MONOGRAFIA - Direito Civil - Erro Médico. Responsabilidade Civil Médica em Cirurgia Plástica - Fr

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Erro médico. Responsabilidade civil médica em cirurgia plástica Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta advogado em Belém (PA) INTRÓITO. Nas últimas décadas, a sociedade brasileira passou por uma espécie de revolução em seus costumes. Com o processo de urbanização e industrialização das grandes cidades, novos empregos surgiram, exigindo profissionais cada vez mais habilitados. A expectativa de vida da população também aumentou, o que se deve, entre outras razões, aos avanços da Ciência Médica. O fenômeno da globalização fez com que os meios de comunicação evoluíssem de tal modo que hoje se pode ter conhecimento imediato de fatos ocorridos em qualquer lugar do mundo. Dentro desse contexto, surgiu um apelo ao belo como nunca antes visto. As empresas passaram a exigir de seus funcionários, além de excelente qualificação profissional, ótima apresentação; a moda invadiu os lares através da televisão, a qual leva atualmente famílias inteiras a consumirem inúmeras horas de seus dias assistindo programas nos quais se destacam tão-somente pessoas que se enquadram em determinados padrões estéticos. Assim, a boa aparência física passou a ser requisito imprescindível tanto para uma boa colocação profissional, quanto para uma melhor aceitação social. Destarte, o culto ao corpo e a luta pela beleza se transformou numa obsessão, fazendo surgir uma nova e promissora especialidade médica: a cirurgia plástica. Em entrevista à Revista Veja, o então Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Munir Curi, informou que no ano de 1995, cerca de 100.000 cirurgias plásticas foram feitas no país, o que havia representado um incremento de 100% em relação a média de dez anos atrás. Ressaltou, outrossim, que o preço das intervenções cirúrgicas estéticas diminuiu de forma considerável, fazendo com que as mesmas deixassem de ser

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Erro médico.Responsabilidade civil médica em cirurgia plástica

Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixetaadvogado em Belém (PA)

INTRÓITO.

Nas últimas décadas, a sociedade brasileira passou por uma espécie de revolução em seus costumes. Com o processo de urbanização e industrialização das grandes cidades, novos empregos surgiram, exigindo profissionais cada vez mais habilitados. A expectativa de vida da população também aumentou, o que se deve, entre outras razões, aos avanços da Ciência Médica. O fenômeno da globalização fez com que os meios de comunicação evoluíssem de tal modo que hoje se pode ter conhecimento imediato de fatos ocorridos em qualquer lugar do mundo.

Dentro desse contexto, surgiu um apelo ao belo como nunca antes visto. As empresas passaram a exigir de seus funcionários, além de excelente qualificação profissional, ótima apresentação; a moda invadiu os lares através da televisão, a qual leva atualmente famílias inteiras a consumirem inúmeras horas de seus dias assistindo programas nos quais se destacam tão-somente pessoas que se enquadram em determinados padrões estéticos. Assim, a boa aparência física passou a ser requisito imprescindível tanto para uma boa colocação profissional, quanto para uma melhor aceitação social.

Destarte, o culto ao corpo e a luta pela beleza se transformou numa obsessão, fazendo surgir uma nova e promissora especialidade médica: a cirurgia plástica. Em entrevista à Revista Veja, o então Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Munir Curi, informou que no ano de 1995, cerca de 100.000 cirurgias plásticas foram feitas no país, o que havia representado um incremento de 100% em relação a média de dez anos atrás. Ressaltou, outrossim, que o preço das intervenções cirúrgicas estéticas diminuiu de forma considerável, fazendo com que as mesmas deixassem de ser consideradas "artigos de luxo", tornando-se acessível não só às classes posicionadas no ápice da pirâmide social.

Sob tal influxo, o número de clínicas estéticas aumentou, elevando igualmente, o número de pacientes que, insatisfeitos com os resultados obtidos com a intervenção cirúrgica a que foram submetidos, buscam alguma maneira de reparar a frustração da expectativa gerada.

Questiona-se, então, acerca da responsabilidade médica no tocante à cirurgia plástica, em face do crescente número de ações judiciais nas quais se busca a reparação por danos sofridos em decorrências de tais cirurgias.

Dessa forma, justifica-se a opção pela feitura da presente monografia, dada a atualidade de seu objeto, bem como a relevância social, técnica e operacional que envolve o tema da juridicialidade do erro médico analisado sobre o prisma específico da responsabilidade civil médica em cirurgia plástica e decorrente indenização.

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Para a elaboração deste trabalho, foi utilizada a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial.

O método, por sua vez, foi o indutivo.

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CAPÍTULO I.

1 – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.

1.1 – Interdisciplinariedade entre Medicina e Direito.

A medicina, hoje, é considerada um fato social, pois social e público é o interesse da coletividade pela saúde – direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10/12/1948, e que integra as Cartas Políticas das Nações Civilizadas.

É evidente a estreita relação existente entre as duas Ciências aparentemente estanques: a Medicina e o Direito. E isso que num primeiro momento causa surpresa tanto aos operadores do Direito quanto à classe médica em geral, não tem a rigor, razão se ser.

O Direito regula condutas já previstas em normas jurídicas. A Medicina contém um conhecimento acumulado, cujo, desdobramento traduz-se em "condutas ou procedimentos a serem observados pela classe médica", trazendo, assim, um agir concreto do médico no tratamento de seu paciente objetivando a obtenção da cura.

Nesse contexto, está a despontar naturalmente um entrelaçamento da norma técnica (ou de procedimento terapêutico) com a norma jurídica, pois o médico não é um Deus, ele pode e deve ser julgado por suas ações no exercício profissional. E, é justamente aí que entra o Direito, fixando os parâmetros concernentes às conseqüências jurídicas das condutas do profissional da Medicina, tanto nas searas da responsabilidade civil e penal, quanto no campo ético-profissional, diante dos Conselhos Regionais e Federais de Medicina.

Ex positis, a Ciência médica sente, cada vez mais, a necessidade de ser regulamentada por normas jurídicas.

1.2 –Direito Médico: nova opção profissional.

Dessa inter-relação entre Direito e Medicina, surge, no cenário jurídico, um novo ramo de especialização – o Direito Médico. Trata-se não só de uma tendência, mas de uma necessidade.

Direito Médico este que tem, como centro de interesse e estudo, o conjunto de normas que estabelecem e regulamentam as práticas vinculadas à saúde, abrangendo o exercício da Medicina e de todas as ciências periféricas e complementares a ela, v.g.: a Fisioterapia, a Fonoaudióloga e a Enfermagem.

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Destarte, a responsabilidade civil por erro médico; o sigilo profissional e o prontuário do paciente; os atos privativos praticados pelo profissional da Medicina; a nova Lei do Sangue (Lei nº 10.205/2001); e os limites éticos da intervenção sobre o ser humano são os temas que estruturam, em nível teórico, esse novo ramo do Direito.

Dessa forma, percebe-se que a inter-relação entre Direito e Medicina justifica a autonomia do Direito Médico, o qual nasce da zona de contato e mútuo interesse entre os profissionais dessas áreas.

Ademais, vale ressaltar que a normatização do conceito de "ato médico" consistiu num passo fundamental na jornada rumo à disciplina legal desse novo ramo da Ciência Jurídica.

Atentando para com a necessidade de se instituir normas relativas à definição e alcance do ato médico, o Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução nº 1.627/2001, veio a delimitar em todo território nacional o significado de "ato médico", ou melhor, o significado de "ato profissional do médico", nos termos da nomenclatura e terminologia rigorosamente científica contida na Resolução.

Assim, reza o artigo 1º da Resolução nº 1.627/2001 do Conselho Federal de Medicina, in verbis:

"Artigo 1º - Definir o ato profissional de médico como todo procedimento técnico-profissional praticado por médico legalmente habilitado e dirigido para:

I-a promoção da saúde e prevenção da ocorrência de enfermidades ou profilaxia (prevenção primária);

II-a prevenção da evolução das enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos (prevenção secundária);

III-a prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos (prevenção terciária)".

Logo, o mesmo ato profissional médico pode ensejar três ordens de apuração da responsabilidade médica: a) na ordem ético-disciplinar- por meio de um procedimento administrativo junto ao CRM; b) na ordem penal - através de um processo criminal; c) na ordem civil - por intermédio de um processo civil (ação de indenização por danos morais e/ou patrimoniais).

Por fim, impõe-se considerar que, nos termos da lei civil, a responsabilidade civil independe da criminal para sua caracterização (art. 1.525 do CC e art.935 do NCC).

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CAPÍTULO II.

2 - RESPONSABILIDADE CIVIL.

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2.1-Conceito.

O vocábulo "responsabilidade" é oriundo do verbo latino respondere, designando o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo. Portanto, esse verbete contém a raiz latina spondeo, fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos verbais. Verdadeiramente, a stipulatio requeria o pronunciamento das palavras dare mihi spondes? Spondeo, para estabelecer uma obrigação a quem assim respondia.

Em face das grandes dificuldades que a doutrina, tanto pátria quanto estrangeira, tem enfrentado para conceituar responsabilidade civil, não chegam os autores a um consenso no que concerne à sua definição.

Alguns doutrinadores incidem no defeito condenado pela lógica, de conceituar usando o mesmo termo a ser definido - responsável seria aquele que responde; e responsabilidade seria a obrigação do responsável, ou melhor, o resultado da ação pela qual a pessoa age ante esse dever - no que são criticados com razão. Outros estabelecem na conceituação de responsabilidade a alusão a uma das causas do dever de reparação, atribuindo-a ao fato culposo do agente; e há, também, os que preferem nem definir.

Destarte, tendo em vista a "importância da responsabilidade no direito moderno" salientada por Washington de Barros Monteiro, faz-se imperioso trazer à lume os diversos conceitos que alguns de nossos mais ínclitos doutrinadores formularam a respeito da responsabilidade civil.

José Cretella Júnior concebe a responsabilidade civil como a "(...) situação especial de toda pessoa física ou jurídica, que infringe norma ou preceito de direito objetivo e que, em decorrência da infração, que gerou danos, fica sujeita a determinada sanção".

Serpa Lopes, por sua vez, obtempera que " (...) a responsabilidade é a obrigação de reparar um dano, seja por decorrer de uma culpa ou de outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva".

Já Maria Helena Diniz assevera que:

" (...) poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). Definição esta que guarda, em sua estrutura, a idéia de culpa quando se cogita da existência de ilícito e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa".

Silvio Rodrigues, ainda sobre a matéria, assim se manifesta:

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" A responsabilidade civil vem definida por Savatier como a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam.

Realmente o problema em foco é o de se saber se o prejuízo experimentado pela vítima deve ou não ser reparado por quem o causou. Se a resposta for afirmativa, cumpre indagar em que condições e de que maneira será tal prejuízo reparado. Esse é o campo que a teoria da responsabilidade civil procura cobrir".

Alfim, preleciona o mestre Caio Mário da Silva Pereira:

"A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que se subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.

Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil"

Dessa forma, depreende-se de tais conceitos que a conseqüência precípua da execução de um ato ilícito se constitui na obrigação de reparar o dano imposto à vítima, de forma a restabelecer a situação anteriormente existente ou, sendo isso impossível, compensando-a pelo infortúnio em decorrência do fato, donde se conclui que a responsabilidade civil é, pois, parte integrante do Direito das Obrigações.

2.2-Pressupostos.

Para que surja a obrigação de indenizar, faz-se necessária a existência de determinados fatores, denominados pressupostos ou elementos da responsabilidade civil.

Todavia, bastante difícil é a caracterização de tais pressupostos necessários à configuração da responsabilidade civil, pois deveras díspares são as conclusões dos juristas a respeito desse tema.

Ante a grande imprecisão doutrinária, termino por optar pela classificação de Silvio Rodrigues, a qual me parece abordar o assunto de forma mais ampla e com uma visão holística do direito, considerando todos os aspectos da questão.

Destarte, são pressupostos da responsabilidade civil: a) ação ou omissão do agente; b) culpa do agente; c) dano experimentado pela vítima; d) nexo causal.

Sendo assim, discorrer-se-á acerca de cada um desses pressupostos, visando melhor elucidar a matéria.

A) Ação ou omissão do agente.

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Ação é o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou licíto, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.

Nota-se, na prática, que a responsabilidade individual por omissão é mais freqüente na seara contratual.

Sobre a ação e a omissão, oportuno é o escólio de Silvio Rodrigues: "A indenização pode derivar de uma ação ou omissão individual do agente, sempre que, agindo ou se omitindo, infringe, um dever contratual, legal ou social."

Desse modo, a ação ou a omissão do agente, para constituir ato ilícito e gerar direito à indenização, envolve a infração de um dever legal, contratual ou social (a infração à dever social constitui nos atos praticados com abuso de direito, ou seja, a atitude do agente não contraria a letra da lei, mas sim o seu espírito).

Contudo, não se pode olvidar que a obrigação de indenizar dano causado a outrem pode advir de determinação legal, sem que a pessoa obrigada a repará-lo tenha cometido qualquer ato ilícito. É o que ocorre quando o dever de reparar se desloca para aquele que procede conforme a lei, hipótese em que se desvincula o ressarcimento do dano da idéia de culpa, transferindo a responsabilidade nela fundada para o risco.

Destarte, a responsabilidade resultante de ato ilícito se baseia na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa se funda no risco.

B) Culpa do agente.

No nosso ordenamento jurídico vigora a regra geral da culpa como fundamento da responsabilidade civil, apesar de existirem alguns casos de responsabilidade sem culpa.

Destarte, de modo geral, o dever ressarcitório pela prática de atos ilícitos resulta da culpa, ou seja, da reprovabilidade ou censurabilidade da conduta do agente. E, o comportamento do agente será reprovado ou censurado quando, ante circunstâncias concretas do caso, se entenda que ele poderia ou deveria ter agido de forma diferente. Portanto, o ato ilícito qualifica-se pela culpa. Logo, não havendo culpa, não haverá qualquer responsabilidade, exceto disposição legal expressa, caso em que se terá responsabilidade objetiva, a qual será tratada pormenorizadamente no subitem 1.3.3 deste trabalho.

O art. 159 do CC (art. 186 do NCC) estabelece o ato ilícito como fonte da obrigação de indenizar os danos causados à vítima. Como se vê, é de ordem pública o princípio que obriga o auto2 do ato ilícito a se responsabilizar pelo prejuízo que causou, indenizando-o.

Ato ilícito é o praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica, destinada a proteger interesses alheios; é o que viola direito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem, originando o dever de reparar tal lesão.

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Segundo Maria Helena Diniz, para a caracterização do ato ilícito é necessário que haja uma ação ou omissão voluntária, que viole norma jurídica protetora de interesses alheios ou direito subjetivo individual, e que o infrator tenha conhecimento da ilicitude de seu ato, agindo com dolo se intencionalmente visar lesar outrem, ou com culpa, se consciente dos prejuízos que advêm de seu ato, assume o risco de provocar evento danoso.

Uma vez caracterizado o ato ilícito, só resta verificar a imputabilidade do agente, para efeitos de responsabilidade civil, e se em face da situação ele podia ter agido de forma diferente.

Após essas breves ponderações, pode-se, então, chegar-se à definição de culpa.

A culpa em sentido lato, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional de dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência, ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever.

O dolo pode ser: a) direto, quando o agente almejava deliberadamente alcançar o resultado; b) eventual, quando a vontade do agente não era dirigida à obtenção do resultado, querendo ele algo diverso, porém assumindo o risco de causar com seu comportamento um dano a outrem.

Já a culpa strictu senso, por sua vez, apresenta-se sobre três modalidades: a) imperícia, que é a falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato; c) negligência, a qual consiste na inobservância de normas que nos ordenam agir com atenção, capacidade, solicitude e discernimento; c) imprudência, que é a precipitação ou o ato de proceder sem cautela. Nesse mesmo sentido, preleciona José de Aguiar Dias: "Negligência se relaciona, principalmente, com desídia; imprudência é conceito ligado, antes que a qualquer outro, ao de temeridade; imperícia é, originalmente, a falta de habilidade."

Quanto à classificação da culpa, há uma grande divergência doutrinária a respeito. Dessa forma, tratarei aqui das espécies de classificação da culpa que mais interessam ao tema do presente trabalho.

Assim, a culpa pode ser classificada em graus: a) culpa grave, quando resulta da imprudência ou negligência grosseira e extrema do indivíduo, sem ter previsto o que ao homem é plenamente previsível; b) culpa leve, a qual advém da inobservância de cautelas ordinárias, podendo ser evitada com a atenção esperada por um homem comum; c) culpa levíssima, na qual o dano só poderia ser evitado com extraordinária atenção.

Segundo Maria Helena Diniz, "para a grande maioria dos juristas a gravidade da culpa não exerce qualquer influência na reparação do dano".

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Logo, no entendimento desses juristas, a classificação da culpa em seus diversos graus, bem como a distinção entre a conduta culposa e dolosa, teria perdido, de certa forma, sua finalidade prática, haja vista subsistir a obrigação de indenizar não obstante tenha o agente ocasionado a ofensa por um comportamento doloso ou culposo e, nesse último caso, independentemente de ter sido grave, leve ou levíssimo. Nesse sentido, assevera Silvio Rodrigues:

" A distinção entre dolo e culpa, bem como entre os graus de culpa, de um certo modo perde sua oportunidade. Isto porque, quer haja dolo, quer haja culpa grave, leve ou levíssima, o dever de reparar se manifesta com igual veemência, pois o legislador parece ter adotado a norma romana segundo a qual ‘in Lex Aquilia et levíssima culpa venit’. Ou seja, dentro da responsabilidade aquiliana, ainda que seja levíssima a culpa do agente causador do dano, cumpre-lhe indenizar a vítima. Ora, como a indenização deve ser o mais possível completa, pois indenizar significa tornar indene a vítima, o agente causador do dano, em tese, tem a obrigação de repará-lo integralmente, quer tenha agido com dolo, quer com culpa levíssima."

Todavia, faz-se mister consignar as objeções de certa parte da doutrina, a qual se situa em posição diametralmente oposta. Nesse sentido, pode-se citar os seguintes autores:

a-Miguel Kfouri Neto: "A medida da indenização é a extensão dos danos".

b-Fabiane Maria Costa: "A gradação da culpa interferirá apenas para determinar-se o quantum a ser indenizado."

c-Yussef Said Cahali:

"(...) o grau da culpa (em sentido lato) interfere na determinação na debeatur da responsabilidade ou de seu agravamento. (...) o direito brasileiro não se mostra insensível `a perquirição da qualidade da conduta do agente (elemento subjetivo do ato), não só na determinação de sua responsabilidade civil, como também para seu agravamento em função da gravidade da infração incursa".

Pessoalmente, filio-me a essa segunda corrente, pois considero que nos casos de culpa levíssima o juiz deve usar de benignidade ao fixar a indenização.

De qualquer forma, a controvérsia em tela foi dirimida pelo Novo Código Civil, o qual em seu artigo 944 (sem correspondente no CC de 1916) consagra, em seu caput, o princípio tradicional, mas em seu parágrafo único, concede autorização para o juiz decidir por eqüidade em casos de culpa leve ou levíssima, in verbis:

"Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização".

Daí meu desejo de aplaudir o legislador pátrio, o qual andou muito bem ao elaborar tal dispositivo legal.

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Ao cabo, Maria Helena Diniz traz, ainda, a seguinte classificação de culpa: a) in committendo ou in faciendo, se o agente praticar um ato positivo (imprudência); b) in omittendo, caso o agente cometa uma abstenção (negligência); c) in eligendo, a qual advém da má escolha daquele a quem se confia a prática de um ato ou o adimplemento da obrigação (Súmula 341 do STF); d) in vigilando, que decorre da falta de atenção com o procedimento de outrem, cujo ato ilícito o responsável dever pagar.

C) Dano.

Constitui-se o dano no abalo sofrido pela vítima, o qual pode ocasionar-lhe um prejuízo de ordem econômica, consistindo no dano patrimonial, ou pode acarretar-lhe repercussão apenas de ordem psíquica, consubstanciando-se, então, no dano moral.

Não se pode cogitar obrigação de indenizar sem a existência de um dano, pois a admissão de tal idéia ensejaria um enriquecimento sem causa àquele que receberia a indenização.

Assim, cabe à vítima, em regra, provar que sofreu um dano. Nesse sentido, preleciona Carlos Roberto Gonçalves:

"Sem prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser material ou simplesmente moral, ou seja, sem repercussão na órbita financeira do ofendido. O Código Civil consigna um capítulo sobre a liquidação do dano, ou seja, sobre o modo de se apurarem os prejuízos e a indenização cabível."

Com efeito, a respeito da liquidação do dano, estabelece o CC, nos arts. 1.537 a 1.553 (art. 948 e ss. do NCC), a regra, nos casos ali previstos, acerca da extensão da reparação dos danos decorrentes de atos ilícitos.

Quanto à prova do dano, ressalte-se que nem sempre cabe à vítima o ônus de comprovar sua existência, havendo casos em que o dano é presumido, como acontece nos chamados juros moratórios.

Diante do exposto, é imperioso destacar, para um melhor entendimento da matéria, quais são os requisitos à configuração do dano, a saber: a) diminuição ou destruição de um bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral pertencente a uma pessoa; b) efetividade ou certeza do dano; c) causalidade, d) legitimidade; e) subsistência do dano no momento da reclamação do lesado; f) ausência de causas excludentes de responsabilidade.

D) Nexo causal.

Para existir a obrigação de indenizar, faz-se necessário que o prejuízo suportado pela vítima advenha da ação ou omissão do ofensor, vale dizer, que exista entre ambos (ação ou omissão e dano) uma perfeita relação de causa e efeito. Não havendo tal relação, inexiste a obrigação de indenizar.

O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se "nexo causal", de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência

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previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de modo que essa é tida como sua causa. Contudo, conforme os ensinamentos de Maria Helena Diniz, não será preciso que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Logo, esse não poderá ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência.

A obrigação de indenizar, a rigor, não ultrapassa os limites traçados pela conexão causal, mas o ressarcimento do dano não requer que o ato do responsável seja a única causa do prejuízo. Basta que o autor seja responsável por uma causa, sempre que dessa provier o dano, estabelecida sua relação com as demais.

Além disso, incumbe à vítima, regra geral, comprovar o liame causal, excetuando-se os casos de responsabilidade objetiva que, como se verá a seguir, invertem, algumas vezes, o ônus da prova, cabendo ao autor do fato demonstrar a existência de alguma excludente da obrigação de indenizar, v.g., a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito, etc. Assim, percebe-se que a questão do nexo causal é uma quaestio facti e não quaestio iuris. Sobre a chamada responsabilidade objetiva e as causas excludentes de responsabilidade, ver-se-á infra.

Por fim, convém diferenciar nexo de causalidade e imputabilidade. Na verdade, esses dois institutos não se confundem. Segundo Maria Helena Diniz, a imputabilidade diz respeito a elementos subjetivos e o nexo causal a elementos objetivos, consistentes na ação ou omissão do sujeito, atentatória do direito alheio, produzindo dano material ou moral. Contudo, nada obsta que haja imputabilidade sem nexo causal.

2.3-Espécies.

2.3.1 – Classificação.

A responsabilidade civil pode se apresentar sob diferentes espécies, conforme a perspectiva que se a analisa. Nesse sentido, Maria Helena Diniz oferece a seguinte classificação:

a)Quanto ao seu fato gerador:

a.1) Responsabilidade contratual, se oriunda de inexecução contratual;

a.2) Responsabilidade extracontratual, se resultante da violação de um dever geral de abstenção pertinente aos direitos reais ou de personalidade.

b)Em relação ao seu fundamento:

b.1) Responsabilidade subjetiva, fundada na culpa ou dolo por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa;

b.2) Responsabilidade objetiva, se encontra sua justificativa no risco.

c)Relativamente ao agente:

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c.1) Responsabilidade direta, se proveniente da própria pessoa imputada;

c.2) Responsabilidade indireta, se promana de ato de terceiro, vinculado ao agente, de fato de animal ou de coisa inanimada sob sua guarda.

Isto posto, passa-se agora ao estudo pormenorizado da caracterização de cada uma das espécies supracitadas.

2.3.2 - Responsabilidade contratual e extracontratual.

A responsabilidade contratual - também chamada de responsabilidade negocial - como o próprio nome já diz, se oriunda da inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral. Resulta, portanto, de ilícito contratual, ou seja, de falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. Logo, é uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contraentes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente e pressupõe capacidade para contratar.

Essa espécie de responsabilidade civil - norteada pelo princípio da obrigatoriedade das convenções, denominado pacta sunt servanda – baseia-se no dever de resultado, o que acarreta a presunção da culpa pela inexecução previsível e evitável da obrigação nascida da convenção prejudicial à outra parte. Assim, só excepcionalmente se permite que um dos contratantes assuma, em cláusula expressa, o encargo da força maior ou caso fortuito.

Se o contrato é fonte de obrigações, sua inexecução também o será. Quando ocorre o inadimplemento do contrato, não é a obrigação contratual que movimenta a responsabilidade, vez que surge uma nova obrigação que se substitui à preexistente no todo ou em parte: a obrigação de reparar o prejuízo decorrente à inexecução da obrigação assumida. Destarte, a responsabilidade contratual é fruto da violação de uma obrigação anterior preexistente, por exemplo, art. 1.056 do Código Civil e art. 389 do Novo Código Civil.

Como se vê, a primeira obrigação (contratual) tem origem na vontade comum dos contraentes, ao passo que o dever de reparar o dano resultante da inexecução vai contra a vontade do devedor, o qual não quer a nova obrigação estabelecida com o inadimplemento da obrigação que contratualmente consentira. Desse modo, a obrigação decorrente do contrato é diferente da que nasce de sua execução.

Quanto ao ônus da prova, cabe ao devedor provar, ante o inadimplemento, a inexistência de sua culpa ou a presença de qualquer excludente do dever de indenizar (arts 1.056 e 1.058 do CC e arts. 389 e 393 do NCC).

Isto posto, o devedor, para ilidir a obrigação de indenizar, deverá evidenciar que o descumprimento contratual foi devido à caso fortuito ou força maior. Todavia, é possível estipular cláusula para reduzir ou excluir a indenização, desde que não contrarie a ordem pública e os bons costumes.

A responsabilidade extracontratual (igualmente nominada de responsabilidade delitual ou responsabilidade aquiliana), por sua vez, deriva da existência de um fato

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lesivo à esfera jurídica de outrem, não pressupondo qualquer avença anterior entre ofensor e ofendido. Aplica-se, no caso, o artigo 159 do Código Civil e arts. 186 e 927 do Novo CC.

Reza o art. 159 do CC, in verbis:

"Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553."

Tal dispositivo legal teve sua redação ligeiramente alterada pelo Novo Código Civil pátrio, in verbis:

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, e causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. "

Por conseguinte, responsabilidade aquiliana é resultado do inadimplemento normativo, ou melhor, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz (art. 159 do CC e art.927 NCC), visto que não há vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligadas por uma relação obrigacional ou contratual. A fonte dessa responsabilidade é a inobservância da lei, ou melhor, é a lesão a um direito.

O ônus probandi cabe á vítima; ela é que deve provar a culpa do agente. Caso não consiga, tal prova ficará sem ressarcimento.

Além dessa responsabilidade delitual baseada na culpa, abrangerá ainda a responsabilidade sem culpa fundada no risco, frente a insuficiência da culpa para cobrir todos os danos.

Silvio Rodrigues, discorrendo a respeito das duas espécies de responsabilidade, aduz que:

" Ao menos aparentemente, existe uma responsabilidade contratual, diversa da responsabilidade extracontratual, também chamada aquiliana. Tal distinção, entretanto, é clara, uma vez que o art. 159 do Código Civil regula as conseqüências advindas da responsabilidade extranegocial, e o art. 1056 prescreve a responsabilidade contratual

(...) Na hipótese de responsabilidade contratual, antes da obrigação de indenizar emergir, existe, entre o inadimplente e seu co-contratante, um vínculo jurídico derivado da convenção; na hipótese da responsabilidade aquiliana, nenhum liame jurídico existe entre o agente causador do dano e a vítima, até que o ato daquele ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de indenizar".

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Todavia, na prática, tal distinção nem sempre é tão nítida, pois há casos em que se envolvem, ao mesmo tempo, aspectos de natureza contratual e extracontratual.

Oportuna, pois, a lição de José de Aguiar Dias:

"...domina hoje na doutrina a convicção de que, com respeito à responsabilidade civil, as soluções são idênticas para os dois aspectos. Tanto em um como em outro caso, o que, em essência, se requer para a configuração da responsabilidade, são estas três condições: o dano, o ato ilícito e a causalidade, isto é, nexo de causa e efeito entre os primeiros elementos".

E, mais adiante sustenta: "...a responsabilidade extracontratual e a contratual regulam-se pelos mesmos princípios, porque a idéia de responsabilidade é una".

2.3.3 - Responsabilidade subjetiva e objetiva.

A responsabilidade subjetiva é aquela dependente do comportamento do sujeito, tendo por fundamento a ação ou omissão culposa do agente, vale dizer, não basta, para que surja a obrigação de indenizar, o dano e o nexo causal, sendo necessária a comprovação de que o ofensor tenha agido com dolo ou culpa.

Orientando-se na mesma direção, Miguel Kfouri Neto defende que segundo a teoria subjetiva, à vítima incumbe provar o dolo ou a culpa stricto sensu do agente, para obter a reparação do dano.

Entretanto, essa prova muitas vezes se torna difícil. Nosso direito positivo admite, então, em hipóteses específicas, alguns casos de responsabilidade objetiva ou responsabilidade sem culpa.

Nesse sentido, asseveram Antônio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza : "A responsabilidade com culpa é regra geral, somente sendo admitida a responsabilidade objetiva ou sem culpa em casos expressamente previstos em lei".

A responsabilidade objetiva, por sua vez, prescinde da culpa, cabendo à vítima apenas a prova do dano e do liame causal entre a atividade do agente e a ofensa sofrida.

Silvio Rodrigues afirma que em tais conceitos, a rigor, não se podem vislumbrar espécies diferentes de responsabilidade, mas sim maneiras diferentes de encarar a obrigação de reparar o dano. Com efeito – aduz-, subjetiva é a responsabilidade inspirada na idéia de culpa; objetiva, quando esteada na teoria do risco.

Os partidários da culpa como elemento fundamental da responsabilidade civil defendem que a culpa possui um lastro moral, daí não se poder conceber a responsabilidade senão nela fundada.

À luz do exposto e para uma melhor compreensão do assunto em tela, faz-se oportuno mencionar, neste ponto do trabalho, a tendência hodierna de recrudescimento da corrente dos que se opõem à idéia de culpa como base da responsabilidade civil – mesmo se tratando de dano médico, cuja atividade é eminentemente pessoal, em

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expressiva maioria das áreas de atuação do profissional da medicina, busca-se objetivar esse conceito.

Ademais, vale ressaltar, a título de registro histórico, que os estudos sobre a responsabilidade civil objetiva tomaram impulso na segunda metade do século XIX, a partir da constatação da insuficiência da disciplina da responsabilidade subjetiva, face o advento de certas atividades de risco, as quais deixavam as vítimas de lesões, na maioria dos casos levados à juízo, sem a devida reparação.

Assim, o intuito de abranger todos os casos de dano e atender ao princípio social da reparação, em todas as circunstâncias em que ele possa vir a se produzir, são os argumentos principais esgrimidos pelos objetivistas.

A respeito do tema, importante é o escólio de Rui Stoco:

" A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade entre uma e outro), assenta-se na equação binária cujos pólos são o dano e a autoria do evento danoso. Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento á a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável"

Sobre o assunto, pontifica Maria Helena Diniz:

" A responsabilidade sem culpa ou objetiva... fundada no risco, consiste na obrigação de indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem que haja qualquer indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação de causalidade entre o dano e a conduta de seu causador.

Além disso, doutrina Serpa Lopes que essa teoria objetivista é quem o diz, é dividida em duas modalidades: a) Teoria do risco proveito - é justo que aquele que obtém o proveito de uma empresa, o patrão, venha a se onerar com a obrigação de indenizar os que forem vítimas de acidentes durante o trabalho; b) Teoria do risco criado – pelo simples fato de agir, o homem cria riscos para os demais, por isso deve responder em caso de dano. Como se vê, na teoria do risco, toda ação, gerando risco para terceiros, faz com que o agente responda por eventuais danos, independentemente de culpa.

Nesse sentido, é Rui Stoco quem dilucida mais uma vez:

" A teoria da responsabilidade objetiva apresenta-se sob duas faces no Direito moderno, a teoria do risco e a teoria do dano objetivo. Na primeira face, apresenta-se a teoria do risco que pode ser explicada com a seguinte relação: quando alguém põe em funcionamento qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso,

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isoladamente, o dano devido à imprudência, à negligência, ou a um erro de conduta, enfim, é assim, que a teoria do risco"

De Plácido e Silva define risco como eventualidade de um acontecimento futuro, incerto e de prazo indeterminado, que não dependa exclusivamente da vontade das partes e pode causar a perda de um objeto ou qualquer outro dano.

Resumindo a questão, assim leciona Miguel Kfouri Neto:

" Em síntese: a responsabilidade objetiva é presumida e, nela, não se cogita de culpa, por isso transfere-se ao causador do dano o ônus de provar culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito, circunstâncias que arredam o nexo de causalidade, visando a eximir-se da obrigação de indenizar."

Todavia, prossegue dizendo:

"A exacerbação da responsabilidade objetiva conduz à teoria do risco. Nesta, havendo dano e nexo causal, seu autor somente se eximirá da obrigação de indenizar mediante prova de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior".

E, termina por concluir:

"A teoria do risco integral, estágio mais avançado, não admite qualquer prova conducente á ausência de reparação: bastará a existência do dano e seu autor, em qualquer hipótese, estará obrigado ao ressarcimento. Mesmo em se tratando de responsabilidade civil do estado, os doutrinadores repelem este último posicionamento teórico, que favorecia as mais diversas fraudes."

2.3.3.1 - Responsabilidade objetiva e culpa presumida.

Não se pode olvidar que a teoria objetiva não se confunde com a presunção legal de culpa, embora esta tenha precedido aquela.

O que ocorre, porém, é que os casos de presunção de culpa excluem os de responsabilidade objetiva. O que há, na verdade, é uma inversão do ônus da prova no que tange à culpa do agente, uma vez que, segundo a teoria da responsabilidade subjetiva, essa é uma incumbência da vítima, ao passo que, se for o caso de culpa presumida, será justamente o causador do dano quem deverá comprovar alguma excludente da culpa. Já na teoria objetiva, como visto, não há que se questionar sobre a culpa.

Dessa forma, ressaltam Antônio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza que a culpa presumida é um instituto puramente doutrinário, o qual causa um efeito próximo ao da teoria objetiva, daí a confusão entre ambas.

2.3.3.2 - Direito brasileiro.

O direito nacional se filiou, como regra geral, à teoria da responsabilidade subjetiva, como se infere do disposto nos artigos 159 e 1.545 do Código Civil (arts. 927 e 951 do NCC), tendo a tese da responsabilidade objetiva, contudo, sido agasalhada

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em diversas leis esparsas, tais como a Lei de Acidentes de Trabalho, o Código Brasileiro de Aeronáutica, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei da Estradas de Ferro, dentre outras.

Todavia, o parágrafo único do art. 927 do Novo Código Civil (sem correspondente no CC de 1916) admite genericamente a aplicação da teoria do risco no campo da responsabilidade civil. Tal solução, que inova o sistema vigente, pois admite a responsabilidade sem culpa além dos casos especificamente mencionados na lei, é, entretanto, de aplicação excepcional e só admissível com importantes restrições, porque o NCC não se afastou da solução tradicional, estribada na teoria da culpa.

Transcrevo, então, o dispositivo legal em comento, in verbis:

" Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de indenizar o dano, independentemente da culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem"

2.3.4 - Responsabilidade direta e indireta.

A responsabilidade direta, simples ou por fato próprio é a que decorre de um fato pessoal do causador do dano, ou seja, de uma ação direta de uma pessoa ligada à violação ao direito ou ao prejuízo ao patrimônio, por ato culposo ou doloso.

É, pois, a obrigação de indenizar resultante de ação ou omissão culposa do agente, provado o nexo de causalidade e o dano. E, tem por fundamento legal os art. 159 do CC (arts.186 e 927 do Novo Código Civil).

A responsabilidade indireta ou complexa, por sua vez, é aquela que só poderá ser vinculada indiretamente ao responsável, não se conformando, portanto, com o princípio geral de que o homem apenas é responsável pelos prejuízos causados diretamente por ele e por seu fato pessoal.

Por representar uma exceção ao princípio geral da responsabilidade, somente poderá ser encarada dentro dos termos legais, não admitindo interpretação extensiva ou ampliativa.

Compreende duas modalidades: a) responsabilidade por fato de terceiro, desde que o causador do dano esteja sob a direção de outrem, que, então, responderá pelo evento lesivo; b) responsabilidade pelo fato das coisas animadas ou inanimadas, que estiverem sob guarda de alguém, que se responsabilizará pelos prejuízos causados.

Ex positis, analisar-se-á mais detalhadamente essas duas modalidades supracitadas.

A-Responsabilidade por fato de terceiro.

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Na responsabilidade por fato de terceiro (também designada responsabilidade por fato alheio ou responsabilidade por fato de outrem), alguém responderá, indiretamente, por prejuízo resultante da prática de um ato ilícito cometido por outra pessoa, em razão de se encontrar ligado a ela, por disposição legal. (art. 1.521 do CC e art. 932 do NCC).

Há, portanto, dois agentes: o causador do dano e o responsável pela indenização.

E, tal indenização surge de fato praticado por pessoa por quem se é responsável.

B-Responsabilidade por fato da coisa.

A responsabilidade por fato da coisa animada ou inanimada é aquela decorrente de dano por ela ocasionado, em razão de defeito próprio, sem que para tal prejuízo tenha concorrido diretamente a conduta humana.

Funda-se ora no risco, caso em que a responsabilidade será objetiva, ora na culpa, hipótese em que será subjetiva.

Ademais, essa responsabilidade se apresenta sob duas modalidades, abrangendo a responsabilidade por dano causado por animais (art. 1.527, III e IV do CC e art. 936 do NCC) e a responsabilidade por fato de coisa inanimada, alcançando não só os casos do Código Civil, arts. 1.527 e 1.528 (arts. 937 e 938 do NCC), mas também outros, como os transportes. O animal e as coisas são objetos de guarda, de modo que essa responsabilidade pelo fato da coisa se baseia na obrigação de guardar.

Dessa forma, responderão pelos danos causados por animais ou por coisas inanimadas tanto o seu proprietário como o seu detentor ou possuidor, porque o dever de indenizar é fruto da negligência da guarda ou na direção do bem.

2.4-Meios de exclusão da responsabilidade civil.

Conforme já visto supra (item 1.2), para que surja a obrigação de indenizar, há a necessidade da coexistência de certos pressupostos, a saber: ação ou omissão do agente; culpa do agente; dano experimentado pela vítima e nexo causal.

Porém, assim como existem tais pressupostos ensejadores do dever de reparar o dano sofrido pela vítima, há outros que, se presentes no caso concreto, isentam o causador do dano de responsabilidade.

Na maioria das hipóteses, a presença de uma excludente da responsabilidade atenua ou extingue o dever de ressarcir, justamente por atenuar ou extinguir a relação de causalidade.

Assim, essas causas de exclusão de responsabilidade podem ser enumeradas da seguinte forma, não obstante a doutrina sobre a matéria não ser uníssona em sua classificação: a) culpa exclusiva da vítima; b) culpa concorrente; c) culpa comum; d) culpa de terceiro; e) caso fortuito ou força maior; f) estado de necessidade; g) legítima

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defesa real; h) exercício regular de direito; i) estrito cumprimento de dever legal; j) cláusula de não-indenizar.

Analisar-se-á, agora, as excludentes supramencionadas.

a)Culpa exclusiva da vítima, culpa concorrente e culpa comum.

No caso de culpa exclusiva da vítima, exclui-se qualquer responsabilidade do causador do dano. A vítima deverá arcar com todos os prejuízos, pois o agente que causou o dano é apenas um instrumento do acidente, não se podendo falar em nexo causal entre sua ação e a lesão.

Já culpa concorrente (da vítima e do agente), existe sempre que ambas as partes agirem com qualquer das três clássicas modalidades culposas.

Destarte, se lesado e lesante concorreram com uma parcela de culpa, produzindo um mesmo prejuízo, porém por atos independentes, cada um responderá pelo dano na proporção em que concorreu para o evento danoso.

Não desaparece, portanto, o liame de causalidade; haverá apenas uma atenuação da responsabilidade, hipótese em que a indenização é, em regra, devida por metade ou diminuída proporcionalmente. Haverá, assim, uma bipartição dos prejuízos, e a vítima, sob uma forma negativa, deixará de receber a indenização na parte relativa à sua responsabilidade.

Vale ressaltar que a lei pode determinar que somente a culpa exclusiva da vítima, e não a culpa concorrente, seja a excludente da responsabilidade. É o que ocorre, exemplificativamente, no art. 17 do Decreto n° 2.681/72, o qual regula a responsabilidade civil das estradas de ferro. In casu, a concorrência de culpas não atenua a responsabilidade, pois esta permanece integral desde que haja parcela levíssima de culpa da transportadora. Porém, para que isso ocorra, mister se faz disposição expressa de lei nesse sentido.

Por fim, haverá culpa comum se a vítima e o ofensor causaram culposa e conjuntamente o mesmo dano; caso em que se terá compensação de reparações. As duas se neutralizam e se compensam se as duas partes estiverem em posição de igual, logo, não haverá qualquer indenização por perdas e danos.

Entretanto, se estiverem em situação desigual, por haver gradatividade na culpa de cada um, ter-se-á uma condenação das perdas e danos proporcional à medida de culpa que lhe for imputável, conforme preceitua o art. 945 do NCC (sem correspondente no CC de 1916). Portanto, competirá ao juiz decidir, prudentemente, a proporção da contribuição de cada um no montante do prejuízo.

b)Fato de terceiro.

Regra geral, a obrigação de reparar o dano sofrido pela vítima deve ser suportada pelo seu causador direto. Todavia, no mundo dos fatos, nem sempre o causador direto do dano é o responsável pela superveniência do evento danoso. Destarte, o fato de terceiro se consubstancia na idéia de que, embora exista a atitude

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do agente e o dano, há também a intervenção do terceiro, a qual exclui o nexo de causalidade, pois sem ela, o fato danoso não adviria.

O problema que genericamente se propõe é o de saber se o fato de terceiro poderá ser considerado causa exoneradora da responsabilidade. Em caso de resposta positiva, mister se faz determinar as condições para que isso se dê e o alcance da excludente.

Não obstante, antes de examinar tal questão, convém fixar o sentido do termo terceiro. Aguiar Dias define sucintamente o terceiro como "qualquer pessoa além da vítima ou do responsável". Definição que, no entendimento de Silvio Rodrigues, propicia campo para dúvida, porque o fato de terceiro pode derivar do comportamento de uma pessoa que não tenha qualquer ligação com a vítima ou com o agente causador do dano, como pode decorrer do comportamento de pessoas por quem o responsável deva responder, tais como seus prepostos, filhos, pupilos, curatelados, auxiliares, etc. Nesse caso, ainda segundo Silvio Rodrigues, quando o dano resulta de fato do preposto, não há exoneração de responsabilidade, pois terceiro é apenas aquele por quem o indigitado responsável não responde. Contudo, nessa hipótese, poderia aquele que paga a indenização se valer de ação regressiva contra seu preposto, causador direto do prejuízo.

Dessa forma, opto pela definição de Antonio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza, por me parecer a mais acertada sobre a matéria. Assim, conforme esses doutrinadores, "terceiro é aquele que não tem qualquer vínculo com o aparente causador direto do dano e com a vítima."

Ademais, o fato de terceiro pode ser o causador exclusivo do dano ou ser apenas o causador concorrente do prejuízo. Cada qual dessas hipóteses deve ser examinada separadamente.

Em rigor, quando o fato de terceiro é a fonte exclusiva do prejuízo, desaparece qualquer relação de causalidade entre o comportamento do indigitado responsável e a vítima.

Logo, havendo, no caso, a intervenção de uma outra pessoa que não a vítima ou o causador direto do dano, e não sendo esse responsável pela pessoa ou a atividade do terceiro interventor, ocorre a excludente de responsabilidade em apreço. Por outro lado, se houver culpa in vigilando ou culpa in eligendo, não se pode falar em fato de terceiro como causa de exoneração da obrigação de indenizar, persistindo, assim, o dever de reparar o dano.

Entende a doutrina que, para que o fato de terceiro funcione como eximidor do dever de indenizar, deve apresentar os mesmos requisitos do caso fortuito e da força maior, a saber, a imprevisibilidade e a inevitabilidade.

Nesse sentido, posiciona-se Carlos Roberto Gonçalves:

"Quando, no entanto, o ato de terceiro é a causa do prejuízo, desaparece a relação de causalidade entre a ação ou a omissão do agente. A exclusão da responsabilidade se dará porque o fato de terceiro se reveste de características

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semelhantes à do caso fortuito, sendo imprevisível e inevitável. Melhor dizendo, somente quando o fato de terceiro se revestir dessas características, e, portanto, equiparar-se ao caso fortuito ou à força maior, é que poderá ser excluída a responsabilidade do causador direto do dano."

Quanto ao exame do alcance dessa excludente, isso nos conduz à Súmula nº 187 do STF, a qual reza, in verbis:

"A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com passageiro, não é ilidida por culpa de terceiro, contra a qual tenha ação regressiva".

Por último, existe a possibilidade do fato de terceiro ser causa parcial do evento danoso, para o qual, entretanto, o agente direto do dano concorre com uma parcela de culpa. Aliás, Aguiar Dias aventa a hipótese de o fato danoso resultar da conjunção de três atividades, a saber, a da vítima, a do apontado como responsável e a de terceiro. Em casos como esse, a responsabilidade se subdivide de acordo com o grau de culpa, que é o grau de causalidade de cada um.

Conclui-se que o fato de terceiro se caracteriza como causa de escusa do dever de reparar o dano sofrido pela vítima quando, para o advento desse, não sobrevier o menor resquício de culpa por parte de agente ou daquele que sofrer o prejuízo imposto pelo fato danoso, sendo, assim, imprevisível e inevitável para ambas as partes e podendo, por outro lado, ser imputada ao terceiro interveniente a responsabilidade pelo evento danoso.

c)Caso fortuito ou força maior.

No ordenamento jurídico pátrio, o caso fortuito e a força maior são tratados sem distinção (art. 1.058 do CC e art., 393 do NCC). Todavia, não é ocioso aos objetivos do trabalho em pauta distinguir as hipóteses de caso fortuito das de força maior, pois embora sejam tratadas conjuntamente, acarretando, do ponto de vista prático, os mesmos efeitos, quais sejam, a liberação da responsabilidade de indenizar; do ponto de vista doutrinário as mesmas não se confundem, haja vista emanarem de diferentes fontes.

Para Carlos Roberto Gonçalves, " o caso fortuito é o acontecimento imprevisível e, por tal motivo, irresistível. A força maior, por sua vez, consubstancia-se no acontecimento que, embora previsível, é impossível de ser resistido."

Já para Maria Helena Diniz, na força maior se conhece a causa que dá origem ao evento, pois se trata de um fato da natureza; enquanto que no caso fortuito, o acidente que gera o dano advém de causa desconhecida ou de fato de terceiro.

Percebe-se, então, que em relação às excludentes da responsabilidade em estudo, o que existe é, na maioria das vezes, apenas uma divergência semântica, podendo ser esta inerente aos requisitos que caracterizam tais situações ou, de outra banda, na extensão adotada por uma ou outra categoria, transformando qualquer intempérie numa situação de força maior.

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No que tange a configuração do caso fortuito e da força maior, Maria Helena Diniz e Caio Mário da Silva Pereira fazem importante incursão sobre o assunto.

Preceitua essa célebre doutrinadora que " (...) caso fortuito e a força maior se caracterizam pela presença de dois requisitos: o objetivo, que se configura na inevitabilidade do evento, e o subjetivo, que é a ausência de culpa na produção do acontecimento"

Nesse mesmo sentido, Caio Mário enumera como requisitos dessas excludentes a necessidade e a inevitabilidade.

À luz do exposto, denota-se que a isenção de responsabilidade pelos danos causados por caso fortuito e força maior tem por esteio o fato de que, se a obrigação de ressarcimento dá-se em decorrência de acontecimento que escapa ao poder do agente, haja vista sua gênese em um fator estranho, a conseqüência lógica é o afastamento da obrigação de compor perdas e danos.

Todavia, o conceito e a caracterização de caso fortuito ou força maior devem ser depreendidos da análise de contexto em que se deu o evento, não se podendo estabelecer uma gama de casos que sempre sejam assim reputados.

d)Estado de necessidade.

O estado de necessidade se constituiu naquela situação em que, quem pratica o ato danoso, assim o faz para salvar direito seu ou de outrem, de perigo atual não provocado por si, sendo que a salvaguarda de tal direito não poderia de outro modo ser evitada, além de não se poder exigir, no caso, o sacrifício do mesmo em prol do bem jurídico da vítima.

Sobre o estado de necessidade, o Código Civil dispõe, in verbis:

"Art. 160. Não constituem atos ilícitos:

I – omissis...

II – a deterioração ou destruição de coisa alheia, a fim de remover perigo eminente (arts. 1.510 e 1.520).

Parágrafo único. Neste último caso, o ato será legítimo, somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo".

Os artigos 1.519 e 1.520, ambos do mesmo diploma legal, aos quais o artigo 160, II, faz expressa remissão, preceituam, in verbis:

"Art. 1.519. Se o dono da coisa, no art. 160, II, não for culpado do perigo, assistir-lhe-á direito à indenização do prejuízo que sofreu.

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Art. 1.520. Se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este ficará com ação regressiva, no caso do art. 160, II, o autor do dano, para haver a importância, que tiver ressarcido ao dono da coisa. "

Destarte, num primeiro momento, a lei declara que o ato praticado em estado de necessidade não é lícito. Depois, porém, estatui que nem por isso fica o autor do fato isento de ter que reparar o dano. Logo, prima facie, pode parecer que os dispositivos em comento contêm uma contradição. Contudo, o que a lei prevê é uma hipótese de responsabilidade objetiva, segundo a qual, mesmo sendo lícito o comportamento do agente, nem por isso fica afastada sua obrigação de indenizar, em razão de não se poder atribuir a ele o perigo que ensejou o dano, o mesmo ocorre em relação à vítima, que com mais razão não deverá suportá-lo.

Nesse diapasão, o magistério de Alvino Lima:

"O estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito, podem dar origem à responsabilidade civil, não obstante serem atos lícitos, pois são casos de responsabilidade objetiva, e portanto não fulcrada na ilicitude como no caso da responsabilidade subjetiva. Desta forma, mesmo sendo lícitos, em determinadas hipóteses, os danos deles provenientes devem ser reparados"

Há que se ressaltar que o estado de necessidade serve como escusa apenas aos danos contra coisas, e não contra pessoas.

Conclui-se, portanto, que o estado de necessidade não exime o agente de responsabilidade, gerando para ele apenas o direito à ação regressiva contra o causador do perigo, já que, em oposição ao fato de terceiro, não há no caso o desaparecimento do liame causal, vez que o terceiro apenas provocou o perigo, sendo o dano efetivamente ocasionado pelo defensor do direito próprio ou alheio.

Por último, é imperioso mencionar que essa matéria se encontra versada nos artigos 188, 929 e 930 do Novo Código Civil.

e)Legítima defesa real.

O artigo 160, I, primeira parte, do CC (art. 188, I, primeira parte, do NCC) preceitua que não constituem atos ilícitos aqueles praticados em legítima defesa. Todavia, ao contrário do que ocorre com o estado de necessidade, a legítima defesa real é uma efetiva excludente de responsabilidade, consoante se depreende do art. 1.540 (art. 952 do NCC) do mesmo diploma legal.

Utiliza-se no Direito Civil, para conceituar a legítima defesa, da definição trazida pelo artigo 25 do Código Penal, o qual reza: "...quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem".

Dessa forma, ocorre a excludente em comento somente quando presentes os seguintes pressupostos: a) a ameaça ou agressão partir de outrem, não sendo

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provocada pelo causador do dano; b) quando a agressão for atual ou iminente; c) quando a reação for proporcional à agressão.

Ressalva-se que, recaindo o dano sobre pessoa diversa da que provocar a agressão ou ameaça, não se pode conceber a presente causa de exclusão de responsabilidade, posto estar configurado, in casu, o chamado erro de execução, previsto no art. 73 do CP, ou a legítima defesa putativa, onde a reação é suposta, já que não há agressão ou ameaça concreta. Em tais casos, a obrigação de indenizar persiste, haja vista os mesmos excluírem tão-somente a culpabilidade penal, mas não a antijuriducidade do ato.

f) Exercício regular de direito e estrito cumprimento de dever legal.

Essas excludentes de responsabilidade têm por esteio a idéia de que quem usa seu direito não causa ofensa a outrem.

Ocorre que, para a configuração de tais escusas, deve a conduta do agente ter em mira a moderação, que se infere das expressões regular e estrito. Assim, havendo excessos no exercício do direito ou no cumprimento do dever legal, o ato realizado será ilícito, surgindo o dever de indenizar. Do mesmo modo, a conduta deverá ser dirigida sobre pessoa ou coisa determinada, vez que, se for atingida a esfera jurídica de terceiro, não há a excludente em apreço, persistindo a obrigação de reparar a ofensa.

O exercício regular de direito se baseia no art. 160, I, in fine, do CC (art. 188, I, in fine, do NCC), e tem como exemplos: a defesa em esbulho possessório recente (art. 502 do CC e art. 1.210, §1º do NCC), o penhor forçado (art. 779 do CC e art. 1.419 e ss. do NCC), as intervenções médicas, dentre outros.

Quanto ao estrito cumprimento de dever legal, pode ser citado como exemplo o despejo realizado por oficial de justiça em cumprimento de mandado judicial.

g)Cláusula de não-indenizar.

Silvio Rodrigues doutrina que:

"A cláusula de não indenizar é aquela estipulação através da qual uma das partes declara, com a concordância da outra, que não será responsável pelo dano por esta experimentada, resultante da inexecução ou da execução inadequada de um contrato, dano este que, sem a cláusula, deveria ser ressarcido pelo estipulante".

Como se vê, tal cláusula exclui a responsabilidade civil, não por desaparecer o liame de causalidade, mas em razão da própria convenção.

Ademais, essa cláusula de exoneração da responsabilidade só é admitida no âmbito contratual, logo, ela está afastada em matéria delitual.

Além disso, percebe-se que através dela há uma transferência da responsabilidade, ou seja, o risco é transferido para a vítima. Nas palavras de Silvio Rodrigues: "Aqui há a assunção do risco pelo contratante que concordou em exonerar o outro da sua responsabilidade."

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Contudo, há alguns autores que entendem que nula seria a cláusula que afastasse o devedor da responsabilidade por dolo, e existem julgados que negam a eficácia dessa cláusula, como a Súmula 161 do STF, que estatui, in verbis: " Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não-indenizar". E pelo artigo 734 do NCC, in verbis: "O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade" (grifo nosso). Mas, já se decidiu que se essa cláusula não ferir a ordem pública e os bons costumes, nada impede sua admissibilidade (RT, 607:121; RJTJSP, 61:163).

Ex positis, são requisitos de validade da cláusula de não-indenizar: a) bilateralidade do consentimento; b) que ela não colida com preceito cogente de lei, com a ordem pública e com os bons costumes.

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CAPÍTULO III

3 - RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA.

3.1-Evolução histórica.

A-Primódios.

Nas sociedades primitivas, não se concebia a atividade médica propriamente dita, havendo apenas pessoas dedicadas ao curandeirismo, tendo por base não o conhecimento científico, que se chega através dos estudos de determinados fenômenos, mas sim o conhecimento empírico, consistindo a arte da cura na utilização de poções geralmente extraídas de ervas, bem como em tratamentos com remédios naturais testados nos próprios doentes.

Entretanto, se a cura não acontecia, a culpa recaía sobre o "feiticeiro", acompanhada da acusação de imperícia ou de incapacidade. Desde os primódios, portanto, prevêem-se sanções para os casos de culpa relativa ao insucesso profissional dos médicos.

Sobre o tema, assevera Miguel Kfouri Neto:

" Em sua fase mais antiga, o médico não era considerado um especialista em determinada matéria, mas sim um mago ou sacerdote, dotado de poderes curativos sobrenaturais. Tal crença era derivada da absoluta ignorância da etiologia de todas as doenças e da total inconsciência do modo pelo qual o organismo humano reagia àqueles processos de cura. E, quanto mais a medicina se transformava em ciência, tanto maior foi se tornando o rigor científico na avaliação dos erros profissionais, não apenas vinculando-os, como na fase antecedente, ao singelo fato objetivo do insucesso."

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O primeiro documento histórico que trata do problema do erro médico é o Código de Hamurabi (1790-1770 a.C.). Em seus artigos, impunha ao médico a máxima atenção e perícia no exercício da profissão; caso contrário, desencadeavam-se severas penas que iam até a amputação da mão do médico imperito (ou desafortunado). Tais sanções eram aplicadas quando ocorria morte ou lesão ao paciente, por imperícia ou má prática, sendo previsto o ressarcimento do dano se fosse mal curado um escravo ou um animal.

Evidencia-se, assim, que inexistia o conceito de culpa, num sentido jurídico moderno, enquanto vigorava a responsabilidade objetiva coincidente com a noção atual: vindo o paciente a falecer ou surgindo alguma espécie de lesão logo após a intervenção do médico, imputava-se a ele a respectiva pena sem se cogitar acerca da existência de culpa.

B-Roma.

A responsabilidade civil recebeu do direito romano os princípios genéricos que mais tarde seriam cristalizados nas legislações modernas.

Antes, tinha lugar a vingança privada, forma primitiva de reação contra o mal sofrido.

Posteriormente, a vingança privada, como forma de repressão do dano, passou ao domínio jurídico: o poder público passa a intervir no sentido de permiti-la ou excluí-la, quando injustificável. É a pena de Talião, da qual se encontram traços na Lei das XII Tábuas.

O estágio seguinte foi a composição voluntária, a critério da vítima, que recebia do agressor um "resgate" (poena) – soma em dinheiro ou entrega de um objeto.

Passa-se, após, à composição tarifada, prevista na Lei das XII tábuas, que fixava, para cada caso concreto, o valor da pena a ser pago pelo ofensor.

Sobrevém, então, a Lei Aquília (ano 468) e tem início a generalização da responsabilidade civil.

Em Roma, vale ressaltar, o ato ilícito implicava a obrigação de indenizar a parte lesada e a condenação a uma pena pecuniária.

Ademais, nessa época, também merece destaque a Lei Cornélia, a qual estabelecia uma série de delitos relacionados à prática da profissão médica e as penas que deveriam ser cominadas.

Todavia, com a Lex Aquilia de Damno, formulou-se um conceito de culpa, bem como se fixaram algumas espécies de delitos que os médicos poderiam cometer. Como conseqüência, estabeleceu-se a obrigação de reparar o dano, limitando-o ao prejuízo econômico, sem se considerar o que hoje se define como dano moral.

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Desse modo, na Lex Aquilia se encontram os primeiros rudimentos de responsabilidade médica, prevendo a pena de morte ou deportação do médico culpado de falta profissional.

Alfim, vale ressaltar, que em Roma a medicina também era praticada por curandeiros e sacerdotes, tal qual acontecia na era primitiva da humanidade, sendo a atividade imbuída de crendices e supertições que tornavam sua credibilidade duvidosa. Contudo, na passagem da República para o Império, foram organizados cursos profissionalizantes, alterando assim o panorama então existente, surgindo inclusive, médicos especialistas em determinadas áreas.

C) Egito.

Na civilização egípcia, os médicos ostentavam elevada posição social, gozando de privilégios não concedidos aos demais cidadãos (v.g. eram isentos de tributos e recebiam subsídios dos cofres públicos) e sendo confundidos, muitas vezes, com sacerdotes.

Os egípcios possuíam um livro contendo todas as regras de obediência obrigatória pelos médicos. Assim, desde que os médicos respeitassem as regras contidas nesse livro, eles não eram punidos, mesmo que o paciente viesse a morrer. Porém, caso os médicos não seguissem à risca essas normas, eram eles punidos com a morte, qualquer que fosse o desfecho da doença do paciente.

Considerar o médico imune à responsabilidade apenas por haver obedecido ao "Livro Sagrado", corresponderia, hodiernamente, a nunca se responsabilizar o médico pelo simples fato de ser ele detentor do seu grau acadêmico.

D) Grécia.

O primeiro verdadeiro estudo no campo da medicina só é encontrado na Grécia antiga, no século V a.C. Trata-se do Corpus Hippocraticum, de construção filosófica aristotélica.

Vai-se então, lentamente, firmando o princípio de que a culpa médica não se presume apenas pelo fato de não ter ele obtido êxito no tratamento, mas deve ser analisada e individualizada com base na conduta seguida pelo profissional. Assim, para os platônicos e aristotélicos, a responsabilidade do médico deveria ser avaliada por um perito na matéria e por um colegiado de médicos, o que, em essência, corresponde ao perito judicial dos tempos modernos.

Entretanto, na época da dominação romana, foi a medicina considerada uma atividade de menor importância, praticada por estrangeiros que sequer eram tidos como cidadãos, o que se deve em parte ao fato de que um considerável número de pessoas inabilitadas estavam a exercê-la nesse período. Logo, penas severas eram impostas aos médicos que não trouxeram ao enfermo a cura esperada, tais como a crucificação (a qual era a mais grave), trabalhos forçados, chibatadas, etc.

Com o passar dos séculos, porém, as coisas principiaram a melhorar, seja pelo advento das universidades (no século XIII) ou das corporações de médicos. Após o

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surgimento das universidades, vale dizer, a profissão de médico só poderia ser exercida por quem tivesse habilitação profissional, a qual era obtida no meio acadêmico.

Destarte, influenciados pela filosofia, os gregos construíram uma verdadeira ciência médica, embasada em elementos racionais. Assim, a medicina foi perdendo seu caráter empírico do passado.

Seguiu-se, pois, uma avaliação racional do erro e da culpa profissionais.

Além disso, uma atividade tão importante e delicada não poderia ser relegada apenas ao setor privado, por isso o Estado prosseguiu regulamentando cada vez mais a área da saúde, conferindo-lhe natureza publicística.

Isto posto, conclui-se que o povo grego tem uma grande importância para a medicina. Tal afirmação se comprova a partir do fato de que o juramento de Hipócrates, o qual contém os princípios da ética médica, é a ele atribuído.

E) França.

Na França, por sua vez, onde a teoria da responsabilidade civil foi tratada de forma mais aprofundada, a Academia de Medicina de Paris, no século passado, proferiu decisão no sentido de haver apenas responsabilidade moral dos profissionais médicos, atribuindo-lhes, assim, uma imunidade muito ampla, pois para que houvesse responsabilidade médica seria necessário se provar falta grave, imprudência visível, manifesta imperícia; e o ônus da prova sempre incumbiria ao paciente.

Tal decisão gerou a chamada doutrina da irresponsabilidade, a qual surgiu como uma espécie de reação à admissão da responsabilidade civil dos médicos, bem como de outros profissionais, norteada pelo receio que essa normatização pudesse ocasionar a paralisação de desenvolvimento da ciência médica, haja vista que, mesmo com a observância de técnicas corretas a determinado caso, haveria sempre o risco de ocorrer situações agravantes que fugiriam ao seu controle.

Essa doutrina, denominada por Iturraspe de "responsabilidade eufemística", também pregava que : a) os juízes não estariam aptos a julgar matérias que envolvessem medicina; b) a análise dos peritos médicos deveria ser acolhida de forma plena, já que apenas eles possuíam o conhecimento específico na área médica; c) as pretensões a ressarcimentos materiais eram consideradas enriquecimento sem causa.

Todavia, com a verdadeira revolução operada na jurisprudência francesa, de 1832 em diante, passou-se a conceber a tese da responsabilidade plena quando verificada a culpa médica, partindo-se do princípio de que não se pode privilegiar uma classe profissional em detrimento de outras na consideração da responsabilidade pelos atos cometidos no seu exercício. Assim, se é necessária a averiguação da culpa para certas profissões, bem como para qualquer pessoa, também o deve ser à atividade médica. Atualmente, essa é a tese em vigor entre os franceses.

3.2-Conceito e elementos.

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O conceito de responsabilidade civil médica não foge do gênero da responsabilidade civil, do qual é espécie, ou melhor um braço, uma ramificação.

No entendimento de Antonio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza:

" A responsabilidade civil médica é, pois, a obrigação que tem o profissional da saúde de reparar um dano porventura causado a outrem no exercício de sua profissão. De bom alvitre lembrar que ao se falar nessa modalidade de responsabilidade civil, está-se falando não somente do profissional liberal, mas também dos estabelecimentos de saúde em geral.

Tanto as pessoas naturais quanto as jurídicas estão sob o manto da legislação civil (...)."

Já Delton Croce e Delton Croce Júnior se manifestaram a respeito da questão da seguinte forma:

" Assim, concordamos com Alexandre Lacassagne quando definiu, em sua obra Précis de médicine legale (Paris, 1906), a responsabilidade médica como ‘a obrigação que pesa sobre os médicos de suportarem as conseqüências de certas faltas sobre eles cometidas no exercício da arte, faltas essas que podem originar uma dupla ação, civil e pena’l aduzindo que ‘a responsabilidade é uma segurança para os médicos cultos, conscienciosos e prudentes, e uma ameaça constante para os audaciosos sem escrúpulo e os ignorantes incorrigíveis, ao mesmo tempo que uma barreira infranqueável contra as reclamações fantasiosas e os caprichos dos clientes descontentes’ ".

Destaca-se, ainda, a lição de Genival Veloso de França, segundo o qual a responsabilidade médica pode ser definida como " a obrigação que podem sofrer os médicos em virtude de certas faltas por eles cometidas no exercício de sua profissão, faltas essas que geralmente comportam uma dupla ação: civil e penal."

Por sua vez, os elementos ou pressupostos da responsabilidade civil médica são, outrossim, os mesmos da responsabilidade civil, a saber: ação ou omissão do médico; culpa do médico; dano experimentado pela vítima e nexo de causalidade, porém, com algumas pequenas diferenças e singularidades.

Admitida, assim, a obrigação do médico de indenizar quando, no exercício do seu mister ocasionar ao seu paciente algum dano, proceder-se-á ao estudo dos pormenores que imprimem feição peculiar à responsabilidade civil do facultativo.

3.3 – Legislação.

No direito positivo pátrio, a responsabilidade médica é regulamentada pelos seguintes dispositivos legais:

Código Civil de 1916 (arts. 159, 1.537, 1.538, e § 1º, c/c Súmula 562 do STF, 1.539 e 1.545); Novo Código Civil (arts. 186, 927, 948, 949, 950, 951); Súmula nº 341

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do STF; Constituição Federal de 1988 (art. 37, § 6º; Código Penal (arts. 18 e 44,I); Código de Defesa do Consumidor (art. 14, caput e § 4º); Código de Ética Médica (arts. 29 e 46); Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (art. 89) – em caso de delito culposo e na suspensão condicional do Processo; Portaria CVS 05 de 08 de maio de 2000; e Resoluções nº 1.363/93 e nº 1.627/2001 do Conselho Federal de Medicina.

3.4 – Distinção entre obrigações de meio e de resultado.

Para que se caracterize perfeitamente a responsabilidade do profissional liberal, especificamente no que toca a responsabilidade civil do médico, faz-se mister, primeiramente, distinguir o que seja obrigação de meio e obrigação de resultado.

Há obrigação de meios – segundo Demogue, o formulador da teoria, quando a própria prestação nada mais exige do devedor do que pura e simplesmente o emprego de determinado meio sem olhar o resultado. É o caso do médico, que se obriga a envidar seus melhores esforços e usar de todos os meios indispensáveis à obtenção da cura do doente, mas sem jamais assegurar o resultado, ou seja a própria cura.

Na obrigação de resultado:

"(...) o devedor se obriga a alcançar determinado fim sem o qual não terá cumprido sua obrigação. Ou consegue o resultado avençado ou terá que arcar com as conseqüências. (...) Em outras palavras, na obrigação de meios a finalidade é a própria atividade do devedor e na obrigação de resultado, o resultado dessa atividade".

Tal distinção é confirmada pelos ensinamentos de alguns dos mais célebres doutrinadores nacionais. Senão vejamos:

Yussef Said Cahali: "Obrigação de meios é aquela na qual o que se exige do devedor pura e simplesmente é o emprego de determinados meios sem ter em vista o resultado. É a própria atividade do devedor que está sendo objeto do contrato. Dessa forma, a atividade médica tem de ser desempenhada da melhor maneira possível com a diligência normal dessa profissão para o melhor resultado, mesmo que não seja conseguido. O médico deve esforçar-se, usar de todos os meios possíveis para alcançar a cura do doente, apesar de nem sempre alcançá-la.

Obrigação de resultado é aquela em que o devedor obriga-se a chegar a determinado fim, sem o qual não terá cumprido os seus deveres, caso em que estará obrigado a responder pelas conseqüências".

b) Fabiane Maria Costa:

Na obrigação de meios "(...) o profissional não pode comprometer-se com o resultado e com a cura, pois isso é humanamente impossível. Nem sempre que o médico não obtém sucesso em um tratamento pode-se afirmar que não cumpriu com seu dever. O adimplemento da obrigação dá-se desde que tenha se utilizado de todos os meios científicos possíveis e disponíveis de forma cautelosa e sem culpa, não importando que o resultado seja a morte ou a cura do paciente.

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Já na obrigação de resultados, há o compromisso de se obter certo e determinado fim, seja pelo tipo de prestação ou até pela própria vontade do profissional da medicina, caso em que, ainda que a essência da prestação médica oferecida seja de meios, se anunciam, por meio de uma conduta reprovável, publicamente certos resultados para atrair pacientes. Não sendo alcançado o resultado, além de provavelmente ocorrer a responsabilidade civil médica, haverá a responsabilidade por propaganda enganosa, consoante com a art. 37 do Código de Defesa do Consumidor."

c) Maria Helena Diniz:

" A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga tão-somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo. (...) Seu conteúdo é a própria atividade do devedor, ou seja, os meios tendentes a produzir o escopo almejado, de maneira que a inexecução da obrigação se caracteriza pela omissão do dever em tomar certas precauções, sem se cogitar do resultado final. (...) Isto é assim porque nessa relação obrigacional o devedor apenas está obrigado a fazer o que estiver a seu alcance para conseguir a meta pretendida pelo credor; logo, liberado estará da obrigação se agiu com prudência, diligência e escrúpulo, independentemente da consecução efetiva do resultado.

A obrigação de resultado é aquela em que o credor tem o direito de exigir do devedor a produção de um resultado, sem o que se terá o inadimplemento da relação obrigacional. (...) Ter-se-á a execução dessa relação obrigacional quando o devedor cumprir o objetivo final. (...) Nessas obrigações há uma relação contratual de mandato de locação de serviços ou de obra."

Destarte, há obrigação de meio (também denominada de obrigação de diligência) quando inexiste o compromisso de alcançar o resultado. A obrigação assumida é na realização de uma atividade com zelo, atenção e de maneira técnica, sendo que o inadimplemento da obrigação ocorrerá nos casos em que a atividade devida for mal desempenhada. E, por sua vez, há obrigação de resultado, quando se impõe a necessidade de se atingir um certo fim pré-determinado e objetivado à que as partes se comprometem.

Ao fim, o interesse prático da distinção entre obrigação de meio e de resultado se funda não somente no que tange ao próprio conteúdo do contrato, mas também no que concerne a questão do ônus probatório. Ao paciente cabe demonstrar a culpa do médico nas obrigações de meio: a vítima deve provar além do dano, também a culpa. Já na obrigação de resultado, em não sendo obtido o fim esperado, há uma inversão da carga probatória, presumindo-se a culpa do médico, que deverá demonstrar alguma excludente de sua responsabilidade, o que favorece a vítima, devendo essa provar apenas que o resultado não ocorreu.

À luz do exposto, conclui-se que o ponto fulcral da responsabilidade dos médicos é a relação entre a culpa e o dano para que seja possível haver direito à reparação. Todavia, é imprescindível saber se o dano foi causado no inadimplemento de uma obrigação de meio, ou de resultado, porque, neste último caso, ocorrerá a inversão do ônus da prova e a vítima ficará em posição mais cômoda.

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3.5 – Natureza da prestação médica.

Uma vez feita a diferenciação entre obrigações de meio e de resultado, pode-se partir para o estudo da natureza da prestação médica.

Assim, prestação médica é "toda intervenção no organismo humano com fins de assegurar e restaurar a saúde física e psíquica de uma pessoa e melhorar seu aspecto estético, com emprego de meios adequados". Sempre que o médico decide atender a um paciente, o faz voluntariamente, devendo prestar serviços médicos que consistem numa obrigação de meios ou numa obrigação de resultados, as quais constituem a natureza da prestação médica.

A doutrina pátria é quase unânime em afirmar que a natureza da prestação médica configura na maioria dos casos obrigação de meio e apenas em algumas hipóteses (v.g. cirurgia plástica estética propriamente dita) de resultado. Tal assertiva é corroborada pelo entendimento de alguns dos mais renomados autores sobre a matéria. Senão vejamos:

a) Siqueira Montalvão:

" O médico no exercício de sua profissão assume responsabilidade de meio, não de resultado, onde ele deverá esforçar-se para obter a cura, mesmo que esta não se realize, estando seu procedimento dentro dos padrões e métodos da profissão.

Ocorre o diverso nas obrigações de resultado, como é o caso da cirurgia plástica estética, onde o médico obriga-se a atingir determinado fim, pois aqui interessa o resultado de sua atividade, sem o que não terá cumprido sua obrigação, sendo passível de reparação de danos estéticos e morais.

A cirurgia estética gera obrigações de resultado e não de meios".

b)Silvio Rodrigues:

"...ordinariamente, a obrigação assumida pelo médico é uma obrigação de meio e não de resultado.

(...) Já se tem proclamado que no campo da cirurgia plástica, ao contrário do que ocorre na cirurgia terapêutica, a obrigação assumida pelo cirurgião é uma obrigação de resultado e não de meio. Tal concepção advém da posição do paciente numa e noutra hipótese. Enquanto naquele caso trata-se de pessoa doente que busca uma cura, no caso da cirurgia plástica o paciente é pessoa sadia que almeja remediar uma situação desagradável, mas não doentia. Por conseguinte, o que o paciente busca é um fim em si mesmo, tal como uma nova conformação do nariz, a supressão de rugas, a remodelação de pernas, seios, queixo, etc. De modo que o paciente espera do cirurgião, não que ele se empenhe em conseguir um resultado, mas que obtenha o resultado em si."

c)Fabiane Maria Costa:

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"Via de regra, a prestação contraída pelo médico configura obrigação de meios e, excepcionalmente, constituirá obrigação de resultados.

(...) enquanto o exercício de toda a medicina, da perspectiva legal, se faz por contrato de meio, a cirurgia plástica e, dentro dela seu aspecto estético, é considerado como contrato de resultado".

d)Caio Mário da Silva Pereira:

"Num ponto, parece ocorrer, senão unanimidade, ao menos harmonia de opiniões. A obrigação do médico, que é chamado a atender a um cliente, não constitui (salvo na cirurgia estética...) uma obrigação de resultado, porém uma obrigação de meios."

e)Maria Helena Diniz:

"(...) os serviços médicos são, em regra, de meio e não de resultado.

(...) Há casos em que se supõe a obrigação de resultado com sentido de cláusula de incolumidade, como ocorre na cirurgia estética ou no contrato de hospitalização..."

f) Delton Croce e Delton Croce Júnior:

"Urge, todavia, advertir ser diversa a situação dos cirurgiões plásticos (e dos anestesiologistas) no que pertine à responsabilidade civil, para a qual a obrigação desses especialistas é de resultado, não de meio, considerando que as pacientes que buscam corrigir um defeito estético qualquer na silhueta – que consideram desagradável, ou como fator de desajustamento psíquico, por afeá-las – não estão acometidas de enfermidades...

(...) Desse modo, sendo a obrigação do operador plástico – quando pratica tratamentos e/ou intervenção cirúrgica com o fito de aformosear a cliente – de resultado, não de meio..."

g) Miguel Kfouri Neto:

" A regra geral dita que o médico não pode obrigar-se, no desempenho de sua atividade profissional, a obter resultado determinado acerca da cura do doente e assumir o compromisso de reabilitar sua saúde.

(...) Há uma série de especialidades cuja finalidade específica não é a cura direta do enfermo; constituem, antes, meios auxiliares para se alcançar tal objetivo. Os médicos especialistas em análises clínica, bioquímica e radiologia, por exemplo, assumem obrigação de resultado, sem que o exame, em si mesmo, conduza à cura.

(...)De qualquer modo, predomina, na doutrina e jurisprudência, em relação á atividade do cirurgião plástico, em cirurgias estéticas, que a execução defeituosa da obrigação (frustração do resultado) equivale, juridicamente, à inexecução total".

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Isto posto, conclui-se que, em princípio, a generalidade dos contratos de prestação de serviços são de obrigação de meio, aqui inserindo-se, regra geral, o contrato médico. No entanto, destacamos algumas situações nas quais o contrato médico está relacionado ao atingimento de um resultado específico, tal como ocorre nos casos de cirurgia plástica embelezadora, transfusão de sangue, vacinação, dentre outros exemplos.

3.6 - Culpa médica.

Para alguns doutrinadores, há que se distinguir entre culpa ordinária e culpa profissional. A culpa ordinária ocorreria quando, v.g., um cirurgião iniciasse uma cirurgia em estado de embriaguez. Já um erro de diagnóstico revelaria culpa profissional. Para outros, tais como os civilistas franceses, nada justifica essa divisão em tema de responsabilidade civil médica. Assim, agindo o médico com culpa, em qualquer das suas modalidades, seja qual for a natureza – profissional ou não- e independentemente de sua gravidade, mas desde que provada, ver-se-á compelido a reparar o dano que eventualmente provoque.

No Brasil, nosso Código Civil, inspirado no Código Civil francês, estatui em seu artigo 1.545, in verbis:

"Art. 1.545. Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento."

O dispositivo legal supracitado teve sua redação modificada pelo Novo Código Civil, o qual reza em seu artigo 951, in verbis:

"Art.951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho."

Nesse mesmo sentido, preceitua o artigo 29 do Código de Ética Médica, in verbis:

"É vedado ao médico:

Art. 29 – Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência".

Isto posto, sempre oportuna a transcrição dos comentários de Clóvis Beviláqua ao art. 1.545 do CC, que cuida da culpa dos profissionais da saúde:

" A responsabilidade das pessoas indicadas neste artigo, por atos profissionais, que produzem morte, inabilitação para o trabalho, ou ferimento, funda-se na culpa; e a disposição tem por fim afastar a escusa, que poderiam pretender invocar, de ser o dano um acidente no exercício de sua profissão. O direito exige que esses profissionais exerçam a sua arte segundo os preceitos que ela estabelece, e com as cautelas e

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precauções necessárias ao resguardo da vida e da saúde dos clientes e fregueses, bens inestimáveis, que se lhes confiam, no pressuposto de que os zelem. E esse dever de possuir a sua arte e aplicá-la, honesta e cuidadosamente, é tão imperioso que a lei repressiva lhe pune as infrações".

Merece destaque, outrossim, a lição de Delton Croce e Delton Croce Júnior:

"Impende acautelar, para que o médico seja chamado à responsabilidade, civil ou criminal, ser obrigatoriamente necessário que o dano ou prejuízo tenha advindo exclusivamente por culpa, ou seja, por negligência, imperícia ou imprudência, e não por dolo, que é a intenção de produzir o resultado ou assumir o risco de produzi-lo, já que, neste caso, responderá ele fora de sua profissão, como qualquer cidadão, seja qual for a natureza de seu mister".

Os meios de prova são os usuais: depoimento pessoal do médico (pode ocorrer confissão); inquirição de testemunhas (mesmo as suspeitas ou impedidas); prova documental, notícias vinculadas à imprensa; inspeção judicial, presunções; prova pericial; a convicção e o convencimento do juiz.

Vale ressaltar que, salvo casos excepcionais (art. 366 do CC e arts. 1.607 a 1.617 do NCC), todas as provas têm valor relativo, inclusive a pericial, que embora revestida de caráter técnico ou científico, pode apresentar defeitos ou inexatidões como qualquer outro meio de prova. Por essa razão, de acordo com o princípio da livre convicção, o juiz poderá desprezar suas conclusões, pois ele é o peritus peritorum. Logo, o magistrado, como leigo na ciência da medicina, deve se basear no seu próprio entendimento, após ouvir os entendidos no assunto.

No que pertine à prova da culpa, há que se levar em conta o que foi visto no item 3 deste capítulo a respeito das obrigações de meios e de resultado. Com efeito, se no caso o médico for devedor de uma obrigação de meios, advindo à vítima algum dano decorrente da intervenção do facultativo, deve aquela provar que o médico agiu de maneira imprudente, negligente ou imperita. Por outro lado, se a obrigação do profissional da medicina for de resultado, caberá à vítima apenas provar o dano e o nexo causal, devendo o médico, para se isentar do dever de ressarcir o dano, demonstrar a existência de alguma causa excludente de responsabilidade.

Como se vê, para a caracterização da culpa médica não se torna necessária a intenção, é suficiente a simples voluntariedade da conduta, que deverá ser contrastante com as normas impostas pela prudência ou perícia comuns. Ademais, não é preciso que a culpa do médico seja grave, basta que seja certa.

Além disso, não se pode olvidar que a culpa pode ser tanto subjetiva como objetiva.

A culpa subjetiva pode resultar da relação direta entre agente e vítima, como poderá ser presumida, no caso do agente ser um terceiro.

As modalidades de culpa subjetiva, elencadas no art. 159 do CC (arts. 186 e 927 do NCC), são a negligência, a imprudência e a imperícia, derivadas das relações individuais diretas com dano decorrente de ação ou omissão do agente contra a vítima.

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Nessas, o agente não quer o resultado, mas a ele deu causa diretamente. Senão vejamos:

a)Negligência médica:A Negligência médica – di-lo Genival Veloso França – caracteriza-se pela inação, indolência, desleixo, inércia, passividade, torpidez. É a falta de observância aos deveres que as circunstâncias exigem. É um ato omissivo.

Pode-se configurar a negligência médica nas seguintes eventualidades: a) o abandono ao doente; b) a omissão de tratamento; c) a negligência de um médico pela omissão de outro (quando um médico, confiando na pontualidade do colega, deixa o plantão, mas o substituto não chega e um doente, pela falta de profissional, vem a sofrer graves danos; é a negligência vicariante); d) a prática ilegal por estudantes de medicina, acarretando a responsabilidade, por negligência, do responsável pelo estágio; e) a prática ilegal por pessoal técnico ( enfermeiro que realiza punção no doente, advindo complicações e danos) – responde o facultativo, f) a letra do médico (receita indecifrável – em geral vê-se que os médicos têm letra ruim – levando o farmacêutico a fornecer remédio diverso do prescrito); g) esquecimento em cirurgia de corpo estranho no abdômen do paciente (v.g. pinça ou gaze), causando dano; h) a negligência hospitalar, i) a negligência dos centros complementares de diagnóstico, j) negligência em transfusões de sangue.

Como se vê, a negligência é o oposto da diligência (vocábulo que remete à sua origem latina, diligere, agir com amor, com cuidado e atenção, evitando quaisquer distrações e falhas). Portanto, na base da negligência médica está sempre uma omissão dos comportamentos recomendáveis, derivados da comum experiência ou das exigências particulares da prática médica.

c)Imprudência médica: Aduz Genival Veloso França que:

" Imprudente é o médico que age sem a cautela necessária. É aquele cujo ato ou conduta são caracterizados pela audácia, intempestividade, precipitação ou inconsideração. A impudência tem sempre caráter comissivo".

Sobre a matéria, importante é a lição de Miguel Kfouri Neto:

"(...) nenhuma diferença se divisa entre a imprudência comum e a imprudência profissional, de idêntico conteúdo.

No campo médico, entretanto, a dificuldade reside em se distinguir a imprudência da imperícia.

(...) A imprudência sempre deriva da imperícia, pois o médico, mesmo consciente de não possuir suficiente preparação, nem capacidade profissional necessária, não detém sua ação."

Com efeito, o cirurgião que, podendo realizar uma operação por método conhecido, abandona esta técnica e, como conseqüência, acarreta para o paciente um resultado danoso, comete imprudência, e não imperícia. É imprudente também o médico que avalia, diagnostica e receita por telefone.

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Para Genival Veloso França, um ato médico imprudente e desnecessário, sem danos objetivos, não pode ser classificado como culpa médica, senão como delito de "periclitação da vida e da saúde", por expor a vida de alguém a perigo direto e iminente. Por outro lado, prossegue o supracitado autor, não se deve caracterizar como delito culposo o insucesso diante de um ato médico justificável e intransferível, quando há precariedade de meios, quando o agente está no cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito, ou quando os recursos utilizados são opostos à disposição por meios moderados.

Sintetizando a questão, preleciona Genival Veloso França:

"Muitos casos de comprovada imprudência vêm sendo rotulados de imperícia. Se o médico agiu de modo açoado, audacioso e irresponsável, qualquer que seja o seu nível de conhecimento, não há o que se confundir: trata-se de imprudência"..

d)Imperícia médica: É a falta de observação das normas, deficiência de conhecimentos técnicos da profissão, o despreparo prático. Também caracteriza a imperícia, a incapacidade para exercer determinado ofício, por falta de habilidade ou ausência dos conhecimentos necessários, rudimentares, exigidos numa profissão.

Adverte Genival Veloso França que diagnóstico errado não é sinal de imperícia, dadas as circunstâncias que envolvem a análise dos sintomas, às vezes confusos. Ocorreria aí o chamado "erro honesto".

A título de exemplificação, é oportuno destacar que se tem argüido imperícia médica quando o obstetra realiza ligadura de trompas, ou laqueadura (forma de esterilização feminina) e ainda assim a mulher vem a engravidar.

Do exposto, o mais importante é dizer que uma vez caracterizada a negligência e/ou a imprudência e/ou a imperícia do médico, ele responderá civilmente pelo dano causado.

Alfim, vale transcrever a opinião de Genival Veloso França, para o qual não há que se falar em imperícia médica, entendendo-se, assim, por responsabilidade médica baseada na culpa subjetiva, apenas a negligência e a imprudência:

"Nosso pensamento é que o médico habilitado – profissional e legalmente – não pode ser considerado imperito em nenhuma circunstância, por mais palpável que seja essa situação, uma vez que consideramos a imperícia a falta de habilidade no exercício de uma tarefa, ou a ausência de conhecimentos elementares para determinado ofício. Consiste ela, justamente, na incapacidade para determinada profissão. É a falta de prática rudimentar necessária numa determinada tarefa profissional, pois sabemos que, para todas elas, existem princípios primários, os quais devem ser conhecidos por todos aqueles que a ela se dediquem.

(...) Onde não há ignorância não pode haver imperícia.

(...) Por responsabilidade médica não se entende, então, uma capacidade mais ou menos brilhante, ou um conhecimento mais ou menos profundo, mas apenas a possibilidade de imprudência ou de negligência."

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Pessoalmente, não concordo com a opinião do supracitado autor.

A culpa subjetiva presumida, por sua vez, decorre das relações individuais indiretas e funda-se no vínculo jurídico existente entre o agente e o responsável. Para haver presunção de culpabilidade, o erro deve ser grosseiro, resultante de uma das modalidades de culpa e ser devidamente demonstrado. Caso os profissionais tenham se utilizado dos meios normais e indicados, apenas uma prova irretorquível poderá levar à indenização pleiteada.

Já a culpa objetiva pressupõe uma impossibilidade de defesa da vítima, sendo que o dano deriva de uma conduta reprovável de ação ou de omissão. A impossibilidade de defesa dá-se ou pela imprevisibilidade do fato danoso, ou pela impossibilidade de resultado diverso. O interessado na reparação do dano que resulta de culpa objetiva deve provar apenas o dano, a existência do nexo causal e que não agiu com culpa própria, vez que a intenção não se faz relevante para obtenção da indenização na esfera cível. É um caso de presunção juristantum.

3.7-Dano Médico

Para que tenha origem a responsabilidade civil médica, deve existir um dano, de qualquer tipo ou espécie, ao paciente: lesão a um direito (à vida, à integridade física, à saúde), lesão de um interesse legítimo – danos patrimoniais ou morais.

Adquirem relevância, evidentemente, os danos físicos, visto que a atividade médica se exerce sobre o corpo humano, nos diversos aspectos contemplados pelo tratamento médico-cirúrgico.

Assim, Miguel Kfouri Neto doutrina que os danos médicos podem ser físicos (ou corporais) - materias ou morais.

O dano material, também chamado de dano patrimonial, é a lesão concreta que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, parcial ou total, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. Abrange o dano emergente (o que o lesado efetivamente perdeu) e o lucro cessante (o aumento que seu patrimônio teria, mas deixou de ter, em razão do evento danoso).

Já o dano moral (igualmente denominado de dano psíquico) é a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica provocada pelo fato lesivo. Tal dano, por sua vez, subdivide-se em: a) dano moral direto, que é a lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade ou nos atributos da pessoa; b) dano moral indireto, o qual é a lesão a um interesse tendente à satisfação ou gozo de bem jurídico patrimonial, que produz um menoscabo a um bem extrapatrimonial.

Como se vê, o caráter patrimonial ou moral do dano não advém da natureza do direito subjetivo danificado, mas dos efeitos da lesão jurídica, pois do prejuízo causado a um bem jurídico econômico pode resultar perda de ordem moral, e da ofensa a um bem jurídico extrapatrimonial pode originar dano material. Assim, por exemplo, o direito

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à integridade corporal, que é um direito da personalidade, pode sofrer um prejuízo patrimonial, caso em que a lesão ao interesse patrimonial será representada pelas despesas (dano emergente) com o tratamento da vítima e pela sua incapacidade de trabalho (lucro cessante), e um prejuízo extrapatrimonial, hipótese em que se terá uma lesão ao interesse à incolumidade física que esse direito pressupõe e que sofreu. Logo, via de regra, o dano moral se entrelaça a um prejuízo material, fruto do mesmo evento lesivo.

Ademais, não se pode olvidar do dano estético, o qual, recaindo sobre a aparência do sujeito, caracteriza-se pela lesão à beleza física, à harmonia das formas externas de alguém, e pode ter efeitos morais e patrimoniais, apesar de estar compreendido no dano moral. Tal assertiva é corroborada pelos ensinamentos de alguns dos autores mais laureados no assunto; senão vejamos:

Em sua tese de doutoramento, Tereza Ancona Lopez de Magalhães afirma, de início, que o dano estético é o próprio dano moral. Porém, mais adiante, ressalta que "o conceito de belo é relativo. Ao apreciar-se um prejuízo estético deve-se ter em mira a modificação sofrida pela pessoa em relação ao que era antes".

Segundo Yussef Said Cahali: " Enquanto dano moral, o dano estético se apresenta como uma ofensa a um direito da personalidade, qual seja, o direito à integridade corporal, à imagem."

Maria Helena Diniz, ex professo, conceitua o dano estético da seguinte forma:

"O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeamento da vítima, consistindo numa simples lesão ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa. Por exemplo: mutilações (ausência de membros, orelhas, nariz, etc.); cicatrizes, mesmo acobertáveis pela barba ou cabeleira ou maquilagem; perda de cabelos, dos dentes, da voz, da visão, feridas nauseabundas ou repulsivas, etc., em decorrência do evento lesivo. Realmente, o Código civil de 1916, no artigo 1.538, §§ 1º e 2º, ao utilizar os termos ‘aleijão e deformidade’, alargou o conceito de dano estético."

Não obstante a definição de tão insigne autora, vale consignar a objeção de certa corrente doutrinária para a qual a permanência, a constante "aparência" da lesão seria indispensável à caracterização do dano estético. Quer dizer, a existência do dano estético exige que a lesão que enfeiou determinada pessoa seja duradoura, caso contrário não se poderá falar em dano estético propriamente dito (dano moral), mas em atentado reparável a integridade física ou lesão estética passageira, que se resolve em perdas e danos habituais.

Nesse sentido, Miguel Kfouri Neto: "A avaliação do dano estético deve ser feita por ocasião do julgamento, o mais tarde possível. A cicatriz, a deformidade, podem atenuar-se".

No juízo cível, importará a extensão dos danos, a localização, a possibilidade de completa (ou parcial) remoção, as características pessoais da vítima (sexo, idade,

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profissão, estado civil, etc), as restrições de ordem pessoal decorrentes da irreparabilidade da lesão (alijar-se do convívio social, dado o aspecto repugnante do ferimento) – tudo deverá ser levado em conta no momento de se definir a indenização.

Ex positis, conclui-se que o dano estético terá efeitos morais quando o prejuízo estético sofrido pela vítima lhe acarretar repercussões de ordem psíquica, ao passo que terá efeitos patrimoniais sempre que a deformidade lhe houver impossibilitado exercer certas atividades, v.g., a de modelo fotográfico ou apresentador de programa jornalístico.

Alfim, a legitimidade para pleitear indenização por dano estético, no Brasil, diz respeito apenas à vítima da ofensa, da qual resultou o dano. Contudo, admite-se na doutrina alienígena, notadamente na França, a possibilidade de terceiro pleitear a indenização por dano estético. Se a estabilidade conjugal, por exemplo, ficar abalada pela deformidade da mulher, o marido pode pleitear a reparação: vendo a mulher desfigurada, ele foi acometido de trauma nervoso, caindo doente, daí surgindo o dever indenizatório. Ou, ainda, pais de filho inválido – que também sofrem com a dor.

3.8-Nexo de causalidade.

Para que haja a responsabilidade civil do médico, sendo ele condenado a indenizar, é essencial que o dano decorra de sua ação ou omissão, ou de atos de seus prepostos ou de fatos de suas coisas.

Segundo Fabiane Maria Costa:

" Hoje, nem sempre o médico age apenas praticando atos próprios no exercício de sua profissão (responsabilidade civil por atos próprios, subjetiva); também pode ser auxiliado por prepostos ou outros médicos (responsabilidade civil por fato de outrem, objetiva), ou por instrumentos (responsabilidade civil por fato das coisas, objetiva)."

Assim, a responsabilidade civil médica pode se manifestar em três âmbitos, cada qual com seus fundamentos e pressupostos, classificando-se em : responsabilidade por fato próprio, responsabilidade por fato de outrem e responsabilidade por fato das coisas.

Analisar-se-á, a seguir, cada uma dessas modalidades de responsabilidade.

A_Responsabilidade civil médica por fato próprio.

O médico, como qualquer outro cidadão, é responsável por seus próprios atos; a responsabilidade civil médica por fato próprio é a obrigação que tem o profissional da medicina de reparar os danos que, por seus atos e no exercício de seu mister venha a causar a seus pacientes ou a terceiros.

De acordo com a teoria clássica, a culpa é o fundamento da responsabilidade civil médica por fato próprio, responsabilizando o médico somente nos casos em que agiu com negligência, imprudência ou imperícia no exercício de sua profissão. A teoria do risco, in casu, não pode ser aceita, pois levaria apenas a um conflito entre patrimônios, devendo-se responsabilizar apenas aquele que agiu mal.

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No direito positivo pátrio, a matéria é versada nos arts. 159 e 1.545 do CC (arts. 186 e 951 do NCC), no §4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 29 do Código de Ética Médica.

Conclui-se que a responsabilidade civil médica por fato próprio se fundamenta na culpa e exige como pressupostos: a) ação ou omissão culposa do médico; b) dano médico; c) relação de causalidade.

B-Responsabilidade civil médica por fato de outrem.

O médico tem obrigação de ressarcir os danos que pessoas a ele vinculadas ou subordinadas venham a causar, pois, na grande maioria das vezes, o profissional não age sozinho para prestar seus serviços, quer seja na obrigação de meios, quer na de resultados (a obrigação de meios e a obrigação de resultados serão estudadas no Capítulo III, referente a responsabilidade civil médica em cirurgias plásticas).

Sobre a questão, reza o Código Civil de 1916, in verbis:

"Art. 1.521. São também responsáveis pela reparação civil:

I-omissis...

II- omissis...

III- o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele (art. 1.522)" ;

"Art. 1.523. Excetuadas as do art. 1.521, V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte."

O Supremo Tribunal Federal também já se manifestou quanto ao tema, in verbis:

Súmula 341. "É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto".

Portanto, o patrão, amo ou comitente será responsabilizado pelas faltas de seus prepostos e subordinados, independentemente de haver culpa in vigilando ou in eligendo.

São pressupostos da responsabilidade civil médica por fato de outrem: a) relação de preposição ou subordinação entre o médico e o agente; b) ação ou omissão culposa do preposto ou subordinado no exercício das atividades objeto da relação de preposição; c) dano; d) nexo causal entre a ação ou omissão culposa do preposto e o dano.

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Dessa maneira, o médico só será responsabilizado civilmente pelo fato de outrem se este estiver sob seu comando ou subordinação. Contudo, a culpa do médico está dispensada se o preposto agiu ou se omitiu culposamente durante o exercício das atividades às quais estava subordinado.

C-Responsabilidade civil médica por fato da coisa.

O médico tem obrigação de indenizar os danos causados pelas coisas utilizadas na prestação médica e que sejam de sua propriedade, ou estejam sob seu dever de conservação.

A aceitação dos riscos pelo paciente não se presume, sendo que o médico deve esclarecê-lo sobre seu uso, prevenindo-o das possíveis conseqüências, e obtendo o seu consentimento para utilizá-los. Feito isso, não haverá responsabilidade. Entretanto, se o facultativo faltar com o dever de informação, impossibilitando o paciente de optar pela submissão ao tratamento, caracteriza-se a responsabilidade por fato próprio do médico, que tem, como já visto, fundamento na teoria da culpa.

Caso os aparelhos utilizados, por si sós, provoquem danos, estes poderão ocorrer por dois fatores: ou pelo mau uso do equipamento, havendo responsabilidade por fato próprio de quem utiliza esse aparelho; ou pelo defeito ou vício do equipamento, sem qualquer interferência do médico, havendo responsabilidade civil por fato da coisa.

São requisitos da responsabilidade civil médica por fato da coisa; a) o fato da coisa (explosão, choque, defeito grave, incêndio, etc.); b) relação de propriedade ou de conservação entre a coisa e o médico; c) dano; d) nexo de causalidade entre o fato da coisa e o dano.

Destarte, para que possa ser responsabilizado pelo fato da coisa, o médico deve ser o proprietário do equipamento ou responsável pela conservação ou guarda da coisa. Na maioria dos casos, o proprietário da aparelhagem é o hospital, que apenas coloca à disposição do profissional o seu uso. Nesse caso, havendo dano, o hospital será responsabilizado e não o médico.

3.9-Erro Médico.

À luz do acima exposto quanto a culpa médica, o dano médico e o nexo de causalidade, já podemos nos perquirir a respeito do que vem a ser o erro médico.

Deveras, tema bastante controvertido, no qual envidam esforços para sua definição juristas, advogados, promotores, juízes e médicos, o erro médico se apresenta aos operadores do direito não somente como uma realidade de difícil conceituação, mas também como um fato que, para ser provado, requer uma tarefa árdua.

No vernáculo, o vocábulo erro apresenta grande sinonímia: "1. Equívoco, engano. 2. Uso impróprio ou indevido. 3. Conceito errado ou juízo falso. 4. Culpa, falta."

Erro médico é, pois, a falha do profissional médico no exercício de seu mister.

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Para o direito, o erro médico é caracterizado pela presença de dano ao paciente, com nexo comprovado de causa e efeito, sendo caracterizado, também, pela presença de procedimento em que tenha havido uma ou mais de três falhas por parte do médico: imperícia, imprudência e/ou negligência.

Assim, a conduta médica ensejadora de responsabilidade pode consistir numa ação ou omissão culposas.

Ademais, para que se configure o erro médico, há que se confrontar o ato realizado com as condutas recomendáveis pela literatura profissional, a fim de se constatar se houve ou não o perfeito enquadramento do primeiro às segundas. Segundo Miguel Kfouri Neto, "... rotineiramente, utilizam-se três autores consagrados. Se a técnica utilizada pelo médico foi semelhante à preconizada nos compêndios, não houve transgressão de normas técnicas; se for diferente, e o mau resultado adveio dessa técnica, houve transgressão".

Todavia, há que se considerar que o erro médico pode ser escusável ou não, o que pode, respectivamente, isentar ou gerar responsabilidade ao facultativo.

Segundo os ensinamentos de Delton Croce e Delton Croce Júnior, para que o erro médico seja considerado escusável são necessários os seguintes requisitos: a) que o médico assistente não se tenha havido com culpa em qualquer modalidade (negligência, imprudência, imperícia); b) que a mal resultância seja conseqüente a um erro de diagnóstico possível do ponto de vista estatístico; c) que no estabelecimento deste diagnóstico tenham oportunamente sido utilizados meios e métodos amiudamente empregados; d) que a terapia clínica e/ou cirúrgica seja a habitualmente utilizada para o diagnóstico formulado; e) que o evoluir do caso se tenha processado dentro das expectativas.

Diante do exposto, oportuno é o escólio de Aníbal Bruno:

" O erro profissional, ou escusável, não é devido à falta de observação das regras e princípios que a Ciência sugere, e sim devido à imperfeição da Medicina – arte despida de precisão matemática - e à precariedade dos conhecimentos humanos: há erro escusável, e não imperícia, sempre que o profissional, empregando correta e oportunamente os conhecimentos e regras de sua ciência, chega a uma conclusão falsa, possa, embora, daí, advir um resultado de dano ou de perigo, conforme o ensinamento de Aníbal Bruno (...) A não ser que se trate, evidentemente, de erro grosseiro".

Tome-se para exemplo de erro escusável, o caso de médico que deixa de realizar intervenção cirúrgica em tempo hábil por não demonstrar a vítima de facada nenhum sinal ou sintoma inerente aos ferimentos transfixantes de órgãos ocos ou maciços na cavidade abdominal, vindo, posteriormente, o ofendido a falecer.

Entretanto, na contramão de tudo o que foi visto até aqui, vale ressaltar a existência de uma corrente doutrinária, liderada por Klotz, que entende que os erros médicos têm uma função de estímulo às pesquisas, as quais visam evitar que os mesmos se repitam no futuro, impedindo, assim, o que ele chama de analgesia da

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rotina, mal que afeta todos os profissionais, e não apenas os médicos. Dessa forma, os erros levariam os profissionais a questionar as técnicas então existentes, muitas vezes solidificadas pelo costume apesar de não serem benéficas, levando, então, ao aperfeiçoamento da ciência, o que sempre seria algo profícuo.

Feitas tais ponderações iniciais acerca do tema em tela, tratar-se-á, agora, sobre os dois tipos específicos de erro médico: o erro de diagnóstico e o erro de tratamento.

3.9.1- Erro de diagnóstico.

Do ponto de vista técnico, o diagnóstico consiste em identificar e determinar a moléstia que acomete o paciente, dependendo dele a escolha do tratamento adequado.

Nas palavras de Miguel Kfouri Neto, "o diagnóstico consiste, pois, (...) na emissão de um juízo acerca do estudo da saúde do paciente".

Assim, havendo erro de diagnóstico, a cura do paciente fica comprometida, podendo, conforme o caso, ocasionar até a morte do mesmo..

Todavia, o ato de diagnosticar, como é de conhecimento do senso comum, não se reduz à uma operação matemática. Por tal motivo, a determinação da responsabilidade civil médica decorrente de erro de diagnóstico se revela muito difícil, porque adentra a um campo estritamente técnico, o que dificulta enormemente a apreciação judicial, mormente por não se poder admitir em termos absolutos a infalibilidade médica. Por outro lado, os meios de que dispõe o facultativo para a análise do enfermo, as próprias condições pessoais do paciente, bem como a fase evolutiva em que se encontra a ciência médica, também podem determinar esses erros.

Se o erro for grosseiro ou, se em virtude da alta especialidade do médico for dele esperado o conhecimento de certa moléstia, deverá o mesmo ser responsabilizado pelo diagnóstico falho, o qual pode levar à não-identificação da enfermidade ou à identificação de doença inexistente ou distinta da existente. No dizer de Maria Helena Diniz:

"O erro de diagnóstico escusável ante o estado atual da medicina isenta o médico de qualquer responsabilidade, mas, se grosseiro, levará o médico a responder por isso. P. ex.: se tomar uma mulher grávida como portadora de fibroma e operá-la, causando-lhe a morte".

Destarte, o erro de diagnóstico se caracteriza pela eleição do tratamento inadequado à patologia instalada no paciente, com resultado danoso ao mesmo. O erro de diagnóstico é, em princípio, escusável, a menos que seja, por completo grosseiro. Assim, qualquer erro de avaliação diagnóstica induzirá responsabilidade se um médico prudente não o cometesse, atuando nas mesmas condições externas que o demandado.

Isto posto, a questão deverá ser deslindada pela seguinte regra geral: se, naquelas circunstâncias, com os meios de que dispunha, o profissional não se desviou

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crassamente da conduta prevista para aquele caso, inexistirá culpa, e, por conseguinte, estará arredado o dever de indenizar.

Por fim, a postura do juiz no exame da prova em matéria de erro de diagnóstico, segundo Miguel Kfouri Neto, não deverá se orientar à elucidação de intrincados métodos clínicos ou cirúrgicos e de terapêutica. A posição do julgador deverá ser a mesma adotada em face de qualquer outro erro profissional: ele terá de fazer fé e apreciar a questão à luz do alegado e do provado, atendendo, sobretudo aos pareceres dos peritos e depoimentos das testemunhas.

3.9.2- Erro de tratamento.

O tratamento tem início após o diagnóstico, quando a doença é identificada e determinada.

Consiste o tratamento na fase em que o médico se utiliza dos meios a sua disposição para "conservar a vida, melhorar a saúde ou aliviar a dor", devendo ser redobradas a prudência e a assistência para com o enfermo, já que é nesse momento em que serão realizadas as intervenções sobre o corpo do paciente, seja através de medicamentos ou de cirurgias.

O erro no tratamento sobrevirá tanto de forma direta (v.g. erro na execução de uma cirurgia), como também de modo indireto, como é o caso das infecções hospitalares, provocadas por problemas com higiene e/ou descuido na utilização dos equipamentos.

O tratamento é a fase em que a perícia médica deve ser avaliada de forma objetiva, uma vez que, se o diagnóstico muitas vezes não pode ser perfeito pelo insuficiente grau de desenvolvimento da medicina, no tratamento o facultativo tem o dever de observar constantemente como o paciente reage à intervenção médica, podendo comprovar que seu diagnóstico foi ou não correto, face a recuperação ou piora do estado de saúde do enfermo.

A configuração do erro médico dependerá da análise de cada caso concreto. Uma vez comprovado o erro profissional, seja de diagnóstico ou de tratamento, e se o mesmo acarretou ao paciente alguma espécie de dano, a responsabilidade civil médica se torna certa, cabendo ao doente ou aos seus familiares, se for o caso pleitear judicialmente a reparação que o direito lhes assegura (ver Capítulo V).

3.10-Natureza contratual da responsabilidade civil médica.

Inicialmente, entendia-se que a responsabilidade do médico era aquiliana, o que dava aos profissionais em comento a mais ampla liberdade de atuação, devendo reparar eventuais danos tão-somente em alguns casos de erro profissional.

Foi uma decisão da Câmara Cível de Cassação, em 20 de maio de 1936, que determinou a mudança no rumo do pensamento jurídico. O tribunal decidiu que "entre o médico e o seu cliente se forma um verdadeiro contrato que se não comporta, evidentemente, a obrigação de curar o doente, ao menos compreende a de proporcionar-lhe cuidados". A partir desse pronunciamento, passou-se a admitir quase

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que unanimemente o caráter contratual da relação médico-paciente, haja vista pacto estabelecido entre o esculápio e o paciente.

Traz-se à lume, assim, as lições de alguns dos mais célebres doutrinadores pátrios, as quais corroboram a assertiva supramencionada de que a responsabilidade civil médica é contratual.

Miguel Kfouri Neto preceitua que: " Apesar de o Código Civil brasileiro colocar a responsabilidade dentre os atos ilícitos, não mais acende controvérsias caracterizar a responsabilidade médica como ex contractu".

Em igual sentido, afirma Yussef Said Cahali:

"A discussão a respeito do enquadramento da responsabilidade médica dentro da culpa contratual ou extracontratual está hoje superada. A doutrina e a jurisprudência são francamente pela responsabilidade ex contractu do médico..."

Quanto à matéria, importante é o escólio de Silvio Rodrigues:

"A responsabilidade de tais profissionais é contratual, e hoje tal concepção parece estreme (sic) de dúvida. Entretanto, no passado, a idéia contrária era a prevalecente, sendo certo que o fato de se colocar a responsabilidade dos médicos e cirurgiões na órbita contratual representou, de um certo modo, uma conquista do progresso científico."

José de Aguiar Dias, por sua vez, conclui taxativamente:

"Ora, a natureza contratual da responsabilidade não nos parece hoje objeto de dúvida. (...) Acreditamos, pois, que a responsabilidade do médico é contratual, não obstante a sua colocação no capítulo dos atos ilícitos. Aliás, já o dissemos, quando as duas ações, contratual e extracontratual, conduzem ao mesmo resultado, a confusão entre as duas espécies do mesmo gênero é falta meramente venal".

Ante ao exposto, vale ressaltar que no Código Civil de 1916, a responsabilidade médica está inserta no capítulo concernente à liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos. Já no Novo Código Civil, tal responsabilidade consta no capítulo referente à indenização.

Destarte, quando existe vínculo entre o cliente e o profissional, as relações que os envolvem são resolvidas pelos princípios da responsabilidade contratual.

A responsabilidade contratual (também chamada de responsabilidade negocial) é, pois, um efeito da obrigação contratual, resultante do incumprimento ou do mau cumprimento de uma obrigação nascida de um contrato, de acordo com o art. 1.056 do Código Civil brasileiro (art. 389 de NCC). Portanto, para a existência da responsabilidade contratual, é necessária a existência de um contrato entre o autor do dano e a vítima, sendo que esse contrato deve ser válido, e o dano deve decorrer do não-cumprimento ou do mau cumprimento desse contrato.

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No entendimento de Fabiane Maria Costa, as características do vínculo contratual que se perfaz entre médico e paciente são:

- Em regra, é um contrato intuitu personae – o paciente escolhe seu médico fundado em suas qualidades pessoais, pelo grau de confiança que tem em relação aos serviços prestados por aquele profissional;

- É um contrato bilateral - porque, em razão do vínculo, surgem obrigações para ambas as partes. O paciente deve seguir o tratamento indicado pelo médico e pagar os honorários devidos, enquanto que o médico deve atender ao paciente com prudência, diligência e perícia, indicadas pelas normas da ciência médica. Caso essa obrigação médica seja descumprida, surge uma nova obrigação: a de reparar. Por conseguinte, se o médico presta serviços negligentes, deve indenizar o paciente;

- É um contrato consensual – pois se torna perfeito a partir do momento em que as partes declaram reciprocamente seu consentimento, seja ele expresso ou tácito, verbal ou escrito. Há um acordo de vontades em torno de um objeto que é a prestação médica. A partir daí, o médico é obrigado a prestar os serviços, sejam eles de resultado ou simplesmente de meios. Vale ressaltar que o consentimento do paciente em se submeter ao tratamento é indispensável, a não ser nos casos em que estiver num estado de inconsciência e nenhum parente possa fazê-lo em seu lugar. Nesse caso, o médico, utilizando-se de seus conhecimentos técnico-científicos, deve optar pela melhor possibilidade em benefício do paciente. Porém, na hipótese de ocorrência de erro médico, mesmo havendo o consentimento do cliente, não há uma diminuição de sua culpa.

- É um contrato comutativo – pois desde o início, as partes já têm estabelecidas as prestações, as quais são certas e determinadas;

- É um contrato oneroso – vez que o paciente deve dar uma contraprestação ao profissional em troca dos serviços que dele recebe. Os contratos bilaterais não se presumem gratuitos. Mesmo que os serviços médicos sejam prestados de forma gratuita, o caráter contratual de onerosidade não se afasta;

- É um contrato de tracto sucessivo – já que as prestações geralmente perduram no tempo, iniciando-se com a primeira consulta;

- É um contrato sui generis – de acordo com a classificação feita pela doutrina majoritária, o contrato de prestação médica é sui generis, principalmente porque a remuneração recebida pelo médico é mais uma homenagem, um agradecimento, e não uma forma de pagamento. Ademais, além de ser um contrato de locação de serviços, exige amparo, conselho, proteção e guarda ao doente que se encontra mais fraco e incapaz de se defender com suas próprias forças;

- É contrato de direito privado – por haver a liberdade de contratação;

- É contrato de consumo – uma vez que o médico é o prestador de serviço e o paciente, o consumidor (relação amparada pelo Código de Defesa de Consumidor);

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- É contrato de direito civil – sendo vedado, pelo Código de Ética Médica, ser ato de comércio;

- Via de regra, configura obrigação de meios e, excepcionalmente, de resultados.

Entretanto, o fato de se considerar como contratual a responsabilidade médica não tem, ao contrário do que poderia parecer, o resultado de presumir a culpa, porque o médico não se compromete a curar, mas a proceder de acordo com as regras e os métodos da profissão. No dizer de Miguel Kfouri Neto, "não há, pois, culpa presumida do médico, por estarmos diante de um contrato. Ao autor incumbe a prova de que o médico agiu com culpa."

Calha, a propósito, a lição de Maria Helena Diniz:

"Assim sendo, se o paciente vier a falecer, sem que tenha havido negligência, imprudência ou imperícia na atividade do profissional da saúde, não haverá inadimplemento contratual, pois o médico não assumiu o dever de curá-lo, mas de tratá-lo adequadamente. É preciso lembrar que não haverá presunção de culpa para haver condenação de médico; ele (CDC, art. 6º, VIII) é que deverá provar que não houve inexecução culposa da sua obrigação profissional, demonstrando que o dano não resultou de imperícia, negligência ou imprudência sua."

Sintetizando a matéria, dispõe José de Aguiar Dias: "Na prática, independentemente da fixação da natureza desse contrato, é ao paciente que incumbe provar a inexecução por parte do profissional"

A jurisprudência nacional tem sufragado o entendimento de que é necessária, na maioria dos casos, a caracterização da culpa em alguma das suas modalidades para que surja a obrigação de indenizar por parte do facultativo. Nesse sentido, leia-se a seguinte Ementa, in verbis:

"Médico – Responsabilidade civil – Quando ocorre – ação improcedente. A responsabilidade civil dos médicos somente decorre de culpa provada, constituindo espécie particular de culpa. Não resultando provadas a imprudência, imperícia ou negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a responsabilidade dos doutores em medicina em virtude, mesmo, da presunção de capacidade constituída pelo diploma obtido após as provas regulamentares (TJRJ, Rel. Des. Felisberto Ribeiro. RT 558/178)".

O Tribunal de Justiça de São Paulo assim também se pronunciou, in verbis:

"Se nenhuma modalidade de culpa – negligência, imprudência ou imperícia – ficar demonstrada, como não há risco profissional independente de culpa, deixará de haver base para fixação de responsabilidade civil, pois as correlações orgânicas ainda são pouco conhecidas e surgem às vezes resultados inesperados, desconhecidos " (TJSP, ADCOAS, 1981, n. 80.418).

3.11 - Natureza extracontratual da responsabilidade civil médica.

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Cabe frisar, contudo, que a responsabilidade médica terá natureza delitual quando o facultativo cometer um ilícito penal ou violar normas regulamentares da profissão.

Sobre o tema, Maria Helena Diniz doutrina que:

"Realmente nítido é o caráter contratual do exercício da medicina, pois apenas excepcionalmente terá natureza delitual, quando o médico cometer um ilícito penal ou violar normas regulamentares."

Esse também é o entendimento de Miguel Kfouri Neto:

"É claro que poderá existir responsabilidade médica que não tenha origem no contrato: o médico que atende alguém desmaiado na rua, v.g. A obrigação de reparar o dano, entretanto, sempre existirá, seja produzida dentro do contrato ou fora dele".

Assim, Yussef Said Cahali defende que o médico responderá extracontratualmente nos seguintes casos:

a) fornecer atestado falso; b) consentir, podendo impedir, que pessoa não habilitada exerça a medicina; c) permitir a circulação de obra por ele escrita com erros de revisão relativos à dosagem de medicamentos, ou que venha a ocasionar acidentes ou mortes; d) não ordenar a imediata remoção do ferido para um hospital, sabendo que não será possível sua melhora nas condições em que o cliente está sendo tratado; e) operar sem estar habilitado para tal; f) lançar mão de tratamento cientificamente condenado, causando deformação no paciente.

Vale ressaltar que em relação a terceiros prejudicados, a responsabilidade ostenta cunho exclusivamente extracontratual.

Resumindo a questão, anota Maria Helena Diniz:

"A responsabilidade do médico é contratual, por haver entre o médico e seu cliente um contrato, que se apresenta como uma obrigação de meio, por não comportar o dever de curar o paciente, mas de prestar-lhe cuidados conscienciosos e atentos conforme os progressos da medicina. Todavia, há casos em que se supõe a obrigação de resultado, com sentido de cláusula de incolumidade, nas cirurgias estéticas e nos contratos de acidentes. Excepcionalmente a responsabilidade do médico terá natureza delitual, se ele cometer um ilícito penal ou violar normas regulamentares da profissão."

Como se vê, a responsabilidade contratual do médico é a regra, enquanto que a responsabilidade extracontratual a exceção.

Todavia, segundo Fabiane Maria Costa, a diferença entre responsabilidade contratual e extracontratual tem pouca importância na prática, pois uma vez ocorrido o dano por culpa médica, surge a responsabilidade, independentemente de existir ou não um contrato.

Em igual sentido, conclui Serpa Lopes: "... pouco importa que se trata de uma responsabilidade contratual ou extracontratual, de qualquer modo, em se tratando de

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uma obrigação de meios, ao prejudicado é que incumbe o ônus probatório da infringência dessas obrigações".

3.12-Natureza subjetiva da responsabilidade civil médica.

Conforme já visto no subitem 1.3.3 do Capítulo I, a responsabilidade pode ser subjetiva ou objetiva, haja vista ser ela fundada na idéia de culpa ou na atividade de risco realizada pelo causador do dano.

Quanto à matéria, o magistério de Miguel Kfouri Neto:

" A responsabilidade do profissional da medicina (tirante poucas exceções) não poderá jamais se divorciar do conceito tradicional de culpa, no intuito de se qualificar a conduta do médico como lesiva e apta a gerar obrigação de indenizar. A objetivação da responsabilidade, tão a gosto de considerável parcela da doutrina jurídica hodierna, aqui não pode caber.

Argumenta-se que as graves dificuldades encontradas pelo lesado, para obter prova do nexo causal, até, da autoria do dano, justificam a opção pela responsabilidade objetiva. Doutro lado, a proliferação dos grandes hospitais sempre crescente de equipamentos sofisticados na atividade curativa, contribuiriam para despersonalizar a relação médico-paciente, na vida moderna. Haveria, pois, uma evolução iniciando-se pela responsabilidade subjetiva, passando-se pela teoria do risco, até se estabelecer, em definitivo, a responsabilidade objetiva".

E conclui dizendo:

" A dor, a doença, a morte, as alterações da saúde não constituem, em princípio, um risco que nasça da atividade médica, mas algo ínsito ao ser humano – e cada médico em particular e o conjunto deles, em todo o mundo, busca aliviar esse sofrimento, remediar a enfermidade e restaurar a saúde.

O próprio doente traz consigo um risco, derivado da sua patologia - e não é o médico quem o provoca. Adotar uma responsabilidade objetiva, nesse caso, equivale a lutar contra a própria natureza humana.

Dar cobertura a todo risco de doença ou morte, em atividade médica, corresponderia a obrigar o médico a dar a saúde ao doente, a prolongar a vida, ultrapassando as potencialidades do médico enquanto homem, para transformá-lo num Deus."

No mesmo diapasão, obtempera Fabiane Maria Costa: "a prestação médica é um trabalho contra o risco, não o constituindo nem o gerando".

Destarte, a responsabilidade médica, no direito nacional, tem natureza subjetiva, em face da exigência da presença de culpa na conduta do profissional, sem a qual não há que se falar em obrigação de indenizar.

3.12.1 - Teorias objetivistas estrangeiras.

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Segundo o magistério de Teresa Ancona Lopez de Magalhães:

"Dentre nós cabe ao lesado demonstrar cabalmente a culpa do profissional. Noutros países, contudo, procura-se facilitar o trabalho do ofendido na prova da culpa médica. O fim colimado é vê-lo indenizado, por isso os tribunais admitem um esgarçamento do nexo causal, prestando especial ênfase ao resultado lesivo."

Dessa forma, para uma melhor compreensão do assunto, é conveniente se fazer breves ponderações do modo como a matéria é tratada não só no direito pátrio, mas também no alienígena. Assim, dentre as teorias objetivistas estrangeiras, destacam-se:

A) Perte d’ une chance.

A jurisprudência francesa tem adotado, a partir de 1965, em casos de danos corporais indenizáveis, para proteger a vítima e obviar os inconvenientes na formação da culpa, a teoria da perda de uma chance de sobrevivência ou de cura. O elemento prejudicial que determina a indenização é a perda de uma chance de resultado favorável no tratamento.

Quando não é possível afirmar que determinado prejuízo se deve a um ato ou omissão do médico, supõe-se que o prejuízo consiste na perda de uma possibilidade de cura, e, em conseqüência, condena à indenização por esta perda.

Desaparece, desse modo, a dificuldade em se estabelecer a relação de causalidade entre o ato ou omissão médica e o agravamento da condição de saúde, invalidez ou morte do paciente – que podem se dever tanto à culpa do profissional quanto às condições patológicas do paciente. Afirma-se que a atuação do médico diminui a possibilidade de cura desejável.

A causalidade resulta, então, fácil de estabelecer, pois já não se trata tanto de demonstrar que tal culpa causou tal prejuízo, mas sim de afirmar que sem culpa o dano não teria ocorrido.

Em síntese, admite-se que a culpa do médico comprometeu as chances de vida e integridade do paciente. Pouco importa que o juiz não esteja convencido de que a culpa causou o dano. É suficiente uma dúvida. Logo, a culpa é não ter dado todas as oportunidades("chances") ao doente. Milita uma presunção de culpa contra o médico.

B) Res ipsa loquitur.

Nos Estados Unidos, ainda em tema de prova, aplica-se, em alguns Estados, a teoria da Res ipsa loquitur (ou de que a coisa fala por si mesma).

Ante a simples ocorrência de um fato – morte do doente, paralisia de um membro, amputação, etc. - surge a presunção de negligência, contra o médico e a favor do paciente. Extrai-se a ilação de que o fato não teria ocorrido se não tivesse havido culpa do médico.

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Tal formulação teórica faz parte do "direito de evidência circunstancial" e se aplica: a) quando não há evidência acerca de como e por que ocorreu o dano; b) acredita-se que não teria ocorrido se não houvesse culpa; c) recai sobre o médico que estava atendendo pessoalmente ao paciente.

A jurisprudência sobre o tema é abundante também no Canadá.

Os elementos da Res ipsa loquitur são os seguintes: a) (o dano) deve ter resultado de um fato que não ocorre ordinariamente se não houver negligência (ou outra forma de culpa); b) deverá ter sido causado diretamente pelo médico ou por alguém atuando sob sua direção ou controle; c) deverá ter ocorrido em circunstâncias que indiquem que o paciente não o produziu voluntariamente ou por negligência de sua parte.

3.13 - A responsabilidade civil médica e o Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), prevê, em seu art. 14, a responsabilidade por danos causados a consumidores prestados de modo defeituoso. Tal dispositivo legal, que consagra a responsabilidade objetiva, traz, em seu caput, a seguinte redação, in verbis:

"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes e inadequadas sobre sua fruição ou risco."

Como já visto supra, a responsabilidade médica tem natureza subjetiva. Sendo assim, a primeira vista, poderia parecer que há contradição entre o afirmado no item 2.10 do presente capítulo e o art. 14, caput, do CDC.

Essa idéia se reforçaria caso se levasse em conta o previsto no §3º do mesmo artigo, segundo o qual, in verbis:

"§3º. O fornecedor de serviços só será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro."

Vê-se que ambos os dispositivos citados consagram a responsabilidade objetiva do prestador de serviços, o que deveria, prima facie, abranger também o médico e os demais profissionais liberais.

Contudo, afastando tal concepção, dispõe o §4º, também do artigo 14 do citado diploma legal, que: "§4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa."

Destarte, o entendimento de que a responsabilidade civil médica tem natureza subjetiva permaneceu inalterado, existindo controvérsia apenas no que concerne à

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responsabilidade do estabelecimento hospitalar pelos danos causados a pacientes por médicos que mantém com aquele vínculo trabalhista.

No sentido de que a responsabilidade de pessoa jurídica prescinde da culpa, a opinião de Antonio Herman de Vasconcelos Benjamin, em comentário ao dispositivo de lei supramencionado:

"A exceção aplica-se, por conseguinte apenas ao próprio profissional liberal, não se estendendo às pessoas jurídicas que integre ou para as quais preste serviço. O Código é claro ao asseverar que só para a ‘responsabilidade pessoal’ dos profissionais é que se utiliza o sistema alicerçado em culpa. Logo, se o médico trabalhar para um hospital, responderá ele apenas por culpa, enquanto a responsabilidade civil do hospital será apurada objetivamente".

Contrapondo-se a esse posicionamento, entende Miguel Kfouri Neto que:

"O dano médico deve ser apreciado a partir da análise do elemento subjetivo, da culpa, quer seja o profissional vinculado a estabelecimento hospitalar ou não. Objetarão os estudiosos das relações de consumo que a conclusão contraria o sistema do Código, inteiramente voltado à responsabilidade objetiva. Dirão, mais, que, em havendo culpa do médico, o hospital poderá voltar-se, por direito de regresso, contra seu empregado. Acrescentarão, por fim, que ao consumidor/vítima interessa pleitear o ressarcimento da pessoa jurídica, economicamente mais poderosa.

Contrapõem-se a tais objeções os seguintes argumentos: a responsabilidade objetiva não se coaduna com a atividade médica, dada a singularidade do serviço prestado: curar os enfermos, salvar vidas; se houver culpa do médico, nada impede que o lesado proponha a demanda em face de ambos, pessoa física e jurídica, ou de apenas um deles."

Rui Stoco, outrossim, afirma inexistir responsabilidade objetiva do hospital, derivada de erro do médico, preposto do nosocômio:

"Primeiro, porque o Código de Defesa do consumidor não se afastou do conceito clássico de responsabilidade por ato ou fato de terceiro, pois o art. 1.521 do CC brasileiro, assentado no princípio da presunção de culpa, não afasta o dogma da culpabilidade, apenas inverte o ônus da prova. Segundo, porque existe diferença fundamental e ontológica entre a responsabilidade objetiva e a responsabilidade presumida. Terceiro, porque sendo a responsabilidade do hospital contratual, responderá por ato de seu preposto nos termos do inciso III do art. 1.521 do Código Civil, que prevê a culpa presumida do patrão pelos atos de seus prepostos. Em quarto lugar, porque o serviço prestado pelo hospital, quando contratado para ministrar tratamento, cirurgia ou acompanhamento médico ou ambulatorial, tais práticas são subministradas por médicos, de modo que o que se põe em exame é o próprio trabalho médico..."

Não se pretende, com tal exposição, trazer alguma solução ao embate, vez que a isso não se presta esse trabalho. O que se visa com a inclusão deste tópico é apenas alertar para a existência do problema acerca da responsabilidade do hospital por danos causados por seus empregados médicos.

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3.13.1 – (In) adequação da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na relação médico-paciente.

Não restam dúvidas quanto a plena aplicação do CDC na relação médico-paciente, tanto que a maioria dos doutrinadores nacionais nem chegam a cogitar da questão em seus livros. Todavia, alguns juristas defendem a tese de que tal relação não se ajusta ao rigor da relação de consumo.

Pessoalmente, filio-me à majoritária doutrina pátria. Contudo, creio ser de bom alvitre não ignorarmos o que pensam aqueles que pugnam pela inadequação da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na relação médico-paciente, nem que seja somente para criticá-los ou para reforçar nossas convicções particulares para ter uma visão "holística" da matéria. Assim, teceremos breves ponderações sobre o assunto.

Dentre os autores que sustentam a não aplicação do CDC na relação médico-paciente, destacam-se Antonio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza. os quais aduzem:

"A vida e a saúde não são bens de consumo, posto que (sic) não podem ser comparadas a nenhum produto, como geladeira, um ventilador ou um telefone celular. Tampouco podem ser equiparadas, igualmente, a serviços, posto que para se constituir um serviço – relação médico/paciente – mister que oferecesse ao mercado bens de consumo, o que a saúde e a vida indelevelmente não são.

A toda evidência, se a vida e a saúde não são bens de consumo – não se podendo deixar de dizer que são muito mais que isto, são bens inalienáveis - o médico, bem como os estabelecimentos de saúde, não são fornecedores nem prestadores de serviços e, por conseguinte, a relação médico/paciente não pode ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo certo dizer, ainda, que os pacientes, por sua vez, não serão consumidores ao procurarem os profissionais da saúde para se tratar.

Para que as atividades humanas sejam açambarcadas pelo Código de Defesa do Consumidor, é necessário que se tenha em primeiríssimo lugar, como ponto inicial e vital, nestas referidas relações, uma atividade consumerista, vale dizer, uma relação de consumo."

Além disso, segundo os mesmos autores, o Código de Defesa do Consumidor não revogou o Código Civil, que se trata de legislação específica, regulando a responsabilidade civil médica, ao contrário da legislação consumerista, a qual é genérica quanto à matéria. Assim, como a norma especial prefere à geral, o Código Civil coexiste com o CDC e a relação médico/paciente está àquele subordinada. É o que se conclui dos ditames elementares da hermenêutica jurídica e do disposto no art. 7º do CDC.

Ao cabo, de acordo com esse raciocínio, tratar a relação médico/paciente como relação de consumo é imprimir àquela o mesmo risco existente na prestação de um serviço preciso e exato, como consertar um cano, tarefa na qual a rosca tem de ser do mesmo tamanho da entrada do cano. Logo, quando se fala em prestação de serviço de

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saúde, está-se diante de algo inexato, pois mesmo quando o serviço é prestado corretamente, fatores totalmente alheios ao prestador podem ocorrer.

3.14 – Responsabilidade objetiva do hospital.

Há situações em que o dano existe, há um procedimento culposo por parte de uma equipe de profissionais, mas é difícil identificar qual médico teria procedido de forma equivocada.

Nesta situação, o paciente poderá demandar diretamente contra o hospital, o qual, aliás, responde perante o mesmo por atos de seus profissionais, mesmo que tenha procedido de forma rigorosa à seleção de seus profissionais, não agindo, portanto, com a chamada culpa in eligendo. Isso é possível à vista do que reza o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Os precedentes dos tribunais têm obrigado não só os hospitais a repararem os danos causados aos seus pacientes, bem como os planos de saúde e a Previdência Social. Tal é possível, outrossim, por conta da regra insculpida no art. 14 do referido diploma legal.

Assim, o paciente, por força do art. 25, § 1º, da Lei nº 8.078/90, não está obrigado a propor a ação apenas contra o hospital ou o médico. Poderá propor contra os dois conjuntamente, ou apenas contra um deles. É mera faculdade do paciente decidir contra quem propõe a ação indenizatória, pois a obrigação de reparar o dano é solidária...e na obrigação solidária a demanda pode ser proposta contra qualquer dos devedores, assim eleitos, ou pela Lei ou pelo contrato.

Nesse caso, quando o paciente ou seu familiar decidir acionar diretamente apenas o hospital ou o plano de saúde, necessitará provar não a culpa do hospital, mas a culpa de qualquer de seus prepostos. Logo, não se pode dizer que, em matéria de reparação por erro médico, trate-se efetivamente de situação de responsabilidade objetiva ou sem culpa, vez que sempre haverá a necessidade de se demonstrar que qualquer dos prepostos do hospital ou do plano de saúde agiram com negligência, imprudência ou imperícia. Não se demonstrando a culpa do profissional, conseqüentemente, não há como se condenar o hospital ou o plano de saúde a reparar o dano, como, aliás, já decidiu o E. TAMG, in verbis:

" [TA/MG] NP.: 02095834-6/00, TP: Apelação (cv), NA.: pp. co.: Janauba, DJ: 05.03.96, OJ.: 1ª Câmara Cível, DP.: não publicado Juiz Herondes de Andrade, dec.: unânime indenização. Erro médico – Cooperativa = Legitimatio ad causam. Não indicado o médico que teria cometido erro profissional, é parte ilegítima passiva ad causam para responder pela indenização, derivada da responsabilidade civil, a cooperativa que o teria contratado para prestar assistência aos seus associados, dada a impossibilidade de se constatar o vínculo de subordinação que poderia existir entre o primeiro e a segunda, além de ser o erro médico sempre dependente do elemento subjetivo da culpa."

3.15 - Cláusula de não-indenizar e contrato médico.

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Nos últimos tempos, tem-se tornado comum a inclusão, nos contratos de prestação de serviços médicos, a inclusão da chamada cláusula de não-indenizar, ou cláusula de irresponsabilidade, as quais consistem na previsão, em sede contratual, de que a parte, em favor da qual se estipula a isenção, não será responsável por eventuais danos decorrentes de inexecução ou de execução inadequada do contrato. Destarte, Carlos Roberto Gonçalves aduz que: "a cláusula de irresponsabilidade tem por função alterar, em benefício do contratante, o jogo de riscos, pois estes são transferidos para a vítima".

José de Aguiar Dias, discorrendo sobre o tema, assevera que:

"A cláusula ou convenção de irresponsabilidade consiste na estipulação prévia por declaração unilateral, ou não, pela qual a parte que viria a obrigar-se civilmente perante outra afasta, de acordo com esta, a aplicação da lei comum ao seu caso. Visa anular, modificar ou restringir as conseqüências normais de um fato da responsabilidade do beneficiário da estipulação."

Conforme já visto no subitem 1.4 do Capítulo I, no âmbito penal, essa cláusula não tem validade alguma, porque, segundo Miguel Kfouri Neto, " o jus puniendi do Estado é exercitado haja ou não interesse do particular".Por conseguinte, é na seara do Direito Civil que a questão se apresenta.

O mesmo autor levanta a seguinte indagação:

"(...) seria válido que médico e paciente estabelecessem pacto e que este, antes de iniciado o tratamento, renunciasse a exercitar qualquer ação civil de responsabilidade? A mesma indagação surgiria (...) quando se pretendesse apenas limitar o alcance de possível indenização".

José de Aguiar Dias responde ao questionamento, referindo-se ao dever dos médicos de empregar todos os meios a fim de obter a cura. A responsabilidade médica nasce de erro manifesto. Daí resulta que o médico já goza, de certo modo, de uma "cláusula tácita de irresponsabilidade", dentro da margem de erro tolerada pela imperfeição da ciência médica. Logo, para o referido autor, até a medida onde a cláusula de não-indenizar poderia ser estipulada, ela já existe, não podendo ser convencionada fora de tais limites, haja vista o necessário respeito ao ser humano.

Ainda no entendimento de José de Aguiar Dias, mesmo em caso de consentimento expresso do paciente em intervenção médica tida como perigosa, não há que se cogitar acerca da existência de uma cláusula de irresponsabilidade que proteja o facultativo, posto esse ter o dever de se recusar a praticar atos profissionais que sua consciência científica desaconselhe, incorrendo em responsabilidade sempre que, contrariando as regras técnicas da atividade médica, anuir à vontade do cliente.

Há que se destacar que, hodiernamente, sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, são consideradas abusivas e, portanto, nulas, nos termos de seu artigo 51, inciso I, as cláusulas contratuais que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade civil do fornecedor ou prestador de serviços por vício de qualquer natureza, incluídos os acidentes de consumo e os chamados vícios redibiditórios.

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De relevo, por outro lado, ressalva-se que, de acordo com o estudado no subitem 1.4 do Capítulo I, a cláusula de não-indenizar, ao contrário das demais excludentes da responsabilidade, não afasta o dolo ou a culpa do causador do dano.

Ex positis, no tocante aos contratos firmados entre médicos e pacientes, tal cláusula é considerada inválida, haja vista os preceitos de ordem pública que imperam sobre as disposições das partes contratantes, limitando a chamada autonomia da vontade. Com efeito, sendo dever do médico zelar pela saúde e integridade corporal de seus pacientes e tendo em vista que o direito à incolumidade é irrenunciável, inclusive por seu titular, não há que cogitar acerca da validade de tais avenças, por serem contrárias àqueles preceitos.

3.16 - O seguro da responsabilidade civil médica

Na realidade, o pagamento de vultosas indenizações, em casos de culpa médica, só é possível porque, nos países de Primeiro Mundo, hospitais e médicos mantêm seguro da responsabilidade civil por dano a terceiros.

No Brasil, já podem o médico e os estabelecimentos hospitalares recorrerem ao mercado segurador, o qual dispõe de apólices apropriadas para a cobertura de responsabilidade civil do profissional. Tais seguros excluem os danos estéticos, atos e intervenções proibidos por lei, favorecimento ou conivência com terceiro reclamante, quebra de sigilo profissional, tratamento radiológico e similares (salvo convenção em contrário), difamação ou calúnia e uso de técnicas experimentais com medicamentos ainda não aprovados pelos órgãos competentes.

Contudo, reduzidíssima é a procura dessa modalidade de seguro em nosso país. Segundo os técnicos do Instituto de Resseguros do Brasil, isso também se explica pelo fato de que os médicos que detêm clínica particular suficiente e que exercem a medicina privada (do ponto de vista liberal), representam uma faixa mínima na comparação com a grande maioria assalariada dos médicos.

Adiante, os articulistas transcrevem trecho da Revista de Seguros (abr./77, p. 336):

"No Brasil, o médico é civilmente responsável pelos seus erros e pode ser demandado para que cumpra sua obrigação de reparar os danos culposos que tenha causado ao cliente. Que a experiência tem demonstrado, no entanto, é que o brasileiro até hoje não adquiriu o hábito de processar ninguém para obter reparação do dano. E a classe médica, assim, também tem ficado praticamente alheia ao problema jurídico e financeiro da responsabilidade da reparação das injúrias físicas cometidas aos clientes, no exercício profissional.

Seguro para proteger o médico contra as conseqüências da sua responsabilidade profissional é outra coisa que, no Brasil, já existe há muito tempo. Trata-se de seguro facultativo, cuja procura é muito escassa – e o é exatamente porque os médicos, acostumados com a idéia de que é muito remota a possibilidade de um processo judicial, em geral jamais pensaram na conveniência ou necessidade de comprar seguro de tal natureza.

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(...) Assim, o sistema se equilibra de modo frágil: os lesados ainda pouco buscam reparar danos que lhes são causados pelos profissionais da medicina; os médicos, quando demandados, tentam à outrance (sic) defender-se, atribuindo à fatalidade o evento danoso; os hospitais, por sua vez, nem sempre dispõem de recursos para satisfazer as indenizações ou, em relação aos médicos que integram seu corpo clínico, enfatizam que a responsabilidade é sempre pessoal do médico, que não há vínculo, e outras alegações pelo jaez."

Apesar dessa nova modalidade de contrato de seguro ainda ser incipiente no Brasil, ela já está gerando enérgicas reações contrárias de setores da classe médica. Os profissionais da Medicina vêem o seguro médico com maus olhos, porque entendem que haverá uma autêntica indústria de responsabilidade civil por erro médico. O Dr. Marcos Sarvat, conselheiro no Conselho Regional de Medicina no Rio de Janeiro (Cremerj) e membro da Comissão Nacional de Defesa Profissional da Associação Médica Brasileira, em entrevista à Revista Consulex (setembro/2001, p. 11), afirmou taxativamente:

"A opção pelo seguro é a opção pelo conflito, pois causa uma ruptura na base da Medicina, que é a íntima relação de confiança entre médico e paciente. Nos Estados Unidos, esta base está corroída. As seguradoras buscam parcerias com bancas de advogados conveniados e fala-se em pacote de proteção. Os médicos passaram a ter advogados conveniados das empresas seguradoras. O compromisso como resultado, e não com o meio, é cobrado. Como conseqüência, os conselhos de medicina e os tribunais ficam abarrotados de processos. O instrumento do seguro pode ser utilíssimo sob outras formas, mas, na Medicina, trará conseqüências bastante danosas ao ato médico e à relação com o paciente".

Genival Veloso de França sustenta que socialização do risco médico é a solução ideal para assegurar ao paciente lesado a justa recomposição patrimonial:

" Socializar o risco médico, no sentido de reparar civilmente o dano é o único instrumento viável e suscetível de assegurar tranqüilidade no exercício profissional e garantir uma reparação mais imediata e menos confrontante com o médico. É também uma forma de corrigir algumas distorções da medicina dita socializada, cada vez menos amistosa, cada vez mais hostil.

A socialização do risco é a que melhor atende à justiça coletiva. Não se pode esconder o fato de que a medicina é a profissão que mais absorve os impactos das novas concepções sociais. Negar essa realidade, além de egoísmo, é colocar-se distante do presente. Esta é a única forma que dá ao responsável condições de responder pelo ônus do dano causado, quase sempre distante de suas reais possibilidades. Para o paciente, o sistema de seguro também significaria livrar-se de um processo penoso e confuso, a proteção contra a deficiência técnica, contra seus riscos e contra a eventual falibilidade do profissional.

No entanto, esses seguros não podem nem devem, sob qualquer pretexto, ser feitos por empresas privadas. Devem, isto sim, realizar-se por uma instituição estatal ou pela própria classe médica; como, por exemplo, sob a responsabilidade da

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associação Médica Brasileira, como mutualizadora ou como concessionária exclusiva do Estado".

Alfim, o mesmo autor aponta as vantagens e desvantagens do seguro da responsabilidade civil médica:

"Desvantagens: 1. Interfere negativamente na relação médico-paciente; 2. Estimula os processos contra os médicos; 3. Eleva os custos dos serviços médicos; 4. Pode facilitar o erro médico; 5. Facilita a indústria das indenizações; 6. Fornece uma proteção aparente para o profissional; 7. Cria um cenário cativo para o médico. Vantagens: 1. Melhor modalidade de liquidação do dano; 2. Melhor condição de liberdade e segurança no trabalho; 3. Assegura o equilíbrio social e a ordem pública; 4. Melhor forma de justiça social; 5. Melhor forma de previdência propriamente dita; 6.Livra médico e paciente de processos penoso se demorados; 7. Evita explorações, ruínas, injustiças e iniqüilidades; 8. Independe da situação econômica do causador do dano; 9.Corrige o aviltamento patrimonial da vítima; 10. Contribui com o superávit do sistema em programas de prevenção do dano; 11. Estimula a solidariedade social; 12. Tem falhas, mas tem maior número de benefícios e vantagens; 13. Corrige o fato de o paciente ser totalmente esquecido e o médico falsamente lembrado."

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CAPÍTULO IV

4 - RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA EM CIRURGIA PLÁSTICA.

4.1 – Definição de cirurgia plástica.

Cirurgia plástica (de plastikós, moldar, plasmar, dar forma) é a parte da cirurgia que objetiva restaurar, de forma artificial, anatômica e funcionalmente, partes do organismo arruinadas por deformidades congênitas ou adquiridas, além de corrigir as desarmonias de ordem estética.

Compreende essa especialidade cirúrgica dois ramos principais: a cirurgia reparadora, reconstrutora ou restauradora e a cirurgia estética ou cosmética.

À cirurgia plástica reparadora compete repor as substâncias perdidas e restaurar as funções de órgãos, enquanto corrigir defeitos evolutivos de determinadas partes do corpo cabe à cirurgia plástica cosmetológica.

Nesse mesmo sentido, Rosana Jane Magrini define a cirurgia plástica nos seguintes termos:

"É a subespecialidade do ramo da medicina de cirurgia geral que tem por finalidade modificar, reconstruir, reconstituir ou embelezar parte externa do corpo deformada por enfermidade, traumatismo ou anomalia congênita, reunindo o nobilíssimo ramo da medicina que trata de doenças por meio de cirurgia com a beleza da arte de improvisar e criar. Esta finalidade pode ser necessária e reparadora ou puramente estética."

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Já para Miguel Kfouri Neto, toda cirurgia plástica é necessariamente estética, subdividindo-se em cirurgia estética propriamente dita e cirurgia estética reparadora. A primeira se destina a corrigir imperfeições da natureza; a segunda tem por fim reparar verdadeiras enfermidades, congênitas ou adquiridas.

Em minha opinião, em que pesem as divergências doutrinárias acerca da nomenclatura das espécies de cirurgia plástica, o mais relevante é o fim colimado por cada uma delas. Por isso, considero corretas ambas as posições supracitadas, pois apesar de divergentes quanto ao nome da cirurgia, elas distinguem da mesma forma o objetivo visado por essas cirurgias.

4.2 - Legitimidade da cirurgia plástica.

Pode-se dizer que a cirurgia plástica passou, no que tange a sua legitimidade, por três fases distintas, a saber: a fase da rejeição; da aceitação com reservas; e a da admissão ampla.

A fase da rejeição ocorreu no surgimento das cirurgias plásticas, sendo este um período em que, na verdade, tais intervenções poderiam ser concebidas mais como experimentos do que cirurgias dotadas de rigor científico. Entendia-se em tal época que a cirurgia plástica não se destinava a curar uma doença, mas tão-somente corrigir uma imperfeição física. Assim, se não fosse obtido o resultado esperado, presumia-se ter agido o médico com culpa, surgindo para ele a obrigação de indenizar, haja vista predominar o entendimento de que fora realizada uma operação sem qualquer utilidade para a saúde do paciente.

A fase de aceitação com reservas, por sua vez, surgiu no fim da Segunda década deste século, mas precisamente, segundo Caio Mário da Silva Pereira, "... a partir do julgamento do Tribunal do Sena, em 25 de fevereiro de 1929, após o qual considerou-se a questão de saber se o médico incide em culpa sempre, ou se depende esta das circunstâncias de cada caso." Assim sendo, passou-se a entender que, se a cirurgia plástica não era proibida por lei, não poderia ser considerada um ato ilícito, conciliando-se, destarte, o direito com o desejo de muitos homens e mulheres de corrigir imperfeições físicas, renovando, em muitos casos, o prazer de viver, face a melhor aceitação pelo meio social das pessoas tidas como bonitas, evitando, ou mesmo curando, possíveis neuroses ocasionados pela rejeição social causada pela existência de alguma imperfeição estética.

A terceira fase, a da aceitação ampla, diz respeito à época atual, em que há uma busca frenética pela boa aparência física. Os chamados centros de estética multiplicaram-se, conquistando a cirurgia plástica seu espaço no cenário das especialidades médicas. Caio Mário da Silva Pereira afirma que:

" No meio dia da vida, homens e mulheres sentindo os primeiros sintomas externos da degeneração dos tecidos, procuram, por vaidade ou por necessidade de melhorar a aparência, a cirurgia estética como meio de obtê-lo. Anunciam-se pela imprensa "centros estéticos", multiplicam-se os profissionais nessa especialidade, e alguns se tornam socialmente prestigiosos, e até mundialmente famosos. Dentro de tais conceitos é de se admitir a realização da cirurgia plástica como atividade normal e

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acontecimento quotidiano. Desta forma, afasta-se totalmente a idéia de iliceidade, e de que constitui ela, em si mesma, fundamento da responsabilidade civil. É uma atividade lícita e uma especialidade médica como outra qualquer. As pessoas têm o direito de cuidar de sua aparência, do mesmo modo que de sua saúde, e o médico que a isto se dedica recebe o mesmo tratamento que outro qualquer facultativo."

É imperioso lembrar (como visto no item 4.1 deste capítulo) que a cirurgia plástica pode ser dividida em cirurgia estética reparadora e cirurgia estética propriamente dita ou meramente estética, conforme visem, respectivamente, corrigir enfermidades (congênitas ou adquiridas), ou imperfeições da natureza.

Com relação à cirurgia plástica meramente estética, há o entendimento de que a mesma é uma atividade médica de menor relevância, sendo a avaliação da responsabilidade do cirurgião plástico encarada de modo mais severo que nas demais especialidade da medicina. Sobre o tema, José de Aguiar Dias assevera:

" Esta aplicação da ciência não tem sido encarada com muita benevolência pelos tribunais, naturalmente impressionados pela feição menos nobre da cirurgia estética posta a serviço da vaidade fútil ou dos até inexeqüíveis processos de rejuvenescimento, mas esquecidos das assombrosas possibilidades que ela pode abrir à humanidade, dentro das altas finalidades da arte médica."

No mesmo sentido, preconiza Genival Veloso de França que:

" Cabe, portanto, repetir mais uma vez a diferença entre a cirurgia reparadora, lícita e necessária, de valor indiscutível e incluída entre os direitos profissionais do médico, e a cirurgia cosmetológica, fora do âmbito da verdadeira Medicina, e que tem por base interesses escusos de quem a procura, e objetivos nem sempre confessáveis de quem a realiza."

Miguel Kfouri Neto, por sua vez, ressalva que a regra de ouro em matéria de cirurgia plástica consiste na seguinte afirmação: "todas as vezes que a saúde, a integridade física ou a vida do paciente estejam em perigo, o médico deve renunciar ao aperfeiçoamento de caráter estético, independentemente da vontade do próprio paciente".

E continua o autor:

" Afirmam os cirurgiões plásticos que, em cirurgia estética, como em todas as demais, surgem complicações pré e pós-operatórias, podendo chegar até a morte. Quando isso acontece, eles não são bem entendidos, e a reprovação é maior que se tivessem operado um câncer de pâncreas, p. ex."

Em que pesem tais opiniões, porém, há que se admitir a legitimidade da cirurgia plástica, seja ela reparadora ou meramente estética, posto ser a boa aparência, dentro da sociedade atual, não só um direito, mas uma necessidade.

4.3 - Peculiaridades acerca da cirurgia meramente estética.

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Pode-se definir a cirurgia estética como "o procedimento que não tem por escopo curar uma enfermidade, mas sim eliminar as imperfeições físicas que, sem alterar a saúde de uma pessoa, tornam-se feias, do ponto de vista estético".

Há que se considerar, porém, ao se abordar o tema da cirurgia estética, que a expressão saúde deve ser entendida não apenas como bem-estar físico, mas também psíquico e social. Com base nesse entendimento, inquestionável é a feição curativa da cirurgia estética, posto que "enfermidade não é apenas o processo patológico de degeneração orgânica ou física. Existe uma variada gama de moléstias mentais e de perturbações psíquicas. A cirurgia estética pode atenuar ou eliminar totalmente um mal-estar, não físico, mas psíquico ou moral".

É recomendado, em alguns casos, o aconselhamento e acompanhamento psicológico, a fim de preparar o paciente para a cirurgia a ser realizada.

No que tange ao aspecto psicológico das cirurgias plásticas de um modo geral, oportuno é o estudo realizado por Rosa Maria Carvalho da Silveira, do qual se pede vênia para transcrever o seguinte trecho:

" Foi na área da Psicologia Hospitalar e da Psicologia Social que surgiram os primeiros trabalhos focalizando aspectos psicológicos ligados à cirurgia plástica. Utilizando diferentes referenciais teóricos, as pesquisas realizadas em nossos meios (Amaro, 1985; Fonseca, 1985; Silveira, 1990; Faragó, 1992 e Poltronieri, 1995), evidenciam o peso da opressão social em relação à boa aparência e juventude, como determinantes do pedido da cirurgia plástica. Os pacientes atribuem a uma parte do corpo a responsabilidade por sua problemática conflitiva e procuram, através da cirurgia plástica, condições sociais mais favoráveis.

Amaro (1985) refere-se à possível cumplicidade entre o cirurgião e os desejos da paciente. Poltronieri (1995) entrevistou candidatos à cirurgia plástica, encontrando expectativas irreais subjacentes ao pedido de cirurgia, tais como: aumento de vitalidade através do rejuvenescimento facial, sucesso nos relacionamentos interpessoais, conquistas amorosas, realização profissional e planos imediatos de mudança de vida após a cirurgia."

Importante ressalvar que a cirurgia estética jamais é urgente – e sua necessidade nem sempre é manifesta – porém, mesmo assim apresenta característica comuns às demais cirurgias; as reações do organismo humano são imprevisíveis e conseqüências indesejadas podem sobrevir.

Se o paciente decidir não se submeter à intervenção, não corre risco algum.

Por outro lado, mesmo obtendo o consentimento do paciente e tendo prestado correta e completa informação, ainda assim incorrerá em responsabilidade o médico que, ciente da desproporção entre os riscos assumidos pela intervenção e os benefícios esperados, realizar no paciente a cirurgia plástica pelo último pretendida.

4.4 – A Lex Artis ad hoc

Segundo Miguel Kfouri Neto:

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" (...) a Lex Artis ad hoc é o critério valorativo da correção do ato concretizado pelo profissional da medicina – arte ou Ciência Médica – visando a verificar se a atuação é compatível - ou não – com o acervo de exigências e a técnica normalmente requeridos para determinado ato, observando-se a eficácia dos serviços prestados e a possível responsabilidade do médico/autor pelo resultado obtido. "

Levam-se em consideração, nessa análise, principalmente, as características pessoais do profissional, os recursos materiais de que dispõe, as peculiaridades inerentes à especialidade, a complexidade e importância do ato para a preservação da vida e o estado geral do paciente.

Na aferição da conduta médica, tem-se em conta a generalidade de condutas profissionais diante de casos análogos.

Toda profissão é regida por uma Lex Artis. Na medicina, porém, não obstante seu caráter geral, essa lex é aplicada a cada ato médico individualizado (ad hoc). Os fatores já mencionados e seus efeitos variam de caso a caso. Diversas são as avaliações, logo, do atendimento a um moribundo ou a um paciente com ligeiro mal-estar; de uma cesariana realizada por um só médico em hospital de zona rural, ou por uma equipe em grande centro urbano.

O juiz – que não é versado em medicina – define a Lex Artis ad hoc não só pelas informações do perito e assistentes técnicos eventualmente indicados pelas partes, mas também pela consulta aos autores consagrados da especialidade médica considerada, que descrevem qual o procedimento recomendado para aquele ato do qual adveio o resultado lesivo.

4.5 - Dever de informação do médico e consentimento do paciente.

O contrato médico traz em seu bojo algumas obrigações implícitas, entre as quais está o dever de informar o paciente acerca do tratamento a que irá ser submetido, bem como sobre seu próprio estado de saúde.

Na cirurgia plástica, seja reparadora ou cosmetológica, não é diferente, sendo dever também do cirurgião plástico manter seu paciente informado sobre os riscos da intervenção cirúrgica, bem como das possibilidades de sucesso ou fracasso da mesma.

Por outro lado, toda intervenção médica necessita, como já visto, do consentimento do paciente, ou, não sendo isso possível, de seus familiares ou responsável. Sendo ele obtido, fica o médico, em regra, isento de responsabilidade.

Porém, nem sempre é possível obter o consentimento do paciente, sendo tais casos enumerados por José de Aguiar Dias:

a) quando se trata de alienado ou de menor: o consentimento não pode, evidentemente, ser obtido deles, mas sim das pessoas sob cuja guarda estejam; (...) b) quando a operação ou tratamento se imponha como decisão de emergência, em face do estado de necessidade ou de situação de perigo; se é possível obter o consentimento dos parentes da pessoa em iminente perigo de vida, é claro que o

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médico não agirá sem o haver obtido; c) quando em face do propósito suicida do paciente: o médico não poderia, decerto, ater-se à consideração da vontade de quem manifesta claramente não a possuir, intentando um gesto que se considera como revelador de perturbação mental.

Não obstante isso, ao médico não é permitido valer-se de tratamentos ou qualquer intervenção quando os riscos, confrontados com as vantagens, sejam com estas desproporcionais. Do mesmo modo, o facultativo não tem o direito de, sobre o corpo do paciente, fazer experiências, mesmo que haja consentimento do último, uma vez que o corpo humano não possui disponibilidade jurídica. Nesse sentido, afirma José de Aguiar Dias:

" O consentimento do paciente libera o médico de responsabilidade (...) Mas há casos em que não pode o médico invocá-lo. Assim, em geral, em todos os casos em que as vantagens do tratamento ou da intervenção estejam em desproporção com os riscos ou as desvantagens correspondentes e, em particular, no que respeita à cirurgia estética. Funda-se a norma em que a incolumidade do corpo humano é matéria de ordem pública (...)".

Por outro lado, existem casos em que, embora seja necessário o tratamento, o paciente ou seus familiares negam-se a autorizá-lo. José de Aguiar Dias comenta que "a operação sem consentimento equivale a agressão".

Ocorre, porém, que há, como já visto, situações emergenciais, nas quais deve-se relativizar o elemento vontade, primeiramente pelo compromisso do médico com a vida e, em segundo lugar porque, em tais situações, nem sempre o paciente ou seus familiares têm condições psicológicas adequadas para decidir acerca da intervenção médica, podendo-se, outrossim, entender que em tais casos poderá incidir a excludente de responsabilidade do estado de necessidade.

4.6 - Cirurgia Plástica: obrigação de meio ou de resultado?

José de Aguiar Dias narra um caso no qual uma jovem senhora procura um médico para eliminar gorduras excessivas em suas pernas. Na cirurgia, o médico, além da gordura, retirou massa muscular em apenas uma das pernas, numa operação cujos contornos foram extremamente complicados. Ainda pela dificuldade de sutura do tecido, pela extrema contração dos músculos, a perna da paciente foi enfaixada com bandagens, somente retirada após três dias da cirurgia, quando cheiro característico de gangrena surgiu. Ao final de três semanas não restou outra alternativa senão a amputação da perna.

Em procedimento judicial a sentença considerou o cirurgião responsável pelos danos com fundamento na desnecessidade moral da cirurgia, bem como na sua inutilidade perante a saúde da operada, além de outras considerações sobre a sua negligência em verificar as reais condições da paciente.

Como já visto supra, as obrigações de meios constituem-se naquelas onde se exige do devedor pura e simplesmente o emprego de determinados meios sem ter em vista o resultado, enquanto que as obrigações de resultados são aquelas avenças onde

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o devedor só se livra de sua incumbência se o fim estabelecido no pacto for alcançado, tendo que suportar as conseqüências em ocorrendo o contrário.

Foi afirmando, outrossim, que a obrigação assumida pelo médico é, regra geral, de meios, bastando tão-somente que o mesmo preste ao paciente cuidados conscienciosos e atentos, de acordo com as condições evolutivas da ciência médica, para que se exima da obrigação de indenizar na superveniência de algum dano por sua atividade.

A atividade do cirurgião plástico, porém, possui feição peculiar, haja vista ser distinta a obrigação do médico conforme a modalidade de cirurgia plástica realizada, a saber, estética propriamente dita, ou estética reparadora.

Assim sendo, se a cirurgia realizada tiver finalidade estética propriamente dita, há que se entender que o médico assume obrigação visando atingir um determinado resultado.

A doutrina, contudo, não é unânime na apreciação da questão, posto a cirurgia estética cosmetológica ter como objeto pessoa em plena saúde, não podendo a intervenção cirúrgica alterar esse quadro.

Sustentando tese contrária à teoria do resultado, O Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior assevera que, embora seja entendimento consagrado o de que os cirurgiões plásticos prometam corrigir, caso contrário ninguém se submeteria a uma intervenção cirúrgica, não há que, mesmo assim, entender-se que a responsabilidade por eles assumida seja de resultado. Com efeito, pode acontecer que algum cirurgião plástico assegure ao paciente a obtenção de um certo resultado, mas isso não definiria a natureza da obrigação, que continuaria sendo sempre a obrigação de prestar um serviço que traz consigo o risco, eximindo o profissional da obrigação de obter o resultado pretendido desde que empregue toda a técnica médica consagrada e adote as cautelas indicadas no ato cirúrgico.

Assim sendo, no entender do referido autor, empregando o cirurgião plástico toda a técnica médica consagrada e adotando todas as precauções indicadas, estará o mesmo isento da obtenção, exceto se assumir expressamente o compromisso com o paciente de atingir determinado resultado, caso em que ele responde por inteiro pelos resultados que discrepem daqueles buscados pelo paciente e prometidos pelo profissional.

Finalizando, afirma que, exigir do médico obrigação de resultados quando ele atua em procedimento cirúrgico estético, é impor-lhe ônus que ele não tem condições de atender. Ademais, aduz que, na intervenção com finalidade estética, o objeto é idêntico ao de qualquer outra intervenção cirúrgica, ou seja, atua-se sobre o corpo humano.

Já para os defensores da teoria do resultado, como, na maioria dos casos, o paciente que se submete à intervenção cirúrgica não se encontra realmente doente, pretendendo apenas corrigir algum defeito, o que lhes interessa é, precisamente, o resultado desejado. Nesse sentido, afirma Rui Stoco:

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" O profissional da área de cirurgia plástica, nos dias atuais, promete um determinado resultado, prevendo, inclusive, com alguns detalhes, esse novo resultado estético procurado. Alguns utilizam-se até de programas de computador que projetam a nova imagem (boca, nariz, seios, etc.), através de montagem, escolhida na tela do computador ou na impressora para que o cliente decida."

Desse modo, caso o paciente venha a ficar com aparência pior após a cirurgia, terá ele direito a reparação pelo dano sofrido, haja vista não ter sido alcançado o resultado almejado por ele e prometido pelo cirurgião.

Yussef Said Cahali leciona que:

"Quando se tratar de cirurgia estética a responsabilidade pelo dano por ela produzido deverá ser apreciada com muito mais rigor que nas operações necessárias à saúde e à vida do doente, pois na operação plástica estritamente estética o médico está lidando com uma pessoa em perfeito estado de saúde que apenas deseja melhorar sua aparência e com isto se sentir psiquicamente melhor. Existe neste caso uma obrigação de resultado que se não alcançada vai dar lugar a uma presunção de culpa contra o médico com a conseqüente reversão do ônus da prova".

No sentido de que a obrigação assumida pelo cirurgião plástico que realiza cirurgia meramente estética é de resultado, traz-se a lume o seguinte julgado, in verbis:

"CIRURGIA ESTÉTICA – OBRIGAÇÃO DE RESULTADO – INDENIZAÇÃO – DANO MATERIAL E DANO MORAL. Contratada a realização de cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não-cumprimento da mesma obrigação, tanto pelo dano material quando pelo moral, decorrente de deformidade estética, salvo prova de força maior ou caso fortuito (Resp. 10.536, RJ, 5.ª Câmara Cível, Relator Ministro Dias Trindade, julgado em 21 de junho de 1991) ".

Ainda nesse diapasão, leia-se a seguinte ementa, in verbis:

" Responsabilidade civil – Médico – Dano estético resultante de cirurgia plástica – Reconhecimento da responsabilidade contratual em razão de inadimplemento, por assumir o cirurgião obrigação de resultado – Admissibilidade – Inicial que, apesar de não distinguir claramente qual a opção ao autor no tocante à responsabilidade contratual e delitual, erigiu aquela em causa de pedir – Inocorrência de julgamento "extra petita" – Indenização devida (TJSP, Rel. Dês. Roque Komatse) ".

E mais, in verbis:

"Cirurgia plástica – Obrigação de resultado – Indenização – Dano material e dano moral. Contratada a realização de cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não-cumprimento da mesma obrigação, tanto pelo dano material quanto pelo moral, decorrente de deformidade estética, salvo prova de força maior ou caso fortuito (Revista jurídica 170/145) ".

E, por fim, in verbis:

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"Ação ordinária de indenização – Operação plástica que não obteve o resultado preconizado – sentença procedente e parcialmente reformada para assegurar à autora o direito à devolução das despesas hospitalares e honorários profissionais efetivamente pagos por ocasião da cirurgia em face do resultado diverso do pretendido pela paciente na operação a que se submetera (Adv.-Coad., Seleções Jurídicas, 05/94)".

Miguel Kfouri Neto ressalva, porém, que "se a cirurgia tiver por finalidade a reparação de graves defeitos – causados por acidentes de automóvel, do trabalho, queimaduras v.g. – é induvidosa a caracterização da obrigação de meios..."

Assim, segundo o autor, quando a cirurgia plástica tiver função reparadora, a obrigação assumida pelo médico é de meios.

José de Aguiar Dias, visando distinguir a obrigação do facultativo, caso seja a cirurgia plástica realizada meramente estética ou reparadora, faz a seguinte afirmação:

"No tocante à cirurgia estética, continuam-se a confundir cirurgia reparatória e cirurgia embelezadora. Se aquela pode e deve ser considerada obrigação de meios, a segunda há que ser enquadrada como obrigação de resultados, até pelos termos em que os profissionais, alguns dos quais criminosamente distanciados da ética, se comprometem, sendo generalizada no segundo grupo, ao contrário do que ocorre no primeiro, a promessa do resultado procurado pelo cliente".

Nesse mesmo sentido, preceitua Siqueira Montalvão:

"Cirurgia plástica reparadora consubstancia obrigação de meios, porém a cirurgia plástica estética, destinada a mudança de padrão estético da pessoa ou ao embelezamento puro e simples constitui obrigação de resultado."

Destarte, caso a cirurgia realizada no paciente tiver por finalidade a reparação de lesão ou deformidade que o mesmo já possuía, não há que se falar em obrigação de resultado por parte do médico que realizar a intervenção cirúrgica visando corrigir a imperfeição, bastando ao facultativo, para eximir do dever de indenizar, manter o paciente informado sobre as possíveis conseqüências da operação, bem como agir de acordo com as técnicas aplicáveis ao caso.

Tal fato ocorre porque, em sendo de meios a obrigação, não assume o médico a obrigação de cura do paciente, cumprindo o contrato firmado com o cliente desde que preste a estes cuidados conscienciosos e atentos.

Destarte, sofrendo o paciente algum dano em virtude de cirurgia plástica reparadora, cabe ao mesmo provar a culpa do facultativo em alguma de suas modalidades, já que nas obrigações de meios o ônus da prova é incumbência do autor da ação indenizatória.

Por outro lado, sendo a cirurgia plástica meramente estética, a obrigação assumida é de resultado, ocorrendo inadimplemento contratual se o fim preestabelecido (a melhora estética) não for obtido, cabendo ao médico comprovar que

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o mesmo não se deu em virtude de alguma causa excludente de ilicitude, haja vista a presunção de culpa existente em tais casos.

Por fim, é imperioso ressaltar que se o resultado da cirurgia plástica cosmetológica não logrou êxito e o paciente teve de se submeter a outra cirurgia, esta perde o caráter de meramente estética e passa a ser reparadora.

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CAPÍTULO V

5 – INDENIZAÇÃO POR ERRO MÉDICO.

5.1 – Panorama atual.

Até algum tempo atrás, o dano advindo do médico era tido como inevitável. Raro, nesses casos, buscar-se reparação. Daí, passou-se a uma situação totalmente contrária, não só de proteção ao lesado, como também de predisposição deste em imputar qualquer mau resultado ao profissional – seguindo-se a demanda indenizatória.

Assim, as controvérsias envolvendo a responsabilidade profissional dos médicos têm ganhado crescente espaço nos tribunais de todo o mundo.

Nos Estados Unidos, o alarmante incremento de demandas envolvendo médicos chama a atenção de todos os segmentos da sociedade. Em que pese à reconhecida boa formação dos médicos norte-americanos e aos bons salários pagos a estes profissionais, pesquisa realizada recentemente aponta que, de cada sete médicos americanos, um já foi ou está sendo processado por erro médico. Por conta de tal fato, os médicos norte-americanos se protegem crescentemente nos contratos de seguro (como já visto no item 3.12 do capítulo III).

Também na Inglaterra, Alemanha, Bélgica, África do Sul, Japão e Canadá, verifica-se evidente aumento desses litígios.

O mesmo fato vem ocorrendo perante os tribunais pátrios, quase na mesma progressão em que aumentam o número de vagas nos vestibulares de medicina. Dados do Ministério da Educação, de 1990, apontam para mais de 205 mil médicos em atuação no país; contingente acrescido anualmente por mais de 10 mil médicos entregues à sociedade brasileira pelas 82 faculdades de medicina existentes no Brasil.

Isto posto, deparamo-nos com a seguinte indagação: Onde está a fonte de um volume tão grande de processos?.

Uma resposta menos atenta pode dizer que isso deriva do erro médico em si, à deficiência das faculdades, à má formação dos médicos, aos baixos honorários, etc. Todavia, por que tal ocorre inclusive nos Estados Unidos, onde o médico é sabidamente bem formado e bem remunerado?

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Estudiosos do assunto apontam outros fatores que vão além dos supramencionados. Entre os vários motivos que levam à desconfiança na atuação do médico, dois se mostram precípuos e incontroversos: o primeiro deriva da dessacralização crescente da sociedade e o segundo da impessoalização da relação médico-paciente.

Se antes o médico era o denominado "médico de família", o qual tratava do avô ao neto da mesma prole, hoje a sociedade de massa não conta mais com um profissional com essas características. Ao lado de uma relação profissional, havia uma relação de fidúcia ou absoluta confiança entre médico e paciente. Diante de um problema com o paciente, a última coisa que pensariam é que poderia ter havido uma falta do profissional.

Hodiernamente, o paciente não tem mais o seu médico particular, mas sim uma lista "infindável" de profissionais que lhe são oferecidos pelos planos de saúde. O que prevalece hoje não é apenas se o profissional é bom, mas se ele é vinculado a um convênio ou plano de saúde. Não é por acaso que as chamadas consultas particulares estão a cada dia mais escassas e só profissionais altamente renomados podem abrir mão de trabalhar com os planos de saúde. E, como os convênios nivelaram por baixo a remuneração do profissional, ele tende a trabalhar em mais locais, com mais pacientes, a fim de auferir uma remuneração razoável. O resultado é a impessoalização da relação médico-paciente. Nesse sentido, aduz Miguel Kfouri Neto:

"Aponta-se como causa dessa postura belicosa a despersonalização do relacionamento médico-paciente, em decorrência da socialização da medicina e dos altos níveis de especialização da arte médica. Desapareceu a figura cordial do "médico de família", amigo e camarada – em quem se depositava confiança irrestrita e contra quem jamais cogitaria intentar uma demanda."

Ao lado da impessoalização da relação médico-paciente, outro fator que colabora sensivelmente para o aumento das demandas é a dessacralização da sociedade. A morte, pelos cristãos, seja qual for a causa material, doença, acidente, etc., sempre foi vista como um chamado de Deus. Por conseguinte, perder a vida ou ter as funções afetadas em decorrência de um tratamento ou de uma cirurgia, no contexto de uma sociedade profundamente religiosa, tinha como explicação a vontade divina.

Atualmente, é patente a racionalização da sociedade e a dessacralização da cultura da humanidade. Os valores religiosos vão cedendo espaço a condutas mais frias e racionais. Logo, conforme a crença do homem moderno, não é mais um Deus quem causa ou evita os males, prolonga ou reduz a existência, mas sim um bem ou mal-sucedido manejo das técnicas advindas da ciência.

Segundo alguns doutrinadores, pode-se citar ainda, de forma secundária, a ocorrência de outros dois fatores: a atuação da Imprensa e o comportamento dos profissionais da medicina.

A Imprensa, divulgando denúncias por vezes exageradas, contribuiu para a desaparição daquela aura de mistério e respeito que cercava a profissão médica, ocasionando a própria dessacralização da medicina.

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Os médicos, por sua vez, inclinam-se, de um modo geral, a fazer de sua responsabilidade uma questão de mera consciência, de foro íntimo, identificando na evolução da jurisprudência uma ameaça contra a liberdade científica a até mesmo contra a saúde pública.

Vale ressaltar que os quatro fatores supracitados são fenômenos que aconteceram e/ou estão acontecendo crescentemente em todos os países do mundo, influenciados, inclusive, pela "globalização dos costumes." Ao lado de tais fatores ditos "mundiais", há que se considerar as singularidades locais de cada Nação, para que se possa ter uma exata noção de quais fatores contribuem para o aumento dos processos por erro médico em determinado país.

Assim, retornando ao âmbito nacional, não se pode negar que hoje o Estado coloca à disposição do cidadão para proteger seus direitos, um Poder Judiciário, em que pese sua morosidade e deficiência, muito melhor aparelhado e próximo da comunidade que tempos atrás.

Logo, em apertada síntese, conclui-se que ao lado das deficiências dos cursos de medicina nacionais, contribuem para o aumento das demandas por erro médico em nosso país, a dessacralização da sociedade, a massificação dos tratamentos médicos com a proliferação dos planos de saúde, a atuação da imprensa, a própria atitude da classe médica diante do problema, e o melhor aparelhamento do Poder Judiciário pátrio.

Destarte, de uma tradicional debilidade, quando se entendia que qualquer dano ou mal advindo do tratamento médico era inevitável ou se carecia de meios para se reclamar a reparação, vê-se, hoje, um panorama bastante diferente, não só de proteção ao lesado, como também do convencimento deste em atribuir sempre a uma má prática médica o resultado prejudicial da atividade curativa. Em minha opinião, ambos os extremos são criticáveis e condenáveis.

5.2 – A realidade brasileira.

Pena de até três anos de prisão e indenizações que variam de oitenta a mil salários mínimos, acrescidas, se for o caso, do montante das despesas que o paciente precise fazer para corrigir a lesão que eventualmente tenha sofrido e condenação em pagamento de uma pensão, até permanente, ao paciente ou dependentes seus, que variam de acordo com a renda que estes paciente tinha no momento da lesão que o tenha incapacitado. Essas são as punições que a Justiça brasileira vem concedendo a médicos que tiram vidas, mutilam pacientes, deixam trauma e um vazio eterno nas inúmeras famílias vítimas de erro médico.

É impossível saber o número exato de casos em que pacientes entram nos hospitais doentes e saem mortos ou mutilados. O maior Conselho Regional de Medicina do país, o de São Paulo (CRM-SP), recebe 200 denúncias por mês. Nos arquivos das Defensorias Públicas espalhadas pelo Brasil, encontram-se milhares de casos, alguns ocorridos há 20 anos e até hoje sem decisão. Familiares e vítimas se organizam em associações para fortalecer a busca pela Justiça. Quem entra nessa "batalha" não enfrenta apenas o corporativismo da classe médica, mas a triste

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constatação da falta de estrutura dos hospitais brasileiros e do despreparo dos profissionais da medicina.

Distinguir erro médico de um insucesso terapêutico natural é a primeira dificuldade na hora de analisar uma denúncia. Dos 200 casos registrados no CRM-SP, apenas 10 a 15 % viraram processos contra o profissional. " O restante não procede porque são, na sua maioria, relatos de pacientes que se submeteram a cirurgias plásticas e não ficaram satisfeitos com o resultado estético", afirma, em entrevista à Revista Pró-Consumidor de janeiro de 2001, a médica sanitarista Regina Parizi (presidente do conselho paulista à época da matéria). Se o percentual de verificação de erro parece pequeno, os números que mostram o rigor com a punição são mais desanimadores. Nos últimos três anos, dos 411 casos julgados pelo CRM-SP, apenas 3,65%, ou seja, 15 médicos acabaram cassados. Outros 46 foram suspensos por 30 dias, 83 receberam censura pública, 83 foram censurados confidencialmente e 54 foram advertidos confidencialmente. "Isso porque temos um conselho bastante rigoroso. Entendemos que a classe médica tem de ser mais rígida quando se trata de falha do colega. É uma forma de valorizar e incentivar o profissional que se preocupa em trabalhar direito. Mas, em muitos ca3os, não há falha grave", avalia Parizi. Ela vê no avanço dos direitos do consumidor uma arma a favor da maior transparência a respeito do tema: "O paciente aprendeu que, como consumidor, tem direito de reclamar e isso trouxe à tona histórias que antes aconteciam e eram abafadas pelo próprio constrangimento da vítima".

Quando o julgamento não envolve colegas de profissão, mas o Poder Judiciário, a pena para o médico é de até três anos de prisão, mas como ele é réu primário com bons antecedentes e tem curso superior, substituem-se as "grades" por trabalhos comunitários e outras penas alternativas. "É uma forma de não sobrecarregar o sistema penitenciário e obrigar o médico a ser útil à comunidade", explica o promotor de Justiça de Defesa da Saúde do Ministério Público de Minas Gerais, Rogério Greco.

A maior incidência de erros médicos aparece, entretanto, num dos momentos mais felizes da vida de uma mulher: a hora de dar à luz. Na maioria das vezes, o médico esperou demais para começar o parto e, por isso, a criança nasce defeituosa ou a mãe sai lesada ou morta. Tal assertiva é corroborada pelos médicos Júlio Cézar Meirelles Gomes e Genival Veloso de França, os quais traçaram o perfil do médico que costuma falhar: é um cirurgião-obstetra com mais de 10 anos de profissão e 48 anos de idade. Ademais, segundo esses médicos, apenas 0,34% dos procedimentos médicos no Brasil trazem conseqüências indesejadas ou fatais.

Isto posto, apesar de um aumento considerável do número de processos por erro médico em relação a décadas atrás, as vítimas ainda pouco procuram o Judiciário. A notória dificuldade de acesso a uma ordem jurídica justa, aliada à timidez de nossos pretórios ao estabelecerem a culpa do profissional da medicina, são, no entendimento de Miguel Kfouri Neto, as principais causas dessa hesitação.

Nesse sentido vale dizer que o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo a favor da indenização à vítima e à família em casos de erro médico em que fique provado, sem margem de dúvidas, que o procedimento do profissional foi realmente a causa da lesão ou morte do paciente. Quando, no processo criminal ou cível, as provas são insuficientes, o STJ, ao analisar a questão, isenta o médico da pena por não poder

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reexaminar as provas. Por outro lado, quando o nexo causal é descrito e provado, o tribunal reconhece o direito à indenização e pune os profissionais.

Para Miguel Kfouri Neto: "O artigo 1.545 do Código Civil não aprofunda, por exemplo, a questão do laudo e do perito". Segundo ele, um dos grandes inimigos desses processos é o laudo incompleto ou inconclusivo, que deixa dúvidas sobre as quais o juiz não pode decidir. "É preciso criar-se um estatuto que trate somente do erro médico". Opinião com a qual, pessoalmente, concordo.

5.3 – Reparação do dano estético.

Com o advento da Magna Carta de 1988, foi reconhecida a indenização por dano moral, abrindo-se um novo campo na seara da responsabilidade civil, que até então vinha sendo timidamente albergado pela jurisprudência, o que acabou se refletindo na classe médica e na relação jurídica de prestação de serviços mantida entre o médico e seu paciente.

De acordo com a Revista Consulex de dezembro de 1999, a questão do erro médico geralmente se acha ligada à do dano estético. Por isso, tendo em vista a importância da questão em relação ao tema deste trabalho, creio ser oportuno tecer breves comentários acerca da reparação e da liquidação do dano estético.

Conforme já visto no Capítulo III deste trabalho, a responsabilidade civil acarreta a necessidade de ressarcimento dos danos causados – quer na esfera patrimonial, quer na moral – sendo independente da criminal.

Esse dever legal tem como fundamento as máximas romanas afirmadas por Ulpiano, segundo as quais "deve-se viver honestamente, não lesar ninguém e dar a cada um o que é seu".

Vale ressaltar que o artigo 5º, V e X da Magna Carta de 1988 consagra a plena reparabilidade do dano moral.

Para Miguel Kfouri Neto, quando se trata de dano moral ou estético, apropriado seria falar em compensação, como forma de restabelecer uma situação que se havia modificado, em função de prejuízo ou dano causado. Verifica-se, entretanto, larga aplicação do vocábulo reparação, especificamente em relação ao dano moral, insuscetível de valoração monetária absoluta.

Indenização teria o escopo – para De Plácido e Silva – "de integrar o patrimônio da pessoa daquilo em que se desfalcou pelos desembolsos, de recompô-lo pelas perdas ou prejuízos sofridos (dano)".

Destarte, ainda no entendimento de Miguel Kfouri Neto, restituição é a forma de recomposição patrimonial in natura; e recomposição patrimonial pelo equivalente se denomina ressarcimento.

Uma vez superadas essas divergências de nomenclatura, passar-se-á ao estudo da liquidação do dano estético.

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Liquidar o dano consiste em determinar o quantum, em pecúnia, que incumbirá ao causador despender em prol do lesado. Se não houver adimplemento espontâneo da obrigação assim tornada certa, recorrer-se-á à execução.

Nesse contexto, faz-se mister citar o disposto no artigo 944 do NCC (sem correspondente no CC de 1916), e na Súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça (máxima instância para decidir sobre o assunto em nosso país), in verbis:

"Art. 944 do NCC: A indenização mede-se pela extensão do dano".

"Súmula nº 37: São cumuláveis as indenizações por dano moral e material oriundos do mesmo fato".

Todavia, é preciso esclarecer que nem sempre há cumulatividade do dano estético com o moral. Deveras, existem algumas lesões que não deformam a vítima fisicamente, mas afetam seu psiquismo, e outras que atingem o aspecto estético do lesado, mas este as supera, sem que haja repercussão psíquica. A lesão estética (como visto no Capítulo III) constitui, em regra, um dano moral, o qual poderá ou não constituir um prejuízo patrimonial. Pode haver deformidade e não haver redução da capacidade de trabalho da vítima ou prejuízo patrimonial. Assim, a lesão estética pode determinar para o indivíduo dano moral e patrimonial, apuráveis por métodos comuns, inclusive o do arbitramento.

Não há um critério aritmético para apurar o dano estético. Esse dano será maior ou menos extenso conforme o sexo, idade, condição social do lesado, etc. P. ex.: suponha-se que a vítima da lesão deformante seja uma das dez mulheres mais elegantes do Brasil, centro de atrações sociais, e que, de uma hora para outra, em razão da lesão, vê-se obrigada a usar olho de vidro, aparelhos ortopédicos, etc. que prejudiquem sua vida social (o dano ob deformitatem será menos extenso se outra fosse a vítima, pertencente a uma classe social inferior).

Entretanto, a lesão estética, na maioria das vezes, pode determinar um prejuízo material, repercutindo nas possibilidades econômicas da vítima, v.g.: se a vítima for uma atriz de cinema, uma bailarina, uma modelo publicitária, uma cantora, que para exercer seu ofício tem necessidade de aparecer em público.

O Código Civil de 1916 reza que em havendo dano estético, a soma do ressarcimento pela lesão corporal é devida em dobro se do ferimento resultar aleijão ou deformidade. Logo, essa duplicação indica que o escopo da lei não é a reparação do dano em si, mas a indenização pecuniária. É o que estatui o artigo 1.538 do referido diploma legal (art. 949 do NCC), in verbis:

"Art. 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.

§1º Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade.

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§2º Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito."

O Novo Código Civil não mais faz tais distinções, vez que até mesmo o dote foi eliminado do nosso ordenamento jurídico, dispondo somente no seu art. 950, in verbis:

"Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez".

Se o dano estético puder ser reparado in natura ou se o lesado adquirir após a operação uma forma de beleza mais correta mediante técnica cirúrgico-plástica, como o órgão judicante fixará a indenização? O juiz deverá agir prudentemente nessas hipóteses. Apesar do progresso da cirurgia plástica, nem todas as lesões estéticas admitem uma reparação ideal. Ademais, não se pode obrigar a vítima a se submeter a qualquer intervenção cirúrgica, mesmo com o fim de reparar dano estético, expondo-se aos riscos inerentes à cirurgia para beneficiar o lesante.

5.3.1-Direito comparado.

Eis como o tema é visto na legislação estrangeira:

a)Na França, até as lesões estéticas consideradas banais recebem proteção do direito;

b)O direito italiano acolhe francamente a tese da reparação do dano moral e, por conseguinte, do dano estético;

c)Na Suíça, tem a vítima desfigurada direito à indenização quando por causa desta há restrições ao seu futuro econômico;

d)O direito alemão contém preceito expresso protegendo o ofendido por lesões corporais a receber indenização pecuniária pelos danos que não tenham afetado o seu patrimônio.

e)No direito austríaco, isso também é possível;

f)No direito português – "A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral";

g)No direito inglês, a reparação das lesões aos direitos subjetivos é a mais efetiva e ampla, estendendo-se, do mesmo modo, às ofensas a bens imateriais;

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h)Nos Estados Unidos, qualquer ofensa à pessoa, seja material ou moral, é tratada com a maior severidade possível. A indenização é aplicada da forma mais perfeita e completa;

i)Na Colômbia, admite-se a reparabilidade dos danos não patrimoniais;

j)Na Argentina, tanto a doutrina quanto a jurisprudência são favoráveis à reparação civil do dano estético, apesar de a lei só reconhecer a reparação dos danos extrapatrimoniais no caso de ilícito penal.

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CONCLUSÃO.

A responsabilidade médica analisada sobre o prisma da cirurgia plástica tem inegável relevância dentro do âmbito da responsabilidade civil.

Atualmente, em face do crescente culto ao belo, o tema requer uma reflexão muito mais acurada do que há alguns anos. Com efeito, milhares de pessoas passaram a sonhar com a possibilidade de realização de uma cirurgia plástica – estética ou reparadora - buscando melhor aceitação social ou profissional. Assim, o erro do cirurgião plástico exsurge para o paciente que é submetido a esta espécie de cirurgia como o pesadelo de quem, subitamente, encontra-se deformado.

Sendo assim, os operadores jurídicos, ao se defrontarem com o problema do erro médico na cirurgia plástica, têm que levar em consideração essa realidade, tendo sempre em vista as diversas singularidades existentes sobre a matéria.

Vale ressaltar que o erro médico não é algo distante dos profissionais da medicina, nem da população. Pois, a cada dia crescem as ações judiciais que, fundadas em tal questão, buscam obter reparação aos pacientes vítimas de danos causados por culpa na realização de cirurgias plásticas.

Destarte, o tema da cirurgia plástica deve ser cuidadosamente estudado, não apenas pelos operadores do direito, mas também pelos próprios médicos, haja vista o grau de desinformação entre os facultativos, tanto no sentido de desconhecimento acerca da real possibilidade de responsabilização, como errônea crença de que o avanço da medicina ficará comprometido com a idéia da responsabilização.

Concluindo-se, verificou-se, na presente monografia, que a responsabilidade civil do médico nas cirurgias plásticas apresenta as características a seguir enumeradas:

1) tem natureza contratual, surgindo para o facultativo quando este estabelece com seu cliente um pacto visando a prestação de um serviço, no caso, o serviço médico;

2) tem natureza subjetiva, sendo necessário, para que surja o dever de indenizar, que a conduta médica apresente a culpa em alguma de suas modalidades,

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vale dizer, que o mesmo tenha agido de modo imprudente, negligente ou imperito. A responsabilidade só será apreciada objetivamente com relação ao estabelecimento hospitalar, posto que este, a teor do disposto no artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, responde independentemente da existência de culpa;

3) as chamadas cláusulas de não-indenizar não têm validade nos contratos firmados entre médicos e pacientes, haja vista o corpo humano ser bem indisponível, havendo, in casu, um preceito de ordem pública que limita a autonomia da vontade;

4) o erro médico, no tocante às cirurgias estéticas (reparadoras ou cosmetológicas), apresenta feição peculiar em sua apreciação, dado o subjetivismo que cerca a noção de belo, de modo que a melhora estética do paciente pode não ser ao mesmo notória, mas em relação a terceiros ser inquestionáveis;

5) caso a cirurgia plástica realizada no paciente tiver por finalidade a reparação de lesão ou deformidade que o mesmo já possuía, não há que se falar em obrigação de resultado por parte do médico que efetuar a intervenção cirúrgica visando corrigir a imperfeição, bastando ao facultativo, para se eximir do dever de indenizar, manter o paciente informado sobre as possíveis conseqüências da operação, bem como agir de acordo com as técnicas aplicáveis ao caso, prestando o serviço contratado de modo consciencioso e atento;

6) caso, porém, a cirurgia plástica for meramente estética, ou seja, tiver caráter meramente cosmetológico, a obrigação assumida é de resultado, ocorrendo inadimplemento contratual se o fim preestabelecido (a melhora estética) não for obtido.

7) sofrendo o paciente algum dano em virtude de cirurgia plástica reparadora, cabe ao mesmo provar a culpa do facultativo em alguma de suas modalidades, já que nas obrigações de meios o ônus da prova é incumbência do autor da ação indenizatória.

8) se, por outro lado, a cirurgia realizada for meramente estética, incumbe ao médico comprovar a existência de alguma causa excludente de responsabilidade, a fim de se eximir da obrigação de indenizar.

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ANEXO.

JURISPRUDÊNCIA – ERRO MÉDICO.

01.INDENIZAÇÃO – Erro médico – Profissional que diagnostica corretamente a doença e aplica tratamento adequado – Evolução do mal, com perda parcial da visão – Impossibilidade de se cogitar da relação de causa e efeito entre a atividade do médico e o dado – Culpa descaracterizada – Verba indevida.

Ementa oficial: Profissional que diagnosticou corretamente a existência de corpo estranho no olho do cliente e que também providenciou sua retirada e aplicou o tratamento adequado a uma ceratite ulcerosa, que, a despeito disso, evoluiu e deu

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causa à perda parcial da visão. Tratando-se de atividade-meio, na qual o médico não se compromete a curar, mas a aplicar toda a diligência na cura, não se pode falar de culpa quando não chega o profissional ao resultado desejado. Desde que o diagnóstico foi correto e a terapêutica adequada, não há que cogitar de relação de causa e efeito entre a atividade do médico e o dano. Descaracterização da culpa em qualquer das modalidades. Improcedência do pedido condenatório. Apelação desprovida. (TJPR – 2.ª Câm.: Ap. Cível n.º 25.622-2-Marigá-PR; Rel. Des. Sydney Zappa; j. 30.03.1994; v.u.) RT 714/206

1.RESPONSABILIDADE CIVIL – Médico – Insucesso em intervenção cirúrgica – Inexistência de prova de conduta culposa – Indenização indevida. Ementa oficial: Não se há de imputar responsabilidade indenizatória ao médico, em face do insucesso de intervenção cirúrgica, se não restar evidenciada sua conduta culposa, uma vez que o compromisso assumido constitui obrigação de meio e não de resultado. (TAMAG – 6.ª Câm.; Ap. Cível n.º 170.185-1- Carmo do Parnaíba-MG; Rel. Juiz Salatiel Resende; j. 28.04.1994; v.u.) RT 711/182

2.INDENIZAÇÃO – Erro médico – Equipe médica que esquece agulha de sutura no organismo do paciente – fato não relacionado com a sintomatologia apresentada pelo mesmo – Irrelevância – Negligência caracterizada – problemas agravados psicologicamente com a agulha de sutura – Verba devida – Direito de regresso do hospital contra o cirurgião responsável – Inteligência dos artigos 159, 1.521, III, 1.539 e 1.545 do CC da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), artigo 14, §§ 1.º, II e 4.º, e artigo 602 do CPC – Voto vencido. Esta anomalia (presença de petrecho cirúrgico no corpo de paciente) configura grave violação dos deveres impostos ao cirurgião e equipe, assim como ao hospital conveniado, incidindo reparação civil e reconhecendo-se a negligência médica. A agulha de sutura está onde não devia estar e a sua retirada demanda criteriosa avaliação pelos riscos que encerra. O dano deve ser indenizado também por razões ético-jurídicas, no intuito de alertar para a formação de uma consciência profissional. (TJRJ – 1.ª Câm.; Ap. Cível n.º 4.486/93; Rel. Des. Pedro Américo Rios Gonçalves; j. 15.03.1994; maioria de votos) RT 719/229 e RJ 231/148.

3.MÉDICO – Responsável civil – Indenização – Mamoplastia da qual resultou deformidade estética – Deformação atribuída à flacidez da pele da paciente – Fato que, se não levado ao conhecimento da autora, caracterizou imprudência e, se desconhecido, caracterizou negligência – Procedência da ação mantida – Inteligência dos artigos 159, 948 e 1.538, do CC. Se a deformação dos seios deve ser atribuída à flacidez da pele da autora, resta incólume a culpa do cirurgião. Assim, duas hipóteses merecem destaque. Primeira, o réu que, evidentemente, examinou os seios da autora, percebeu a alegada flacidez da pele, ocultando esse fato da paciente, agindo com imprudência, pois como conceituado cirurgião que alega ser, devia prever o resultado indesejável da deformação apontada. Segunda, se não percebeu dita flacidez, agiu com negligência, outra modalidade de culpa. (TJSP – 9.ª Câm. Civil; Ap. Cível n.º 233.608-2/7-Campinas-SP; Rel. Des. Accioli Freire; j. 09.06.1994; v.u.) RT 713/125.

4.INDENIZAÇÃO – Médico – Realização da cirurgia plástica – Dano estético – Responsabilização, salvo culpa do paciente ou a intervenção de fator imprevisível, o que lhe cabe provar.

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Ementa oficial: O profissional que se propõe a realizar cirurgia, visando melhorar a aparência física do paciente, assume o compromisso de que, no mínimo, não lhe resultarão danos estéticos, cabendo ao cirurgião a avaliação dos riscos. Responderá por tais danos, salvo culpa do paciente ou a intervenção de fator imprevisível, o que lhe cabe provar. (STJ – 3.ª T.; Ag. Reg. no Ag. N.º 37.060-9-RS; Rel. Min. Eduardo Ribeiro; j. 28.11.1994; v.u.) RT 718/270 e RJ 231/148

5.INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Erro médico – Profissional que se conduziu, diante dos sintomas do doente, como qualquer outro colega o faria – Imprudência, negligência ou imperícia, ademais, não comprovadas – Ação improcedente – Recurso não provido. Ementa oficial: Indenização – Prestação de serviços – Erro médico – Epilepsia de origem endógena (de fatores hereditários e constitucionais) – Aplicação de droga básica – Superveniência de doença rara, de difícil diagnóstico, denominada Síndrome de Stevens Johnson (forma grave de eritema multiforme, caracterizada por sintomas constitucionais e pronunciado comprometimento da conjuntiva e da mucosa bucal) – Dúvida que remanesce, pois a ingestão de outras drogas pode induzir o surgimento da patologia – Negligência, imprudência ou imperícia não comprovadas – Ação desacolhida – Recurso improvido. (TJSP – 16.ª Câm. – Ap. Cível n.º 269.166-2-SP; Rel. Des. Soares Lima; j. 21.11.1995; v.u.) JTJ 177/90

6.RESPONSABILIDADE CIVIL – Plano de Saúde – Indenização por danos materiais e morais, decorrentes de adimplemento imperfeito do contrato de prestação de serviços médico-hospitalares. Ementa oficial: Erro e indefinição no diagnóstico da real patologia, que obrigaram a associada a buscar profissional particular – Procedência mantida – Recurso da autora provido, para a elevação do valor da indenização pelos danos morais de trinta para duzentos salários-mínimos – Apelação da ré improvida. (TJSP – 2.ª Câm. De Direito Privado; Ap. Cível n.º 259.592-1-SP; Rel. Des. J. Roberto Bedran; j. 24.09.1996; v.u.) JTJ 192/122

7.DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE CIRURGIA REALIZADA COM IMPRUDÊNCIA – Co-responsabilidade do médico que figurou como primeiro assistente, mas teve participação essencial no ato cirúrgico. Falta de prova de lucros cessantes – Existência de danos emergentes comprovada, mas não a sua extensão – danos morais arbitrados em conformidade com a profundidade e extensão do sofrimento imposto à vítima pelo ato ilícito – provimento parcial à apelação do autor para fixar os danos morais, incluído o estético, em setenta mil reais (R$ 70.000,00), acrescidos de juros simples a partir da data do fato e correção monetária a partir da data do acórdão – Não conhecimento do aditamento à apelação do autor – Improvimento à apelação do co-réu – Observação que os danos materiais emergentes devem ser objeto de liquidação por artigos. (TJSP -–2.ª Câm. De Direito Privado; Ap. Cível n.º 262.383-1-SP; Rel. Des. Lino Machado; j. 19.11.1996; v.u.) JTJ 196/131

8.INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Erro médico – Lesões sofridas por paciente após ministração de medicamento – Nexo de causalidade e culpa do médico não comprovados – profissional, ademais, que assume uma obrigação de meio e não de resultado – Ação improcedente – Recurso não provido.

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Ementa oficial: Responsabilidade civil – Médica – Alegada ministração de tratamento inadequado – Obrigação de meio – Nexo de causalidade e conduta culposa não demonstrado – Improcedência – Recurso improvido. (TJSP – 2.ª Câm. de Direito Privado; Ap. Cível n.º 247.940-1-Fartura-SP; (Rel. Des. Corrêa Lima; j. 16.04.1996; v.u.) JTJ 183/86.

10. CIVIL – Ação de indenização – Erro médico – Responsabilidade solidária do cirurgião (culpa in eligendo) e do anestesista reconhecida pelo acórdão recorrido – Matéria de prova – Súmula n.º 7/STJ.

O médico chefe é quem se presume responsável, em princípio, pelos danos ocorridos em cirurgia, pois, no comando dos trabalhos, sob suas ordens é que executam-se os atos necessários ao bom desempenho da intervenção. Da avaliação fática resultou comprovada a responsabilidade solidária do cirurgião (quanto ao aspecto in eligendo) e do anestesista pelo dano causado. Insuscetível de revisão esta matéria a teor do enunciado na Súmula n.º 7STJ. Recurso não conhecido (STJ – 3.ª T.; Rec. Esp. N.º 53.104-7-RJ; Rel. Min. Waldemar Zveiter; j. 04.03.1997; v.u.) STJ/TRF 99/66 e STJ 97/179

11.RESPONSABILIDADE CIVIL – Cirurgião plástico. Abdominoplastia. Paciente que, após o ato cirúrgico, apresenta deformidades estéticas. Cicatrizes suprapúbicas, com prolongamentos laterais excessivos. Depressão na parte mediana da cicatriz, em relação à distância umbigo/púbis. Gorduras remanescentes. Resultado não satisfatório.

Embora não evidenciada culpa extracontratual do cirurgião, é cabível o ressarcimento. A obrigação, no caso, é de resultado, e não de meio. Conseqüentemente, àquela se vincula o cirurgião plástico. Procedência parcial do pedido, para condenar o réu ao pagamento das despesas necessárias aos procedimentos médicos reparatórios. Dano estético reduzido. Ressarcimento proporcional. Custas e honorários de 20% sobre o valor da condenação por cento) sobre o valor da condenação. (TJRJ – 5.ª Câm.; Ap. Cível n.º 338-93; Relator Des. Marcus Faver; DJU 04.06.1993) RJ 231/148

12.INDENIZAÇÃO – Erro médico – dano moral e estético – Verba não devida se deferido o pedido de pagamento de despesas relativas à futura cirurgia corretiva – recurso desprovido.

Ementa Oficial: Indenização. Erro médico. Culpa grave. Honorários profissionais. Dano estético e moral.

Em se tratando de pedido de indenização por cirurgia plástica malsucedida, provada a culpa, fica o profissional obrigado a restituir ao paciente os honorários, bem como a reparar os danos decorrentes do erro médico.

Se em ação de indenização houve pedido de reparação pecuniária por danos morais e estéticos decorrentes de defeitos da cirurgia e outro para pagamento de despesas com futura cirurgia corretiva, atendido a este, inadmissível será o deferimento do primeiro. (TAMG – 4.ª Câm.; Ap. Cível n.º 11.111-3; Rel. Juiz Macêdo Moreira) RJ 231/148

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13.RESPONSABILIDADE CIVIL – Médico – Clínica – Culpa – Prova.

Não viola regra sobre a prova o acórdão que, além de aceitar implicitamente o princípio da carga dinâmica da prova, examina o conjunto probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus. Legitimidade passiva da clínica, inicialmente procurada pelo paciente. Juntada de textos científicos determinada de ofício pelo Juiz. Regularidade. Responsabilização da clínica e do médico que atendeu o paciente submetido a uma operação cirúrgica da qual resultou a secção da medula. Inexistência de ofensa à lei e divergência não demonstrada. Recurso especial não conhecido. (STJ – 4.ª T.; Rec. Esp. N.º 69.309-SC; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; j. 18.06/1996; v.u.) STJ/TRF 89/155 e RJ 231/149

14.RESPONSABILIDADE CIVIL – Médico – Anestesista.

A responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra (Savatier).

Apesar de se inserir no capítulo dos atos ilícitos, a responsabilidade médica é contratual, conforme predomínio da doutrina e jurisprudência.

Há obrigação de meios e de resultado. Anestesia é obrigação do resultado, concernente a antes, durante e após o ato anestésico, daí a profunda responsabilidade técnica do médico anestesista, que estatui até uma condição arbitrária para seu desempenho dentro da equipe médica.

A determinação de sua responsabilidade dependerá do exame do caso concreto, onde se aplicou anestesia peridural-raquiana, e após algum tempo, sem dor, mas consciente, o paciente veio a ter concussão cerebral, com traumatismo crânio-encefálico, ficando com lesão cerebral, com dano permanente, em razão da P.C.R. (parada cardiorrespiratória).

Ocorre que não foi feito o exame de sensibilidade do paciente e, não sendo intervenção "cirúrgica urgente", tanto assim que a anestesia fora setorial, houve falta de cuidado objetivo e técnico do médico anestesista, que, por negligência e também imperícia, tanto pelo aspecto omissivo e comissivo, não teve atitude correta, pronta, técnica e profissional condizente ao momento e ao paciente, havendo agido com culpa e respondendo pelo dano causado (artigos 159 e 1.145 c.c. o artigo 1.056 do CC).

Ainda mais, o acréscimo angustioso, visto não tirar a conscientização ao paciente, o temor de seu estado psicológico, ocasionando a ele, paciente, e conseqüentemente a terceiros inequívoco dano moral permanente, além do dano material físico.

Apelo conhecido e provido parcialmente (TJGO – 1.ª Câm.; Ap. Cível n.º 29.966-5/188; Rel. Des. José Soares de Castro; j. 18.05.1993) RJ 231/149

15.RESPONSABILIDADE CIVIL – Médico – Cirurgia estética – Pós-operatório.

Reconhecendo no acórdão que o médico foi negligente nos cuidados posteriores à cirurgia, que necessitava de retoques, impõe-se sua condenação ao

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pagamento das despesas para a realização de tais intervenções. (STJ – 4.ª T.; Rec. Esp. N.º 73.958-PR; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; DJU 11.03.1996) RJ 231/149

16.RESPONSABILIDADE CIVIL – Médico – Cirurgia plástica – Onus probandi – Obrigação de resultado – Tabagismo pós-operatório.

A cirurgia plástica, com fins exclusiva ou preponderantemente estéticos, é cirurgia embelezadora e, por isso, a obrigação não é de meio e sim de resultado. Na hipótese de o resultado ser negativo e oposto ao que foi convencionado, presume-se a culpa profissional do cirurgião, até que ele prove sua não-culpa ou qualquer outra causa exonerativa. Inobstante (sic) o fumar no período pós-operatório possa provocar os danos ocorridos, há necessidade de o réu provar que a cliente fumou, embora a contra-indicação médica. Prova suficiente Responsabilidade civil reconhecida. (TJRS – 1.ª Câm.; Ap. Cível n.º 591.055.017; Rel. Des. Tupinambá M.C. do Nascimento; j. 05.05.1992) RJ 231/149

17.INDENIZAÇÃO – Dano moral – Negligência e omissão médica, resultando na morte do filho – Indenização devida – Possibilidade da ocorrência de crime – Cópias das peças dos autos a serem remetidas ao Ministério Público para os fins de direito.

Ementa oficial: é devida indenização por danos morais à mãe parturiente, cujo filho nasce morto por respirar mecônio no útero em razão do retardamento do parto, por negligência e omissão médica. (TJRO – Câm. Civil.; Ap. Cível n.º 95.005038-5; Rel. Des. Eliseu Fernandes de Souza; j. 27.06.1995; v.u.) RJ 231/150 e RT 729/290

18.RESPONSABILIDADE CIVIL – Médico – danos materiais e morais – Erro médico – Culpa – Instituição hospitalar – Responsabilidade solidária – Pensão – Fixação.

O hospital em cujas dependências funciona clínica destinada à prestação de serviço médico especializado, com captação exclusiva de clientela, é solidariamente responsável pela indenização decorrente do ato ilícito nela praticado. O médico que, tendo conhecimento do fenômeno capaz de causar morte de paciente, omite-se na sua exploração e nas condutas que, em conseqüência, seriam aplicáveis, age com culpa que lhe acarreta o dever de reparar danos materiais e morais, cumuláveis por expressa permissão contida no inciso V do artigo 5.º da CF. Sendo o cônjuge sobrevivente profissional com renda própria e não tendo a vítima deixado filhos, a pensão mensal por danos materiais, que não é apenas uma dívida alimentar, mas a recomposição do lucro cessante da entidade familiar, deve corresponder à metade do salário daquela, não se computando parcela ainda não auferida e condiciona à continuidade da prestação do trabalho, que poderia não se concretizar por motivo diverso de óbito. (TJMG – 2.ª Câm.; Rel. Juiz Almeida Melo; DJMG 04.04.1996) RJ 231/150

19.RESPONSABILIDADE CIVIL – Médico – Inocorrência de responsabilidade solidária do hospital – Dano moral – Reconhecimento por maioria – Possibilidade do seu deferimento cumulativamente com danos materiais.

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Caracterizada a culpa exclusiva do médico pela morte de paciente, decorrente de atraso na eleição do tratamento adequado, não há que se falar em responsabilidade solidária do hospital, de que não é empregado e sim diretor. O pedido de indenização por dano moral deve ser deferido cumulativamente com o pedido de danos materiais, quando a vítima, ou sua família, é afetada sentimentalmente pela forma de condução do tratamento médico. (TJDF – 2.ª T.; Ap. Cível n.º 26.983-DF; Rel. Des. Deocleciano Queiroga; DJU 29.06.1994) RJ 231/150

20.RESPONSABILIDADE CIVIL – Erro médico – Estagiário – Culpa do médico responsável pelo parto – Convênio – Responsabilidade objetiva do hospital e do INAMPS.

Tendo o médico atribuído ao estagiário, estudante de medicina, ato privativo seu e sem os necessários cuidados, vindo a causar danos a parturientes, em decorrência do mau uso do instrumento médico-cirúrgico, configura-se ato culposo, por negligência e falta dos cuidados objetivos ou do zelo profissional necessários. Sendo o médico e o estagiário integrantes do corpo clínico do hospital, e as guias de internamento hospitalar expedidas pelo INAMPS, em nome e sob a responsabilidade do hospital, este responde objetivamente pelos danos em decorrência de falta de serviço. Embora seja o médico culpado integrante do hospital e utilizando-se de seu aparelhamento para a prestação de atendimento aos pacientes, como profissional autônomo, sem credenciamento, pois quem era credenciado era o hospital, a autarquia previdenciária também é responsável pela má escolha das entidades de prestação de assistência médica, pois esta seria atribuição primária do próprio INAMPS em virtude do contrato configurado no seguro de assistência aos contribuintes da previdência social. Condenação solidária do médico, que delegou ato de sua atribuição ao estagiário e estudante de medicina, do hospital, de quem eram integrantes o médico e o estagiário, e do INMPS, pelos danos que o erro médico causou a parturiente". (TRF 1ª Região, Rel. Juiz Vicente Leal, Proc.: Ac. nº 0122126, ano: 89, UFMG, Turma 3 – DJ data: 22.10.90, pág.: 24746.)

21.RESPONSABILIDADE CIVIL - Danos físicos e estéticos atribuídos a tratamento médico-cirúrgico inadequado – Culpa não configurada.

Se o tratamento médico-cirúrgico ministrado ao paciente, embora não o ideal, era adequado à moléstia apresentada pelo paciente, e revestido se apresentou das cautelas que se faziam recomendar, e não havendo prova de ter-se, o profissional da medicina, equivocado, por imprudência, negligência ou imperícia, ao ministrá-lo, não há se pretender configurado comportamento culposo que implique responsabilidade civil, com a obrigação de indenizar. Ação indenizatória julgada improcedente em instância inicial. Improvimento do apelo (TJRS – Rel. Des. Osvaldo Stefanello – RJTJRGS 153/43).

22.MÉDICO – Responsabilidade civil – quando ocorre – Ação improcedente.

A responsabilidade civil dos médicos somente decorre de culpa provada, constituindo espécie particular de culpa. Não resultando provadas a imprudência, imperícia ou negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a responsabilidade dos doutores em medicina em virtude, mesmo, da presunção de capacidade constituída

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pelo diploma obtido após as provas regulamentares (TJRJ – Des. Felisberto Ribeiro – RT 558/178).

23.CIRURGIA PLÁSTICA – Obrigação de resultado – Indenização– Dano material e dano moral.

Contratada a realização de cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não cumprimento da mesma obrigação, tanto pelo dano material quanto pelo moral, decorrente de deformidade estética, salvo prova de força maior ou caso fortuito (RSTJ – Rev. Jur. 170/145).

24.RESPONSABILIDADE CIVIL – Médico – Esquecimento de compressas no ventre da paciente.

Ação de responsabilidade civil decorrente de lesões sofridas em decorrência de erro médico. Comprovado ter a médica, após a operação a que se submeteu a autora, deixado dois pedaços de gaze na cavidade abdominal, causando-lhe septicemia grave e perritonite, cabe á médica indenizar a paciente pelos gastos com a laparotomia exploratória realizada por outro facultativo, além das verbas de dano estético por força de cicatriz "estética e viçosa", excluídos os danos morais decorrentes do sofrimento a que se submeteu a paciente (TJRJ – Rel. Des. Penalva Santos – ADV- coad 52/89 – p. 824 – nº 47.271).

25.PROVA – Responsabilidade civil médica por cirurgia plástica malsucedida – Atividade médica como obrigação de meios e não de resultado – Necessidade de a autora provar a culpa do profissional – Impossibilidade de inversão do ônus da prova – CCB, art. 1.545 – Inaplicabilidade da Lei nº 8.078/90 (CDC), art. 6º, VIII, em face do art. 14, § 4º.

A obrigação médica é de meio e não de resultado, depende, portanto, de prova daquele que se disser prejudicado. Estando, desta forma, a responsabilidade civil dos médicos fundada na teoria da culpa (CCB, art. 1.545), inaplicável à espécie o disposto no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, VIII, mesmo porque o próprio Código, em seu art. 14, §4º, exclui a possibilidade da pretendida inversão do onus probandi. Recurso improvido (TJPR – Ag. de Instr. 34.834-1 – Rel. Des. Abrahão Miguel – j. 20.06.1995 – PJ 4.941).

26.RESPONSABILIDADE CIVIL – Cirurgia plástica – Erro profissional – deformação – Indenização – Hospital responsável.

Há responsabilidade civil de estabelecimento hospitalar por erro profissional de sua equipe médica quando ocorre culpa in eligendo.

Na cirurgia estética existe responsabilidade do médico quando há resultado diverso do pretendido pelo paciente (TJRJ – Rel Des. Dourado de Gusmão – RT 566/191).

27.INDENIZAÇÃO – Cirurgia plástica – "Dano estético e moral" – Resultado que trouxe como conseqüência a necessidade de retoques cirúrgicos – Culpa demonstrada – Verba honorária mantida. Agravo não conhecido. Apelos desprovidos.

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Não se conhece do agravo retido que não apresenta, expressamente, as razões jurídicas e fáticas com as quais se impugna a decisão recorrida.

Indenizável o dano estético representado pela deformidade causada pelo evento culposo.

Revela-se efetivo o dano moral sofrido pela vítima, se da cirurgia resultaram seqüelas que impeçam a prática de atos comuns da vida, como locomover-se.

Verba honorária mantida à vista dos peritos deduzidos e das derrotas experimentadas pelas partes (TJPR – Ap. Cív. 50066-3 Ac. 13445 – 3ª Câm. Cív. – Rel. Juiz Ivan Bortoleto – j. 23.09.1997).

28.Ação de reparação de danos estético e moral decorrente de cirurgia plástica reparadora nos seios.

Sentença de improcedência quanto aos danos estéticos e de procedência quanto aos danos morais, fixados estes em cem (100) salários mínimos, devidos em razão de esquecimento de agulha cirúrgica no seio da demandante. Quantum fixado a título de danos morais, que se mostra razoável e não excessivo, ante as peculiaridades do caso. Critério de fixação da verba honorária correto. Recurso adesivo – Nega-se provimento. A prova não evidencia o alegado dano estético de cirurgia reparadora e não embelezadora. Honorários mantidos, eis que corretos o parâmetro e fixação, além do que o pedido de reforma, a respeito é vago e impreciso (TJRS – ap. Cív. 595167073 – 6ª Câm. Cív. – Rel. Des. Paulo Roberto Hanke – j; 07.05.1996).

29.RESPONSABILIDADE CIVIL – Erro médico – Cirurgia plástica – Dano estético é aspecto de dano moral, não admitindo cumulação – Reforma parcial da sentença.

Responsabilidade civil. Cirurgia plástica corretiva. Erro médico. Indenização por dano estético e moral. Bis in idem. Embora de meio, a obrigação médica na cirurgia plástica reparatória, o erro profissional, comprovado por laudo pericial idôneo, torna o estabelecimento hospitalar responsável pela reparação do dano causado pelo seu preposto. O dano estético, que se configura pelo vexame, vergonha ou humilhação decorrente de deformidade física, é um aspecto do dano moral, pelo que não se admite cumulação com este, sob pena de incorrer-se em bis in idem. A gravidade da deformidade sofrida pela apelante, todavia, recomenda elevação da verba do dano moral (para 200 salários mínimos). Reforma parcial da sentença (TJRJ – Ap. Cív. 1.38594 – j. 18.08.1994 – Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho – RD-TJRJ 26/260).

30.DIREITO CIVIL – responsabilidade civil por erro médico – Cirurgia plástica de natureza estética – Obrigação médica de resultado.

A cirurgia plástica de natureza meramente estética objetiva embelezamento. Em tal hipótese, o contrato médico-paciente é de resultado, não de meios. A prestação do serviço médico há que corresponder ao resultado buscado pelo paciente e assumido pelo profissional da medicina. Em sendo negativo esse resultado, ocorre presunção de culpa do profissional. Presunção só afastada se fizer ele prova

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inequívoca de que tenha agido observando estritamente os parâmetros científicos exigidos, decorrendo, o dano, de caso fortuito ou força maior, ou outra causa exonerativa o tenha causado, mesmo desvinculada possa ser a própria cirurgia ou posterior tratamento. Forma de indenização correta. Dano moral. Sua correta mensuração (180 salários mínimos). Ação julgada procedente, em parte, em primeiro grau de jurisdição. Provimento, em parte, do apelo da autora, no que diz com a mensuração do dano moral, e não-conhecimento, por intempestivo, do apelo do réu (TJRS – Ap. Cív. 595068842 - 6ª Câm. cív. – j. 10.10.1995 – Rel Des. Osvaldo Stefanello – RJTJRGS 175/572).

31.RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO – CIRURGIA PLÁSTICA MALSUCEDIDA – DESPESAS MÉDICAS – DANO MORAL – REDUÇÃO DO JULGADO – Responsabilidade civil. Cirurgia estética. Danos sofridos pela paciente.

Sendo a cirurgia estética uma obrigação de resultado, responde o cirurgião pelos danos causados à paciente, ainda que a intervenção possa não ter sido a única causa desses danos, mas que, de qualquer forma, contribuiu para o resultado danoso. Apelos providos parcialmente (TJRJ – AC 7063/96 – (Reg. 100697) – Cód. 96.001.07063 – 9ª Câm. cív. – Rel. des. Nílson de Castro Dião – j. 04.12.1996).

32.RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO – Cirurgia plástica malsucedida – dano estético – Culpa – Erro médico – Caracterização – ressarcimento dos danos.

Cirurgia plástica. Insucesso da operação. Erro médico. Dever de reparação. Tendo sido provado, cumpridamente, o erro médico, que levou a paciente ser portadora de grave lesão mamária, importa que o cirurgião suporte os ônus de sua imperícia, devolvendo à autora os honorários que recebeu, que pague nova cirurgia, a ser realizada por médico de escolha da autora, tratamento psicoterápico e, por fim, dano moral fixado em 100 s.m. O perito, sendo médico, está apto a proceder à perícia, não havendo necessidade de ter especialidade de cirurgia plástica. Não houve cerceamento de defesa, porque não há prova de que o assistente técnico tenha convocado a autora para exame, circunstância que somente foi aventada em recurso. Apelo rejeitado. (TJRJ – AC 3924/97 – (Reg. 270298) – Cód. 97.001.03924 – RJ – 3ª Câm. Cív. – Rel. Des. Gustavo Adolpho Kuhl Leite – j. 16.09.1997).

33.Responsabilidade civil – Médico – Cirurgia plástica – Reclamado dano estético e moral – Artigos 159 e 1.545 do Código Civil.

Resultado almejado não inteiramente alcançado. Retoques cirúrgicos necessários, como de certa freqüência nesse tipo de intervenção, que não foram levados a termo ante o rompimento das relações médico-paciente. Ausência de comportamento culposo pela parte do profissional, ao plano do inquinado ilícito civil. Desinteligência conduzida à inexecução complementar dos serviços, com rompimento do contrato, ensejando apenas composição obrigacional para complementar o ato secundário. Recurso parcialmente provido (TJPR – Ap. Cív. 19.795-3 – 4ª Câm. Cív. – Ac. 9.917 – Rel. Juiz Conv. Cordeiro Cléve – j. 21.09.1994).

CIVIL – Responsabilidade civil – Cirurgia plástica – Obrigação de resultado. É de resultado, e não de meio, a obrigação do cirurgião plástico, que realiza mamoplastia da qual resulta flacidez e ptose. Falta de obtenção do resultado, e

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necessidade de corrigir o estado atual do paciente, através de outra cirurgia, apuradas pela perícia. Dano moral devido. Apelação desprovida. (TJRS – Ap. Cív. 597004902 – 5º Câm. Cív. – j. 27.02.1997 – Rel. Des. Araken de Assis – RJTJRGS 183/383.

34.MÉDICO – Indenização – cirurgia plástica – Obrigação de resultado– Imperícia comprovada – Procedência da ação decretada.

Ementa Oficial: Não obstante assuma o médico, em princípio, obrigação de meio, em se tratando de cirurgia estética, excepcionalmente a obrigação é de resultado. Provada a imperícia do médico ao realizar intervenção cirúrgica de natureza estética, de modo a exigir a nova cirurgia, impõe-se a procedência da pretensão indenizatória (TAMG – Ap. Cív. 190.443-8 – 2ª Câm. – j. 21.02.1995 – Rel. Juiz Caetano Levi Lopes – RT 726/416).

35.RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO – CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA – OBRIGAÇÃO MÉDICA DE RESULTADO – PERÍCIA.

Na cirurgia plástica estética, o médico compromete-se pelo resultado, que, no caso, foi atingido, de acordo com a prova pericial realizada. Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido (TJRS – Ac. 597192244-RS – 7ª Câm. Cív. – Rela. Desa. Lúcia de Castro Boller – j. 18.11.1998).

36.RESPONSABILIDADE CIVIL – Médico – Negligência e imperícia – Cirurgia plástica.

Comprovado, por prova técnica e testemunhal, que o médico agiu com negligência e imperícia no período operatório e no atendimento pós-operatório, fazendo, em conseqüência, desaparecer a harmonia e a confiança que devem prevalecer entre médico e cliente, impõe-se condená-lo a pagar o valor de outras cirurgias corretoras de seu péssimo trabalho, que causou seqüelas na autora. Ademais, em face do sofrimento imposto a esta, condena-se também o médico a suportar o valor de cem salários mínimos pelo dano estético e cem salários mínimos pelo dano moral. Improcedente a reconvenção, deverá o réu-reconvinte suportar os ônus da sucumbência referentes a esta ação (TJRJ – AC 3.261-98 – 2ª Câm. Cív. – Rel. Des. Gustavo Adolpho Kuhl Leite – j. 27.08.1998).

37.ACIDENTE DE TRABALHO – Deformidade física – Cirurgia plástica malsucedida – Responsabilidade civil do médico – Responsabilidade civil da empresa seguradora – Solidariedade.

Responsabilidade civil do médico. Cirurgia plástica. Natureza da obrigação. Responsabilidade solidária da empresa de previdência médica. Agravado, com as cirurgias plásticas, o estado do paciente, sob o ponto de vista estético, evidencia-se responsabilidade do médico-cirurgião que não demonstra qualquer excludente. A empresa de previdência médica, que credenciou o cirurgião e o colocou à disposição do segurado, responde solidariamentre pelo resultado danoso, uma vez que não provou haver feito boa escolha. Desprovimento das apelações (TJRJ – AC 4795/97 – (Reg. 221297) – Cód. 97001.04795 – 7ª Câm. Cív. – Rel. Des. Asclepíades Rodrigues – j. 25.11.1997).

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38RESPONSABILIDADE CIVIL – ação ordinária de indenização por danos decorrentes de cirurgia plástica cosmetóloga realizada nos seios da paciente.

Ementa Oficial: Cuidando de cirurgia plástica de obrigação de resultado e não de meio, e não tendo havido o resultado almejado pela paciente, mas ao contrário tendo permanecido, ao final, seqüelas desagradáveis nas mamas da operada decorrentes da malsucedida operação, procede o pedido e concede-se a indenização pleiteada (Apelação cível n° 4.723/89, 5ª Câm. Cív. Do TJRJ).

40.RESPONSABILIDADE CIVIL - Indenização pleiteada em virtude de mau resultado de operação médica.

Ementa Oficial: Operando o médico com destreza, perícia, prudência, conhecimento e observância das normas da profissão e dos princípios consagrados nos regulamentos sanitários, é incivil pretender que responda assim pela morte ou agravação do estado de paciente de operação estética (Apelação Cível nº 162.732, RJTJSP, 5:96).

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