Monografia completa

55
CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ACERCA DA LIBERDADE RELIGIOSA 1. LIBERDADE: CONCEITO JURÍDICO Antes de se adentrar, mais especificamente, na seara da liberdade religiosa, cumpre considerar, resumidamente e de forma introdutória, a liberdade em seu sentido mais amplo, que, diga-se de passagem, tem sido objeto de estudo dos jurisfilósofos e uma constante preocupação para a humanidade. O homem sempre a desejou e lutou, ardentemente, por esse bem jurídico. Mas, afinal, em que consiste? Segundo DE PLÁCIDO E SILVA, o vocábulo liberdade vem do "latim libertas, de líber (livre), indicando, genericamente, a condição de livre ou estado de livre, significa, no conceito jurídico, a faculdade ou poder outorgado à pessoa, para que possa agir, segundo sua própria determinação, respeitadas, entanto, as regras legais instituídas" 1 MARIA HELENA DINÏZ conceitua a liberdade individual, no âmbito do Direito Constitucional, como "aquela que todos os cidadãos têm de não sofrerem restrições no exercício de seus direitos, salvo nos casos determinados por lei” 2 1 "A liberdade, pois, exprime a faculdade de se fazer ou não fazer o que se quer, de pensar como se entende, de ir e vir a qualquer atividade, tudo conforme a livre determinação da pessoa, quando não haja regra proibitiva para a prática do ato, ou não se institua princípio restritivo ao exercício da atividade. " (DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico, vol. III, 10 a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 84.) 2 MARIA HELENA DINIZ, Dicionário jurídico, vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1998, 1

Transcript of Monografia completa

Page 1: Monografia completa

CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ACERCA DA LIBERDADE RELIGIOSA

1. LIBERDADE: CONCEITO JURÍDICO

Antes de se adentrar, mais especificamente, na seara da liberdade religiosa,

cumpre considerar, resumidamente e de forma introdutória, a liberdade em seu sentido

mais amplo, que, diga-se de passagem, tem sido objeto de estudo dos jurisfilósofos e

uma constante preocupação para a humanidade. O homem sempre a desejou e lutou,

ardentemente, por esse bem jurídico. Mas, afinal, em que consiste?

Segundo DE PLÁCIDO E SILVA, o vocábulo liberdade vem do "latim libertas, de

líber (livre), indicando, genericamente, a condição de livre ou estado de livre, significa,

no conceito jurídico, a faculdade ou poder outorgado à pessoa, para que possa agir,

segundo sua própria determinação, respeitadas, entanto, as regras legais instituídas"1

MARIA HELENA DINÏZ conceitua a liberdade individual, no âmbito do Direito

Constitucional, como "aquela que todos os cidadãos têm de não sofrerem restrições no

exercício de seus direitos, salvo nos casos determinados por lei”2

No caput do art. 5° da CF/88, a liberdade, em sentido lato, se apresenta como

um direito fundamental inviolável. Já os incisos desse dispositivo apresentam as mais

variadas formas de liberdade ou vertentes. Assim como a luz branca, ao passar por um

prisma, é decomposta nas cores do arco-íris, a liberdade - do caputáo art. 5° - é

decomposta nas suas formas de liberdade e apresentada nos incisos que seguem.

A liberdade é, também, um princípio Constitucional inserto no preâmbulo e no

art. 3°, inciso I, da CF/88.3 Já no art. 5°, caput, a liberdade é apresentada como um

1 "A liberdade, pois, exprime a faculdade de se fazer ou não fazer o que se quer, de pensar como se entende, de ir e vir a qualquer atividade, tudo conforme a livre determinação da pessoa, quando não haja regra proibitiva para a prática do ato, ou não se institua princípio restritivo ao exercício da atividade. " (DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico, vol. III, 10a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 84.)

2 MARIA HELENA DINIZ, Dicionário jurídico, vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 1213 Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma

1

Page 2: Monografia completa

direito, conquanto esse dispositivo Constitucional abre o capítulo "dos direitos e

deveres individuais e coletivos". Destarte, a liberdade é, ao mesmo tempo, um direito e

um princípio recepcionado pelo constitucionalismo pátrio.

2. CONCEITO E ORIGEM DA LIBERDADE RELIGIOSA

Segundo Pinto Ferreira, “ a liberdade Religiosa é o direito que tem o homem de

adorar a seu Deus, de acordo com a sua crença e o seu culto”.4 Em outras palavras,

poder-se-ia dizer que esse direito confere ao homem possibilidade de adorar a Deus,

conforme a sua própria consciência.

A liberdade religiosa é um direito humano fundamental, consagrado nas

Constituições dos paises democráticos, bem como por diversos Tratados Internacionais.

Trata-se, portanto, de uma liberdade pública ou, se se preferir, de uma prerrogativa

individual, em face do poder estatal.

A doutrina espanhola concebe a liberdade religiosa como um princípio. Assim,

propugna RAMÓN SORIANO:

“Son numerosos los trabajos sobre el tema de Ia libertad religiosa: Ia libertad

religiosa - se dice - es el principio jurídico fundamental que regula las

relaciones entre el Estado y Ia Iglesia en consonância con el derecho

fundamental de los indivíduos y de los grupos a sostener, defender y propagar

sus creencias religiosas. De manera que el resto de los princípios, derechos y

libertades en matéria religiosa son coadjuvantes e solidários del principio bási-

co de Ia libertad religiosa.”5

Note-se que a liberdade religiosa se apresenta como um princípio

Constitucional, além de ser um direito fundamental do homem. Devido a sua

complexidade e ao seu caráter interdisciplinar, o estudo dessa liberdade pública não se

sociedade livre, justa e solidária;4 PINTO FERREIRA, Curso de direito constitucional 9a ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 1025 RAMÓN SORIANO, Las Libertades Públicas, Madri: Tecnos, 1990, p. 61

2

Page 3: Monografia completa

deve restringir às ciências jurídicas, mas, sim, expandir-se aos objetos da história, da

filosofia e da teologia. Assim sendo, o aprofundamento desse vastíssimo e complexo

tema não pode prescindir de algumas incursões, quando necessárias, nos referidos

campos do conhecimento humano. Além do mais, não convém ficar adstrito, no estudo

da liberdade religiosa, exclusivamente ao Direito Constitucional; há que se explorar

outras searas das ciências jurídicas, abarcando o Direito Administrativo, o Direito Penal,

o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito Tributário, o Direito Previdenciário, o

Direito Ambiental, o Direito das Gentes, o próprio Direito Constitucional Internacional

e obviamente, os Direitos Humanos. Essa polifacetariedade resulta, em parte, da colisão

do direito à liberdade religiosa com outros direitos fundamentais, como tentaremos

enfocar.

Segundo UADI LAMMÊGO BULOS, a liberdade religiosa é um direito de primeira

geração, com origem no final do sec. XVII.6 Desta forma, sendo um direito de primeira

geração, a liberdade Religiosa impõe, precipuamente, ao Estado, na Lição de CELSO

RIBEIRO BASTOS, “um dever de não fazer, de não-atuar, de abster-se, enfim, naquelas

áreas reservadas ao indivíduo”.7

Trata-se, portanto, de uma prerrogativa individual oponível ao Estado. É certo,

porém, que o Estado tem, ainda, em alguns casos, obrigações positivas de fazer ou de

atuar. Em que pese a liberdade religiosa, cabe ao Estado, além de uma obrigação

negativa, o dever de proteger esse direito, em face de eventuais violações por parte de

particulares, e, até mesmo, por parte de autoridades (políticas e judiciárias), servidores,

empregados ou agentes públicos (da administração direta ou indireta).8

Seria inconcebível ou até mesmo uma irrisão, se a consagração Constitucional

do direito à liberdade religiosa se restringisse a uma mera delimitação da atuação lícita

dos poderes públicos, impedindo a sua ingerência na esfera individual, e, ao mesmo

6 UADI LAMMÊGO BULOS, Constituição Federal Anotada, 2a ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 66. Sobre as gerações de direitos fundamentais: Cf. paulo bonavides, Curso de direito constitucional, 8a ed., São Paulo: Malheiros, 1990, pp. 516-523. Contudo, a doutrina não é unânime quanto a essa classificação.

7 CELSO RIBEIRO BASTOS, Manual de Direito Constitucional, 21a ed., São Paulo: Saraiva, p. 32.

8 "O maior problema dos direitos humanos, hoje, não é mais o de fundamentá-los, e, sim, de protegê-los." (norberto bobbio, A Era dos Direitos, 11a ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 25.)

3

Page 4: Monografia completa

tempo, permitisse que esse direito fosse constantemente cerceado por indivíduos em

geral, até mesmo, por atos emanados dos três Poderes (Executivo, Legislativo e

Judiciário).

Nesse diapasão, assinala JORGE MIRANDA:

"A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor

qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinada crença.

Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir

determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (em

matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis”.9

Cabe, portanto, uma obrigação positiva ao Estado de imgedir as eventuais

violações ao direito de religião. Cabe, também, ao Leviatã viabilizar o exercício das

diferentes religiões. É dizer: normalmente o Estado deve-se manter neutro, em face da

religiosidade, até mesmo em decorrência do princípio da separação entre a Igreja e o

Estado. Entretanto deve atuar, impedindo violações, através do poder de polícia e de

uma adequada e eficiente prestação jurisdicional. Essa prestação jurisdicional, no caso

em tela, se dá, através da provocação do Poder Judiciário, principalmente com o

exercício das garantias Constitucionais, como, v.g., Mandado de Segurança e Mandado

de Injunção, e, também, através do controle, concentrado e difuso, da

constitucionalidade das leis.

Crístalinamente, o art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos impõe

que:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este

direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de

manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela

observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.10

No lúcido entender de PONTES DE MIRANDA, a liberdade de religião “especializa

a liberdade de pensamento, pois que a vê somente no que concerne à religião”11

9 JORGE MIRANDA, Manual de direito constitucional, 3a ed., t. IV, Coimbra editora, 2000, p. 409.10 http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm acessado em 31/05/2010

11 de miranda, Comentários à Constituição de 1946, t. IV, p. 444.

4

Page 5: Monografia completa

Temos, desse modo, que a liberdade religiosa é uma especialização da liberdade de

pensamento, tomada no sentido amplo (lato sensu). A liberdade religiosa é, portanto,

uma espécie da qual a liberdade de pensamento é género. É uma vertente da liberdade

de pensamento, como dissemos em outra parte.

CELSO RIBEIRO BASTOS pontua:

“A liberdade religiosa consiste na livre escolha pelo indivíduo da sua religião.

No entanto, ela não se esgota nesta fé ou crença. Ela demanda uma prática

religiosa ou culto como um de seus elementos fundamentais, do que resulta

também inclusa, na Uberdade religiosa, a possibilidade de organização desses

mesmos cultos, o que dá lugar às igrejas. Este último elemento é muito

importante, visto que da necessidade de assegurar a livre organização dos cul-

tos surge o inevitável problema da relação destes com o Estado.”12

Desta forma, a liberdade religiosa é um direito fundamental catalogado no pacto

social pátrio, e não é só, repita-se, é também um dos princípios Constitucionais

consagrados na Carta Magna e no constitucionalismo de diversos países, a exemplo dos

Estados Unidos.

Algumas vertentes surgem neste respectivo direito, no qual o constitucionalista,

JOSÉ AFONSO DA SILVA, ensina que a liberdade religiosa compreende três formas de

expressão: “a)a liberdade de crença; b)a liberdade de culto; e c) a liberdade de

organização religiosa”, ponderando que, “Na liberdade de crença entra a liberdade de

escolha de religião, a liberdade de aderir a qualquer denominação religiosa, a

liberdade (ou direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de

não aderir a crença alguma, assim como a liberdade de descrença. A liberdade de ser

ateu e de exprimir o agnosticismo.”13

12 CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA MARTINS, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 48

13 JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª Ed., São Paulo

5

Page 6: Monografia completa

4. CARACTERÍSTICAS DA LIBERDADE RELIGIOSA

É importante, em sede de liberdade religiosa, não se perderem de vista as

características fundamentais relativas aos direitos humanos.14 Não seria razoável

analisar o direito à liberdade religiosa de forma isolada. Além do mais, inúmeras

considerações interessantes podem ser feitas nesse sentido, principalmente em relação à

interdependência e complementariedade dos direitos humanos.

A Declaração de Viena, de 1993, propõe em seu § 5°, que os direitos humanos

são universais, indivisíveis, independentes e inter-relacionados.15 Assim sendo,

merecem um tratamento glabalizante por parte da comunidade internacional. Ou seja, os

direitos humanos não podem ser tratados como se fossem independentes e isolados uns

dos outros. Logicamente existe uma evidente interdependência e complementariedade

entre o direito a liberdade religiosa e outros direitos igualmente importantes.

Evidentemente, o direito à religião não pode excluir outros de igual importância, como,

v.g., os direitos sociais.

O direito (valor) à vida, consagrado no caput do art. 5° da CF, não deixa de

estar relacionado com o direito à liberdade de crença, pois todo cidadão, em tese, tem

direito à vida digna, a despeito de sua fé ou crença religiosa. Nota-se uma natural

interdependência entre o direito à vida e à liberdade de religião. No passado,

especialmente no período inquisitorial, o direito à vida era subtraído, sob algumas

circunstâncias, daqueles que professavam heterodoxia, no tocante à religião oficial do

Estado.

Segundo ALEXANDRE DE MORAES, “O direito humano fundamental à vida deve

ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a condição humana, ou

14 As características dos direitos humanos são a universalidade, a indivisibilidade, a complementariedade e a interdependência. Fala-se, ainda, em iraprescritibilidade, inalienabilidade, iiTenunciabilidade, Inviolabilidade e efetivídade (ALEXANDRE DE MORAES, Direitos Humanos Fundamentais, 2aed., São Paulo: Atlas, 1998, p. 41)

15 A Declaração de Viena de 25 de junho de 1993 dispõe em seu § 5°: “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de maneira justa e equânime, com os mesmos parâmetros e com a mesma ênfase.”

6

Page 7: Monografia completa

seja, direito à alimentação, vestuário, assistência médico-odontológica, educação,

cultura, lazer e demais condições vitais.”16

Conjugando-se o direto à vida, conforme o entendimento supra citado, com o

direito à liberdade religiosa e com o princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana, espera-se do Estado a obrigação de proporcionar uma condição de vida digna a

todos, sem discriminação religiosa. Tendo em conta a complementariedade desses

direitos (vida e liberdade religiasa), é cediço que ninguém pode ser privado do direito à

vida, entendida, aqui, no sentido lato sensu; vida plena e abundante, por professar essa

ou aquela religião. Destarte, independentemente da religião, a Constituição garante ao

cidadão os direitos sociais ao trabalho, classificados pela doutrina como sendo os de

segunda geração. Significa dizer que qualquer um tem o direito de manter a sua crença

pessoal, e não ser, por isso, discriminado no campo social ou laboral.

FUNDAMENTOS JURIDICOS DA LIBERDADE RELIGIOSA

Os fundamentos da liberdade religiosa, podem ser divididos, didaticamente, em

morais (metafísicos) e jurídicos. Não é o objetivo neste trabalho nos debruçarmos em

uma linha moral e teológica, onde por este motivo, nosso foco será o mais jurídico

possível, interdiciplinando o tema na medida do necessário.

Já ficou consignado que a liberdade religiosa, concomitantemente, é um

princípio e um direito expresso nas Constituições dos Estados democráticos e

consagrado por vários tratados e convenções internacionais. Sem embargo, esse direito

prescinde de qualquer outra justificativa jurídica, ética ou moral. Cabe, nesse momento,

ressaltar a lúcida advertência de NORBERTO BOBEIO de que o maior problema dos

direitos humanos, hoje, não é mais o de fundamentá-los, e, sim, de protegê-los.17 Daí, à

guisa de uma melhor compreensão do tema, elencaremos alguns fundamentos válidos,

justificantes da tutela do direito à liberdade religiosa.

16 ALEXANDRE DE MORAIS, Direitos Humanos Fundamentais, 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 1998, p.8717 NORBERTO BOBBIO, A Era dos Direitos, 11a ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 25

7

Page 8: Monografia completa

Os fundamentos jurídicos, segundo uma corrente majoritária, consubstanciam-se

em: 1) o ser humano como uma pessoa; 2) O Estado é uma organização que deve

defender os interesses pessoais; e 3) O Estado não pode interferir nos direitos

individuais.

Sobre o último aspecto podemos mencionar KARL LOEWENSTEIN, de forma elucidativa:

"Entre todos los límites impuestos al poder del Estado se considera que el más

eficaz es el reconocimiento jurídico de determinados âmbitos de

autodetenninación individual en los que el Leviatán no puede penetrar. El

acceso a estas zonas prohibidas está cerrado a todas los detentadores del

poder, al gobierno, al parlamento y, dado que los derechos fundamentales son

inalienables, también al electorado. Estas esferas privadas, dentro de las cuales

los destinatários del poder están libres de la intervención estatal, coinciden con

lo que se ha venido a llamar desde hace trescientos anos los “derechos del

hombre” o “libertades fundamentale”18.

7. LIMITAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA

ALEXANDRE DE MORAES ensina:

“Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro

escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para

afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob

pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”, (...) “Os

direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto,

não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente

consagrados pela Carta Magna”.19

Propõe, ainda, que:

... “quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o

intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização,

18 KARL LOEWENSTEIN, Teoria de Ia Constitucïón, Editorial Ariel, Barcelona, vol. II, p. 39019 ALEXANDRE DE MORAES, Direitos Humanos Fundamentais, 2a ed., São Paulo: Atlas, 1998, p. 46.

8

Page 9: Monografia completa

de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício

total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional de âmbito de

alcance de cada qual (contradição de princípios), sempre em busca do verdadeiro

significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades

precipuas.”20

Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal endossa a relativização dos direitos

fundamentais, afirmando que um direito individual não pode servir de salvaguarda de

práticas ilícitas (RT, 709/418). De igual teor é o entendimento do Superior Tribunal de

Justiça.

A liberdade religiosa, como qualquer outro direito humano, não pode servir de

escudo protetivo, para dar guarida a atividades ilícitas ou atos que atentem contra a

incolumidade pública, a moral e os bons costumes. A liberdade religiosa não é um

direito absoluto. Existe uma relativização, um limite à liberdade religiosa. Dissertando

sobre a relatividade do direito à liberdade religiosa, afirmam CELSO RIBEIRO BASTOS e

IVES GANDRA MARTINS:

“O campo religioso, além de ser, por excelência, o das faculdades mais altas do ser

humano, campo de realização dos anseios mais profundos da alma humana, é também

espaço invadido por impostores, falsos profetas, que desnaturam esta atividade

movidos por toda sorte de vícios. O Estado não pode pois deixar de estar alerta para

coibir estas falsas expressões de religiosidade.”21

Acrescentam que a inviolabilidade do direito à liberdade religiosa, prevista no

art. 5°, inciso VI, está condicionada à ordem pública, que, embora omitida nessa norma,

há de ser observada, com o fim de “não prejudicar igual direito de outrem, e não ferir

os valores ético-morais, estruturantes de uma sociedade.”22 Portanto, com razão, ao

20 ALEXANDRE DE MORAES. Idem, pp. 46-4721 CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA MARTINS, Comentários à Constituição do Brasil:

promulgada em 5 de outubro de 1988, vol 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 52.22 CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA MARTINS. Idem, ibidem

9

Page 10: Monografia completa

falar sobre o direito à liberdade religiosa, compreendemos a religião num sentido geral e

amplo. Compreende todas as religiões, desde que permitidas e compatíveis com as

normas comuns do Estado. Não há necessidade de registro. Só não podem ser religiães

aéticas, imorais e incitadoras do suicídio, de maus costumes, do sacrifício de pessoas

que instiguem a violência, etc.

Frequentemente, o fanatismo religioso tem-se manifestado na forma em que se

poderia denominar de "Terrorismo Religioso". Múltiplas formas de fanatismo religioso,

que atuam de forma danosa, merecem o repúdio da sociedade, bem como a interferência

estatal, no sentido de coibi-las. A título de exemplo, poder-se-iam citar, como exemplos,

o suicídio coletivo de 913 pessoas ocorrido na Guiana sob o induzimento de Jim Jones

(1978), o confronto de Waco, entre os seguidores de David Koresh e o FBI (1993), no

qual se deu a morte de 72 adeptos, também o ataque com gás sarin, no metro de Tóquio,

ocorrido no ano de 1995e, mais recentemente o ataque as torres gêmeas em Nova York

no famoso 11 de setembro.

Resta determinar, entretanto, em que medida o direito à liberdade religiosa pode

ser limitado ou relativizado pelo Estado. Essa questão será discutida ao longo do

trabalho. Os limites no exercício desse direito são um aspecto de suma importância.

Incorre-se no risco de se errar tanto para menor como para maior. O excesso poderá

levar ao cerceamento à liberdade religiosa. Ao contrário, a lassidão - inércia estatal -

favorece os abusos. Verbi gratia, terrorismo religioso e outras práticas criminosas.

Pode-se concluir que a liberdade religiosa não é absoluta. Não é uma ilimitada liberdade

em relação ao Estado ou a Deus, porquanto todos devem respeitar o Estado

Democrático de Direito e, ao final, prestar contas a Deus.

10

Page 11: Monografia completa

11

Page 12: Monografia completa

A LIBERDADE RELIGIOSA NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

1.Antecedentes históricos

Brasil República

Rui Barbosa teve um papel fundamental na separação entre a Igreja e o Estado e

também na promoção da liberdade religiosa. O sistema republicano emergente não mais

podia conviver com as restrições à liberdade religiosa, especialmente no que se referia

ao culto religioso. Nenhuma forma de intolerância se coadunava com o novo ideal

republicano. A liberdade de pensamento ou de consciência era de pouca valia, quando

se restringia à exteriorização dessas faculdades.

No dizer de JOSÉ AFONSO DA SILVA: “A República principiou estabelecendo a

liberdade religiosa com a separação da Igreja do Estado. Isso se deu antes da

constitucionalização do novo regime, com o Decreto n. 119-A, de 1890, da lavra de Ruy

Barbosa, expedido pelo governo provisório”,23

A constitucionalização do novo regime republicano consolidou, através da Constituição

de 1891, a separação entre a Igreja e o Estado, fazendo do Brasil um Estado laico.

Doravante, todas as religiões passariam a contar com o respeito e a proteção do Estado,

havendo liberdade de crença e de culto.

Conforme JOSÉ AFONSO DA SILVA: "A Constituição de 1891 consolidou essa

separação e os princípios básicos da liberdade religiosa (arts. 11, § 2°; 72, §§ 3° a 7°;

28 e 29). Assim, o Estado brasileiro se tornou laico, admitindo e respeitando todas as

vocações religiosas. O Decreto n. 119-A/1890 reconheceu a personalidade jurídica a

todas as igrejas e confissões religiosas".24

2. Liberdade Religiosa Na Constituição De 1988

A Carta Magna de 1988 consagra, como se verá, o direito à liberdade religiosa, em

consonância com os valores supremos e os objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil. O princípio da separação entre a Igreja e o Estado é reafirmado.

Portanto, o Estado continua laico. As vedações constitucionais do art. 19, inciso I,

refletem o caráter laicista do Estado brasileiro.23 JOSÉ AFONSO DA SILVA. Op, cit., p. 244.24 JOSÉ AFONSO DA SILVA. Op, cit., p. 245

12

Page 13: Monografia completa

Assim dispõe o art. 19 da CF/88, in verbis:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o

funcionamento ou manter com eles ou representantes relações de dependência ou

aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

II - recusar fé aos documentos públicos;

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Disto se deflui que o Estado laicista não pode favorecer uma religião, em

detrimento de outras. O tratamento dado às igrejas deve ser igual, mantendo-se a

isonomia. Não pode subvencionar as religiões e também não pode legislar sobre matéria

religiosa. Isto não impede, entretanto, que a Igreja e o Estado possam ser parceiros em

obras sociais e de interesse público.

2.1. Preâmbulo da Constituição

A Constituição brasileira de 1988 consagra a liberdade como um direito e um

princípio fundamental. Já, no preâmbulo25 da Magna Carta, se encontra a liberdade entre

os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito.

ALEXANDRE MORAIS ensina que o preâmbulo constitui “um breve prólogo da

Constituição e apresenta dois objetivos básicos: explicar o fundamento da legitimidade

da nova ordem constitucional; e explicar as grandes finalidades da nova Constituição”.

Assim sendo, o preâmbulo apresenta uma linha mestra, uma fonte interpretativa, por

traçar as diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas da Constituição.26

Ora, uma sociedade fraterna, justa e pluralista, nos termos do preâmbulo

Constitucional, só pode subsistir com liberdade, inclusive liberdade religiosa.

25 PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988:Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um

Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

26 ALEXANDRE DE MORAES, Direitos Humanos Fundamentais, 2a ed., São Paulo: Atlas, 1998, p. 57

13

Page 14: Monografia completa

Consequentemente, essa sociedade deve ser tolerante, em relação às diferentes

confissões religiosas, senão deixa de ser pluralista, e não terá a liberdade como valor

supremo. Portanto, a tolerância é fundamental para a manutenção de uma sociedade

fraterna, justa e pluralista. É dizer, subtraindo-se a liberdade, não há que se falar em

justiça, fraternidade e pluralismo. Disto deflui, também, que a liberdade religiosa é um

componente importante da sociedade brasileira, que pretende ser fraterna, justa e

pluralista.

2.2 Estado democrático de direito e a liberdade religiosa

O art 1° da CF, dispõe, in verbis:

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados

e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e

tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

A liberdade religiosa, no Brasil, tem o amparo do Estado Democrático de

Direito, uma vez que a República é constituída como tal, conforme o art. 1°, caput, da

CF. Dentre os fundamentos elencados nesse dispositivo Constitucional, encontram-se a

cidadania e a dignidade da pessoa humana.

A cidadania tem um papel fundamental em sede de direitos humanos, o que não

difere especificamente, em relação à liberdade religiosa. Além disso, a relação da

cidadania com os direitos humanos pode ser facilmente compreendidapartindo da idéia

que sem cidadania, nenhum direito humano pode ser adequadamente tutelado.

A dignidade da pessoa humana apresenta-se como um princípio importante em

sede de liberdade religiosa, uma vez que o cerceamento à liberdade constitui,

14

Page 15: Monografia completa

indubitavelmente, um duro golpe à dignidade humana. O homem, destituído de

liberdade, tem, logicamente, sua dignidade abalada.

O Estado Democrático favorece, de uma forma geral, esta proteção aos direitos

humanos, no qual a a CF de 1988, por sua vez, representou um grande avanço na

proteção dos direitos humanos no Brasil. Neste sentido, a Constituição de 1988 constitui

o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos

no Brasil. O texto de 1988 empresta aos direitos e garantias ênfase extraordinária,

situando-se como o documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre a

matéria, na história constitucional do pais. Obviamente a liberdade religiosa foi

grandemente favorecida, porquanto está no rol dos direitos humanos tutelados pela

Constituição Cidadã.

2.3. Liberdade religiosa no caput do art 5°

Dispõe o art. 5°, caput, da CF/88, in verbis:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nós termos seguintes:”

O dispositivo em tela consagra o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade. A proteção que é dada a esses direitos é extensiva a todos aqueles que

estejam sujeitos ao ordenamento jurídico brasileiro, quer sejam nacionais ou

estrangeiros, aliás, como corolário do direito à igualdade, embutido nesse mesmo

dispositivo.27

O caput do art. 5° da CF/88 consubstancia-se em uma norma principiológica,

porquanto estão elencados, nesse dispositivo, importantes princípios; alguns deles são

verdadeiramente princípios gerais de direito, como, por exemplo, a liberdade. A

doutrina ainda enumera, como princípios gerais de direito, os princípios da justiça, da

igualdade e da dignidade da pessoa humana.

27 Cf. Celso Ribeiro Bastos & Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, vol, 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 4.

15

Page 16: Monografia completa

Liberdade religiosa - inciso VI

O inciso VI do art. 5° da CF dispõe, in verbis:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre

exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de

culto e a suas liturgias;

A norma Constitucional, sob comento, diz ser inviolável a liberdade de

consciência e de crença.

Vale a pena salientar o que vem a ser a liberdade de consciência e de crença,

esboçada por JOSÉ CRETELLA JÚNIOR. Segundo esse constitucionalista, a liberdade de

consciência se equipara à liberdade de crença, pois ambas se referem a questões internas

do ser humano - de foro íntimo, que não necessitam, necessariamente, de exteriorização,

na forma de culto ou rito. Segundo ele; “pode, assim, haver culto sem fé ou crença,

como pode haver crença ou fé sem culto.”28

Por outro lado, a liberdade de consciência e a de crença não se confundem entre

si, pois a consciência pode significar a inexistência de crença, como é o caso de

agnósticos e ateus, conforme a precisa lição de CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES

GANDRA Martins. Destarte, a liberdade de consciência estará a proteger aqueles que não

crêem. Para CRETELLA: “A consciência é sempre livre e a liberdade de consciência não

necessita de proteção constitucional ou legal O direito não se preocupa com os atos

internos ou intransitivos do homem, que, aliás, não perturbam nenhuma pessoa, nem a

ordem jurídica. O constituinte teria, então, segundo ele, confundido consciência com

projeção da consciência no mundo externo.”29

Em sentido contrário, propugnam CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA

MARTINS, no sentido de que, “à primeira vista, o problema da liberdade do espírito ou

do pensamento não se colocaria no plano jurídico, por ocorrer no foro íntimo de cada

28 José Cretella Júnior, Comentários à Constituição de 1988, vol. 2, pp. 216-21829 José Cretella Júnior, Comentários à Constituição de 1988, p. 216.

16

Page 17: Monografia completa

um. É conhecida a frase de futuro: ‘Os pensamentos não pagam tarifas alfandegárias’.

Tal linha de raciocínio, todavia, não resiste a uma análise mais acurada"30.

Segundo os doutos professores e constitucionalistas, as condições sociais,

econômicas, históricas e culturais exercem, indubitavelmente, influência sobre o

pensamento individual.

Podemos inferir, então, que a consciência pode ser manipulada, condicionada,

ou até mesmo violada, justamente pêlos fatores externos já mencionados. Assim sendo,

a consciência religiosa ou a crença necessitam da proteção estatal e, nos termos da

CF/88, são invioláveis.

Não é difícil imaginar possíveis situações em que as liberdades de consciência e

de crença poderiam ser violadas pelo poder Estatal ou por particulares através do

condicionamento da consciência, pelo cerceamento de um direito de segunda geração,

ou, mais especificamente, de algum bem da vida, como por exemplo, um emprego

público, a educação, a saúde ou até mesmo a própria vida. Em relação à vida, já foi

demostrada na história, a existência de conversões forçadas, como as que ocorreram nas

Inquisições e na Segunda Guerra Mundial. Da mesma forma, é possível que um

emprego seja renegado, em face de um preconceito religioso, ou através da imposição

de uma condição inaceitável do ponto de vista religioso - que viole, profundamente, a

convicção pessoal.

É certo que essa inviolabilidade prevista no art. 5°, inciso VI, da CF/88 não é

absoluta, porquanto o direito à liberdade religiosa não é absoluto. Esse direito, portanto,

deve amoldar-se à ordem pública e aos bons costumes, como previam as Constituições

de 1946 e de 1967, quer por implicitude, conquanto é “pressuposto de todo direito não

prejudicar igual direito de outrem”31 ou, até mesmo, por força da incorporação do trata-

do de São José da Costa Rica .

30 Celso Ribeiro Bastos & Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 48.

31 Celso Ribeiro Bastos & Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 52.

17

Page 18: Monografia completa

Afirma, ainda, o inciso VI do art. 5°, in fine, da CF/88, ser assegurado o livre exercício

dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a protecão aos locais de culto e as suas

liturgias. O constituinte pretendeu, sem dúvida alguma, garantir a liberdade de culto.

Em consonância com esse propósito, a lei infraconstitucional, a saber, o art. 208

do CP tipificou o crime de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele

relativo.

Assim dispõe o art. 208 do CP, in verbis:

Art. 208 Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função

religiosa; impedir ou perturbar cerimonia ou prática de culto religioso;

vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:

Pena - detenção, de l (um) mês a l (um) ano, ou multa.

Parágrafo único. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço,

sem prejuízo da correspondente à violência.

Ao tipificar as três condutas elencadas no caput do art. 208 do CP, o legislador

pretendeu proteger a liberdade de crença, os cultos religiosos e suas liturgias, garantindo

a eficácia do art. 5°, inciso VI, da CF/88.0 art. 208 trata de crimes de intolerância, que

serão obordados no momento oportuno.

Assistência religiosa - inciso VII

Assim dispõe o art. 5°, inciso VII, in verbis: “é assegurada, nos termos da lei, a

prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação

coletiva;”

Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA: “É assegurada, nos termos da lei, a prestação

de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva (Forças

Armadas, penitenciárias, casas de detencão, casas de internação de menores etc.)”32

Essa norma Constitucional contempla a assistência religiosa em entidades de

internação coletiva, tais como hospitais e presídios.

32 JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª Ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p.245

18

Page 19: Monografia completa

A Lei n. 6.923/81 regulamenta a assistência religiosa nas forças armadas. A

matéria também se encontra regulamentada no art. 124, inciso XIV, do Estatuto da

Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90.33 O ECA preconiza, assim, o direito do

adolescente privado de liberdade de receber assistência religiosa, conforme a sua crença

e se assim o desejar.

Assim como no inciso VII, temos também também outrpos dispositivos que

dispoem desta assistencia, como é o caso na execução penal, onde a assistência religiosa

deve ser oferecida de forma facultativa, e não compulsória. A assistência religiosa é um

direito do condenado não atingido pela condenação penal, conforme o art. 3° da LEP e o

art. 38 do CP. O preso, portanto, continua dispondo de todos os direitos inerentes à

pessoa humana, inclusive a liberdade religiosa. Tem ele, ainda, direito à assistência

religiosa compatível com as suas convicções.

Assim dispõe o art. 24 da Lei n. 7.210/84, Lei de Execução Penal:

Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos

internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no

estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.

§ 1° No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos.

§ 2° Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade

religiosa.

A Lei de Execução Penal, no dispositivo acima deixa claro que a assistência religiosa

não é obrigatória para o preso, devendo, ainda, ser compatível com a sua confissão

religiosa.

Aqui reside um ponto altamente favorável à religião, que é a transformação, para

melhor, do ser humano. Esta é uma grande evidência do poder transformador do

evangelho, porquanto, quando tudo mais fracassa, a palavra de Deus é capaz de

pacificar corações quebrantados, angustiados e rebeldes. Restaura-se, assim, um espírito

manso e tranquilo.

Escusa de consciência - prestação de serviço militar - inciso VIII

33 Assim reza o art. 124, inciso XIV, do ECA, in verbis: “Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: (...)XIV – Receber assistência religiosa , segundo sua crença, e desde que assim o deseje:”

19

Page 20: Monografia completa

A escusa de consciência encontra amparo Constitucional no inciso VIII da

Magna Carta de 1988, a seguir transcrito in verbis:

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção

filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos

imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

CELSO RIBEIRO BASTOS assim se manifestou sobre o assunto:

“Cuida o inciso VIII da chamada escusa de consciência. É o direito reconhecido ao

objetor de não prestar serviço militar nem de engajar-se no caso de convocação para a

guerra, sob o fundamento de que a atividade marcial fere as suas convicções religiosas

ou filosóficas. É verdade que o texto fala em ‘eximir-se de obrigação legal a todos

imposta’ e não especificamente em ‘serviço militar’. É fácil verificar-se, contudo que a

hipótese ampla e genérica do texto dificilmente se concretizará em outras situações

senão naquelas relacionadas com os deveres marciais do cidadão. A experiência de

outros países também confirma esse fato”34.

2.4. Ensino religioso em escolas públicas

Assim dispõe o art. 210 da CF/88, in verbis:

Art. 270. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a

assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos,

nacionais e regionais.

§ 1° O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários

normais das escolas públicas de ensino fundamental.

34 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional,.., cit., p. 192.

20

Page 21: Monografia completa

§ 2° O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada

às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos

próprios de aprendizagem.

É evidente que, se a matrícula do ensino religioso nas escolas públicas fosse

obrigatória, o direito à liberdade religiosa estaria sendo violado. Nenhuma atividade de

cunho religioso poderia ser ministrada, sem o consentimento do aluno ou responsável.

Como assinala a professora ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, a liberdade de religião

consiste num ponto fulcral do tema e requer a análise do princípio da separação entre a

Igreja e o Estado, Esse princípio é atenuado, no que tange ao ensino religioso, art. 210,

§ l0.35 Entretanto os demais princípios constitucionais deverão ser observados, inclusive

a liberdade de religião. Daí a facultatividade desse ensino, que é um direito do cidadão e

um dever para o Estado.

“... o aluno pode optar pelo ensino a qualquer tempo, pode modificar sua opção a

qualquer tempo, pode não optar pelo ensino religioso, pode desistir de frequentar aula

ou atividade de religião, pode mudar de religião etc.”36

Além disso, não se poderá cobrar a participação dos alunos que não estiverem

dispostos a aderir à disciplina oferecida, muito menos poder-se-á aplicar qualquer tipo

de reprimenda escolar ou qualquer tipo de constrangimento, no dizer de ANNA

CÂNDIDA, como “a verificação de presença, a aferição de resultados, a impossibilidade

de mudança de opção, a permanência do aluno em sala de aula ou a sua reprovação

etc.”37

A Constituição proíbe que o Estado venha a subvencionar o ensino religioso, por

força do art. 19,1, da CF/88. Em função da liberdade religiosa, o Estado também não

poderá embaraçar o ensino das mais variadas confissões religiosas, desde que éticas e

lícitas. Veda-se também, qualquer forma de proselitismo.

O art 210, § 1º, é uma norma de eficácia limitada, pois depende de lei

complementar - regulamentadora -, para que esse dever do Estado de permitir o ensino

religioso seja efetivãmente satisfeito. O cidadão tem o direito de exigir do Estado o 35 Anna Cândida Da Cunha Ferraz, Ensino religioso nas escolas públicas, in: Cadernos de direito

constitucional e ciência política, vol 5, n. 20, p. 21.36 Anna Cândida Da Cunha Ferraz, Idem, p.3837 Anna Cândida Da Cunha Ferraz, Ibidem.

21

Page 22: Monografia completa

cumprimento do dever estatal previsto na Constituição, admitindo-se ser um direito

público subjetivo. Entretanto o cumprimento desse dever depende das condições

administrativas e, até mesmo, da colaboração de religiosos, o que escapa ao controle

estatal. Em tese, o cidadão pode lançar mão do mandado de injunção, para ver o seu

direito satisfeito.

As escolas particulares estão livres, para promover o ensino religioso, segundo a

filosofia adotada, sem que isso implique cerceamento à liberdade religiosa. Isto, porque

a clientela, ao procurar a escola, deverá estar ciente da religião adotada pela instituição

de ensino. Com a matricula, haverá um consentimento tácito, que autorizará o ensino de

determinada religião. Entretanto, eticamente, as escolas privadas estão impedidas de

promover qualquer forma de proselitismo.

4.5. Imunidade tributária

Os templos de qualquer culto gozam de imunidade tributária. Nenhum imposto

pode incidir sobre os templos religiosos.38 Trata-se de uma limitação ao poder de

tributar, imposta pelo art. 150, inciso VI, alínea b, da CF/88. Assim, de acordo com o

texto Constitucional, é vedado aos sujeitos ativos, a saber, à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto.

A imunidade tributária dos templos tem o escopo de “assegurar a liberdade de

culto, bem como eliminar possível empecilho ao seu desenvolvimento”, preocupação

que se tem desde a separação entre a Igreja e o Estado, com o advento da proclamação

da República.

O templo é um lugar destinado ao culto.39 Desse modo, as propriedades, terrenos

e casas pertencentes à igreja podem ser tributadas, se estiverem sendo utilizadas com

fins mercantilistas ou meramente como especulação imobiliária. Um bem que não

estiver a serviço do culto, um prédio alugado, p. ex., pode ser tributado.40

38 Hugo De Brito Machado, Curso de direito tributário, 14a ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 203.39 Sacha Calmon Navarro, Curso de direito tributário brasileiro, 4a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999,

p. 26940 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito financeiro e de Direito tributário, 6a ed., São Paulo: Saraiva,

1998, p. 132.

22

Page 23: Monografia completa

Devido ao princípio da isonomia e ao caráter laico do Estado brasileiro (art.

19,1, da CF/88), a imunidade tributária em tela se estende, indistintamente, a todas as

religiões e seitas. O festejado tributarista SACHA CALMON NAVARRO COELHO assim se

manifestou sobre essa questão: “O templo, dada a sua isonomia de todas as religiões,

não é só a catedral católica, mas a sinagoga, a casa espírita kardecista, o terreiro de

candomblé ou umbanda, a igreja protestante, shintoísta ou budista e a mesquita

maometana.”41

É evidente que não há de incidir nenhum tributo sobre rituais religiosos, como,

v. g., balizados, missas e cultos42. Quanto a essa questão, a doutrina é unânime. Mas o

que falar da casa do padre ou pastor, em que pese o IPTU? Será imune de tributação?

Segundo SACHA CALMON NAVARRO COELHO, a residência do padre ou pastor, por ser

moradia, e não templo, pode ser tributada. A imunidade também não alcança as

dependências anexas ao terreiro, da religião afro-brasileira, utilizadas como moradia

pelo pai-de-santo, de forma que apenas o barracão destinado ao culto goza do

benefício.43 Assim não se pode falar em imunidade de anexos ao templo, v.g., cristão,

judaico, maometano, budista ou kardecista. Em sentido contrário, ALIOMARA BALEEIRO

propugnava pela imunidade das dependências contíguas ou anexas ao templo, incluindo

o convento e a casa do pároco ou pastor, desde que não estivesse presente a finalidade

econômica.44

Impende salientar que a intenção do constituinte foi de imunizar o templo, e não

o clérigo ou o eclesiástico. Esses são cidadãos com direitos e deveres, inclusive de pagar

impostos quando da realização de uma hipótese de incidência prevista por lei.

41 Sacha Calmon Navarro Coelho. Idem, p. 26942 Nesse sentido, Cf, hugo de brito machado e aliomar baleiro.43 Sacha Calmon Navarro, Curso de direito tributário brasileiro, 4a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999,

p. 269. Nesse sentido, assinala Zelmo Denari: "A nosso aviso, as dependências anexas ao templo não gozam de imunidade tributária, pois o texto constitucional apenas se refere ao templo e às normas de exoneração tributária, por exigência das regras de hermenêutica, devem ser interpretadas literalmen-te." (Zelmo Denari, Curso de direito tributário, 6a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 158.)

44 Aliomar Baleeiro, Limitações constitucionais ao poder de tributar, T ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 311.

23

Page 24: Monografia completa

O instituto da imunidade não pode ser confundido com a isenção. A isenção é,

sempre, decorrente de lei infraconstitucional e exclui uma parcela da hipótese de

incidência. Em ambos os casos, o crédito tributário sequer é constituído.

QUESTÕES DIVERSAS

Abordaremos nesse capítulo algumas questões práticas, embora controvertidas e

complexas. Alguns conflitos de índole religiosa são facilmente detectados na sociedade

24

Page 25: Monografia completa

brasileira. Tais conflitos são universais, pois são os mesmos em qualquer lugar do

mundo.

As questões aqui analisadas exigiram, em alguns momentos, uma abordagem teológica.

Essas incursões, no campo religioso, são inevitáveis em face da própria natureza do

tema, e do escopo de se compreender o problema de forma ampla. As questões, assim

referidas, refletem, com efeito, os desafios de uma sociedade que precisa aprender a

conviver com uma enorme pluralidade de concepções religiosas e filosóficas.

l.TRANSFUSÃO DE SANGUE

Como se sabe, as Testemunhas de Jeová se opõem à terapia transfusional, por

motivos de convicção religiosa Justificando esta conduta com os livros bíblicos de

Levítico 17,10 e Atos 15,20 . Mesmo em situações de emergência, os fiéis dessa

orientação religiosa mantêm as suas convicções, colocando os médicos num dilema

terrível. Alguns adeptos chegam ao óbito, por se recusarem a receber essa terapia

médica.

Ocorre, nessas situações, um conflito entre dois valores ou direitos, tutelados

pela CF/88, verbi gratia, a liberdade religiosa e o direito à vida. Não obstante, os que

professam a orientação das Testemunhas de Jeová não pretendem renunciar à vida,

porquanto almejam continuar vivos. Assim sendo, não recusam tratamento médico.

Argumentam, entretanto, que se poderiam utilizar tratamentos alternativos, para se

evitarem as transfusões sanguíneas, que, por sinal, podem carrear inúmeras infecções,

inclusive a temível AIDS.

Nos casos em que é possível o tratamento alternativo e é desnecessária a

transfusão sanguínea, é evidente que a liberdade religiosa do paciente deverá ser,

sempre, respeitada. Nesse particular, não há dúvida alguma. Mas, quando a terapia

transfusional deve ser utilizada e a infusão de fluidos e demais terapias alternativas são

insuficientes? Eis que surge, nesse ponto, não apenas um problema médico, mas

jurídico, sem dúvida alguma, de difícil solução.

A questão é muito controvertida. No entanto, imperioso se torna observar a

eterminação da CF/88 de que “ninguém será obrigado afazer ou deixar de fazer alguma

25

Page 26: Monografia completa

coisa, senão em virtude de lei”; art. 5°, inciso II. Por outro lado, existe o dever legal do

médico de prestar socorro.

Quando a terapia transfusional é imprescindível, há, sem dúvida alguma, uma

colisão de dois direitos, ou seja, o direito à vida com o direito à liberdade religiosa.

Como, então, harmonizar esses direitos conflitantes, sem o total sacrifício de um deles?

Impende, ainda, indagar se a vida pode ser renunciada, em detrimento da liberdade

religiosa.

Se a resposta for fundamentada, simplesmente, na irrenunciabilidade dos direitos

humanos, não se chega a solução alguma, posto que tais direitos são igualmente

irrenunciáveis. A escolha de um implica, obrigatoriamente, na renúncia do outro. Não

há como harmonizar ou conciliar os dois direitos conflitantes, sem o sacrifício integral

de um dos direitos.

Por outro lado, se a resposta fosse fundamentada na tese da renunciabilidade dos

direitos humanos, duas soluções seriam possíveis, dependendo da visão axiológica do

julgador.

Há quem sustente que o direito à vida é preponderante. Para estes, a vida é

protegida, em prejuízo da liberdade religiosa, e a transfusão de sangue deve ser

realizada, autorizada ou recomendada. Essa solução é amparada pela ideia de que os

direitos ou valores Constitucionais obedecem a uma rígida e formal ordem hierárquica,

tal como aparece na cabeça do art. 5° da CF/88. A vida, repita-se, sob esse prisma, é o

bem jurídico preponderante. O direito à liberdade religiosa não é ilimitado, podendo

sofrer restrições, quando estiver ferindo os preceitos da ordem pública. Recusar o

tratamento, estaria comprometendo a ordem pública, uma vez que haveria o sacrifício

desnecessário de vidas humanas. Desse modo, “a liberdade religiosa não pode ferir o

direito à vida, que é de ordem pública”45

45 Revista Jurídica, n. 246, abr./98, p. 55. Nesse sentido, assim se manifestou Luiz vicente cernicchíaro: "0 Direito Penal brasileiro volta-se para um quadro valorativo. Nesse contexto, oferece particular importância à vida (bem jurídico). Daí ser indisponível (o homem não pode dispor da vida)." (Luiz vicente cernicchiaro, Transfusão de sangue, In: Júris Síntese n, 18 - jul./ago. de 1999.)

26

Page 27: Monografia completa

2. DIA DE GUARDA (DOMINGO X SÁBADO)

Existe uma grande controvérsia acerca do dia de guarda. A maioria dos cristãos,

hoje, observam o domingo enquanto que uma minoria observa o sábado. A questão do

dia de guarda pode parecer, à primeira vista, de pouca importância, entretanto, é tão

importante que mereceu, em 1998, a edição de uma carta apostólica, Dies Domini, na

qual João Paulo II recomenda a santificação do domingo como um dia santo a ser

observado por todos os cristãos.

Por um lado encontramos a Igreja Católica unida com a maioria das Igrejas

protestantes no propósito de defender a observância do domingo, e do outro lado os

judeus e algumas poucas Igrejas protestantes reivindicando a observância do sábado e o

direito de adorar a Deus segundo o que lhes recomenda uma consciência livre. Há que

se dizer, ainda, que o maior grupo de cristãos que observam o sábado é constituído

pêlos Adventistas do 7° Dia.

Existe ainda a posição do Islã (islamismo), que não pode ser olvidada, dado ao

vertiginoso crescimento dessa religião por todo o mundo. Segundo os muçulmanos, a

sexta-feira é um dia santo.

Será relatado, a seguir, a posição dos dois primeiros grupos, em relação ao dia de

guarda (Sábado x Domingo). Mas há que se ressaltar, no entanto, que as três posições

mencionadas alhures merecem a proteção estatal, uma vez que o cidadão deve ser livre,

para adorar a Deus, segundo a sua consciência. E, nesse diapasão, pouco importa quem

está com a razão, vez que todos merecem a tutela estatal.

O direito à liberdade religiosa deve garantir o direito de escolha de um dia de

repouso sem qualquer interferência estatal, o que caracteriza uma prerrogativa de foro

íntimo.

Convém relembrar que o Estado não pode interferir em questões religiosas.361

Ora, o dia de guarda ou repouso semanal diz respeito a uma questão fundamentalmente

religiosa e de foro íntimo. Assim sendo, a lei civil, em um Estado laico, como o Brasil,

não pode favorecer a uma religião, em detrimento de outras, em que pese o dia de

guarda, determinando a observância compulsória de um dia específico.

27

Page 28: Monografia completa

Descanso semanal remunerado

A celeuma decorrente da observância de um dia de guarda interessa ao direito,

em primeiro lugar, porque a questão pode levar a sérios conflitos de interesses. Além

disso, existe uma implicação de ordem laboral em relação ao Repouso Semanal

Remunerado.

Segundo AMAURI MASCARO NASCIMENTO, o repouso semanal está ligado a

costumes religiosos, com origem no povo hebreu [judeus], que descansava e descansa

aos sábados.46 É evidente, portanto, o liame existente entre o costume religioso e o RSR,

desde o seu nascedouro.

Após o Concflio de Laodicea, o costume religioso, no que diz respeito à

observância do domingo, foi amplamente recepcionado pela legislação dos diversos

países. Alguns deles, como a Suíça (1877) e a Alemanha (1891), instituíram o descanso

dominical de forma obrigatória. Em 1876, foi fundada a Federação Internacional para a

Observância do Descanso Dominical.47

AMAURI MASCARO NASCIMENTO assinala:

“O tratado de Versailles incluiu, dentre os princípios gerais, ‘a adoção de um repouso

hebdomadário de vinte e quatro horas no mínimo, que deverá compreender o domingo,

sempre que possível’. A Conferência Internacional da Organização Internacional do

Trabalho, reunida em Genebra, em 1921, aprovou a Convenção n. 14, dispondo, no art.

2°, que todo pessoal empregado em qualquer empresa industrial, pública ou privada,

ou em suas dependências, deverá desfrutar, no curso de cada período de sete dias, de

um descanso que compreenda como mínimo vinte e quatro horas consecutivas. Esse

descanso será concedido ao mesmo tempo, sempre que possível, a todo pessoal de cada

empresa. O descanso coincidirá, sempre que possível, com os dias consagrados pela

tradição ou costumes do país ou da religião”.48

O pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no art. 7°,

alínea d, declara o direito ao descanso nos seguintes termos:

“Os Estados-partes, no presente Pacto, reconhecem o direito de toda pessoa de gozar

de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:

46 Amauri Mascaro Nascimento, Iniciação ao Direito do Trabalho, 23a ed., São Paulo: LTr, 1997, pp. 285-286

47 Amauri Mascaro Nascimento. Idem, pp. 286-28748 Amauri Mascaro Nascimento. Idem, p. 287

28

Page 29: Monografia completa

(...)

d) O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas

remuneradas, assim como a remuneração dos feriados.”

Um aspecto relevante, em que pese o ordenamento jurídico brasileiro nos dias

atuais, consiste na adoção do princípio da dominicalidade. Há que se ressaltar que o

contexto atual é diferente do contexto em que a primeira lei dominical fora estabelecida

- por ocasião do decreto de Constantino, em 321. No primeiro momento havia união49

entre a Igreja e o Estado; e, no segundo, separação entre os dois entes. É evidente que a

edição de uma lei dominical pode ser mais facilmente compreendida ou justificada, em

face da união entre a Igreja e o Estado. Mas como justificar a edição de uma lei

dominical no contexto atual, onde o Estado é laico e há separação entre a Igreja e o

Estado. Teria o Estado legitimidade para, através do poder legislativo, editar uma lei

dominical?

O Estado não poderia disciplinar o dia de guarda, senão de forma a garantir a

liberdade religiosa dos jurisdicionados, de forma que cada qual pudesse manter e

exteriorizar a sua fé.

A união entre a Igreja e o Estado pode ser utilizada para justificar a perseguição

dos cristãos durante os primeiros séculos do cristianismo. O Cónego JOSÉ GERALDO

VIDIGAL DE CARVALHO pontua que Roma, por ser um Estado extremamente jurídico,

agia na legalidade, ao perseguir os cristãos.50 O mesmo argumento foi utilizado por

GONZAGA, para justificar as cruéis atrocidades praticadas pela Inquisição (ou

Inquisições). Hoje, o Sudão (Estado islâmico) poderia utilizar a mesma ideia, para

justificar a intolerância e o cerceamento do direito à liberdade religiosa. Sob o manto da

legalidade, já se praticou e continua-se a praticar os maiores crimes contra a

Humanidade.

Em face desse princípio, a CF/88, art. 7°, inciso XV, dispõe que o repouso

semanal remunerado será preferencialmente aos domingos. É dizer, conforme

entendimento de AMAURI MASCARO NASCIMENTO, o descanso semanal é,

preferencialmente, no domingo, mas não obrigatoriamente. A Lei n. 605/49 prevê

49 A cúpula da catedral de Santa Sofia, na cidade de Constantinopla, hoje conhecida por Istambul, reflete essa realidade. Essa estrutura arquiteíômca caracteriza-se por círculo, contido em um quadrado, representando a união entre a igreja e o Estado.

50 José Geraldo Vidígal De Carvalho, Temas Históricos, pp. 27-29

29

Page 30: Monografia completa

algumas exceções à dominicalidade, embora não haja nenhuma previsão de índole

religiosa.

Em decorrência do princípio da dominicalidade acolhido pela legislação

brasileira, muitos observadores do sábado têm dificuldades no acesso ao mercado de

trabalho e manutenção no mesmo.

Na verdade, o descanso semanal remunerado é um direito que atende a

necessidade humana de descansar num período de 7 dias. Essa necessidade tem sido

comprovada pela ciência. Como foi possível constatar, essa necessidade humana é

protegida no plano internacional, através de Tratados - cite-se, p. ex., o Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil em

20.1.1992. Por outro lado, o Direito Internacional também protege o direito à liberdade

religiosa. Ora, a proteção de um desses direitos não deveria implicar na restrição do

outro. Mas é exatamente isto o que tem ocorrido com os que observam o sábado. Nesse

ponto, parece haver uma colisão de direitos. Entretanto a necessidade de um dia de

repouso não deveria representar um óbice à liberdade de religião. Cada qual deveria ser

livre para escolher o dia de guarda segundo a sua consciência sem qualquer

interferência estatal, pois como bem disse CELSO RIBEIRO BASTOS: “As convicções e

práticas religiosas assumem destarte um estatuto de foro íntimo das pessoas”.51

Sendo um estatuto de foro íntimo, um Estado laico, como o Brasil, estaria, em

tese, impedido de legislar, de forma a favorecer um costume religioso de uma religião,

em detrimento de outras, ainda que minoritária, tendo em vista a garantia dos direitos

humanos aos quais o Estado brasileiro se comprometeu a proteger diante da comunidade

internacional, mediante a ratificação de diversos Tratados Internacionais.

A garantia do direito ao RSR não se antagoniza, necessariamente, com a

liberdade religiosa. Os dois direitos são complementares. Há que se garantir a liberdade

religiosa, sem restringir os direitos econômicos e sociais, e vice versa.

No plano Constitucional, é razoável lembrar que o princípio da dominicalidade

deve ser interpretado, de forma a se harmonizar com o direito a liberdade religiosa

naquilo que for pertinente. Os princípios da máxima efetividade da norma constitucional

e da primazia dos direitos humanos (art. 4°, da CF) também devem ser lembrados.

Assim sendo, o princípio da dominicalidade não deve servir de pretexto, para se cercear

a liberdade de crença.

51 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, 21a ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 192

30

Page 31: Monografia completa

Se a consciência religiosa é um território impenetrável para o Estado (e sendo

laico esse Estado), teria este o direito de determinar o dia de guarda? Sendo uma

questão de consciência, teria o Estado o direito de determinar a observância de um

determinado dia da semana, sem que o cidadão pudesse escolher?

De uma fornia mais específica: em face do princípio da dominicalidade adotado

pelo ordenamento jurídico pátrio, os observadores do sábado teriam o direito de manter

a sua crença sem comprometer a dignidade e os outros direitos inerentes à cidadania?

Certamente, poderíamos encontrar respostas diferentes. Assim como as opiniões

divergem, em relação ao dia de repouso, certamente encontraremos opiniões opostas.

Isto reflete o pluralismo religioso existente na sociedade.

O pluralismo religioso, no que toca ao dia de guarda, pode ser salutar para a

sociedade. Com a liberdade religiosa, pessoas de opiniões diferentes podem conviver

pacificamente, num ambiente de trabalho, e, inclusive, com benefícios para os dois

lados. O observador do domingo não teria problemas em trabalhar no sábado, enquanto

o observador do sábado não teria problemas em trabalhar no domingo. Por que não

poderia haver a mútua cooperação entre essas duas classes de pessoas? A vida moderna,

a cada dia, exige, em diversas situações, que o trabalho seja realizado em todos os dias

da semana. São muitas as situações em que esse tipo de cooperação poderia ocorrer,

tanto na iniciativa privado como na pública.

Pode-se inferir que cada grupo possui as suas razões para a observância do

domingo ou para a observância do sábado como dia de guarda e descanso. Essa

discussão está no plano teológico, embora o tema tenha os seus desdobramentos

jurídicos. O Estado não deve interferir nessa questão, impedindo a liberdade de alguns.

O Estado, sendo laico, deve continuar permitindo a coexistência pacífica dos dois

grupos, consentindo que cada um observe, livremente, o seu dia de guarda, ou, adore a

Deus, segundo a sua consciência. Uma sociedade justa, fraterna e pluralista,

comprometida com o respeito à dignidade do homem, deve favorecer, através da

legislação civil, o direito de escolha, de forma que cada ser humano possa observar o

dia de descanso ou de guarda, segundo a sua consciência.

Provas escolares, vestibulares e concursos públicos

31

Page 32: Monografia completa

Não são raras as ocasiões em que se alega motivo de crença religiosa como

impedimento para a realização de provas escolares, concursos públicos e vestibulares,

coincidentes com as horas sagradas do sábado bíblico.

Como deve, então, proceder o órgão público ou particular diante dessas escusas?

Propugna-se, aqui, por uma solução pacifica da controvérsia, com fulcro no preâmbulo

da Magna Carta de 1988, a fim de assegurar o direito individual (liberdade religiosa), a

segurança, o bem-estar e a justiça, por serem “valores supremos de uma sociedade

fraterna, justa e pluralista”.

Para o deslinde do problema, a dignidade da pessoa humana não deve ser

olvidada. Embora a liberdade religiosa não seja um direito absoluto, como qualquer

outro, há que se considerar, ainda, o princípio da máxima efetividade dos direitos

fundamentais e os demais princípios da administração pública.

O art. 5°, incisos VI e VIII, consagra a liberdade religiosa e deve ser aplicado no

caso concreto. Segundo esses dispositivos, respectivamente, “é inviolável a liberdade

de consciência e de crença,” e “ninguém será privado de direitos por motivo de crença

religiosa”.

A respeito do inciso VIII, pondera JOSÉ AFONSO DA SILVA:

“O corolário disso, sem necessidade de explicação, é que todos hão de ter igual

tratamento nas condições de igualdade de direitos e obrigações, sem que sua religião

possa ser levada em conta. E realmente, nesse particular, parece que o povo brasileiro

se revela profundamente democrático, respeitando a religião dos demais, e não parece

que o fator religião venha sendo base de discriminações privadas ou públicas.52

Como bem preleciona MIGUEL REALE:

“Nas relações dos homens surge, no entanto, uma outra lei da igualdade, que é aquela

que manda tratar desigualmente aos desiguais, na medida em que desigualem, dando-

se a cada um o que é seu, consoante ditame da justiça distributiva.”53

52 José Afonso Da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 13a ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 221

53 Miguel Reale, Filosofia do direito, 17 ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 641. Já dizia Rui barbosa: "A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria dês igualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dará cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem. Esta

32

Page 33: Monografia completa

Essa regra deve ser observada, em relação aos observadores do sábado bíblico,

pois se trata de uma peculiaridade marcante de algumas minorias religiosas. Nesse

sentido, é perfeitamente razoável tratá-los desigualmente, o que consiste no cabal

cumprimento do princípio da isonomia.

Não obstante, marcar determinada prova - vestibular, ou concurso público - nas

horas do sábado é ato discricionário, não configurando, a princípio, nenhuma

ilegalidade da administração pública. Segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI

PIETRO “o poder da administração é discricionário, porque a adoção de uma ou outra

solução é feita segundo critério de oportunidade, conveniência, justiça, equidade,

próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador. Mesmo aí, entretanto, o

poder de ação administrativa, embora discricionário, não é totalmente livre, porque,

sob alguns aspectos, em especial a competência, a forma e a finalidade, a lei impõe

limitações.”54 A discricionariedade deve ficar sujeita a certos limites previstos por lei,

que, quando ultrapassados, passam a ser arbitrários e ilegais. Note-se que a lei maior

limita a discricionariedade da administração.

Há que se perguntar, a propósito, qual é a finalidade dos concursos públicos?

Uma das finalidades está contida no princípio do livre acesso. Segundo WILLIAM

DOUGLAS, “o princípio do livre acesso aos cargos públicos, que assegura que todos os

cidadãos têm o direito de participar do governo e exercer atividades e funções

públicas”55

Uma solução justa e favorável ao direito à liberdade religiosa tem, ainda, o

amparo dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Isto, porque a

discricionariedade possui um aspecto teleológigo. Assim, para ser razoável, “tem que

haver uma relação de pertinência entre a oportunidade e conveniência, de um lado, e a

finalidade, de outro”. Para DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, “a razoabilidade,

agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles

adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade

blasfémia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria, "{Obras Completas de Rui Barbosa, vol. 48, t. 2, 1921. p.)

54 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 12a ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 81, pp. 196-197

55 William Douglas, Como passar em provas e concursos, p. 421

33

Page 34: Monografia completa

pública específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto,

exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua efetivamente para que ela

seja atingida”.56

Assim sendo, sustenta-se que o órgão público deva propiciar o livre acesso aos

cargos públicos para todos, incluindo aqueles que apresentam motivo religioso, com

base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. A recusa configuraria uma

arbitrariedade, uma vez que a discricionariedade da escolha de uma data propícia para o

certame depende, além da oportunidade e conveniência, da finalidade, sem esquecer,

também, a justiça e a equidade. Contra o ato denegatório e arbitrário, como abuso de

poder, cabe mandado de segurança.

Ainda segundo o princípio da razoabilidade, as escolas, públicas ou particulares,

devem propiciar uma alternativa para os alunos que não podem realizar provas no dia de

sábado, por motivo religioso. Tal proceder reveste-se de justiça e equidade, em respeito

à dignidade da pessoa humana, e cabal cumprimento dos direitos humanos consagrados

na Constituição e nos Tratados Internacionais.

É razoável admitir que o Estado deva, de alguma forma, disciplinar a questão do

repouso semanal remunerado; entretanto deve haver alguma alternativa para as minorias

que observam o sábado. A observância do sábado não restringe a liberdade de outrem e

também não atenta contra a ordem pública, por sua natureza pacífica.

5. Conflito entre o Direito Dositivo e o Direito Datural

De um lado está o poder estatal e, do outro a Lei de Deus. Haverá, assim, uma

ameaça à consciência, pois o poder estatal estará, p. ex., impondo a obediência a uma

norma que viola a Lei de Deus ou o direito natural.

Se, em determinado momento, surgisse unia lei estatal violadora da Lei de Deus

estaríamos diante de um conflito, que, fatalmente, levaria ao cerceamento da liberdade

56 Diogo De Figueiredo Moreira Neto, apud maria sylvia zanella Di pietro, Direito Administrativo, 12a ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 81.

34

Page 35: Monografia completa

religiosa, se não fosse declarada inconstitucional. Muitos poderiam ficar indecisos se se

obedecerá ao Estado ou a Deus. Trata-se de uma questão de consciência.

O Antigo Testamento relata uma história ocorrida na Babilônia, onde essa situação

ocorreu. O rei daquele poderoso império determinara que, ao som de um determinado

instrumento musical, todos deveriam adorar a estátua de ouro. Não obstante os três

hebreus que se encontravam cativos se recusaram a cumprir a determinação do rei e,

como castigo, foram levados à fornalha ardente.57 Existiu, portanto, o conflito entre a

ordem do rei e o primeiro e o segundo mandamento da Lei de Deus, que vedam a

adoração de imagens e ídolos.58 Os personagens bíblicos recusaram obediência ao rei e

se submeteram, passivamente, ao seu castigo.59 Em seguida, eles foram recompensados

de forma miraculosa. No caso da Lei divina, pode-se afirmar como Lock que não existe

na terra uma instância superior que possa julgar as infrações em face da lei de Deus. Daí

a obrigatoriedade de se obedecer a lei estatal violadora do direito natural.60

57 Capítulo 3 do livro de Daniel.58 Não farás para ti Imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na

terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás diante delas, nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam. (Êxodo 20. 4 e 5)

59 Responderam Sadraque, Mesaque e Abednego, e disseram ao rei: Ó Nabucodonosor, não necessitamos de te responder sobre este negócio. Eis que o nosso Deus a quem nós servimos pode nos livrar da fornalha de fogo ardente; e ele nos livrará da tua mão, é rei. Mas se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantaste. Então Nabucodonosor se encheu de raiva, e se lhe mudou o aspecto do semblante contra Sadraque, Mesaque e Abednego; e deu ordem para que a fornalha se aquecesse sete vezes mais do que se costumava aquecer; e ordenou a uns homens valentes do seu exército, que atassem a Sadraque, Mesaque e Abednego, e os lançassem na fornalha de fogo ardente. Então estes homens foram atados, vestidos de seus mantos, suas túnicas, seus turbantes e demais roupas, e foram lançados na fornalha de fogo ardente. Ora, tão urgente era a ordem do rei e a fornalha estava tão quente, que a chama do fogo matou os homens que carregaram a Sadraque, Mesaque e Abednego. E estes três, Sadraque, Mesaque e Abednego, caíram atados dentro da fornalha de fogo ardente. Então o rei Nabucodonosor se espantou, e se levantou depressa; falou, e disse aos seus conselheiros: Não lançamos nós dentro do fogo três homens atados? Responderam ao rei: É verdade, ó rei. Disse ele; Eu, porém, vejo quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo, e nenhum dano sofrem; e o aspecto do quarto é semelhante a um filho dos deuses, (Daniel 3.16 a 25)

60 Noberto Bobbio, Locke e o Direito Natural, Brasilia: UnB, 1997, p. 102

35

Page 36: Monografia completa

Introdução

O tema Liberdade Religiosa não se esgota na fé ou na crença e tem completo

respaldo nas ciências jurídicas. A religião acompanha o ser humano desde os seus

primórdios, servindo como uma ponte de compreensão para diversos fatos muitas vezes

incompreensíveis. Estabelecer esta relação jurídica de defesa constitucional, de análise

do Estado frente a realidade sociais tão abstrata tal como sua importância é o objetivo

geral desta trabalho.

Garantia constitucional, Direito e Religião se parecem por expressarem

mecanismos de controle social, que impõem condutas e valores e que têm como

finalidade o bem comum. Neste sentido, o direito parte de pressupostos concretos e

fornece segurança e proteção ao indivíduo nas suas relações entre os semelhantes e o

Estado.

Para se analisar esta relação jurídica é importante que não se veja as religiões

como realidades meramente especulativas como apenas um recinto íntimo da consciência, mas

vê-la como também preceitos a cumprir, práticas externas a observar. Aqui paralelamente, nasce

aos poucos o principio analogicamente competente que irá sustentar esta garantia constitucional:

a igualdade. Numa sociedade aberta e pluralista, o princípio da igualdade não está ao

serviço de um projecto de uniformização e igualitarização dos indivíduos e dos grupos,

pretendendo, ao invés, proteger a sua diversidade. Uns e outros sabem que podem

prosseguir livremente as suas distintas visões do mundo e da vida (do bem e da verdade)

com a certeza de que não serão, por esse fato, objeto de um tratamento jurídico

diferenciado, nem afetados no seu sentimento de igual dignidade como membros de

pleno direito da comunidade política.

Uma vez cientes da extensão do tema, pode-se passar a conjulgar esta realidade

36

Page 37: Monografia completa

da sociedade (diversidade – religião e crenças) na inserção com a Constituição. O valor

da dignidade humana impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento

jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e

compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os

direitos e garantias fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que

incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico

ao sistema jurídico brasileiro. Os direitos e garantias passam a ser dotados de uma

especial força expansiva, projetando-se por todo o universo constitucional e servindo

como critério imperativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional.

E em um Estado Democrático de Direito, estando sob o império da lei, a

liberdade e dignidade surgem como pressupostos desta democracia.

No presente trabalho, será abordado a autonomia do ente estatal frente a

consciencia humana, onde contemplar-se-á possíveis situações em que as liberdades de

consciência e de crença poderiam ser violadas pelo poder Estatal ou por particulares

através do condicionamento da consciência, pelo cerceamento de um direito de segunda

geração, ou, mais especificamente, de algum bem da vida, como por exemplo, um

emprego público, a educação, a saúde ou até mesmo a própria vida.

Qual o papel do Estado frente a religião? Qual a finalidade da garantia

constitucional expressa nos incisos do art. 5º?

Em contra partida, se erigissem a liberdade religiosa em direito ilimitado, quais

seriam as consequencias para a sociedade?

37