pintura que exaltava o direito divino dos reis (teoria defendida pela Igreja e pelo Estado Nacional Absolutista que se consolidava) tambm eram freqentes. De certa maneira, assistimos a uma retomada do esprito religioso e mstico da Idade Mdia, numa espcie de ressurgimento da viso teocntrica do mundo. E no por acaso que a arte barroca nasce em Roma, a capital do catolicismo. A escola literria barroca marcada pela presena constante da dualidade. Antropocentrismo versus teocentrismo, cu versus inferno, entre outras constantes. Contudo, no h como colocar o Barroco simplesmente como uma retomada do fervor cristo. A sua grande diferena do perodo medieval que agora o homem, depois do Renascimento, tem conscincia de si e v que tambm tem seu valor - com exemplos em estudos de anatomia e avanos cientficos o homem deixa de colocar tudo nas mos de Deus. O Barroco caracteriza-se, portanto, num perodo de dualidades; num eterno jogo de poderes entre divino e humano, no qual no h mais certezas. A dvida que rege a arte deste perodo. E nas emoes o artista v uma ponte entre os dois mundos, assim, tenta desvenda-las em suas representaes. 4.1. PINTURA DO BARROCO A pintura barroca uma pintura realista, concentrada nos retratos no interior das casas, nas paisagens nas naturezas mortas e nas cenas populares (barroco holands). Por outro lado, a expanso e o fortalecimento do protestantismo fizeram com que os catlicos utilizassem a pintura como um instrumento de divulgao da sua doutrina. O mtodo favorito empregado pelo barroco para ilustrar a profundidade espacial o uso dos primeiros planos super dimensionados em figuras trazidas para muito perto do espectador e a reduo no tamanho dos motivos no plano de fundo. Outras caractersticas so: tendncia de substituir o absoluto pelo relativo, a maior rigidez pela maior liberdade, predileo pela forma aberta que parecem apontar para alm delas prprias, ser capazes de continuao, um lado da composio sempre mais enfatizado do que o outro. uma tentativa de suscitar no observador o sentimento de inesgotabilidade e infinidade de representao, uma tendncia que domina toda a arte barroca. Nos estados protestantes, a pintura barroca assumiu caractersticas diferentes. Como nesses pases havia condies favorveis liberdade de pensamento, a investigao cientfica iniciada no Renascimento pde prosseguir. 4.2. MSICA BARROCA A msica barroca toda msica ocidental correlacionada com a poca cultural homnima na Europa, que vai desde o surgimento da pera por Claudio Monteverdi no sculo XVII, at morte deJohann Sebastian Bach, em 1750. Trata-se de uma das pocas musicais de maior extenso, fecunda, revolucionria e importante da msica ocidental, e provavelmente tambm a mais influente. As caractersticas mais importantes so o uso do baixo contnuo, do contraponto e da harmonia tonal, em oposio aos modos gregorianos at ento vigente. Na realidade, trata-se do aproveitamento de dois modos: o modo jnico (modo maior) e o modo elio (modo menor). Do Perodo Barroco na msica surgiu o desenvolvimento tonal, como os tons dissonantes por dentro das escalas diatnicas como fundao para as modulaes dentro de uma mesma pea musical; enquanto em perodos anteriores, usava-se um nico modo para uma composio inteira causando um fluir incidentalmente consonante e homogneo da polifonia. Durante a msica barroca, os compositores e intrpretes usaram ornamentao musical mais elaboradas e ao mximo, nunca usada tanto antes ou mais tarde noutros 5

perodos, para elaborar suas idias; fizeram mudanas indispensveis na notao musical, e desenvolveram tcnicas novas instrumentais, assim como novos instrumentos. A msica, no Barroco, expandiu em tamanho, variedade e complexidade de performance instrumental da poca, alm de tambm estabelecer inmeras formas musicais novas, como a pera. Inmeros termos e conceitos deste Perodo ainda so usados at hoje. Foi o apogeu da msica instrumental, pela primeira vez na histria, msica e instrumento esto em perfeita igualdade. Nesse perodo a instrumentao atinge sua primeira maturidade e grande florescimento. Pela primeira vez surgem gneros musicais puramente instrumentais, como a sute e o concerto. Nesta poca surge tambm o virtuosismo, que explora ao mximo o instrumento musical. Johann Sebastian Bach e Dietrich Buxtehude foram os maiores virtuoses do rgo. Jean-Philippe Rameau, Domenico Scarlatti e Franois Couperin eram virtuoses do cravo. Antonio Vivaldi e Arcangelo Corelli eram virtuoses no violino. 4.2.1. A POCA DAS ORqUESTRAS DE CMARA O barroco foi a poca de mximo desenvolvimento de instrumentos como o cravo e o rgo, mas tambm surgiram vrias peas para grupos pequenos de instrumentos, que iam de trs at nove instrumentistas. 4.2.2. HISTRIA 4.2.2.1. INCIO DO BARROCO (1600 1750) Muitas das inovaes associadas com a msica Barroca foram estimuladas por um desejo contnuo, j evidente durante o Renascimento, de recuperar a msica da antiguidade clssica. Os grego antigos haviam escrito repetidamente sobre os poderes da msica de incitar paixes nos ouvintes. Entretanto, os poucos manuscritos de msica Grega antiga conhecidos na poca eram pouco compreendidas, o que permitiu muita especulao sobre a sua natureza. Ao final do sculo XVI, um grupo de poetas, msicos e nobres, entre eles Vincenzo Galilei, Giulio Caccini e Ottavio Rinuccini, passaram a se reuinir na casa do Conde de Vernio (Giovanni de Bardi) em Florena, com a finalidade de discutir assuntos relacionados s artes, e em especial a tentativa de recriar o estilo de cantodos dramas Gregos antigos. Dos encontros da Camerata Fiorentina, como este grupo passou a ser conhecido, surgiu um estilo musical que estabelecia que o discurso era o aspecto mais importante na msica. O ritmo da msica deveria ser derivado da fala, e todos elementos musicais contribuiam para descrever o afeto representado no texto, sistematizando-se a chamada doutrina dos afetos, de grande influncia para o desenvolvimento da msica barroca. Portanto, este estilo, que logo foi conhecido como seconda pratica para contrastar com a polifonia renascentista tradicional ou prima pratica, era composto por um nica parte vocal acompanhada por uma parte instrumental. Esse acompanhamento era chamado de baixo contnuo, e consistia de uma nica melodia anotada, sobre a qual um grupo de instrumentos adicionavam as notas necessrias para preencher aharmonia implcita no baixo, frequentemente assinaladas atravs de cifras indicando os intervalos apropriados. O baixo continuo estabeleceu uma polaridade entre os registros extremos: a melodia aguda e o linha do baixo eram os elementos essenciais, e as partes intermedirias eram deixadas ao gosto dos intrpretes. Nos anos 1630, esta combinao passou a ser designada pelo termomonodia, um estilo que se encontra entre a fala e o canto. Essa flexibilidade permitiu que os solistas ornamentassem as melodias livremente sem precisar se preocupar com regras de contraponto, permitindo assim que demonstrarem suas habilidades virtuossticas. Para tirar mximo proveito da capacidade de cada instrumento ou da voz, os compositores comearam a desenvolver escritas idiomticas para cada meio, ao contrrio da msica renascentista onde as partes poderiam ser executadas intercambiavelmente com instrumentos ou com voz. No possvel dizer que o incio do Barroco j apresentava um sistema tonal definido, porm se observa uma preferncia gradual pelas escalas diatnicas maiores ou menores, e um maior senso de centro de atrao tonal. A emergncia da seconda pratica no significou que a tradio polifnica havia sido suplantada; ambos estilos coexistiram por todo o perodo barroco. Claudio Monteverdipublicou madrigais escritos em ambas prticas, e a mesma flexibilidade na escrita tambm teve lugar na air de cour francesa. A monodia, combinada com a nova tcnica do recitativo, finalmente permitiu aos compositores 6

escrever uma pera, ou seja, um drama cantado do incio ao fim. A pera LOrfeo de Monteverdi de 1607 usualmente considerada a primeira obra a combinar msica e drama satisfatoriamente. Na Alemanha, Heinrich Schtz adaptou as novas tcnicas para alguns de seus motetos sacros policorais, e foi o compositor da primeira pera alem, Dafne (1627). A maior parte da msica instrumental publicada nesta poca so as sutes de danas em vrios movimentos e as variaes sobre transcries de obras vocais (geralmente intituladas canzonas,partitas ou sonatas) ou sobre baixos ostinatos (chacona ou passacaglia). Gneros livres, como a fantasia e a tocata para instrumentos de teclado tambm faziam parte destas colees. 4.2.2.2. PARTICULARIDADES DO ESTILO Desenvolvimento extenso do uso da polifonia e contraponto . Os acordes tem uma ordem hierrquica em suas progresses tonais, tanto funcional como cadencial, que definem a tonalidade progressiva do barroco musical. A harmonia era acompanhada e definida pelo basso continuo criando uma necessidade do intrprete de ser um virtuoso na arte do perodo para no deixar a musicalidade se desviar do aspecto tonal da poca---visto que quase sempre o basso continuo no era escrito e chamava pela improvisao, dando ento o dom de virtuosidade a quem melhor improvisasse. O contraponto era intenso, especialmente na forma de tema e variao. A modulao tonal na msica barroca freqente. Devido a incapacidade fsica de um cravo prover dinmicas variadas a arte da msica barroca voltava a habilidade da performance em termos de articulao. Entre outras particularidades dos estilos desenvolvidos na msica barroca, inlcluem-se: - Monodia; - homofonia com uma voz diferente cantando por cima do acompanhamento, como nas rias italianas; - Expresses mais dramticas, como na pera. - Combinaes de Intrumentaes e vozes mais variadas em conjunto a oratrios e cantatas - Notes ingales (Francs para notas desiguais) usadas. Tcnica barroca que envolvia o uso de notas pontuadas que eram usadas para substituir notas no pontuadas, dentro de um mesmo tempo que alternavam entre durao de valores longos e curtos; - a ria (curta pea cantada em uma cantata, ou instrumental na sute); - o Ritornello (estilo que contm breve passagens instrumentais entre os versos cantados); - o concertante (o estilo que contrasta entre a orquestra e os instrumentos solos, ou pequeno grupo de instrumentistas); - instrumentao precisa anotada (no perodo anterior, a Renascena, a partitura raramente listava os instrumentos); - notao musical escrita idiomaticamente melhor para cada instrumento especfico. - Notao musical para interpretao virtuosa, tanto instrumental como vocal - ornamentao - Desenvolvimento profuso na tonalidade da msica ocidental (escala maior e menor) - cadenza, uma seo ad lib nas cadncias das partituras para o virtuoso improvisar. 4.2.2.3. ESTILOS Compositores barrocos escreveram em diversos gneros musicais; incluem-se diversos estilos inovadores para a poca. A pera foi inventada na Renascena, mas foi no Barroco que Alessandro Scarlatti, Handel e outros desenvolveram grandes obras. O oratrio chegou a grande popularidade com Bach e Handel; ambos a opera e o oratrio usavam forma musical semelhantes, tal como o uso da ria da capo. Na msica litrgica, a Missa e os motetos no foram to importantes, mas a cantata prosperou, principalmente nos trabalhos de Bach e outros compositores protestantes. Msica para o organista virtuoso floriu, com o uso das tocatas, fugas, e outros trabalhos.. Sonatas instrumentais e sutes para dana foram escritas para instrumentos individuais, para grupos de msica de cmara, e pequenas orquestras. O concerto emergiu, tanto na forma para o intrprete solista como para orquestra, assim como o concerto groso qual um grupo pequeno de solistas criam simultana7

mente um contraste com um grupo maior que intercalam suas partes com perguntas e respostas do dilogo meldico. A Abertura francesa com o seu tpico contraste de sees rpidas e outras lentas, adicionaram grandeza muitas cortes nas quais eram apresentadas. As obras para teclado eram algumas vezes escritas para grupos maiores. Novamente, existe um grande nmero de obras de Bach escrita tanto para os instrumentos solos, como concertos e o mesmo tema se apresenta em arranjos de concerto para orquestra, ou sute. Grandes trabalhos de Bach que culminaram na msica da Idade Barroca inclui: o Cravo bem temperado, as Variaes Goldberg, e a Arte da Fuga. 4.2.2.3.1. VOCAL - pera - Zarzuela - Opera seria - Opera comique - Opera-ballet - Mascarada - Oratrio - Paixo (msica) - Cantata - Missa (msica) - Hino - Monodia - Estilo coral - clssica - bizarra 4.2.2.3.2. INSTRUMENTAL - Concerto grosso - Fuga - Sute - Allemande - Courante - Sarabanda - Gigue - Gavota - Minueto - Sonata - Sonata da cmara - Sonata da chiesa - Sonata em trio - Partita - Canzona - Sinfonia - Fantasia - Ricercar - Tocata - Preldio - Chacona - Passacaglia - Preldio Coral - Stylus fantasticus 8

4.2.3. COMPOSITORES 4.2.3.1. ALEMANHA O barroco alemo iniciou-se com Heinrich Schtz (1585-1672), considerado o pai da msica alem. Johann Hermann Schein (1586-1630), Samuel Scheidt (1587-1654) e Michael Praetorius (1571-1621), contemporneos de Heinrich Schtz, tambm so bastante notveis nessa poca. Na primeira metade do sculo XVIII, destacaram-se Johann Sebastian Bach, Georg Friedrich Hndel e Georg Phillipp Telemann, seguidos por Johann Pachelbel, Johann Jakob Froberger e Georg Muffat. Diz-se que Johann Sebastian Bach foi o maior compositor do barroco alemo (e um dos mais importantes da histria da msica), por ter esgotado todas as possibilidades da msica barroca. Sua morte considerada como o ponto final do Perodo Barroco. 4.2.3.2. ITLIA Na Itlia, o nome mais destacado foi Antonio Vivaldi, autor de numerosos concertos, peras e oratrios. A ele atribuda a composio da srie de concertos As Quatro Estaes, provavelmente a mais difundida de todas as peas desse perodo. Foi o responsvel por estabelecer definitivamente a forma do concerto, que continua a ser composta at os dias atuais. Claudio Monteverdi foi considerado o pai da pera. A ele atribudo o mrito de ter introduzido e popularizado o gnero, que j vinha sendo desenvolvido desde Jacopo Peri, com as obras Dafne eEuridice. Monteverdi tambm o autor da pera mais antiga ainda hoje representada: LOrfeo, obra que conta a histria do amor proibido de dois seres. Outros compositores do barroco italiano foram Arcangelo Corelli e Domenico Scarlatti este ltimo, o maior expoente da msica para cravo desse perodo. 4.2.3.3. FRANA A tradio musical do barroco francs deu-se principalmente com Jean-Baptiste Lully, que introduziu a pera francesa, e Jean-Philippe Rameau, que desenvolveu obras para cravo. Outro compositor importante do perodo foi Franois Couperin, autor de peas musicais sacras. 4.2.3.4. PORTUGAL E BRASIL No Brasil, Antnio Jos da Silva, o Judeu, escreveu notveis obras posteriormente musicadas por Antonio Teixeira, com quem trabalhou em peras como As variedades de Proteu, quando se encontrava em Portugal. Em Portugal, tambm Francisco Antnio de Almeida e Joo Rodrigues Esteves trabalharam no domnio da pera e das obras vocais. Carlos Seixas destacou-se no campo da literatura para tecla, com mais de 700 sonatas, inovando tambm no reportrio orquestral, com uma Abertura em R Maior em estilo francs, uma Sinfonia em Si bemol Maior em estilo italiano e um Concerto paracravo e orquestra em L Maior, um dos primeiros exemplares do gnero na Europa e um contributo original para o desenvolvimento do Barroco. 4.3. LITERATURA BARROCA O Barroco sucedeu o Renascimento, abrangendo do final do sculo XVI ao final do sculo XVIII, estendendo-se a todas as manifestaes culturais e artsticas europeias e latino-americanas. O momento final do Barroco, o Rococ considerado um barroco exagerado e exuberante, e para alguns, a decadncia do movimento. No h um consenso quanto a origem da palavra Barroco. A mais aceita diz que o termo deriva da palavra Barrquia, nome de uma regio da ndia, grande produtora de uma prola de superfcie irregular e spera com manchas escuras, conhecida pelos portugueses como barroco. Aproximando-se assim do estilo, 9

que segundo os clssicos era um estilo irregular, defeituoso, de mau gosto. Em sua esttica, o barroco revela a busca da novidade e da surpresa; o gosto pela dificuldade, pregando a ideia de que se nada estvel tudo deve ser decifrado; a tendncia ao artifcio e ao engenho; a noo de que no inacabado reside o ideal supremo de uma obra artstica. A literatura barroca se caracteriza pelo uso da linguagem dramtica expressa no exagero de figuras de linguagem, de hiprboles, metforicos, anacolutos e antteses. 4.3.1. A ORIGEM DO BARROCO Em Portugal, o Barroco ou tambm chamado Seiscentismo (por ter sido estilo que teve incio no final do sculo XVI), tem como marco inicial a Unificao da Pennsula Ibrica sob o domnio espanhol em 1580 se estendendo at por volta da primeira metade do sculo XVIII, quando ocorre a fundao da Arcdia Lusitana, em 1756 e tem incio o Arcadismo. O Barroco corresponde a um perodo de grande turbulncia poltico-econmica, social, e principalmente religiosa. A incerteza e a crise tomam conta da vida portuguesa. Fatos importantes como: o trmino do Ciclo das Grandes Navegaes, a Reforma Protestante, liderada por Lutero (na Alemanha) e Calvino (na Frana) e o Movimento Catlico de Contra-Reforma, marcam o contexto histrico do perodo e colaboram com a criao do Mito do Sebastianismo, crena segundo a qual D. Sebastio, rei de Portugal (aquele a quem Cames dedicou Os Lusadas), no havia morrido, em 1578, naBatalha de Alccer Quibir, mas que estava apenas encoberto e que voltaria para transformar Portugal no Quinto Imprio de que falam as Escrituras Sagradas). O marco inicial do Barroco brasileiro o poema pico, Prosopopia de Bento Teixeira (1601). H dvidas quanto origem do poeta, estudos literrios recentes afirmam que ele nasceu em Portugal, porm viveu grande parte de sua vida no Brasil, em Pernambuco. 4.3.2. CARACTERSTICAS As principais caractersticas barrocas so: - Dualismo: O Barroco a arte do conflito, do contraste. Reflete a intensificao do bifrontismo (o homem dividido entre a herana religiosa e mstica medieval e o esprito humanista, racionalista doRenascimento). a expresso do contraste entre as grandes foras reguladoras da existncia humana: f x razo; corpo x alma; Deus x Diabo; vida x morte, etc. Esse contraste ser visvel em toda a produo barroca, frequente o jogo, o contraste de imagens, de palavras e de conceitos. Mas o artista barroco no deseja apenas expor os contrrios, ele quer concili-los, integr-los. Da ser frequente o uso de figuras de linguagem que buscam essa unidade, essa fuso. - Fugacidade: De acordo com a concepo barroca, no mundo tudo passageiro e instvel, as pessoas, as coisas mudam, o mundo muda. O autor barroco tem a conscincia do carter efmero da existncia. - Pessimismo: Essa conscincia da transitoriedade da vida conduz frequentemente idia de morte, tida como a expresso mxima da fugacidade da vida. A incerteza da vida e o medo da morte fazem da arte barroca uma arte pessimista, marcada por um desencantamento com o prprio homem e com o mundo. - Fesmo: No Barroco encontramos uma atrao por cenas trgicas, por aspectos cruis, dolorosos e grotescos. As imagens frequentemente so deformadas pelo exagero de detalhes. H nesse momento uma ruptura com a harmonia, com o equilbrio e a sobriedade clssica. - Cultismo: jogo de palavras, o uso culto da lngua, predominando inverses sintticas. - Conceptismo: jogo de raciocnio e de retrica que visa melhor explicar o conflito dos opostos. - Linguagem rebuscada e trabalhada ao extremo, usando muitos recursos estilsticos e figuras de linguagem e sintaxe, hiprboles, metforas, antteses e paradoxos. - Literatura moralista, j que era usada pelos padres jesutas para pregar a f e a religio. - Antropocentrismo x Teocentrismo (homem X Deus, carne X esprito). - Conflito existencial gerado pelo dilema do homem dividido entre o prazer pago e a f religiosa.

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4.3.2.1. BARROCO IBRICO O barroco ibrico diz que h dois modos de se conhecer a realidade: - Cultismo - descrio simples de objetos usando uma linguagem rebuscada, culta e extravagante, jogo de palavras, com uma influncia visvel do poeta espanhol Lus de Gngora (a o estilo ser chamado tambm de Gongorismo). Caracterizado tambm pelo grande uso no emprego de figuras de linguagem como metforas, antteses, hiprboles, anforas, etc. - Conceptismo - marcado pelo jogo de idias, de conceitos, seguindo um raciocnio lgico, racionalista e que utiliza uma retrica aprimorada. Os conceptistas pesquisavam a essncia ntima dos objetos, buscando saber o que so, assim, a inteligncia, lgica e raciocnio ocupam o lugar dos sentidos. Assim, muito comum a presena de elementos da lgica formal como o silogismo e o sofisma. O cultismo e o conceptismo so aspectos do Barroco que no se separam. Diz-se que o cultismo predominante na poesia e o conceptismo na prosa. 4.3.3. BARROCO NO BRASIL O poema pico Prosopopia, de Bento Teixeira, publicado em 1601, apesar de considerado um documento de pouco valor literrio, indicado como o incio do Barroco na Literatura Brasileira. E tambm considerado uma cpia mal elaborada de Os Lusadas de Cames Poesia religiosa - Apresenta uma imagem quase que exclusiva: o homem ajoelhado diante de Deus, implorando perdo para os pecados cometidos. 4.3.3.1. AUTORES REPRESENTATIVOS - Brasileiros - Gregrio de Matos, representando a vrtice cultista do barroco; - Bento Teixeira Pinto - Manuel Botelho de Oliveira - Padre Antnio Vieira - Frei Manuel de Santa Maria Itaparica - Portugueses - Padre Antnio Vieira, representando a vrtice conceptista do Barroco. 4.4. ESCULTURA DO BARROCO A escultura barroca marcada por um intenso dramatismo, pela exuberncia das formas, pelas expresses teatrais e pela luz e movimento. As figuras que exibem dramatismo, faces expressivas e roupas esvoaantes. Na Itlia, destacou-se o trabalho de Bernini. Em Portugal, Antnio Ferreira e Machado de Castro foram os escultores de maior relevo. No Brasil tornou-se clebre o Aleijadinho. A escultura barroca contraria a idia anterior do Renascimento: a sobriedade e racionalidade das formas. Este pensamento no se demostrou apenas na escultura mas tambm na pintura, moda, escritae mesmo no modo de vida das pessoas. Um excelente exemplo da escultura tpica do Barroco o O xtase de Santa Teresa do consagrado escultor, Bernini. 4.4.1. ESCULTURA DO BRASIL A escultura no Brasil acompanhou as correntes estticas que animaram o desenvolvimento desta arte em outros pases do ocidente, especialmente os europeus, de onde vieram as principais influncias que fecundaram o solo artstico brasileiro. Ao longo dos ltimos 500 anos de sua histria, o Brasil testemunhou um florescimento particularmente rico da escultura no perodo barroco, com um estilo geral unificado, e a partir do sculo XX, quando predomina a diversidade.

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4.4.1.1. ORIGENS As primeiras notcias de esculturas no Brasil datam do final do sculo XVI, quando algumas vilas j se haviam estabelecido no litoral e se iniciava a construo de templos e edifcios pblicos. Neste perodo inicial a maior parte das obras ainda era importada da Europa, especialmente de Portugal, a metrpole colonizadora. Grande parte da atividade escultrica autctone se limitava aos trabalhos de talha decorativa em madeira e, em menor grau, em pedra. Um dos primeiros nomes dignos de lembrana no sculo XVII como entalhador de refinado talento o Frei Domingos da Conceio, que trabalhou no Mosteiro de So Bento, no Rio de Janeiro. Tambm se iniciou alguma atividade na estaturia em peas de devoo religiosa, onde a primeira figura a se destacar foi o Frei Agostinho da Piedade, deixando criaes de serena beleza e grande sensibilidade, de perfil barroco mas ainda devedoras ao esprito renascentista, num estilo misto que seria comum aos dois primeiros sculos de colonizao. Frei Agostinho considerado o fundador da escultura nacional, dedicando-se ao gnero que conheceria um desenvolvimento extraordinrio em terras brasileiras e se constituiria num dos mais tpicos distintivos culturais do Brasil at os dias de hoje: a imaginria sacra barroca, que em seus melhores momentos se equipara grande tradio europia. Outro nome importante da poca o do Frei Agostinho de Jesus, tambm produzindo obra de grande qualidade em estilo semelhante. 4.4.2. O BARROCO Nos sculos XVII e XVIII, com o avano dos colonizadores em direo ao interior do pas, fundando novas cidades e novos mercados, e com a relativa estabilizao da economia levando a um rpido crescimento dos povoados mais antigos no litoral, paralelamente descoberta de grandes riquezas em ouro e diamantes no territrio nacional, houve condies para que a arte recebesse maior ateno, e a escultura, em suas variadas manifestaes, floresceu de forma notvel, e sempre no terreno sacro. Numa cultura fortemente marcada pela influncia da religio, o catolicismo barroco, com seu apelo aos sentidos fsicos como instrumentos de transcendncia e suapedagogia de ndole emocional e cenogrfica, forneceu o pretexto perfeito para que se gastassem elevadas somas em fericas decoraes de templos, conventos e mosteiros, tanto para melhor honrar a glria do Criador como, didaticamente, para dar meios visveis aos fiis ignorantes para que pudessem elevar seus pensamentos, atravs da beleza e da teatralidade das figuras de santos em cenrios evocativos, em direo s coisas divinas, e inspirar piedade, ao arrependimento, ao amor e devoo. Com aqueles objetivos, comeou a se popularizar uma forma especial de estaturia conhecida pelo nome de esttuas de roca, com membros articulados e vestidos de tecido. Era esculpida apenas parcialmente, nas partes do corpo que ficavam visveis como a cabea, mos e ps. Este gnero nasceu para um uso claramente cenogrfico, sendo colocadas em ambientes ou sobre carros decorados construdos para cada ocasio, e assumiam posturas diversas de acordo com o progresso da ao cnica piedosa que se desenvolvia em representaes de mistrios sacros ou nas procisses. 4.4.3. OS CENTROS PRINCIPAIS parte o foco isolado das Misses no sul, no integrado esfera portuguesa, e apesar da expanso da civilizao e da cultura por novas reas, os principais centros produtores e consumidores de arte ainda eram os do Nordeste - Salvador, Recife e Olinda - e em menor grau o Rio de Janeiro, So Paulo e Gois. preciso assinalar que a presena de estaturia de origem portuguesa no perodo colonial foi sempre expressiva, sendo constantemente importada da metrpole, pois era preferida pelos ricos pelo seu melhor acabamento e expressividade, e este grande grupo de obras, ainda visvel em inmeras igrejas brasileiras, foi modelo para a produo mais artesanal da terra. A produo local cresceu imenso. A macia maioria das obras que nos chegaram desta fase permanece annima, e expressiva parcela evidencia ter sado de mos do povo, sem grande educao no ofcio, j que a expanso da demanda por estaturia no foi acompanhada pelo surgimento de escolas oficiais ou sequer havia grande nmero de mestres ilustres, e o aprendizado do artista-arteso brasileiro se deu muitas 12

vezes pela simples observao e cpia de modelos europeus que encontrava em algum altar importante. Mesmo assim esta produo, ainda um pouco tosca e ingnua se comparada aos prottipos eruditos europeus, se destaca exatamente por compensar suas deficincias formais atravs de uma criatividade exuberante e por contribuir para a formao de uma sensibilidade tipicamente brasileira. Entre os pouqussimos autores conhecidos do sculo XVII esto Jos Eduardo Garcia, portugus, e Francisco das Chagas, o Cabra, ambos ativos em Salvador. Contudo, por volta da metade do sculo XVIII, com a sedimentao da cultura nacional e a multiplicao de artfices cada vez mais capazes, nota-se um crescente refinamento nas formas e no acabamento das imagens, e logo aparecem imagens de grande expressividade, como uma Nossa Senhora das Mercs paulista, hoje na Casa Paroquial de So Luiz em Piratininga, uma srie de pequenos Meninos Jesus baianos, preservados no Museu dos Prespios de So Paulo, a estaturia nos altares da Baslica de Nossa Senhora do Carmo em Recife, e diversas outras. Salvador em especial tornou-se um centro exportador de estaturia para os mais distantes pontos do Brasil, incluindo-se uma interessante produo de miniaturas, sendo encontradas peas com caractersticas tipicamente baianas em locais to afastados entre si como Gois, Santa Catarina e Maranho, criando uma escola que pouco deu-se conta do neoclassicismo no sculo XIX e no conheceu soluo de continuidade seno com o advento da industrializao em massa de objetos de devoo em gesso no sculo XX. O principal nome na escola baiana o de Manuel Incio da Costa. 4.4.3.1. A ESCOLA MINEIRA Neste perodo os grandes centros citados antes consolidam sua posio de dominncia, mas ao mesmo tempo aparecem outros que se desenvolveriam de modo igualmente brilhante. Destes sem dvida o mais significativo seria o das Minas Gerais, que nasceu em funo da descoberta de ouro e diamantes na regio de Ouro Preto, Diamantina,Sabar e Congonhas do Campo. Nestas cidades e em muitas outras do estado foram erguidos inmeros templos, j num estilo rococ, clebres por sua decorao extraordinariamente rica e sofisticada, e ali apareceu o primeiro escultor brasileiro de estatura artstica realmente elevada, o Aleijadinho, um dos marcos da arte nacional e maior representante da escultura barroca no Brasil. Escultor, arquiteto e entalhador, Aleijadinho deixou trabalhos em um estilo inconfundvel em vrias cidades mineiras. Sua maior criao o ciclo daPaixo de Cristo, com 66 figuras em cedro que reproduzem o caminho do Glgota, instaladas em capelas ao p do Santurio do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo. No adro da igreja outro grupo escultrico, em pedra-sabo, representando 12 profetas, completa este conjunto que uma das maiores obras-primas da escultura nacional de todos os tempos. Se por um lado a riqueza extrada das minas favoreceu o florescimento de todas as artes, por outro, aspecto sintomtico de uma situao de colnia, e peculiar mas no exclusivo ao caso mineiro, fez com que continuasse e mesmo aumentasse a importao de imagens estrangeiras, consideradas mais perfeitas e desejveis, e os trabalhos mais destacados que ainda vemos em tantos altares nada tm de brasileiro, embora tenha desempenhado um papel central na determinao do estilo geral. Neste contexto compreende-se o motivo de a criatividade autctone ter-se direcionado mais esfera privada, nas inmeras estatuetas de culto domstico que ainda sobrevivem em grande nmero e cuja qualidade supera em muito o mero artesanato. J para o fim do sculo so registrados alguns nomes: um certo Mestre de Piranga, Francisco Xavier de Brito e Francisco Vieira Servas. 4.4.3.2. A ARTE jESUTICA NA REGIO MISSIONEIRA Neste perodo, isolados do resto do pas por estarem em uma rea na poca sob domnio espanhol, se formaram ativos centros culturais na regio sul por obra dos padres Jesutas, fundadores de diversos aldeamentos para indgenas, as chamadas Misses. Nestes locais se desenvolveu rica tradio de escultura e talha, ao par do cultivo de outras artes, e criou-se um acervo de obras importantes das quais muitas so de autoria indgena, hoje preservadas em museus e colees particulares, especialmente no Museu das Misses, dedicado exclusivamente a esta produo de caractersticas nicas.

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4.4.3.2.1. ESCULTURA DOS SETE POVOS DAS MISSES A escultura dos Sete Povos das Misses representa um dos legados mais substanciais e valiosos a sobreviver da cultura dos Sete Povos das Misses, um grupo de redues jesuticas fundadas no atual estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Na poca posse da Espanha, os Sete Povos foram exemplos tpicos do modelo missionrio desenvolvido pelos jesutas na Amrica: uma comunidade indgena fixada em um povoado mais ou menos auto-suficiente, e administrado pelos padres da Companhia de Jesus, com o auxlio dos nativos. O sucesso das redues foi enorme, sendo um projeto social, cultural, poltico, econmico e urbanstico avanado para seu tempo e lugar. A participao dos ndios no se conseguiu sem dificuldades, mas milhares acabaram realmente vivendo nessas redues voluntariamente, sendo convertidos ao Catolicismo e aculturados para as formas e maneiras da vida europeia, produzindo inclusive grandes quantidades de arte, sempre sob superviso dos jesutas. Essa produo artstica, onde a escultura aparecia em destaque, foi orientada, naturalmente, por modelos estticos europeus, e surgiu com o propsito bsico de fornecer um auxlio visual catequese do indgena, no processo de evangelizao organizado pelos missionrios do Novo Mundo. Incorporando uma multiplicidade de correntes estilsticas, algumas atualizadas, outras h muito obsoletas na prpria Europa, mas com um predomnio de formas barrocas, e onde se infundiu em alguma medida tambm o gosto do nativo, essas obras revelam caractersticas nicas que as definem, segundo alguns autores, como uma escola regional individualizada. A maior parte do acervo escultrico missioneiro se perdeu ao longo do tempo, mas ainda existe uma significativa coleo de mais de 500 peas distribudas entre instituies pblicas e acervos privados. A importncia das esculturas missioneiras como documento histrico e artstico imensa, e por isso foram tombadas pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, mas o acervo remanescente ainda precisa de ateno e cuidados para no se desfalcar ainda mais, especialmente considerando que metade das peas identificadas pertence a particulares e no conservada como deveria ser, e algumas ainda continuam desaparecendo ou se destruindo a despeito da proteo oficial. Por outro lado, a escultura dos Sete Povos ainda motivo de polmica entre a crtica: para uns ela uma expresso nica e original do multifacetado Barroco hispano-americano, enquanto que para outros ela no passa de uma imitao tosca e servil de modelos europeus. 4.4.3.2.2. OS SETE POVOS Os Sete Povos das Misses foram um exemplo tpico do principal modelo de evangelizao criado pelos jesutas na Amrica: as redues, ou seja, misses fixas em aldeamentos que reuniam os povos nativos. A histria das misses remonta ao ministrio dos Apstolos institudo pelo prprio Jesus, quando mandou seus discpulos irem pelo mundo proclamando a Boa Nova. O objetivo principal desses povoados foi o de criar uma sociedade com os benefcios e qualidades da sociedade crist europia, mas isenta dos seus vcios e maldades. Essas misses foram fundadas pelosjesutas em toda a Amrica colonial, e segundo Manuel Marzal, sintetizando a viso de outros estudiosos, constituem uma das mais notveis utopias da histria. Os jesutas se tornaram clebres por seu pragmatismo e adaptabilidade s condies que encontravam em cada local; eram disciplinados, empreendedores e bem preparados em vrios domnios do saber, tendo em suas fileiras muitos artistas, literatos, cientistas e eruditos, e eram habilidosos tambm nas artes da persuaso e da docncia. Eram a vanguarda da religiosidade europeia em sua poca; a reunio de tantas qualidades explica o seu sucesso como missionrios e se reflete na variedade de solues prticas adotadas nas misses que fundaram por toda a Amrica e Oriente. Adotavam ainda uma teologiapeculiar, que lhes permitia em muito ceder e conformar a doutrina crist s percepes nativas para conseguir a completude do projeto evangelizador. Sabe-se, desta forma, que o missionarismo jesuta na parte oriental da Amrica do Sul, controlada ento pelos portugueses, desenvolveu-se num sentido diferente daquele adotado nos Sete Povos, que eram domnio espanhol. Ali os jesutas puderam construir povoados muito mais organizados e estveis do que aqueles criados no Brasil colonial sob a orientao do padre Manuel da Nbrega e seus colegas. Na regio submetida Provncia Jesutica do Paraguai, onde se incluam os Sete Povos, e que muitos consideram ter fixado o prottipo clssico da reduo jesutica, a povoao se definiu em torno de uma grande praa quadrangular, em cujo entorno se instalavam uma igreja, moradias dos ndios, casas para vivas 14

e rfos, uma escola, o claustro dos missionrios, um cemitrio, oficinas diversas, pomar, horta, espaos administrativos, hospedaria e uma priso, entre outras benfeitorias. Em redor s vezes cavavam trincheiras e erguiam um muro para proteo contra os ataques de indgenas selvagens e as expedies predatrias dos bandeirantes brasileiros. Esse modelo podia apresentar variaes na disposio dos elementos e na quantidade de edifcios, mas seu esquema bsico permaneceu constante. Em suma, as redues eram, individualmente, quase mini-Estados de carter teocrtico, organismos econmica e culturalmente avanados para seu tempo e local, e dispunham de considervel autonomia administrativa, mesmo que fossem sujeitas a uma regulao geral pela alta hierarquia da Companhia e precisassem do beneplcito da Coroa espanhola, conquistadora e proprietria das terras, sobre as quais cobrava dos padres impostos. A Espanha tambm tinha interesse poltico na empreitada jesuta, pretendendo que atuassem como guardas de fronteira, contendo o avano portugus. As redues proporcionavam meios de subsistncia inovadores para os padres indgenas, e inauguraram um modelo urbano e administrativo muito bem sucedido, mas no se deve esquecer que as misses eram programas de converso religiosa em massa e aculturao do indgena ao estilo de vida europeu, o que nem sempre ocorreu sem resistncias e dificuldades. Por outro lado, procuraram preservar ou integrar muitas das caratersticas da vida tradicional dos aborgenes em uma sntese sociocultural indita. parte as polmicas que ainda cercam o tema, especialmente acerca de seu mrito tico, de qualquer maneira fato que se criou uma cultura original dentro das misses, e nessa cultura a arte teve extraordinrio papel a desempenhar. Os Sete Povos nasceram como uma evoluo das dezoito Redues do Tape, fundadas a partir de 1626 na margem oriental do rio Uruguai, numa regio que hoje parte do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil. Cerca de dez anos depois os bandeirantes brasileiros destruram quinze desses povoados e aprisionaram mais de 20 mil indgenas, para serem vendidos como escravos em So Paulo. Em 1638 destruram as trs redues restantes. Sob esse assdio, os ndios e padres remanescentes se refugiaram na margem ocidental do rio Uruguai. O avano bandeirante s foi contido na Batalha de MBoror, em 1641, mas ento, com a dissoluo da Unio Ibrica, novos fatos polticos colocaram a empreitada missioneira na regio em suspenso, s sendo retomada em 1682. Ento foram criadas as sete redues que se tornaram conhecidas como os Sete Povos das Misses, algumas delas sobre as runas da fundao anterior. Foram elas, segundo informa Pinto: - So Nicolau, fundada em 1626 pelo padre Roque Gonzalez de Santa Cruz e reinstalada em 1687 pelo padre Anselmo de la Matta - So Miguel Arcanjo, fundada pelo padre Cristvo de Mendoza em 1632 e reinstalada em 1687 pelo padre Anton Sepp - So Francisco de Borja, fundada em 1682 pelo padre Francisco Garcia de Prada - So Luiz Gonzaga, fundada em 1687 pelo padre Miguel Fernndez - So Loureno Mrtir, fundada em 1690 pelo padre Bernardo de la Vega - So Joo Batista, fundada em 1697 pelo padre Anton Sepp - Santo ngelo Custdio, fundada em 1706 pelo padre Diego Haze Enquanto que a primeira iniciativa missioneira na regio teve objetivos acima de tudo evangelizadores, como declarou Armindo Trevisan, os da segunda parecem ter sido primariamente econmicos, nascendo da perspectiva de aproveitamento do enorme rebanho de gado que vivia livre no pampa, e que era cobiado tambm pelos portugueses, tanto que os tropeiros brasileiros que caavam aquele gado se tornaram um dos primeiros agentes da agressiva penetrao portuguesa na regio, invadindo cada vez maiores territrios espanhis. O gado adquiriu tal importncia para os jesutas porque eles compreenderam que se as condies de vida para os ndios no eram boas, especialmente na alimentao, a educao espiritual tambm fracassava. O gado se criava com facilidade, e era todo aproveitvel: dava couro, carne e leite, alm de prover meio de trao e de transporte. Tambm cavalos e mulas havia em abundncia. Calcula-se que esse rebanho, incluindo as vrias espcies, em determinado perodo atingiu um milho de cabeas. Porm, para Maldi, justamente por isso o componente poltico da reinstalao das redues tambm foi forte: A recolonizao de parte das reas perdidas e a fundao de novas misses foi feita com os ndios Guarani assumindo a funo de presidirios isto , guardas da fronteira. Sob essa condio seriam fundadas 15

na margem oriental do Uruguai as sete misses que ficariam famosas como Sete Povos das Misses, tornando-se, como afirma Gadelha (1996), futuro centro de resistncia ao Tratado de Madri. Como presidirios da fronteira, os ndios Guarani foram amplamente requisitados entre o perodo de 1637 at 1735 pelos governadores para as mais diversas atuaes na fronteira, desde o combate a grupos inimigos at trabalhos de vigilncia, o que se constituiu num fator definitivo no sentido de acirrar a perseguio dos bandeirantes paulistas. Por outro lado, a reconstituio das misses guaranticas do sul, com o firme propsito de deter o avano portugus, tornou os ndios alvo da violncia lusitana. Chegando a abrigar trinta mil pessoas, principalmente guaranis, mas tambm algumas de outras naes, como charruas e minuanos, os Sete Povos floresceram at por ocasio das novas demarcaes territoriais impostas pelo Tratado de Madri de 1750, o qual determinava a troca da Colnia do Sacramento (possesso lusa) pelos povoados, devendo os ndios e padres ser reinstalados mais para dentro do territrio espanhol. A Guerra Guarantica que se seguiu (1754-1756), onde despontou como figura histrica e mitolgica Sep Tiaraju, foi a expresso da recusa por parte dos guaranis em entregar as misses que haviam arduamente construdo. Depois da Guerra, perdida pelos ndios, e da expulso dos jesutas dos territrios luso e espanhol, respectivamente em 1759 e 1768, os Sete Povos se desestruturaram, junto com as demais misses jesuticas. A dissoluo da Companhia de Jesus em 1773, pelo papa Clemente XIV, selou o fim de todo o ciclo missioneiro. Tentou-se introduzir um governo civil com a colaborao de outras Ordens, como os franciscanos, dominicanos e mercedrios, mas sem efeito: a produo caiu drasticamente, ocorreram motins, deseres e mortes em massa, aprisionamento de ndios, depredaes dos edifcios e saque das igrejas.Quando em 1801 eclodiu nova guerra entre Portugal e Espanha, os Sete Povos j estavam em tal estado de desintegrao que sua conquista pelos portugueses foi fcil, embora parea ter havido a participao indgena como facilitadora da tomada de posse. Em 1828 os Sete Povos foram pilhados pelas tropas de Fructuoso Rivera, que roubaram 60 carretas de objetos preciosos e obras de arte e causaram um novo xodo indgena. Em 1833 havia na regio apenas 377 ndios, descritos por um cronista da poca como um bagao de gente. 4.4.3.2.3. A ARTE MISSIONEIRA Os ndios deviam ser ganhos para Cristo. Esta era a motivao bsica dos jesutas. Percebendo que os ndios eram sugestionveis, os padres, que eram alis habilidosos pedagogos, introduziram vrios recursos artsticos como auxlios catequese. Assim, se traduziam dramas moralizantes europeus para a lngua guarani, ou se escreviam novos, sempre encenando-os; tocava-se e compunha-se msica erudita, como se fazia nas igrejas da Europa, erguiam-se igrejas imponentes recheadas de adornos luxuosos, forradas de pinturas narrativas e estaturia eloquentemente expressiva. Os ndios, segundo os relatos, se maravilhavam com tudo isso, com o esplendor e mistrio do culto, que lhes parecia prodgios e mgica, se fascinavam com a msica sacra, veneravam temerosos as imagens e eram assim levados converso emocionada, tornando-se muitas vezes devotos ardentes. A pedagogia jesutica era, por sua vez, um produto da retrica e da Contra-Reforma, desenvolvida num perodo em que as incertezas intelectuais doManeirismo introduziam os dramas e contrastes matriaesprito do Barroco. Nessa pedagogia, a espetacularizao do culto religioso era um meio vlido e eficiente de persuadir o potencial devoto e propagar a f, e era parte essencial do prprio esprito barroco, quando a representao do mundo se tornou toda um espetculo destinado a arrebatar seu pblico. Todas as artes se reuniam numa obra total, cuja expresso mais grandiosa na arte sacra foi a arquitetura da igreja barroca, com toda a sua pletora decorativa de apelo emocional. No momento do culto, o templo se tornava um ferico teatro onde se representava o drama cristo. Na redues, ausente o poder laico, a igreja era o nico edifcio com alto grau de sofisticao, pois centralizava a vida de toda a comunidade; quase todas as outras estruturas do povoado eram pavilhes baixos e simples. Mas na igreja o culto se fazia glorioso, avivado pela positiva colaborao dos indgenas na produo e execuo de toda essa arte cerimonial. 4.4.3.2.4. A ESCULTURA E SUAS FUNES Alm da educao elementar e da catequese, os ndios mais habilidosos eram instrudos em ofcios e artes diversas. Sempre, naturalmente, sob a superviso direta dos padres. Os modelos da arte missioneira 16

eram todos europeus, e nas igrejas, o papel desempenhado pelas imagens foi extremamente importante como meio de cristianizao. J se conhecia no ocidente h muito tempo o potencial pedaggico da arte, amplamente justificado pelo analfabetismo geral das massas europias, quando as imagens supriam o que no estava acessvel para o povo atravs da leitura. As igrejas, com sua rica decorao de contedo narrativo, eram conhecidas como a Bblia dos iletrados. Contudo, preciso lembrar que essa funo da arte era complementada e contextualizada por uma explicao direta dos conceitos transmitidos pelas imagens, dirigindo a interpretao do fiel para o significado pretendido e criando um repertrio de formas significantes, uma verdadeira linguagem visual, que podia ser extrapolado, ento, para outras situaes. Como entre os guarani no havia um culto a dolos ou imagens, os jesutas encontraram nesse comportamento peculiar um expediente de aproximao. Se no Mxico os dolos nativos haviam sido traumaticamente aniquilados, no sul americano houve espao para introduzir na religiosidade natural do indgena a devoo s imagens crists, parte delas produzida com a participao do prprio nativo. As formas barrocas foram sabiamente aproveitadas para tal fim. Nas palavras de Boff, Nas igrejas e nas praas, a multiplicidade de elementos decorativos usados pelos artistas, para representar os santos e seus atributos, encontraram um espao nico para a expresso barroca. Aconteceu o mesmo no ritual litrgico, com os cantos e o incenso. No teatro, utilizavam-se os autos dos santos realizados nas praas. Na pintura do teto das igrejas, estavam as imagens celestiais; nas esculturas, os gestos das imagens comunicando-se com o espectador, numa linguagem simblica muito bem trabalhada pelo artista barroco. Alm disso, nas redues, as imagens foram pensadas para utilizao nos altares. Se observarmos atentamente sua postura, veremos que elas se relacionam entre si, tm gestos entrosados umas com as outras. Pretendem envolver a mente e os sentidos e, conseqentemente, favorecer o arrebatamento e persuadir o esprito para as coisas de Deus... A produo de imagens, nas redues, foi um dos ofcios marcantes em que se ocupavam os indgenas. Percebe-se, atravs dos registros dos jesutas, a importncia do uso da imagem como forma de persuadir os ndios frequncia aos sacramentos e orao, seja atravs de sua beleza exterior, seja pelo modelo de vida que ela representava, e tambm, o que era muito significativo, por sua expresso facial e sua postura. So incansveis os relatos dos padres com relao imagem da Virgem Maria e seu poder de persuaso A imagem era usada na catequese como um reflexo do mundo celeste. Ela reforava a pregao evanglica, transmitindo aquilo que a Bblia fazia atravs da escrita. Venerar uma imagem era venerar a pessoa que nela estava representada e, conseqentemente, seguir seus passos. No obstante os cuidados dos padres, em muitos casos a compreenso da mensagem ensinada se coloriu e distorceu com a cultura pregressa do ndio. Como exemplo, o padre Sepp relatou que uma ndia teria se esfaqueado aps ter ouvido uma pintura de Nossa Senhora das Dores, com o corao cravejado de facas, lhe dizer: Da mesma forma que eu abri meu peito transpassando meu corao virginal, tu, minha filha, pega essa faca e abre teu peito para liberar tua alma da priso. Particularmente os guarani, entre outros povos, transferiram vrios dos poderes mgicos de sua religio para as esculturas e imagens crists. Um exemplo, como citou Susnik, foi o fato de que os guaranis viam na cruz um poder mgico, similar aos poderes que os xams tinham em suas mos quando eles portavam a maraca, o instrumento musical-religioso que continha em seu interior o aiv, a alma da pessoa. A mesma situao deve ter ocorrido em relao comunho, identificando o ato de comer o corpo de Cristo, a hstia, ao seu ritual antropofgico. Outro rito que lembrava cerimnias pr-hispnicas era a autoflagelao dos ndios com a mussurana, um dos objetos usados na antropofagia, durante a Semana Santa, fazendo depois um grande churrasco e recebendo carne para comer em suas casas. As esculturas floresceram quando as igrejas j haviam sido construdas e as redues se estabilizado. Enquanto as pinturas mostram uma cena completa, importante para a compreenso do seu contedo narrativo, as esculturas precisavam do cenrio das igrejas para funcionarem. Mas, ao contrrio das imagens bidimensionais, as esculturas possuem mais presena e por isso exerciam um especial poder sobre os ndios, que acreditavam estarem elas de certa forma vivas. As esttuas chegavam a ser convidadas para as festas, onde ocupavam lugar de honra na cabeceira da mesa, e exerciam outras funes bem especficas, entre as quais as mais importantes eram a vigilncia e o favorecimento. A vigilncia exercida pelas imagens se manifestava, por exemplo, quando certas esttuas eram manipuladas pelos padres como se fossem marionetes, mexendo os braos e a cabea e fazendo sinais de aprovao 17

ou de censura, conforme o comportamento dos nativos. Outro caso era o carregamento dirio de uma esttua de Santo Isidro Lavrador at as plantaes para vigiar o trabalho no campo. O favorecimento era melhor expresso na resposta a pedidos e preces, atravs de milagres negociados entre os suplicantes e os santos, os quais, em sua condio de intercessores junto a Deus, tambm agiam na proteo dos devotos e das redues contra perigos vrios. Os relatos dos jesutas multiplicam descries de milagres e de aparies relacionados a imagens sacras, o que atesta o seu grande impacto sobre aquela sociedade. 4.4.3.2.5. O ACERVO SOBREVIVENTE E SUAS CARACTERSTICAS O Museu das Misses, localizado em So Miguel das Misses, junto s runas da misso de So Miguel Arcanjo, abriga o maior conjunto sobrevivente de esculturas dos Sete Povos. Esse acervo s foi reunido no incio do sculo XX, depois que Lucio Costa, a servio do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), fez em 1937 um levantamento e inventrio da regio missioneira gacha. O contato com os remanescentes das redues jesuticas parece t-lo impressionado intensamente. De acordo com Carrilho, O interesse pela arte antiga, a maneira como reconhece nestas manifestaes a expresso de culturas pregressas e a conscincia aguda de que est diante de testemunhos sob a ameaa de desaparecimento refletem-se no tom potico e um pouco desolado do texto de seu relatrio de viagem. Por mais de uma vez o arquiteto recorreu a evocaes nostlgicas e sentimentais para descrever o impacto causado pela presena tnue, porm forte, daqueles restos e daquilo que foi capaz de criar a associao da personalidade inconfundvel dos padres jesutas com a cultura guarani. Costa sugeriu a concentrao de todo o legado missioneiro em So Miguel, no apenas para torn-lo mais acessvel, mas por ser o nico povoado que ainda estava em condies de conservao suficientes para gerar um interesse arquitetnico. Uma vez definidas as medidas de consolidao das runas, restava ainda proteger o acervo da imaginria religiosa e disponibiliz-lo ao pblico por meio da criao de um museu. Na poca da sua criao o museu contava com apenas trs imagens. Em 1993 j tinha 94 peas catalogadas, em sua grande maioria coletadas na regio por Joo Hugo Machado, muitas vezes com o auxlio coercitivo da polcia para conseguir que as famlias as cedessem para o museu, o que invariavelmente faziam contra a sua vontade e no raro protestando com violncia. Esse acervo divide-se em dois grupos principais: esculturas de caractersticas europias e outras marcadamente nativas. As primeiras trazem a influncia de escultores italianos como Bernini, e espanhis comoJuan Martnez Montas, Alonso Cano e Jos de Mora, percebidas em imagens como a de Nossa Senhora da Conceio, a de So Miguel Arcanjo, e a de So Jos com o Menino. Por outro lado, h algumas peas que apresentam sinais da cultura indgena, em formas marcadas pelo geometrismo caracterstico da cestaria, da cermica e da pintura corporal. A maioria delas apresenta mutilaes e perda parcial ou total da policromia, em virtude das vicissitudes a que foram submetidas ao longo dos anos. Um inventrio de 1768 refere que deveriam existir em todos os Trinta Povos da Provncia do Paraguai pelo menos duas mil esttuas nas igrejas, sem contar outros objetos decorativos; um outro inventrio, de D. Francisco Bruno de Zavala, realizado em 8 de julho de 1778, acusa em So Miguel 57 imagens. A lista compilada em 2008 pelo IPHAN arrolou 510 esttuas missioneiras no Brasil, estando o conjunto disperso por vrias colees privadas e instituies pblicas. Alm do Museu das Misses, se encontram outras imagens em algumas igrejas e museus daregio das Misses, com destaque para o Museu Monsenhor Estanislau Wolski, em Santo Antnio das Misses, com uma rica coleo de 73 miniaturas, ainda largamente esquecidas pelos acadmicos; o Museu Municipal Aparcio Silva Rillo, em So Borja, com 35 peas, e a Catedral de So Luiz Gonzaga, com 13 imagens. Outras esto em museus e escolas catlicas da grande Porto Alegre, especialmente no Museu Jlio de Castilhos, na capital, e no Museu Anchietano da Unisinos em So Leopoldo. O Museu Vicente Pallotti, em Santa Maria, tambm guarda um bom grupo de esttuas. Sabendo-se do quanto foi saqueado dos Sete Povos, pode-se imaginar que muitas esttuas tenham sobrevivido obscuramente em igrejas e acervos particulares da Argentina, Paraguai, Uruguai e outros pases, espera de identificao; um expressivo grupo de 13 esculturas foi encontrado at nosAores. Isso tudo d uma ideia da riqueza do acervo original, e do quanto se dispersou ou perdeu com os anos. Sua datao e identificao de autoria invariavelmente dificlima, seno impossvel na maior parte dos casos. O hbito geral de trabalho era cooperativo, e nenhuma obra foi assinada ou datada pelos autores. 18

Algumas, porm, foram atribudas a um ou outro padre, j que diversos eram artistas consumados. Entre eles Giuseppe Brasanelli, Francisco Ribera e Anton Sepp, a quem se pode imaginar terem criado ou projetado algumas das peas mais sofisticadas que hoje ainda restam. Na opinio de Sustersic, o padre Brasanelli foi uma figura determinante na formao do estilo missioneiro, e que nada do produzido nas misses dos guaranis ficou imune ao seu labor, seu ensino ou sua influncia. Josefina Pl props a identificao de pelo menos quarenta imagens como sadas das mos de Brasanelli ou de seu crculo imediato (nem todas no Brasil, j que o padre itinerou por vrios povoados da Provncia do Paraguai), mas a nica obra que pode ser-lhe seguramente atribuda por testemunho documental o So Francisco de Borja ajoelhado, que se conserva, muito repintado, na Catedral de So Borja, e que serviu como base para as outras identificaes. Outra figura importante foi o padre Anselmo de la Matta, que para Damasceno foi o responsvel por tornar a reduo de So Nicolau um centro exportador de peas para outros povos. Pela Provncia do Paraguai passaram mais de dois mil jesutas, sendo metade espanhis, e o restante de 32 outras nacionalidades, o que atesta o grande papel da contribuio internacional empresa missioneira do Paraguai. Tambm houve algum intercmbio artstico entre os Sete Povos e as misses do Peru. Dessas diferentes naes os jesutas trouxeram s redues o estilo em voga em seus pases, sem esquecer referncias medievais, romnicas ou gticas. A fuso de todas essas influncias possibilitou a criao de um barroco ecltico e peculiar. A iconografia da estaturia missioneira representa, em sua maioria, santos, anjos, mrtires, Nossa Senhora e os santos da Companhia de Jesus, apresentados como modelos de vida a serem seguidos. motivo de muita polmica a mensurao de quanto o indgena colocou de seu nessa produo escultrica, e o quanto elas so, por isso, originais e no simples reprodues. H quem diga que os alegados traos tnicos apontados na escultura missioneira no passam de distores causadas pela simples incompetncia tcnica dos artesos indgenas. Da anlise do acervo do Museu das Misses, Boff concluiu que ele se alinha s caractersticas gerais da produo missioneira americana, com a presena de elementos estilsticos europeus os mais variados, formando uma arte de fato ecltica, embora com predomnio de formas barrocas. Tambm se observa um grau de sofisticao na tcnica escultrica igualmente varivel, havendo esttuas toscas e claramente desproporcionadas e outras de grande requinte formal e fino acabamento. Sustersic, por outro lado, destacou que muito difcil identificar a produo artstica procedente de cada povoado, pelas suas variveis e pela mescla de expresses determinadas pela mentalidade do artista e sua sociedade. Neste caso, no podemos analisar essa produo como uniforme, mas h elementos para declar-la como um produto regional individualizado, de fato, possuidor de um estilo novo e prprio. Alguns pesquisadores tm querido identificar feies e adornos tipicamente ndios em vrias dessas obras, com evidncias slidas. Sabe-se, contudo, que havia uma estrita regulamentao eclesistica para a produo de imagens, e a liberdade criativa do indgena deve, ento, ter sido limitada. Algumas obras apresentam uma escavao dorsal, possivelmente para a reduo do peso das esttuas, e outras possuem articulaes mveis, a fim de que se pudesse manipular as esttuas e impressionar os indgenas. Boff acredita que o indgena conseguir transmitir s esculturas a funo simblica de sua cultura ancestral em seus traos essenciais, mesmo que no de forma plenamente consciente, e Gruzinski argumenta que As obras produzidas pelo contingente mestio no podem ser analisadas simplesmente, por um processo evolutivo fechado e conclusivo. Ao misturarem-se os acervos culturais, eles se enriquecem e resultam numa quebra de linearidade merecendo estudos especficos. Para esta anlise, no existe compartimento onde se poderia colocar a produo artstica resultante das mestiagens americanas. H uma lacuna na histria dos movimentos artsticos, que no contemplam, ainda, essas especificidades. Boff identificou uma cronologia e disse que a contribuio indgena para essa produo pode ser observada na sua prpria evoluo, ou seja, nas marcas dos diferentes estgios nela reconhecveis. Assim, num primeiro momento, na fase de aprendizagem, seria possvel identificar uma imitao estrita dos modelos europeus. medida que o domnio tcnico foi sendo alcanado, e a familiaridade com os instrumentos de trabalho tornando-se rotineira, a imaginao nativa e as formas de sua cultura ancestral, sutilmente, foram sendo expostas Nessa fase posterior observam-se esses elementos nas vestes, nas decoraes, nas faces dos santos, na forma de trabalhar o cabelo, o manto, a ornamentao da cabea Esse comportamento estabelece uma fase de imitao e outra de mestiagem... A fase de mestiagem marcar as esculturas com interpretaes realistas e com caractersticas tipicamente missioneiras. Imagens como a do Bispo So Nicolau e a de So Joo Batista que se conservam no Museu das Misses. Sua talha se caracteriza 19

por formas bastante simples, predominando a verticalidade do traado das roupas. So Nicolau traz uma capa com o mesmo desenho do saiote de So Joo Batista, chamando a ateno, nessas figuras, a forma como foram talhadas. O saiote representa uma pele de ovelha, chegando o artista a uma sntese quase geomtrica da forma da l. O bispo, por sua vez, traz na capa exatamente o mesmo desenho. Armindo Trevisan apresentou uma anlise alternativa dessa evoluo: A estaturia remanescente pode ser dividida em quatro grupos, as obras indubitavelmente feitas pelos mestres europeus, aquelas feitas pelos ndios seguindo cnones ditados pelos mestres, obras mistas e plsticas ndias. Alm das imagens dos santos, os ndios esculpiam retbulos, fabricavam instrumentos musicais e mveis, executavam pinturas e outros objetos necessrios liturgia. Cada povoado se especializava na fabricao de determinados itens. A reduo de So Joo Batista, por exemplo, produziu excelentes instrumentos musicais, e a de So Nicolau foi centro distribuidor de retbulos e esttuas para os povos vizinhos. Os motivos decorativos mais usados foram a flor de maracuj, simbolizando a paixo de Cristo; a palma do triunfo, a lembrar a entrada de Jesus em Jerusalm; a videira, ovinho e o cacho de uva, representaes do sangue do Redentor; o girassol, uma metfora para a alma que segue a luz divina, a folha do cardo, smbolo da penitncia e muitos outros mais. Contudo, muitos elementos nativos foram acrescentados, como a folha da alcachofra, as flores campestres e frutos como o apepu, e o milho. Em certa imagem So Miguel adornado por um cocar; uma Nossa Senhora da Conceio, no lugar do manto e da aurola na cabea, traz flores. Infelizmente os adornos preciosos que acompanhavam a estaturia, como lanas, palmas, coroas e outros, se perderam, provavelmente removidos por seu valor em metal, com o resultado de inmeros exemplares dessa vasta produo chegarem aos dias de hoje mutilados. Existia um retbulo maior com seis imagens, alm de uma de Nossa Senhora e um So Miguel dourados; sobre o tabernculo, uma pintura de Nossa Senhora, duas mesinhas com imagens de So Miguel, Santo Incio, So Rafael, So Gabriel e Santo Antnio. Ao lado do evangelho, estavam dois retbulos dourados e, em outro, tambm Santo Incio dourado, So Miguel e So Roque. Em outro altar mediano, duas imagens de Nossa Senhora e uma de Santa Brbara, todas douradas; num altar pequeno, a imagem de Santo Isidro, dourada. Nada sobrou da decorao interna das igrejas missioneiras do Rio Grande do Sul, e mesmo as igrejas se encontram todas em runas. No incio do sculo XIX ainda se podia avistar muita coisa. Entre outros viajantes que descreveram as misses em abandono progressivo, Saint-Hilaire, em sua passagem pelo estado em 1821, deixou importante testemunho escrito sobre vrias redues, j semidesertas, mas ainda com boa parte das estruturas em estado razovel, e admirou-se de sua imponncia e beleza. Depois disso as intempries e o homem branco se encarregaram de dissolver os remanescentes do antigo fausto. Muito material de construo foi reaproveitado quando a rea foi recolonizada pelo europeu/brasileiro ao longo do sculo XIX, e as esculturas que se salvaram foram parar em outras igrejas da regio ou em mos particulares. O exemplo mais importante e melhor preservado atualmente so as runas de So Miguel, mas sua igreja no na verdade tpica do estilo missioneiro, sendo porm uma majestosa exceo. Nos Sete Povos, de acordo com relatos, o estilo predominante deve ter sido similar ao das misses de Chiquitos, na Bolvia, que lograram alcanar os dias de hoje em excelente estado de conservao. 4.4.3.2.6. MINIATURAS Um campo da estaturia missioneira que ainda est espera de estudos adequados o das miniaturas, j que a crtica tem se concentrado nas imagens de grandes dimenses para a decorao de igrejas e participao em funes oficiais. As miniaturas, por outro lado, possuam uma insero bem especfica na vida religiosa comunitria e merecem uma nota parte. Abrangendo peas que vo dos 1,5 cm aos 10 cm de altura, as miniaturas se destinavam acima de tudo para a devoo privada. Muitas delas vieram da Europa e era imagens particulares dos padres viajantes, que as traziam como proteo pessoal, mas serviam tambm como imagens de culto pblico em caso de celebraes itinerantes ou quando a reduo ainda no erguera sua igreja. Muitas outras foram produzidas certamente nas oficinas das prprias redues, para os mesmos fins, e tambm para o cultivo domstico e privado da f crist. Ahlert supe que pelo menos parte dessa produo tenha se originado relativamente longe da superviso dos jesutas e sido criada nas mesmas residncias pelos 20

ndios artesos em seus dias de folga, pois revelam uma maior liberdade e simplificao formal do que as grandes imagens. Outras, de acordo com Josefina Pl, devem ter surgido no perodo imediatamente posterior retirada definitiva dos jesutas e antes do saque da regio por Fructuoso Rivera em 1828, feitas por artesos remanescentes; se por um lado no h registro documental de artesos ndios em atividade na regio no sculo XIX, a histria oral preservou tradies que do outra viso do tema. H registros de que algumas miniaturas foram criadas para a formao de prespios, e ainda sobrevivem umas poucas no Museu Mons. Estanislau Wolski que parecem pertencer a esta categoria. Tambm h relatos de que muitas miniaturas era distribudas entre os ndios como prmios por alguma tarefa cumprida ou aos vencedores de jogos e competies, dadas aos guerreiros antes de batalhas para sua proteo, trocadas como presentes entre os ndios, e toda casa guarani possua pelo menos uma pequena imagem ou altar ou capelinha porttil de devoo familiar ou individual. No sumrio de Ahlert, ... as miniaturas possuam um espao e movimento prprio. Diferentemente das imagens que compunham a decorao das igrejas, as miniaturas estendiam sua participao ao cotidiano missioneiro, representavam a presena dos santos na intimidade dos atos dirios, no domnio da introspeco, na expresso da f fora do olhar do padre, no espao em que a simulao perdia sentido e onde a crena pessoal, depositada em imagens carregadas de simbologia significativa, manifestava-se sua maneira 4.4.3.2.7. CONES PREFERENCIAIS As representaes da Virgem Maria foram as mais comuns no mundo ibero-americano, sendo a invocao mais popular a de Nossa Senhora da Conceio, como ficou relatado nas Cartas nuas dos jesutas aos seus superiores. Nelas, eles escrevem sobre uma multiplicidade de atividades que se relacionavam Virgem como a recitao do rosrio, ladainhas, procisses, festas e cnticos, formaes de congregaes marianas, romarias e novenas. Valorizada na Contra-Reforma, a venerao Virgem tornou-a mediatriz suprema de seus devotos junto a Deus. A Virgem Maria foi o primeiro cone cristo a ser integrado cultura indgena, atravs de uma iconografia que a representa como uma mulher morena. Santo Isidro, padroeiro de Madrid, foi outro santo muito representado pelo modelo de pacincia e trabalho, tendo sua imagem colocada pelos caminhos, em capelas e oratrios, levado em procisso, acompanhado de rezas e cantos em pocas de semeadura e colheita. Dentro do conjunto de maior influncia, encontramos tambm a imagem de So Miguel, representado como o comandante da milcia celeste, precipitando os anjos do mal no inferno. Outra representao sua a do juiz: o arcanjo segura a balana que pesa as almas. Em muitas imagens o santo combate o drago infernal. Torelly supe que nas esculturas missioneiras este drago, parte humano e parte figura diablica, poderia simbolizar o bandeirante paulista, inimigo e apresador de ndios. Numa estatstica geral, as imagens masculinas representam 46% do acervo catalogado, sendo os santos Antnio, Joo Batista e Isidro Lavrador os mais comuns. As imagens femininas compem 20,8% da coleo, com maior representatividade da Nossa Senhora da Conceio. Anjos somam 15,4%, animais, 1,6%, no identificadas com 3,6% e fragmentos com 12,5%. 4.4.3.2.8. MTODOS DE TRABALHO E MATERIAIS At a chegada do colonizador os nativos, que viviam em um estgio de civilizao equivalente ao Paleoltico Superior, no conheciam as tecnologias e os instrumentos para a produo desses objetos. A arte guarani baseava-se na repetio de formas tradicionais, com marcada tendncia geometrizao e estilizao, na pintura corporal, cestaria e nas cermicas de funo teraputica ou religiosa. Nas redues os ndios passaram a trabalhar com materiais e tcnicas que exigiam habilidades mais complexas, como a aplicao do dourado nas imagens e a confeco das alfaias, usando instrumentos de trabalho delicados e precisos. Todo esse aparato no existia na sua cultura ancestral, o que leva a refletir no s sobre o impacto da iconologia crist sobre o imaginrio guarani, como tambm sobre o aspecto tcnico desse impacto. E ao sentir-se valorizado pelo seu trabalho de artfice, o ndio facilitava o trabalho do evangelizador. Na primeira fase da produo os artfices guarani revelaram ser meticulosos imitadores dos modelos europeus. O padre Sepp registrou admirado a sua habilidade imitativa nos seguintes termos: O que viram uma s vez, pode-se estar convencidssimo que o imitaro. No precisam absolutamente de mestre nenhum, nem 21

de dirigentes que lhes indiquem e os esclaream sobre as regras das propores, nem mesmo de professor que lhes explique o p geomtrico. Se lhes puseres nas mos alguma figura humana ou desenho, vers da a pouco executada uma obra de arte, como na Europa no pode haver igual. No incio da criao de cada povo, os atelis funcionavam provisoriamente. Aps a construo da igreja, foram organizados no ptio interno, prximos casa dos padres. Os atelis eram centros econmicos, administrativos e socialmente autnomos, porm ligados diretamente aos padres. Funcionavam como uma corporao, seguindo o exemplo das antigas guildas medievais, e gozavam de prestgio e independncia. Os artesos passavam a integrar uma elite indgena, e o escultor de esttuas de santos era merecedor de distino tambm porque manipulava coisas sagradas. Trabalhava nas oficinas quem demonstrasse aptido e gosto para tal. No incio a orientao vinda dos padres era indispensvel, sendo necessrio ensinar desde as bases as novas tcnicas artesanais e familiarizar os ndios com uma nova percepo: passar do plano bidimensional para o plano tridimensional. Com o tempo os prprios ndios mais hbeis instruam os demais. As oficinas possuam tambm vrias gravuras e tratados de arte e arquitetura, de onde se tiravam os modelos formais para a estaturia, um mtodo fcil de difuso de iconografia catlica usado em toda a Amrica Colonial. Muitas obras foram trabalhadas coletivamente, conforme a praxe das corporaes. Mas era sempre o mestre quem procedia confeco da cabea e das mos, e determinava o cnone, a medida tomada como base para a realizao das imagens. Outros artesos podiam, ento, se encarregar das partes menos importantes, de acordo com sua habilidade. Nenhuma obra foi assinada. As mulheres no participavam das oficinas, mas realizavam outros trabalhos artesanais. Os materiais usados nos trabalhos artesanais eram encontrados na prpria regio, como o urunday ou o quebracho, rvores de excelente madeira. Para as imagens que deveriam ser policromadas e douradas, usavam o cedro e o igary. Os corantes eram extrados de plantas ou minrios locais. Da erva-matefazia-se o verde, do urucum, o vermelho, do yrybu retym, o negro. A pedra foi pouco usada na escultura, s encontrada em ornamentos de muros e fontes e fachadas de cantaria, sendo preferencial o arenito. Se as tintas, a madeira e a pedra eram encontradas no local, era necessrio importar da Europa alguns pigmentos em p, as folhas douradas e prateadas e os instrumentos para esculpir. Luersen, contudo, disse que a produo dos instrumentos de trabalho devia tambm fazer parte da educao artesanal ministrada aos ndios, mas isso no quer dizer que muitos desses instrumentos no fossem bem rsticos, o que por sua vez condicionaria a tcnica de entalhe propriamente dita, refletindo-se no estilo mais ou menos refinado de cada pea. 4.4.3.2.9. LEGADO A expulso dos jesutas impediu que tivesse continuidade a escola missioneira de escultura, e com isso ela no produziu descendncia artstica. Entretanto, o acervo iconogrfico que ainda existe dos Sete Povos uma fonte documental de incalculvel valor histrico e artstico, deixando um rico registro do intercmbio cultural entre indgenas e europeus e do impacto das concepes ocidentais sobre o ndio. O resultado desse processo, sob a forma dessas esttuas, de acordo com a viso de vrios crticos um bom representante da originalidade do multiforme Barroco hispano-americano. Para Trevisan, um dos estudiosos do tema, criou-se um barroco diferente, em certos aspectos, do barroco oficial um barroco que surpreende, nas melhores imagens, por uma certa expresso ntima, melanclica, de placidez ou singeleza. Nisso parecem concordar Beltro & Fleig, ao dizerem que no barroco missioneiro, somente nas obras reconhecidas como de jesutas, principalmente do Irmo Brasanelli e nas esculturas indgenas copiadas de modelo europeu, encontramos as contores de dor e xtase. Entretanto, quanto mais o indgena se distancia do modelo, mais encontramos feies plcidas sem o enlevo do gozo frente agonia, no conseguindo reproduzir o imaginrio artstico da Contra-Reforma. Segundo Boff, a resposta dada pelos ndios ao novo tipo de vida que foram compelidos a assumir revelou ser criativa. Se nas imagens que restam nota-se uma multiplicidade de influncias eruditas, como cnones romnicos, gticos, renascentistas e barrocos, junto so visveis claros elementos plsticos dos guaranis, por isso mesmo indicativos de um novo estilo pelas solues originais que produziram. A reao do pblico leigo diante dessas esculturas, no relato de Batista Neto, tem sido de admirao, aplaudindo principalmente a notvel capacidade de realizao dos ndios, mas o pesquisador refere que antes do que o aspecto 22

artstico, de maior interesse para as pessoas em geral o aspecto histrico. A estaturia dos Sete Povos vem percebendo seu prestgio crescer. Vrios estudos crticos especficos j se lhe foram dedicados nos ltimos anos, e a cultura das Misses como um todo j est na pauta dos acadmicos h bastante mais tempo. Teve uma seo nas importantes mostras Brasil barroco, entre cu e terra (1999/2000), em Paris, na Frana, e na Brasil+500, Mostra do Redescobrimento (2000), em So Paulo, organizada pela Fundao Bienal de So Paulo. As exposies foram suplementadas por publicaes crticas que contriburam para introduzir novas vises sobre o tema. Em Porto Alegre, o MARGS realizou, na mesma altura, uma grande e indita reunio do acervo missioneiro na capital gacha, tambm lanando um catlogo com textos e fotografias e depois levando a exposio para Buenos Aires. Em 2006 o IPHAN firmou um acordo com o Instituto Andaluz do Patrimnio Histrico, da Espanha, com os objetivos de realizar novas prospeces no stio arqueolgico de So Miguel e produzir estudos sobre a estaturia missioneira, entre outras atividades. A estaturia missioneira importante ademais por ser uma das ncoras de um movimento de resgate e releitura da histria, identidade e folclore daquela regio, em parte por impulso espontneo da populao, e em parte estimulado por acadmicos e instncias oficiais, movimento em que a figura do ndio muitas vezes magnificada pelo orgulho de uma cultura moderna local fortemente regionalista, que tenta talvez compensar ou, segundo alguns, dissimular, o estado de abandono e misria em que vivem hoje muitos dos ltimos guaranis gachos. de assinalar que no stio arqueolgico de So Miguel, o mais importante, a presena de guaranis a venderem seu artesanato nos arredores do Museu das Misses mal tolerada pelos funcionrios da casa, e no existe nenhuma iniciativa oficial para integr-los microeconomia do local. Por outro lado, j existem projetos em Santo ngelo para aproveitar a riqueza histrica e artstica das misses como ponto de partida para o estmulo produo de um artesanato nelas inspirado, e em 2004 o Ministrio da Cultura lanou o programa Identificao, Proteo e Valorizao das Referncias Culturais dos Mby-Guarani no Brasil, seguido em 2007 do livro Tava Miri So Miguel Arcanjo, Sagrada Aldeia de Pedra: os Mby-Guarani nas Misses, com o que se consolidou o reconhecimento da ligao entre as relquias materiais das misses e os atuais guaranis, fortalecendo sua identidade tnica e sua integrao sociedade brasileira. Os ndios, alis, no cotidiano de suas aldeias, fazem muitas referncias ao legado de seus ancestrais missioneiros. As imagens tambm fomentam o turismo regional, ainda que a infraestrutura da regio seja atualmente muito precria para expandir esse setor, mas j existem roteiros especialmente voltados para a visita a locais onde se preservam esttuas dos Sete Povos. Apesar de as runas de So Miguel serem hoje Patrimnio da Humanidade, do tema das misses j receber grande divulgao na mdia e gerar interesse de preservao na populao, e da estaturia missioneira ser tombada como patrimnio nacional pelo IPHAN, ela no est livre de perigos. Cerca de metade das peas conhecidas pertencem a privados, que muitas vezes obstaculizam os esforos oficiais de preservao. Boa parte dessas obras, para piorar a situao, no recebe os devidos cuidados tcnicos para que permaneam em bom estado, estando sujeitas a armazenamento, manuseio e exposio inadequados. Outras desaparecem de vista sem deixar rastro. Do inventrio realizado em 1989 pelo IPHAN, muitas imagens j constam como em local ignorado. possvel que muitas tenham cado no mercado negro de antiguidades, dado o seu alto valor. Um exemplo das consequncias da ignorncia sobre esse patrimnio foi o caso do pastor daIgreja Universal do Reino de Deus Fbio Guimares da Silva Pereira, que durante um culto em 2007 queimou duas imagens cadastradas pelo IPHAN que pertenciam a particulares, alegando que a queima de imagens uma pratica comum nos cultos da Universal. Mas garantiu no saber que elas, uma do Senhor Morto e outra de So Pedro, eram tombadas. Finalmente, preciso lembrar que a despeito de sua inegvel importncia cultural e histrica, a iniciativa missioneira em seu todo objeto de muita polmica e no est isenta de crticas, o mesmo ocorrendo com a arte produzida em seu meio. Muito j tem sido dito sobre o carter autoritrio das misses, e condena-se o processo de aculturao forada a que os ndios foram submetidos. Ainda que em geral os missionrios reconhecessem a inclinao dos ndios para a arte, especialmente a msica, e seu talento imitativo, tambm se alega insensibilidade e incompreenso dos padres em relao essncia e valor do modo de vida e pensamento indgena, e nisso corroboram relatos dos prprios jesutas, que muitas vezes descreviam os nativos com palavras bastante depreciativas. Para o padre Altamirano, o ndio era o animal mais singular e indomvel que Deus havia posto no mundo; para o padre Cardiel os ndios menos estpidos tinham apenas breves intervalos de conscincia, e o clebre padre Sepp no fazia por menos, dizendo que os reduzidos eram 23

estpidos, broncos, bronqussimos para todos os assuntos espirituais. E demorou tempo para que os silvcolas fossem reconhecidos pela Igreja como seres dotados de razo e aptos para receber os Sacramentos. Por tudo isso, e visto que seus cnones estticos, significados simblicos e tcnicas artesanais foram todos impostos pelo europeu, para vrios autores a escultura missioneira no geral no possui um estilo realmente prprio nem qualidade plstica superlativa, e no deveria ser considerada, como outros fazem, uma original co-produo padre-ndio; para aqueles, a escultura missioneira apenas uma imitao mecnica, mais ou menos bem sucedida, da torutica europeia erudita, nada ou muito pouco mostrando de originalidade nativa autntica e no mais das vezes se revelando uma imitao bem tosca de seus modelos 4.4.4. A TALHA DOURADA E O MOBILIRIO ESCULPIDO Acompanhando o desenvolvimento da estaturia, a talha dourada tambm chegou a um alto nvel de complexidade e refinamento, e permanece preservada in situ em uma profuso de templos coloniais. Dentre as inmeras igrejas brasileiras afamadas por sua riqussima decorao esculpida esto a Igreja de So Francisco, em Salvador, a Capela Dourada e a Baslica de Nossa Senhora do Carmo, em Recife, o Mosteiro de So Bento e oConvento de So Francisco em Olinda, o Mosteiro de So Bento, no Rio de Janeiro, e uma srie de igrejas de Minas Gerais, especialmente a de Nossa Senhora do em Sabar e a Igreja de So Francisco em Ouro Preto, todas profusamente ornamentados, um patrimnio do mais alto valor que em parte foi tombado pela UNESCO. Tambm o mobilirio entalhado se disseminou e atingiu um nvel de excelncia em cadeiras, mesas, oratrios, arcazes, armrios e bancadas, tanto para uso privado e secular como para provimento de conventos e sacristias. 4.4.5. SCULO XIX 4.4.5.1. CENTROS DO BARROCO TARDIO Aleijadinho morreu em 1814, e com ele uma era, mas a tradio barroca, em descompasso com o que acontecia na Europa e mesmo no centro do pas, perpetuou-se no Brasil at o incio do sculo XX em vilarejos isolados alheios ao movimentos progressistas, e prosseguiu com certa fora especialmente na Bahia, mas tambm no Rio Grande do Sul, Gois e