Monografia Dez.2012/Livro Flamengo 2014

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UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP PRÓ-REITORIA ACADÊMICA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO EM JORNALISMO DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO: A ALEGRIA RUBRO-NEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO FILHO

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UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnPPRÓ-REITORIA ACADÊMICA

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTESCURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO EM

JORNALISMO

DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO

O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO: A ALEGRIA RUBRO-NEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS

DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO FILHO

NATAL-RN2012

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DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO

O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO: A ALEGRIA RUBRO-NEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS

DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO FILHO

Monografia apresentada à Universidade Potiguar – UnP como parte dos requisitos para obtenção do Grau de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo.

ORIENTADOR: Profº. Me. Gustavo Bittencourt

NATAL-RN2012

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DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO

O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO: A ALEGRIA RUBRO-NEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO

FILHO

Monografia apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, à comissão julgadora da Universidade Potiguar.

Aprovado em ______/_____/______

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________Profº. Me. Gustavo Henrique Ferreira Bittencourt

Orientador

Universidade Potiguar -UnP

_______________________________________________________Profº. Me. Leonardo Bruno Reis Gamberoni

Universidade Potiguar - UnP

________________________________________________________Profª. Me. Valéria Pareja Credidio Freire Alves

Universidade Potiguar - UnP

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DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado a minha mãe, Gercina, que não se cansa de acreditar na

felicidade. Fé em Deus e pensamento positivo que ELE proverá! Como a senhora mesma diz;

À memória de meu pai, Daniel. Como queria ter te ajudado a alcançar a cura do

alcoolismo;

À minha esposa, Valéria, companheira de todos os momentos;

Aos meus filhos, Thiago e Yasmim, o amor na forma mais pura. Vocês são o que

existe de mais significativo em minha vida, meu tesouro verdadeiro. Pelo Flamengo sempre!

Às minhas irmãs, Manuela e Daniela, juntos, somos mais fortes!

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AGRADECIMENTOS

Ao futebol, meu primeiro e permanente amigo. O teu encanto ninguém apaga. Ao

Clube de Regatas do Flamengo, minha primeira paixão e amor para a vida inteira. Essas

instituições têm vida imaterial pulsante, alimento para a alma. Ao meu maior ídolo, Arthur

Antunes Coimbra, sempre Zico, o cara que serve como modelo profissional e pessoal.

Obrigado por toda alegria que vocês me proporcionaram.

Aos outros inspiradores deste trabalho: Mário Filho, José Lins do Rego e Nelson

Rodrigues. O que vocês produziram com qualidade magistral, nada, nem ninguém, conseguirá

apagar. Pelo pensamento, encaminho a minha gratidão a vocês.

Aos professores que fizeram parte diretamente da produção deste trabalho, sugerindo,

apontando, opinando, discutindo e trazendo contribuição. Muito obrigado, Manoel Pereira,

professor da fase inicial do projeto e, Gustavo Bittencourt, orientador e grande incentivador.

E... aos espíritos de luz, sempre por perto para acudir. Amor e proteção que não cessa!

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O Flamengo não para porque o Flamengo é uma força em marcha. Seu destino é a eternidade.

Gilberto Cardoso

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RESUMO

O trabalho acadêmico tem a proposição de analisar o torcedor de futebol e suas emoções. Como delimitação, tem-se o torcedor do clube de maior torcida do Brasil, o Flamengo. Da consulta profícua a livros, filmes, documentários, programas televisivos, radiofônicos e sítios eletrônicos, veio o aparato para essa produção acadêmica que se dispõe a revisitar a história do clube centenário, o papel de seu torcedor, e a pesquisar o que estes três cronistas, José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho, produziram expressivamente abordando o Flamengo e o seu torcedor. Sob a particularidade da hermenêutica que se configura como a interpretação de obras textuais, e tendo o referencial teórico basal do trabalho sustentado em Ruy Castro e Mário Filho com os seus respectivos, “O Vermelho e o Negro” e “Histórias do Flamengo”, o trabalho se desenvolveu.A obra está dividida em quatro capítulos. No primeiro, o futebol, seu surgimento, chegada ao Brasil e a sua representação social, se estendendo ao papel de sua legião de seguidores, o torcedor. Em um segundo momento, o Flamengo, a sua história e a atuação de sua torcida. Em seguida, lançamos olhar sobre o gênero jornalístico-literário, “Crônica”, e à sua especificação, “esportiva brasileira”. Por último, o torcer pelo Flamengo explicitado nas crônicas esportivas de José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho.

Palavras-chave: Futebol; Torcedor do Flamengo; Crônica esportiva brasileira; Nelson Rodrigues; José Lins do Rego e Mário Filho.

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ABSTRACT

The academic paper has as proposition to analyze football fans and their feelings. As baseline, we have the supporters of the largest football fan club in Brazil, Flamengo. From fruitful books, films, documentaries, television and radio programs and site consultation came the apparatus for this academic paper which proposes revising the history of the century-old club, the role of its supporters, and researching what these chroniclers, José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Mario Filho, expressively produced regarding Flamengo and its fans.Under the particularity of hermeneutics, which constitutes the interpretation of textual works, and taking the theoretical baseline of the sustained work in Ruy Castro and Mario Filho with their respective, "The Red and the Black" and "Stories of Flamengo", the paper was developed.This paper is divided into four chapters. In the first, football, how it started, its arrival in Brazil and its social representation, extending it to the role of its legion of followers, the fans. Following, Flamengo, its history, and its supporters’ participation. Soon after, we look at the journalistic-literary genre, Chronicle, and also at its “Brazilian- sportive” specification. And finally, rooting for Flamengo, explained in the sports chronicles of José Lins do Rego, Nelson and Mario Rodrigues Filho.

Keywords: Football, Flamengo Fans; Brazilian-sportive Chronicle; Nelson Rodrigues, José Lins do Rego and Mário Filho.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................11

1 FUTEBOL, ESPORTE DE MASSA..................................................................................11

1.1 CHEGADA NO BRASIL...................................................................................................11

1.2 O TORCEDOR...................................................................................................................11

2 O CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO E SUA TORCIDA...................................11

2.1 A RIVALIDADE DOS CLÁSSICOS................................................................................11

2.2 ÍDOLOS..............................................................................................................................11

2.3 TÍTULOS............................................................................................................................11

3 A CRÔNICA.........................................................................................................................11

3.1 CRÔNICA ESPORTIVA BRASILEIRA...........................................................................11

4 O TORCER PELO FLAMENGO NA VISÃO DOS CRONISTAS ESPORTIVOS.....11

4.1 A ALEGRIA RUBRO NEGRA POR JOSÉ LINS DO REGO..........................................11

4.2 A ALEGRIA RUBRO NEGRA POR NELSON RODRIGUES........................................11

4.3 A ALEGRIA RUBRO NEGRA POR MÁRIO FILHO......................................................11

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................11

REFERÊNCIAS....................................................................................................................110

ANEXOS..................................................................................................................................11

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INTRODUÇÃO

Analisar, descobrir, entender os motivos que levaram o Clube de Regatas do Flamengo

a ser propagado como o clube mais amado, de maior torcida do Brasil – e, na contramão, um

dos mais odiados - é desafiador e necessário para se fugir do senso comum. Como aceitar as

pesquisas que trazem números impressionantes sobre esse torcedor? Institutos de pesquisa

detentores de grau de confiabilidade como o Datafolha, Ibope, CNT Sensus, Pluri Consultoria

entre outros, atestam: a torcida do Flamengo é a maior do Brasil. Algumas pesquisas indicam,

inclusive, ser a maior do mundo. Checar esta afirmação e encontrar o embasamento que

desencadeou esse crescimento é um ato de compromisso com a veracidade dos fatos.

Fazendo a “leitura” dessas pesquisas chega-se a uma depreensão de que se trata de um

verdadeiro fenômeno. E nos leva a uma certeza. O Flamengo é um cube nacional. O título de

“mais querido do Brasil” causa natural curiosidade e daí leva à indagação e a uma inquietude

que me arrasta para o campo da pesquisa. Como esse clube conseguiu chegar a um patamar de

extraordinária altivez? Como a sua torcida se forjou e cresceu em todo o território nacional?

Sempre questionei as unanimidades, aquelas construções históricas que são moldadas para

serem inquebrantáveis. Acredito que em tudo, em qualquer fato, sempre existe outro viés.

Talvez essa característica tenha me levado ao Jornalismo. Talvez não, tenho certeza.

Antes de estudar para entender tal condição fui sentir a pulsação e energia desse

torcedor. A primeira vez no Maracanã junto daquela massa foi uma experiência extasiante,

indescritível, de me deixar embasbacado, arrepiado, com alegria e fascínio que não se

comparam a nada neste mundo. O barulho, o colorido, a festa e a sensação de estar diante de

uma imensa família, aquela coisa de no momento do gol, quando o abraçar de um estranho, de

vários desconhecidos, se estabelece te deixando “perdido”, pela emoção, e, “resgatado”, no

propósito da união, de uma união única por ser desinteressada, espontânea, isso tudo

magnetiza.

Esses elementos ficaram estampados na alma, na memória. O “sentir” àquela torcida,

o estar junto a ela, me trazia o que precisava para alcançar satisfação e abria a minha

percepção para toda simbologia do grupo, do coletivo, da massa e multidão, agregando valor

ao meu posicionamento diante da sociedade. Naquele “meio” eu era mais gente, mais

humano, ser social, preenchido, por assim dizer, e aprendia lições que levaria para sempre.

Nesta fase ainda, de adolescência, a leitura, o exercício dela habitualmente, me atingiu

e a luz do conhecimento irrestrito adentrou meus poros e passou a clarear o meu ser. Pela

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leitura, o mundo era meu! Quando me deparava com histórias envolvendo o futebol e, mais

especificamente, o Flamengo, a sua superação, raça, garra, a alegria rubro-negra, o manto

sagrado, sua torcida, essas conotações, eram pontos associativos sempre abordados. Diante

desses textos que inflamavam ainda mais o desejo de descobrir os motivos que fortaleceram

ao longo do tempo a exaltação a este clube eu me via como um menino na “fantasia”

descritiva do real. Era difícil controlar a minha curiosidade, o senso precoce de

questionamento, e a obstinação em apurar, em atingir as raias do entendimento das razões

para este clube se fazer tão especial.

E dentro desse seio da literatura houve um momento mágico, de descoberta. O que

senti quando li uma coletânea de crônicas esportivas de Nelson Rodrigues e o que ele falava

sobre o Flamengo foi algo como um torpor que tomava conta da alma e revelava um universo

futebolístico cheio de poesia e dramaticidade. Aproximava-se do que sentira no Maracanã no

meio daquela massa enlouquecida e “embriagada” de paixão. Era a tradução exata. Como era

possível aquilo? Até aquele momento só havia conhecido a obra do Nelson Rodrigues,

dramaturgo. Ícone neste segmento. Não menos brilhante na crônica esportiva, através dela, ele

me arrebatara pra valer.

Nelson exclamava ser o Flamengo um fenômeno, uma força da natureza que venta,

chove, troveja, relampeja. Que cada brasileiro vivo ou morto já havia sido Flamengo por um

instante. Que o seu torcedor era capaz de morrer com o nome Flamengo gravado no coração a

ponta de canivete. Para ele, a alegria rubro-negra não se parecia com nenhuma outra. E dizia

ainda que se Euclides da Cunha fosse vivo teria preferido o Flamengo à Canudos para contar

a história do povo brasileiro. Era muito forte e intrigante. Como um tricolor assumido podia

dizer aquelas coisas sobre o rival rubro-negro? O desejo de me aprofundar no quesito

Flamengo para compreendê-lo em sua essência, continuava pedindo passagem. Outros

compromissos, no entanto, postergavam essa pesquisa.

O tempo passou. Na faculdade, ao iniciar o direcionamento para a escolha do tema

deste projeto de conclusão, não existia mais dúvida. Havia chegado o momento da pesquisa.

Sobre a história do Clube de Regatas do Flamengo, de sua torcida, iria me debruçar. Em um

primeiro momento seria só o torcedor do rubro-negro carioca. Precisava, porém, criar uma

relação com o jornalismo. Nelson Rodrigues. Surgiu esse nome, esse elo. Para quem possa

não saber, Nelson antes de grande dramaturgo foi durante toda sua vida jornalista e cronista

esportivo, de mãos cheias. A crônica esportiva, portanto, me daria suporte. Durante as leituras

específicas para o trabalho, eis que para a minha surpresa, dois outros nomes me saltam aos

olhos, à mente e ao coração. José Lins do Rego – que eu conhecia por “Riacho Doce” e “Fogo

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Morto” -, e Mário Filho – que somente o identificava como o jornalista que dá nome ao

estádio do Maracanã. Os dois, também cronistas esportivos e com uma escrita ímpar, que me

fazia “babar”, teriam que ter o merecido espaço. Um, era torcedor ardente do Flamengo. O

outro, referendado pesquisador, historiador, defensor do futebol, idealizador e criador de

grandes eventos relacionados ao esporte e, de certa forma, ligado também, ao rubro-negro.

Este trabalho então, no seu ponto central, a torcida do Flamengo, pode-se dizer é

acalentado há anos. Para desenvolvê-lo era necessário expô-lo ao crivo científico. Tive o

cuidado de não me deixar levar pela emoção e pelo autossugestionamento. Desprendi-me de

qualquer sentimento unilateral que corrompesse os sentidos. Confrontei a produção de vários

autores e trabalhei de forma racional, analítica científica – em face de reunir tudo a respeito e

criar a minha linha de raciocínio - visando obter resultado satisfatório. Sem ser “xiita”,

radical, no sentido de me manter rigorosamente o tempo todo na razão, me permiti,

entendendo não ser maléfico para o trabalho, em alguns momentos, fluir no sentimento mais

solto, natural, sem, no entanto, fugir da realidade dos fatos.

Aqui estão contidas as nuances, as sutilezas históricas, os acontecimentos fortuitos, as

interpretações e reinterpretações que ajudarão o leitor a encontrar fundamentos para saber o

porquê desse clube, chamado Flamengo, ter uma torcida gigantesca, ímpar e de ser para este

seu torcedor, além, do “mais querido do Brasil”, um clube de simbolismo que vai sempre

mais além. Mais que uma paixão. É religião. No sentido mais abrangente da palavra, de

religar o maior número possível de pessoas à sua causa.

O que foi reunido, apresentado neste trabalho, interessa não somente ao torcedor do

Clube de Regatas do Flamengo. É de interesse para quem gosta de futebol e, mesmo com sua

inclinação para este ou aquele time, pensa sobre o tema e enxerga a história do outro,

independente do julgamento que faça. Justifica-se, inclusive, o seu conteúdo aceitável, a uma

minoria que não gosta de futebol, isto porque, vai muito além desse aspecto único. Trata de

Sociedade, Cultura, História, Comunicação. Trata de gente. Retrata uma instituição que há

118 anos mexe com a emoção do torcedor. Seja amando, ou, odiando, o Flamengo é assunto

comum por todos os cantos.

Amor, paixão, fracasso, superação, alegria, ousadia, coragem. Sentimentos inerentes

ao ser humano. Sorriso e lágrima. Pluralidade. Tudo isso está presente nesse tema. Sobre

esses pilares, a história do Clube de Regatas do Flamengo foi erguida. Inserido na

Comunicação Social e sendo frequentemente pautado no Jornalismo, o Flamengo,

impressiona e qualquer investigação que trate de revelar os motivos para essa massificação do

tema Flamengo se faz pertinente.

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1 FUTEBOL, ESPORTE DE MASSA

O futebol, palavra que em sua origem vem a significar alguma coisa do tipo, “chutar

bola”, ocupa consistentemente porção considerável do planeta, seja, pela prática do esporte,

ou, pela abordagem do assunto e tem lugar de destaque no item predileção das pessoas. Ele se

caracteriza como a maior paixão esportiva do planeta. O mecanismo que o rege é intrincado.

Um esporte que desperta nas pessoas paixão em doses cavalares necessita de análises

profundas para se chegar aos motivos de sua atração. Ele desemboca em um campo minado

da complexidade humana. O futebol é retrato, imagem da sociedade. O jogar do campo e da

vida são bem semelhantes, acrescenta (JÚNIOR, 2007).

Em países onde o futebol é o esporte mais popular – e são muitos – ele vem a ser mais

que uma atividade esportiva. É representação da vida, de certa maneira. Perceber essa paixão,

reconhecer sua autenticidade, sua profusão é pertinente e na proveitosa tarefa de desconstruir

a formatação do esporte visando esmiuçar suas nuances, embarca-se. Sem pré-julgamentos

que podem escorregar nas certezas, apreciativas ou depreciativas, e somente com a pretensa

missão de se obter o conhecimento, projeta-se o olhar para examinar suas origens e desvendar

seus enredos.

Posicionando-se como observador dos signos que gravitam na atmosfera do futebol e

que o fazem permear o mundo e as relações humanas, chega-se a conclusão de ser o esporte

elemento fortemente representativo na sociedade brasileira. Jogando luz sobre os fatos, é certo

encontrar apontamentos de significação para essa prática esportiva que consiste em conduzir

uma bola com os pés, driblando o oponente e tendo como objetivo central, o assinalar do gol.

Entrando de cabeça na simbologia do futebol, chegamos a interpretações esclarecedoras

acerca de seu papel social.

O futebol tem um dom próprio. Ele faz as minorias, que estão fora da massa, sentirem-se parte da multidão. Também afasta qualquer indivíduo da solidão do sentir-se minoritário, dando-lhe uma identidade. A massa ganha uma personalidade própria, afastando o sentimento de ser apenas mais um. (PEREIRA, 2010, p. 13).

Ele funciona como um micro cosmo na estrutura macro social e é detentor de

capacidade ímpar de agregar, espalhando enlevo, feitiço, deleite. O futebol explica a

sociedade. É uma instituição nacional. Banhado na metáfora, a associação com a vida se faz.

A vida não traz paralelos com uma partida de futebol? Certamente. No campo de nossas

existências, com as faltas, sofridas e cometidas; as marcações cerradas que impomos; os

deslocamentos para fugir do indesejado; as alegrias; tristezas; vitórias e derrotas, glórias e

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ostracismo, diante desses adventos, nos deparamos com situações que nos impelem a tomar

decisões bem projetadas, suprimindo riscos, e conduzindo ao sucesso. O futebol pode ser

visto como uma analogia da vida e muito do que ocorre nele traz traços desta vida que fomos

escalados a jogar.

A experiência futebol parece ser, de fato, uma experiência divertida, o registro da ilusão, aquilo que Benjamin um dia chamou de ‘aura’. O futebol é a prova viva da necessidade de demonstrar afeto e de transformar a realidade num instante. A efemeridade do futebol impressiona ainda mais no momento do gol, em que nada parece fora de lugar. Mas os pilares que sustentam a concepção de espetáculo do futebol vão além das conquistas históricas [...]. (LOYOLA apud FREIRE, 2007, p. 98).

E quando surgiu? Como surgiu? Que desejo o inspirou? Quando se busca referências

sobre a origem do futebol, histórias diversas saltitam aos nossos olhos e ouvidos. Nenhuma

delas com base de registro oficial que ateste a veracidade. Como afirmam muitos estudiosos

do assunto, é impossível determinar um momento exato em que o futebol deu o ar de sua

graça na história da humanidade.

Uma dessas narrativas nos conta que na China, durante o período de 2000 a.C.,

guerreiros tiveram a ideia macabra de, após derrotarem o inimigo, decepar-lhe o crânio e

passar a chutá-lo visando ultrapassar a demarcação de dois paus fincados no chão. Com o

tempo se aprimorou essa diversão que passou a ser um exercício militar disciplinador e

bastante competitivo, chamado Tsu Chu, que significava morfologicamente “chutar a bola”.

Ocorrera uma mudança. E para melhor. Não mais se utilizava a cabeça do inimigo –

substituída por bola de couro com enchimento de crina.

A primeira forma documentada de futebol que se tem notícia vem da China, com o Tsu Chu, que em chinês significa ‘lançar com o pé’ (tsu) uma bola recheada de couro (Chu). O esporte, criado para fins de treinamento militar, foi desenvolvido por Yang Tsé, integrante da guarda do imperador da dinastia Xia, em 2197 a.C. (UNZELTE, 2009, p. 10).

Importado pelos japoneses, no século II a.C., o Tsu Chu mudou de nome, sendo

chamado de “Kemari”, palavra japonesa para definir, da mesma forma que no chinês, a

prática de “chutar a bola”. No Japão ele deixa de ter um caráter de competitividade e passa a

ser um cerimonial. Na América Central, no século 900 a.C., sob o nome de Tlachitli –

espetáculo – um suposto antepassado do futebol também é identificado. Ocorria em um pátio

que separava dois templos e consistia em não deixar a bola tocar o chão. Ela, a bola, tinha de

ser introduzida em aros.

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[...] os japoneses pretendiam provar que, muito antes de ser regulamentado pelos ingleses, o futebol já era conhecido no oriente, pelo nome de Kemari (Ke = chutar; Mari = bola). [...]. Patrocinado e difundido pelos imperadores Engi e Tenrei, esse tipo de futebol não contava pontos e nele se proibia qualquer contato corporal entre os participantes. (UNZELTE, 2009, p. 12).

Na cultura europeia, três atividades vêm a ser mencionadas como centelha inicial do

futebol. Na Grécia, o Epyskiros, século IV a.C. Jogado em campo retangular, com bola que

tinha no seu interior areia, e com o objetivo de fazer a bola ultrapassar certa demarcação. “Por

volta de 850 a.C., Homero havia escrito um livro sobre esse tipo de esporte [...]. O parente

mais próximo do futebol era o epyskiros, disputado com os pés, em campo retangular, por

duas equipes de nove jogadores”. (UNZELTE, 2009, p. 12).

A partir da influência do Epyskiros, surge em Roma, século III a.C., o Haspastum.

“Influenciados pelos gregos, os romanos também bateram a sua bolinha. O Haspastum – o

jogo da pequena bola”. (CARMONA e POLI, 2006, p. 22). Sua configuração era a de

aprimorar o aspecto atlético dos soldados e desenvolver uma estruturação tática. A partir do

século I a.C., se desvencilha da exclusiva esfera militar e se populariza. Possivelmente o

Haspastum foi introduzido pelas tropas romanas nas ilhas britânicas. Os diferentes jogos com

bola praticados na Inglaterra, inclusive o futebol moderno, teriam derivado dele, defendem

teóricos.

Uma tese dá conta de que em Florença – da fase Renascentista – atribuía-se ao

Haspastum a origem de um jogo com bola, praticado desde o século XIV, chamado, Cálcio.

Termo consagrado e até hoje proferido pelos italianos para denominar o futebol. O Cálcio

possuía características de ser um jogo urbano praticado no principal espaço público da cidade

(Piazza Santa Croce); tinha número fixo de jogadores; utilização de uniforme; aplicação de

regras; figura do árbitro e posicionamento dos jogadores em certas áreas do campo. Praticado

por indivíduos de todas as classes sociais, na segunda metade do século XVI muda de cara.

Passa a segregar as camadas mais pobres e torna-se exclusividade da nobreza. Em

apontamentos históricos percebe-se o quão apreciado era o esporte. Mesmo com a barreira

aristocrática, muita gente punha-se a acompanhar o evento. Existem relatos que estimava em

40 mil, o número de espectadores que acompanhavam cada partida, explicita (CARRILHO,

2010).

Outro apontamento discorre sobre uma manifestação esportiva ocorrida na França,

século XII, o Soule – do latim Solea (calçado). O Soule viria a ser uma prática com bola,

certamente jogada com os pés – associação com “calçado” - e que tinha muitas variações

dependendo da região. “As conquistas romanas semearam filhos do Haspastum pelo mundo.

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Na região da atual França, os habitantes célticos pré-romanos tinham um jogo de bola

conhecido como Seault. Do cruzamento das duas tradições surgiu o soule”. (CARMONA e

POLI, 2006, p.23).

Para maioria dos estudiosos, o futebol moderno teve sua origem na Inglaterra.

Caminhando de mãos dadas com a afirmação do poderio e da autoridade britânica pelo

mundo, o futebol desempenhou papel de destaque na proliferação desta condição inglesa. A

propagação pelo mundo do esporte, o futebol, dentre outros de origem britânica, se deu

sustentada por essa ascendência cultural inglesa e na associação à cultura ocidental cristã.

O futebol então ligado à Inglaterra faz enxergar nisso uma roupagem que mostra a

Revolução Industrial empreendendo no esporte, alguns conceitos marcantes de seu

surgimento e influência pelo mundo. Aspectos de um, foram desencadeados no outro.

Competição, produtividade, igualdade de chances, supremacia do mais hábil, especialização

de funções, quantificação de resultados, fixação de regras. Essas pontuações se aplicam a

ambos. Pode-se detectar pelo estabelecimento das regras que a Inglaterra que experimentava

um intenso desenvolvimento das instituições, visava à organização da sociedade. Através do

fortalecimento das instituições formais e da deflagração de regulamentações se ordenaria bem

o jogo social. Instituições servem para reger a própria sociedade. O progresso do capitalismo

exigiu um avanço no desempenho das instituições.

Para (CARRILHO, 2010), instrumento de demarcação do predomínio britânico pelo

mundo, o futebol foi envolvido pelo propósito colonizador de servir, através do chamado

cristianismo britânico, entre 1820 e 1900. Como eficaz concepção pedagógica de

desenvolvimento da estrutura moral da elite britânica, ao se inserir em outros países, o futebol

e a sua aplicação, era de suma importância para proporcionar força ao corpo, consistência ao

espírito, rapidez ao raciocínio, disciplina, boas maneiras e desenvolvimento.

Incorporando a fundamentação da teoria de Charles Darwin chamada “origem das

espécies” e incutindo, primeiro na Inglaterra e depois rompendo fronteiras, a ideia de que,

biologicamente, temos uma base comprovada da sobrevivência dos mais fortes, o esporte foi

elegendo os seus. A teoria darwinista foi se difundindo nas escolas privadas e nas

universidades de Oxford e Cambridge, juntamente com o jogo praticado com bola, desde o

século XIV, chamado Football.

Mesmo ao passo das interdições oficiais que vieram a ocorrer, em nenhum momento o

esporte desapareceu das cidades britânicas. Tamanho foi o interesse pelo football na Inglaterra

que, entre 1830 e 1870, cerca de sessenta times já haviam sido registrados. Houve então a

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necessidade de padronizar, de codificar as regras do esporte, tendo em vista que elas variavam

conforme a localidade. Em 1863 foi criada para este propósito, a Football Association.

Identificado então como produto made in England, os ingleses enxergavam no futebol

condições apropriadas para fortalecer ainda mais a sua imagem por outras terras. Dessa

mentalidade, um processo de exportação veio a ocorrer. Países de todos os continentes foram

apresentados ao futebol. Ridicularizado no início e não visto com bons olhos – isto fora da

Inglaterra, deixar claro - ele solidifica-se como espetáculo atraindo públicos cada vez maiores.

O futebol não é um pendor de desligamento das responsabilidades, das obrigações

sociais - como alguns afirmam. Tem muito mais elementos construtivos do que destrutivos,

benéficos, que maléficos, no seu universo e trabalha na intensidade das emoções. Tanto na

questão da razão como na da emoção, encontra-se motivações sólidas e conteúdo consistente

para aprofundamento de estudo.

Uma das maiores distrações da humanidade, pelo menos entre os homens, o futebol é menos perigoso que o álcool, menos ilusório que a religião e proporciona um senso de comunidade mais estrito que qualquer partido político. As ilusões da lealdade podem se perder ou o êxtase da vitória pode se provar efêmero, mas, ao início de cada novo campeonato, a esperança eterna que ocupa o coração dos fãs do futebol pulsa novamente. Os políticos abusam dessa fé simples, os homens ricos corrompem-na e os cínicos zombam dela, mas o futebol sobreviveu a tudo isso, tornando-se a maior e mais sólida instituição esportiva do mundo. (MURRAY, 2000, pag. 18).

Impressionante é observar quão natural e próprio da raça humana é a predisposição,

o impulsionamento que se tem, desde a marca inicial da vida, dos primeiros meses de

existência, para, sem ninguém ensinar, soltar o pé em uma bola. Ao primeiro sinal de que

começa a andar, a criança já esboça o ato de chutar aquele objeto redondo. Essa inclinação

existe em todo o ser que estreia em sua vivência neste planeta. No Brasil, o futebol é uma

febre que faz bem. Há mais de cem anos se instalou por aqui e desde então sua representação

e significação social veio se acentuando cada vez mais.

1.1 CHEGADA NO BRASIL

Conjeturas variadas de manifestação inicial do futebol no Brasil são encontradas. Uma

linha de observação relata que já no século XVII, os portugueses, que aqui estavam com o

propósito de colonizar essas terras praticavam um esporte que era jogado com uma bola de

pano e que possuía semelhança com o futebol. Outra versão levantada é a de que marinheiros

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europeus, mais precisamente ingleses e franceses, teriam jogado as primeiras “peladas” na

América do sul, em 1864, em terras brasileiras.

Bailam ainda versões de que marinheiros ingleses teriam desembarcado no Rio de

Janeiro e realizado uma “pelada”, rachão, em frente à residência da princesa Isabel, no bairro

carioca das Laranjeiras. E que em Itu, no interior paulista, padres haviam ensinado o futebol

aos seus alunos entre 1872 e 1873. Duas outras explanações argumentam que Mr. Hugh,

responsável pela estrada de ferro São Paulo Railway, teria apresentado o futebol a seus

funcionários e estimulado sua prática. E que em colégios confessionais e laicos de São Paulo,

Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, a prática futebolística já se aplicava desde a década de

1880.

O futebol definido por (BYINGTON, 1982, p.21) como “uma prática social que, como

tal, expressa a sociedade brasileira, com todas as suas aspirações mais antigas, seus desejos

mais profundos e suas contradições mais camufladas”, tem a versão oficializada de chegada

ao Brasil por intermédio da figura de um paulistano, filho de engenheiro escocês e de uma

brasileira – filha de ingleses. Seu nome, Charles Miller.

Ele que fora mandado pelos pais, aos nove anos de idade, para a Inglaterra a fim de

completar os estudos, ao retornar, em 1894, traz em sua bagagem uma série de itens

associados ao futebol: uniformes, pares de chuteiras, bolas, uma bomba de ar, um livro de

regras, além, da obstinação em desenvolver o esporte por aqui. Charles havia jogado futebol

na Inglaterra e mostrava talento como jogador. Logo que chegou teve dificuldades para

convencer os seus pares – obviamente àqueles que não tinham ido à Inglaterra - a praticar o

esporte bretão. Na sua insistência, conseguiu arrastar alguns colegas para um campo de

várzea.

Sendo sócio do São Paulo Athletic Club – o primeiro clube esportivo da capital

paulista – Charles Miller tentou fazer com que os ingleses do clube jogassem uma partida de

football. Praticantes do críquete, os sócios descartaram de imediato. Só no ano seguinte, 1895,

o São Paulo Athletic adotou o futebol em seu quadro, tendo Miller como principal destaque.

O primeiro jogo de futebol que se aproximou das regras oficiais, por assim dizer, ocorreu em

São Paulo, em Abril de 1895. Charles Miller foi o responsável em pôr em campo funcionários

da Companhia de Gás (The Team of Gaz Company) e da São Paulo Railway – empresa da

qual o seu pai era funcionário, cita (GUTERMAN, 2010).

É com ares de esporte estritamente elitista que o futebol se instaura na Paulicéia. Tem

aceitação forte entre os abastados, mas, logo é visto e descoberto pelo pessoal do baixo

escalão social. Queriam ter o direito de praticá-lo também. Em 1898 é fundada a Associação

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Atlética Mackenzie College, que em tese vem a ser o primeiro time de futebol composto

unicamente por brasileiros.

Charles Miller e sua importância para o futebol é notória. Todavia, outro nome que

não se pode esquecer é o de, Hans Nobiling. Um alemão que muito contribuiu para a

organização e disseminação do futebol por terras paulistas. Estabeleceu-se em São Paulo em

1897 e determinado a difundir a prática do futebol fundou o seu próprio time, o Hans

Nobiling Team. Fomentou disputas envolvendo os times de até então, o seu, juntamente com

o Mackenzie e o São Paulo Athletic. Fundou outro clube, que tinha o nome de Sport Clube

Internacional e, em seguida, mais um, o Sport Clube Germânia.

[...] Charles Miller não foi apenas o principal responsável pelo aparecimento do futebol em nosso país. Mais que isso, ele tinha o perfeito domínio das regras do futebol naquela época, apitava jogos, além de ser jogador de extrema habilidade técnica (...). Ao chegar ao Brasil, Charles teve mais um motivo para continuar empolgado e divulgando o futebol: ele encontraria aqui o alemão Hans Nobiling, chegado em 1897, vindo de Hamburgo, onde jogava pelo clube Germânia. Juntos, passaram a organizar competições no campo de Rúgbi do São Paulo Athletic e no velódromo, Seguia-se, a partir desse momento, uma série de jogos que reunia os altos funcionários das empresas inglesas e a elite econômica interessada nesse esporte. (CALDAS, 1990, p. 23).

No Rio de Janeiro, é oficialmente Oscar Cox – filho de inglês - quem dá o pontapé

inicial na introdução do futebol na cidade. Assim como Nobiling, em São Paulo, Cox foi o

homem que teve papel relevante na disseminação do futebol por terras cariocas. Oscar ao

retornar da suíça, em 1897, após completar os estudos, extasiado pela febre do futebol na

Europa, desembarca com uma ideia fixa. Implantar o inglês “football” entre os cariocas e

fazer dele o esporte mais admirado da cidade. O estudante tinha 17 anos. Na capital federal

nenhum traço do esporte existia e Cox enfrentou enormes dificuldades. Os campos que

haviam eram destinados ao Críquete (esporte parecido com o beisebol). Para Oscar Cox

aquele espaço era muito diferente do que havia visto na Europa.

E as pessoas sequer vislumbravam o que poderia ser o futebol. ‘Football’? Que vinha a ser aquilo? [...] havia um campo. Sim. O clube brasileiro de Cricket tinha um. A coisa, porém, se complicava quando Oscar Cox, balançando a cabeça, dizia que, fora o verde da grama, não existe semelhança alguma entre o campo de cricket e o campo de football. O campo de cricket sendo oval, o de football sendo retangular. (RODRIGUES FILHO apud MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 14).

Encomendando bolas, que vinham da Europa, Oscar Cox estimula a aproximação dos

praticantes do críquete e dos seus pares sociais ao novo esporte. A batalha foi árdua. O campo

teria que ser aquele mesmo, destinado ao críquete. Faltavam as traves, as redes e inclusive

jogadores. Cox quase desanimara, mas incentivado por seu pai e também pelo avô – o pai

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havia sido um dos fundadores de um clube de críquete, em Niterói, o Rio Cricket and Athletic

Association - continuou a acalentar o seu sonho.

Levou três anos para fundar o primeiro time carioca de futebol formado só por

brasileiros. Brasileiros esses que haviam também ido a Europa e se encantado com o esporte.

O time pertencia ao Rio Cricket. O outro clube de críquete da cidade era o Paysandu Cricket

Club. O time de futebol do Rio Cricket comandado por Cox, enfrentou outro formado por

sócios do clube, praticantes do críquete e do tênis. O placar de 1 a 1 deixou as pessoas meio

perplexas. Que esporte era esse que aceitava uma disputa sem um vencedor?

O team dos brasileiros devia enfrentar um team de ingleses. Qual o inglês que não dera um chute em uma bola? E aí – era agosto de 1 – bem de manhã cedo, os tenistas do Rio Cricket and Athletic Association tiveram a atenção despertada por umas balizas colocadas nos extremos do campo de Cricket. Eles perguntavam ainda o que era aquilo quando apareceram os jogadores. [...]. (RODRIGUES FILHO apud MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 15).

Mesmo com desconfianças, a primeira experiência foi proveitosa e duas outras

partidas foram realizadas. Porém, para se consolidar de verdade era necessário jogar contra os

paulistas já mais adiantados na prática do futebol. Cox fez contato com um amigo que havia

estudado e praticado futebol com ele na Europa e que morava em são Paulo. Esse amigo

estava inserido no movimento futebolístico em São Paulo. Uma resposta positiva se deu e o

time do Rio partiu rumo à capital paulista. A receptividade foi muito boa e as partidas bem

jogadas. Foram dois jogos. Dois empates. E um bom número de pessoas foi conferir o embate

entre cariocas e paulistas.

E a gente só precisava de uma coisa. De disputar um macht em São Paulo [...]. Oscar Cox pegou uma folha de papel, molhou a pena e escreveu a carta. Quero que você me responda com urgência se é preciso levar barra de gol e redes. Temos tanto uma coisa como outra. A resposta veio mais animadora do que se esperava. Não precisamos – escrevia René Vanorden, do Esporte Clube Internacional – de nada. Temos campo. Temos barra de gol. Temos rede. Só faltam vocês para um Rio - São Paulo. (RODRIGUES FILHO apud MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 16).

Em 1902, Cox alça voo mais alto e substancial e funda o aristocrático Fluminense

Football Club. Mas, o primeiro time de futebol oficial do Rio de Janeiro foi o Rio Football

Club, surgido poucos meses antes do Fluminense. Inicialmente Cox seria o seu fundador, mas

por divergências deixou o grupo e outro membro se encarregou de firmar o nascimento do

clube.

Com a criação formal do seu tão acalentado time, o Fluminense, Cox, sente um quê de

missão cumprida. O futebol no Rio de Janeiro começa a se fortalecer e a despertar o

entusiasmo nas pessoas. Despertar interesse entre todos, sim. Mas a prática do esporte era

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restrita a pessoas de bom poder aquisitivo, é bom dizer. Lembrando que os esportes populares

eram o Remo e o Turfe. Nessa época, o Rio de Janeiro era tocado pelo anseio de

modernização e uma grande estruturação urbana, que visava corrigir as deficiências que

possuía, foi implantada.

O Rio de Janeiro passava, naquela época, por bruscas reformas urbanas que modificavam a disposição geográfica da maior população brasileira da época. De acordo com Mattos (1997) os clubes também fizeram parte desse esforço modernizador e cosmopolita que contagiou o rio na virada do século. A autora recorreu a Needel (1993), que, em seu estudo sobre belle époque, relacionou a criação dos clubes ao desejo de estabelecimento de um convivo social da elite, (DAOLIO, 1997, p.22).

Na elite e não no seio da camada mais humilde, o futebol tem o seu desenvolvimento

inicial no Brasil. Era amador e nisso residia um traço que era defendido por quem o praticava,

o Fair Play. Jogar limpo era necessário. Na arquibancada, o torcedor também deveria se

comportar. O futebol serviria como meio de despertar os modos mais refinados, os bons

princípios para formar uma classe que serviria de modelo para todo o país. A elite se dedicaria

a utilizar aquele esporte para incutir a ideia de que era fundamental prezar pelas boas

maneiras para se atingir uma pretensa “civilização”.

Esporte de bacharéis num pais caracterizado por gigantesca desigualdade social, esporte de brancos em uma sociedade com marcas ainda expostas do escravismo, esporte associado a ícones do progresso e da industrialização numa economia ainda essencialmente agrária, o futebol tornou-se desde o inicio um dos ingredientes mais importantes dos debates acerca da modernização do Brasil e da construção da identidade nacional. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 61).

Um ponto era bem demarcado. O futebol deveria ser praticado por pessoas de igual

condição social e racial. Só pessoas de “boa família” seriam capazes de ter uma conduta

adequada, de portar-se com educação. Esse era o pensamento dominante. Sendo assim, só

àqueles de famílias abastadas, tradicionais e, aos “brancos”, deveria ser permitida a prática do

esporte.

Só foi esquecido que era da natural predisposição da figura humana o alcance das

vitórias. Não era fácil aceitar derrotas. As partidas foram ficando acirradas e a paixão pelos

clubes se aflorando. A elite começou a deixar o fair play de lado. Vez ou outra, as partidas

não terminavam bem. Com a inserção “forçosa” dos clubes de menor expressão, notou-se um

tratamento diferenciado proporcionado, principalmente, pela imprensa da época, que criticava

quando jogadores e torcida de times sem tradição e suburbanos se envolviam em confusões.

Cobrando medidas para restringir a participação destes nos eventos de futebol, assim se

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comportavam. Já quando o ato reprovável partia de um jogador de um time tradicional, um

time “grande”, a atitude era outra. A imprensa argumentava que havia sido um relapso, um

destempero normal. O tratamento dado aos times da zona sul era bem diferente ao direcionado

aos times suburbanos. É isso é o que se deduz da leitura de (PEREIRA, 2000).

A grande massa já envolvida pela paixão do esporte, mesmo com a postura excludente

desempenhada pelos organizadores, mesmo com o não permitir aos menos favorecidos ter

acesso ao esporte, queria estar perto do futebol. Espiavam por entre os muros e do alto de

morros as partidas jogadas pelos de boa condição financeira. Tocados pelo encanto e

atratividade que o futebol proporcionara, passaram a, em larga escala, correr atrás de uma

bola, fosse ela feita de meia, ou de outra composição, em terrenos baldios, nas ruas e praças.

Conta (PEREIRA, 2000) que nos primeiros anos do século XX, a capoeira, que era

associada aos negros e tida como prática repugnada pelas “famílias da sociedade”, que viam

nela um grande “mal” para a cidade, foi discriminada, atacada e repreendida pelas

autoridades. Como alternativa para “controlar” as festas que eram as rodas de capoeira, que

reunia a camada da população mais pobre pelas ruas, o jogar futebol, entre os menos

privilegiados socialmente passou a ser permitido – tendo claros interesses de controle. Ligas

suburbanas de futebol começam a surgir. O esporte toma conta dos subúrbios proletários. No

que toca à questão da classe operária, um fato que obteve destaque proeminente e serve como

síntese para o início da democratização do futebol no Brasil foi a criação de um time por

diretores da inglesa, “Companhia Progresso Industrial”, uma fábrica de tecidos, que permitiu

ao operariado o acesso à prática do futebol. Esse time é o Bangu Athletic Club.

Para a democratização do futebol foi de extraordinário significado a fundação do The Bangu Athletic Club no ano de 1904. Bangu, um subúrbio do Rio de Janeiro, é a sede de uma grande fábrica de tecidos, que mandou vir da Inglaterra os técnicos de que precisava. Os ingleses fundaram o clube com o consentimento da direção da fábrica, que lhes pôs à disposição também um campo situado próximo. Em virtude da distância do subúrbio, entretanto, não foi possível aos ingleses constituírem equipes fechadas chamando os seus compatriotas da cidade. Viram-se obrigados a recorrer aos operários da fábrica, estimulados pela direção esclarecida, que provavelmente soubera que os fabricantes de tecidos ingleses na Rússia fomentavam o futebol entre os turnos para animar sua disposição ao trabalho. (ROSENFELD, 1993, p. 82).

Pela facilidade em praticá-lo, o futebol consegue adesão maciça dos pobres, alavanca-

se entre todas as classes sociais. Rompe fronteiras conceituais e começa a cutucar o

preconceito. Especialmente, o racial. Mesmo contra a vontade das elites, o interesse pelo

futebol jogado em alto estilo pelo negro começa a se fazer presente. Os clubes vão se

curvando a este fato e passam a eleger seus atletas pelo talento, fazendo vista grossa para a

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cor da pele. Ou, maquiando de certo modo, esse traço racial. Podia-se tentar camuflar aquela

condição.

Friedenreich foi exemplo disso. Sendo o primeiro grande fenômeno negro do futebol

brasileiro. Ele foi o autor do gol que deu o primeiro título internacional ao futebol brasileiro,

no Sul-Americano de 1919, ocorrido no Rio de Janeiro - cinco anos após a realização da

primeira partida do selecionado brasileiro. A euforia era imensa. O Brasil conseguira “bater”

Argentina, Uruguai e Chile – que costumavam levar vantagem nos confrontos,

principalmente, a Argentina e o Uruguai – e o Rio de Janeiro conseguira realizar uma grande

competição esportiva transformando o evento em acontecimento social de imenso destaque.

Nascido em 1892 no bairro da Luz, em São Paulo, Friedenreich, sintetizava bem a

mestiçagem que é um traço de povo brasileiro. Filho de um comerciante alemão e de uma

brasileira, lavadeira e negra, o mulato de olhos verdes possibilitou a abertura, ainda tímida,

inclusive, nos jornais, de espaço para se falar sobre o negro. Involuntariamente tinha um

hábito que parecia denunciar algo. “Fried procurava ele mesmo esconder como pôde sua

condição de mulato, alisando vigorosamente o cabelo antes de entrar em campo”

(GUTERMAN, 2010, p. 44).

Outro fato racial que se tornou cheio de simbolismos aconteceu em um dos clubes

mais tradicionais do Brasil, o Fluminense. Para entrar em campo, um jogador de pele mais

escura do clube – contratado junto ao América, em 1914 - chamado, Carlos Alberto, fazia

uma sessão de maquiagem para não denunciar sua condição racial. “(...) Carlos Alberto,

entrou para a antologia do futebol pelo inusitado: mulato, ele passava pó de arroz no rosto

para disfarçar a raça quando jogava pelo Fluminense” (GUTERMAN, 2010, p.44). Desde

então, as torcidas adversárias passaram a se referir assim ao clube das Laranjeiras, “pó de

arroz”.

Com a “indesejada” abertura do futebol elitista ao negro – e por associação ao pobre -

rompimentos, rupturas se estabeleceram e criações de ligas, de campeonatos que abarcavam

clubes ideologicamente diferentes, foram recorrentes. (PEREIRA, 2000) destaca que o futebol

já havia se enraizado definitivamente na nossa cultura e se tornado a grande paixão do

brasileiro. No Rio de Janeiro, o remo ainda tinha a sua força, mas o futebol já possuía o seu

brilho próprio. Depois do surgimento do Vasco da Gama na divisão de elite do futebol

carioca, não dava mais para negar a chegada definitiva do negro, do pobre e do trabalhador

comum, ao futebol. A aceitação do negro e o “amadorismo marrom”, assuntos estes, ligados

ao Vasco da Gama, serão comentados mais adiante.

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Deve-se considerar o pensamento predominante da sociedade que pregava ser o

branco uma raça “pura” e que a mestiçagem que ocorria no Brasil fazia mal e acentuava

aspectos depreciativos. O futebol conseguiu servir como meio para a propagação e

fortalecimento do contrário. A mestiçagem era nossa marca positiva e dela não poderíamos

fugir.

Ainda sendo amador, o futebol deixava transparecer uma ponta do profissionalismo.

Este aspecto era alimentado pelos patronos dos clubes. Uma das práticas à qual muito se faz

referência era o pagamento do “bicho”- um animal de valor que era dado a um atleta ou, mais

comumente, rateado entre os atletas. O caminho para a profissionalização estava sendo

traçado, era inevitável. O profissionalismo de certa forma demorou a vingar por aqui. Foi no

momento em que o Brasil começou a perder jogadores – contratados e remunerados por times

de outros países – que ele se estabeleceu de vez. Isto, na segunda metade da década de 1930.

O futebol também foi parte importante no fortalecimento da autoestima e da

autoafirmação dos imigrantes que para o Brasil vieram se estabelecer. Destacadamente, para

os alemães e italianos - em decorrência da primeira e da segunda guerra mundial. E para os

portugueses, que eram vistos por aqui com maus olhos e repugnância, em razão da

colonização, domínio e exploração das terras brasileiras. Considerável parcela da sociedade

tinha certo entrevero e picuinha na relação com os portugueses. Essa antipatia era bem

percebida. Através do futebol, os imigrantes conquistaram respeito e melhor perspectiva

passou a se apresentar para eles.

A união, solidariedade, homogeneidade sentimental - de dirigentes, sócios, jogadores,

torcedores - a partir dos seus traços nacionalistas, fortaleceu os imigrantes que, apesar dos

pesares, acreditavam ser aqui um lugar bom pra se viver. Começaram a surgir clubes

formados por gente nascida em outros países. São exemplos desse processo: o Palestra Itália,

em São Paulo e em Minas Gerais – originário de Palmeiras e Cruzeiro, respectivamente.

Também, o Juventude, em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Todos oriundos da colônia

italiana. A colônia alemã fundaria o Coritiba, em Curitiba, no Paraná; o Grêmio, em Porto

Alegre, e o Germânia, em São Paulo. Os portugueses, Vasco da Gama e Lusitânia – no Rio -,

e Portuguesa de Desportos, em São Paulo. O Galícia, em Salvador, na Bahia, seria fundado

por espanhóis.

Esses exemplos são de clubes que obtiveram sucesso no futebol, ao passo que, outros,

sem destaque no futebol, mas fortes como clubes sociais propriamente, como, o Esporte

Clube Sírio, o Monte Líbano, de imigrantes árabes, e, posteriormente, a Hebraica, já nos anos

1950, fundado por Judeus, referendam essa constatação.

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Impossível não pensar no futebol como fenômeno social, cultural, que ajudou o Brasil

a encontrar a sua identidade nacional. Deve-se gratidão ao futebol, por exemplo, pelo fato de

ter possibilitado, vencendo a resistência da classe dominante, mostrar, escancarar uma

realidade que é própria do Brasil. O Brasileiro é um povo mestiço, fruto da mistura de raças,

um povo formado da fusão de negros, mulatos, indígenas e europeus e por isso tão especial. E

também por ter contribuído para fazer o brasileiro se sentir especial diante do mundo a partir

das conquistas mundiais da seleção. Foi por intermédio do futebol que o brasileiro rasgou,

pisou em cima, se libertou do seu “complexo de vira-latas”, criação de Nelson Rodrigues, que

via no povo brasileiro uma tendência a se colocar como menor, inferior diante do mundo.

Um estádio de futebol é mais do que um simples espaço onde 22 homens correm de

um lado para o outro. É o lugar onde, da arquibancada, uma massa heterogênea se torna coesa

e irradia vibração. É no estádio de futebol que o torcedor se manifesta na sua mais

surpreendente condição humana. É laboratório, divã, palco e consultório da alma de um povo

que tem nele, o futebol, o seu santo remédio libertador e que ameniza suas agruras diárias.

O futebol tem a capacidade de exacerbar certas condições psicológicas. Uma derrota

pode ferir o ego. Pode mexer com o nacionalismo. Ele é imperfeito – os resultados

improváveis se estabelecem com certa frequência. O melhor, nem sempre vence. A lógica,

vez ou outra, se esconde e talvez, por isso, pela imprevisibilidade, o futebol seja esse

elemento fascinante, encantador, cheio de significações psicológicas que levam o torcedor a

uma “loucura saudável”. O torcedor é magia.

1.2 O TORCEDOR

Sendo um indivíduo que acredita, pela sua inserção na coletividade, ser possível

desvirtuar o significado, mudar o rumo, dar vida ao improvável e fazer emergir do seu torcer

apaixonado uma energia que “contamina” positivamente o futebol, retransformando a

realidade, nessa configuração curiosa, o torcedor salta para uma plataforma de destaque.

Torcer é ter a capacidade de alterar a partida que se tem diante dos olhos. O adepto de um

time, o torcedor pra valer, crê que pela sua fé e pelo seu estímulo, amplificados e

incorporados pela massa, podem colaborar para que seus ídolos absorvam energia, envolvam-

se de elementos da divindade, abrindo as portas para a vitória.

Quando o pensamento individual se infiltra e ganha na adesão de um grupo, de uma

massa, energia própria e vai se propagando, seus efeitos geralmente são percebidos. Na

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simbiose de torcida e jogador, por inúmeras vezes, foi detectada a alteração de uma jogada, de

um lance, de uma partida, em razão dessa energia desencadeada.

Fazer parte da multidão e perder o controle de nossas emoções e de nosso comportamento, pelo contrário, é aquilo contra o que somos advertidos desde a infância. Em consequência disso, muitos de nós esqueceram (ou jamais souberam) como pode ser prazeroso fazer parte da multidão. [...] As multidões anseiam pelo momento em que sua energia se conecta à dos jogadores e faz a energia deles aumentar. Porque naquele momento, a separação entre a torcida e os jogadores parece desaparecer. Essa comunhão, longe de ser puramente espiritual, pode constituir uma realidade física. Pode ter até uma base biológica bem concreta, nos recentemente descobertos neurônios-espelho, que atuam no córtex pré-motor. Os neurônios-espelho são ativados não apenas quando a pessoa executa uma ação, mas também quando vê alguém a executando. (GUMBRECHT, 2007, p. 150-151-152).

Torcida e jogador é algo indissociável. Estão a comungar. Essa parece ser a intenção

que se compactua no ato de torcer. Existe na relação torcedor-time-jogador carga de gratidão,

nem tanto perceptível assim, em um primeiro momento, mas nítida, ao analisar mais

cuidadoso. Essa gratidão não tem uma razão lógica de ser, mas está presente nas entrelinhas

do futebol. “[...] de uma longa carreira assistindo a esportes, o que eu ‘ganhei’ foi um forte,

embora não muito bem definido, sentimento de gratidão para com os atletas que me

proporcionaram momentos de intensidade tão especial”. (GUMBRECHT, 2007, p. 161).

Protagonistas do espetáculo do futebol, cada um do seu jeito, jogador e torcida estão

juntos e se complementam. Difícil imaginar só uma coisa, ou outra. Os dois querem se

mostrar, mutuamente, para afirmar suas forças e sentir o gosto da glória. Nessa relação,

involuntariamente, passam a desenvolver uma funcionalidade orgânica, cerebral, psicológica,

que merece análise.

O verbo “torcer” significa virar, dobrar, encaracolar, entortar etc. O substantivo “torcedor” designa, portanto, a condição daquele que, fazendo figa por um time, torce quase todos os membros, na apaixonada esperança de sua vitória. Com isso reproduz-se muito plasticamente a participação do espectador que ‘co-atua’ motoramente, de forma intensa, como se pudesse contribuir, com sua conduta aflita, para o sucesso de sua equipe, o que ele, enquanto ‘torcida’, como massa de fanáticos que berram, realmente faz. (ROSENFELD, 1993, p. 82).

A partir do desenvolvimento, expansão e consolidação do futebol na sociedade

brasileira, a torcida foi se tornando mais ativa, passando a ter reconhecimento, e influenciando

no rumo dos clubes. A prática de incentivar o time de coração se torna algo sólido e começa a

se organizar. Surge então o torcer mais elaborado. Cânticos, instrumentos musicais,

uniformes, utilização de fogos, bandeiras, são introduzidos nos estádios.

Sim, porque no início se torcia de maneira pudica, comedida. O futebol como

sinônimo de esporte da elite precisava pautar o torcer de forma comportada e refinada como

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se o sujeito estivesse em uma ópera ou coisa assim. A vestimenta dos torcedores era a de

trajes finos e elegantes. Não se admitia nenhum grito de incentivo a não ser no máximo um

“Aleguá”- significava algo tipo, avante! - ou um “Hip Hip Hurrah!”, seguido do nome do time

– cumprimento entusiasmado do torcedor de um clube. E mesmo assim, antes do início das

partidas. Esse era o torcedor.

As mulheres e seus vestidos e chapéus de imenso glamour. As fitinhas no chapéu –

com as cores do time – que as mulheres torcedoras do Fluminense torciam revelando o

nervosismo e o encantamento àquele que foi o primeiro goleiro da seleção e arqueiro tricolor,

Marcos Carneiro de Mendonça. Notabilizado pela beleza física, por seu jeito pomposo e

elegante de se vestir – usava uniforme todo branco e uma fita roxa como cinto - e pelo seu

talento em realizar defesas incríveis.

Curiosa é a informação trazida por (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 292) de que o uso da

palavra “torcer”, inserida na esfera futebolística, segundo conta-se, “[...] vem do hábito de

moças simpatizantes do Fluminense contorcer durante as partidas pequenas fitas roxas,

semelhantes às usadas, na cintura, pelo goleiro do clube no período de 1914-1922, Marcos

Carneiro de Mendonça”.

O goleiro, ou, na época, chamado de goalkeeper, foi um estudioso da profissão.

Desenvolveu apurado senso de colocação que dificultava o sucesso dos atacantes. Aristocrata,

foi defensor ferrenho do futebol amador. Contribuiu também como historiador para o acervo

histórico do futebol ao recortar de jornais e revistas tudo o que saía sobre a sua presença em

campo nas partidas de futebol. Parte da história do futebol carioca e da seleção brasileira, do

período compreendido, entre 1913 e o final da década de 1920, foi guardada, preservada

através desses recortes que formataram o “Álbum”, ou “Grande caderno pardo” de Marcos

Carneiro de Mendonça. Destacada fonte de estudos sobre o futebol carioca do início do século

XX.

O torcer, silencioso, passivo, vai com o tempo ficando pelo caminho. Era impossível

torcer calado. Sobre essa maneira elaborada de torcer, barulhenta, ativa, colorida, festeira, se

descreverá, mais a frente, através da figura de um torcedor que foi referência, o criador da

primeira torcida organizada do Brasil. Esse torcer mais intenso, põe em evidência as

alterações orgânicas que ocorrem tanto no torcedor, na sua apropriação ativa de torcer, quanto

no jogador posto em performance passiva de recebimento do incentivo. Ambos são tomados

pela adrenalina gerada pelo corpo. O fluxo sanguíneo aumenta, o funcionamento orgânico se

altera.

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Estar em uma arquibancada torcendo por seu time de coração desencadeia uma série

de reações, movidas pela paixão, que se aproximam de alguma coisa, tipo, colocar o pé em

outras dimensões. “Quando se considera a imensa carga de sentimentos que se irradia da

torcida para os times, entende-se que eles busquem abrigo em esferas sobrenaturais, para se

certificarem da estimulação benévola [...]”. (ROSENFELD, 1993, p.103).

Poucas coisas nessa vida têm uma representação tão forte quanto o futebol para o

torcedor. Ele, o torcedor, acredita que as vitórias no campo descerram uma atmosfera de

vitória e de realização pessoal, por poder se sentir fazendo parte de um clube que possui sua

representação, seja na rua, no bairro, na cidade, no estado, no país. Descreve Daolio:

O que parece é que o torcedor vai ao jogo buscando, muitas vezes, a alegria, a realização ou o sucesso que não conseguiu ter naquele dia ou nos últimos tempos em sua vida. O seu time, assim, pode representar uma parte da vida que dá certo. Como parte do clube, o torcedor tem a ideia de que “meu clube é rico”, “meu clube é vencedor”, “os dirigentes do meu clube são poderosos e eu, torcedor, participo disso”, “participo porque me identifiquei, sou parte, membro, presença”... O clube acaba mediando uma relação desse indivíduo com o sucesso, com a lembrança, com a família, com a sua origem. (DAOLIO, 1997, p.26).

Outro aspecto que se observa no ofício do torcedor é a sua “simpatia”, “satisfação”,

pelas vitórias difíceis. Aquele jogo no qual o seu time passou sufoco, sofreu para vencer,

reagiu no final, ganha um contorno elevado e deixa para esse torcedor uma sensação mais

aguçada de superação. “[...] O sentimento de sacrifício está presente no torcer. A vitória

suada, o gol no final do jogo, a partida difícil, a briga na arquibancada, a derrota inesperada,

etc., trazem uma marca definitiva do fato que se aloja de vez na memória do torcedor”.

(DAOLIO, 1997, p.28).

O “sentir-se” pertencente a um grupo, a uma instituição, a uma comunidade, torna-se

especial também por inferir para aqueles que se agregam, ser isso, uma ligação ao passado,

aos costumes e ritos interiorizados e marcados na história de uma dada organização. É o dar

continuidade a algo plantado lá atrás e que não pode morrer. É isso o que nos diz Morin.

A identidade individual e coletiva afirma-se, não na dependência imediata de cada grupo, como na sociedade primática, mas sim pelo e no conjunto dos fios noológicos que ligam o indivíduo a seu parentesco real e mítico e que dão à cultura sua identidade singular. O nome liga a identidade individual a uma filiação sociocultural: estabelece, ao mesmo tempo, a diferença e a dependência: quando diz “filho de”, tem-se em mente não apenas os genitores, mas também os antepassados, a descendência social. O mito alimenta a recordação, o culto e a presença do antepassado, mantendo-se por isso mesmo, a identidade coletivo-individual. Este tema do antepassado, das origens e da genealogia retorna sempre, obsessivo, nos símbolos, nas tatuagens, nos emblemas, nos adornos, nos ritos, nas cerimônias e nas festas. (MORIN, 1979, p.169).

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Torcedor, elemento ímpar na atmosfera do futebol. Esse sujeito que tem o afã de

acompanhar, impreterivelmente, o seu time, de se sentir como parte da equipe, se doando de

corpo e alma na sua função de torcedor. Que pelo seu clube é capaz de esquecer até mesmo o

maior dos problemas, de se sobrepor à limitação, seja ela, financeira, física ou de outra ordem

qualquer e se fortalecer por intermédio do sagrado, para ele, exercício do torcer. Ele é com

toda certeza um grande objeto de estudo.

E como seria o futebol sem essas figuras devotadas que encarnam o espírito do amadorismo e o levam até as últimas consequências? Acho que não teria a mesma graça sem eles, que têm suas vidas e problemas, mas que deixam tudo de lado e revelam um amor sem medir esforços, desprovido de preocupações políticas ou financeiras. Pessoas que são a pura paixão por um clube. (ZICO apud MATTOS, 2007, orelha).

Na batida apertada do coração dessa massa de brasileiros, esses torcedores, fidedignos,

que são, têm suas vidas “verticalizadas” no sentido de serem arrastados pela inebriante

experiência do torcer por seu time de coração e, em estágio mais homogêneo, pela seleção,

para planos de percepção do mais puro contentamento. São indivíduos que frequentemente

são tomados pela confiança em vitórias, êxitos, em uma melhor condição psicossocial em suas

vidas, desencadeada pelo sucesso do seu time dentro das quatro linhas.

A representação de uma vitória é frondosa para o melhoramento de quesitos da vida

desse sujeito. O que ele sente transcende uma compreensão simplória. No feitiço do

espetáculo da arquibancada, que “prende” o torcedor ali e, em regra geral, o coloca em uma

fecunda alegria e que faz pasmar aquele que nunca se permitiu fazer parte da massa ululante,

conjunturas analíticas emotivas são tocantes.

Ela nunca tinha pisado no solo sagrado do Maracanã. Estreou num dia de Fla-Flu. Decisão do título carioca de 1995, aquele, do gol de barriga de Renato Gaúcho de barriga. Ela nem viu, na verdade. Porque o que acontecia no gramado não tinha a menor importância. Ela estava extasiada com o espetáculo das arquibancadas. Foi a primeira vez em que vi o que significava, literalmente, alguém ficar boquiaberto. Ficou ao sair do elevador e entrar no corredor para a área das tribunas, ainda antes da borboleta. Como eu sabia que alguma reação haveria, adiantei-me para poder voltar e vê-la de frente. Boquiaberta. Quando se deparou com a multidão, com as cores, com a cantoria ficou paralisada. E boquiaberta. De queixo caído, Vá lá. Ela existe mesmo, se chama Leda e é minha mulher. Poucas vezes antes eu atinha visto daquele jeito, talvez diante da Guernica ou da Pietá. E foi dessas reações absolutamente naturais que dão a dimensão do que é o torcedor, do que é um Fla-Flu, do que é o Maracanã lotado. Interpretei, também, como uma homenagem ao meu ofício ou, ao menos, mais uma ficha que caía para compreender o tamanho da paixão. (KFOURI, apud, MATTOS, 2007, contracapa).

Tendo esse papel tão marcante no universo do esporte e, especificamente no do

futebol, o torcedor não pode ser desprezado. Sua simbologia merece ser levada em conta.

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Delimita-se essa pesquisa, direcionando luz mais forte, sobre uma torcida em questão. Dita,

observada, apresentada, indicada, aferida, por todas as empresas de pesquisa de opinião, como

a maior torcida do Brasil. O torcedor do Clube de Regatas do Flamengo vem a ser o recorte.

Em algumas pesquisas, a sua torcida chega até mesmo a ser mencionada como a maior do

mundo. Conhecendo a história do clube é que se tem condição de encontrar respostas para

elucidar a constatação da força, magnitude e, em especial, das razões que proporcionaram o

crescimento contínuo de seus seguidores.

2 O CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO E SUA TORCIDA

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Para se chegar a um raciocínio acerca das motivações que determinaram a dimensão e

a representatividade do Flamengo e, consequentemente, de sua torcida no cenário esportivo e

social é indispensável e tarefa obrigatória uma análise de parte da história do Brasil e do Rio

de Janeiro. Vasculhar fatos escancarados, ou aqueles mais sutis, revirá-los, buscando uma

nova ótica, é salutar para encontrar fragmentos que nos façam perceber relações que serviram

de influência, referência, para o surgimento do clube, para a construção de sua identidade

constituída e vieram a determinar a consolidação do clube e de sua torcida no gosto popular.

A história do clube, passa pela torcida, ou melhor, tem o ponto central nela. São

indissociáveis um do outro. Ao se falar sobre o centenário clube da Gávea, (118 anos), o que

logo vem à mente, é o termo: torcida. Até mesmo fora do Brasil, até para os que não são

próximos do futebol, quando se toca no nome do Flamengo, a qualificação que logo brota

vem a ser, no mínimo esta, uma torcida diferente. O torcedor rubro-negro tem tanto orgulho

de si, de seu jeito de ser, que costuma dizer que no seu caso existe, primeiramente, uma

torcida e depois um time, escancarando com isso toda sua soberba.

É de entendimento comum que uma agremiação, uma instituição, um clube, torna-se

grande, um ícone – no quantitativo e no qualitativo – a partir de ações de significada

relevância no meio ao qual está instalado e, que vêm essas ações, a recrudescer sua imagem e

sua importância como agente e, no caso, entidade social. Em se tratando de clube esportivo

então, o terreno que o sustenta é composto por uma camada de paixão. E se neste clube

esportivo houver espaço para o futebol, o seu traçado histórico irá se estender tendo como teor

a paixão em doses cavalares.

Um clube surgido no Rio de Janeiro, bairro do Flamengo, de onde herdou o seu nome.

Clube que era, originariamente, um grupo e que ganhou espaço, cresceu e se tornou um

colossal agregador social. Nascido de uma provocação, por assim dizer. De um sentimento de

desonra, surgido da afronta dos jovens do bairro vizinho de Botafogo aos que freqüentavam a

faixa de areia da orla do Flamengo. Aqueles jovens do bairro de Botafogo, já possuidor de um

clube de remo, fundado em 1894, e que iam diariamente à praia do Flamengo paquerar as

moças de lá, motivaram em parte o surgimento do grupo do Flamengo. Esses remadores

botafoguenses chegavam a deixar sua embarcação exposta na praia e se tornavam assim, uma

grande atração. As mulheres da praia do Flamengo suspiravam.

A partir desse incômodo, afloraria o desejo natural dos jovens da praia do Flamengo se

impor, de se afirmarem. É então que um grupo de jovens de classe média do bairro decide

partir para o ataque. Revidariam de modo inteligente com uma grande criação. Um clube de

remo. Na verdade este fato serviu de pretexto definitivo para os rapazes criarem o grupo de

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remo do Flamengo. Já eram apaixonados pelo esporte marítimo. O remo era o esporte em

voga. O primeiro esporte no Brasil a atrair multidões. O esporte popular.

Com relação ao esporte, nesse final do século XIX, o remo era o mais popular do Rio. A Federação Brasileira das Sociedades de remo e os próprios clubes promoviam disputadíssimas regatas na enseada de Botafogo. Para as autoridades e convidados vip, eram montados pavilhões e arquibancadas de madeira. Mas o povo queria ver também. Nas manhãs de domingo, durante as regatas, as avenidas à beira mar eram tomadas pela multidão de curiosos. (...) não havia o termo ‘torcida’, embora os espectadores já se manifestassem a favor de um ou de outro competidor. Os jornais referiam-se ao público como assistência, multidão, plateia. Os homens andavam de terno, gravata e chapéu. Parece que o mundo todo tinha e usava terno, gravata e chapéu. As mulheres também não queriam perder as regatas. Os atletas eram bonitões. As moças se enfeitavam com a melhor roupa, escolhiam o chapéu mais elegante e assistiam eufóricas ao duelo de titãs, travado no braço em pleno mar, entre os atletas do remo. Algumas chegavam a desmaiar de tanta emoção. Os remadores eram como vikings, numa mitológica jornada. (CRUZ e AQUINO, 2007, p. 15).

Final do século XIX, 1895. Rio de Janeiro, a capital federal. 700 mil habitantes,

aproximadamente. Todos os olhos se voltavam para lá. Era o grande centro do país. Tudo o

que acontecia na cidade era copiado. A cidade maravilhosa, sempre irradiadora de tendências,

se via envolvida ainda pela atmosfera da proclamação da república, ocorrida seis anos antes.

Crescia vertiginosamente – recebia gente de todas as partes do Brasil e do mundo - e convivia

com problemas de urbanização e de saúde pública: epidemias de cólera, varíola e febre

amarela eram comuns.

Concentrava a maior parte da população em poucos bairros. As regiões do centro da

cidade, da Praça Mauá, de Santa Tereza, da Lapa, e das praias de Botafogo e do Flamengo,

eram o polo habitacional. A chamada Zona Sul era uma faixa de terra perdida. Copacabana,

Leblon, Ipanema e adjacências eram lugares praticamente inabitados e que não possuíam o

menor valor comercial. No subúrbio, o mesmo acontecia. Pela topografia da cidade e pela não

fiscalização do poder público, habitações em morros, essa prática, já era uma realidade.

Nestor de Barros, José Agostinho Pereira da Cunha e Mario Espíndola eram grandes

amigos. Inseparáveis. Tiveram como paixão, primeiramente, o turfe – outro esporte em

evidência na época. Contudo, quando descobriram o remo, o amor foi imediato e largo. Em

uma noite de Setembro de 1895, os três, mais Augusto Lopes da Silveira, aprovaram a ideia

de fundar um clube de remo que traria pompas ao bairro do Flamengo. Também se livrariam

do aluguel do barco, todo domingo, para exercitar o corpo na Baía de Guanabara. Teriam o

seu próprio barco. Poderiam assim, ainda, dar o troco nos remadores de Botafogo. Iriam atrair

atenção para eles e proteger as garotas do assédio botafoguense.

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No princípio, haviam até pensado em conter as investidas dos remadores do clube de

Botafogo, apelando para a briga – uns bons bofetões dariam jeito – mas, sendo Nestor e seus

amigos, estudantes civilizados e de boa família, a ideia foi logo abortada. Ter um barco e

disputar em pé de igualdade com os remadores de Botafogo era a melhor opção.

Durante a semana, esses três rapazes do bairro do Flamengo estudavam e trabalhavam.

Nos domingos, o dia era quase que inteiro junto ao mar. A pausa se dava apenas para a ida a

missa, na Matriz da Glória e para o almoço. À noite todos se encontravam no Restaurante

Lamas – ponto de artistas, intelectuais e estudantes - reduto inicial rubro-negro, situado no

Largo do Machado, a uns três quarteirões da praia do Flamengo. Bem ao lado do Lamas,

ficava a estação de bondes.

Após reuniões e corriqueiras conversas na caminhada que faziam diariamente até o

Largo do Machado, cruzando ruas e residências, iluminadas ainda por grandes lampiões a gás

e a óleo de baleia, a decisão foi sacramentada. Faltava só o dinheiro para comprar o barco.

Conseguiram juntar certo valor e ao preço de 400 mil réis, cotizados por Mário Espíndola,

Felisberto Laport, Nestor de Barros, José Félix da Cunha Menezes, Augusto Lopes e José

Agostinho Pereira da Cunha, adquiriram a primeira embarcação chamada, “Pherusa”. Logo

depois, viria a “Scyra”. O barco era de segunda mão, explica (RODRIGUES FILHO, 1966).

Outra particularidade da cidade nesta época que trouxe surpresa positiva para a

população foi a contemplação do Rio de Janeiro, em 1892, com uma inovação no transporte

coletivo. A população ainda acostumada ao transporte público sendo feito por bondes, em

alguns casos, a vapor, no entanto, em sua maioria, puxados por burros e cavalos, ganha a

primeira linha eletrificada de bonde. Estabelecida no bairro do Flamengo – foi a primeira do

Brasil e da América do Sul. Essa novidade aproximava ainda mais o carioca do esporte que

fascinava a todos, o remo.

Na tarde de 17 de Novembro de 1895, surge então o Grupo de Regatas do Flamengo -

só em 1902 haveria a troca da designação de grupo para clube. Pelo fato de o clima da

República ser o que se respirava, de ser a novidade, a nova condição do país – e por ser

feriado, propício para comemorações – seus fundadores decidiram antecipar em dois dias a

fundação, passando a ser oficialmente o dia 15 de Novembro.

Constam 18 nomes como sendo os fundadores: Nestor de Barros, Mário Espíndola,

José Agostinho Pereira da Cunha, Napoleão Coelho de Oliveira, Francisco Lucci Collás, José

Maria Leitão da Cunha, Carlos Sardinha, Eduardo Sardinha, Desidério Guimarães, George

Leuzinger, Felisberto Laport, Maurício Rodrigues Pereira, Emídio José Barbosa, José Félix da

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Cunha Menezes, Augusto Lopes da Silveira, João de Almeida Lustosa, José Augusto Chaleo e

Domingos Marques de Azevedo (o primeiro presidente).

Escolheram as cores do uniforme. Azul e ouro – representando, respectivamente, o

azul celeste, a cor da Guanabara, e nossas riquezas minerais. Um ano depois mudariam para

as cores definitivas, o vermelho e o preto. Era um domingo, e no número 22 da praia do

Flamengo - um casarão que possuía no mesmo terreno uma extensão com vários cômodos,

casarão este, que era moradia de um dos fundadores, Nestor de Barros, - foi registrada a ata

inicial de fundação. Aqueles jovens estudantes que tinham um senso proeminente de

inquietação, de perseverança e de contorno revolucionário, ao remo, passariam a se dedicar e

por ele, dariam suas vidas.

Em 06 de outubro - antes da fundação, portanto - ocorre um fato que contribuiu para a

incorporação desse aspecto, dessa característica, ligada até hoje à identidade do clube, a

superação. Seria este acontecimento, o primeiro, de inúmeros, que despertaria nas pessoas a

admiração pelo Flamengo. Os rapazes, Nestor de Barros, José Félix, José Agostinho, Mário

Espíndola, Felisberto Laport, Maurício Rodrigues Pereira e Joaquim Bahia, escolhidos para

pegar a baleeira, Pherusa - que havia sido restaurada na praia de Maria Angu, hoje, praia de

Ramos - durante a travessia de retorno até a praia do Flamengo, viram a morte bem de perto.

Estando o tempo climático desfavorável, com ventos fortes que prenunciavam uma

tempestade, os rapazes desprezaram as nuvens escuras que se formavam no céu e ao mar se

lançaram. O barco acabou virando e eles como náufragos resistiram bravamente ao infortúnio.

(CASTRO, 2001) relata com detalhes.

A pherusa podia ser uma beleza, mas era de segunda ou terceira mão, já passara por mar brabo e precisava de reparos. Eles a levaram de bonde a um armador da praia de Maria Angu, na zona norte, que a reformou por dentro e por fora. Dias depois, na tarde de um domingo [...], sete dos rapazes foram buscá-la [...], jogaram-se ao mar, na ponta do caju, içaram a vela e embarcaram, eufóricos, para a travessia que deveria terminar na praia do Flamengo, em frente ao 22. Mas aquela travessia nunca se completou. Pelo menos, não a bordo da pherusa. De repente, quando eles já estavam, longe da costa, na altura da ilha do bom Jesus, o tempo virou: nuvens carregadas cobriram o azul [...], raios e trovões sacudiram o céu, e a chuva caiu com violência. O vento noroeste arrancou a vela, as ondas fustigaram o barco e começaram a abrir buracos no casco [...], viraram a baleeira de quilha para cima e se agarraram a ela. Um deles, Joaquim Bahia, o melhor nadador do grupo, decidiu nadar até a praia em busca de socorro [...], pelas três horas seguintes, os outros rapazes, agarrados a pherusa, gritaram “socorro” [...], noite fechada, quando a morte parecia inevitável e eles já faziam suas orações, uma lancha ouviu seus gritos e veio salvá-los. Içados para o barco e batendo os dentes de frio, eles se lembraram de Joaquim Bahia. (CASTRO, 2001, p.30-31).

Joaquim Bahia chegando à terra firme – já era noite - não encontrou nenhuma

embarcação que pudesse prestar socorro aos amigos. Já com a sensação de que todos haviam

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sucumbido à força da água do mar, sentiu-se imensamente infeliz e não teve coragem de

revelar o ocorrido aos familiares dos companheiros. Os resgatados, pensando que o amigo não

havia aguentado nadar por tanto tempo – e por isso o socorro não havia chegado –

consumando a sua morte, estavam com remorsos e sem jeito de contar para a família de

Joaquim Bahia a desgraça que tinha sucedido. Já socorridos, em prantos, todos atônitos,

ficaram sem saber o que fazer.

Algumas horas depois, Joaquim Bahia bate na porta da casa de José Agostinho e

ouviria da mãe deste que o filho e os outros rapazes – mesmo achando que Bahia não teria

sobrevivido - estavam a sua procura pela cidade. No reencontro de Joaquim Bahia com os

outros seis remadores, lágrimas e gritos emocionados tomaram conta do Largo do Machado.

No dia seguinte, uma publicação curta no jornal sobre o ocorrido. O boca a boca do

que havia acontecido é que tomou conta das rodas de conversa dos moradores do bairro e o

fato pela cidade se espalhou. Assim, o bairro e a cidade ficaram sabendo do naufrágio e da

façanha daqueles rapazes. Uma aura de heroísmo tomou conta do grupo do Flamengo – que

na verdade, curiosamente, nem existia ainda.

Após passarem por aquele martírio e quase perderem a vida, o fato de terem

continuado firmes e, mais comovedor ainda, fortalecidos no propósito de fundar o grupo de

regatas, desencadeou admiração. Os rapazes passaram por cima da vontade dos pais que era a

de que largassem aquela “aventura”. O 22 da praia do Flamengo, após o clube ser realmente

criado, não parou de receber visitas de deslumbrados simpatizantes. Essa obstinação dos

rapazes em continuar acreditando no seu ideal não cessara nem quando a Pherusa – que havia

sido rebocada depois do naufrágio e iria para conserto - foi roubada. Adquiriram outro barco,

a Scyra, e ao mar se puseram a buscar os dias de glória, frisa (CASTRO, 2001).

Os primeiros anos do Grupo de Regatas do Flamengo foram difíceis. Derrotas,

vexames, um desempenho nada satisfatório. A primeira vitória só viria em 1898. Portanto,

três anos após sua fundação. Mesmo com os contratempos, a determinação e a esperança de

dias melhores movia aquele grupo. Determinados e com uma mente positivista, viam em cada

mínimo avanço obtido e nas escassas vitórias que surgiriam na fase inicial, motivos para

comemorar.

Importante ressaltar os benefícios do remo na vida social da cidade. Além de atividade

física quase que completa e de ser motivo para reunir pessoas, aprimorando assim o convívio

social, vale lembrar, que o esporte colaborou para derrubar o estigma que ainda pairava na

mente das pessoas sobre o banho de mar. Até a metade do século XIX, o banho de mar

acontecia somente em casos de indicação médica para combater certas doenças. Não era uma

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prática de diversão e lazer. Vista como um lugar impuro, a praia não gozava da simpatia das

pessoas. As regatas realizadas na Baía de Guanabara e em toda sua extensão trouxeram em

maior escala o povo para junto do mar. Em Sobrados e Mucambos, Gilberto Freyre anota que:

As praias, nas proximidades dos muros, dos sobrados do Rio de Janeiro, de Salvador, do Recife, até os primeiros anos de século XIX eram lugares por onde não se podia passear, muito menos tomar banho salgado. Lugares onde se faziam despejos; onde descarregavam os gordos barris transbordantes de excrementos, o lixo e a porcaria das casas e das ruas; onde se atiravam bichos e negros mortos. O banho salgado é costume recente da fidalguia ou da burguesia brasileira que, nos tempos coloniais e nos primeiros tempos da independência, deu preferência ao banho de rio. Praia queria dizer imundície. (1996, p. 195).

Emenda (KIDDER e FLETCHER apud LUCENA, 2001, p.25) explicitando como

ocorria o banho de mar e trazendo indicativos de que o remo teve papel de destaque na

mudança de uma cultura que desprezava o banho de mar como divertimento. “Os banhos de

mar, para além de seu caráter profilático, como um passatempo, não teriam sido também uma

ação conquistada por aqueles que estavam voltados para a prática dos esportes? Em princípio

parece que sim”.

A praia do Flamengo dava ao bairro um quê de diferente e de fama. Até, pelo menos,

1920, era a praia que mais atraia pessoas para o banho de mar. Era um lugar que por ser bem

situado, passou a ser muito procurado para a habitação por ilustres membros da sociedade.

Por outro lado, contava também com parcela considerável de artistas – na época, vistos por

certo prisma de “marginalidade”. Eram rotulados de vagabundos e boêmios da cidade. Era

como se a praia do Flamengo fosse heterogênea – e era. Por essa reunião de segmentos

sociais, o bairro estava um passo a frente de seu tempo.

Esse conceito de certa maneira foi incorporado ao clube de remo do bairro. Atestando

certo ar de rebeldia, lá na praia do Flamengo, moças ousadas para a época começaram a

romper com o pensamento pré-concebido de que o banho de mar seria propício e oportuno

somente em casos de finalidade terapêutica e medicinal. Entendiam não ser o mar tão sujo

assim, como era propagado. Banhavam-se em um ritual alegre, expondo curvas corpóreas -

com roupas longas que se ajustavam ao corpo, bem comportadas para os padrões de hoje - que

despertavam à atenção dos homens.

Quem, pela manhã cedo, das seis as oito horas, passar pela Avenida Beira-Mar, ou por algumas das ruas transversaes (sic) que conduzem à praia do Flamengo, poderá ver nesses trajos summarios (sic) muita senhora e senhorinha que a outra hora do dia ficariam ruborísadas se o vento indiscreto agitasse demais a saia do seu vestido. Esse espetáculo matinal do Flamengo é, com certeza, o mais pittoresco que o Rio offerece aos estrangeiros, e parece que há muitos amadores desse espetáculo, a avaliar pela afluencia dos que se debruçam na muralha do cães para assistir à sahida do mar das

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nereides e sereias e contemplar aquelle outro ‘footing’, bem mais attrahente que o da tarde e não menos frequentado. (EDMUNDO apud LUCENA, 2001, p. 117).

O Rio de Janeiro, na gestão de Pereira Passos (1902-1906), designado prefeito da

capital federal pelo presidente da República, Rodrigues Alves, passa por um arrojado projeto

de readequação urbanística ostensiva. Avenidas foram criadas, outras, alargadas; morros

extintos; muitas casas e prédios derrubados – ficou conhecido como o “bota abaixo” - e uma

série de obras estruturais realizadas, tendo como meta a modernização da cidade.

Não foi só o aspecto urbanístico que mereceu um plano gestor. A saúde pública

também. Uma ação efetiva para a erradicação de doenças que matavam muito, verdadeiras

epidemias, como a varíola, peste bubônica, febre amarela e cólera, foi implantada. Sob o

comando do sanitarista Osvaldo Cruz, o governo instaura uma campanha de vacinação em

massa. A intenção era das melhores, mas a forma utilizada não agradou e causou desconforto.

Havia invasão de casas, pessoas na rua eram vacinadas à força. Os agentes de saúde tinham

ordens de vacinar todo mundo. O rigor era maior junto aos que moravam em cortiços e nos

morros. Contra a ação forçosa do governo, manifestações pesadas espocaram. Este

acontecimento, de 1904, ficou conhecido como “A revolta das vacinas”.

É durante esse período da administração de Pereira Passos que é erguida a Avenida

Central, em 1904. Em 1905, ela é aberta ao tráfego. Tiveram participação decisiva em sua

criação, o ministro Lauro Muller e o engenheiro chefe, Paulo de Frontin. Tornou-se um marco

na cidade e permitiu o acesso da Praça Mauá até a Avenida Beira-Mar – que era a ligação

entre o Centro, contornando o morro da Viúva, no Flamengo, até chegar ao bairro de

Botafogo. Em 1912, a Avenida Central muda de nome passando a se chamar, Rio Branco.

No endereço da praia do Flamengo, precisamente, no casarão do 22, uma turma que

não praticava nenhum esporte, ou, melhor dizendo, o “esporte” que praticavam era sim o

ofício das algazarras, molecagens, brincadeiras com teor de insolência, começou a chamar a

atenção. Antes de serem classificados de qualquer coisa, eram, acima de tudo, amantes do

Flamengo e da vocação do clube de abraçar e acolher a todos.

Essa turma criou ali uma “ordem” de engajamento ao clube, chamada República Paz e

Amor. No início, era só o Flamengo realizar uma boa regata que a festa estava formada.

Quando o Flamengo passou a vencer regatas, aí era uma festa fora do comum que acontecia

ali. E as comemorações iam tomando conta das calçadas e formando um bloco de pessoas que

arrastavam a sua alegria pelas ruas. Era o carnaval do Flamengo. Com reco-reco e tudo.

Um detalhe pitoresco. Ao lado do casarão do 22 existia um convento. E para desatino

e “tentação” das freiras, esses rapazes do Flamengo tinham o hábito de se despirem.

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Chegavam da praia ou de outro lugar que fosse e, sem cerimônia, se libertavam das roupas e

pareciam nem estar aí para o mundo. “os rapazes jogavam pelota basca na garagem, fazendo

grande algazarra [...] começaram a subir nas árvores para colher frutas, igualmente pelados”.

(CASTRO, 2001, p. 36). As freiras tinham que fazer força para não ver aqueles corpos nus.

Os vizinhos e transeuntes já conhecendo a fama do local, evitavam o olhar para dentro

do casarão. Já precavidos, sabiam que podiam ter alguma surpresa. As madres do convento

não tinham simpatia por aqueles rapazes. Faziam de tudo para evitar que as freiras tivessem

acesso àquela imagem despudorada. Era um Deus nos acuda. E não adiantava nem acionar a

polícia que afirmava não encontrar, em suas incursões pelo 22, ninguém sem roupa. Dentre os

que faziam essas peripécias, tinha sempre alguém com ótimo relacionamento junto às

autoridades policiais.

Só que o destino se encarregou de melhorar o julgamento que se fazia daqueles

rapazes. As pessoas puderam perceber que eles possuíam um lado bom, sim. Não era só

perversão que imperava ali. A gratidão, a admiração das freiras passou a existir a partir da

ajuda providencial que os rapazes concederam às devotadas cristãs. Naquele tempo, o mar

chegava bem perto do convento. A praia margeava as casas existindo apenas como

delimitação um muro de contenção e a rua. Em 1913, aconteceu uma grande ressaca e o

convento foi invadido pela força das águas. As freiras apavoradas não sabiam o que fazer a

não ser pedir socorro. Os rapazes do 22 não mediram esforços para ajudar as irmãs do

convento.

Mas antes que os profanos bagunçassem definitivamente o sagrado coreto das freias, o Flamengo pôde redimir-se dos pecados de seus atletas: numa das grandes ressacas que assolaram a praia no começo do século, o convento ficou isolado pelas águas – não esquecer que, naquela época, o mar chegava bem juntinho ao casario. As freiras correram perigo de vida, e ninguém de fora se mexia para resgatá-las. Pois elas foram salvas pelos remadores do Flamengo (vestidos de camiseta e calção), que as pegaram nos braços e as levaram de barco para lugar seguro. O povo, que já identificava o Flamengo com a alegria de seus rapazes, via-os agora também como heróis. (CASTRO, 2001, p.36).

A turma da República Paz e Amor se metia em todas e não aliviava. A Light era a

empresa canadense de eletricidade que controlava os bondes do Rio de Janeiro. A população

tinha uma antipatia declarada à empresa. Os rapazes do Flamengo já conhecidos pelo senso

provocativo, descomedido e sem barreiras para o divertimento, ficavam durante o dia

apreciando as mulheres que embarcavam nos bondes, no ponto bem em frente ao 22.

Galanteavam elas, sem cerimônia. Faziam brincadeiras com as pessoas e quando encontravam

um português, se deliciavam e proferiam uma série de frases de humor. É preciso dizer que

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eram mestres em fazer sarcasmo sem atraírem ódio. Sabiam como não ser tão agressivos. Por

isso, gozavam mais da simpatia do que da repugnância.

Em razão desse atrevimento dos rapazes do Flamengo a Light retirou o ponto do 22.

Existia uma faixa branca no poste para indicar que ali era ponto de parada dos bondes para

embarque e desembarque. Pois bem, a companhia canadense ordenou que aquele ponto fosse

desativado e mandou pintar o poste na cor tradicional, descaracterizando o mesmo como

ponto de parada. Era só os funcionários da Light irem embora e a turma do Flamengo voltava

a pintar de branco o poste. A população já não sabia mais se ali era ou não ponto do bonde.

Quando estava pintado de branco, ali ficavam de prontidão a esperar pelo transporte que havia

de parar.

Após idas e vindas, o impasse continuava e com a cidade toda já sabendo. A Light

orientou os motorneiros a, com faixa branca ou não, passarem direto. Uma animosidade se

instaurou. Os rapazes do Flamengo então fizeram uma barricada com cavaletes variados. Um

motorneiro não conseguiu frear e atingiu a barricada. Grande alvoroço se fez no local. A

população podia ter repreendido a atitude daquela turma da República Paz e Amor. Mas, não

foi o que aconteceu. Ficaram do lado dos rapazes do Flamengo e exigiram que a Light –

chamada de “polvo canadense” - parasse com a picuinha. O ponto de parada dos bondes foi

restabelecido e o Flamengo conquistava mais uma “vitória”, é o que nos conta (CASTRO,

2001).

O casarão do número 22 com suas instalações em anexo e sempre abarrotado de gente

acolheu desde os primórdios do clube, o seu torcedor. Qualquer um que fosse rubro-negro,

sem distinção nenhuma de classe social, racial, ou de qualquer ideologia, recebia guarida ali.

O clube cresceu se fez grande e permanentemente se preocupou em ter aquele espaço a servir

de aposento para os barcos e para o seu torcedor. Mais tarde, o número 22 passaria a ser o 66.

Conseguindo ampliar suas instalações, pôde acolher mais pessoas. No curso do século XX

aquele endereço 22/66, foi como um coração de mãe. Alguma coisa tipo um grande centro de

assistência social rubro-negra. Do seu jeito festeiro, é claro.

Juntando atletas, torcedores, simpatizantes, penetras, gente que queria apenas ajudar,

ou por ele ser ajudado, o Flamengo escreveu esse capítulo digno de elogio. Até cães, foram

acolhidos. Inúmeros “hóspedes” por ali passaram e todos criaram, cultivaram dentro de si um

caso de amor que mesmo com o passar do tempo não se apagou. É o Flamengo, talvez, caso

único de um clube que permitiu a moradia de seus torcedores em sua sede. Essa história

precisa ser conservada.

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A receptividade do local, sua fama de ser uma algazarra permanente, um lugar sempre

de portas abertas, e as histórias inusitadas que dali se revelou, marcaram e colocaram o

Flamengo em aproximação e casamento social com o carioca. O espírito despojado, malandro,

a nuance de brincar com a vida e rir dela - e de si próprio - desenvolvida por aqueles que lá

nos primórdios fizeram da paixão pelo Flamengo o vértice de suas vidas, serviu como ímã que

trouxe para a instituição, uma legião de seres desprovidos de certa “normalidade”.

Além do Lamas, no início de sua existência, outros dois pontos de encontro do

torcedor do Flamengo foram consagrados. Inclusive, vale dizer que o Lamas existe até hoje.

Um, foi o Café Rio Branco, no qual, imperava a presença de rubro-negros que se acabavam

em discussões homéricas sobre os destinos do clube. Aquela turma vivia o Flamengo 24 horas

e a ele se entregavam por inteiro. O outro, a Confeitaria Colombo, local tradicionalíssimo da

cidade, que na década de 1940, diariamente era invadida por um grupo de intelectuais,

artistas, escritores, empresários, comandados por José Lins do Rego, que se reunia para

conversar sobre o Flamengo.

Esse grupo por manter proximidade com a política do clube e por seus integrantes

serem atuantes personagens, sempre ouvidos nas decisões tomadas por dirigentes, traçava,

vislumbrava, articulava caminhos para o sucesso permanente da instituição. Por vezes, esse

grupo tinha peso para indicar jogadores a serem contratados, e os que deveriam ir embora do

clube. Verbalizavam todo o seu amor ao Flamengo em acalorados bate-papos. Esse grupo

ficou conhecido como, “Dragões Negros”.

Foi em 1911, bem ao findar do ano, que o futebol passou a fazer parte do clube. E isto

ocorreu em decorrência de uma debandada dos jogadores do Fluminense que haviam sido

campeões invictos daquele ano. Nove jogadores, insatisfeitos com decisões tomadas pela

direção e, inconformados ferrenhamente com a barração de um jogador, Alberto Borgerth,

líder e capitão do time, deixariam as cores tricolores. Os jogadores honraram a camisa do

Fluminense. Pactuaram que ganhariam o título e depois iriam fundar um novo clube.

Borgerth, o pivô de tudo, dá o veredicto: deveriam criar uma seção de futebol no Flamengo.

Essa decisão foi tomada em 24 de dezembro de 1911.

Em reuniões sucessivas, várias ideias teriam surgido, entre as quais a de fundar um novo clube. Mas a tese vencedora, proposta por Borgerth, foi a de que eles criassem uma seção de futebol no Flamengo (...), havia uma aproximação entre os dois clubes: vários daqueles jogadores já eram sócios e torcedores do Flamengo no remo – ao passo que os remadores do Flamengo torciam pelo Fluminense no futebol. Quem não se empolgou de saída com a ideia foi o próprio Flamengo, que, como todo clube de regatas, não queria se misturar com o futebol. O futebol era elite, não se esqueça, e o Flamengo já era um clube popular. Mas a presença de Borgerth foi decisiva: além de craque do futebol, ele era patrão de remo – e patroava as

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guarnições do Flamengo. Por causa dele, na noite de natal de 1911, o Flamengo aceitou criar não apenas a seção de futebol, mas todo um departamento de esportes terrestres – o primeiro clube de regatas a ter feito isso. Hoje se especula se Borgerth não teria premeditado tudo: rubro negro de coração e tricolor por circunstâncias, ele poderia ter insuflado a crise no futebol do Fluminense para transferi-lo para o Flamengo. Seja como for, deu certo. (CASTRO, 2001, p.45).

A primeira partida do time de futebol ocorre em 03 de Maio de 1912, no campo do

América futebol clube, situado à Rua Campos Sales. Vitória sobre o Mangueira por 16 x 2.

Este é o placar oficial, entretanto, o pesquisador (ABINADER, 2010) defende que o placar foi

na verdade 15 x 2. Alegando não existirem súmulas daquele período para se pesquisar, diz

que, o único meio de verificação do placar real é a checagem dos jornais da época. Explica ele

que os jornais fizeram uma confusão danada. O Jornal do Comércio, único a detalhar o jogo,

gol a gol, atesta o placar: Flamengo 15 x Mangueira 2. A implantação do futebol do Flamengo

não gozou da simpatia do pessoal do remo.

Para explicitar essa visão meio enviesada do pessoal do remo com o futebol, a

exigência foi a de quê o uniforme do futebol tinha de ser diferente do utilizado pelo remo. O

primeiro foi o “cobra coral”, com retângulos vermelhos e pretos. O segundo, o “papagaio de

vintém”, com as mesmas cores, além do branco, em listras verticais. Só em 1916, depois do

bicampeonato do futebol, em 1914 e 1915, o uniforme oficial usado pelos remadores, listras

vermelhas e pretas horizontais, seria permitido ao futebol.

E como seria o primeiro confronto entre o – de certa forma - criador e criatura? Isso

no âmbito do futebol, deixar claro. Flamengo e Fluminense jogaram pela primeira vez em 07

de julho de 1912, no campo do Fluminense, na Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras. Era

muito aguardada a partida, visto que, o time do Flamengo era composto de jogadores que

meses antes haviam deixado o clube das Laranjeiras, como campeões da cidade. E o time do

Fluminense estava desfigurado, com muitos jogadores aspirantes. Pela lógica então, o

Flamengo era o favorito. Mas aí a mística do clássico nasce para nunca mais se apagar.

Conhecido como o mais charmoso do Brasil, tem nesse confronto inicial,

surpreendentemente, a vitória tricolor. Fluminense 3 a 2.

O primeiro Fla-Flu não era Fla-Flu. Só muito mais tarde é que Mário Filho inventou e promoveu a abreviação. O Flamengo fez tudo, tudo para ganhar este primeiro jogo. Outro dia, conversei com um velho torcedor, mais velho que o século. E ele, falando fino e baixinho (como uma criança que baixa numa tenda espírita), contou o que foi o nascimento do maior clássico do futebol brasileiro. O Flamengo era o time campeão do Fluminense, sem Osvaldo Gomes. Parece que, na partida, o futebol era um detalhe irrelevante ou mesmo nulo. Os dois times davam a sensação de que jogavam de navalha na liga. E, no entanto, houve um cínico e deslavado milagre: - ninguém saiu de maca, ninguém saiu de rabecão. Mas nunca se vira, em campo de futebol, ferocidade tamanha. E o Fluminense venceu. Vejam como, histórica e

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psicologicamente, esse primeiro resultado seria decisivo. Se o Flamengo tivesse ganho, a rivalidade morreria, ali, de estalo. Mas a vitória tricolor gravou-se na carne e na alma flamengas. E sempre que os dois se encontram é como se o fizessem pela primeira vez. (RODRIGUES apud MARON FILHO e FERREIRA, 1987, p. 24).

Em 1920, o primeiro ano de conquistas conjuntas do remo e do futebol nos respectivos

campeonatos estaduais. O clube passou a ser chamado de “campeão de terra e mar”. O remo

continuava coroando a instituição com grandes realizações. E em uma dessas, de proporção

bem acentuada, o clube se via novamente envolvido em moldura de pomposa formatação

heroica. A travessia Rio-Santos reafirmou a vocação do clube para grandes feitos. Encarar o

mar por dias, tendo uma embarcação que não era nenhuma maravilha e imprópria para tal

feito, foi encarado por muitos como uma coisa de louco. Nesse fato, descrito a seguir está

presente a inabalável coragem dos atletas rubro-negros.

[...] os remadores do Flamengo continuavam capazes das proezas mais surpreendentes. Em janeiro de 1928, dois deles fizeram o então impensável: a travessia Rio-Santos, a bordo de uma baleeira. Os remadores eram João Segadas Viana, diretor de regatas do clube e já então com mais de quarenta anos, e o jovem Antônio Ribeiro, filho do escritor João Ribeiro. A travessia levou nove dias, dos quais 92 horas remando. Mas, na chegada a Santos, eles foram aclamados pelos paulistas. A polícia do porto carioca achou aquilo uma loucura e proibiu que façanhas de gênero fossem tentadas de novo. E, então, em janeiro de 1932, num lance quase suicida, outros três remadores do Flamengo – Angelu, Boca Larga e Engole Garfo – anunciaram que iriam do Rio a Santos numa iole. O desafio agitou a cidade, e a polícia prometeu agir. No dia e no horário marcados para a largada, ela cercou a praia do Flamengo, para decepção da massa que, horas antes, já se concentrava para assistir. Os remadores tapearam a polícia e saíram da praia do Leblon, direto em mar aberto. Durante os primeiros dias e noites, a iole (não por coincidência chamada Flamengo) foi considerada perdida. Sem comunicação com eles, achou-se que Angelu, Boca Larga e Engole Garfo podiam estar morrendo. O jornal dos sports, lançado naquele ano pelo jovem Mario Filho, soltava várias edições diárias sobre o heroísmo dos atletas. [...] dias depois, quando a iole do Flamengo chegou a Santos com todo mundo vivo e apenas três horas de atraso em relação ao tempo previsto, podia-se ouvir o país respirar aliviado. Mais uma vez, os remadores do Flamengo foram aclamados em Santos e, de volta ao Rio pelo cruzador Bahia, desfilaram em carro aberto pela avenida Rio Branco. (CASTRO, 2001, p. 65-67).

O futebol do Flamengo – que completou 100 anos de atuação, em 2012 - escreveu os

capítulos mais representativos para o seu torcedor. Um dos fatos que talvez mais ajude a

entender essa coisa do Flamengo de ser de todos, de ter um número muito significativo de

pessoas que o acompanham, seja o evento que remete à falta de campo para treinamento que o

clube enfrentou na implantação do futebol. Dessa adversidade brotou uma coisa excepcional.

As pessoas se aproximaram do clube, se sentiram parte dele. Queriam acompanhá-lo sempre.

Existia uma praça próxima à praia do Russel. E foi nessa praça que o rubro-negro

passou a treinar. Lugar aberto, proximidade com as pessoas, era assim, nessas condições, que

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o clube se preparava para os jogos e as pessoas adoravam aquele contato. “O Flamengo foi

quase que compelido a ir para a rua, a espalhar-se”. (RODRIGUES FILHO, 1966, p.13). O

pretinho da favela, o bem vestido e educado menino de família rica, os estudantes de

instituições públicas e privadas, o jovem e o idoso, todo o tipo de gente, frequentava as praças

da cidade, um local democrático. Se na praça tivesse um campo de futebol então, aí a

aglomeração era pra valer.

Uma vez Alberto Borghert me disse que a popularidade do Flamengo viera dos treinos do campo do Russel. A prefeitura mandara fazer um campo de futebol, com gramado, balizas e tudo, no Russel. Aquele campo dava uma ideia da importância que adquirira o futebol. Era um campo mais para a garotada e não era o único – peguei um em Copacabana, ao lado do túnel, antes da Rua Barata Ribeiro – e não para um time de primeira divisão, como o Flamengo. Mas o Flamengo não tinha campo ainda e era obrigado a treinar em praça pública. [...] os jogadores saíam do 22 [...] onde mudavam de roupa, e vinham pela calçada, as chuteiras rangendo no cimento, até o campo do Russel. A garotada acompanhava o time [...] para Alberto Borghert, ali estava a explicação de tudo. Assim, a falta de campo fez o Flamengo misturar-se com o povo, aproximar-se dele. Os garotos, em busca de ídolos, encontravam-nos bem à mão, o campo do Russel. Podiam tocá-los, com os dedos tímidos, podiam devolver-lhes as bolas [...] e haviam de contar em casa, na escola, que conheciam o Neri, que tinham batido nas costas do Amarante, que tinham apertado a mão do Baiano. (RODRIGUES FILHO, 1966, p.12).

Observem as características originárias dos clubes cariocas. O Fluminense é o símbolo

da aristocracia e tradição; o Vasco tem laços históricos com a colônia portuguesa e seus

abundantes comerciantes; o Botafogo não é oriundo nem da aristocracia, da elite, nem das

camadas popularescas. Sua identidade é vaga e regada a misticismos. Já o Flamengo e seu

torcedor têm ramificações diversas e bem preenchidas. Apresenta-se como clube de

desmedido atrevimento, de vibração, juvenilidade, senso libertário e de coragem, acentuados.

Soube transitar entre o viés elitista e o popular e desenvolveu estratégias para se jogar nos

braços de qualquer mortal. Carregando essas particularidades, se deixou amar por gente de

qualquer variação existencial. Por isso, gerações não param de lhe admirar.

O crescimento de sua torcida em todo o território nacional foi pensado e trabalhado,

sim. O olhar para fora do Rio de Janeiro era constante. Não bastava ter somente o carioca ao

seu lado, o Flamengo sempre quis o Brasil. Seria mais ou menos uma coisa de ter o maior

número de pessoas felizes, fazendo parte daquela “Nação” que dava certo. A partir da década

de 1930 o crescimento da torcida deslancha. Foi nesse período que o clube começou a

trabalhar efetivamente visando atingir e conquistar as grandes massas. De maneira exitosa, o

Rádio também foi instrumento de suma importância no desenvolvimento da torcida rubro-

negra país afora. Pelas “ondas sonoras”, o nome Flamengo foi propagado e atingiu, pela

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extraordinária aptidão do veículo de comunicação para alcançar cada pedacinho do Brasil, o

coração de milhões de brasileiros.

O ponto de partida para esta busca é a descrição do espírito de juventude que fundou a República Paz e Amor, na praia do Flamengo, um ato imerso em um sentimento jovial de uma república recém-proclamada no Brasil. Aquele espírito malandro ganhou a simpatia dos cariocas e ali fincou a sinergia com a multidão, já nos primórdios do clube. O Rio de Janeiro, que naqueles tempos era forjado como espelho da brasilidade, projetou essa paixão para todos os cantos do território brasileiro e o fez de uma forma que nenhuma outra paixão nacional até os dias de hoje experimentou. [...] Entre 1936 e 1950 o clube solidifica seu apela popular e mexe com as paixões em nível nacional. Inicialmente, por conta de um bem arquitetado plano estratégico para se tornar o maior do Brasil. Eram tempos em que os jogadores argentinos constituíam figurinhas repetidas dentro de campo no Flamengo, e havia treinador europeu no banco de reservas. O espírito rubro-negro fervia desde o Café Rio Branco até a Confeitaria Colombo. O Flamengo não era a elite rica, nem classe média, nem a camada mais pobre. O Flamengo não representava a zona sul, apesar de estar nela, e jamais foi zona norte. Mas o Flamengo tocava no espírito do Rio de Janeiro – carnavalesco, malandro, descarado, libertino – e com isso penetrou a elite rica, a classe média, a massa, o povão, da zona sul à zona norte. Conquistou o Rio inteiro. A cidade que era a capital federal, que era onde se encontravam os representantes de todos os estados do país, que era o berço do samba, a pérola do Atlântico, onde Hollywood vinha passar suas férias. A alegria festiva das arquibancadas, que a torcida rubro-negro, desde os primórdios, fazia como ninguém, correu o Brasil pelas ondas do rádio, fazendo brasileiros de todos os cantos fantasiarem aquela festa que não era tão comum em seu cotidiano. (PEREIRA, 2010, p. 10-11).

A classe social menos favorecida, discriminada historicamente pela sociedade, se

aproximou do Flamengo porque encontrou no clube, através do comportamento despojado

dos personagens da fase inicial, nas bagunças sadias e travessuras de estudantes que se

permitiam estar na rua, junto do povo, afastando qualquer barreira social, certa ligação.

Habitando os afastados e pobres subúrbios, as favelas em profusão pela cidade e os rincões de

pobreza, essa gente esquecida, aspirava ascender socialmente, enxergando na irreverência –

qualidade inerente ao clube - uma forma contundente de sair da invisibilidade.

O torcedor do Clube de Regatas do Flamengo acostumou-se a ver o clube em ebulição

permanente, porque lá tudo é mais ardente. É certo que nem só de alegrias são os dias do seu

torcedor. Nas derrotas, a dor é aguda, o sofrimento pesado. A gozação vem em carga

descomunal. No Flamengo se aprende que é preciso encarar as turbulências, confrontá-las

com firmeza e, pôr em prática nesses momentos, sua infalível estirpe de sobrepujar com garra

impetuosa o que tiver que ser transposto.

E o Flamengo é muito mais que o futebol. Sempre foi referência em esportes variados.

Remo; Natação; Basquete; Vôlei; Judô; Atletismo; Esgrima, Bocha, Polo aquático; Tênis;

Futsal; Ginástica Artística; Tiro; Futebol de areia, Futevôlei. Hoje em dia, praticamente

imbatível, no novo esporte, o “showbol” – que reúne ex-jogadores de futebol em campos

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reduzidos de grama artificial. O Flamengo é um clube esportivo forte que sempre teve no seu

quadro e, especialmente, revelou, esportistas de destaque para o cenário esportivo brasileiro.

Por participação efetiva em várias modalidades esportivas, conseguiu chegar a pessoas que

simpatizavam e tinham predileções por outros esportes além do futebol.

Em 1936, o clube começou a construir o seu estádio no bairro da Gávea. Foi na gestão

de José Bastos Padilha. Até então, havia sido um clube sem um campo próprio para jogar.

Teve, cedido pela família Guinle - tradicional família da sociedade carioca e tricolor - o

campo da Rua Paissandu, durante o período de 1915 a 1932. Mas, não tinha aquela coisa de

ser seu, de ter construído. Jogou como mandante no campo do Botafogo, em General

Severiano; no do Vasco, em São Januário; em Laranjeiras, do Fluminense; em Campos Sales,

do América.

Desde 1926, o Flamengo corria o risco de ser despejado pela família Guinle da Rua

Paissandu. O presidente, Faustino Esposel, começou uma campanha entre os sócios para

aquisição de dinheiro visando à construção de um estádio. A prefeitura do Rio de Janeiro

ajudou também e indicou, “emprestou”, um terreno na chamada, “Freguesia da Gávea”.

Houve resistência dos sócios para a construção do estádio naquele local e, por esse motivo, a

obra demorou a ser iniciada.

Contrariando algumas pessoas que acreditavam ser aquela região totalmente

inadequada para se erguer um estádio, visto que, não existia quase nada por ali - era

conhecido como o areal da Gávea -, José Bastos bancou o projeto. Queria mostrar que o

Flamengo muito traria de contribuição para o desenvolvimento daquela região, compreendida

pelos bairros da Gávea, Leblon e Lagoa, e que teria bônus consideráveis no futuro. A

inauguração ocorreu, em 1938, em partida contra o Vasco da Gama.

José Bastos Padilha, por sinal, veio a entrar para a galeria de grandes presidentes da

história do clube. Além da construção do estádio da Gávea, trabalhou inteligentemente para

alcançar as grandes massas, expor o nome Flamengo como sinônimo de brasilidade.

Empreendeu, em 1937, ação de grande ousadia que proporcionou ao futebol brasileiro se

modernizar. Relata (CASTRO, 2012) que trazendo da Europa um treinador húngaro que era a

sensação por lá - Dori Kruschner - uma revolução na forma de se jogar veio a ocorrer. Ele,

introduzindo conceitos inovadores como o esquema “WM” – três zagueiros, dois médios de

apoio, dois meias de ligação e três atacantes - e os treinamentos táticos, era a síntese da

modernidade no futebol. Por ser tão revolucionário, não foi compreendido. E por ter também,

mudado de posição o jogador Fausto, um dos grandes nomes do time, a torcida não o aceitou

por muito tempo.

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Bastos Padilha foi o presidente que se esforçou em tornar o clube “o mais popular”, o

time com a cara do povo brasileiro. Queria conquistar o torcedor de todo o território nacional.

Em uma estratégia ousada levou para o clube, mulatos e negros em larga escala, tendo como

pilares, Domingos da Guia (Divino Mestre); Fausto (Maravilha Negra), e Leônidas da Silva

(Diamante Negro). Os maiores jogadores do futebol brasileiro na época. Em 1937, Waldemar

de Brito, o homem que no futuro descobriria Pelé, também chegou.

José Bastos Padilha pode ser visto como um visionário, um homem empreendedor.

Juntamente com ele, outros presidentes, como, Fadel Fadel, Gustavo de Carvalho, Faustino

Esposel, Hilton Santos, Márcio Braga – o que mais títulos de expressão conquistou – e,

certamente, o mais fervoroso entre todos, Gilberto Cardoso, tomaram assento na galeria de

grandes dirigentes do Flamengo.

Gilberto Cardoso morreu pelo Flamengo: enfarte fulminante aos 49 anos, causado pela alegria de uma vitória rubro-negra no último segundo. E não de uma vitória no futebol, mas no basquete. Mas assim era Gilberto Cardoso: não havia competição em que tomasse parte um atleta do clube a que ele não estivesse presente. Vivia o remo, o basquete, vôlei, a natação, a esgrima, o tiro, o judô, o atletismo, a ginástica olímpica e todos os esportes amadores do Flamengo tanto quanto o futebol. [...] Para ele, que era médico, não havia atleta insignificante no Flamengo: era capaz de sair de casa de madrugada, com chuva, para socorrer um infantil da esgrima que desse um espirro na véspera de uma competição. O basquete era um dos orgulhos do Flamengo nos anos 50. Sob o comando do treinador Kanela [...] seria decacampeão carioca e base da seleção que conquistaria os primeiros títulos internacionais. Mas Gilberto não viveu para ver esse deca do basquete, nem o hexa, nem mesmo o tetra. Morreu exatamente na final do tri, no Maracanãzinho, na partida contra o Sírio-Libanês, quando o Flamengo foi campeão por um ponto, com a cesta da vitória tendo sido marcada no último segundo. De certa forma, aquele foi também o último segundo da vida de Gilberto Cardoso. A bola caiu, a torcida explodiu, e o seu peito junto com ela. Morreu pouco depois, no pronto-socorro, ao lado do padre Góes e de d. Helder Câmara, outro padre rubro-negro. No dia seguinte, os profissionais e amadores do Flamengo choraram no seu sepultamento – que o clube teve de pagar, porque a família de Gilberto (acredite ou não) não tinha dinheiro. O Maracanãzinho e uma rua do Leblon, perto do clube, têm desde então o nome de Gilberto Cardoso. (CASTRO, 2001, p. 128-129).

Ao lado do estádio da Gávea, existiu uma favela com a qual o Flamengo conviveu

durante um bom tempo. A favela da praia do pinto interferiu positivamente na relação clube-

torcida. Era um orgulho para a comunidade ter no seu quintal o estádio do Clube de Regatas

do Flamengo, “o mais querido do Brasil” e celeiro de grandes craques. Da mesma forma, o

Flamengo mantinha uma ligação sadia com aquela gente humilde. Se fosse outro clube, não

teria aceitado a doação daquele terreno em lugar considerado como “um areal de fim do

mundo”, cercado pela favela, que se constituía como uma das maiores do Rio de Janeiro de

então. Dessa proximidade, algum fator pode ter vindo a contribuir para a aproximação, ainda

maior, do Flamengo ao lema de ser ele, um clube do povo.

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A favela da praia do pinto conviveu com a rotina do clube rubro-negro até o final de

1960, quando um plano de urbanização da cidade do Rio de Janeiro que previa a remoção de

favelas e o encaminhamento de seus moradores para regiões mais afastadas, deu fim à vida

daquela comunidade. Além dessa intenção governamental, um incêndio, posto em via de

propositalidade, forçou as famílias a deixarem o lugar.

O título de “o mais querido do Brasil” que sua torcida abraçou, teve início de uma

forma que põe em evidência o ar de malandragem e senso de irreverência, inerente ao carioca,

e ao rubro-negro, por associação, que tornou a conquista dessa alcunha ainda mais saborosa

por ter envolvido um rival histórico. (PEREIRA, 2010), conta que o Jornal do Brasil, em

1927, realizou um concurso para saber qual era o clube de maior torcida, Vasco ou Flamengo.

Esse concurso foi patrocinado por uma importante empresa, a água mineral Salutaris. O

vencedor conquistaria a taça Salutaris e seria celebrado como “o mais querido do Brasil”. Os

torcedores teriam de depositar os rótulos do produto - preenchidos com o nome do time para o

qual torciam - na sede do jornal.

O Vasco tinha uma torcida muito volumosa e os comerciantes portugueses com bom

poder aquisitivo se mobilizaram. Enchiam sacolas e mais sacolas com os rótulos e tinham a

certeza de que sairiam vitoriosos. Os rubro-negros tiveram uma ideia surgida a partir de suas

características de criatividade já conhecidas. Disfarçaram-se de portugueses vascaínos,

utilizando até o sotaque luso, e se colocaram em frente à portaria do jornal a recolher as

sacolas que os portugueses levavam aos montes. Fingiam ajudar.

Recolhiam as sacolas e, sorrateiramente, despejavam nos vasos sanitários, no poço dos

elevadores, enfim, davam sumiço aos votos que eram para o Vasco. O resultado: o Flamengo

vence esmagadoramente. Pelo revestimento que tomou conta da vitória rubro-negra - o uso da

picardia –, um carnaval invade a cidade. Já para os vascaínos, revolta. O Vasco denunciou o

que havia ocorrido, mas estava sacramentado: Flamengo, o “mais querido do Brasil”. Essa

armação ao invés de pesar negativamente contribuiu positivamente e aumentou a

popularidade do clube. As pessoas viam nisso ares de imaginação fértil, astuteza, jeito arteiro

e matreiro de ser do rubro-negro, que assim, se vingava das artimanhas vascaínas na prática

do “amadorismo marrom” e, de certo modo, anulava o poderio econômico dos comerciantes

vascaínos.

Uh! Uh! Uh! Flamengo é urubu! Com esse grito pejorativo, os torcedores de outros

times se acostumaram a rotular o rubro-negro. E o torcedor do Flamengo nem aí para tal

zombaria. Exerciam a sua alegria e a reverberavam em seus cânticos incessantes. Exercendo

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criatividade em todos os instantes, chega o dia em que, orgulhosamente, viriam a assumir esse

apelido definitivamente e esse animal passaria a ser o seu mascote.

‘Urubus’, era assim que as torcidas rivais chamavam os torcedores do Flamengo na década de 60. O termo era ofensivo e fazia alusão à grande maioria de adeptos rubro-negros serem afro-descendentes e pobres que compunham a torcida. Mas esse tabu acabou num domingo, 1 de junho de 1969, frente ao botafogo no maracanã. O flamengo não vencia o rival há quatro anos. Nas arquibancadas a torcida do botafogo gritava, como sempre, palavras ofensivas contra o time dos ‘urubus’. O flamengo já não vencia o botafogo há nove jogos. Até que os torcedores Luiz Otavio Vaz, Romilson Meirelles e Victor Elerry resolveram levar um urubu verdadeiro para o estádio e soltá-lo na arquibancada com uma bandeira rubro-negra nas patas. O fato provocou risada entre os torcedores rivais, mas o resultado final favorável ao mengão, 2 x 1, quebrou o tabu e fez com que o urubu tomasse o lugar do Popeye como mascote do Flamengo. (PEREIRA, 2010, p. 183).

O Flamengo com o advento do profissionalismo, a cada início de temporada, passou a

fazer com mais frequência excursões pelo país, e também ao exterior. Era uma preocupação

dos seus dirigentes tornar o clube conhecido entre brasileiros e estrangeiros. E olhem que as

viagens duravam dias, semanas, quase sempre por mar. O time principal colocava-se a

realizar jogos de exibição onde quer que fosse. Um time de reservas, mesclado com jogadores

amadores, representava o clube no início do campeonato regional. Esta ação de excursionar,

assim como, a transmissão dos jogos do time, através da mídia de comunicação, o rádio, e sua

capacidade espantosa em atingir públicos distantes e, a Rádio Nacional, mais especificamente,

com sua abrangência em quase todo território brasileiro, contribuíram para que o Flamengo se

tornasse mais e mais conhecido e admirado.

Em 1926, um episódio envolvendo a ajuda do Flamengo a um tradicional coirmão da

capital paulista, o Paulistano, já mostrava o forte apelo popular do clube rubro-negro. O

Paulistano, insatisfeito com o amadorismo marrom, presente também no futebol de São Paulo,

bateu de frente com a Associação responsável pela organização do campeonato paulista. Foi

punido. Deveria ficar sem jogar. O Flamengo abriu suas portas para que o Paulistano

realizasse amistosos em seu campo. E por essa ação, foi castigado pela associação carioca que

alegou ter o Flamengo agido de forma errada.

Devido à participação da sociedade, uma punição direcionada ao clube, que duraria 1

ano, foi derrubada. Houve um clamor popular pela participação do rubro-negro no

campeonato. E o veto caiu. Pelo fato de ter dispensado os seus jogadores, no momento inicial

da punição imposta, o Flamengo ficou sem time para disputar o campeonato. Relevante

surpresa foi ver gente aos montes se prontificando a servir ao Flamengo. Com um time fraco,

inexperiente, montado às pressas, até com ex-jogadores, já aposentados do futebol, o

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inacreditável aconteceu. Vitória após vitória, o título veio. Só Deus sabe como. É desse

evento, da campanha surpreendente e magistral realizada pelo clube, que surge a mística da

camisa rubro-negra, “o manto sagrado”, a camisa que joga sozinha. “Onze cabos de vassoura,

com a camisa do Flamengo vermelha e preta, ganhariam o campeonato da mesma forma”.

(RODRIGUES FILHO, 2003, p.154). Pereira faz sua observação.

Em 1927 o Flamengo viveu o primeiro grande exemplo de superação no campeonato carioca. A história começa em São Paulo. Uma briga entre o clube Athletico Paulistano e a Associação Paulista de Sports Athleticos resulta no afastamento do clube do campeonato paulista. O Flamengo resolve ajudar o Athletico Paulista disponibilizando o seu campo, na Rua Paysandu, para que o clube possa realizar amistosos contra equipes argentinas. Mas a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos resolve punir os rubro-negros com o afastamento do campeonato carioca, considerando que o clube interferiu na decisão de outra Associação. Vários importantes jogadores, temendo a possibilidade de ficarem sem jogar, abandonam o Flamengo. A superação começou aqui: a justiça popular encarregou-se de recolocar o Fla na disputa do campeonato carioca e o técnico Juan Bertoni iniciou a heróica missão de reconstruir o time. Jogadores veteranos como Nonô ou Moderato juntam-se aos reforços Angenor ou Rubens e ao recém-promovido Flavio Costa. Renascido das cinzas, o flamengo conquista o campeonato através de uma campanha heroica. Ficou célebre a história de Moderato que, operado (...) a uma apendicite, jogou a partida decisiva frente ao América com uma cinta no abdômen e ainda marcou o gol da vitoria (2 x 1) que deu o título de campeão carioca de 1927. (PEREIRA, 2010, p. 20).

Ao se falar sobre a torcida do Flamengo, um torcedor símbolo vem à tona. Jayme de

Carvalho. Esse baiano que chegou ao Rio, em 1927, ainda adolescente, da terra de São

Sebastião, nunca mais sairia. Mesmo com as dificuldades iniciais, se sentia acolhido na

cidade. Foi vendedor de bala no trem e mascate. Anos depois, iria conquistar um lugar no

serviço público. Destacar-se-ia pra valer como torcedor. Foi o torcedor “oficial” do Flamengo

e da seleção brasileira durante anos.

Logo que chegou ao Rio de Janeiro se aproximou do remo, esporte que já praticava.

Todavia, o seu esporte predileto era o futebol. Torcia pelo Fluminense. Um acontecimento, no

entanto, o fez mudar de time. Jayme havia ido ao estádio das Laranjeiras acompanhar o treino

do tricolor. Foi barrado e percebeu que isto ocorrera porque era mulato e pobre. Sendo clube

aristocrático da cidade, o Fluminense tomava algumas medidas no sentido de controlar com

rigor o acesso às suas dependências. Jayme se sentiu humilhado. Atravessou a rua e foi para o

campo da Rua Paissandu, ali bem perto, onde treinava o Flamengo. Diferentemente do

Fluminense, o Flamengo treinava bem à vista do povo, em aprazível estádio cercado por

palmeiras. O acesso era liberado a qualquer um. A partir daquele dia, ao Flamengo se doaria

por inteiro.

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Contrai matrimônio, em 1936, com Laura e, no mesmo ano, passa a ser sócio atleta do

clube, praticante do remo. Em 10 de outubro de 1942, durante almoço em sua casa, ao qual,

tinha convidado um grande amigo, também torcedor do Flamengo, Jayme teve uma ideia.

Queria ajudar o time de alguma maneira. No dia seguinte, o Flamengo decidiria o título

carioca contra o Fluminense, nas Laranjeiras. Bastava um empate ao rubro-negro para ser

campeão. E o que fez Jayme? Comprou duas faixas grandes, uma vermelha, a outra, preta.

Pediu para a esposa costurar as duas, juntando-as. E pintou em branco os dizeres, “Avante

Flamengo”. Depois do jogo, o plano seria pular, ele e seu amigo, para dentro do campo,

comemorando o título, relatam (CRUZ & AQUINO, 2007).

Fizeram tudo o que foi planejado. Chegando ao estádio, abriram a faixa bem no meio

da torcida. Cada um segurou em uma ponta. Os presentes ao estádio começaram a reclamar

sem entender muito bem aquilo que estava acontecendo. Ninguém tinha visto nada parecido.

Não existia essa coisa de faixas e bandeiras nos estádios. Cedendo à pressão, decidiram

pendurar a faixa no gradil. O Flamengo sagrou-se campeão. Invadiram o campo e deram a

volta olímpica segurando a faixa. Das sociais das Laranjeiras surgiram os primeiros aplausos.

Os jogadores campeões saíram correndo atrás de Jayme e de seu amigo. O presidente do

Flamengo, então, chamou os dois para organizarem a primeira torcida oficial do clube rubro-

negro.

A torcida organizada foi ganhando adeptos. Jayme queria continuar inovando. Como

gostava muito de música, resolveu reunir alguns amigos músicos para tocar instrumentos

como clarim, trompete, pistom, tambor, durante os jogos do Flamengo. Iam para o estádio

com a camisa do clube – na época, ainda era habitual todos irem aos estádios em trajes finos –

e se colocavam atrás da baliza do adversário, atormentando a vida dos goleiros. Como não

eram músicos profissionais, desafinavam com frequência, o que rendeu o título e, nome

definitivo, de charanga. Batizada assim pelo célebre compositor e radialista, rubro-negro roxo,

Ary Barroso. “Meu amigo, isso não é um conjunto de música nem aqui nem no caixa-prego.

Isso mais parece uma charanga” (BARROSO apud CRUZ & AQUINO, 2007, p.35). Essa

charanga transformou-se na Charanga do Jayme e fez história. Foi a primeira torcida

organizada e uniformizada do Brasil. Modelo exemplar!

Jayme de Carvalho adotou algumas práticas que tiveram significação acentuada e

serviram para aproximar torcida e jogador. Atraiu a simpatia dos jogadores, comissão técnica,

dirigentes e de grande número de torcedores. Seu lema era o de incentivar o time o tempo

todo, sem parar, e, particularmente, os jogadores que estivessem mal. Reprimia os palavrões e

o uso de fogos de artifício dentro dos estádios. Criou um sentimento de fraternidade no

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convívio entre torcedores do clube ao propagar que: “onde se encontrasse outro rubro-negro,

ali, terias um amigo”.

Foi a copas do mundo como o representante oficial da torcida brasileira. Em 1950,

durante toda a copa do mundo do Brasil, embalou a alegria do povo brasileiro no Maracanã.

No dia da decisão do campeonato mundial - dia trágico pela inesquecível derrota para o

Uruguai -, lá estava Jayme, e, no final da partida, aos prantos, teve forças para conseguir

convencer pessoas a não fazerem besteiras. A vida tinha de continuar.

Incutiu ideias de solidariedade, respeito, união, organização, dentro do ato de torcer.

Era admirado, respeitado por todos os torcedores adversários porque os enaltecia e nunca a

eles faltou com respeito. Durante 33 anos, o servidor federal, agente de portaria, se dedicou ao

Flamengo. Nunca usou o clube para conseguir nada. Pelo contrário, usou sua vida para dar

tudo o que de mais precioso podia destinar ao seu clube de coração. Amor.

Deveria ter uma praça ou rua, nas imediações da Gávea ou do Maracanã, os templos consagrados por ele, com o seu nome. Nenhum torcedor foi tão importante quanto o Jayme de Carvalho. Ele conseguia ser reverenciado pelas outras torcidas, jogadores e dirigentes. Ele foi o super-herói rubro-negro, sem capa ou espada, que se alimentava de pão com mortadela nos dias de jogos e, junto com a família, fazia do seu amor pelo Flamengo a sua arma mais poderosa. Ele escreveu uma das páginas mais bonitas da divina história do Clube de Regatas do Flamengo. O Jayme foi tão importante que uniu pretos e brancos, ricos e pobres, flamenguistas e ‘framenguistas’, mas todos com um único objetivo, o de adorar o Flamengo. Essa é a grande força dessa paixão. (CRUZ & AQUINO, 2007, P. 11).

Para fazer jus à expressividade do “mais querido do Brasil” e àquela alegria rubro-

negra, atormentadora dos adversários que, inconscientemente, em segredo, no fundo, no

fundo, os faz ter, um pouco que seja, admiração, vejam o que um torcedor de outro time,

descreveu ser aquela massa rubro-negra. Esse outro time para o qual esse torcedor do relato

torce, é o Fluminense. Sem meias palavras, destaca o seu amor pelo tricolor das Laranjeiras,

mas, evidencia aquilo que Nelson Rodrigues sempre pautou em suas crônicas. A

grandiosidade, a representatividade fora do comum e o jeito diferente de ser da torcida do

Flamengo.

Citando a Raça Rubro-Negra – torcida que já chegou a contar com 60 mil sócios e é

referência em assunto de torcida organizada - Claudio Lampert, deixa de lado o fanatismo

maléfico que cega e impede a observação de aspectos positivos em outro clube e descreve o

que vem a ser um jogo contra a torcida do Flamengo. Sim, porque para ele essa torcida joga

junto. Esse relato está disponível no blog do Arthur Muhlenberg, o blogueiro oficial do

Flamengo, do site globoesporte.com

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[...] Ontem o meu filho Daniel começou a descobrir que existem duas coisas nesse mundo. Uma, é o futebol. A outra é o Fla-Flu. Descobriu que esse adversário odiado é mais do que um simples time de futebol. É um time de futebol seguido por uma horda de loucos fanáticos, que se agrupam e fazem gol. Entram em campo e fazem gol. Fazem o segundo, o do empate e o da virada. Numa única tacada ele descobriu o medo e o respeito que se deve ter dessa instituição e desse jogo, clássico de apelido garboso, colorido interminável e lotado de almas fanáticas. É coisa para gente grande. [...] É só nesse dia de Fla-Flu que eu enxergo o contraste que existe entre as patricinhas sem sutiã da torcida tricolor e a tropa de marginais guerreiros da Raça Rubro-Negra e da Torcida Jovem. [...] sempre existiu uma coisa que me deixa perambulando entre o mistério e o pânico. Aliás, não é “coisa” coisa nenhuma. É metafísica. É o Sobrenatural de que tratava Nélson. É perturbante. É aquela massa uniforme pulando do outro lado. 23 minutos, 1×3, e eles não paravam de pular; ninguém saía do seu aperto; ninguém ia embora. Eles nunca vão embora. Eles nunca arredam o pé. Eles não se sentam, não param de gritar. Eles não sossegam. Me perseguem, me sufocam, me habitam os pesadelos e me causam pânico. Quando eu olho para o outro lado é isso que eu sinto. Eles acreditam mais do que os outros. Mais do que eu e todos os outros juntos. E disso, meus caros, eu me borro de medo. Eles jogam com 12. E jogar com 12 deveria ser proibido. [...] Dentro do táxi, uma frase de uma criança de sete anos ficou estalada no meu tímpano: ‘papai, eu tenho nojo deles’. Eu também tenho. É só o que posso dizer hoje. Mas se não fossem eles essa mágica não existiria. (MUHLENBERG, 2010).

Em carta do juiz de direito, Eliezer Rosa, dirigida ao seu amigo, João Antero de

Carvalho, advogado, jornalista e escritor, na qual, Eliezer, torcedor do América do Rio de

Janeiro, demonstra a sua admiração pelo Flamengo, algumas sugestões são apresentadas para

que a felicidade tomasse conta do povo. Esta carta foi publicada pela primeira vez no jornal

“O DIA”, em 29-06-1969. A carta também faz parte do livro "Uma Nação Chamada

Flamengo", de Ivan Alves, lançado em 1989. Em “Crônicas do Futebol Pitoresco”, João

Antero revive estas palavras proferidas por Eliezer.

[...] Ainda não volvi a mim, à minha calma interior, desde aquele tormentoso domingo em que o Flamengo perdeu para o Fluminense. Não que eu seja flamengo, como você sabe e todo mundo sabe, mas, a verdade é que eu gosto do Flamengo e não sinto prazer, quando ele perde. Nisso de futebol, sou ecumênico, se a palavra tão amável cabe em tal assunto. Gosto de todos os clubes, embora tenha minha religião pelo nosso América. Ouça bem, meu caro Antero: O Flamengo não é somente um clube, uma organização esportiva. O Flamengo é uma religião, uma seita, um credo, com sua bíblia e seus profetas maiores e menores. O Flamengo é um amor, uma devoção, uma eterna comunhão de sentimentos. Por ele muitos deram a vida, alienaram a liberdade, destruíram amizades, arruinaram lares, com homicídios e suicídios. O Flamengo, o flamenguismo, para ser mais exato, é uma cardiopatia. O Flamengo dá febre, dá meningite, dá cirrose hepática, dá neurose, dá exaltação de vida e de morte. O Flamengo é uma alucinação. Deveria ser feita uma Lei Federal que obrigasse o Flamengo a jogar em todo o Brasil, toda semana, e ganhar sempre. Quando o Flamengo vence, há mais amor nos morros, mais doçura nos lares, mais vibração nas ruas, a vida canta, os ânimos se roboram, o homem trabalha mais e melhor, os filhos ganham presentes. Há beijos nas praças e nos jardins, porque a alma está em paz, está feliz. O Flamengo não pode perder. Sua derrota frustra, entristece, humilha e abate. A saúde pública, a higiene nacional, exigem que o Flamengo vença, para bem de todos, para felicidade geral, para o bem-estar nacional. Aqui vai um anteprojeto de Lei: Lei nº... Dispõe sobre normas de saúde pública. Art. 1º O Flamengo jogará semanalmente em todos os Estados da Federação. Art. 2º O Flamengo vencerá todas as partidas. Art. 3º Revogam-se as

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disposições em contrário. Saiba que esta é uma Lei necessária. Ela deverá vir o quanto antes. Algum dia, ela poderá ser revogada em favor do América. O importante é o precedente legislativo. (ROSA apud CARVALHO, 2004, posfácio).

No Campeonato Brasileiro de 2007, o Flamengo terminou a competição na terceira

colocação geral, conquistando vaga para a Taça Libertadores da América de 2008. Até aí,

nada demais. O Feito ganha em relevância quando se esclarecem as condições em que isto

aconteceu. Tal colocação foi conquistada após uma arrancada do Flamengo que entrou para a

história, tendo sua torcida papel de destaque. O sítio eletrônico da Federação Internacional de

Futebol, a FIFA, destacou o feito.

O time passou 13 rodadas na zona de rebaixamento. Tudo parecia nebuloso. O risco de

não permanecer na primeira divisão era enorme. Aí houve um pacto da torcida com o time. O

torcedor pedia só raça em campo em troca de seu apoio. Com a ajuda de sua torcida, começou

uma arrancada incrível do time. Nos jogos no Maracanã, mesmo com o time jogando mal em

alguns momentos e sem tantos jogadores de qualidade técnica, a torcida compareceu, jogou

junto, empurrou. Assim o time foi subindo na tabela até conseguir terminar na terceira

posição – 1 ponto atrás do vice-campeão.

Esse feito fez com que as autoridades, de forma justa, prestassem homenagens ao

clube. E, mais especificamente, ao seu torcedor, que é o maior patrimônio do Flamengo.

Assim, o seu torcedor foi declarado patrimônio cultural carioca. O texto de defesa para a

criação da lei que instituía ao clube essa condição pregava que a maior torcida de um time de

futebol do Brasil, a do Flamengo - no reconhecimento do futebol como uma paixão nacional -

merecia todo o crédito e justificaria essa homenagem por indiscutivelmente promover nos

estádios cariocas e brasileiros, espetáculos de impressionante alegria. O poder público nas

esferas municipal e estadual, e a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), entidade máxima

do futebol nacional, se curvaram à evidência de ser o torcedor do Flamengo uma instituição,

dentro da instituição futebol, de relevada atuação no cenário esportivo e social.

Lei e decreto creditam ao torcedor, o título de Patrimônio Cultural Carioca (esfera

municipal), sendo o seu dia, o 28 de outubro – dia do padroeiro do clube, São Judas Tadeu. E

na esfera estadual, o seu dia é o 17 de novembro, dia da fundação do Clube de Regatas do

Flamengo – a data real, mas não oficializada. Em 10 de Outubro de 2007, o presidente Márcio

Braga, após ler documento no qual um torcedor-conselheiro solicitava o não mais uso da

“camisa 12”, passando esta, a ser exclusivamente do torcedor, entendeu como justíssima a

solicitação e acatou o pedido. Determinou, então, que nenhum jogador utilizaria mais a

camisa 12. Ela passou a ser da “nação rubro-negra”.

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A oposição não se conforma, mas não pode fazer nada: o Flamengo é um caso de amor entre milhões e o Brasil. Um dia, quando se mergulhar de verdade nos fatores que, historicamente, ajudaram a consolidar a integração nacional, o Flamengo terá de ser incluído. Durante todo o século 20, ele uniu gerações, raças e sotaques em torno de sua bandeira [...] poucas instituições serão tão abrangentemente nacionais quanto o Flamengo – a Igreja Católica, sem dúvida, é uma delas, e, talvez, o jogo do bicho. E olhe que o Flamengo não promete a vida eterna nem o enriquecimento fácil. Ao contrário, às vezes mata de enfarte e, quase sempre, só dá despesa. Mas uma coisa ele tem em comum com a religião e o bicho: a fé. Essa é a matéria-prima de que as três instituições se alimentam. Mas com vantagem para o Flamengo, porque a Igreja só paga dividendos depois da morte e o bicho tanto pode dar quanto não dar – já o Flamengo costuma pagar seus dividendos espirituais toda quarta e domingo. (CASTRO, 2001, p. 17-18).

Não é esse clube apenas um clube de pobre, do povão, do negro. Ele é de todos. Não

existem barreiras que separem o Flamengo de quem vive nos ambientes acadêmicos,

científicos, com suas teses e dissertações; ou no ponto mais alto da pirâmide social, com seus

abastados que moram nos endereços mais suntuosos; ou ainda, entre aqueles que ocupam os

cargos mais importantes do país. Dos que vivem na luta frenética do dia a dia da classe média,

daqueles que comem feijão, arroz e farinha a semana inteira, nos grotões de pobreza, ou

mesmo, dos que na favela precisam todo dia escrever capítulos de superação.

O Flamengo é amálgama desses seres. Por isso, o torcedor do Flamengo não se prende

em rótulos. Esses seres de diferentes patamares sociais se incorporam no universo do futebol e

formam uma massa coesa, a coletividade delirante, que na complexa esfera da paixão

encontram alento existencial e, inebriados, por carregarem o orgulho de ser rubro-negros, se

fortalecem, para enfrentar os obstáculos impostos pela vida. E, esses seres estão por todos os

lados.

Segue corroborando (CASTRO, 2001) que no Nordeste e no Norte o número de

torcedores rubro-negros é de cair o queixo. Não é um clube regional. Por toda dimensão

territorial do Brasil o nome Flamengo está presente. Nascido no Rio de Janeiro, ele pertence

ao Brasil. Suas cores se espalham por toda a parte. Em qualquer categoria de atividade

profissional, a torcida se faz representar. Entre juízes, desembargadores, delegados, políticos.

Junto aos famosos da sociedade e ao cidadão anônimo comum, o espaço do Flamengo é

cativo. Seja pedreiro, arquiteto, advogado, jornalista, engenheiro, militar, motorista, atendente

de balcão, peão de obra, ou, em qualquer outra profissão que se pense, o nome Flamengo soa

mais alto. Nas pesquisas de opinião, os números cravam que o Flamengo detém a maior

torcida do Brasil e quiçá do mundo. Oscilando entre 33 e 40 milhões de torcedores.

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Até entre os adversários o Flamengo é maioria. É, possivelmente, juntamente com o

Corinthians, o clube mais odiado do Brasil. A rivalidade sadia é uma das coisas mais sublimes

do futebol. O Flamengo se fez grande por ter superado notáveis adversários. E até mesmo por

ter sido suplantado por seus adversários em determinadas ocasiões. Encontrou nisso,

motivação para ser maior e buscar o aprimoramento. É claro que a derrota, abate, dói, faz

sangrar. Mas por outro lado, ela também proporciona a percepção da grandiosidade do clube,

quando se repara que a comemoração do adversário que consegue vencê-lo é abundante,

ampla e inesquecível para ele, denotando nisso, o quão representativo é o Flamengo.

2.1 A RIVALIDADE NOS CLÁSSICOS

Sendo vice-campeão em seu ano de estreia no futebol, 1912, o primeiro título do

Flamengo nos gramados, chegaria de certa forma cedo, em 1914. As conquistas de

campeonato, o “levantar” de taças é o grande objetivo a ser alcançado. Isto é fato. Todavia,

existem partidas isoladas que não valem título nem nada, apenas a pontuação da vitória ou do

empate, que por algum fator, entram para a história.

Desde o mais longínquo tempo, os eventos nos quais o Flamengo estava presente eram

vistos como um acontecimento a não se perder. E dentro dessa perspectiva de “jogos soltos”,

os clássicos, especialmente os locais, destacadamente, independem da disputa de título para

serem especiais. Tendo o Flamengo essa aptidão para o “conquistar” das pessoas, a forte

marca de superação, a sina de ficar mais forte ante as dificuldades e a obstinação em ser

referência nacional, já em 1923, houve o dia em que o clube rubro-negro poderia representar o

Brasil.

Era notória - e sempre foi - a insatisfação do brasileiro com a sua condição histórica na

relação com o colonizador. O repúdio a toda exploração portuguesa aqui efetuada, à conduta

reprovável de membros da família real diante de nossa cultura e de nossas terras, onde o que

interessava eram as riquezas naturais, é fato conhecido. E vencer, superar isso, curar as feridas

do passado na relação com Portugal, poderia acontecer por intermédio do futebol e, mais

precisamente, pelo Flamengo. E aconteceu.

O Clube de Regatas Vasco da Gama, um clube criado pela enorme e fecunda,

financeiramente, colônia portuguesa que vivia no Rio, surgiu no Remo, em 1898. No futebol,

dá início à sua caminhada vitoriosa, em 1916, após fusão com um clube que já praticava o

futebol desde 1914, o Lusitânia que, como o próprio nome denuncia, era português desde a

raiz. Diferentemente do Flamengo, o Vasco começou na 3ª divisão e só chegou ao grupo

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seleto do futebol carioca, em 1923. Já no primeiro campeonato, surpreende, e, vitória após

vitória, deixa todos boquiabertos com o seu desempenho. Ocorria que, principalmente, no 2º

tempo das partidas, o Vasco atropelava todo mundo. Os jogadores demonstrando fôlego

incomum para a realidade do futebol daquele tempo, não tomavam conhecimento dos

adversários.

Para justificar isso, eis a explicação. Com o futebol sendo elitista e amador, vale a

compreensão de que os jogadores dos times pertenciam a famílias tradicionais com recursos

financeiros declarados. Quem praticava o esporte era em regra, estudante universitário,

médico, advogado, engenheiro, enfim, profissionais de áreas variadas e bem remunerados.

Não poderia existir remuneração para jogar futebol, então. Por essa condição, treinavam

pouco.

Com os primeiros movimentos de defesa do advento do profissionalismo, o Vasco

usou de um artifício inteligente para se fortalecer. Os comerciantes portugueses “fingiam”

contratar funcionários para os seus estabelecimentos comerciais. Esses funcionários não eram

vistos atrás dos balcões, atendendo aos fregueses. Recebiam o salário para, às escondidas,

treinarem com afinco e darem a vida pelo Vasco no futebol. Os jovens eram humildes, vindos

de famílias pobres e em sua maioria, negros e mulatos. Essa abertura social proporcionada

pelo Vasco lhe conferiu a condição de instituição eminentemente democrática e fez sua

torcida entre os brasileiros crescer bastante - entre os portugueses, a adesão já era

avassaladora – complementa, (RODRIGUES FILHO, 1966).

Pois bem. O primeiro campeonato em que Vasco e Flamengo se enfrentariam tinha

conotação de autêntica disputa, Brasil versus Portugal. E, só deu Vasco. Jogo após jogo, o

time impressionava. O que parecia é que seria o campeão invicto, no seu primeiro ano de 1ª

divisão, 1923. Não perdia para ninguém. O Flamengo havia sido derrotado no 1º turno por 3 x

1. No confronto do 2º turno, teria a chance de desbancá-lo. O sentimento antilusitano estava

em evidência, em razão da comemoração, no ano anterior de 1922, do centenário da

Independência.

O jogo foi no estádio das Laranjeiras, o grande palco da época. Durante toda a semana

não se falou em outra coisa. O estádio ficou abarrotado. A partida foi um acontecimento

social. E o Flamengo exauriu, sabe-se lá de onde, todas suas forças e conseguiu uma vitória

épica, 3 x 2. Essa derrota não impediu o título do Vasco, mas, naquele dia, algo bem

característico da torcida do Flamengo, o festejar em doses inigualáveis de euforia, agitou a

cidade.

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Entusiasmados, os jornais registraram o fato: ‘Há uma semana que em todos os círculos desta cidade em outra cousa não se falava. O match era motivo de todas as conversas. [...] Mais de 35 mil pessoas, sem exaggero, enchiam as vastas dependências do tricolor, contou ‘O Imparcial’. Jamais, nesta capital, affluiu igual concurrência em jogos de football. [...] Não havia um único lugar no ground. Calculamos em cerce de 55 mil pessoas o número de espectadores verificado hontem, garantiu o ‘Jornal do Comércio. A partida assumiu a proporção de um vultoso acontecimento, que ultrapassou os limites do mundo sportivo, para interessar, fora desse âmbito, à toda a cidade, descreveu o ‘Correio da Manhã’. (ASSAF e MARTINS, 1999, p. 30-31).

A festa promovida pela torcida do Flamengo, como sempre, levou o povo para a rua e

ganhou cara de carnaval. Saíram pela cidade comemorando o feito e causaram à colônia

portuguesa uma grande dor de cabeça. Foram aos principais pontos de reunião dos patrícios e

tripudiaram dos gajos; colocaram um tamanco gigante e uma coroa funerária em frente à sede

do Vasco; rodearam a estátua de Pedro Álvares Cabral com grande quantidade de cebolas.

Comerciantes portugueses ficaram alguns dias sem abrir as portas de seus estabelecimentos

comerciais. (CASTRO, 2001, p. 60-61) comenta que “o resultado final, consagrador, foi

Flamengo 3 a 2 – uma vitória que converteu muita gente para as sua cores [...], nunca a cidade

comemorara tanto o resultado de um jogo”.

Dos duelos contra o Botafogo, especificamente, no período da década de 1960, o

Flamengo não guarda boas recordações. Era a época em que o clube alvinegro tinha um time

fortíssimo, uma verdadeira seleção. Pensar no Botafogo era lembrar de que na ponta direita do

time de General Severiano existia um jogador fenomenal chamado, Garrincha. O camisa 7

aterrorizava e colocava no chão qualquer esquema que se propusesse a marcá-lo e conter suas

investidas. Quando se fala em futebol arte, espetáculo, Garrincha é um dos maiores nomes do

futebol brasileiro e mundial. Um patrimônio nosso.

Na década de 1970, precisamente, em 1972, mais vexame. Os rubro-negros foram

motivo de chacota para os botafoguenses que tripudiaram sem cessar durante nove anos. E o

fato que desencadeou isso, aconteceu justamente no dia do aniversário do Flamengo. Um

presente de grego, por assim dizer. Botafogo 6 a 0, em 15 de novembro. Desde esse dia, os

rubro-negros passaram a viver ansiando pelo dia de dar o troco. Era questão de honra. Doía

demais para todo rubro-negro chegar ao Maracanã e ver na torcida do Botafogo uma faixa que

estampava, 6x0. O torcedor do Flamengo se via aturdido diante daquela mensagem

provocativo. Era como se em todo o confronto contra o Botafogo o torcedor tomasse um

choque em alta voltagem.

Ano a ano, a faixa sempre estava lá. O torcedor do Flamengo demonstrando a sua

característica de sempre acreditar e apoiar o time comparecia ao Maracanã nos jogos contra o

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Botafogo esperando que naquele dia houvesse o “lavar da alma”. Houve momentos em que

parecia que o grande dia tinha chegado. O Flamengo fazia 3 a 0 e a torcida aos berros pedia,

“queremos seis”, “queremos seis”. Era uma fixação para o seu torcedor devolver o escore dos

6 a 0.

Até que em 8 de Novembro de 1981 - ano mágico e o maior de todos para o Flamengo

-, nesse dia, o time proporcionaria ao seu torcedor a gigantesca alegria de devolver ao

Botafogo a goleada sofrida, nove anos antes. E de ver aquela faixa sumir de uma vez por

todas. Ao término do 1º tempo, 4 a 0 para o Flamengo. A torcida pressentia que daquele dia

não passaria. No segundo tempo, o Flamengo em cima do alvinegro, pressionando,

encurralando o Botafogo no seu campo de defesa. Para deixar o torcedor rubro-negro ainda

mais nervoso, praticamente, no único ataque do Botafogo no 2º tempo, quase que Jairzinho

marca. Se o alvinegro fizesse gol, não teria graça. E tome o Flamengo a atacar.

Impaciência, ansiedade, avidez. O torcedor rubro-negro já não se aguentava. Somente

por volta dos trinta minutos da etapa final, sai o quinto gol. A partir daí o que se vê no

Maracanã é a torcida em polvorosa, gritando, berrando a plenos pulmões “Mais um”, “Mais

um”. “Queremos seis”, “Queremos seis”. Parecia reger o time e jogava com ele. 42 minutos.

Boa parte da torcida do Botafogo já havia ido embora. A do Flamengo quase enfartava e

ninguém arredara o pé, é óbvio. Bola lançada na área alvinegra, a defesa rebate. Andrade

acerta um chutaço de fora da área. Flamengo 6 a 0. O Maracanã vem abaixo.

O Jornalista Roberto Assaf conta em entrevista ao site “Magiarubronegra.com”, que

um amigo seu “enlouquecera” neste dia. No sexto gol do Flamengo, o amigo, se jogou no

chão e chorou como uma criança separada dos pais. Saiu do Maracanã e foi a pé até a Praça

da Bandeira – uma distância de aproximadamente 3 km - repetindo sem cessar impropérios

contra os botafoguenses e aquela “faixa maldita” para os rubro-negros. Estava decretado o fim

daquela maldição. De alma lavada, a torcida em êxtase fazia repercutir pelos quatro cantos da

cidade a sua alegria. Aquela vitória é de certa forma um título que a torcida carrega e guarda

com carinho e emoção até hoje.

Vem de uma partida contra o Botafogo também – no último ano da sofrida década de

1960 – um fato marcante. A adoção do urubu como o legítimo e, assumidamente com

orgulho, mascote rubro-negro. O público do Maracanã, com 150 mil pessoas, antes do início

da partida, teve a surpresa de ver um urubu com uma bandeira do Flamengo amarrada em suas

patas, sobrevoando o estádio.

A ideia partiu de dois torcedores rubro-negros, Luiz Otávio Vaz Pires e Romílson

Meirelles. Quem sabe a assunção do apelido pejorativo de urubu, deflagrado pelos torcedores

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rivais, não traria sorte? Dito e feito. Vitória inesquecível, Flamengo 2 a 1. Algum tempo

depois, o cartunista Henfil, rubro-negro assumido, ajudou, com suas charges e cartuns, a

consolidar o urubu como mascote do clube mais popular do Brasil.

Flamengo e Fluminense. Fla-Flu. Esse clássico é denominado de “Clássico das

Multidões”, por ter reconhecidamente capacidade de reunir grandes plateias. Na primeira

metade do século XX, o jogo até era encarado pelos cartolas como uma estratégia, um

pretexto para se atrair público. Houve uma época, logo depois da construção do estádio de

São Januário – estádio do Vasco da Gama, considerado na época o maior da América do Sul

–, isso em 1927, que se marcava um jogo entre o time do Vasco e o Boca Juniors, ou, o River

Plate, para ser o evento principal da cidade.

Os cartolas de Flamengo e Fluminense, para seus times não ficarem sem o foco,

marcavam para o mesmo dia um Fla-Flu, no estádio das Laranjeiras. E o que acontecia? O

estádio era tomado por uma multidão. Gente do lado de fora querendo entrar. A arquibancada

abarrotada. É claro que a capacidade de São Januário era maior, mas, o que se via nas

Laranjeiras era uma multidão do lado fora e que se juntasse com os que estavam dentro do

estádio, daria um público, no mínimo, igual ao de São Januário.

O clássico é considerado o mais charmoso do Brasil. Uma peculiaridade do confronto

é a sua predisposição para o acometimento de lances surpresos e inexplicáveis, que serviu de

inspiração para Nelson Rodrigues criar o personagem do “Sobrenatural de Almeida”. Este

personagem é a representação daqueles lances espíritas, fora de compreensão, como se

houvesse a ação de outro mundo, que Nelson dizia surgir quase sempre para prejudicar o

Fluminense. Beleza. O clássico Fla-Flu é isso. Nada se compara ao colorido que se forma

quando as equipes entram em campo e o pó de arroz, atirado da arquibancada tricolor, baila

pelo ar e serve como maquiagem para o festival de papel picado, bandeiras desfraldadas,

sinalizadores que emanam fumaça vermelha e preta, articulados pela torcida do Flamengo.

Mantendo relação consanguínea, de certo modo, “clubes do mesmo sangue, carne da

mesma carne, irmãos do esporte”, como declara (RODRIGUES FILHO apud MARON

FILHO e FERREIRA, 1987, p. 107), Flamengo e Fluminense desde a primeira partida, em

1912, travaram confrontos emocionantes. E não respeitando essa familiaridade, o clássico foi

sempre acirrado e de ânimos à flor da pele.

Nelson Rodrigues e seu irmão Mário Filho são responsáveis por criar toda uma

atmosfera mágica, de grande glamour, que está por trás do clássico. O Fla-Flu é um

acontecimento. “[...] Eu queria dizer que o Fla-Flu apaixona até os neutros. Ou por outra: -

diante do formidável clássico não há neutros, não há indiferentes. [...] Não interessa que seja

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ou não um grande jogo. Só as partidas medíocres precisam ter qualidade. O Fla-Flu vale

emocionalmente”. (RODRIGUES apud MARON FILHO e FERREIRA, 1987, p. 111).

O Fla-Flu da Lagoa de 1941, por exemplo, que decidia o campeonato e foi

conquistado pelo Fluminense, se assenta sobre carga mítica. O futebol, aliás, por vezes,

passeia pelo mítico. Conta-se que as águas da Lagoa Rodrigo de Freitas chegavam bem perto

do muro do estádio da Gávea. O empate era do Fluminense. Após está vencendo por 2 a 0, o

tricolor cede o empate faltando seis minutos para o final.

Diz a lenda – ou não lenda - que daquele momento em diante, os jogadores do

Fluminense passaram a chutar a bola em direção a Lagoa. Havia a figura do cronometista. O

tempo era interrompido quando a bola saia. Mas o que ficou daquela partida foi esse mito de

que a bola por diversas vezes atirada na Lagoa, gerando a paralisação da partida, foi esfriando

o jogo e minando o ímpeto dos jogadores e da torcida. E que depois de intermináveis minutos

e de inúmeros recomeços, torrou a paciência do árbitro e do cronometista que, sem terem

como evitar as interrupções, decidiram encerrar a partida.

Houve ainda o Fla-Flu de 1963, 0 a 0. Título do Flamengo. Quase 200 mil pessoas no

Maracanã. Jogo emblemático esse, de maior público entre times. Os duelos de 1969, 1983,

1984, 1985 e, aquele Fla-Flu, no centenário do Flamengo, 1995, com o atormentador, para os

rubro-negros, gol de barriga de Renato Gaúcho, aos 42 do segundo tempo, e o triste placar de

3 a 2 para Fluminense que frustrou o tão sonhado título no ano do centenário rubro-negro, são

outros embates que marcaram. É da lembrança que se tem desse Fla-Flu, de 1995 que brota

um acontecimento cercado de emoção aflorada.

Daquele dia extrai-se uma cena carregada de beleza. No término do jogo, uma criança

com aproximadamente 10 anos, chorava copiosamente no colo do pai. Os dois, rubro-negros.

E, naquele momento então, perdedores. O menino, soluçando, pelo choro que lhe tomava

conta, perguntou para o pai o porquê daquela derrota no ano do centenário rubro-negro - o

Flamengo que jogava pelo empate, levou dois gols, havia conseguido o empate, 2 x 2 e o

título já parecia definido. O pai, como um sábio, proferiu o seguinte dizer: “Todos nós

precisamos de derrotas para fortalecer o sentido das façanhas conquistadas. O Flamengo é o

que é porque aprendeu que as derrotas abrem feridas e que vão existir ao longo da caminhada.

A cura se dá pela certeza de saber que o clube é diferente de tudo que existe e que a condição

de rubro-negro lhe traz já no dia seguinte o apontamento para dias de alegria”.

2.2 ÍDOLOS

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Na galeria histórica do Flamengo, um punhado de ídolos permeou a vida do clube.

Zico, Dida, Zizinho, Leônidas da Silva, Fausto, Domingos da Guia, Nonô, Jarbas, Rubens,

Waldemar de Brito, Borgerth, Píndaro, Biguá, Amado, Valido, Evaristo, Rondinelli, Júnior,

Bebeto, Romário, Petkovic. Cada um em seu tempo foi elemento de atração e possibilitou a

conquista de novos torcedores. Todos talentosos, mas que sabiam que no Flamengo era

preciso se doar cem por cento em campo. Só o talento não bastava. Se o jogador impusesse a

raça, “o suar da camisa” em todos os jogos, já estaria marcado no coração do torcedor rubro-

negro.

Zico é tido como ídolo máximo para a grande maioria de torcedores. Foi o craque do

time que deu ao Flamengo o título mais importante de sua história: campeão do mundo. O

time era uma plêiade de craques. Zico era o regente dessa constelação. Para ter noção do grau

de importância do garoto nascido no subúrbio de Quintino, no Rio de Janeiro, na história do

clube, vale a nota de que alguns torcedores comemoram duas datas de natal. O dia 25 de

Dezembro, e o 3 de Março, nascimento de Zico, o Messias, assim chamado pela torcida.

Ele chegou garoto no Flamengo, em 1967, e só saiu, em 1983, para a Udinese da

Itália, retornando ao clube, em 1985. Camisa 10 da seleção por longo período, disputou três

copas do mundo sem, infelizmente, ter conquistado nenhuma. O melhor jogador de uma

seleção que encantou o mundo, a de 1982 – vista por alguns especialistas do futebol como a

terceira melhor seleção brasileira de todos os tempos – Zico foi um exemplo de profissional,

muito disciplinado e persistente. Jogo do Flamengo com Zico em campo era sinônimo de

vitória, futebol arte e estádio lotado. É o maior artilheiro da história do clube.

Abandonou os gramados, profissionalmente, em 1989. No seu jogo de despedida em

06 de Fevereiro de 1990, uma terça-feira. No Maracanã com 100 mil pessoas, era possível ver

na extinta geral – lugar místico destinado ao torcedor de menor poder aquisitivo – muito

torcedor que já era figura marcada daquele espaço chorando copiosamente e em tom

imensamente triste pronunciando palavras que traziam em si, conteúdo de orfandade. “Zico

você vai deixar a gente! De onde iremos tirar a nossa alegria agora?” Em 1991, foi contratado

por um clube japonês, o Kashima Anthlers, para fazer um trabalho de desenvolvimento, de

aprimoramento do futebol japonês. Atingiu imenso sucesso e chegou ao posto de técnico da

seleção nipônica. Zico no Japão também é ídolo.

Dida, o segundo maior artilheiro do clube – ídolo de Zico – jogou no Flamengo de

1953 a 1966. Era o camisa 10 absoluto da seleção durante a segunda metade da década de

1950. Em 1958, às vésperas da copa do mundo, ao se contundir, abriu caminho para um

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menino de 17 anos que viria a se tornar o craque daquela copa e, posteriormente, o maior

jogador de todos os tempos, o rei do futebol, Pelé.

Zizinho foi o ídolo da infância de Pelé. Jogou no Flamengo de 1939 a 1950 e ficou

conhecido como “mestre Ziza”. Fez parte do time que conquistou o primeiro tricampeonato

do clube e sentiu na pele o peso da derrota da seleção na copa de 1950 para o Uruguai, em um

Maracanã com 200 mil pessoas. Mesmo com a derrota foi considerado o craque da copa e

daquela partida. Jogou na seleção nas décadas de 1940 e 1950 e para muitos entendidos do

futebol, depois de Pelé, foi o jogador mais completo do futebol brasileiro.

Domingos da Guia vestiu a camisa rubro-negra de 1936 a 1943. Apelidado de “divino

mestre”, fazia maravilhas com a bola nos pés. É quase uma unanimidade quando se pergunta

quem foi o maior zagueiro de todos os tempos do futebol brasileiro. De estilo extremamente

técnico, tinha uma capacidade fora do comum de sair driblando os adversários no seu campo

de defesa. Nunca dava chutões. A bola grudava nos seus pés. Juntamente com Leônidas, foi

destaque na copa do mundo de 1938, na França, na qual o Brasil foi o terceiro colocado.

Romário chegou ao Flamengo em 1995 com o status de ter sido eleito o melhor

jogador do mundo do ano anterior. Foi o craque e o principal jogador na conquista do tetra

campeonato da seleção brasileira, nos Estados Unidos, em 1994. Contratado junto ao

Barcelona da Espanha, onde era ídolo, sua contratação pelo Flamengo foi um grande

acontecimento. O torcedor ficou em polvorosa e mesmo com conquistas tímidas de títulos,

bem aquém do que o torcedor previa, Romário tem a terceira melhor média de gols da história

do clube e se tornou em apenas quatro anos – tempo em que jogou no rubro-negro - o seu 4º

maior artilheiro.

Em 1998, ao ser cortado da seleção, dias antes da estreia na copa do mundo, realizada

na França, a torcida do Flamengo realizou vários protestos e se colocou a favor de Romário e

contra Zico – o então diretor técnico da seleção. Zico foi responsável, não pelo corte,

erroneamente interpretado desta forma pela torcida, mas pela divulgação do desligamento,

que fora acordado por toda a comissão técnica.

Outro fato que ajuda a mensurar o que representou Romário para o Flamengo foi a

constatação da presença maciça de torcedores em treinamentos, em jogos, amistosos, eventos

diversos em qualquer parte do país e até mesmo fora, nos quais Romário estivesse presente. O

declínio de vendas da camisa 10 - sempre a mais vendida – também se verificou e a 11 de

Romário teve vendas vultosas. Romário declarou certa vez: “Tenho carinho e admiração pela

torcida de todos os clubes pelos quais passei. Porém, a torcida do Flamengo é de outro

mundo”.

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Nenhum ídolo, no entanto, teve escala maior de importância para popularização do

Flamengo do que Leônidas da Silva. Esteve no Flamengo entre 1936 e 1942. Conquistou

muito torcedor, atraiu muita gente para o clube. Levou o povo para junto do Flamengo. Da

mesma forma, intelectuais, artistas e políticos se entrelaçaram ao clube da Gávea. Através da

figura dele, em 1938, durante a copa do mundo, disputada na França, ao ouvir a narração de

Gagliano Neto, estupefata pelas travessuras de Leônidas, José Lins do Rego, que até então

não se interessava por futebol, descobriu Leônidas e o Flamengo. Um amor sem comparação

envolveu toda a sua alma. Ary Barroso? Babava por Leônidas.

Elevado ao posto de ídolo nacional, no final da década de 1930, ele figurava entre os

três homens mais representativos do país: Getúlio Vargas, presidente do Brasil. Leônidas da

Silva e Orlando Silva – o cantor das multidões. (RODRIGUES FILHO, 2003) continua a

destacar que um pedido de Leônidas a Getúlio era prontamente atendido. O chocolate

“Diamante Negro” e o cigarro “Leônidas” foram lançamentos inspirados no astro e tiveram

grandes proporções de venda. O ídolo rubro-negro era capa de revistas, de jornais e

personagem frequente dos programas de rádio – a grande novidade. Aparecia sempre ao lado

do presidente da república e de mulheres da sociedade. Recebia milhares de cartas. Era

imitado, amado, idolatrado.

E como se falava em Leônidas o tempo todo, por associação, o Flamengo também não

saia da boca das pessoas. Esse negro revestido de grande glamour foi um caso a parte dentro

da história do clube quando se busca explicações para tamanha popularidade. Negro e pobre,

ele foi além e tripudiou do destino comum e simples que parecia lhe envolver. Sucesso,

fenômeno de verdade, estrela reluzente, craque capaz de realizar jogadas impensadas. Esses

adjetivos recaem bem sobre a sua figura. Despontando no modesto Bonsucesso F.C, passou

por Vasco, Botafogo, São Paulo, Peñarol, Boca Juniors. No Flamengo, atingiu o seu auge.

2.3 TÍTULOS

Além de acontecimentos fortuitos que alavancaram o crescimento de sua torcida e

conduziram o Flamengo à condição de clube popular, reside na tríade, jogos, ídolos e títulos,

fragmentos que costuram o grau de importância de todo clube e, com o Flamengo, não foi

diferente. De cada um desses três tópicos aqui dispostos, emergiram nuances que trouxeram

admiração, a reverência, a aceitação por parte das pessoas que, tocadas por exitosa presença

do Flamengo dentro e fora de campo, vieram a escolher ele como o clube de seus corações.

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No tocante a títulos, o que primeiro se deve destacar é a força, a simpatia, o glamour, a

referência que foi – e continua sendo – no cenário do futebol brasileiro, o campeonato carioca

de futebol. Sempre o futebol do Rio rivalizou com o de São Paulo e se posicionou como palco

de alarde, de vertente elogiável e de envolvimento singular com a magnitude cênica do

esporte. De 1914, ano do primeiro título, até hoje, 2013, foram 32 títulos estaduais

conquistados no futebol profissional pelo Flamengo. Os cinco tricampeonatos estaduais

conquistados podem vir a ser considerados como os mais emblemáticos em se tratando da

esfera regional.

Um ponto, porém, não pode ser esquecido. E certamente essa característica foi

herdada dos velhos tempos da República Paz e Amor. É lógico que títulos são e serão sempre

importantes, bem como, metas permanentes para os clubes. Todavia, o torcedor do Flamengo

nunca ficou muito preso a conquistas de campeonatos para que o seu orgulho se mantivesse

em alta. Cada vitória era o que importava. Isso vem do remo e o futebol absorveu. Vitória do

Flamengo significava festa e era das “pequenas” alegrias que o torcedor vertia o seu alimento.

Dissabores existiram, jejuns de títulos, fracassos, derrotas acachapantes, mas o amor de seu

torcedor continuava intacto e, incrivelmente, mais fortalecido. Essa é uma das facetas do seu

torcedor.

Quando o assunto recai sobre os títulos nacionais, o período da década de 1980 é o

mais representativo. Importante frisar que as disputas entre clubes de diferentes regiões do

país só teve início em 1959, com o advento de um torneio - que substituía os campeonatos de

seleções estaduais - chamado de Taça Brasil. Esta competição tinha formato de disputa que

punha em confronto apenas times pertencentes a uma mesma região – instituído assim pela

distância nas locomoções. Juntamente com essa Taça Brasil, o torneio Roberto Gomes

Pedrosa – antiga Copa Rio-São Paulo – que abriria espaço para a disputa entre os principais

clubes do país. Isto ocorreu em 1967. Esse é o embrionário do nosso Campeonato Brasileiro.

O Flamengo possui 6 conquistas de Campeonato Brasileiro e 3 de Copa do Brasil.

Uma Copa dos Campeões - competição que reuniu representantes das cinco regiões do país e

que teve só três edições, de 2000 a 2002. Inúmeros títulos em torneios no exterior. A Copa

Mercosul, e os dois mais importantes títulos. O de campeão da Taça Libertadores da América

– a maior competição do Continente – e o Mundial Interclubes – que era disputado entre o

Campeão Sul-Americano e o campeão Europeu. Isto foi em 1981.

É difícil relatar quais foram, tanto os ídolos, como as conquistas que mais se

sobressaíram. É certo que cada torcedor tem sua predileção sustentada por razões afetivas e

pela memória eletiva. Inegável também é que o Flamengo viveu a sua fase mais produtiva, em

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termos de títulos, na década de 1980. Há de se considerar a formatação do futebol no Brasil

que só ganha mais solidez de disputa a partir da década de 1970. Relacionar os títulos por

ordem de importância é difícil, até porque como já dito, cada conquista tem uma

singularidade. De forma que todas são especiais. Neste trabalho, apresenta-se parte dessa

vasta lista de conquistas.

No primeiro título do Flamengo, em 1914, o time era formado pela base da primeira

equipe de futebol do clube. O campeonato contou com sete participantes e a campanha rubro-

negra teve oito vitórias, três empates e uma derrota. O uniforme era o chamado “cobra coral”

– listras horizontais vermelha, preta e branca. O artilheiro da equipe foi Riemer com 8 gols.

Como remanescentes da criação do futebol no clube: Baena, Píndaro, Nery, Galo, Arnaldo,

Amarante, Bahiano e Borgerth. A camisa cobra coral, mesmo com vida curta – dois anos –

deu sorte, pois, levou o clube à conquista invicta em 1915. Foi aposentada em 1916, por se

parecer com a bandeira da Alemanha – criticada em face da atuação na 1ª guerra mundial.

Dos onze jogadores, dez, eram acadêmicos. Cursavam Medicina e Direito. Só um jogador,

Galo, não estudava.

Em 1927, o título que trouxe à tona a mística da camisa. O Flamengo praticamente

sem um time, na base da superação mesmo, levantou o caneco. Moderato foi o grande herói.

Jogou uma partida contra o Vasco com uma apendicite em vias de arrebentar, morrendo de

dores e no sacrifício. Após a vitória sofrida, Moderato, sai de campo e vai direto para o

hospital. Algum tempo depois da cirurgia, em fase de convalescença ainda, entra em campo

na final contra o América e, com uma cinta envolvendo desde a região abdominal até a parte

pélvica, marca o gol do título. O Flamengo tinha um time bastante limitado e a entrega dos

jogadores foi de uma altivez nunca imaginada. Surge a mística da camisa que joga sozinha.

Após 12 anos de jejum, vem o título de 1939. Era a gestão de José Bastos Padilha.

Leônidas e Domingos da Guia, personagens desse time. Três anos depois, viria o primeiro

tricampeonato da história do clube, 1942, 43 e 44. A decisão de 1944 é a mais emblemática e

ganhou ares de epopeia. O personagem é o argentino Valido. Em um estádio da Gávea

abarrotado, Flamengo e Vasco decidem o título. O Vasco tinha uma equipe brilhante, era um

time muito forte – começava a formar o expresse da vitória, esquadrão cruzmaltino que fez

história. O Flamengo se superando na raça. O time de São Januário jogava pelo empate.

Agustín Valido havia se aposentado em 1943. Virara comerciante a tinha aberto uma

gráfica. Durante uma pelada na Gávea, em que jogava o time da gráfica de Valido, o técnico

do Flamengo, Flávio Costa - um dos mais expressivos da história do futebol brasileiro - ao ver

Valido em campo – havia substituído um funcionário seu - acha que o argentino ainda reúne

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condições de jogar no time do Flamengo. O convite é feito. Valido tenta demover Flávio da

ideia, dizendo não reunir mais condições físicas. No final, alegando amor ao Flamengo acaba

aceitando o desafio. Joga a penúltima partida contra o Fluminense e sai de campo com dores

musculares absurdas que travaram o seu corpo, tamanho o seu esforço.

A partida final contra o Vasco, uma semana depois, reserva a Valido o maior momento

de sua carreira. Disposto a não jogar, em razão de ainda se recuperar das dores pelo corpo e

de estar com febre, é convocado por Flávio Costa a entrar em campo. Aos 44 minutos do

segundo tempo, após cruzamento na área de Vevé, sobe mais do que toda a defesa do Vasco e

- em um lance discutido até hoje, segundo alguns, se apoia no zagueiro Argemiro - cabeceia

para o fundo das redes. Gol do título e frenesi no estádio da Gávea. Segundo contam alguns

livros, Ary Barroso, que narrava à partida, larga o microfone e invade o campo de jogo não se

contendo em alegria.

Em 1953, 54 e 55, o segundo tricampeonato. O Flamengo com um time chamado de

rolo compressor e sob o comando do técnico paraguaio Fleitas Solich – chamado de “El

brujo”, pelas proezas que realizava – não toma conhecimento dos adversários. O presidente

era Gilberto Cardoso, obstinado em fazer o Flamengo cada vez maior no futebol e forte

também no esporte amador. Na partida final de 1955, contra o América – grande força do

futebol carioca – pode-se dizer, do Brasil - à época e favoritíssimo – Fleitas decide apostar

todas as fichas em um garoto chamado, Dida. O garoto alagoano acaba com a partida. Dida

conseguiu com talento admirável conquistar o seu espaço na galeria dos grandes ídolos do

clube. O time do Flamengo havia firmado um pacto de conseguir a vitória e o título a todo

preço para homenagear o presidente Gilberto Cardoso que havia falecido poucos meses antes,

vitimado por um enfarto, acompanhando o seu Flamengo, em uma partida de basquete.

Em 1963, contra o Fluminense, naquele que é considerado o jogo com maior público

em confronto entre clubes, 177 mil pagantes - sendo que tinha muito mais gente no estádio -,

o rubro-negro empata em 0 x 0 e consegue o título daquele ano. Já em 1978 o torcedor é

brindado com o início do terceiro tricampeonato do clube e vê o esboço do que seria o maior

time do Flamengo de todos os tempos. Após o clube perder o campeonato de 1977, o técnico

revolucionário, Cláudio Coutinho, dá o passo inicial para o ciclo vitorioso, comandando a

geração de ouro que começava a se formar e que viria a escrever o capítulo de maior brilho na

vida do Flamengo.

A decisão de 1978 foi contra o Vasco, que jogava pelo empate. O jogo estava 0 x 0.

Aos 42 do segundo tempo, escanteio a favor do Flamengo. Rondinelli – o Deus da Raça - sai

em disparada do seu campo de defesa, atravessa todo o campo como um raio e salta entre os

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zagueiros vascaínos para desferir uma cabeçada indefensável, marcando o gol antológico

daquela conquista. Essa imagem não sai da cabeça de nenhum torcedor rubro-negro e sempre

que é mencionada essa conquista, a emoção ecoa pelo ar. Em 1979, por desmandos políticos

da CBF e da Federação de futebol do Rio, são realizados dois campeonatos no mesmo ano. O

Flamengo papa os dois.

E aquela história de que torcida ganha jogo? Pois bem, em 1981, na decisão do

Campeonato Carioca, Flamengo e Vasco decidem em uma melhor de três partidas quem seria

o campeão. Em 6 de Dezembro – uma semana antes da decisão do Mundial Interclubes, no

Japão – o Flamengo entra em campo para o terceiro jogo decisivo com a corda no pescoço.

Havia perdido as duas partidas anteriores.

O time rubro-negro – de grande qualidade técnica - estava muito mais preocupado

com a decisão do título mundial. Os jogadores também se recuperavam do trauma pela perda

de seu comandante, Cláudio Coutinho. Mesmo havendo deixado o clube no final de 1980,

gozava de carinho, respeito e admiração de todos. Coutinho morreu uma semana antes do

desse jogo final, durante a prática da pesca submarina - mergulho de apneia - nas ilhas

Cagarras, no Rio de Janeiro.

Para o clube da Gávea era vencer ou vencer. Como tinha o melhor retrospecto durante

todo o campeonato, o Flamengo levava vantagem. Se a partida terminasse empatada haveria

prorrogação e, se caso fosse, pênaltis. Após o rubro-negro fazer 2 a 0, o Vasco diminui e

passa a sufocar. A torcida então entra em campo, literalmente. Ou melhor, um torcedor. Este

é, Roberto Pereira, que ficou conhecido celebremente como o ladrilheiro. Ele esfriou a reação

vascaína. Os jogadores do Vasco tentavam o tirar a força do campo, com empurrões e

sopapos. Os do Flamengo intervieram. O certo é que com o ladrilheiro ou sem ele, era difícil

alguma coisa dar errada para o Flamengo naquele ano de 1981.

Em 1999, 2000 e 2001, outro tricampeonato. Destaque para o gol de falta em 2001, do

sérvio, Dejan Petkovic, aos 44 minutos do segundo tempo, contra o grande arquirrival, o

Vasco da Gama. O Flamengo precisava vencer por dois gols de diferença e o Vasco, com um

time melhor que o do Flamengo, perdia por 2 x 1. Dessa forma, estava conquistando o título.

Isto, até os 43 minutos da etapa final.

A torcida cruzmaltina já fazia festa. A do Flamengo implorava aos deuses e ao seu

padroeiro, São Judas Tadeu, que mais um golzinho saísse. No momento da cobrança de falta,

Petkovic e torcida, em sintonia, são alcançados por uma dessas coisas fascinantes do futebol.

A bola vai fazendo uma curva e entra no ângulo, no único espaço entre a mão do goleiro do

Vasco, Hélton, e a curvatura da trave com o travessão. Alegria enorme. Desmaios, euforia

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inflamada, choro, apoteose, delírio. O Maracanã presencia uma tarde inesquecível para o

torcedor do Flamengo que carrega na memória, envolvido em papel de seda, este momento.

Fechando a série de tricampeonatos, 2007, 2008 e 2009. O time do momento a ser

batido: Botafogo de Futebol e Regatas. Nesses três anos, a final se repetiu e o clube da estrela

solitária ficou com a incômoda condição de tri vice-campeão. Condição esta, que o Vasco já

havia experimentado, em 1999, 2000 e 2001. São os anos que coroam o pentatricampeonato

do Flamengo. O goleiro Bruno – preso em 2010, pela participação no homicídio de sua

amante -, Fábio Luciano, Obina, Léo Moura, Ronaldo Angelim, Juan, são alguns dos

personagens dessas conquistas.

O ano de 1980 é o marco inicial das grandes conquistas nacionais. Na final do

Campeonato Brasileiro daquele ano, contra o Atlético Mineiro, o Maracanã, com mais de 150

mil pessoas, é palco perfeito para a primeira conquista brasileira do Flamengo. O jogo estava

2 x 2. O Atlético, jogava pelo empate. Aos 37 do segundo tempo, Nunes, chamado de “João

danado” por sua insistência em fazer gols decisivos e pela técnica que passava longe dele,

limitada, marca o gol do título. Flamengo 3 x 2.

E depois vieram as conquistas de 1982, contra o Grêmio, em Porto Alegre –

novamente gol de Nunes – e, a de 1983, contra a equipe do Santos, no Maracanã. O público

de quase 160 mil pessoas vai ao delírio no apito final. 3 x 0, Flamengo. Depois deste título,

nos anos seguintes, o time vai perdendo peças importantes daquele grupo vitorioso. Raul,

Zico, Júnior, Nunes – este, ainda em 1983 - e Marinho, deixam o clube.

Em 1987, com Zico que havia retornado em 1985 e lutava contra uma séria contusão

no joelho - já sem as melhores condições físicas, contudo, ainda brilhante, cirúrgico – o

Flamengo levanta o seu quarto título brasileiro. Na partida final no Maracanã, 1 x 0 sobre o

Internacional de Porto Alegre. Em 1992, sem Zico, mas com Júnior, o maestro, que havia

retornado da Itália em 1989, o quinto título nacional. O adversário foi o Botafogo. Após um 3

x 0 na primeira partida, empate em 2 x 2, na final que sela a conquista. Após 17 anos na fila

de espera, vem o título de 2009. O campeonato brasileiro que passou a ser disputado, a partir

de 2003, no sistema de pontos corridos - não necessitando ter uma decisão, uma partida final -

tem o Flamengo como Hexacampeão Brasileiro.

Somados a estas conquistas de campeonato brasileiro, os títulos da Copa do Brasil de

1990, 2006, 2013 e da Copa dos Campeões, em 2001, completam os títulos nacionais de

maior relevância do rubro-negro. Em 1990, na final da Copa do Brasil, o adversário foi o

Goiás. Na partida decisiva, em Goiânia, 0 x 0. E por ter vencido o primeiro jogo por 1 x 0, gol

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do zagueiro Fernando, o título é consumado. Sob o comando de Jair Pereira, Zé Carlos,

Júnior, Renato Portaluppi, Gaúcho, Zinho, estiveram à frente daquele grupo.

Na final de 2006, o Vasco decidiu o título com o rubro-negro. Destaque para Obina, e

Luisão – que marcaram gols no primeiro jogo da final, - e Juan, no jogo decisivo. Além de

nomes como, Renato Abreu, Léo Moura, Ronaldo Angelim e o garoto, Renato Augusto,

lançado na reta final da competição pelo técnico Ney Franco. Nos dois jogos, vitória rubro-

negra, por 2 a 0 e 1 a 0. Na conquista de 2013, o Atlético Paranaense foi o adversário a ser

superado na final. O 1 a 1, no primeiro jogo, em Curitiba, e o 2 a 0, no Maracanã, deram o

tricampeonato da Copa do Brasil ao Flamengo. O técnico Jayme de Almeida contou com

nomes como, Felipe, Hernane, Paulinho, Elias, Wallace, André Santos, Amaral, Léo Moura,

Luis Antônio.

Pela Copa dos Campeões em 2001, na final, Petkovic, repetiu contra o São Paulo a

bela cobrança de falta do título carioca daquele ano. Pelo fato de ter vencido a primeira

partida por 5 x 3, no segundo jogo, mesmo com a derrota por 3 x 2 para o tricolor paulista, o

título é conquistado pelo Flamengo. A partida foi realizada em Maceió, Nordeste brasileiro, e

a “nação rubro-negra” tomou conta do estádio. Parecia uma partida no Rio.

É em 1981, o ano mágico. Primeiro, a Libertadores da América. Depois, o Mundial

Interclubes, no Japão. O Flamengo passa a ser então o 2º time brasileiro campeão mundial

interclubes. Antes, só o Santos de Pelé havia atingido essa condição. Na final da Libertadores,

supera em uma melhor de três partidas, o violento time chileno do Cobreloa. Já o título

mundial vem com vitória fácil, em uma partida perfeita, uma aula de futebol, contra o time,

naquele tempo, mais admirado da Europa, o Liverpool, que tomou um passeio do Flamengo

no primeiro tempo, 3 x 0. No segundo, o rubro-negro pôs o time inglês na roda e abriu mão de

emplacar uma goleada mais elástica ainda.

3 A CRÔNICA

Fazer crônica é se permitir pôr um dos pés, ou os dois, na seara da fantasia, do

extraordinário, que repousa nas entrelinhas de uma vida ou de uma situação. É ter o olhar

apurado, o ouvido notavelmente captador e uma alma solta e liberta. Crônica é sentimento. É

captação do que é – está - escondido e o trazê-lo à tona. É sustentar o real em camadas de

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fantasia que não atuam, necessariamente, interferindo no descaracterizar da realidade. Fazer

crônica é desenvolver relação imaginária, de pegar na mão do leitor e levá-lo para passear.

A influência da Literatura no Jornalismo é algo que se sustenta já há muito tempo. O

jornalismo, que surgiu da necessidade natural e incontrolável do homem de falar, de contar,

de interagir - a isso chamamos de Comunicação - e pelo anseio de vencer o medo do

desconhecido, é rico instrumento de comunicabilidade e informação. Da necessidade de falar,

emerge outra. A de escrever. Assim, as primeiras páginas da comunicação impressa deram o

ar de sua graça.

Ganhando, conquistando gradualmente espaço no qual podiam falar da sutileza dos

fatos e reinventar a escrita, os escritores e jornalistas se viram diante de uma perspectiva na

qual a crônica teria espaço cativo conquistando os leitores. Mas como ela surgiu? Em que

período? Desde a idade média a crônica recebe menção. Existem relatos de que no século XV,

em Portugal, a arte de escrever crônica já era utilizada. Um pouco da história dela.

O ano de 1418 é considerado o início, em Portugal, do humanismo, época de transição da Idade Média para o Renascimento. E o marco desse início foi a nomeação de Fernão Lopes como guarda-mor da torre do tombo. Essa torre era um arquivo de documentos e de velhas escrituras do Reino, e a tarefa do arquivista seria apenas conservá-los. Será, no entanto, muito mais: em 1434, por ordem do então rei D. Duarte, Fernão Lopes é também nomeado cronista-mor do Reino, com a obrigação de (...) fazer o registro dos feitos dos antigos reis de Portugal até o reinado de D. Duarte. E de que esse registro era chamado de “caronyca”, ou seja, crônica. (BENDER e LAURITO, 1993, p. 11-12).

É efetivamente pelo folhetim que a porta se abre para o entrelaçamento entre

Literatura e Jornalismo. Essa “fusão” teve início na França, no século XIX. A inserção dos

escritores na esfera jornalística trouxe ganhos consideráveis em vários aspectos. Pela

publicação nos jornais de narrativas literárias, que prendiam a atenção dos leitores, veio a

acontecer o aumento das vendas. O livro era caro. O jornal, algo pouco mais acessível para a

grande população.

Com o aumento das vendas, os jornais puderam baratear o seu preço final e atraíram

cada vez mais novos leitores. Por outro lado, os escritores passaram a ser muito mais

conhecidos e têm seus ganhos financeiros melhorados. E por fim, os anunciantes seriam

beneficiados, também. Pela lógica, teriam que pagar mais por seus anúncios, mas, em

contrapartida, abocanhariam um público maior e poderiam explorar novas fatias da

população, consequentemente, podendo ter seu produto muito mais vendido. É isso o que nos

aponta (PENA, 2008).

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Pela narrativa envolvente e segmentada em capítulos, o folhetim gerou muito

interesse. Um recurso pontual – “o plot” (ponto de virada) - criador de uma situação de

elevada carga de mistério que tocava a curiosidade das pessoas, fazendo, em seguida, o corte

brusco, arrastando a sua continuidade para o dia seguinte, levava as pessoas ao consumo

diário para acompanhar a trama. “[...] A ação era sempre interrompida no momento

culminante. A hora do beijo, a descoberta do assassino ou o flagrante do marido". (PENA,

2008, p.29).

O termo crônica tem sua origem na palavra grega, Chronikós, que vem a significar

“tempo”. Durante o período medieval os cronistas utilizavam o gênero para relatar

acontecimentos marcantes e enaltecer reis. Quando de sua chegada ao Brasil, encontrou solo

fértil para se disseminar. O potencial da crônica é gigantesco e na apropriação dela o que não

se pode dizer diretamente ganha abordagem poética, sendo "trabalhada" e colocada para vias

de compreensão através da aplicação de recurso do eufemismo literário.

A crônica, no sentido em que o termo é comumente usado hoje para designar um texto jornalístico que aborda os mais diversos assuntos, nasceu de um filão que começou no século XIX, na França, e que se transplantou com sucesso para o Brasil. Esse filão era chamado de folhetim (do francês feuilleton). (...) era um espaço livre no rodapé do jornal, destinado a entreter o leitor e a dar-lhe uma pausa de descanso em meio à enxurrada de notícias graves e pesadas que ocupavam – como sempre ocuparam – as páginas dos periódicos. Com o tempo, a acolhida do público com relação a esse espaço foi aumentando, e o folhetim passou a ser um chamariz para atrair leitores. (BENDER e LAURITO, 1993, p. 15).

A crônica como gênero jornalístico tem característica de possuir um texto curto, tendo

o propósito de proporcionar uma leitura breve e de servir como uma pausa, um suspiro, sobre

as notícias de maior peso, como as de Economia, Política, Polícia, etc. Nomes marcantes do

gênero como os franceses, Balzac, Victor Hugo e Alexandre Dumas; os ingleses, Charles

Dickens e Walter Scott; o russo Dostoievski; os brasileiros, Machado de Assis, José de

Alencar, João do Rio, Olavo Bilac, Coelho Neto, Lima Barreto, entre outros, por intermédio

de suas construções literárias no jornalismo, souberam informar eficazmente de modo

agradável.

O folhetim teve papel relevante na democratização da Cultura. É certo que ajudou

também a despertar o interesse pela alfabetização entre os “marginalizados sociais”. O acesso

à leitura foi estimulado pelas histórias sequenciais bem contadas. Com o engajamento em uma

escrita de teor crítico, denunciativo das explorações sociais, os escritores proporcionaram o

despertar para a realidade capitalista. Exemplo claro disso enxerga-se na figura de Charles

Dickens, que na Inglaterra, foi o precursor da escrita folhetinesca delativa. Relatando a

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precariedade das condições de trabalho e o analfabetismo imperante entre operários ingleses,

suas denúncias, contribuíram para a implantação de políticas de redução do analfabetismo e

para alguma melhoria nas condições de trabalho.

No Brasil, inicialmente, a crônica, posicionada no rodapé das páginas de jornal, era

somente desdobramento das traduções originárias do francês. Em momento seguinte, já se

passou a escrever alguma coisa que abordasse nossos aspectos, nossos traços sociais, mas a

roupagem de característica francesa ainda era perceptível. Não demorou muito para que

nossos autores imprimissem uma escrita, na qual, assuntos de nossa realidade fossem

abordados e esmiuçados. Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar, Machado de Assis,

são nomes que impuseram suas marcas, iniciando uma produção folhetinesca com estilos

próprios.

Estudiosos da crônica literária brasileira assinalam o seu nascimento com o marco de 2 de dezembro de 1852, data em que Francisco Otaviano inaugura no jornal do comercio, do RJ, a seção, a semana, ou seja, os folhetins literários do romantismo. [...] Convém notar que, mesmo antes da assinalada data de 1852, ainda na década de 40, já o comediógrafo Martins Pena, em folhetins do mesmo jornal do comercio, exercia a função de crítico dos espetáculos líricos da corte. [...] nesses folhetins, ele extrapolava a mera apreciação das operas levadas à cena, entremeando não só digressões pessoais como intervenções hilariantes e de fina ironia, que podem ser interpretadas como embriões das crônicas de humor [...]. (BENDER e LAURITO, 1993, p. 29).

Durante o período do Modernismo, duas correntes de estilo se revezavam nas

preferências dos leitores. Pelo lado conservador, Coelho Neto e Humberto de Campos; do

lado renovador, Paulo Barreto (João do Rio) e Lima Barreto. O Rio de Janeiro e toda sua

efervescência era o grande centro do país e ali se reuniam os mais célebres cronistas. Durante

a belle époque carioca, a crônica retratou com maestria este período. Surge nessa época uma

referência de cronista que rompia com aquela coisa de escrever trancafiado em redações,

abordando temas que passavam distante da realidade das pessoas. Dando lugar ao relato de

andanças suas pelas ruas históricas, como a Rua do Ouvidor e a Avenida Central, e pondo em

vias de conhecimento as dificuldades enfrentadas pela população mais carente dos morros e

cortiços, esta era a forma de escrita utilizada por Paulo Barreto, o João do Rio.

O grande cronista da cidade e o grande João da época, no entanto, vem a ser o inquieto andarilho do rio e digno representante da belle époque carioca, com suas rodas boemias e cafés e as ideias efervescentes do pós-primeira grande guerra: João do rio, ou seja, o jornalista, contista e cronista Paulo Barreto. Assumindo o pseudônimo que o popularizou, Paulo Barreto representa a corrente renovadora da crônica pré-modernista, que tira o cronista do gabinete ou da redação do jornal e o leva às ruas, transformando em reportagem de campo os flagrantes, depoimentos e impressões dos mais variados aspectos da vida urbana. João do rio não só fez a

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crônica leve e mundana da vida social do rio de seu tempo, como também registrou e denunciou os contrastes de uma cidade em que conviviam a beleza da paisagem e as mazelas sociais, como a insalubridade, o vicio e a miséria. (BENDER e LAURITO, 1993, p. 35).

Machado de Assis, notável cronista, jornalista, fez um paralelo entre a crônica e a

História. “A história é uma castelã muito cheia de si e não me meto com ela. Mas a minha

comadre crônica, isso é que é uma velha patusca, tanto fala como escreve, fareja todas as

coisas miúdas e grandes, e põe tudo em pratos limpos”. (ASSIS apud NEVES, 2001, p. 21).

A crônica se identificou tanto com o jeito brasileiro de ser, com o perfil de jornalistas

e escritores da terra tupiniquim, que a ideia que se fazia era a de que a crônica seria um

fenômeno concebido pelo brasileiro. Alguns estudiosos afirmam que no Brasil a crônica

ganhou roupagem especial. Um jeito único de ser. E é no Rio de Janeiro que ela encontrou

melhor acolhimento. Pela quantidade, constância, estilo e qualidade dos cronistas do Rio de

Janeiro, ela, a crônica, passa a ser apontada como produto cem por cento carioca. É isto o que

destaca (MOISÉS, 1982).

O cronista imerge nas pulsações cotidianas. Alguns pautaram a sua escrita na

descrição de particularidades de certos círculos sociais até então inacessíveis pelo desprezo

lançado a eles. Como exemplo, as histórias da vida nas favelas, dos fatos informais dos

gabinetes políticos, dos crimes, dos rituais das doutrinas religiosas. Isso foi importante para

fortalecer o grau de interesse do leitor pela crônica.

Na descoberta do Brasil, conta-se que esse feito foi relatado por meio de uma crônica.

Existia na época o costume de as embarcações dos desbravadores terem um contador de

histórias, o sujeito que ficaria responsável pelo armazenamento dos fatos em linhas escritas.

Este sujeito devia ser fidedigno ao que acontecia. Os portugueses sentiam necessidade e

precisavam forçosamente descrever para o rei tudo o que havia por aqui.

A pré-história literária brasileira começa com uma crônica. Isso, dizem os estudiosos. Com efeito, crônica, no velho sentido da palavra, é a carta de Pero Vaz de Caminha, o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, que relata ao rei D. Manuel os lances da descoberta do Brasil em 1500. Como a carta só chegaria ao destinatário tempos depois do evento, os acontecimentos relatados no momento mesmo da descoberta já se constituíam, por si, um registro do passado. Nesse sentido, Caminha comporta-se como um cronista à moda do quinhentismo português. No entanto, comporta-se também como um cronista no sentido atual da palavra – o de flagrador do tempo presente – na medida em que o seu relato é contemporâneo dos acontecimentos que narra. Caminha é o cronista do cotidiano do descobrimento, ou seja, do ‘hoje’ de 1500. (BENDER e LAURITO, 1993, p. 12).

Livros conhecidos tiveram inicialmente suas publicações em jornais, através dos

folhetim–romance: O Guarani, de José de Alencar; Memórias de um Sargento de Milícias, de

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Manuel Antônio de Almeida; O Ateneu, de Raul Pompéia; O Triste Fim de Policarpo

Quaresma, de Lima Barreto. Nelson Rodrigues, na década de 1940, ressuscitou o gênero. O

escritor - sob o pseudônimo de Susana Flag - publicou folhetins na imprensa carioca, entre

1944 e 1947, nos Diários Associados. E como esquecer “A vida como ela é”, publicada no

jornal Última Hora, durante as décadas de 1950 e 1960? Esse modelo de crônica, chamado de

folhetim faz sucesso até hoje e, estrondosamente, conquistou outra mídia, a televisão.

Como instrumento que pelo seu modelo atrativo é capaz de fazer o leitor enxergar uma

“outra verdade” que repousa sobre todo e qualquer aspecto do cotidiano, assim, a crônica

pode ser entendida. O cronista examinando o que vai ser descrito se aprofunda de tal maneira

que afronta o real formalizado e, descobrindo novos horizontes que não deixam de ser facetas

de outras da realidade, sai do convencionalismo e revela um universo ainda não perceptível,

defende (SÁ, 2002).

Em se tratando de futebol, a aproximação com a crônica foi coesa, salutar,

significantemente valorosa. Aconteceu o aguçamento sobre os fatos, revelando toda a poética

e dramaticidade do esporte. Por intermédio das crônicas esportivas o entendimento de que o

futebol é uma instituição nacional, foi claramente propagado e defendido. A crônica esportiva

brasileira colaborou para o exacerbar da paixão do torcedor e para a compreensão de ser este

ato, o de torcer, um grande exercício social.

3.1 CRÔNICA ESPORTIVA BRASILEIRA

A crônica esportiva no Brasil tem registros esparsos de existência datados do final do

século XIX. É no início do século XX que passa a ser perceptível nos periódicos brasileiros e,

principalmente, nos do Rio de Janeiro. Mas não a crônica da forma que se conhece hoje em

dia. Era bem diferente. O que existia nos jornais era na verdade um reduzidíssimo espaço

destinado à informação - geralmente posterior ao evento em si – minguada e com um estilo

que prezava pela escrita rebuscada e uso de vasta terminologia de origem inglesa.

A compreensão do que era escrito, o interesse, ocorria somente entre os letrados. O

povo passava longe daquele curto espaço destinado aos eventos esportivos. A abordagem fria

não traduzia a atmosfera do evento em si. Os esportes de destaque eram o Turfe, o Remo, o

Críquete, o Ciclismo e o Atletismo, que recebiam abordagem tímida e inexpressiva na

imprensa. Inicialmente, encontrou em nomes como Olavo Bilac, Coelho Neto e João do Rio

uma base para que viesse a se constituir como ferramenta eficaz de defesa do esporte.

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Posteriormente, o futebol iria se inserir definitivamente na imprensa. Esse rol de cronistas

seria alargado e a crônica esportiva viria a conquistar definitivamente o seu lugar.

Na década de 1900 com o futebol no Brasil em início de sua construção histórica, com

o surgimento dos primeiros campeonatos regionais, a crônica esportiva, ainda incipiente,

quase não falava sobre o esporte. E quando falava, era só para informar sobre o placar de

partidas já realizadas e nada mais. Já na década de 1910, os periódicos começaram a informar,

diariamente, os locais e horários de treinamento das equipes e das partidas que seriam

realizadas. Abordagem relativa a estádios, ao público presente, também vinha a ocorrer.

Portanto, já havia certo avanço, uma conquista inicial. A crônica já não se resumia a noticiar o

resultado das partidas já ocorridas.

Entre o final da década de 1920 e durante toda a década de 1930, a crônica esportiva e

a inserção do futebol na sociedade já era uma realidade. As redações começam a ganhar

jornalistas interessados em trabalhar na editoria de Esportes. Passa-se a enxergar o futebol

como assunto que, se melhor explorado, poderia trazer ganhos ao veículo de comunicação.

Muito disso se deve ao jornalista Mário Filho. Figura precursora que acreditou ser o

esporte e, com maior vigor, o futebol, um instrumento de transformação social, com grande

poderio para encantar e proporcionar esfuziantes alegrias, tendo caráter extremamente sadio.

Vale destacar também a atuação do paulista, Thomaz Mazzoni, cronista que na década de

1920, começou efetivamente a trabalhar no jornalismo esportivo paulistano e que em livros e

artigos registrou muita coisa importante.

Desta mentalidade de Mário Filho, a crônica esportiva brasileira é reinventada,

tornando o futebol exponencial assunto de valor-notícia. Trazendo para a redação esportiva

talentosos profissionais da diagramação e da fotografia e inovando nas construções textuais e

de imagens, revolucionou a crônica esportiva brasileira por completa. É na década de 1940

que a crônica esportiva se estabelece, conquista de vez o leitor e demarca o seu lugar nos

impressos.

Mário Filho inventou uma nova distância entre o futebol e o público. Graças a ele, o leitor tornou-se tão próximo, tão íntimo do fato. E, nas reportagens seguintes, iria enriquecer o vocabulário da crônica de uma gíria irresistível. E, então, o futebol invadiu o recinto sagrado da primeira página [...]. Tudo mudou, tudo: títulos, subtítulos, legendas, clichês. Abria-se a página de esporte e lá vinha o soco visual: - o crioulão do Flamengo enchendo a página [...]. O jogador aparecia em pleno movimento, crispado no seu esforço. E as figuras plásticas, elásticas, acrobáticas davam às páginas tensão e dramatismo. E, com isso, o diretor, o secretário e o gerente descobriram futebol e o respectivo profissional. O cronista esportivo começou a mudar até fisicamente. Por outro lado, seus ternos, gravatas e sapatos acompanharam a fulminante ascensão social e econômica. (RODRIGUES, 2007, p. 75).

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Ele foi o primeiro jornalista a se preocupar, a querer dar voz e espaço ao jogador, ao

torcedor de futebol. Seu enfoque não recaía somente sobre as circunstâncias comuns de uma

partida de futebol. Ia muito além. Tratava o futebol como espetáculo e os seus agentes, os do

campo e os da arquibancada, alcançaram prestígio e ganharam visibilidade. Seus anseios, suas

vidas, com vitórias e derrotas e a intensidade desesperada, de ambos, jogador e torcedor, esses

fragmentos, saltaram para as páginas dos jornais.

Promoveu muitas ações que visavam defender, promover a prática esportiva entre o

povo. Estimulou as disputas sadias e ajudou a levar públicos consistentes para os estádios de

futebol porque fez o torcedor enxergar a sublimidade do esporte. Promoveu inúmeros

concursos/sorteios para trazer maior apelo às partidas. Mário desenvolveu, revigorou a

crônica esportiva brasileira e teve a preocupação de não deixar no esquecimento a narrativa

dos acontecimentos do futebol brasileiro, ocorridos, no início do século XX. Resgatou essas

histórias e inseriu-as em livros e crônicas, gravando para a posteridade as primeiras

manifestações do futebol carioca e brasileiro.

[...] Mário Filho é, sem dúvida, o maior nome da imprensa brasileira ligada ao futebol. Para muitos ele é o verdadeiro criador da imprensa e da crônica esportiva brasileira. Na direção das páginas de esporte de A Manhã (1927), A Crítica (1928 e 1929) e O Globo (1931 a 1942), e como proprietário de O Mundo Esportivo (1931 e 1932) e do Jornal dos Sports (1936 a 1966). Mário Filho revolucionou a imprensa esportiva brasileira, ampliando enormemente seus espaços, colocando os jogadores no centro da cena, publicando entrevistas, biografias e fotos dos atletas em ação, ao invés de poses em terno e gravata, etc. Em seus textos, Mário Filho forjou a linguagem da crônica de futebol e abalou os costumes linguísticos de toda a imprensa esportiva. Os clubes passaram a ser chamados por seus nomes populares, o jargão futebolístico, até então falado em inglês, foi abrasileirado e o futebol ganhou um tratamento lírico, dramático e humorístico que até então era inédito. Além do trabalho em jornais, Mário Filho publicou vários livros, entre eles o clássico O negro no futebol brasileiro, considerado uma das obras mais importantes da literatura futebolística brasileira. (CASTRO, 1996, p. 122).

O brasileiro sendo um ser que respira futebol, que se alimenta dele, que tem esse

esporte cravado em suas entranhas, se alicerça nele, e parece sentir-se mais resistente na vida

por levar para esta, lições absorvidas do futebol que parecem auxiliar na formatação de sua

compleição social, psíquica e sentimental. Na crônica, encontra o seu repouso diário, a sua

historiadora mais confiável e agente estimulador das emoções. Pensa também assim,

(ANTUNES, 2004, p.40): “O futebol foi utilizado pelos cronistas como uma possibilidade de

observar e discutir o estilo emocional dos brasileiros, que pensavam a sua comunidade

nacional por meio do futebol”.

O também jornalista, Nelson Rodrigues, irmão de Mário Filho, logo foi tocado pela

possibilidade de fazer o seu texto primoroso beber da fonte da crônica esportiva e assim tê-la

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como sua companheira. Contraiu com ela, uma relação intensa e muito produtiva que

enriqueceu a “vida” do futebol brasileiro e de seu torcedor. E Mário Filho intensificou em

Nelson esse gosto pela crônica esportiva. Com uma escrita que enxergava um jogo diferente,

mas que era o jogo real – mais amplo - que unia elementos do campo com os da vida, Nelson

conseguiu em cheio seduzir os leitores.

As crônicas de futebol de Nelson Rodrigues são mais do que um exemplo desse processo pelo qual o texto cronístico torna-se um lugar privilegiado para a construção e cristalização dos sentidos que o imaginário coletivo brasileiro atribui aos acontecimentos, personagens e instituições do mundo do futebol. Nelson Rodrigues foi, ao lado de Mário Filho, um dos grandes artífices da mitologia futebolística brasileira. Talvez porque suas crônicas, extravagantes, polêmicas e tão apreciadas pelo público, sejam aquelas em que a interpretação do futebol se faz de forma mais radicalmente livre da objetividade jornalística. Nas crônicas de Nelson revela-se, para além dos aspectos objetivos, que ele chamava de ‘termos chatamente técnicos, táticos e esportivos’ toda uma outra dimensão do futebol: as interferências do sobrenatural, o dramatismo dos grandes jogos, o lirismo do estilo dos craques, e todo um mundo particular em que os acontecimentos, personagens e instituições do universo futebolístico tornam-se signos de um universo mais amplo, que é a própria vida do homem. (SILVA, 1997, p. 40).

Ao passo precursor dado por Mário Filho, os empresários, donos de jornais,

enxergaram que o futebol era um grande “negócio” e que precisavam permanentemente

estimular a especialização dos profissionais que iriam fazer a cobertura dos eventos esportivos

para melhor descrevê-los. (COSTA, 2001) comenta que a editoria de Esportes, antes, um

ofício para iniciantes começa a passar por uma reestruturação e os profissionais são

selecionados a dedo – os melhores – para aprenderem sobre o assunto futebol, trazendo

qualidade àquele espaço. Os profissionais da imprensa teriam que ter conhecimento de regras,

estudar a história do futebol e de seus personagens, se aprofundar nos fatos e implicações

sociais deste esporte em nossa cultura.

Aos jovens cronistas esportivos de hoje pode parecer incrível que um dia as páginas dedicadas ao futebol por nossos jornais fossem tão sem vida. Os noticiários dos clubes não passavam de burocráticos boletins, o relato dos eram desprovidos de qualquer emoção, tratava-se o futebol como hoje se tratam as corridas de cavalo: colocações, tempos, nomes dos jóqueis, dos proprietários, pules, tudo em forma de fichas. E a emoção onde ficava? Os principais personagens das páginas esportivas de antigamente, quando acontecia de se trocar, números por nomes eram os “cartolas” e não os craques. Como se estes não passassem de coadjuvantes no apaixonante drama do futebol. As coisas eram realmente assim. Quer dizer, antes de Mário Filho entrar em campo. Não há qualquer exagero em se dizer que Mário é o pai da moderna crônica esportiva brasileira, aquele que descobriu no futebol uma fonte permanente de histórias admiráveis, das quais heróis eram os jogadores. Hoje pode parecer obvio que assim seja, mas há 40,50, anos, o papel de Mário foi de fato pioneiro, para não dizer revolucionário. Inventando a mitologia do futebol, ele reinventou a crônica. Do que este o negro no futebol brasileiro é um (e talvez o mais eloquente) exemplo. (MÁXIMO apud RODRIGUES FILHO 2003, p.15).

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Ao se estudar a história da crônica esportiva no Brasil perpassa-se por célebres nomes

que souberam colocar o futebol em patamar de destaque nas páginas de jornal. Através das

crônicas, que recriavam, aguçavam, que faziam fluir o encanto, a magia do futebol e o seu

papel destacado no cotidiano da vida da hoste de amantes, a cada dia maior, o insondável

passou a ser descoberto.

São ícones da crônica esportiva brasileira, entre vivos e mortos, figuras como

Armando Nogueira, João Saldanha, Luiz Mendes, Sócrates, Juca Kfouri, João Máximo,

Teixeira Heizer, Fernando Calazans, Ruy Carlos Ostermann, Henrique Pongetti, Sandro

Moreyra, Sérgio Porto, Tostão. Os que não oficiosamente tinham o compromisso diário da

escrita sobre futebol, mas que, por vezes e vezes, como amantes que eram do esporte, não se

privaram a passear pela crônica esportiva, como, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga,

Carlos Drummond de Andrade. E os de hoje, Luis Fernando Veríssimo, com maior

freqüência, e, Nelson Motta, Arthur Dapieve, Nando Reis, só para citar alguns, que,

esporadicamente, fazem questão de exercitar a escrita esportiva. Todos, dignos de

reconhecimento.

Demarcando o assunto da crônica esportiva brasileira no tocante à aproximação com o

torcedor do clube de maior torcida do país, o trajeto leva às crônicas de José Lins do Rego,

Nelson Rodrigues e Mário Filho, escritores prodigiosos que souberam com primazia, talento

ímpar, descrever o torcedor do Clube de Regatas do Flamengo. Revestindo esse torcedor de

posição altiva, de aura peculiar de carregada e incomparável satisfação que o arrebata e o faz

bradar com orgulho e alegria insofismável ser ele, torcedor do clube de maior torcida do

Brasil, assim, o torcedor rubro-negro é apresentado. Oportuno apresentar uma crônica de João

do Rio, codinome do cronista Paulo Barreto, onde ele exclama repleto de gratidão ao

Flamengo, por ser esse clube, já em 1916, uma referência em esportes na cidade.

[...] O clube de regatas do Flamengo tem, há vinte anos pelo menos, uma dívida a cobrar dos cariocas. Dali partiu a formação das novas gerações, a glorificação do exercício físico para a saúde do corpo e a saúde da alma. Fazer sport há vinte anos ainda era para o Rio uma extravagância. [...] o clube de regatas do Flamengo foi o núcleo de onde irradiou a avassaladora paixão pelos sports. O Flamengo era o parapeito sobre o mar. [...] Rendamos homenagem às regatas do Flamengo! [...] é este club que inaugura hoje o seu campo de jogos. Haverá acontecimento maior? O Rio está todo inteiro ali [...]. O campo do Flamengo é enorme. Da arquibancada eu via o outro lado, o das gerais, apinhado de gente, a gritar, a mover-se, a sacudir os chapéus. [...]. Eu procurava conhecidos. Estava todo o Rio. [...] venceu o Flamengo num score de 4 x 1... à porta quinhentos automóveis buzinavam, bufavam, sirenavam. E as duas portas do campo golfavam para frente do Guanabara mais de seis mil pessoas arrasadas da emoção paroxismada do Foot-ball. (JOÃO DO RIO apud SEVCENKO, 1998. p.513-519).

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Os três cronistas citados foram inseridos no panteão dos grandes representantes do

gênero no Brasil. Sob a ótica deles, a história, o papel esportivo e social do Clube de Regatas

do Flamengo, e a fulguração de sua torcida, em especial, são analisados, interpretados e

postos em evidência. O Flamengo tem como sua representação mais exata, o seu torcedor que

é proclamado como o seu décimo segundo jogador, ou, por certo prisma, o primeiro jogador,

metaforicamente falando.

4 O TORCER PELO FLAMENGO NA VISÃO DOS CRONISTAS ESPORTIVOS

A crônica esportiva brasileira e o Flamengo, mutuamente, potencializaram-se e foram

agraciados pela força expositiva, de um e do outro, tornando-se mais consumidos com a

aproximação estabelecida. A crônica ajudou a espalhar os grandes feitos do clube e contribuiu

para, de certa forma, tornar o clube mais admirado e amado. O Flamengo deu aos veículos de

comunicação, de todos os segmentos e, em particular, ao impresso, no caso os jornais, amplas

vendagens. Infundado é relutar em aceitar que, desde sempre e, em pleno século XXI, os

meios de comunicação sejam corporações que assentam a sua preocupação sobre quesitos

econômicos, financeiros e de lucro. Não tem para onde fugir. Isto é fato. É a lei da

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sobrevivência de mercado. Não só nisso, é verdade, mas, esse aspecto não pode jamais ser

ignorado.

Pensar dentro desse paradigma é normal e aceitável. A mídia busca por notícias

vendáveis, essa é a máxima. Porém, nem por isso, se deve desacreditar os meios de

comunicação e vir a pensar em descompromisso com a verdade. O Flamengo se reveste de

grandes histórias, sólidas, atraentes e reveladoras de seu “estado existencial”. Por isso teve,

tem e sempre terá espaço na mídia.

O clube sempre foi elemento de repercussão. De amplitude nacional. As suas

façanhas, a torcida apaixonada e festeira, as personalidades que ao Flamengo se entregaram

de corpo e alma, as vitórias, os dramas superados, tudo isso, determinou a exposição

constante do clube na imprensa esportiva. Além, é claro, do fato de os veículos de

comunicação terem percebido o melhor de todos os aspectos, comercialmente falando, quando

o assunto é o Flamengo. A torcida do clube em escala desdobrada, alargada, múltipla, extensa,

numerosa ao extremo. Ali, teriam um vasto e potencial consumidor.

Ao estudar o Clube de Regatas do Flamengo e o tratamento dado a ele pela crônica

esportiva brasileira, verifica-se que o tema, Flamengo, – formatado na união instituição-

torcida – aqueceu, arrefeceu e germinou com força dentro do jornalismo esportivo. Pelo traço

simples, mas não superficial, inteligente, evocativo, de plena vazão à voz da alma, comum ao

estilo de escrita da crônica, o Clube de Regatas do Flamengo encontrou um fabuloso canal

permitidor da formação constante de novas fatias de torcida.

No período das décadas de 1930 e de 1940, o que se viu foi a crescente exploração de

qualquer viés noticioso que fizesse menção ao Flamengo pelos veículos de comunicação, pela

Literatura, Música, Cinema, Rádio, Televisão e por aí vai. Na mídia impressa, três

exponenciais cronistas esportivos, José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho, se

apropriaram com maestria do espaço entregue a eles nos maiores jornais do país e

brilhantemente souberam desenvolver o assunto Flamengo e seu torcedor. Em jornais como,

O Globo, Última Hora, Jornal dos Sports, Correio da Manhã. Na revista Manchete Esportiva,

soltaram ao vento sua verve jornalístico-literárias em produções de notável valor.

Pelo desejo comum de propiciar a captação da importância do futebol como meio de

se chegar ao âmago de nossa identidade nacional, foram atuantes e incisivos na valorização da

autoestima de nosso povo. Pela lisura de caráter, além do status natural alcançado, escreviam

o que queriam, do jeito que convinha, para apresentar suas percepções mais verdadeiras.

Nunca aceitaram interferência no que vieram a produzir.

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Impuseram paixão em tudo o que se propunham a descrever e como baluartes da

escrita penetrante e inteligente, exaltaram, não só o Flamengo, mas todo o futebol brasileiro, o

nosso escrete verde e amarelo, pondo o sentimento de brasilidade em estágio altivo de orgulho

e de extremada necessidade absortiva para que o povo começasse a se perceber no rumo do

sentido de ser uma potência no mundo. Foram contundentemente estimuladores da aceitação

por todos de nossas características, constituídas pelo traço significativo da mestiçagem, da

fusão de raças, que torna o brasileiro diferente, positivamente falando.

Torcedor assumido do Flamengo, José Lins do Rego escreveu, por longos anos no

“Jornal dos Sports”. Por período mais curto, no “A Manha”, de Apparício Torelly, - o Barão

de Itararé. Na coluna, “Esporte e vida”, deu vida a crônicas recheadas de exaltação ao clube

rubro-negro que patenteavam todo o seu sentimento de amor vigoroso. Não confundir esse

jornal, “A Manha” – que foi um dos mais populares jornais de humor do país – com o jornal,

“A Manhã”, de Mário Rodrigues.

José Lins foi um examinador social e se aprofundou na compreensão dos motivos que

levavam o torcedor a tão vibrante postura diante de seu time do coração. Lógico, pegou o

torcedor do Flamengo para recorte de análise. Crítico contumaz dos que enxergavam o futebol

como algo “menor”, e o ofício de torcer como uma insanidade desnecessária, soltava,

vociferava sua insatisfação contra estes. Não tinha papas na língua. Se a crítica era ao

Flamengo então, a resposta vinha como uma defesa acalorada da instituição rubro-negra, sob

a qual, segundo ele, repousavam traços de brasilidade mais pura. “O Flamengo começou

como uma brincadeira de rapazes para se transformar na grandeza dos nossos dias, no clube

que é a soma de todas as qualidades e defeitos do brasileiro”. (REGO, 15.11.1947, JORNAL

DOS SPORTS).

Por doze anos suas crônicas permearam as páginas de cor rósea do Jornal dos Sports.

Os críticos sempre diminuíram a relevância das crônicas esportivas dentro da obra de José

Lins, classificando essa produção como uma distração desinteressante. Existia preconceito

dos letrados com o futebol. O escritor paraibano dizia se realizar escrevendo crônicas de

futebol. “A um escritor muito vale o aplauso, a crítica de elogios, mas a vaia, com a gritaria,

as laranjas, os palavrões, deu-me a sensação da notoriedade verdadeira. Verifiquei que a

crônica esportiva era maior agente de paixão que a crítica literária ou o jornalismo político”.

(REGO apud COUTINHO, 1995, p. 39). Para o cronista a relação entre o Flamengo, o

Nordeste brasileiro e a identidade nacional, era uma constatação e, em cima dessa premissa,

ele construía seus enredos saborosos de louvação ao clube de seu coração.

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Nelson Rodrigues, o cronista dramático, afeito a evocações de místicas condições da

existência humana, ia fundo em suas considerações sobre o futebol brasileiro encontrando no

grande espetáculo das arquibancadas e naquele do campo de jogo, heróis em suspenso, que

exalavam fragmentos da alma humana. Ele enxergava outro jogo. O jogo verdadeiro das

emoções, com as alegrias, dramas e traumas que formam o terreno da psicologia humana e

que transita pelo universo do futebol. Conseguia descrever um lance, uma partida, um

personagem, com embelezamento e poesia, instigantes.

Era frequentador assíduo do Maracanã. Todo domingo, depois do almoço, era

programa obrigatório à ida ao estádio. Soube fazer uma “leitura” antológica do torcedor do

Flamengo. Mesmo sendo o Fluminense o seu time do coração, não se privava de tecer

observações profundas que destacavam o jeito único de ser do torcedor rubro-negro. Colocou

o clube em grau de extremada excepcionalidade. Sua produção de crônicas esportivas que

tinham o Flamengo com adjetivação valorosa, despejadas nos jornais, O Globo, Jornal dos

Sports, Última Hora, e na revista Manchete Esportiva, tem chance acentuada de ter

contribuído para a conquista de novos torcedores para o Clube de Regatas do Flamengo.

Notabilizado pela implantação de uma “nova crônica esportiva”, pelos interesses em

registrar histórias do futebol e em desenvolver eventos esportivos, para todos os gostos, Mário

Filho foi outro cronista salutar para a construção da imagem destacada do Flamengo e de seu

torcedor. Para o povo de uma cidade imensamente esportiva, o Rio de Janeiro, foi

inegavelmente, esmerado artífice de grandes eventos e fomentador de emoções.

Defensor do esporte e da acessibilidade das pessoas à sua prática acreditava que era

possível encontrar a felicidade, alcançar o bem estar, por intermédio da prática esportiva.

Mais ainda, pelo futebol. Entendia que através do futebol o cidadão comum poderia encontrar

significados que seriam úteis para a vida inteira. Incentivou a população a acompanhar de

perto o futebol. Fosse pela leitura da editoria de Esportes, ou pela ida ao estádio, o cidadão

deveria se deixar levar por essa paixão. Aproximou do povo, os ídolos dos clubes e da

seleção. O torcedor pôde os conhecer melhor. Trabalhou como talentoso “promoter” do

futebol e do esporte, por assim dizer.

Teve a preocupação de preservar a história do futebol brasileiro do início do século

XX. Reuniu em livros boa parte dela. Presenteou o Flamengo com uma obra prima, o livro

“Histórias do Flamengo”, item raro, valioso, de inestimável relevância para o clube e seu

torcedor. Foi autor também de um livro exponencial que revela a inserção, contra todas as

forças da sociedade, do negro no futebol brasileiro. Esse livro é algo tipo, “Casa Grande e

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Senzala” da nossa literatura esportiva. “O Negro no futebol brasileiro”, é livro referência para

estudiosos do futebol e de suas inflexões nas esferas, social e racial.

Torcedor do Flamengo, ele não assumia esta condição em público. Talvez, por ter sido

habilidoso e fino, um gentleman, no trato com as pessoas ligadas ao futebol, independente do

clube para o qual torciam. Pensava ser necessário não se declarar torcedor deste ou daquele

time, a fim de preservar o bom relacionamento com todos. Mário, era bem discreto. Escreveu

livros que abordaram o universo do futebol: Copa Rio Branco 32, Histórias do Flamengo, O

Negro no futebol brasileiro, Romance do Football. Utilizou uma metodologia de contar

histórias que era pautada na sustentação de suas lembranças e na busca do relato oral de quem

havia vivenciado o tema proposto. E aí confrontava essas informações com as de livros, com

os registros históricos – com tudo o que existia em arquivos - e voltava a ouvir seus

entrevistados. Acreditava que deste modo, a sua produção seria mais fiel, representativa e

reveladora.

4.1 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR JOSÉ LINS DO REGO

José Lins do Rego é sinônimo de Nordeste, Brasil, Paixão, Povo, Literatura e

Flamengo. Nascido em um engenho açucareiro na cidade de Pilar, em 03 de Junho de 1901,

esse paraibano é reconhecidamente um dos maiores escritores de nosso país. No recurso de

rememorar sua infância, descreveu com primor o auge e o declínio dos engenhos e usinas de

cana de açúcar do nordeste brasileiro.

O traço regionalista foi sempre marcante na sua produção literária. Sua escrita era de

uma espontaneidade admirável. Produziu em larga escala, com qualidade reverenciada, e seu

nome figura na lista de notáveis da Academia Brasileira de Letras. Foi defensor da

consciência de que vinha a residir na nossa mestiçagem valor profundo, que tornava o nosso

povo diferente de todos os outros.

Criado nos engenhos do avô materno, na Paraíba, conviveu desde cedo com o

sentimento de solidão. Foi uma criança triste. Perdeu a mãe cedo - nove meses após ter

nascido - e seu pai o abandonou, após a morte de sua progenitora. O avô destinara as filhas

para cuidar da criança. Tia Maria foi a primeira. A saúde fragilizada por crises frequentes de

asma também o manteria recluso. Nesse período, sua maior diversão era se juntar aos filhos

das serviçais para brincar e tomar banho de rio.

Formou-se em Direito, em Recife, no ano de 1923. Contudo, o ofício que gostava

mesmo era o da escrita literária. Após morar em Minas Gerais e Maceió, ocupando cargos de

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promotor público e fiscal de bancos, respectivamente, chega ao Rio de Janeiro, em 1935, para

assumir a função de fiscal do imposto. Na cidade maravilhosa viveria, em definitivo. Três

anos após a sua chegada ao Rio, durante a copa do mundo da França, em 1938, que

acompanhou pelo Rádio, como em um desabrochar, se apaixona avidamente pelo futebol e,

mais ainda, pelo Clube de Regatas do Flamengo. O ídolo da seleção brasileira, Leônidas da

Silva, jogava no Flamengo.

Seu arrastamento ao Flamengo seria de tal magnitude que chegou a ter participação na

vida do clube como dirigente. No entanto, foi como torcedor, colaborador efetivo,

dedicadíssimo, que ele ficou conhecido na história do clube. Era celebrado pelo torcedor do

Flamengo por, sendo um homem letrado, da elite intelectual, ter feito da arquibancada o seu

lugar predileto.

Marcado por romances consagrados como Menino de Engenho, Doidinho, Banguê,

Água mãe, O Moleque Ricardo, Riacho Doce, Fogo Morto, entre tantos outros, inegável foi

sua contribuição para a crônica esportiva brasileira. Nelas, a pujança sentimental, a veemência

da escrita, o raciocínio fervilhante e a paixão, em mais alto grau, pairaram sem cessar. Foi

autêntico ao extremo e sobre elas derramou, sem receios ou pudores, todo o pendor clubístico

e o seu ufanismo comovente.

O Flamengo foi tratado, aclamado, revelado, exaltado em larga escala em suas

produções. Dizia que sua vida sem o Flamengo era um vazio só. “Graças ao Flamengo,

cheguei a compreender muitas coisas, inclusive a aproximar-me ainda mais de Deus [...] O

Flamengo sempre me fez tão alegre que chego a me confessar triste de não ser Flamengo há

mais tempo”. (REGO, apud COUTINHO, 1984, p.45). Com destreza, com propriedade,

laureou a torcida rubro-negra com seus escritos. Possuía sensibilidade aberta e gostava de

estar no meio do povo. Foi o cronista-torcedor, sem disfarces, e entregue à paixão pelo

Flamengo. Era capaz de qualquer coisa pelo clube.

Detestando a utilização da fala difícil dos bacharéis, sua preocupação era conseguir

tocar o coração do povo. Deu as costas à escrita rebuscada e com uma linguagem que o povo

entendia facilmente, viu suas ideias fluírem e a torcida rubro-negra endeusá-lo. Amava tanto o

Flamengo que chegava a passar mal durante os jogos, sendo, em dado momento, proibido

pelos médicos de acompanhar futebol. Claro que esse conselho entrou por um ouvido e saiu

pelo outro. Só nos últimos dias de vida, internado no Hospital dos Servidores do Estado do

Rio de Janeiro, é que teve de se controlar pra valer.

Ocupou a cadeira de número 25 da Academia Brasileira de Letras. Passou a ser

membro, a partir de 1955. Conviveu pouco tempo naquele ambiente que não era muito do seu

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feitio e no qual em sua posse já havia criticado o comportamento frio da intelectualidade.

Faleceu dois anos após entrar para o círculo acadêmico, em 1957, aos 56 anos de idade.

Consta como causa mortis, cirrose do fígado, síndrome hepatorrenal e acidose urêmica. Foi

sepultado no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, no mausoléu da Academia

Brasileira de Letras. Uma enorme bandeira do Flamengo envolveu o caixão e não foi mais

retirada. Seguiu com Zé Lins.

Durante todo o tempo em que ficou internado - aproximadamente quatro meses -

esteve ao seu lado, o amigo e poeta, Thiago de Melo, chamado por José Lins do Rego,

carinhosamente, de “seu De Melo”. No documentário, “O Engenho de Zé Lins”, do diretor

Vladimir Carvalho, Urca Filmes, 2007, o poeta declara que o cronista recebia visitas diárias.

O povo ia visitá-lo, as autoridades, artistas e intelectuais.

Thiago de Melo conta que em alguns momentos barrava o acesso das pessoas para não

expor muito a saúde já debilitada do amigo. Quando Zé Lins descobria que o amigo havia

proibido o acesso de qualquer torcedor do Flamengo, o mais humilde que fosse, ficava

possesso, enfurecido e brigava, exclamando: “como que você pôde impedir que um irmão

rubro-negro entrasse para me dar um abraço?” Esse era José Lins do Rego, o intelectual que

assumia, orgulhava-se, em ser do povo e que era o mais ardoroso defensor e representante

“coroado” do Clube de Regatas do Flamengo e de sua torcida.

Era o Flamengo. [...] Todas as cordas do meu coração se afrouxaram como se num cabo-de-guerra um dos lados cedesse, de repente. Senti-me capaz do grito da vitória e podia abrir o peito no desabafo total. [...]. Então eu pude ver a cidade na alegria maior. As estrelas faiscavam no céu e uma lua cortada ao meio aparecera bem em cima da praça de esportes, uma lua que jamais esquecerei porque viera de propósito, para beijar os heróis da contenda. E com as estrelas e a lua, a doce música carioca baixou dos morros, das praias, das ruas, para louvar aos que lhes eram amigos do coração. Era o Flamengo no mastro da vitória, no convívio do povo que é ele próprio. [...]. Por toda parte o povo na efusão de uma alegria maciça, de uma alegria capaz de fazer esquecer as desgraças do mundo e as incertezas do Brasil. Há no Flamengo esta predestinação para ser, em certos momentos, uma válvula de escape às nossas tristezas. Quando nos apertam as dificuldades. Lá vem o Flamengo e agita nas massas sofridas um pedaço de ânimo que tem a força de um remédio heróico. Ele não nos enche a barriga, mas nos inunda a alma de um vigor de prodígio. [...]. Não há exageros naquela hora. Por todo o Brasil, dos territórios aos confins do Rio Grande, havia gente assim como aqueles que batiam nos tambores com o coração lavado de júbilo pela glória daquela noite. Flamengo! [...]. (REGO apud COUTINHO, 1984 p.12).

José Lins do Rego nesta crônica expressa o seu sentimento profundo e toda sua

devoção ao Flamengo. Retrata o cenário que envolveu a cidade após uma vitória do clube. Ele

reverbera a voz do torcedor. Detalha a deslumbrante característica do “torcer” pelo Flamengo

e põe em evidência a alegria rubro-negra. Para ele, o Flamengo era capaz de mexer com a

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funcionalidade orgânica de seu corpo. Com sua admirável capacidade descritiva, apresenta

poeticamente as particularidades daquele dia de vitória e o que o Flamengo podia ocasionar,

fazer brotar, em qualquer ponto da capital carioca. Quiçá do Brasil. As estrelas, a lua, o clima,

a pulsação da cidade, tudo para o cronista, ganha contornos especiais nas vitórias do

Flamengo

Tece comentário sobre a capacidade do torcedor rubro-negro de se reinventar, de

redobrar as suas forças nos momentos de dificuldade. Expressa o amor incontido de seu

torcedor e sentencia que ao clube esse torcedor credita a obtenção de um tipo de felicidade

inexplicável. A reunião de gente, o clube perto do povo, a mistura, o entrelaçamento, esses

aspectos, explicitam a psicologia do seu torcedor. Parece que o gostar do Flamengo, o amar,

melhor dizendo, se sobrepõe a qualquer dificuldade e fortalece a conduta alegre e inabalável

de seu seguidor, sendo o Flamengo capaz de, como um remédio, curar as eventuais

deficiências existenciais.

Salientando os eventos em que o Flamengo saía a excursionar pelo Brasil - já em

1914, dois anos após a implantação do futebol, essa iniciativa foi descerrada -, Zé Lins,

carinhosamente chamado assim pelos amigos, oportunamente apresenta uma faceta que tem

relação direta com a popularidade do clube e o grande número de seus torcedores Brasil afora.

Para dimensionar essa iniciativa do clube, pertinente se faz informar que naquela época as

viagens duravam dias, eram longas e muito cansativas, mas o Flamengo não se privava de

jogar em outros estados e tinha o interesse claro em atrair a simpatia do público de fora do

Rio de Janeiro.

Volta o Flamengo de uma grande campanha ao norte. Vitorioso em campos baianos, pernambucanos e rio-grandenses. A grande torcida rubro-negra, espalhada pelos quatro cantos do Brasil, teve a oportunidade de aplaudir a flâmula gloriosa que é um autêntico troféu nacional. Clube algum, neste Rio de Janeiro, poderá fazer o que faz o Flamengo, por onde andar. Isto é, ser em campo, nas pelejas que trava, não um clube de fora, mas um clube da própria terra que pisa. E se na Bahia joga com qualquer time local, haverá uma torcida flamenga para os aplausos aos rubro-negros. E o mesmo acontecerá em Recife, em Porto Alegre, em Belém. Porque por toda parte há o Flamengo. E isto dói em muita gente mordida de inveja. Mas que continue a doer. (REGO, 2002, p. 85).

A potência e o alastramento sem fronteiras do torcedor rubro-negro são comentados.

Zé Lins pontua ser o Flamengo um clube nacional, impressionando por onde passa. O fato é

que mesmo pertencendo à outra torcida, deve-se considerar os números formais divulgados

que apontam para a expressividade do tamanho da torcida do Flamengo em todo o território

nacional. No Norte e Nordeste então, nem se fala. Além de Brasília, Goiás, Paraná, Santa

Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, onde o clamor pelo clube é atestado. Para os que

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fazem força em não compreender essa máxima de volume e de especialidade - essa

constatação de ter o Flamengo torcedores por todos os lados - e se alimentam da inveja, a

única alternativa que sobra é: viver na dor de não aceitação da grandeza do Flamengo. Assim

comenta Zé Lins.

No fragmento desta crônica que vem a seguir, o autor de “Água-Mãe” – romance

tendo o futebol inserido como pano de fundo - se apresenta com enorme emoção por estar

sendo homenageado pelo clube que tanto ama. Pouco depois de sua chegada ao Rio, o caso de

amor com o Flamengo brotou e esse sentimento se consolidou como uma das grandes alegrias

de sua vida. Além de sócio, o cronista participou ativamente da vida política do clube e se

manifestava assumidamente como torcedor arraigado. Servir ao Flamengo era o seu lema.

O meu amigo Raul Dias Gonçalves quis me fazer sócio proprietário do Flamengo e, generosamente, à boa forma lusa, deu-me de presente um título. Muito obrigado ao caro amigo Raul. Sou-lhe mais uma vez grato. Respondendo, porém, ao pequeno discurso do presidente Orsini, que me passava às mãos a honrosa dádiva, eu lhe disse: ‘meu querido presidente, antes de ser sócio proprietário que hoje sou, já era sócio escravo do Flamengo. E escravo quero continuar a ser. (REGO, 2002, p. 105).

Veneração manifesta ao rubro-negro, euforia incontida toma conta de Zé Lins.

Sentimento de plena realização ocorre, após a vitória sobre a equipe inglesa do Arsenal –

considerado um dos melhores times do mundo. Era 1949. A partida aconteceu em São

Januário. Placar: 3 x 1 para o rubro-negro. Era grande, não só a torcida do Flamengo, mas

também, a do Vasco que torcia obviamente para o fracasso do seu maior rival. Foi nesta

partida que estreou vestindo as cores rubro-negras, o goleiro paraguaio, García, um dos

grandes da história do clube. Além de destacar a raça do time e a presença fidelíssima de sua

vasta torcida, Zé Lins demonstra ufanismo afirmando que o futebol brasileiro tinha sim, muita

expressividade.

Meus amigos e meus inimigos, em futebol tudo está acabado. A vitória do Flamengo lavou o meu coração de todas as mágoas, de todos os recalques, de todas as amargas derrotas. Agora só existe a vitória de domingo, a maravilhosa vitória do meu amado Flamengo sobre os donos do futebol do mundo. Revejo, um a um, os detalhes do combate vigoroso. Revejo o primeiro gol, como uma punhalada no coração, mas ao golpe mortal reagiu o Flamengo, como leão na selva. Todo o time recuperou os sentidos para mostrar que não temia a violência do gol dos primeiros minutos. A bravura do Flamengo atendeu a sua grande torcida. E a nossa rapaziada foi para o campo e mostrou que a nossa glória é aquela do hino, é lutar, é combater até o fim. Os que foram ao campo à espera de uma derrota, e muitos foram com essa disposição ao estádio do Vasco, devem ter voltado de cara amarrada. O Flamengo, como o Vasco, mostrou que há futebol aqui por estas terras cálidas do Brasil. (REGO, 2002, p. 110).

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Visceral, profundo, paixão em estado bruto. Expressando todo o arrebatamento que o

clube da Gávea lhe proporcionava, José Lins do Rego o parabeniza por mais um ano de

existência. Embevecido pelo orgulho tremendo de ser Flamengo e por se colocar como um

irrestrito torcedor, desprezando qualquer ação visando o seu posicionamento no pedestal da

fama como homem suntuoso socialmente, ele espalhava sua convicção de ser o Flamengo um

clube exemplo de exuberância, de espírito radiante, de brio forte, que propiciava ao seu

torcedor se sentir especial. Para ele, o clube deixava transparecer para quem quisesse saber

que se fizera grande porque soubera conquistar todo e qualquer cidadão. O Flamengo “se

abriu”, fazendo vista grossa para quesitos como, raça, classe social. O Flamengo queria sim, a

pluralidade e multiplicação irrestrita.

Mais um ano do meu querido Flamengo. Amo-o como um dos mais ardentes amores de minha vida. E por ele este meu coração de 50 anos bate no peito com as 120 pulsações dos minutos apertados da torcida. Sinto-o na angústia e não me amargo com isso. Aí está a minha paixão incontida, o meu maior arrebatamento de homem, confundido na multidão. E é por tanto amor que me dói a injustiça dos que não sabem conter as malignidades e se concentram contra um clube sem arrogância, tão camaradesco, sem bobagens, tão largado nas exuberâncias. Mais um ano do meu Flamengo. E ele cada vez mais no coração do povo brasileiro. Não queremos maior troféu nem maior glória. (REGO, 2002, p. 134).

No aniversário de comemoração pelo cinquentenário do clube, uma crônica

celebrativa da data é produzida por Zé Lins e o que se vê é a colocação do sentimento rubro-

negro como algo incontrolável e de natural manifestação pela “simples” existência do clube

da Gávea. Nela, pontua ser o Flamengo uma instituição nacional que congrega muita gente

em torno de sua aura garrida e acolhedora. Frisa que o seu torcedor mesmo com derrotas e

perda de títulos se compraz pela glória maior de poder ter o Flamengo em todos os dias de sua

vida.

“Faz hoje 50 anos o grande Flamengo. Muita gente me pergunta por que sou flamengo. E a muita gente eu tenho dito que sou flamengo como sou romancista: pela força de meus bons instintos. Há no Flamengo uma grandeza de alma que me atrai. Não é um clube de regatas ou de football: é uma instituição nacional. Há todo o Brasil no Flamengo, todas as raças, todos os credos, todas as classes, todas as paixões generosas. Sou assim flamengo pelos meus impulsos e pelas minhas reflexões. Sou flamengo de corpo e de alma, a todas as horas, em todos os instantes. O que me domina no Flamengo é a sua extraordinária universalidade. É o clube do povo. Do povo que vai de Mário de Oliveira, homem de muitos milhões, ao ‘Vai na bola’, o mais pobre dos homens. É por isto que não há os que rasgam carteira no meu clube. Há os que choram e morrem de paixão pelas nossas derrotas e os que cantam pelas suas glórias, que são muitas. 50 anos de glórias, 50 anos de vitórias. Podem dizer tudo o que quiser, podem encher o mundo com todos os campeonatos e todas as faixas. Há o Flamengo e enquanto existir o flamengo não há glória maior e pendão mais soberbo.”(REGO, JORNAL DOS SPORTS, 15 de NOVEMBRO de 1945, p. 3).

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Em excursão que o rubro-negro realizou, em 1951, à Escandinávia e à Europa, Zé Lins

foi escolhido pelo presidente do Flamengo, Gilberto Cardoso, para chefiar a delegação.

Detalhe, o Vasco com um time formidável, o chamado “Expresso da vitória” – metade da

década de 1940 até 1952 - que havia sido a base da seleção brasileira na trágica copa do ano

anterior no Brasil, tinha sido o time convidado e recusou o convite para excursionar pela

Europa. Azar do Vasco!

Os gringos então convidaram o Flamengo e o clube como adorava se apresentar em

qualquer lugar do planeta, de imediato, aceitou. Essa viagem para Zé Lins era muito

representativa. Com o seu fervor patriótico e sua paixão ao clube da Gávea - que era naquele

momento, representante legítimo do Brasil - destacou, que se sentia como se fosse o chefe de

uma missão diplomática. “Vamos levar à Europa uma autêntica força nacional, gente de fibra

e gente com a melhor classe do nosso ‘assocation’. Não perderam os suecos com a

substituição. O Flamengo dará, lá fora, uma demonstração capaz de orgulhar as cores do

Brasil”. (REGO, 1951, apud, ANTUNES, 2004, p. 90).

Na seara do entendimento do que vem a ser o torcedor rubro-negro, Zé Lins se

derrama em belas palavras que acentuam a representatividade do Flamengo na vida de seu

torcedor. Para ele, destacado torcedor que era, o prazer, a alegria de ser rubro-negro estava

acima de qualquer coisa. Independente de ser intelectual, homem letrado, dirigente, de

qualquer cargo ocupado, de sua condição social, o seu maior orgulho era assumir sua

condição de torcedor e poder, no meio da massa se atirar. O amor pelo clube estava no seu

DNA. Inexplicavelmente, o sentimento ficara adormecido até os seus 37 anos de idade.

Tenho o Flamengo no sangue (não fosse este vermelho como uma de nossas cores), e desde que me chamam para o seu serviço, não sou mais do que o seu escravo. Admirável paixão que nos arrasta aos entusiasmos mais extremos e às tristezas profundas, mas paixão que nos ajuda a viver, que nos congrega em torcidas que não temem a chuva e o sol, que se sobrepõem aos nossos interesses particulares, para ser somente um flamengo, um simples homem de arquibancada, disposto a tudo. Sou grato ao Flamengo, e por ele darei tudo o que puder. (REGO, 1951, apud, ANTUNES, 2004, p. 90).

Ainda na excursão de 1951, o cronista discorre sobre detalhes que ocorreram em

partida realizada no território francês. O torcedor daquelas terras havia ficado encantado com

o futebol apresentado pelo Flamengo e com a postura dos jogadores que se puseram a saudar

a torcida local, no início e no final da partida, denotando reverência ao público. O clube nesta

excursão à Europa jogou na Suécia (sete vezes), Dinamarca, Portugal, França. Teve atuações

magistrais. 10 jogos. 10 vitórias. Bom lembrar que esta excursão vitoriosa, realizada alguns

meses após a sofrida e de triste lembrança para o brasileiro, copa do mundo de 1950, serviu,

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para acariciar o ego do brasileiro, exorcizar o fantasma da perda do título mundial, em pleno

Maracanã, e para fazer vislumbrar o futebol brasileiro conquistando definitivamente o mundo

em pouquíssimo tempo.

Chego da Suécia convencido de que o football é hoje produto tão valioso quanto o café, para as nossas exportações. Vi o nome do Brasil aclamado em cidades longínquas do norte, vi em Paris aplausos a brasileiros, com mais vivo entusiasmo. Disse-me o querido Ouro Preto: ‘Só Santos Dumont foi tão falado pela imprensa desta terra, sempre distante de tudo que não é europeu, quanto os rapazes do Flamengo’. E, de fato, os milhares de franceses que permaneceram, no estádio, mesmo com o término da partida, aplaudindo os nossos rapazes, queriam demonstrar uma quente admiração por essa turma de atletas que tinham feito uma exibição primorosa. E a nossa bandeira tremulava no mastro do estádio, naquela noite esplêndida e primavera. O football brasileiro deu aos mil brasileiros, que ali estavam, a sensação de que éramos os primeiros do mundo. Para mim, mais ainda, porque ali estava o meu Flamengo, de todos os tempos. (REGO, 1951 apud ANTUNES, 2004, p. 92-93).

Tendo ocupado cargo de destaque até mesmo na extinta CBD (Confederação

Brasileira de Desportos), ratificando assim ter sido um homem dedicadíssimo ao futebol, José

Lins do Rego não media esforços para servir ao seu clube de coração e ao seu país. Não tinha

pudores, abria a sua alma. Varreu para bem longe a hipocrisia se apresentando como era de

verdade. Paixão desenfreada. Decerto, foi traído por ela em algumas ocasiões que lhe geraram

situações desconfortáveis. Mas não estava nem aí. Para ele, o Flamengo fazia bem e isso era o

que interessava.

Seja torcedor de qualquer time, vale o aplauso a esse homem, amante do futebol e do

torcedor. Corajoso, sincero, transparente, autêntico, intenso, despido de vaidades, Zé Lins foi

mestre no uso da palavra. Fosse, nas crônicas nacionalistas, fosse, naquelas sobre o rubro-

negro, era parcial mesmo e ponto final. Evitando o senso clubístico, podemos separar as

crônicas nacionalistas e sentir nelas a envergadura exalada pelo profundo sentimento pátrio de

Zé Lins.

Por intermédio de analogias feitas com a seleção, ele desejava incutir na população a

idéia definitiva de sua condição especial de povo, de raça. Se era para falar do Flamengo,

varria pra longe a imparcialidade. E sobre imparcialidade, uma frase célebre: “Só acredito na

isenção do sujeito que declarar que a própria mãe é uma vigarista. Ninguém fará isso, porque

ninguém é imparcial”. Eis que a porta se abre e dela surge o mestre Nelson Rodrigues, autor

dessa pérola. Em uma crônica, dentre tantas, lineares e qualitativas, que compõem sua larga

obra, ele profere essa pérola e diz ter ouvido isso de um sujeito na rua e que, desde então,

passou a carregar essa certeza pela vida inteira.

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4.2 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR NELSON RODRIGUES

Cerca de três meses após o surgimento do Departamento de Esportes Terrestres do

Clube de Regatas do Flamengo, diga-se Futebol, vinha a este mundo, em Recife, capital

pernambucana, Nelson Rodrigues. O pai, Mário Rodrigues, jornalista ativo, polêmico, de

língua afiada – apesar de ser gago – e detentor de retórica e texto destemidos. Devido a

conflitos políticos, Mário Rodrigues deixa a família em Recife e parte para o Rio de Janeiro.

Corria o ano de 1912. Entre idas e vindas, em 1916, se estabelece de vez na cidade

maravilhosa. Sua esposa, Maria Esther, desembarca neste mesmo ano de 1916 na capital

federal com seus seis filhos, Milton, Roberto, Mário Filho, Nelson, Stella e Joffre – a lista de

filhos chegaria a catorze.

A infância de Nelson Rodrigues foi vivida no subúrbio carioca de Aldeia Campista,

hoje acampado, pelos bairros da Tijuca, Maracanã, Andaraí. Na rua de nome “Alegre”,

Nelson teve suas primeiras experiências marcantes de menino. Aos treze anos de idade

começa a trabalhar no jornal de seu pai. No “A Manhã”, Nelson estreou na seção policial e

cobrindo as tragédias, cercadas de todo o teor sombrio da compleição humana, já cedo,

impressionava pela escrita fulgurante que ia fundo nas motivações e tocava nos meandros do

comportamento humano descabido.

Percebendo ele que geralmente os crimes ocorriam motivados por sexo e dinheiro,

com desenvoltura, invade o submundo trágico e passa a relatar os assuntos mais “escondidos”,

pela sociedade. Descreve os crimes passionais, os pactos de morte entre casais apaixonados,

com senso agudo de interpretação. Depois de algum tempo é “promovido”. Sai da editoria de

Polícia e passa a escrever um artigo semanal.

No final de 1929, já trabalhando no jornal “Crítica” - também de seu pai que havia,

por endividamento, em decorrência de postura perdulária, perdido para o seu sócio o controle

do “A Manhã”, em 1928 - sua vida sofre um grande revés com o assassinato de seu irmão,

Roberto. Poucos meses depois, no início de 1930, o pai também vem a falecer em face de

problemas de saúde, agravados certamente pela perda do filho, Roberto. É no jornal “Crítica”

que Nelson, por intermédio do irmão Mário Filho, começa a ter contato com as crônicas de

futebol na editoria de Esportes. Mário Filho por sinal foi quem tocou, comandou, juntamente

com Milton, – outro irmão, o mais velho - o jornal, após a morte do pai.

A família Rodrigues perde a empresa jornalística – durante a revolução de 30. Não por

incompetência dos filhos de Mário Rodrigues, mas sim, pela postura crítica desenvolvida pelo

pai ao longo dos anos contra determinados grupos políticos. Os homens de Getúlio Vargas

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depredaram e incendiaram a sede do jornal. Todo o dinheiro ganho pela família – que era

guardado em um cofre na sala de Mario Rodrigues – foi perdido. Os Rodrigues enfrentaram

momentos dificílimos. Sem recursos financeiros, a família vai morar em uma casa menor. Só

conseguem se alimentar porque se desfazem de quase todos os móveis da casa. Sem ter mais o

que vender, chegam a passar fome. Maria Esther, a viúva, teve que tirar forças lá do fundo,

para driblar as dificuldades e sustentar uma penca de filhos.

Por causa das questões políticas, atreladas à figura do pai, Nelson, Mário, Milton e

Joffre – os que efetivamente já trabalhavam - tiveram dificuldade em conseguir emprego.

Mesmo com o talento dos filhos de Mário Rodrigues já reconhecido, os donos de jornais

temiam por contratá-los imaginando represálias que sofreriam do governo. O jornal “O

Globo”, através de seu diretor-chefe, Roberto Marinho, foi quem abriu as portas à família

Rodrigues, em 1931.

Torcedor ferrenho do Fluminense, Nelson escreveu inicialmente sobre futebol, em

1936, no Jornal dos Sports. No entanto, a escrita de forma mais efetiva e regular, só no início

da década de 1950, no jornal Última Hora. Ao se falar em Nelson Rodrigues, o mais difícil é

definir em que área ele foi melhor. Era expert, dotado de categoria extraordinária para

escrever, fosse como, cronista, escritor, jornalista, dramaturgo.

É o responsável pelo surgimento do Teatro Moderno Brasileiro. Irreal é falar em

Teatro no Brasil, sem mencionar por associação, Nelson Rodrigues e suas criações teatrais da

estirpe de Vestido de noiva, Bonitinha, mas ordinária, A mulher sem pecado, Toda nudez será

castigada, O Beijo no asfalto, Boca de ouro, Dorotéia, Senhora dos afogados, entre muitas

outras. Algumas destas ganharam adaptações para as telas de cinema. A dama do lotação é

uma das maiores bilheterias do cinema nacional de todos os tempos.

Nelson era de um profissionalismo, de um talento, fora de série. Escrevia com

naturalidade, parecia ser o ofício da escrita algo muito normal para ele. Por isso, concebia

com espantosa rapidez os seus textos. Escrever era o seu oxigênio. Não conseguia ficar

distante da escrita nem por um dia sequer e teve como companheira efetiva, a máquina

datilográfica. Só deu um tempo na sua produção, durante os períodos em que ficou internado

em razão da tuberculose. Em suas obras, a tragédia estava sempre presente. Certamente ela, a

tragédia, adentrou a esfera profissional pelo fato de ter marcado, acompanhado e se mostrado,

insistentemente, por toda a vida de Nelson.

O criador do teatro moderno também é referência quando o assunto é a crônica

esportiva brasileira. Suas crônicas falavam do futebol como sendo um grande palco onde a

paixão humana lindamente desfilava e encenava atos desconcertantes. Para ele, no futebol

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encontrava-se uma força existencial, significados múltiplos, representações ululantes

esclarecedoras, que iam muito além do nulo sentido percebido pelos “idiotas da objetividade”-

termo consagrado por ele para designar àqueles que falavam, escreviam sobre futebol,

suplantando a emoção, apagando a magia, a “graça” que se assentava sobre o esporte. Ele

usava o futebol para falar de gente. Do sentimento humano.

Faleceu em 1980, aos 68 anos, vitimado por problemas respiratórios – desenvolvidos

pela tuberculose que teve de aturar e carregar desde cedo – e por complicações cardíacas.

Deixou uma obra vastíssima e de qualidade irrepreensível. A genialidade de Nelson

Rodrigues atravessa o tempo. A interpretação e reinterpretação, sobre o futebol, riquíssima

por sinal, através da figura de Nelson, ficou rasa, sem aquele brilho intenso e a crônica

esportiva brasileira nunca mais foi a mesma depois da saída de cena Nelson Rodrigues. No

ano de 2012, o ano de seu centenário de nascimento, a surpresa positiva se deu pela reedição

de várias de suas publicações.

De todos os clubes que abordou em suas crônicas, o Flamengo tinha lugar cativo,

corriqueiro, especialíssimo e era o clube descrito como possuidor de força apelativa fora de

série, e sua torcida como a “alegria em essência”. Direcionava ao Flamengo uma visão de que

alguma coisa tipo um feitiço estava contido no vermelho e preto de seu uniforme, que nadava

nas raias da extraordinariedade e que repousava sobre o clube uma inclinação a ser envolvido,

arrastado para grandes façanhas.

[...] Mas eis o mistério do Flamengo: – a derrota o transfigura, a derrota o viriliza. [...] o Flamengo é o time inaufragável. A goleada recente, em vez de afogá-lo, de asfixiá-lo, pelo contrário: – serviu-lhe de insuperável afrodisíaco. [...]. Duzentas mil pessoas viram o espasmo do time rubro-negro diante de cada “goal”. [...] não tenhamos dúvidas: – o Flamengo humilhado é imbatível. [...] o jogo de ontem, acima de tudo, foi uma noite de amor. De Chamorro a Zagalo, todos tinham um pouco ou, antes, todos tinham muito de Gilberto Cardoso. Cada jogador rubro-negro foi, ontem, um jovem Gilberto Cardoso, com a mesma sofrida, exasperada fidelidade ao clube. Sim amigos: – Gilberto Cardoso deu a vida pelo Flamengo. E ontem, se fosse preciso, o Flamengo morreria pelo tricampeonato. (RODRIGUES, Última Hora, 1956, p.28).

Sempre indo fundo nas análises que fazia, potencializava significados e era

comovedora a carga dramática despejada nas crônicas esportivas. Neste trecho apresentado

acima, Nelson faz menção ao tricampeonato do Flamengo, conquistado em 1955. A tão

alardeada característica do clube de se revestir da raça, da garra e da superação, manifesta-se.

Nelson diz que o Flamengo sempre que é ferido volta muito mais forte.

Detalhe: o campeonato de 1955 só teve o seu término em 1956. A final foi contra o

América. Foram três jogos. No primeiro, vitória rubro-negra, 1 x 0. No segundo, o América

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impusera ao Flamengo uma humilhante derrota, 5 x 1. Diante do revés, o sonho do

tricampeonato rubro-negro parecia ter ficado distante. Mas aí surge essa pontuação feita por

Nelson de ser o Flamengo, ferido, uma entidade indomável. No terceiro e último jogo o

Flamengo consegue devolver a goleada sofrida. O placar de 4 x 1 a seu favor é o resultado do

último ato. O título é dedicado a Gilberto Cardoso, presidente do clube que havia falecido no

final de 1955. Vale a ressalva de que América e Bangu eram duas forças do futebol carioca.

Hoje, para tristeza do futebol, vivem em ostracismo e não encontram forças para reagir.

Inflamando o discurso de ser o Flamengo um clube, um time de futebol, com uma

torcida que dá cria, que não para de crescer, que deve ser admirado pela sua fúria, no sentido

de ímpeto, de entrega, de sempre ir adiante, Nelson frisa que o torcedor rubro-negro ama o

clube com amor voltaico lá em cima, pesado, e que tem uma alegria que não existe outra

igual. Para ele o Flamengo mesmo diante do Santos de Pelé, não precisava se curvar. O fato

de ser Flamengo, só por isso, já bastava para estar acima de qualquer clube que fosse.

Vejamos:

[...] Éramos 130 e tantos mil caronas, gratíssimos e deslumbrados. Por outro lado, o jogo valia a pena, íamos ver o Santos, que voltou a ser o melhor time do mundo; e o Flamengo, o clube que é apenas Flamengo, e repito: basta-lhe ser eternamente Flamengo e só. [...] E quê dizer do Flamengo? Cada brasileiro é um pouco rubro-negro. [...] Antes de prosseguir, porém, eu queria dizer duas palavras sobre a brutal euforia flamenga. Supõe-se que todas as alegrias se parecem. Mas na verdade é que a alegria rubro-negra não se parece com nenhuma outra. Não sei se é mais funda, ou mais dilacerada, ou mais santa. Só sei que é diferente. [...] nada se comparou à pura, total, monstruosa alegria rubro-negra. Sujeitos subiam pelas paredes como lagartixas profissionais. Outros queriam se pendurar nos lustres. Mas eu pergunto: – foi justa a vitória Flamenga? Mais do que justa. [...]. Ora, o Flamengo nasceu em 1911, ou 1912, sei lá. Era o tempo do Kaiser, de Mata Hari, tempo em que as senhoras tinham tais quadris que precisavam se pôr de perfil para atravessar as portas. Mas o que eu queria dizer é que desde então, o Flamengo tem sido o clube das reações furiosas. Muitas vezes, parece agonizar em campo, e, de repente, eis que se levanta dos seus estertores deslumbrantes [...]. (RODRIGUES, 1964, p.18).

O tricolor Nelson Rodrigues fazia questionamentos a respeito dos motivos reais que

levaram ao desligamento de nove jogadores do Fluminense de 1911, para fundarem o futebol

do Flamengo. Como aceitar que o seu clube, ou melhor, que jogadores que envergaram a

camisa do seu Fluminense, tenham tido a ideia de dar vida a uma instituição social de

destaque singular? Imaginava que o Flamengo poderia nem mais existir hoje, ou ser, na

melhor das hipóteses, um clube social qualquer, comum, se não fosse a inserção do futebol

em seu quadro esportivo. Desde então, o clube se revestiu de brilho, força, e sedimentou sua

condição no cenário social e esportivo.

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Para ele os dois clubes, Flamengo e Fluminense, mantinham relação estreita, tinham

vínculos, e disso, benefícios consideráveis haviam trazido ao futebol brasileiro. Ao mesmo

tempo em que sofria com a existência do Flamengo, tinha em maior escala estima, sentia-se

orgulhoso por saber que o seu Fluminense exercera participação, de alguma forma, nesse

processo criativo. Não se esquivava de opinar e expressar a condição diferenciada que

acreditava ter o torcedor do Flamengo. Se apropriando de personagens conhecidos da obra do

autor que era uma de suas influências, no caso, o russo, Dostoiévski, ele cita os irmãos

Karamazov, para fazer uma analogia entre Flamengo e Fluminense.

[...] era o Fluminense, sempre Fluminense. Até que, um dia, não foi o Fluminense. Imagino que o leitor esteja fazendo a impaciente pergunta: - ‘E o Flamengo?’. Hoje, o Rubro-Negro, por onde vai, arrasta multidões fanatizadas. Há quem morra com o seu nome gravado no coração, a ponta de canivete. [...] o Flamengo nem sempre foi Flamengo. Cada brasileiro, vivo ou morto, já foi Flamengo por um instante, por um dia. Vale a pena voltar a 1911, ou 12, não sei. Como eu dizia, o Flamengo era ainda Fluminense. Eu disse que o Flamengo era ainda Fluminense e já retifico. Antes do futebol, o Rubro-Negro foi remo ou, melhor dizendo, foi ‘domingo de regatas’. Até que, um dia, houve uma dissidência no Fluminense. Eu gostaria de saber que gesto, ou palavra, ou ódio deflagrou a crise. Imagino bate-bocas homicidas. E não sei quantos Tricolores saíram para fundar o Flamengo. Hoje, nos grandes jogos, o estádio Mário Filho é inundado pela multidão rubro-negra. O Flamengo tornou-se uma força da natureza e, repito, o Flamengo venta, chove, troveja, relampeja. Eis o que eu pergunto: - os gatos pingados que se reuniram, numa salinha, imaginavam as potencialidades que estavam liberando? Há um parentesco óbvio entre o Fluminense e o Flamengo. E como este gerou no ressentimento, eu diria que os dois são os irmãos Karamazov do futebol brasileiro. (RODRIGUES apud MARON FILHO e FERREIRA, 1987, p. 12).

A mística da camisa do clube da Gávea é descrita de forma tão cativante que o sujeito

vai acreditando nela. A simbiose entre time e torcida é observada no trecho a seguir. Para

Nelson, as cores, vermelha e preta, envolvendo aquele distintivo do clube estampado na

camisa formavam uma “peça” que possuía extremada aptidão para seduzir e gerar sintonia na

captação de energia, de forças que se materializavam sobre ela. Qualquer adversário ficaria

absorto com insigne feitiço, ponderava Nelson, não economizando alegorias. Na via dessa

descrição emblemática houve momentos, sim, – como aquele de 1927 quando o clube com

um time de amadores e veteranos sem condições físicas, conseguiu conquistar o campeonato -

em que o Flamengo, com times medíocres, entrava em campo e, como se ocorresse um feitiço

mesmo, a garra exauria dos poros dos jogadores, o suor encharcava a camisa e a lógica saia de

campo fazendo o adversário, superior, travar.

O Flamengo joga, hoje, com a mesma alma de 1911. Admite, é claro, as convenções disciplinares que o futebol moderno exige. Mas o comportamento interior, a gana, o élan são perfeitamente inaturais. Essa fixação no tempo explica a tremenda força

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rubro-negra. Note-se: não se trata de um fenômeno apenas do jogador. Mas do torcedor, também. Aliás, time e torcida completam-se numa integração definitiva. O adepto de qualquer outro clube recebe um gol, uma derrota, como uma tristeza maior ou menor, que não afeta as raízes do ser. O torcedor rubro-negro, não. Se entra um gol adversário, ele se crispa, ele arqueja, ele vidra os olhos, ele agoniza, ele sangra como um césar apunhalado. Também é de 911 (sic), da mentalidade anterior à primeira grande guerra, o amor às cores do clube. Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo.para o Flamengo, a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte: - quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juízes, bandeirinhas tremem, então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável. (RODRIGUES apud MARON FILHO e FERREIRA, 1987, p. 103).

Ary Barroso, autor da clássica, “Aquarela do Brasil”, era outro notável personagem do

meio artístico a torcer pelo Flamengo. Ele é retratado por Nelson como um sujeito tomado de

amor infindo pelo clube, impulsivo e autêntico. Aponta os motivos que levaram o artista ao

Flamengo. Além de célebre compositor, Ary era narrador de futebol. Sem constrangimento,

modificava o tom de voz, a empolgação, dependendo se o Flamengo atacava, ou, se sofria a

investida do adversário. As oscilações, inflexões na voz, não deixavam dúvidas para qual time

torcia.

Tinha o hábito de durante as narrações tocar sua gaitinha. E chegava a torcer

descaradamente nos ataques do seu time. Estando o adversário em vias de marcar um gol, ele

utilizava a expressão, “não quero nem ver”, indicando todo o seu sofrimento ao iminente

perigo de gol do adversário que poderia “ferir” as redes do seu amado Flamengo. Nesse

aspecto de parcialidade, foi parecido com José Lins do Rego. Conta-se que Ary Barroso no

auge do sucesso havia recebido um convite de Walt Disney para trabalhar em Hollywood. Um

brasileiro trabalhando em Hollywood? Não era para qualquer um. Ary ficou na dúvida.

Pensou em ir. Quando se deu conta de que iria ficar longe do Flamengo, recusou sem titubear,

e por aqui continuou bem perto do seu amor.

Ari Barroso tornou-se ‘speaker’ de futebol por causa do Flamengo. Num gol do Flamengo a gaitinha do Ari chegava a gargalhar. Era para isso que a usava, embora, algumas vezes, tivesse que tocá-la mais baixo, sem entusiasmo, num gol do outro clube. E Ari Barroso fora tricolor. Em Álvaro Chaves, sentia-se em casa, até o dia em que, depois de uma derrota, vieram chamá-lo, como se não tivesse acontecido nada, para distrair os sócios, ao piano, num chá-dançante. Naquele momento o compositor da Aquarela do Brasil descobriu que era Flamengo desde criancinha. Pretextos não faltavam para quem quisesse ser flamengo. O amor do povo pelo Flamengo, como que secreto, desabrochou com a força de uma primavera. Deu para aparecer flamengo por todo lado. Parecia uma praga. (RODRIGUES apud MARRON FILHO e FERREIRA, 1987, p. 107).

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Um gol de placa foi marcado pelo presidente rubro-negro José Bastos Padilha, durante

a sua gestão, de 1933 a 1938. Padilha este, que vem a ser o avô do hoje aclamado diretor de

cinema, José Padilha, conhecido pelo sucesso do filme campeão de bilheteria, “Tropa de

Elite”. O propósito de consolidar o Flamengo como sendo o time da massa, do povo, foi

estrategicamente pensado, orquestrado e posto em prática com toda solidez nesses cinco anos

em que esteve à frente do clube. Funcionou em cheio. A partir da gestão de Padilha, se havia

dúvida quanto à adoração do clube pelo povo, essa dúvida se esvaiu. Os três maiores

jogadores do Brasil, negros, famosos, que eram jogadores da seleção, vestindo a camisa do

Flamengo, era tudo. Estratégia muito feliz.

Enquanto o Fluminense trazia para Álvaro Chaves os grandes jogadores do futebol paulista, quase todos brancos, muitos com nome italiano, o Flamengo levava para a Gávea os grandes jogadores do futebol carioca, todos, pretos, Fausto dos Santos, Leônidas da Silva, Domingos da Guia, brasileiros até no nome. E se o Flamengo ia a São Paulo era para buscar um Arthur Friedenreich, mulato, um Valdemar de Brito, preto [...]. O Flamengo queria ser o clube mais popular, mais querido do Brasil, não podia deixar o preto de fora. Indo em busca do preto, o Flamengo ia ao encontro do gosto do povo, escolhendo Fausto, Leônidas e Domingos, já escolhidos pelo povo, como ídolos. Fazendo a sua transfusão de popularidade. Muita gente ficou Flamengo por causa disso, entendendo mais o Flamengo na rua, fazendo o seu carnaval, do que o Fluminense trancado no palácio de Álvaro Chaves. (RODRIGUES apud MARON FILHO e FERREIRA, 1987, p. 61-62).

Fazendo menção à diferença entre o torcer pelo Flamengo e por outro time, deixando

qualquer um perplexo por sua franqueza, exortava a conduta especial desenvolvida pela

torcida do Flamengo e fazia ressalvas e reprovações ao modo de torcer da torcida do seu

clube, o Fluminense. Reconhecia essa excepcionalidade do rubro-negro, todavia, era ao

tricolor das laranjeiras que se doava, amava. Fazia questão de estampar isso. Deixava claro

que a admiração ao outro não incompatibilizava e não anulava o seu amor ao Fluminense.

Sem a “cegueira” da rivalidade depreciativa, derramando elogios ao time rubro-negro

e à sua conduta como agremiação esportiva, Nelson era visionário, sincero, transparente,

inteligência ao extremo. Mesmo quando fazia críticas - sabia fazê-las, era muito perspicaz - e

sendo assim, atraia a admiração, não da unanimidade, é claro, que para ele era burra e

desinteressante, mas de parcela considerável da população. E claro, dos tricolores, e de toda a

massa rubro-negra.

[...] o povo sentiu-se Flamengo. Gente de todas as classes ia para o campo como para uma batalha de confete, como uma festa de São João. Armando barraquinhas na arquibancada, levando clarins para a geral. Nada de confete. Confete estava bom para a torcida do Fluminense. O time do Fluminense aparecia, recebia uma chuva de confete. A torcida do Fluminense querendo vencer a torcida do Flamengo com confete, com serpentina, com balões de borracha, desses coloridos, de soprar. Muito bonito: aparecia uma bandeira imensa do Fluminense, de balões de borracha. O que

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não impedia a vaia do outro lado. O torcedor do Flamengo, da geral, da arquibancada, enfiava dois dedos na boca, fiau. Ou então gritava pó de arroz. A vaia, o torcedor do Fluminense aguentava. Para isso, tinha o seu clássico uh! Uh! Não aguentava era o pó de arroz. Um grito de pó de arroz partia, dela, um grito de pó de carvão partia, de cá. O torcedor do Fluminense querendo dizer que preferia ser pó de arroz a ser pó de carvão. Podia preferir, mas se ofendia com aquele pó de arroz. O torcedor do Flamengo não, nem se incomodava com o pó de carvão. Orgulhava-se dos pretos que vestiam a camisa rubro-negra. Até mesmo dos que tinham sido escorraçados dos outros clubes, como Leônidas. (RODRIGUES apud MARON FILHO e FERREIRA, 1987, p. 61-62).

Essa particularidade que o Flamengo possui – e que lhe faz muito escarnecido - de

atrasar salários e coisas do tipo, de ser devedor, por assim dizer, foi sabiamente tratada por

Nelson que encontrava nisso similaridade do clube com o brasileiro. Atesta-se assim que esse

comportamento do clube de ser “irresponsável” e inadimplente financeiramente vem de época

distante. Sempre o clube seguiu uma linha conceitual de pagar salários acima da média. E por

isso, em alguns momentos, não resistiu ao peso de suas obrigações financeiras. Como os

adversários procuram todo e qualquer motivo para atacá-lo, para zombar e caçoar dele, essa

premissa de ser mau pagador se instaura ao menor indicativo de que um mês de salário está

atrasado. É um prato cheio para gozações.

Interessante observar que muitos são os clubes que enfrentam esse problema no final

do mês. No entanto, quando se trata de Flamengo, tudo ganha contornos maiores, proporções

gigantescas. Sendo esta realidade financeira – de viver com uma “corda no pescoço” - uma

situação muito próxima do brasileiro, o Flamengo serve de espelho para boa parte da

população, revelando, não só suas virtudes, mas seus defeitos também. Além da questão

financeira, o torcedor do Flamengo era retratado por Nelson como um ser que na

individualidade podia até não assustar, não representar muita coisa, mas era na coletividade

que passava a vigorar e se manifestar como fenômeno, capaz das mais admiráveis e

inacreditáveis realizações.

Clube irritante, o Flamengo: De vez em quando, há quem cochiche pelas esquinas: - ‘O Flamengo deve’. Eu ouço e calo. Entre parênteses, sou o admirador enternecido de todos os que devem, seja gente, seja clube. De resto, olhemos o território nacional, em toda a sua extensão. Difícil encontrar um brasileiro sem dividas. Insisto: - um brasileiro sem divida é o que há de mais utópico, inexequível e, mesmo, indesejável. Que clube ou pessoa poderia atirar no Flamengo a primeira pedra? Ninguém. Nós vivemos e sobrevivemos à base das dívidas que contraímos, com uma espontaneidade tão amorável e tão brasileira. Além disso, porém, o Flamengo é irritante por outros motivos. Um deles, é a sua torcida. Uma vez, eu estava no maracanã, em tarde de vitória rubro-negra. À saída, eu vi passar a multidão flamenga. Virei-me para um amigo próximo e rosnei-lhe: - ‘Foi essa turma que fez a Revolução Francesa’. Talvez um rubro-negro, individual e isoladamente, seja um ser como qualquer outro. Mas quando se incorpora à torcida do clube, não sei que toque, que retoque o transfigura. Os rubro-negros quando se juntam são, de fato, irresistíveis. Deem-lhes um 14 de julho e eles derrubarão bastilhas a pontapés.

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O Flamengo também é irritante por causa de sua tremenda popularidade. [...] De fato, nenhum clube é amado por tantos. E se, na verdade, deve como dizem, sejamos justos: - suas dívidas acrescentam-lhe um traço, a mais, de inenarrável simpatia. (RODRIGUES, 2007, p. 188-189).

Criador do termo, “o óbvio ululante” – uma referência àquelas manifestações

encharcadas pelos sentimentos profundos da alma, atestando sentido real às ações, que estão

por ali com feitio vivo, para todo mundo ver, e inexplicavelmente, ocultadas ou forçosamente

não vistas pelos boçais - Nelson Rodrigues no trecho a seguir se despede do amigo José Lins

do Rego. Em crônica escrita uma semana após a morte de Zé Lins, a homenagem mais que

justa a uma figura que soube como poucos, labutar na palavra de modo a fazer sê-la como

semente. E que amou o futebol e o Flamengo.

Nelson e também Mário Filho usavam com frequência os exemplos de José Lins do

Rego, do presidente Gilberto Cardoso – e até mesmo de um Ary Barroso - para fazer um

retrato perfeito do que era o torcedor rubro-negro. Se doando, servindo ao clube em tempo

integral sem nada dele querer a não ser a sua existência. Inteligentíssima a cutucada dada nos

escritores que desacreditavam o futebol, que o criticavam, sem nada dele entender.

Geralmente, o bom escritor brasileiro não acredita em futebol, é um desconfiado do futebol. E conta-se o caso daquele poeta que, levado à força para um jogo, apontava o campo, aos berros: - ‘Que é aquilo? Que é aquilo?’ Foi socorrido e descobriu-se que ‘aquilo’ era a bola. Zé Lins não pertencia a esse tipo de intelectual [...] e fez-se íntimo do esporte que é a paixão do povo. E não ia para o campo com a displicência superior de quem se coloca muito acima da plebe ululante, da plebe alvar. Absolutamente. Ele torcia tanto ou mais que qualquer torcedor ignaro. E ninguém mais passional, ninguém com maior capacidade de se entregar à torcida, como se um gol do Flamengo fosse a coisa mais transcendente do mundo. Sim, amigos: - quem o conheceu sabe que ele vivia cada gol, cada pênalti, cada falta, direi mais, cada lateral. [...] Era algo de patético, de inesquecível. Nas perpétuas, na tribuna de honra, ou, anonimamente, nas arquibancadas, ele fazia um esforço físico e emocional maior do que o dos jogadores em campo. [...] Havia entre ele e o torcedor anônimo, o torcedor pé-rapado, o torcedor borra-botas, uma confiança, quase carinho. Para a multidão, não era o ‘doutor’, nem mesmo o escritor, mas o Zé Lins. [...] o torcedor rubro-negro estava habituado ao seu riso imenso. Nas vitórias do time, valia a pena ouvi-lo rir. Era uma gargalhada como não houve outra na terra: - de violento sotaque nordestino, mas tão pessoal, tão dele, tão inalienável. Normalmente, seria um triste. Mas que alegria rubro-negra quando o quadro vencia! O Flamengo mandou pôr sua bandeira à meio pau. Mas essa manifestação oficial não foi tudo. O que importa é a dor, ou espanto, ou a incompreensão do torcedor diante do grande homem que deixou de rir. E sempre que o Flamengo vencer lá estará o silêncio da gargalhada que não se escutará nunca mais. (RODRIGUES, 2007, p. 274).

O torcedor de futebol é enaltecido como o mais fervoroso integrante do espetáculo. A

energia avassaladora, resistente, a dramaticidade colhida da arquibancada, a entrega

desmedida do torcedor ao seu papel dentro de uma partida de futebol, tem delineamento

genial traçado por Nelson. O do Flamengo é expresso como aquele que se eleva ao grau maior

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de veneração ao clube. Não é só nas vitórias que ele atinge o patamar do mais sublime

sentimento. Na derrota, o sentimento é intenso da mesma forma. Ele arranca a pele, sangra

nas entranhas e sente sua alma chorar, contudo, tem a destreza de logo se reequilibrar, se

recompor, e continuar a caminhada, ainda mais fortalecido.

[...] O torcedor está em primeiro lugar. O leitor pode perguntar: - ‘E o craque?’ Eu sei que o craque é uma figura de alta transcendência. Mas não há santo sem devoção e o torcedor é, justamente, o devoto, o crente fidelíssimo do jogador. Portanto, andou bem Antero de Carvalho quando pôs o torcedor no coração da ópera futebolística. [...] O futebol tem o apelo, o patético, o dramatismo da ópera. Pode parecer, aos menos esclarecidos, que só o craque molha a camisa. Doce e ledo engano. O torcedor faz um esforço físico muito mais pesado. Uma vitória, ou uma derrota, pode assassinar o desgraçado que torceu. Lembro-me de uma cena que me parece antológica. Era a finalíssima Bangu x Flamengo. [...] O Estádio Mário Filho era um mar, uma flora de bandeiras flamengas. [...]. No primeiro minuto o rubro-negro fica com dez. [...]. A colossal torcida emudeceu. [...] Mas o Flamengo, ainda assim, luta, ferozmente. [...] O Flamengo perdeu o jogo e o bicampeonato. Mas o que eu queria dizer era o seguinte: - ao meu lado, estava um enorme crioulão flamengo – plástico, lustroso, ornamental. Daria um espetacular escravo núbio num filme de Cecil B. De Mille. Pois a frustração derrubou o gigante. Ele desabou como um fuzilado. Aos meus pés, arquejava como se aquilo fosse a dispneia pré-agônica. Por aí é que se vê que o torcedor vive mais o lance do que o craque. Nas suas reações tempestuosas, ele dá arrancos triunfais de cachorro atropelado; ou sobe pela parede como uma lagartixa profissional. (RODRIGUES, prefácio, apud, CARVALHO, 2004).

Talvez a grande simpatia de Nelson pelo rubro-negro tenha se dado pelo fato de ter

sido o Flamengo o time do coração de seu irmão, Joffre, que faleceu em 1936, aos 21 anos,

acometido pela tuberculose. O Flamengo arcou com todas as despesas do enterro, não deixou

faltar nada. O jornalista Joffre Rodrigues frequentava o clube e todos sabiam de seu carinho

pelo rubro-negro. Nelson sofreu muito com a perda do irmão. Sentia-se, de alguma forma,

responsável pelo ocorrido. Acreditava ter transmitido a tuberculose para Joffre.

O sentimento de culpa já havia rondado a cabeça de Nelson. O assassinato do irmão,

Roberto, na redação do jornal do pai, Crítica, em 1929, deixou sequelas em Nelson. Roberto

morreu no lugar do pai, Mário Rodrigues, que era o alvo da jornalista e escritora, Sylvia

Seraphim Thibau. Nelson estava na redação de Crítica, ao lado dos irmãos, e achava que ele

poderia ter ido, no lugar de Roberto, atender àquela mulher que adentrou o ambiente dizendo

querer falar com Mário Rodrigues. Sylvia se sentia prejudicada pela publicação da notícia de

seu desquite – assunto proibido na época - motivado por suposta traição dela. Mário

Rodrigues não estava e, tomando a iniciativa de recebê-la, na sala do pai, Roberto

covardemente foi atingido com um tiro.

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Nelson tinha amor ilimitado, exagerado, tocante e puro pelos irmãos. Agora, quem

mais o inspirava, aquele a quem ele via como ídolo, com quem sonhava ser igual, diante do

qual se sentia pequeno, tamanha era sua admiração, este, era Mário Filho. A relação dos dois

era contemplativa, altruísta e mutuamente assistida por declarações de carinho. A paixão pelo

futebol os mantinha ainda mais unidos. Era ponto aglutinador.

4.3 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR MÁRIO FILHO

Corria o ano de 1908. Aos três dias do mês de Junho, em Recife, Pernambuco,

estreava para a vida, Mário Rodrigues Filho. Aos oito anos de idade – o terceiro dos catorze

filhos do casal Mário Rodrigues e Maria Esther – na companhia da mãe e dos irmãos, chega

ao Rio de Janeiro. Com dezessete, vai trabalhar no jornal de seu pai, “A Manhã”. Já em um

prenúncio de seu dom de controlador, coordenador e gestor, vai tomar conta de toda parte

gerencial-financeira da empresa do pai. Contrariando o que era o desejo do seu progenitor que

sonhava ver Mário Filho trabalhando como repórter na cobertura de fatos políticos, se

envereda pela editoria de Literatura. Pouco tempo depois, já no jornal Crítica, assume a

editoria de Esportes, que era desprezada por todos. “a menos importante do jornal”

(CASTRO, 1992, p.59).

O Jornalista e escritor teve a trajetória profissional ligada, em paralelismo com a do

irmão, Nelson Rodrigues. Começaram juntos no jornal do pai e durante toda a vida, um esteve

presente na vida do outro. Ousado, visionário, carismático, empreendedor, com gosto

acentuado pela literatura e pelo futebol, acreditava ser possível converter a editoria de

Esportes em algo bastante atraente. Rompendo com paradigmas editoriais, insere o futebol em

plano de destaque. Começa a operar grande transformação. Se o assunto é crônica esportiva -

como a conhecemos hoje - o seu precursor é Mário Filho. O pai da crônica esportiva

brasileira.

Reconhecidamente o primeiro jornalista a “brigar” por espaço maior do futebol nas

páginas de jornal, reinventou a forma de se falar sobre o esporte. Extraiu o linguajar frio, as

construções frasais que tornavam difícil para o povo o entender do que era exposto na página

esportiva - que se fazia incompreensível pelo uso repleto de terminologias inglesas, usadas

para definir jogadores, torcedores, técnicos, lances, posições. O “football”, até então escrito

assim, dá passagem ao “futebol”. Toda a abordagem, a formatação, o conceito, são

modificados.

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Quando no final da década de 1920 entrevistou o goleiro do Fluminense e da seleção

brasileira, Marcos Carneiro de Mendonça, que depois de uma parada estava voltando ao

futebol, Mário Filho instituiu um marco na crônica esportiva brasileira. Começava ali, a

implantar uma revolução. A entrevista tinha uma descritiva com viés humanizado e ocupava

quase que a página inteira do jornal. Tratamento diferenciado também foi dado à fotografia.

Os jogadores até então apareciam nos jornais como em um retrato 3x4. A angulação se tornou

mais reveladora. Essa ação inovadora iria conquistar muitos leitores.

Mário Filho lançou um jeito novo de enfocar os jogadores de futebol, colocados em

um patamar de artistas. Fazia questão de entrevistá-los esmiuçando detalhes da vida, da

conjuntura humana, dos anseios, sonhos e frustrações. Era uma radiografia do atleta, na qual

se observava um lado que ia além da mera atuação esportiva. Se apropriando do artifício de

realizar entrevistas em tom de informalidade, usando como ponto de encontro um famoso café

da época, o Nice, bem ao lado do jornal O Globo - onde trabalhava - Mário, conseguia colher

a informação que quisesse.

O torcedor – visto como o artista da arquibancada – também ganhou novo tratamento.

Foi dimensionado, retratado em proporção ampliada de conteúdo, coisa nunca imaginada até

então, e ganhou espaço no jornal. Era o seu objetivo “Ouvir corações dos jogadores, 'medir a

fé dos teams em choque', 'debruçar-se diariamente na alma da torcida" (SILVA, 2006, p.111).

Houve melhorias na repaginação, gerando diagramação criativa, inserção de títulos,

subtítulos, legendas e o aprimoramento da fotografia. O paradigma de escrita tornou-se muito

mais atraente. Esse processo iniciou-se, timidamente, no “A Manhã”; passou pelo jornal

Crítica, e se instaurou de vez no O Globo, em 1931. Aí se cristalizou de vez e outros jornais

passaram a seguir o modelo inovador de Mário Filho. Em 1936, já como dono do lendário e,

por suas mãos, consagrado, Jornal dos Sports, Mário Filho gozava de bastante

respeitabilidade.

Escreveu crônicas esportivas de formidável qualidade. Livros dedicados

exclusivamente ao futebol. Mário Filho desenvolveu ações que visavam estimular a prática do

esporte por toda a população – o acesso das pessoas ao esporte deveria ser possibilitado a

qualquer custo. Lutou muito por isso. Promovia, incentivava a ida do torcedor aos estádios

para incentivar seus times. Um dos primeiros jornais do Brasil integralmente dedicado ao

esporte foi criação sua, “O Mundo Esportivo”, em 1931. Apesar de ter vida curta – oito meses

- foi por meio dele que Mário lançou o primeiro concurso de escolas de samba, dando início

ao grande evento, o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, que toma conta da

Sapucaí nos dias de hoje.

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Promoveu competições que se tornaram grandes eventos da cidade do Rio de Janeiro,

dentro dos mais variados esportes. Em 1956, trouxe uma guarnição mundial de remo da

Universidade de Cambridge e colocou meio milhão de pessoas na Lagoa Rodrigo de Freitas.

“Só um homem da imaginação e da audácia de Mário Filho poderia lembrar-se de trazer a

guarnição de Cambridge”. (RODRIGUES, 2007, p. 110). Era só o futebol entrar em recesso e

lá vinha Mário com a promoção de outros eventos esportivos. Eram disputas de Remo,

Natação, Boxe, Jiu-Jítsu, Automobilismo.

Da mente brilhante dele surgiu a ideia de aproveitar as belezas naturais do Rio usando-

as como cenário para a realização de uma competição automobilística. O Circuito da Gávea,

como ficou conhecido, foi inesquecível, um marco. Após a primeira edição, em 1933, que não

tivera grande adesão popular, Mário Filho observou as falhas e viu que havia faltado a

promoção do evento. A partir da etapa seguinte, a adesão foi imensa. “O Globo” chegou a

tirar sete edições no dia do evento, em 1934. “[...] a partir de 1935, o ‘Circuito da Gávea’

entrou para valer no calendário esportivo brasileiro. No ano seguinte, o duelo Von Stuck x

Pintacuda levaria mais de duzentas mil pessoas à Gávea". (CASTRO, 1992, p.133).

Idealizador e maior defensor da construção do estádio do Maracanã, – que por sinal

leva o seu nome - Mário Filho lutou pela profissionalização do futebol e semeou o

acirramento sadio entre paulistas e cariocas quando deu vida, de forma regular, ano a ano, ao

Torneio Rio-São Paulo, em 1950. Em 1967, começou a ter a participação de times de outros

estados e passou a se chamar Torneio Roberto Gomes Pedrosa. O campeonato brasileiro de

hoje é originário do Torneio Rio-São Paulo.

Organizou a Copa Rio, realizada em 1951 e 1952 – que reunia os campeões do Rio e

de São Paulo contra times campeões de outros países. A Copa Rio, infelizmente, teve somente

duas edições, devido ao custo gigantesco para trazer equipes de fora, mas trouxe grande

alegria ao torcedor brasileiro. Foi o prenúncio da competição hoje conhecida como Mundial

de Clubes da FIFA.

Outro marco foi a criação e promoção de competições populares como os Jogos da

Primavera, (1947), “Uma olimpíada carioca reunindo atletas dos clubes e colégios, algo que

mobilizasse a juventude e a atraísse para o esporte” (CASTRO, 1992, p. 224). Os Jogos

Infantis, (1951), e o Torneio de Pelada do Aterro do Flamengo (década de 1960). Sim, ele

criava, desenvolvia, organizava e conseguia - com pouca ajuda financeira, praticamente

sozinho, por intermédio de seu jornal – tornar esses eventos bem sucedidos.

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O jornalismo esportivo tem em Mário Filho o seu expoente, o homem revolucionário,

empreendedor, vanguardista. O grande memorialista. Na construção de uma “nova” crônica

esportiva, no desenvolvimento e aprimoramento da imagem de jogadores, torcedores e

dirigentes, a lembrança de Mário Filho é pertinente. Ele trouxe para o conhecimento a

realidade da vida destes, que não estavam imunes aos aspectos dificultosos comum à

existência de todos, com suas histórias patéticas, tocantes, que eram contadas de modo

poetizado e exacerbado – um dos recursos da crônica – trazendo à tona alegrias, dramas e

flagelos. Jogadores que morreram miseráveis, abandonados e esquecidos como aconteceu

com Jaguaré e Fausto, servem como exemplo. Mário Filho levantou o véu que escondia o lado

obscuro das relações, o tratamento nada respeitoso direcionado aos negros, por parte dos

dirigentes de clubes e pela sociedade que, por vezes, assolava a vida de personagens do

futebol.

Uma analogia com a Semana de Arte Moderna, de 1922, pode ser feita utilizando-se a

figura de Mário Filho para referendar sua relevância, no concernente ao esporte no Brasil e à

crônica esportiva. Ele sozinho quebrou as correntes estabelecidas e deu vida nova ao

jornalismo esportivo brasileiro. Defendeu uma editoria de Esportes pomposa, espaçosa,

verdadeiramente noticiosa e cativante, que pudesse revelar, propriamente, nuances de vida.

Sua contribuição para que o futebol se desenvolvesse como espetáculo de massas, é

indiscutível.

Promoveu – não criou, faz-se essa ressalva - a célebre sigla Fla-Flu que tornou o

embate, Flamengo e Fluminense, cercado de misticismo e o lançou ao plano configurativo de

clássico mais charmoso do futebol brasileiro. Por ter durante todo o tempo incentivado,

estimulado, despertado nas pessoas o posicionamento de se exercitarem no ato de torcer

comparecendo aos estádios de futebol, recebeu a alcunha de “O Criador de Multidões”.

Faleceu em 16 de Setembro de 1966. Uma trombose gerada por problemas cardíacos

interrompeu uma jornada de aproximadamente 40 anos de significativa produção. O Rio de

Janeiro, cidade que o acolhera aos oito anos de idade, perdia aquele que soubera como

ninguém proporcionar grandes alegrias e emoções ao seu povo. “Mário Filho teve adeus de

rico e pobre. Milhares de pessoas, desde o representante do presidente da república (...) até o

mais humilde torcedor carioca, estiveram ontem no Jornal dos Sports para a última

despedida”. (JORNAL DOS SPORTS, 17 set. 1966).

Por gozar de prestígio perante todas as rodas da sociedade, manteve aproximação com

dirigentes de todos os clubes, políticos, ministros de Estado e com os presidentes Getúlio

Vargas e Juscelino Kubitschek. Era um diplomata, uma eminente figura do futebol. Achava

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que não podia desapontar a ninguém. Por isso tinha muito cuidado quando falava sobre os

clubes. Não escreveu muitas crônicas que abordassem o Flamengo de forma apaixonada, mas

deixava sempre transparecer a sua estima pelo rubro-negro, pontuando o seu valor histórico.

Na verdade o livro “Histórias do Flamengo” serve como a mais representativa homenagem ao

clube do seu coração. Era imenso o orgulho de Mário Filho com este livro. E, interiormente,

no seu íntimo, sorria e fazia sua festa a cada vitória do rubro-negro. Essa alegria que se vê

hoje em dia no torcedor do Flamengo já existia há muito tempo. É Mário Filho quem diz

[...] E Jaime de Carvalho correndo de um lado para outro, avisando todo mundo. A torcida do Flamengo irá a pé, da Gávea até à sede do clube, como um rancho, a estação primeira, a caminho da praça onze. [...] O torcedor do Flamengo tinha era de se espalhar, de sambar, de pular, de puxar cordão, alegrando todas as ruas, fazendo escancarar todas as janelas. [...]. A multidão encheu a praça. Os lotações fonfonavam. De longe se viam os bondes carregados de gente. [...] Jaime de Carvalho deu o sinal, todos a caminho. E a multidão movimentou-se, cantando e dançando. Os automóveis e os bondes passavam na frente do bloco do Flamengo. Havia gente que saltava para engrossar a multidão, entrar no brinquedo. As janelas se abriam: Jaime de Carvalho tinha certeza que elas iam se abrir. Abriam e enfeitavam-se de sorrisos. Havia flamengos em toda parte: a cidade era do Flamengo. Garotos corriam na frente do bloco [...]. (RODRIGUES FILHO, 1966, p. 237-238).

Observa-se a reverência feita por Mário àquele que foi um símbolo de torcedor – do

Flamengo e da seleção brasileira. Criador da primeira torcida organizada do Brasil, a

“Charanga do Flamengo”, em 1942, Jayme de Carvalho, foi um dos maiores personagens da

arquibancada e nesse ofício de torcedor se sentia “nas nuvens”. Essa comemoração

apresentada por Mário Filho, diz respeito a uma vitória sobre o Vasco. Ele diz que havia

torcedor do Flamengo por todos os cantos. Os bondes não davam vazão para transportar o

torcedor rubro-negro. Com alegria proporcional ao tamanho daquela gente rubro-negra, a

massa cantava, dançava, gritando o nome “mengo” em uma caminhando que ia da Gávea,

estádio do Flamengo, até a sua sede na praia do Flamengo. Um trajeto considerável. E vai

além ao adentrar em uma esfera até de religiosidade para dimensionar o amor que une o clube

ao seu torcedor.

O Flamengo era um caminho para a vida, um caminho para a morte, um caminho para Deus. São imperscrutáveis os desígnios da Providência. O Flamengo, que obrigara, certa vez, um colégio de freiras a se mudar, era o mesmo que numa hora de aflição ia se ajoelhar ao pé do altar se São Judas Tadeu. (RODRIGUES FILHO, 1966, p. 42).

O cronista se apropria da máxima de ser o Flamengo o clube mais amado do Brasil

para expressar o seu ponto de vista sobre o papel desempenhado pelo torcedor de futebol.

Com Mário Filho, esse sujeito que vive para o seu clube na frequência altíssima da emoção,

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do amor, da fidelidade irrestrita, passou a ter visibilidade. Sua atuação foi valorizada. Seu

papel na atmosfera do futebol foi analisado, captado e redimensionado. Mário Filho entendeu

existir nessa relação com o clube de coração, sentidos bem definidos para a vida de qualquer

torcedor.

Ninguém discute que o Flamengo seja o clube mais popular do Brasil. Quem é Flamengo prefere dizer o mais querido. Está certo. Escolhe-se um clube como se escolhe uma mulher. Para toda a vida ou até que Deus separe. É mais difícil deixar de amar a um clube do que a uma mulher. Qualquer um de nós conhece, de ouvir falar nem se fala, mas de conhecer mesmo, mais bígamos ou polígamos do que torcedores que mudaram de clube. Ou que traíram, mesmo em pensamento. Talvez porque o clube nunca se entrega a um torcedor. O torcedor é que se entrega ao clube ou ao amor do clube. Também pode ser porque o sex-appeal do clube não se desgasta com os anos. Daí que exija, sempre, um amor como de lua-de-mel, violento, absorvente, exaustivo. Não leva à tísica, mas dá enfarte. Muito médico, hoje, proíbe futebol a torcedores que têm de fazer dieta de amor. Podem amar o clube, mas de longe, por assim dizer de memória, num amor suave, pacificado. Geralmente se ama sem saber por quê. Tantos caminhos levam ao amor que é quase impossível apontar um como a rota dos descobridores. Isto é verdadeiro, tanto em relação a uma mulher, como a um clube. E mais em relação a um clube do que a uma mulher, já que nenhuma mulher é tão variadamente amada como um clube. Nem mesmo uma Brigitte Bardot, mais desejada do que amada. (RODRIGUES FILHO, 1966, p. 7).

Difícil encontrar jornalista que tenha se interessado tanto em ir fundo na história

esportiva e social para descobrir as razões do Flamengo ter se tornado esse clube de torcida

gigantesca, tão abusada, presunçosa e de enorme soberba. (RODRIGUES FILHO, 1966, p. 8)

diz, “O Flamengo era um clube de remo de sessenta sócios, se tantos, poucos pagando a

mensalidade, e sem um campeonato. Mas tinha a vaidade, de Grande da Espanha”.

Esse jeito de ser do seu torcedor, na compreensão de Mário Filho reside no aspecto de

ser o Flamengo muito mais que um clube esportivo e de futebol. É um estado de espírito, uma

ideologia, um objetivo comum do seu torcedor, de bastar à existência do clube para o seu

prazer ser contínuo. Ele se esmera no “ser flamengo” e disso extrai motivações para sua vida.

O torcedor rubro-negro carrega a certeza de que sendo Flamengo ele se faz solto na vida,

brincando com as emoções, hidratando sua alegria, não se intimidando ante os desafios e

acreditando na vida. O Flamengo para o seu torcedor, o faz forte e importante. O Clube e sua

torcida desenvolveram talento para se autopromoverem.

O Flamengo usou todos os recursos da sedução que possuía. Como um Don Juan, cada conquista que fazia tornava-o ainda mais irresistível. Não havia um dia em que os jornais não publicassem uma grande notícia do Flamengo. As vezes para que se falasse nele, ou não se deixasse de falar nele, o Flamengo contratava um jogador para um match. Apresentava tal estardalhaço que a gente acabava achando mesmo que se tratava de uma celebridade ignorada. Por culpa nossa. Nenhum clube em tempo algum explorou tanto a publicidade. Os muros das avenidas, as paredes dos edifícios, enchiam-se de cartazes: uma vez Flamengo, sempre Flamengo. Preparava,

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assim, um concurso de slogans. Só para crianças. O que acontecia era que toda a família ficava pensando no Flamengo. Numa frase, e caprichada, sobre o Flamengo. A imaginar coisas bonitas para o Flamengo. Para virar Flamengo era um passo. O garoto, o pai, a mãe. O resultado foi que o Flamengo ficou cheio de slogans: o Flamengo ensina a amar o Brasil, sobre todas as coisas; onde encontrares um Flamengo encontrarás um amigo; ser Flamengo é ser forte na adversidade. [...] aparecia na pista um escafandrista, de escafandro autêntico, pesadão, como se carregasse pés de chumbo. Trazia um cartaz: Flamengo, até debaixo d’água. Logo depois se ouvia um barulho de motor de avião. Olhava-se para cima e via-se descer um pára-quedas trazendo uma galinha morta com as cores do Fluminense. E charangas tocavam o Flamengo, Flamengo, tua glória é lutar. De tarde, por causa do Flamengo, o Fla-Flu era um carnaval; de noite, um São João. O Flamengo trazia as festas mais populares para o futebol. (RODRIGUES FILHO, 1966, p.30-31).

O neto de Mário Filho, Mário Rodrigues Neto, contou no programa especial sobre o

centenário do clássico Fla-Flu, exibido no canal SPORTV, em Julho de 2012, que em certa

ocasião percebeu que o avô torcia mesmo para o Flamengo. Em um jogo no Maracanã contra

o Botafogo, em 1955, estavam os dois, lado a lado, na tribuna de imprensa. O Flamengo

marca um gol. Mário Neto viu no gol do Flamengo o avô pular, vibrar muito, dar saltos de

alegria. Ao passar de alguns segundos, o cronista se deu conta que o neto estava ali e

rapidamente se recompôs. Gostava de ser discreto. Permaneceu durante todo o resto do jogo

com uma alegria diferente. Meio sem jeito, falou que torcia fervorosamente daquela forma

porque sabia que se o Flamengo vencesse, a venda de jornal no dia seguinte seria muito boa.

Na verdade, ele não queria que o garoto soubesse que, no fundo, no fundo, era o

Flamengo o time do seu coração, time que havia o conquistado, pois, nascera em uma família

cheia de tricolores. E seguiu desconfiado de que o neto fosse abrir a boca mais cedo ou mais

tarde. Daí concluiu: era melhor “comprá-lo”. No dia seguinte, ao acordar, o menino levou um

susto. Tinha uma bicicleta no seu quarto e um papel pequeno colado nela, escrito: "Fiz minha

parte." A bicicleta era a parte dele, Mário Filho. A parte do neto seria não contar para

ninguém o que presenciara no Maracanã no dia anterior.

Outro acontecimento que entrega para qual time torcia Mário Filho foi relatado por

Castro (1992). Em um Fla-Flu, de 1959, logo na entrada do Maracanã, Mário Neto havia

pedido para o avô uma bandeira do Fluminense – torcia “forçado” por influência da família

para o tricolor, só passando a torcer pelo Flamengo algum tempo depois. Mário Filho

comprou, mas, forçou o neto a levar uma do Flamengo também. Detalhe: a do Flamengo era

muito maior que a do Fluminense. O Flamengo perdeu o jogo por 2 x 0 e Mário Filho, triste,

amuado, não deixou, na volta para casa, o neto balançar a bandeira do Fluminense pela janela

do carro.

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O Maracanã em jogos do Flamengo era festa do início ao fim. Não havia jogo em que

a sua torcida não comparecesse em número maciço. Mário Filho ia ao estádio em jogos de

todos os times. Mas, nos jogos do clube da Gávea “fazia força” para ser aquele sujeito que era

conhecido por se manter em postura estritamente polida. Por ser figura “diplomática do

futebol” e que, como ele mesmo dizia, procurava manter-se sem aproximação com um clube

específico para que alcançasse a fidedignidade do que escrevia sobre futebol e atingisse a

pretensa imparcialidade, Mário era cortejado por todos.

Na hora da decisão ele foi Flamengo, o Flamengo de tua glória é lutar, o clube e o time da bandeira, da legenda; do samba, da marcha; da anedota, de tudo que é Flamengo [...] E não se pode isolar essa vitória do Flamengo ao campo. Ela também nasceu e se fez nas gerais e nas arquibancadas, nas cativas, nas numeradas e nas perpétuas. Desde cedo que se viam a caminho do Maracanã automóveis, bandeiras do Flamengo já desfraldadas. O estádio estava como na Copa do Mundo. E tudo aquilo, as bandeiras, a charanga, a cuíca roncando, os tambores chorando, os pandeiros rindo, podia trabalhar nos nervos dos jogadores. Os jogadores do Flamengo pisaram o campo como autuados; tinindo, como se diz. Onde, depois de longa, de quase interminável campanha do tri, só pode ter sido no Flamengo, na mística da camisa, na outra mística que agora nasce dos calções negros, de luto por Gilberto Cardoso. Porque desde o primeiro momento se sentiu que eles estavam dispostos a tudo, esquecidos de si mesmos, pensando só no Flamengo, que era para eles o sinônimo de vitória. [...] Então é que a multidão tirou o lenço do bolso para a revoada da vitória do Flamengo. É que a charanga não parou mais de tocar. É que os foguetes deram para assoviar. Das arquibancadas soltaram serpentinas, das gerais chuveiros que se curvavam, lá em cima, como girassóis, e pareciam olhar a festa cá embaixo para se abrirem e se despetalarem como rosas de fogo. Era o carnaval do Flamengo que nascia e que ia tomar conta da cidade. E chegava como o são-joão, com a grande vitória do Flamengo [...]. Havia gente no bar do estádio também chorando e beijando a bandeira do Flamengo. Ninguém perguntava que horas eram. Era a vigília da vitória, do tricampeonato do Flamengo. Ali, embaixo das rampas do Maracanã, nas ruas, por todo o caminho de volta. Até crianças nas filas, à beira das calçadas, senhoras, os flamengos que tinham ficado de fora e que agora queriam gritar Flamengo, à passagem do Flamengo, ou de tudo o que lembrasse o Flamengo. Os carros com bandeiras do Flamengo, os carros sem nada, só com gente dentro, mas que traziam alguma coisa da vitória. Os gritos de Flamengo eram como filas de sons ao longo das ruas e das avenidas. E mesmo quase de manhã, a gente acordava com um Flamengo! ‘Era a vitória continuando, não acabando mais’. (RODRIGUES FILHO, 1956, p. 38).

Na emblemática, arrojada e refinada revista Manchete Esportiva, de propriedade de

Adolpho Bloch - grande empresário da Comunicação - Mário Filho, que foi um dos seus

idealizadores e era quem coordenava, dirigia a revista, além de escrever crônicas, reconstitui o

clima que tomou conta de jogadores e torcida na final do tricampeonato de 1955. Relembra

que naquele dia o time jogou com a alma, pela necessidade de se homenagear Gilberto

Cardoso – presidente falecido meses antes, acometido por um infarto na final do campeonato

de basquete conquistado pelo Flamengo, com uma cesta nos últimos segundos. Pontua que os

jogadores se desdobraram em campo e que a cidade foi tomada por ampla festa. Jornais da

época registraram que após o jogo, torcedores do Flamengo saíram do Maracanã e foram a pé

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até o cemitério São João Batista, em Botafogo, colocar a faixa de campeão no túmulo Gilberto

Cardoso, comemorando “junto” ao presidente rubro-negro.

A frase de Nelson Rodrigues sentencia a importância de Mário Filho para o Flamengo,

para o futebol, para o esporte e para a vida social do Brasil: “Meu Deus, eu gostaria de dar

uma ideia da extensão, dinamismo e profundidade de sua obra. Mas antes preciso dizer que

Mario Filho era um desses homens fluviais que nascem de raro em raro. Disse fluvial e

explico: imaginem um rio que banhasse e fertilizasse várias gerações”, (RODRIGUES apud

MARON FILHO e FERREIRA, 1987, p. 137).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Toda história é tradução seletiva de aspectos que transitam na dualidade Bem e Mal. A

história oficial é o atestado definitivo, ostensivo, de uma pessoa ou de determinado evento.

Ela fica para sempre. Pela pesquisa, é possível se chegar a outras possibilidades adormecidas.

Novos ângulos de interpretação, nuances escondidas. Por esses outros direcionamentos, pelo

reenquadramento da história, colhe-se resíduos valiosos. Na verdade, por vezes, esses

resíduos tendem a potencializar, ou, em alguns casos, diminuir um dado acontecimento. O

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certo é que as reinterpretações históricas são válidas, importantes e quase sempre não

desmentem em um todo, a história constituída.

A história do Clube de Regatas do Flamengo é marcada por heroísmo, rebeldia,

persistência, superação, irreverência, astúcia e aproximação com as camadas populares. Isto é

fato. O crescimento rápido, de certa forma, maciço e ininterrupto de sua torcida, intriga. Esse

crescimento rompeu fronteiras estaduais e o fez um clube nacional. O colossal

desenvolvimento e o senso de “especialidade” creditado a essa torcida foi o viés escolhido

nesse trabalho. Encontrar razões que levassem a compreensão dessa conquista de ser a maior

torcida do Brasil, e associar essa massificação do torcedor do Flamengo ao olhar, ao crivo, ao

posicionamento da crônica esportiva brasileira, a meta estabelecida. Nos fragmentos das

crônicas expostas nesse trabalho detectam-se traços fortes, largos, de altivez, de corpulência

da massa e desse senso de diferenciação que toma conta do torcedor do Clube de Regatas do

Flamengo.

Com riqueza de detalhes os três cronistas selecionados, José Lins do Rego, Nelson

Rodrigues e Mário Filho, descreveram o Rio de Janeiro do século XX e suas peculiaridades.

Trouxeram a tona fatos que vieram a contribuir no forjar inicial da imagem do clube de

Regatas do Flamengo. Resgataram histórias, com suas sutilezas, que ajudam a entender o

resultado final, o Flamengo sendo clube popular, o de maior torcida do Brasil. Identificaram a

tal da “alegria rubro-negra”, a alegria que não cessa, e a presunção de seu torcedor, para

corroborar a tese de ser o torcedor do Flamengo um fenômeno.

Alguns dirão: existe exagero na descritiva da imagem do clube. Pode ter ocorrido, sim.

Contudo, essa transcrição dos fatos não pode em hipótese alguma ser enxergada como

irrealidade, teoria ficcional, criação infundada. A Crônica se utiliza desse recurso de

potencializar, de exacerbar a escrita, mas não se apresenta nisso o “passar” distante da

verdade. Sua intenção, primeiramente, é a valoração do fato. Nenhuma pessoa em sã

consciência atacaria o talento, o compromisso com a verdade - com o que acreditavam ser a

verdade -, a ilibada postura profissional e o grau de intelectualidade, sem contar a obra sólida

dessas personalidades da Literatura e da crônica esportiva do Brasil.

Infere-se, não ter existido premeditação de conquistar com as crônicas escritas

torcedores para o clube rubro-negro. A alma desses cronistas é que se manifestava livremente,

sem ter nenhum intento de conquista, a não ser a conquista do prazer dos leitores pela leitura

de suas crônicas. O desejo era o de abrir passagem para o sentimento da paixão. Agora, que,

naturalmente, pelo excepcional traço atrativo da escrita, pelas frases e orações comovedoras

que evocavam o Flamengo, pelo enlevo que proporcionavam, pela paixão intensa empregada,

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pelas ações empreendidas de “promoção” do clube, pode ter a crônica deles, realmente,

acertado em cheio o coração daqueles torcedores indecisos, arrastando-os para o Clube de

Regatas do Flamengo. Disso não se pode duvidar.

É de ordem natural que mudanças ocorram e que o mundo nos apresente novas

tecnologias, novas tendências, novas realidades que induzam a um novo olhar, a um novo

modo de vida. O novo sempre vem. Entretanto, o novo não destrói nunca o que ficou como

marca no tempo e sim se alicerça, se alimenta, ganha contornos e é moldado pela

interferência, influência, ou, referência, do que ocorrera e se instituíra em outros tempos.

Saudosismo é bom, sim. Diferente do que muitos pensam. Lembrar, reviver, flertar com o

passado é um exercício que devemos fazer para não esquecer a história que se ergueu no

ontem e que o hoje se encarrega de ratificar. O futuro terá páginas rabiscadas de elementos do

passado. Importante é manter a mente aberta para aceitar o que é de cada tempo e ter a certeza

de que pela fusão do ontem com o hoje serão geradas as tendências do futuro. É assim. Nessa

marcha evolutiva, é preciso se colocar.

O futebol mudou, os costumes mudaram. A crônica esportiva também. Impressiona a

rapidez com que a novidade bate à porta da humanidade. Mídias, tecnologias, invenções,

adaptações impressionantes e frenéticas, atualizações que ocorrem em um piscar de olhos.

Notícias que chegam de todos os cantos com uma velocidade estonteante. A Informação

relevante? A pretensa verdade? Continua a pulsar teimosamente – não cessará nunca - nos

escamoteios de uma imprensa nem sempre tão correta e por vezes perdida, distante do seu

propósito principal de ser aliada, defensora, expoente da verdade e comprometida com o bem

estar social. Este é um processo continuado, por isso, sem fim. E o aprimoramento, uma

necessidade.

O que não muda é o amor desses seres que se debruçam, se atiram, se entregam às

maravilhas do futebol. O garoto, do mais humilde ao cercado de riquezas, continua a sonhar

com o dia em que pisará o gramado de um estádio de futebol, vestido com a camisa do seu

clube de coração e, quem sabe, da seleção brasileira, caracterizando-se como um autêntico

“profissional da bola”. Se não conseguir esse status de profissional, a simples “pelada” em um

campo de grama sintética – sim, é triste pensar que não existem mais campos de terra – já será

um deleite para ele, que já em um instante sequente será o adolescente e, sem perceber, o

adulto que pela vida caminhará. O futebol continuará exercendo seu papel de aglutinador,

capacitador das relações humanas, caminho para o alívio das tensões e lente formatada de

passionalidade que revelará nuances do ser humano e do meio social.

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Torcer será sempre um ato encharcado de paixão. Não mudará. O sentimento a um

clube de futebol, nessa premissa passional permanecerá brotando. Ele não cessa. Seja em

estádios, bares, na rua, no colégio, no trabalho, na praia, em casa, o coração do torcedor

continuará batendo mais forte quando o seu time estiver em ação. Pode ser no bairro chique

de classe alta, naqueles que reúnem a classe média ou nas favelas com seus becos em

profusão, nessas delimitações sociais, o torcedor desfraldará sua camisa e não se privará da

entrega emocional ao seu time. Essa ação do torcer independe de classe social, de cor, raça,

credo, das opções de vida que se faça.

Ainda será possível se deparar com o indivíduo que no domingo, após uma semana de

trabalho intenso, acorda cedo, toma café, come o pãozinho com margarina, “fila” o jornal -

mais especificamente, o espaço destinado ao futebol – e sintoniza a estação de rádio que sobre

esportes fala. Que vai pra rua sentir o clima das discussões sobre futebol. Que não se esquiva

de bater bola com o(s) filho(s) e que com todo esforço proporciona à família o almoço

especial de domingo – especial por ter no lugar do ovo frito, um frango, ou uma carne de 2ª

qualidade; um refrigerante no lugar de um copo d’água. Esse sujeito que no adentrar da tarde,

sai em disparada com o coração agitado, batendo a mil por baixo da camisa do clube. E de

mãos dadas com o(s) filho(s) – pelo dinheiro escasso, às vezes faz rodízio, pois, não dá pra

levar todos e, vez ou outra, mais ainda se aperta, para levar a esposa - caminha até o ponto de

ônibus ou à estação ferroviária. Tudo na maior dificuldade.

E Para onde esse sujeito segue? Para um estádio de futebol. Vai acompanhar o seu

time, ser o 12º jogador, torcer, apoiar, berrar, xingar, cantar, sorrir e chorar. Receber o que

nenhum dinheiro consegue comprar, a emoção do futebol. Passará a tarde inteira sem comer.

Comer pra quê, se a satisfação da alma parece fazer esquecer uma pretensa fome? Ali, no

templo, o estádio de futebol, ele se alimenta da transfusão de energia, se realiza. Absorve

lições estabelecidas pela partida que o ajudarão de alguma forma ao longo da semana.

No estádio, ele será tocado por uma série de sensações que o fará se sentir completo.

Céu e inferno oscilarão naquela atmosfera. Se for contemplado pela pujança de um gol do seu

time, embevecido na comemoração, algo sublime, que em nenhum outro lugar poderá

ocorrer, o tocará. Será abraçado sem pudores por um desconhecido, um estranho, que pode ser

diferente dele em tudo, mas que, estará intimamente ligado a ele na fascinante e tocante arte

de torcer pelo time que os une.

Se este torcedor então pertencer ao clube mais popular, o de maior torcida do país e

um ícone do futebol mundial como é o caso do Flamengo, aí então será a glória! O torcedor

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do Flamengo é surpreendente. Que torcedor seria tão tripudiado pelos adversários e

encontraria sentido em se divertir com isso? Que torcedor ridicularizado com adjetivos

pejorativos, seria capaz de enxergar nisso um positivo significado? Urubu, favelado,

analfabeto, vagabundo, marrento, assim os rubro-negros são rotulados pelos adversários.

Contudo, sempre põem um olhar irreverente sobre essas designações.

Que torcedor teria criatividade tão acentuada para criar modismos e mesmo, ou

melhor, principalmente, nos momentos difíceis, acharia motivos para se colocar por cima,

destacando suas qualidades e promovendo ações de caráter marqueteiro? Que torcedor é

capaz de encher estádios – ou parte representativa deles - de Norte a Sul, de Leste a Oeste, de

Nordeste a Noroeste, de Sudeste a Sudoeste desse extensivo país? De ter aptidão em fazer

festa carregando a “bandeira” do desbunde e que impressiona por saber tão bem “brincar”

com seus problemas?

A torcida do Flamengo é patrimônio de uma cidade. Por que não de um país? É

patrimônio do futebol. É fenômeno. Estudar esse fenômeno – dentro de outro, no caso, o

futebol – é salutar. Desamarrado dos laços e dos nós clubísticos que prendem e por vezes

cegam, analisar o torcedor do Clube de Regatas do Flamengo é exercício relevante e

pertinente no tocante ao quesito, “estudo de massas”. Seria maravilhoso estudar as

particularidades do torcedor de qualquer outro time. De todos, se extraem histórias relevantes.

Mas no tracejado do perfil do torcedor do Flamengo reside pluralidade cintilante,

disforme, e por isso única, que demarca com traços fortes a influência exercida por uma

cidade decantada no mundo todo, outrora capital do Brasil, fonte de modismos, tendências, o

coração do país, sobre o torcedor desse clube. E vice-versa. Sobre esta torcida não pairam

dúvidas de que daqui a 500 anos ela continuará em crescente estágio a enfeitiçar multidões e a

servir para a crônica esportiva como alavanca de soberbas histórias propiciadoras de

audiência e de grandes vendagens.

Contextualizando o trabalho na produção de três mestres da crônica esportiva

brasileira do século XX, o torcedor desse clube nascido no final do século XIX como um

grupo de remo, foi retratado e as razões que definiram a sua personalidade analisada. Pelo

histórico de vida e, principalmente, da obra, Nelson Rodrigues, Mário Filho e José Lins do

Rego, têm autoridade para se apropriarem do assunto.

Tendo eles adentrado na esfera do futebol, sabendo-se o que o futebol representa no

país, a sua influência sobre a vida do torcedor, pelo esmerado ofício da escrita, magistral,

comum aos três, ratificaram o dimensionamento dado à peculiaridade ímpar do torcedor do

Flamengo e o retrataram em escala pomposa. Por intermédio de suas crônicas resgataram,

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esclareceram, explicitaram sutilezas, que deram coerência a compreensão da grandiosidade da

torcida do Flamengo. Assim sendo, a escolha do tema, em escala de relação com a crônica

esportiva, ganha justificada concretude.

A crônica esportiva, o jornalismo esportivo, certamente, devem muito ao talento

desmedido dessa tríade de admiráveis comunicadores. O Flamengo do mesmo modo deve

reverenciar esses profissionais. Pelo traço de cada um dos cronistas, o clube da Gávea viu o

seu nome se fazer mais fulgurante e se espalhar entre todas as classes sociais. A escrita

apaixonante sobre o Flamengo tocou profundamente o coração do torcedor.

Movidos pelo apego imaterial, de se proverem pela emoção, pelo sentimento

penetrante e pela necessidade salvadora e vital da escrita, souberam falar sem pieguice sobre o

torcedor. Vasculhando cada pequeno detalhe dos fatos e se apropriando de uma rica estilística

embelezadora capaz de espremer até do mais sofrido e horrendo momento de dor do torcedor,

sublimidade, tiraram do limbo fragmentos especialíssimos, revigorantes, que atuam na

manutenção do amor do torcedor ao Clube de Regatas do Flamengo.

A mídia impressa foi o veículo pelo qual levaram ao leitor, ainda mais ao leitor rubro-

negro, em espetaculares crônicas, assertivas sobre a representatividade do clube na esfera

esportiva e social. Pelos jornais Crítica, O Globo; Jornal dos Sports; Última Hora, Correio da

Manhã, A Manha. Através da saudosa revista Manchete Esportiva. Pelos livros, em menor

escala produtiva sobre o assunto, o torcedor do Flamengo foi descrito com palavras revestidas

de poesia. Inesquecível foi esse tempo em que essa produção se alinhavou. E feliz é o país que

preserva a memória e obra de seus artistas. O Brasil...???

Se hoje existem bons cronistas esportivos? Sim, sem dúvida. O diferencial é que os

cronistas de hoje – com algumas raras exceções - não são da rua. Não batem pé pelas praças,

botequins e nem sequer vão a uma arquibancada sentir a atmosfera desses lugares. Vivem

trancafiados em salas de redação ou em seus escritórios, longes, da grande massa, os

torcedores.

Conseguir captar sentimentos, encontrar angulações de abordagens que sejam capazes

de surpreender, deve ser a meta. Não desprezar o intricado comportamento do homem, da

figura humana, na sua qualidade de “estar” jogador e de ser torcedor - porque essa posição é

para a vida inteira - é outro ponto que precisa ser trabalhado para uma aproximação entre as

gerações.

Que nomes como Renato Maurício Prado, Juca Kfouri, Tostão, Fernando Calazans,

Mauro Beting, Ruy Carlos Ostermann, João Máximo, Teixeira Heizer, entre outros, consigam,

através do ponto central de seus talentos, certamente, produzir qualitativamente a partir da

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assimilação de inspirações e da conexão com a obra, com os anseios e o pensamento, de

Nelson Rodrigues, Mário Filho e José Lins do Rego. Deixando-se levar por essa influência,

acréscimos, farão aos seus textos, despertando no leitor o interesse ávido e excelso pela

crônica esportiva.

Aos cronistas vindouros, que se abasteçam desse manancial – que seja ele preservado -

jorrando o que há de mais visceral, comovedor e inteligente sobre a ligação natural da figura

humana com o esporte e, mais especificamente, com o futebol e que saibam reverberar pela

escrita e pela oralidade, a beleza, o estado vivaz e perene da produção destes mestres.

Os resultados colhidos pela metodologia da hermenêutica e seu aspecto caracterizado

pela desconstrução e posterior construção com novas vigas ou com, pelo menos, vigas

restauradas, apontam para a realidade da paixão, do amor e do consumo de emoções que

revestem o futebol. Conclui-se que o Clube de Regatas do Flamengo e seu torcedor, pautado

com regularidade na crônica esportiva, desde a primeira metade do século XX, é assunto que

“rende”, é pródigo e tema cingido de atração.

O estudo sistemático da cultura popular, de massas, do universo do futebol, da paixão,

do amor do torcedor por seu clube não pode ser desprezado. A partir da década de 1990,

surgiram núcleos, cátedras, grupos de estudiosos com currículos invejáveis, que começaram a

estender horizontes e produzir teses, dissertações, trabalhos acadêmicos, escrever livros, nos

quais, o espetáculo do futebol e a complexidade do campo de jogo e da arquibancada foram

analisados, esmiuçados e os resultados, reveladores, colocados ao alcance do conhecimento

de todos.

Continuar estimulando pesquisas desse tipo, sem sombra de dúvidas, irá contribuir

para que se venha a entender melhor essa faceta do ser humano de se agarrar as paixões com

ímpeto incontrolável. Entender o futebol, o papel social do clube e de sua torcida, o abordar

do tema pela imprensa, é tarefa relevante. Que pela leitura do que se produz sobre o tema

futebol, seja retratando time A, B ou C, o respeito pelas diferenças venha a se instaurar e se

consiga aceitar os créditos que precisam também ser direcionados ao outro. Que seja possível

enxergar no outro, a sua importância.

A exaltação a um clube ganha mais consistência quando se reconhece que outros

clubes detêm bonitas histórias e que pelas disputas equilibradas, pelo sucesso, pela vitória

obtida diante de um adversário forte se adquire mais representatividade, contribuindo isso

para o espetáculo cada vez mais esclarecedor da formatação psicossocial do ser humano,

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desfraldado nos estádios de futebol pelos amantes do futebol. Ao se ter esse entendimento,

naturalmente, produções nessa área serão mais frequentes.

Que este trabalho consiga tirar as pessoas da condição de antipatia, de enxergarem o

futebol como simplesmente um esporte comum, reles, onde vinte e dois jogadores se

digladiam dentro de quatro linhas. Que demova o falho entendimento de que o amor de um

torcedor por seu clube é algo repreensível e contraindicado. O futebol é, senão o maior, um

dos maiores pretextos para o deleite da alma. Que se tenha esse diagnóstico. O futebol, o ato

de torcer, é terreno fértil. Que é o foco sobre o tema seja adequado para se ter a observação

mais clara.

Na leitura dessas linhas, que os mais distantes do futebol sintam-se tocados e abram o

seu campo de visão e de entendimento, reconhecendo o papel social do esporte. Já para os que

são amantes do futebol - em especial aos que ao Flamengo se atiram em paixões sutis ou

vorazes - que continuem a vasculhar a história a fim de colher informação relevante e que não

se esquivem de desenvolver relatos escritos, registros de suas impressões, contemplando os

traços heroicos de um clube solidificado por sua torcida que nasceu para ir sempre adiante.

Uma vez Flamengo, sempre Flamengo!

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ANEXOS

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ANEXO A - Primeiro uniforme do ainda Grupo de Regatas do Flamengo. Fonte: Lance Activo 2.0!

ANEXO B - Nas regatas, o início de uma história gloriosaFonte: Sport Ilustrado/Memória Biblioteca Nacional

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ANEXO C - Ata de Fundação do Grupo de Regatas do Flamengo. Fonte: blogdoalexteixeira.blogspot.com.br

ANEXO D - Domingos Marques, o primeiro presidente. Fonte: Livro, “Flamengo, uma emoção inesquecível”, de Joaquim Vaz de Carvalho, 1995. Foto cedida pela família.

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ANEXO E - Casarão onde o Grupo de Regatas do Flamengo foi fundado. Praia do Flamengo, 22. Fonte: Fonte: Flamengonet.blogspot.com.br

ANEXO F - Remadores do Flamengo, tudo pelo clube. Fonte: Livro “O Vermelho e o Negro, pequena grande história do Flamengo”. Ruy Castro, 2012.

ANEXO G – A primeira sede social e garagem do Remo, na praia do Flamengo, 22. Já depois da reforma realizada na década de 1920. Fonte: Flamengo.com.br

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ANEXO I - Estádio da Rua Paissandu. Local onde o Flamengo mandou seus jogos de 1915 a 1932. Fonte: esportes.opovo.com.br

ANEXO J - Estádio da Gávea. Inaugurado em 1938Fonte: Sport Ilustrado/ Memória Biblioteca Nacional

ANEXO H - Campo da Praça do Russel, aberto ao público, onde o Flamengo treinou no início do futebol no clube. Fonte: rioquepassou.com.br

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ANEXO M - Alberto Borgerth. O articulador do surgimento do Futebol no Flamengo. Fonte: Flamengo.com.br

ANEXO N – 1ª camisa, “Papagaio Vintém”. Fonte: Livro “A Nação”, de Marcel Pereira, 2010

ANEXO L - Favela da Praia do Pinto, à direita. À esquerda, estádio da Gávea. Fonte: favelatemmemoria.com.br/Arquivo Nacional/Jornal Correio da Manhã.

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ANEXO O - O 2º uniforme, “Cobra Coral”, 1914. Fonte: anacaorubronegra.blogspot.com

ANEXO P - Já com a camisa tradicional, listas vermelhas e pretas na horizontal. Fonte: Flahistorias.blogspot.com.br

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ANEXO Q - José Lins do Rego. O cronista-torcedor em ação no Maracanã. Fonte: capa do livro “O ABC de José Lins do Rego”, de Bernardo Borges Buarque, 2012.

ANEXO S - Divulgação do filme: O Engenho de Zé Lins. Vladimir Carvalho, Urca Filmes, 2007.

ANEXO R – Zé Lins com o Flamengo em todos os momentosFonte: O Globo, “Segundo Caderno. Rio de Janeiro, 17 de abril de 2001, p. 1. Acervo do autor.

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ANEXO T - Nelson Rodrigues no seu ofício sagrado. Fonte: Livro, “Fla Flu e as multidões despertaram”, de Oscar Maron Filho e Renato Ferreira, 1987.

ANEXO U - Nelson e os filhos no Maracanã. Fonte: Arquivo de família cedido ao site do Fluminense/ Fluminense.com.br

ANEXO V - Nelson e Mário Filho, talentosos irmãos. Fonte: Globoesporte.com

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ANEXO X - Jornalista Mário Filho. O Criador de Multidões. Fonte: Livro “Fla Flu e as multidões despertaram” de Oscar Maron Filho e Renato Ferreira, 1987.

ANEXO Z - Mário Filho e José Lins do Rego. Ligados ao Flamengo. Fonte: Livro “Com Brasileiro não há quem possa”, de Fátima Martin Rodrigues, 2004.

ANEXO AA - O Criador de Multidões, Mário Filho. Fonte: Globoesporte.com

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Anexo ad

ANEXO AB - Jayme de Carvalho, criador da 1ª torcida organizada do Brasil, a Charanga do Flamengo. Fonte: Livro, “O Álbum de Jayme de Carvalho”. Cláudio Cruz, 2010.

ANEXO AC - O time do Flamengo excursionando vitoriosamente pela Europa em 1951. Fonte: Flamengo.com.br

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ANEXO AD - Flamengo exaltado nos veículos de comunicaçãoFonte: Diário Carioca 1928/Memória Biblioteca Nacional

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ANEXO AE - Jornal Crítica de Mário Rodrigues. No jornal

do pai, Nelson e Mário, nessa época, ainda não haviam mergulhado de

cabeça no futebol.

Fonte: Crítica 1929/Memória Biblioteca Nacional

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ANEXO AF – A crônica esportiva muda a partir de Mário Filho. “Páginas com vida”, marca empreendida por Mário Filho no Caderno de esportes de O Globo. Fonte: Livro “Mil e uma noites de Futebol”, de Marcelino Rodrigues, 2006.

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ANEXO AG: Crônica “O Criador de Multidões”. Fonte: Livro “Fla-Flu... e as multidões despertaram! MARON FILHO, Oscar; FERREIRA, Renato. (Org.). 1987.

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ANEXO AH – Flamengo, sempre presente nas crônicas de Nelson.Fonte: Última Hora/Memória Biblioteca Nacional

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ANEXO AI - Nelson Rodrigues e a representação pungente do que vem a ser o torcedor do FlamengoFonte: Última Hora/Memória Biblioteca Nacional

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ANEXO AJ – Mão primorosa, apurada, de Mário Filho.Fonte: Globo Sportivo 1949/Memória Biblioteca Nacional

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Anexo AL: Livro “Poesia e Vida” de José Lins do Rego (1945)

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ANEXO AM – Aniversário de 47 anos do Clube de Regatas do Flamengo.

Fonte: Globo Sportivo, 1942/Memória Biblioteca Nacional.

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ANEXO AN – A partir deste pedido de um conselheiro, o presidente Márcio Braga decide que a Camisa 12 passa a ser exclusiva do Torcedor do Flamengo. Fonte: globoesporte.com

ANEXO AO - Decreto: Torcida do Flamengo: Patrimônio Cultural. Fonte: globoesporte.com

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ANEXO AP - Pesquisa Lance-Ibope/2010.Fonte: Lancenet.com

ANEXO AQ - Pesquisa Datafolha, 2010Fonte: canelada.com.br

ANEXO AR - Pesquisa Ibope, 2010.Fonte: saojosedoscampos.com.br

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ANEXO AS -

Pesquisa coloca Flamengo como maior torcida do mundo; Corinthians é a quarta Por ESPN.com.br VIPCOMM

Torcida do Flamengo é a maior do mundo, aponta estudo

A maior torcida do Brasil agora ganhou o status de também maior torcida do mundo. Pelo menos é o que aponta um levantamento feito pela agência argentina de marketing Gerardo Molina/Euromericas divulgado nesta segunda-feira no jornal “Cronista”. Segundo a pesquisa, o clube carioca tem 39,1 milhões de torcedores, superando Chivas e América, ambos do México, que têm 33,8 mi e 29,4 mi, respectivamente. Outro time brasileiro que aparece entre os cinco primeiros colocados em termos de torcida foi o Corinthians, que figura na quarta colocação do ranking, com 28 milhões. Dos clubes europeus, o primeiro a aparecer na lista é a atual campeã italiana, Juventus, com 26,3 milhões de torcedores, ocupando o quinto lugar. O estudo foi divulgado nesta segunda e reuniu diversas pesquisas realizadas nos principais países do mundo, como Brasil, Argentina, México, Espanha, Alemanha, Itália, Inglaterra, Portugal, França, Holanda e Japão. De acordo com a agência Gerardo Molina/Euromericas, consultorias da própria empresa viajaram a todos esses lugares para fazer o levantamento, o que diminui a margem de erro do ranking. O levantamento ainda aponta o Boca Juniors como o time de maior torcida da Argentina, com 46,8% dos torcedores do país, enquanto no Brasil, quem lidera essa estatística é o Flamengo, que conta com 25% do apoio entre todos os brasileiros.

Veja quais são os cinco times com maior torcida no mundo, de acordo com a agência Gerardo Molina/Euromericas:

1° Flamengo (Brasil) - 39,1 milhões 2° Chivas (México) - 33,8 milhões 3° América (México) - 29,4 milhões 4° Corinthians (Brasil) - 28 milhões 5° Juventus (Itália) - 26,3 milhões

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ANEXO AU - Torcida do Flamengo. Fonte: dnarubronegro.com.br

ANEXO AT - Nelson Rodrigues, ao lado de Zico, vestindo o “Manto Rubro Negro”. Fonte: Ziconarede.com.br

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O Flamengo possui dois hinos.

O oficial, também chamado de "marchinha", foi criado

em 1920 com letra e música de Paulo Magalhães, que

atuou como goleiro da equipe em quatro partidas entre

1918 e 1919, gravado em 1932 pelo cantor Castro

Barbosa e registrado em 1937 no Instituto Nacional de

Música.

Este hino foi cantado pela

primeira vez em 15 de

novembro de 1920, vigésimo

quinto aniversário do clube, no estádio da Rua Paysandu,

no jogo C.R.Flamengo 1x1 Palmeiras (RJ).

O HINO OFICIAL - FLAMENGO TUA GLÓRIA É LUTAR !!!

Autor: Paulo Magalhães

Flamengo, Flamengo,Tua gloria é lutar,Flamengo, Flamengo,Campeão de terra e Mar (bis)Saudemos todos,Com muito ardor,o pavilhão do nosso amor,Preto e encarnado,Idolatrado,Dois mil campeões,Do vencedor.Flamengo, Flamengo,Tua gloria é lutar,Flamengo, Flamengo,Campeão de terra e Mar,Que tão lindo é,Flamengo, Flamengo,Tua gloria é lutar,Flamengo, Flamengo,Campeão de terra e Mar.

Lutemos sempre com valor infindoArdentemente com denodo e féQue o futuro ainda seráMais lindo,Que o teu presenteQue tão lindo é,Flamengo, Flamengo,Tua gloria é lutar,Flamengo, Flamengo,Campeão de terra e Mar.

ANEXO AV - Escudo do Remo. Fonte: Flaestatística.com.br

ANEXO AX - Esse escudo simboliza todos os outros esportes do clube. Fonte: Flaestatística.com.

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O segundo hino, considerado o popular, com letra e música de Lamartine de

Azeredo Babo, compositor, cantor, revistógrafo, humorista e produtor. Nasceu no dia

10/1/1904, Rio de Janeiro, RJ e morreu na mesma cidade no dia 16/6/1963, vítima

de enfarte.

Em 1942, houve a criação do programa "Trem da Alegria", que se tornaria um dos

programas mais famosos do Brasil, tendo sido apresentado em diversas emissoras

de rádio. Foi neste programa que surgiu o desafio para Lamartine compor um hino

para cada um dos grandes clubes do Rio (América - seu time de coração, Flamengo,

Vasco Fluminense e Botafogo). Ao final, ele consegue compor  os hinos de todos os

grandes clubes do Rio, porém o do Flamengo foi aquele que conquistou indiscutível

gosto popular. O programa contava com a participação do "Trio de Osso", integrado

por Héber de Bôscoli, Iara Sales e Lamartine, e seguiu no ar até 1956, ano de

falecimento de Héber de Bôscoli.

O hino do clube foi gravado pela primeira vez por Gilberto Alves em 1945. Sem

dúvida é o mais conhecido e o que canta as glórias do clube, cujo refrão é "Uma vez

Flamengo, sempre Flamengo".

O HINO POPULAR - "UMA VEZ FLAMENGO, SEMPRE FLAMENGO !!!

Autor: Lamartine Babo

Uma Vez FlamengoSempre FlamengoFlamengo sempre eu hei de serÉ o meu maior prazer, vê-lo brilharSeja na terra, seja no marVencer, vencer, vencerUma vez Flamengo,Flamengo até morrerNa regata ele me mata,me maltrata,me arrebata de emoção no coraçãoConsagrado no gramadoSempre amadoMais cotado nos Fla-FlusÉ o ai JesusEu teria um desgosto profundoSe faltasseO Flamengo no mundoEle vibra, ele é fibra, muita libra,já pesouFlamengo até morrer, eu sou.

Consagrado no gramadoSempre amadoMais cotado nos Fla-FlusÉ o ai JesusEu teria um desgosto profundoSe faltasseO Flamengo no mundoEle vibra, ele é fibra, muita libra,já pesouFlamengo até morrer, eu sou

ANEXO AZ – Os 2 hinos do FlamengoFonte: Flamengo.com.br/ flanoticiascrf.blogspot.com