Monografia especialização filosofia em direitos humanos versão final 3

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1 AVM Faculdade Integrada Especialização em Filosofia e Direitos Humanos Rubens Lima da Silva REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

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AVM Faculdade IntegradaEspecialização em Filosofia e Direitos Humanos

Rubens Lima da Silva

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

São Paulo2015

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Rubens Lima da Silva

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Monografia apresentada à AVM Faculdade Integrada como parte obrigatória para obtenção do título de especialização em filosofia dos direitos humanos.

Orients: Denise Maria dos S. Paulinelli

Róbson Gonçalves Castro

São Paulo2015

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao nosso Senhor e Salvador

Jesus Cristo, que nos tem dado forças para

vencermos mais esta batalha, aos nossos pais,

nossa orientadora Profa. Denise Maria dos

Santos Paulinell e nossos amigos de curso.

Assim como a Todos que de alguma forma

colaboraram para que este trabalho fosse

realizado.

EPÍGRAFE

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“...a Justiça continuou e continua a morrer todos os

dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo,

longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa,

alguém a está matando. De cada vez que morre, é

como se afinal nunca tivesse existido para aqueles

que nela tinham confiado para aqueles que dela

esperavam o que da Justiça todos temos o direito

de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que

se envolve em túnicas de teatro e nos confunde

com flores de vã retórica judicialista, não a que

permitiram que lhe vendassem os olhos e viciassem

os pesos da balança, não a da espada que sempre

corta mais para um lado que para o outro, mas uma

justiça pedestre, uma justiça companheira

quotidiana dos homens, uma justiça para quem o

justo seria o mais exato e rigoroso sinônimo do

ético, uma justiça que chegasse a ser tão

indispensável à felicidade do espírito como

indispensável à vida é o alimento do corpo... “

(José Saramago – Pensador Português)

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RESUMO

O presente trabalho tem escopo avaliar a problemática sobre a redução da maioridade

penal, verificando o modo como a sociedade, através da legislação ao longo do tempo

aplicou a punição aos infratores inimputáveis e como se deu a evolução dentro do

ordenamento jurídico.

A sociedade sempre sofreu com a ocorrência da criminalidade e da violência, contudo,

houve um crescente aumento no cometimento de crimes praticado por menores, os

quais acabam afetando toda à sociedade, pois o Estado possui uma grande deficiência

na proteção na proteção dos cidadãos bem como na aplicabilidade das leis. O sistema

carcerário brasileiro também não comporta um tratamento que ressocialize o indivíduo,

carecendo de estruturas humanas e financeiras.

Pretende-se, por tais motivos, analisar as propostas de redução da maioridade penal,

verificando as discussões que envolvem o tema, mostrando que a pretensão de

redução se sustenta em argumentos frágeis e que se baseiam na problemática da

ausência efetiva de um programa eficaz de Políticas Públicas, pois o adolescente tem

garantido seus direitos dentro da Constituição Federal conforme artigo 227, no Estatuto

da Criança e do Adolescente (ECA Lei 8.069/90) bem como em diversos Tratados

Internacionais.

Será abordado a evolução da história penal, o conceito de menoridade, o ato infracional

e seus reflexos, as medidas socioeducativas e ao final será apresentado o caráter

fundamental da inimputabilidade penal e o tratamento dado ao assunto pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente.

Este trabalho utilizará de pesquisa bibliográfica que permitiu a análise de diversas

doutrinas, sites especializados a respeito do tema, além disso, diferentes publicações

como livros, artigos e dissertações .

O trabalho valeu-se também do método comparativo, examinando a legislação

brasileira e como alguns países tratam do assunto e o modo que cada um utiliza para

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estabelecer seus limites etários, além disso, o método lógico e sistemático no

transcorrer da pesquisa e na formação do conhecimento e conclusões resultantes

desta.

Palavras-chave: Imputabilidade penal, Medida Socioeducativa, Responsabilidade

Penal, Aplicação de Lei, Sociedade.

ABSTRACT

This work has the purpose to analyze the problem on the reduction of legal age by checking the way society through legislation over time applied the punishment of offenders incompetent and how was the evolution within the legal framework.Society has always suffered from the occurrence of crime and violence, however, there was a steady increase in the commission of crimes committed by minors, which end up affecting the whole society, because the state has a large deficiency in protection in the protection of citizens and the applicability of laws. The Brazilian prison system also does not include a treatment that ressocialize the individual, lacking human and financial structures.It is intended for those reasons, consider proposals for reducing the legal age by checking the discussions surrounding the theme, showing that the claim of reduction is based on flimsy arguments that are based on the problem of effective absence of an effective program Public Policy because the adolescent has guaranteed their rights under the Federal Constitution as Article 227, the Statute of Children and Adolescents (ECA Law 8,069 / 90) and in various international treaties.Will address the evolution of criminal history, the concept of minority, the offense and its consequences, the educational measures and at the end the fundamental character of the criminal unaccountability and the treatment of the subject by the Children and Adolescents will be presented.This work will use a literature which allowed the analysis of different doctrines, specialized sites on the subject, in addition, different publications such as books, articles and dissertations.The work also drew on the comparative method, examining the Brazilian legislation and how some countries deal with the subject and the way that each uses to establish their age limits, moreover, the logical and systematic method during the study and training of knowledge and conclusions resulting from this.Keywords: Criminal Liability, Socio Measure, Criminal Liability, Application of Law Society.

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO..........................................................................................................8

1.1 Revisão de literatura............................................................................................ 11

1.2 Metodologia..........................................................................................................12

1.3. A evolução histórica do inimputável no Brasil........................................................13

2 Da imputabilidade penal............................................................................................ 15

2.1 Imputabilidade e responsabilidade penal..............................................................16

2.2 Critérios acerca das causas de inimputabilidade....................................................17

2.3 Da menoridade penal.............................................................................................19 .

2.4 A responsabilidade penal....................................................................................21

2.5 Legislação nac. e a respons. penal da criança e do adolescente........................23

2.6 Estatuto da criança e do adolescente (ECA)........................................................................................27

2.7 Fundamentos protetivos .........................................................................................29

2.8 O Perfil do Adolescente Infrator...........................................................................33

2.9 Causas de impacto na redução da maioridade penal..............................................35

3.0 CONCLUSÃO.......................................................................................................46

4.0 REFERÊNCIAS.....................................................................................................48

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1.INTRODUÇÃO

Este trabalho monográfico foi realizado por pesquisa bibliográfica baseado em estudo

sistematizado e publicado em livros, revistas especializadas, artigos, monografias,

teses e publicações afeitas.

Quando se fala na redução da maioridade penal há em grande parte adesão da

sociedade clamando por uma “justiça equitativa” quanto a aplicabilidade de leis mais

severas ao “menor” que pratica delitos. O legislador atentando ao clamor popular acaba

se socorrendo de leis que que podem não corresponder a um ideal de aplicabilidade

carente de reflexões e debates culminando na ausência de respostas satisfatórias para

a sociedade.

A punição tem não apenas o condão de aplicar medidas no intuito de ressocializar o

indivíduo e conscientizá-lo sobre a reprovabilidade da prática delituosa, mas a

aplicabilidade de leis que só atendem ao clamor popular e que acabam por deixar de

observar os princípios inerentes à dignidade humana e seus princípios fundamentais,

desconsiderando o Estatuto da Criança e do Adolescente a própria constituição

Federal. O presente trabalho tem como ponto principal a celeuma sobre a polêmica

redução da maioridade penal, na perspectiva dos direitos humanos, uma vez a

discussões levantadas em geral pelo poder da mídia, que visa apenas medidas mais

enérgicas, buscando em aumentar a pena para determinados delitos esquecendo

contudo de solucionar problemas sociais, os quais são a causa de tais infortúnios

sociais..

De acordo com o ordenamento jurídico vigente, a imputabilidade penal se dá aos 18

(dezoito) anos, onde se adota para a aferição desta o critério biológico, em que é

levada em conta somente a idade do indivíduo, independente da capacidade psíquica

deste.

Logo, ao analisarmos toda evolução do direito penal no Brasil, bem como a evolução

social, a redução da menoridade penal não é um objeto de debate recente. Certos

juristas já defendiam antes mesmo da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente

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(Lei n. 8.069/90). Isso porque, hoje é comum ouvir que determinado delito bárbaro

tenha sido praticado por um adolescente.

Ocorreram diversas transformações na sociedade, não podendo mais o jovem de hoje

em dia ser comparado com o de meados do século XX (quase 80 anos atrás), quando

entrou em vigência o Código Penal Brasileiro.

Atualmente, a tecnologia se faz muito presente na vida das pessoas, inclusive de

crianças e adolescentes, como por exemplo, o telefone celular, a internet, televisão,

rádio etc., sendo praticamente impossível manter-se isolado de tais conhecimentos.

Não há mais que se falar em ingenuidade, principalmente no que diz respeito aos

adolescentes, pois estes estão cada vez mais expostos a essas inovações.

Desta feita, no direito penal vigente em nosso país, se o individuo pratica um fato tido

como crime tipicamente falando, só será apenado se sua idade for igual ou superior a

18 anos, sendo processada e julgada conforme os parâmetros do Código de Processo

Penal. Contudo, se essa mesma conduta típica for praticada por um individuo com

idade inferior a 18 anos, não se pode nem falar que este praticou crime, mas sim um

ato infracional, bem como, a ele não será aplicada a pena tipificada para o crime, mas

tão somente medidas socioeducativas, previstas na norma especial, ou seja, no

Estatuto da Criança e do Adolescente, que serão esposadas no momento oportuno.

Por esta razão, crianças e adolescentes são aproveitados pelo crime organizado, pelo

tráfico, fazendo parte de crimes de toda natureza, até mesmo de crimes violentos.

Diante deste cenário social surgiu a polêmica a respeito da redução da maioridade

penal.

Atualmente, as discussões acerca da redução da idade penal estão crescendo cada

vez mais, com um número elevado de participações de juristas e ainda, dos formadores

de opinião através da mídia, bem como, de políticos. O trabalho teve por objetivo o

enfoque da redução da maioridade penal, procurando averiguar a inconstitucionalidade

dessa redução em razão de possuir cláusulas pétreas proibitivas no ordenamento

jurídico. O objetivo principal, em última análise, se poderia sintetizar na intenção de

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levar o leitor a reflexão do tema, referente à questão dos direitos humanos e assim

como a questão jurídica da problemática de reduzir a maioridade penal no Brasil, tendo

em vista, as dificuldades jurídicas abordadas no decorrer deste trabalho.

Tema: REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL.

Problema: Reduzir a idade penal diminuirá de fato a criminalidade?

Objetivo Geral: Investigar o impacto da criminalidade juvenil e se a redução penal

diminuirá a violência na sociedade.

Objetivos Específicos: Verificar as políticas públicas voltadas às crianças e

adolescentes no Brasil; Analisar a casos exitosos de políticas  socioeducativas no

Brasil; Comparar o que é feito em outros países; Apresentar o SINASE.

Justificativa: 

São direitos como habitação decente, creches, escolas infantis, educação básica de

qualidade, alimentação condigna, enfim, uma gama de coisas as mais simples, que

poderia ser a diferença entre vida e morte, liberdade e prisão, esperança e desespero.

Uma vez que atualmente vem se falando muito nos meios de comunicações impresso,

televisivo e seus congêneres de comunicação social em defesa da redução da

maioridade penal. Toda vez que ocorre algum crime grave, em geral latrocínio,

ocorrendo morte causada por adolescente, se ouve uma grita geral exigindo mudança

na Constituição Federal. Sendo que tramitam no Congresso Nacional dois Projetos de

Emenda à Constituição Federal. Dia 19 de fevereiro de 2014 foi rejeitada a PEC

33/2012, sendo considerada a inconstitucionalidade desse projeto, pelo Senado.

Desta forma há uma grande pressão dos meios midiáticos, que representam interesses

conservadores e elitistas, por mudanças que visam endurecer o tratamento contra

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adolescentes em conflito com a lei. Querem diminuir a idade penal e aumentar o tempo

de internação, que atualmente é de 3 anos.  Nesse sentido o projeto justifica-se por

buscar explicitar a realidade por trás de tantas vozes discordantes, que defendem a

manutenção da legislação atual, mas cobrando do Estado o cumprimento dos Tratados

internacionais e legislação Constitucional  e infraconstitucionais referentes à doutrina da

Proteção Integral e aplicação da legislação especial, conforme preceitua a Carta

Magna.

Os resultados esperados deste estudo tem como escopo aumentar a compreensão

deste tema tão importante para o futuro de centenas de milhares de jovens em conflito

com a lei a esperança de um futuro mais humano às gerações futuras, onde terão

acesso aos seus direitos fundamentais elencados na Constituição Federal e , no

Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e nos acordos e tratados internacionais aos

quais o Brasil seja signatário.

1.1 Revisão de literatura: 

Segundo Camilo Toscano, em meio à discussão sobre as formas de se combater a

violência, diversos projetos de lei (ao todo, nove) passaram a ser analisados pelo

Congresso Nacional — tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado Federal. No

entanto, mudar o Código Penal, a Lei de Execução Penal, o Código de Processo Penal

ou mesmo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) não vai alterar em nada os

índices de criminalidade no Brasil.

Segundo a opinião do jurista Damásio de Jesus, um dos maiores nomes do direito

penal do país, para quem o tema “violência” não é nenhuma novidade. “Falam em

alterar o Código Penal, a Lei de Execução Penal, o Código do Processo Penal e o ECA.

Tenho repetido que podemos alterar qualquer lei de natureza penal um milhão de

vezes, nada altera. Porque o que deve ser alterado é na prática o sistema

penitenciário”, diz.

Ele disse isso, embora questione até quando o princípio pode durar, Damásio de Jesus

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avalia que a questão da maioridade penal faz parte das chamadas cláusulas pétreas da

Constituição, que não podem ser alteradas pelo Poder Constituinte Derivado (o

Congresso Nacional), somente pelo Poder Constituinte Originário (Assembléia

Constituinte). 

“Acredito que seja um princípio que só possa ser alterado mudando a Constituição

Federal. Como alterar a Constituição, se é uma cláusula que não pode ser alterada?

Poderíamos discutir esse assunto. A cláusula pétrea é terrível também, porque é pétrea

até quando? Daqui a 200 anos não pode ser alterada a Constituição?”, afirma.

1.2 Metodologia:

O presente trabalho acadêmico pretende utilizar o método dedutivo para construção do

referencial teórico e como técnica de pesquisa a análise de dados bibliográficos

pertinentes ao tema.

No referencial teórico será utilizado o método dedutivo, no qual partiremos de uma ideia

geral sobre o tema para entrelaçar com fatores negativos à uma possível redução da

maioridade penal para, assim, chegar ao particular, à uma resposta eficaz ao problema

apontado.

Referindo-se ainda à técnica de pesquisa, pretende-se explicar e apresentar soluções

alternativas ao problema a partir de referências teóricas, abrangendo toda a bibliografia

já publicada em relação ao tema de estudo, desde livros, revistas, publicações avulsas,

periódicos, monografias, entre outros, com uma nova perspectiva e enfoque.

A pesquisa bibliográfica abrange

a leitura, análise e interpretação de livros, periódicos, documentos mimeografados ou 

imagens, manuscritos, etc. Todo material recolhido deve ser submetido a uma triagem,

a partir da qual é possível estabelecer um plano de leitura. Trata-se de uma leitura

atenta e sistemática que se faz acompanhar de anotações e fichamentos que,

eventualmente, poderão servir à fundamentação teórica do estudo.

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Por tudo isso, deve ser uma rotina tanto na vida profissional de professores e pesquisadores, quanto na dos estudantes. Isso porque a pesquisa bibliográfica tem por objetivo conhecer as diferentes contribuições científicas disponíveis sobre determinado tema. Ela dá suporte a todas as fases de qualquer tipo de pesquisa, uma vez que auxilia na definição do problema, na determinação dos objetivos, na construção de hipóteses, na fundamentação da justificativa da escolha do tema e na elaboração do relatório final.

As abordagens teórica quantitativa e qualitativa

Podemos, resumidamente caracterizar as pesquisas:

1. Quantitativas: Aquelas onde predominam os métodos estatísticos, com utilização de variáveis bem definidas e de cálculos estatísticos e/ou inferenciais.

2. Qualitativas: Nas pesquisas qualitativas os cálculos são substituídos por classificações e análises dissertativas. É o fenômeno estudado que determina os métodos de pesquisa sem eliminar por completo os cálculos. Este é o tipo de pesquisas que predominam em Portugal (90 a 95%).

1.3 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INIMPUTÁVEL NO BRASIL

A partir do século XIX, o mundo se viu compelido a enfrentar o problema do adolescente infrator.

Segundo Oliveira (2003, p. 02) isto se deu principalmente devido ao crescente desenvolvimento das indústrias, a urbanização e o trabalho assalariado  das mulheres, que tendo que sustentar os lares, tiveram que deixar de cuidar exclusivamente da educação dos filhos, culminando em uma instabilidade e  degradação dos valores dos menores e consequentemente ao crime.

De acordo com Margarida (2002, p. 34), o Brasil demorou cinco séculos para construir leis de atenção à infância e à adolescência, atravessando do século XVI ao século XIX sem editar nenhuma disposição legal sobre o tema. Ainda sobre o assunto, a mesma autora pondera que:

“[...] Sabemos que este não é um dado sem significados. Isto diz muito sobre as concepções de infância e de adolescência que têm sido historicamente dominantes em nosso país, sobre as políticas que têm sido elaboradas e sobre as que não têm sido desenvolvidas e implementadas. Refletir sobre o atendimento prestado à infância e adolescência significa pensar a própria história da infância e adolescência brasileira.” (MARGARIDA, 2002, p. 34)

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Mirabete (2002, p. 216) ensina que o primeiro Código Penal brasileiro de 1830 fixou a idade de imputabilidade plena em quatorze anos, prevendo um sistema bio-psicológico para a punição de crianças entre sete e quatorze anos.

O Código Republicano de 1890 previa que era irresponsável penalmente o menor com idade até nove anos, devendo o maior de nove anos e menor de quatorze anos submeter-se a avaliação do Magistrado.

A Lei Orçamentária de 1921 acabou por revogar aquele dispositivo do Código Penal de 1890, tratando, já por motivos de política criminal e de natureza criminológica, de forma diversa a questão da menoridade penal, estabelecendo a inimputabilidade dos menores de quatorze anos e o processo especial para os maiores de quatorze e menores de dezoito anos de idade.

Com o advento do Código Penal de 1940, fixou-se o limite da inimputabilidade aos menores de dezoito anos, adotando o critério puramente biológico no que concerne à inimputabilidade em face da idade.

Assim, quando um menor pratica um fato descrito como crime ou contravenção penal, o Código Penal de 1940 adotou a presunção absoluta da falta de discernimento do indivíduo menor de dezoito anos.

Conforme escreve Oliveira (2003,p . 03), a partir do Código Penal de 1940 qualquer que seja a idade do menor, este não será submetido a processo criminal, mas a procedimento previsto em legislação especial.

O Decreto-Lei 1004/69, que instituiu o Código Penal de 1969, de curtíssima duração, possibilitou a imposição de pena de um terço até a metade ao menor entre dezesseis e dezoito anos, se fossem capazes de compreender o ilícito do ato praticado.

Em 1979, na comemoração do Ano Internacional da Criança, foi publicada a Lei n 6.697/79, instituindo o segundo Código de Menores, o qual disciplinou a lei penal de aplicabilidade aos menores, acompanhando as diretrizes das mais eficientes e modernas codificações aplicadas no mundo. Contudo, ressalte-se que a Lei n. 6697/79 não tinha caráter preventivo, mas sim um aspecto de repressão.

Através da Lei nº 7.209/84, foi dada nova redação à Parte Geral do Código Penal, mantendo a imputabilidade penal aos 18 anos, observando assim um critério objetivo, conforme diz a exposição de motivos da Parte Geral do Código Penal:

"Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor ainda é um ser incompleto, é naturalmente antissocial na medida em que não socializado e instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à

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educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinquente, menor de 18 (dezoito anos), do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinquente adulto, expondo-o à contaminação carcerária [...]". (BRASIL, 1984, p. 02)

A Constituição Federal de 1988 corroborou, em seu artigo 228, os artigos. 1º inciso II e 41, § 3º do então Código de Menores, vigente ainda à época, no sentido da inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos.

A Lei n. 8069/90 trouxe imenso avanço no tocante a responsabilidade penal do menor, tentando se aproximar da realidade social da época, criando  medidas de recuperação aplicáveis aos menores.

http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2412

2. DA IMPUTABILIDADE PENAL

Um dos melhores conceitos de imputabilidade vem do mestre Carrara, citado na obra de Bittencourt:

"[...] A imputabilidade é o juízo que fazemos de um fato futuro, previsto como meramente possível; a imputação é um juízo de um fato ocorrido. A primeira é a contemplação de uma ideia; a segunda é o exame de um fato concreto. Lá estamos diante de um conceito puro; aqui estamos na presença de uma realidade." (BITTENCOURT, 2000, p. 300)

Para Fragoso, "imputabilidade é a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar segundo esse entendimento" (FRAGOSO, 1995, p.197).

Segundo Damásio de Jesus, "imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível" (JESUS, 1999, p. 467).

Portanto, se o indivíduo incapaz de compreender o caráter ilícito do fato em razão de alguma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou até mesmo de uma embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, não deve responder pelo seu ato praticado, ou seja, não é culpável, vez que, juridicamente, podemos considerá-lo inimputável.

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No Direito Penal, o fundamento da imputabilidade é a capacidade de entender e de querer e somente o somatório da maturidade e da sanidade mental confere ao homem a imputabilidade penal. Segundo os ensinamentos de Mirabete:

"Há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e agir de acordo com esse entendimento. Só é reprovável a conduta se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuridicidade do fato e também de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de entendimento e de determinação é inimputável, eliminando-se a culpabilidade." (MIRABETE, 2000, p. 210)

O seu reconhecimento depende de aptidão para conhecer a ilicitude do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

Importante ressaltar que a capacidade de entender o caráter criminoso do fato não deve se confundir com a exigência de que o agente tenha consciência de que sua conduta se encontra descrita em lei como infração

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?

n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1860

2.1 Imputabilidade e responsabilidade penal

A imputabilidade não se confunde com a responsabilidade penal, como destaca

Damásio citando Magalhães Noronha:

“A imputabilidade, é elemento da culpabilidade, é o conjunto de requisitos

pessoais que confere ao indivíduo capacidade, para que, juridicamente, lhe

possa ser atribuído um fato delituoso”. Imputável é a pessoa capaz de

entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse

entendimento. Responsabilidade é a obrigação que alguém tem de arcar

com as consequências jurídicas do crime. É o dever que tem a pessoa de

prestar contas de seu ato. “Ela depende da imputabilidade do indivíduo,

pois não pode sofrer as consequências do fato criminoso (ser

responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua antijuridicidade e

quer executá-lo (ser imputável)”

Em resumo, a Responsabilidade Penal é o dever jurídico de responder pela ação

delituosa que recai sobre o agente imputável e a Imputabilidade penal é o conjunto de

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condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada

à prática de um fato punível.

2.2 Critérios acerca das causas de inimputabilidade

São três os critérios que buscam definir as causas de inimputabilidade:

O primeiro critério, “biológico ou etiológico”, que condiciona a imputabilidade à rigidez

mental do indivíduo, ou seja, levando em conta a causa e não o efeito. Presente a

enfermidade mental, ou o desenvolvimento psíquico deficiente ou a perturbação

transitória da mente, é ele, sem quaisquer outras investigações psicológicas,

considerado inimputável;

O segundo critério, “psicológico” que é o contrário do anterior, ou seja, importa é o feito

e não a causa. Leva em conta se o sujeito no momento da prática do fato ilícito tinha

condições de compreender o seu caráter ilícito. Basta, portanto, a ausência da

capacidade intelectiva e volitiva para exculpar o agente;

O terceiro critério, “biopsicológico” que conjuga os dois anteriores, toma em

consideração a causa e o feito. Inimputável é a pessoa que, em virtude de enfermidade

ou deficiência mental, não gozava, no momento do fato, de entendimento ético-jurídico

e autodeterminação.

Foi adotado pela legislação brasileira no art. 26, caput, e 28, § 1º do CP, o critério

“biopsicológico” e no art. 27 do CP o critério “biológico”.

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental

incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz

de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento.

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando

sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

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Art. 28 – (...) § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa,

proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão,

inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo

com esse entendimento.

A inimputabilidade deve ser Provada

A inimputabilidade não se presume e para ser acolhida deve ser provada em condições

de absoluta certeza (TACRIM-SP – Rev.- Rel. Castro Duarte – JUTACRIM 43/65).

A prova da inimputabilidade só pode ser fornecida pelo exame pericial a ser

determinado pelo juiz, de ofício ou a pedido do Ministério Público, do defensor, do

curador, do ascendente, descendente, irmão ou conjugue do acusado, conforme

determina o artigo 149 do CPP, e no que tange a menoridade do réu, deve ser provado

por documento hábil, ou seja, o assento do registro civil de nascimento.

Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz

ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do

ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame

médico-legal.

Comprovada a inimputabilidade do agente não dispensa o juiz de analisar na sentença

a existência ou não do delito apontado na denúncia e os argumentos do acusado

quanto à inexistência de tipicidade ou de antijuricidade. Inexistindo tipicidade ou

antijuricidade o réu, embora inimputável, deve ser absolvido pela excludente do dolo ou

da ilicitude, não se impondo, portanto, medida de segurança.

Os efeitos da inimputabilidade

Excluída a imputabilidade o autor do fato é absolvido e aplicar-se-á obrigatoriamente a

medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico

ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. Tratando-se, porém, da prática de

crime apenado com detenção, o juiz poderá submeter o agente a tratamento

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ambulatorial. No caso de inimputabilidade por menoridade é aplicado medidas sócio-

educativas, estabelecidas no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

No mesmo sentido, Celso Delmanto preleciona:

“Conseqüências jurídicas da inimputabilidade => São isento de pena quem pratica fato

que a lei define como crime, sendo inimputável. Em tais circunstâncias não há crime. O

inimputável está sujeito à internação obrigatória, em hospital de custódia e tratamento

psiquiátrico, se o fato que realizar corresponder a crime punido com a pena de

reclusão. A interdição será por tempo indeterminado, perdurando até cessar a

periculosidade. O prazo é de 1 a 3 anos, determinado pelo juiz.”

Por sua vez, Paulo José da Costa Júnior, ensina:

“O inimputável é isento de pena, devendo, em consequência, ser absolvido, com

fundamento no n. V do art. 386 do CPP. A ele, no entanto, é aplicável medida de

segurança, por tempo indeterminado (art. 97, § 1º, da PG/84) consistente, se o crime for

punível com pena reclusiva, na internação em hospital de custódia e tratamento

psicológico, ou à falta, em outro estabelecimento adequado (art. 96, § 1º, da PG/84).

Enquanto não averiguada a cessação de periculosidade, através de perícia médica,

perdurará a medida de segurança. Se o fato previsto como crime for punível com pena

detentiva, o juiz poderá submeter o inimputável a tratamento ambulatorial (art. 96, II, e

97 da PG/84).3

2.3 DA MENORIDADE PENAL

Nos termos do art. 26, caput, são inimputáveis os portadores de desenvolvimento

incompleto, expressão que abrange os menores, que contém dispositivo expresso no

art. 27 do CP, no art. 228 da CF e no art. 104 do ECA ratificando essa abrangência,

pois estabelecem que o menor de dezoito anos é penalmente inimputável, sendo

aplicada a eles legislação especial, no momento o ECA – Estatuto da Criança e do

Adolescente.

20

Cumpre recordar o disposto, em texto acima, que há três critérios de aferir a

inimputabilidade, adotou-se no dispositivo um critério puramente biológico (idade do

fato e não o desenvolvimento mental) no tocante à menoridade penal. Desta forma o

legislador presume, de forma absoluta, que o menor de 18 (dezoito) anos não possui

capacidade de entender ou de determinar-se com esse entendimento, não praticando,

assim, crime.

Ainda, no mesmo sentido, Celso Delmanto se manifesta:

“O CP estabelece neste art. 27, a presunção absoluta de inimputabilidade para os

menores e 18 anos. Tal presunção obedece a critério puramente biológico, nele não

interferindo o maior ou menor grau de discernimento. Ela se justifica, pois o menor de

18 anos não tem personalidade já formada, ainda não alcançou a maturidade de

caráter. Por isso, o CP presume sua incapacidade para compreender a ilicitude do

comportamento e para receber sanção penal.” O Código Penal ao acatar o critério

biológico estabeleceu com isso, que não é preciso que o menor seja inteiramente

incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento, pois a menoridade é suficiente para criar a imputabilidade, presumindo

de forma absoluta, não admitindo prova em contrário. Mesmo que tenha, o menor,

capacidade intelectiva e volitiva, não responde por crime, o déficit de idade torna-o

inimputável. J. Cretella Jr, preleciona, “A inimputabilidade é absoluta até meia-noite, da

véspera do aniversário de 18 anos.”

Por sua vez, Celso Delmanto, preleciona “o discernimento, ou seja, a capacidade moral

de entendimento é fruto do desenvolvimento completo das faculdades intelectuais de

raciocínio, fato que não se dá aos infantes e adolescentes. Daí a lei considerar

inimputáveis os menores.” No mesmo sentido, encontra-se posicionamento dos

Tribunais:

“Embora o fato seja típico, antijurídico e culpável, não é, entretanto, punível se o

agente, ao praticá-lo, era inimputável por contar menos de 18 anos de idade” (TJSP –

HC – Rel. Rocha Lima – RT 488/337).

21

Cumpre salientar que o menor que adquire a maioridade civil pelo casamento ou pela

emancipação, não adquire a maioridade penal, em face do Código Penal ele continua

inimputável.

2.4 A RESPONSABILIDADE PENAL

O tema da responsabilidade penal dos menores de idade não é novo, a percepção e

tratamento da responsabilidade penal dos menores de idade têm transitado por três

grandes etapas. Uma primeira etapa, que se pode denominar de caráter penal

indiferenciado, estende-se desde o nascimento dos códigos penais de corte no século

XIX até 1919. A etapa do tratamento penal indiferenciado caracteriza-se por considerar

os menores de idade praticamente da mesma forma que os adultos, com uma única

exceção dos menores de sete anos, que eram considerados, absolutamente incapazes,

a única diferenciação para os menores de 7 a 18 anos consistia geralmente na

diminuição da pena em um terço em relação aos adultos.

Uma segunda etapa é a que se pode denominar de caráter tutelar, com sua origem no

fim do século XIX, é liderada pelo chamado Movimento dos Reformadores e responde a

uma reação de profunda indignação moral frente à mistura do alojamento de maiores e

menores nas mesmas instituições.

As novas leis e a nova administração da justiça de menores nasceram e se

desenvolveram no marco da ideologia dominante nesse momento: o positivismo

filosófico. A separação de adultos e menores foi à bandeira vitoriosa dos reformadores

norte-americanos e em menor medida de seus seguidores europeus. É o momento de

registrar e caracterizar o nascimento de uma nova etapa em 1989, com a aprovação da

Convenção Internacional dos Direitos da Criança (doravante tratada por CIDN). A CIDN

marca o advento de uma nova etapa que pode ser caracterizada como a etapa da

separação, participação e responsabilidade.

O conceito de separação refere-se aqui à clara e necessária distinção, para começar no

plano normativo, dos problemas de natureza social daqueles conflitos com as leis

penais. O conceito de participação refere-se ao direito da criança formar uma opinião e

22

expressá-la livremente em forma progressiva, de acordo com seu grau de maturidade.

Porém, o caráter progressivo do conceito de participação contém e exige o 41 Ibid., p.

277/278. conceito de responsabilidade, que, a partir de determinado momento de

maturidade, converte-se não somente em responsabilidade social, mas ao contrário e

progressivamente, numa responsabilidade de tipo especificamente penal, tal como o

estabelecem os arts. 37 e 40 da CIDN.

Uma terceira etapa é a da responsabilidade penal dos adolescentes que se inaugura,

na região, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) do Brasil, aprovado

em 1990. O ECA constitui a primeira inovação substancial latino-americana a respeito

do modelo tutelar de 1919. O modelo de responsabilidade penal dos adolescentes

constitui uma ruptura profunda, tanto com o modelo tutelar quanto com o modelo penal

indiferenciado. O modelo da responsabilidade penal dos adolescentes (doravante

tratado por RPA) é o modelo da justiça e das garantias, disposto pelo ECA.

Inspiradas no ECA, todas as novas legislações latino-americanas substancialmente

adaptadas à CIDN estabelecem a mesma distinção, variando somente e de forma leve

a fronteira entre as duas categorias, para treze ou quatorze anos em alguns casos,

inclusive colocando alguma distinção posterior para maiores de quinze anos, tal como o

dispõe a lei de Responsabilidade Penal Juvenil da Costa Rica.

Em todo caso, os princípios gerais, que interessa pôr em evidência, é a diversidade do

tratamento jurídico com base na faixa etária. Assim, as crianças não somente são

penalmente inimputáveis como também são penalmente irresponsáveis, ou seja, no

caso de uma criança comete atos que infrinjam as leis penais, somente poderão

corresponder, eventualmente, medidas de proteção, ao contrário, os adolescentes, que

também penalmente inimputáveis, são, no entanto, penalmente responsáveis, sofreram

medidas socioeducativas, quer dizer, respondem penalmente, nos exatos termos de leis

específicas como o ECA, por aquelas condutas passíveis de serem caracterizadas

como crimes ou delitos.

23

2.5 Legislação Nacional e a Responsabilização Penal da Criança e do Adolescente

Conforme já exposto, o Brasil demorou séculos para editar leis de atenção a infância e à adolescência, só no século XX que as leis se consolidaram. Segundo Margarida (2002, p.34) quanto a IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, a autora prossegue, explicando que as primeiras medidas educativas ou de política pública para a infância brasileira foram a criação das ‘Casas de Roda’, fundada na Bahia em 1726, a ‘Casa dos Enjeitados’, no Rio de Janeiro em 1738, e a ‘Casa dos Expostos’, no Recife em 1789, destinadas a abrigar crianças e adolescentes.

No período colonial , as crianças filhas de índios e escravos não possuíam nenhum tipo de proteção legal e não podiam dispor nem sequer de um documento de identidade, o que demonstra que não tinham nenhum direito assegurado legalmente.

No Brasil colônia, os espaços sociais eram absolutamente distintos e imóveis. Assim, havia duas infâncias e adolescências e duas formas sociais de construção dessa fase da vida humana: a infância e adolescência dos filhos brancos portugueses e a infância e adolescência dos índios (MARGARIDA, 2001, p. 35).

Até 1830, João Batista Costa Saraiva (2003, p. 23) explica que vigoravam as Ordenações Filipinas, e a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos, eximindo-se o menor da pena de morte e concedendo-lhe redução da pena. A título de comparação com o que estava acontecendo no cenário mundial no mesmo momento, o autor destaca que:

Na Inglaterra se construía o embrião do Direito da Infância. Era editada a primeira normativa de combate ao trabalho infantil, conhecida como Carta dos Aprendizes, de 1802, ato que limitava a jornada de trabalho à criança trabalhadora ao máximo de doze horas diárias e proibia o trabalho noturno.

O autor prossegue explicando que em 1830, o primeiro Código Penal brasileiro fixou a idade de imputabilidade plena em 14 anos, prevendo um sistema biopsicológico para a punição de crianças entre 07 e 14 anos.

Já em 1890, o Código Republicano previa em seu art. 27, § 1º, que irresponsável penalmente seria o menor com idade até 09 anos. Assim, o maior de 09 anos e menor de 14 anos submeter-se-ia a avaliação do Magistrado.

De outro lado, Paula Gomide (2002, p. 20) considera que a história da política social brasileira voltada para as crianças e adolescentes pode ser dividida em três fases.

A primeira fase caracteriza-se pela criação de programas de assistência ao menor a cargo da assistência médica, cujas principais medidas utilizadas eram de caráter profilático. Essa preocupação culminou com a fundação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, em 1889.

Já na segunda fase, os termos ‘criança’ e ‘menor’ começam a ser diferenciados, sendo criadas instituições correcionais. É nessa etapa que surge o primeiro Código de Menores [13], criado através do Decreto-Lei nº 17.947/27-A, no dia 12 de outubro de 1927, conhecido como o ‘Código de Mello Matos’.

24

Josiane Rose Petry Veronese (1999, p. 26) relata que o Código de Mello Mattos sintetizou, de maneira ampla e aperfeiçoada, leis e decretos que se propunham a aprovar um mecanismo legal que desse atenção especial à criança e ao adolescente. A autora comenta ainda que o Código substituiu concepções obsoletas, passando a assumir a assistência ao menor de idade, sob a perspectiva educacional.

Paula Gomide (2002, p. 15) lembra que em 1930, os escritores Jorge Amado e Anton Makarenko ofereceram às comunidades científica e literária internacionais, duas obras fundamentais para o entendimento das questões referentes às crianças e adolescentes marginalizados, nos seguintes termos:

MAKARENKO, consagrado educador russo, em 1933, publicou Poemas Pedagógicos, onde narrou sua extraordinária experiência ao dirigir uma instituição correcional para crianças e jovens considerados antissociais. Em Capitães da Areia, publicado em 1937, Jorge Amado retratou, com a precisão peculiar do romancista sensível que é, a realidade em que viviam os meninos abandonados da cidade de Salvador.

A terceira fase é marcada pela criação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM), em 1941, e depois da Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) [14], em 1964, através da Lei nº 4.513/64, entidade que deveria amparar, através de políticas básicas de prevenção e centradas em atividades fora dos internatos e também através da medida sócio terapêutica, que compreendia as ações dirigidas aos infratores internados [15].

A inspiração para os discursos e para as novas legislações que serão produzidas neste momento vem da legislação americana que, em nome da proteção da criança e da sociedade, concedeu aos juízes o poder de intervir nas famílias, particularmente nas famílias pobres e nos chamados lares desfeitos, quando se julgava que, por sua influência, as crianças poderiam ser encaminhadas para o crime (ABONG, 2001, p. 37).

Nessa época, como lembra Josiane Rose Petry Veronese (1998, p. 153), o Estado brasileiro não permitia a participação popular e armava-se de mecanismos que lhe garantiam reprimir as formas de resistência popular, como por exemplo, a centralização do poder. A própria FUNABEM é um exemplo dessa centralização, pois a instituição foi delegada para ser administrada pela Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). A autora complementa que:

A PNBEM, como as outras políticas sociais definidas neste período do regime militar, revestiu-se com um manto extremamente reformista e modernizador, passando a colocar em relevo uma perfeição técnico-burocrática e metodológica. Dava-se ao problema do então "menor" soluções pragmáticas e imediatistas, que se propunham escamotear sua verdadeira natureza (VERONESE, 1998, p. 153-154).

O SAM tinha objetivos de natureza assistencial, enfatizando a importância de estudos e pesquisas, bem como o atendimento psicopedagógico, no entanto, não conseguiu contribuir suas finalidades, como explica Josiane Rose Petry Veronese (1999, p. 32): "No entanto, o SAM não conseguiu cumprir suas finalidades, sobretudo devido à sua estrutura emperrada, sem autonomia e sem flexibilidade e a métodos inadequados de

25

atendimento, que geraram revoltas naqueles que deveriam ser amparados e orientados".

Sobre a FUNABEM, a autora relata (VERONESE, 1999, p. 35) que serviu como instrumento de controle da sociedade civil, mas demonstrou que não estava sendo eficiente, ante o crescimento do número de crianças marginalizadas, além da incapacidade [16] de proporcionar a reeducação.

No entanto, e infelizmente, apesar dos princípios ditos tuteladores que fundamentavam a doutrina da "situação irregular", as instituições que deveriam acolher e educar esta criança ou adolescente, no mais das vezes não cumpriam este papel. Isso porque a metodologia aplicada, ao invés de socializá-lo, o massificava, o despersonalizava, e deste modo, ao contrário de criar estruturas sólidas, nos planos psicológico, biológico e social, afastava este chamado menor em situação irregular, definitivamente, da vida comunitária (VERONESE, 1997, p. 96).

A Constituição Federal de 1934 abordou o tema de forma genérica, referindo-se à maternidade e à infância, sendo que em todas as constituições que se seguiram foram sendo acrescentadas previsões expressas de um tratamento diferenciado para a criança e o adolescente, como explica José de Farias Tavares (1999, p. 13):

Em nível constitucional a preocupação do legislador brasileiro foi consignada pela primeira vez na Constituição de 1934, art. 121, § 1º, d, e § 3º, arts. 139 e 150 parágrafo único, se bem que de forma genérica referindo-se à maternidade e à infância. Na Carta autocrática de 1937: arts. 16, XXVII, 127, 129 a 132 e 137, K, Constituição democrática de 1946: arts. 157, IX, 164, 168, I a III. A Lex Magna de 1967: arts. 158, X, 167, § 4º, 168, § 3º, II e 170, que, com a Emenda 1/69, foram remunerados para, respectivamente: arts. 165, X, 175, § 4º, 176, § 3º, II e 178.

O Código Penal de 1940 (Decreto-Lei nº 2.848, de dezembro de 1940), que está em vigor até hoje, estabeleceu a imputabilidade penal aos 18 anos de idade, em seu art. 27 [17].

Durante o regime militar, João Batista Costa Saraiva (2003, p. 50) lembra que o Código Penal Militar – Decreto-Lei nº 1.001, de 21.10.1969, fixou a imputabilidade penal, frente a crimes militar em 16, dispositivo que só veio a ser totalmente revogado pela Constituição Federal de 1988.

Em 1979, na comemoração do Ano Internacional da Criança, foi publicada a Lei nº 6.697/79, instituindo o segundo Código de Menores, fundamentado na Doutrina da Situação Irregular [18].

Através da Lei nº 7.209, de 11.07.1984, foi dada nova redação à Parte Geral do Código Penal, mantendo a imputabilidade penal aos 18 anos [19], observando assim um critério objetivo.

O governo de transição democrática editou o Decreto-Lei nº 2.318, de 30 de dezembro de 1986, que dispunha sobre a iniciação ao trabalho do menor assistido e instituía o "Programa do Bom Menino", depois, foi publicado o Decreto nº 94.337 de 1987, que

26

regulamentou o programa. Em 1987, através da Lei nº 7.644, houve a regulamentação da atividade da ‘mãe social’ [20].

Analisando a evolução histórica da legislação nacional dispensada ao Direito da Criança e do Adolescente percebe-se que muito embora tenham sido criadas normas específicas, estas não alcançaram todos os objetivos propostos, pois as entidades de internação apresentavam graves problemas, os quais persistem até hoje, como a promiscuidade e a ausência de profissionais especializados, deixando-se assim de garantir a proteção integral ao adolescente.

Toda essa previsão legal, embora meritória, mas utópica, não teve correspondência na prática, já que não encontrou campo propício ao seu desenvolvimento. É preciso, de uma vez por todas, que as nossas autoridades se conscientizem de que os problemas sociais, econômicos e mesmo políticos não se resolvem com a feitura de leis, que nunca chegam a ser aplicadas, ou por serem inexequíveis ou porque são elaboradas com o único propósito de se dar ao povo a impressão de que alguma coisa está sendo feita (NOGUEIRA, 1996, p. 6).

Ou seja, ao dar prioridade para políticas excludentes, repressivas e assistencialistas, o país perdeu a oportunidade de colocar em prática políticas públicas capazes de promover a cidadania, como indica Josiane Rose Petry Veronese (1998, p. 161):

Observou-se, outrossim, que a questão da criança e do adolescente não deixou de ser, ao longo da história, contemplada em leis. Todavia, raramente estas foram obedecidas, o que reforça a ideia de que o ordenamento jurídico, por si só, não resolve os problemas sociais. Urgem, portanto, medidas públicas adequadas à demanda. Faz-se necessária a implantação de políticas que garantam acesso a uma educação popular, ao trabalho e ao salário justo, como, também, é imprescindível o engajamento de toda a sociedade, sobretudo daqueles segmentos que detêm o capital e, dessa forma, têm condições de engajar-se em campanhas e projetos alternativos que visem à criança e ao adolescente, fazendo-os trilhar pelo caminho da consolidação da cidadania.

Já a Constituição de 1988 foi mais abrangente, dispondo sobre a aprendizagem, trabalho e profissionalização, capacidade eleitoral ativa, assistência social, seguridade e educação, programa de rádio e televisão, proteção como múnus público, prerrogativas democráticas processuais, incentivo à guarda, prevenção contra entorpecentes, defesa contra abuso sexual, estímulo à adoção e a isonomia filial. [21]

Assim, pela primeira vez na história da legislação brasileira, a criança e o adolescente são tratados como prioridade absoluta, sendo dever da família, da sociedade e do Estado protegê-los.

Em 1993, através da Lei nº 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e da Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), surge a inspiração para a implantação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos Setoriais de políticas públicas.

Inspirando-se na legislação internacional, bem como em toda a abrangência da Constituição Federal, com o advento do ‘Brasil Novo’, a Lei nº 8.069/90 criou o Estatuto

27

da Criança e do Adolescente (ECA), revogando o Código de Menores, rompendo com a doutrina da situação irregular, estabelecendo como diretriz a doutrina da proteção integral.

Ressalta-se que o ECA, além de prever a proteção integral, elevou o adolescente a categoria de responsável pelos atos considerados infracionais que cometer, através da aplicação das medidas sócio-educativas, revolucionando assim o entendimento até então existente, e servindo de alento para a sociedade vitimada pela falta de segurança.

Leia mais: http://jus.com.br/artigos/4600/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-

impunidade#ixzz3Nni2QB00

2.6 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)

O ECA é regido por uma série de princípios, que servem para orientar o intérprete, sendo os principais,

conforme o entendimento de Paulo Lúcio Nogueira (1996, p. 15), os seguintes: Prevenção Geral,

Prevenção Especial, Atendimento Integral, Garantia Prioritária, Proteção Estatal, Prevalência dos

Interesses, Indisponibilidade, da Escolarização Fundamental e Profissionalização, Reeducação e

Reintegração, Sigilosidade, Respeitabilidade, Gratuidade, Contraditório e Compromisso.

O Princípio da Prevenção Geral está previsto no art. 54, incisos I e VII [22], e art. 70 [23], segundo os quais,

respectivamente, é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente ensino fundamental obrigatório

e gratuito, e é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação desses direitos.

Pelo Princípio da Prevenção Especial, expresso no art. 74 [24], o Poder Público, através dos órgãos

competentes, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas

etárias a que não se recomendem, locais e os horários em que sua apresentação de mostre inadequada.

O Princípio da Garantia Prioritária, consignado no art. 4, alíneas a, b, c e d [25], estabelece que a criança e

o adolescente devem receber prioridade no atendimento dos serviços públicos e na formulação e

execução das políticas sociais.

O Princípio da Proteção Estatal, evidenciado no art. 101 [26], significa que programas de desenvolvimento

serão estabelecidos visando a formação biopsíquica, social, familiar e comunitária.

Seguindo a mesma orientação, os Princípios da Escolarização Fundamental e Profissionalização,

encontrados nos arts. 120, § 1º e 124, inciso XI [27], tornam obrigatórias a escolarização e a

profissionalização.

Já o Princípio da Prevalência dos Interesses do Menor, criado através do art. 6 [28], orienta que na

interpretação da lei, serão levados em consideração os fins sociais a que o Estatuto se dirige, as

28

exigências do bem comum, os direitos e deveres indisponíveis e coletivos, e condição peculiar do

adolescente infrator de pessoa em desenvolvimento.

O Princípio da Indisponibilidade dos Direitos do Menor e da Sigilosidade, previsto no art. 27 [29], reconhece

que o estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, observado o segredo de

justiça.

O Princípio da Reeducação e Reintegração, observado no art. 119, incisos I a IV [30], estabelece a

necessidade da reeducação e reintegração do adolescente infrator, através das medidas sócio-

educativas e medidas de proteção, promovendo socialmente a sua família, fornecendo-lhes orientação e

inserindo-os em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência, bem como supervisionando a

freqüência e o aproveitamento escolar;

Pelo Princípio da Respeitabilidade e do Compromisso, estabelecidos nos arts. 18, 124, inciso V e art.

178 [31], depreende-se que é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a

salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, de acordo

com os arts. 18, 124, inciso V e art. 178 [32], sendo que todos que assumirem a guarda ou tutela devem

responder bem e fielmente pelo desempenho do seu cargo.

O Princípio do Contraditório [33], previsto inicialmente no art. 5º, LV, da Constituição Federal, garante aos

adolescentes infratores ampla defesa e igualdade de tratamento no processo de apuração de ato

infracional, como dispõem os arts. 171 a 190 do Estatuto.

A Constituição Federal acolheu o princípio do contraditório como um dos direitos indisponíveis do

indivíduo, que, desde os primórdios, não pode ser condenado sem antes ser ouvido. Aliás, Sêneca já

ensinava que é iníquo o julgador que sentencia sem ouvir o acusado (VALENTE, 2002, p. 61).

Além disso, João Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 16) considera fundamental explicar que o ECA

estrutura-se a partir de três sistemas de garantia: o Sistema Primário, o Sistema Secundário e o Sistema

Terciário.

O Sistema Primário versa sobre as políticas públicas de atendimento a crianças e adolescentes, previstas

nos arts. 4º e 87. O Sistema Secundário aborda as medidas de proteção dirigidas a crianças e

adolescentes em situação de risco pessoal ou social, previstas nos arts. 98 e 101, e, por fim, o Sistema

Terciário trata da responsabilização penal do adolescente infrator, através das medidas socioeducativas,

previstas no art. 112, que são aplicadas aos adolescentes que cometem atos infracionais. O autor (2003,

p. 24) complementa que:

Este tríplice sistema, de prevenção primária (políticas públicas), prevenção secundária (medidas de

proteção) e prevenção terciária (medidas socioeducativas), opera de forma harmônica, com acionamento

gradual de cada um deles. Quando a criança ou o adolescente escapar ao sistema primário de

prevenção, aciona-se o sistema secundário, cujo grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar.

29

Estando o adolescente em conflito com alei, atribuindo-se a ele a prática de algum ato infracional, o

terceiro sistema de prevenção, operador das medidas socioeducativas, será acionado, intervindo aqui o

que pode ser chamado genericamente de sistema de Justiça (Polícia/ Ministério Público/ Defensoria/

Judiciário/ Órgãos Executores das Medidas Socioeducativas).

Do exposto, depreende-se que o ECA fundamenta-se em princípios jurídicos herdados de outras normas,

como é o caso do Princípio do Contraditório, assegurado inicialmente na Constituição Federal, bem como

em fundamentos previstos em legislações internacionais, e que foram previstos de forma expressa em

seus artigos, tais como o Princípio da Prevenção Geral e da Proteção Estatal, expresso no art. 4º,

segundo o qual:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta

prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação à educação, ao esporte, ao

lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e

comunitária.

Além desses princípios previstos na Constituição Federal e no ECA, não podem ser esquecidas,

conforme adverte Aloysio Nunes Ferreira (2002, p. 22), em palestra na IV Conferência Nacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente, das diretrizes que surgiram com o passar do tempo, através da

efetivação de medidas de proteção, como é o caso do Princípio da Descentralização das Ações, que

significa o dever da participação da sociedade, por meio das suas entidades representativas, na proteção

e reeducação dos adolescentes.

2.7 FUNDAMENTOS PROTETIVOS

No mundo jurídico, para Emílio Garcia Mendez (1997, p. 12), doutrina é o conjunto da

produção teórica elaborada por todos aqueles ligados, de uma ou de outra forma, ao

tema, sob a ótica do saber, da decisão ou execução. O autor entende ainda que:

Normalmente, em todas as áreas do direito dos adultos a produção teórica encontra-se

homogeneamente distribuída entre os diferentes segmentos do sistema, o que,

estimulando-se a pluralidade dos pontos de vista, assegura eficazes contrapesos

intelectuais na interpretação das normas jurídicas.

A Doutrina da Proteção Integral substituiu a Doutrina da Situação Irregular, fundamento

do revogado Código de Menores, sendo que para a compreensão da importância da

30

doutrina atual faz-se necessário discorrer, brevemente, sobre a doutrina que vigorava

anteriormente.

A Doutrina da Situação Irregular definia o estado de ‘patologia social’, que quando

constatado, indicava que o ‘menor’ deveria ser alcançado pela norma. O revogado

Código de Menores, em seu art. 2º estabelecia que se considerava em situação

irregular o menor: com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou

comunitária[34].

Os fundamentos jurídicos dessa doutrina remontam ao Congresso Internacional de

Menores, realizado em Paris, no período de 29 de junho a 1º de julho de 1911,

momento em que se consagrou, de acordo com Emílio Garcia Mendez (apud SARAIVA,

2003, p. 33), o binômio carência/delinqüência.

Assim, o Código de Menores não garantia uma proteção verdadeira para as crianças e

adolescentes, pois se apoiava na falsa idéia de que todos teriam as mesmas

oportunidades sócio-econômicas, como se o caminho do crime fosse uma opção,

garantindo proteção apenas nas situações determinadas, conhecidas como ‘situações

irregulares’

Sobre o mesmo assunto, Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 13) explica que:

O Código revogado não passava de um Código Penal do "Menor", disfarçado em

sistema tutelar; suas medidas não passavam de verdadeiras sanções, ou seja, penas,

disfarçadas em medidas de proteção. Não relacionava nenhum direito, a não ser aquele

sobre a assistência religiosa; não trazia nenhuma medida de apoio à família; tratava da

situação irregular da criança e do jovem, que na realidade, eram seres privados de seus

direitos.

A Doutrina da Proteção Integral tem como antecedente direto a Declaração dos Direitos

da Criança (1959), condensando-se em quatro documentos internacionais

fundamentais: a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, as Regras Mínimas

das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing), as

Regras Mínimas das Nações Unidas para os Jovens Privados de Liberdade e as

31

Diretrizes das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Diretrizes de

Riad).

No Brasil, por sua vez, foi inicialmente prevista na Constituição Federal, no art. 227, que

prevê:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,

com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,

à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência

familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Ou seja, de acordo com esta doutrina, todos os direitos da criança e do adolescente

devem ser reconhecidos, sendo que estes direitos são especiais e específicos, no dizer

de João Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 15), principalmente pela condição que

ostentam de pessoas em desenvolvimento. O autor complementa que:

A Doutrina da Proteção Integral foi adotada pela Constituição Federal, que a consagra

em seu art. 277, tendo sido acolhida pelo plenário do Congresso Constituinte pela

extraordinária votação de 435 votos contra 8 [...] Na aplicação da Doutrina da Proteção

Integral no Brasil, o que se constata é que o País, o Estado e a Sociedade é que se

encontram em situação irregular.

Desta forma, consoante José de Farias Tavares (2002, p. 07), enquanto o Código de

Menores preocupava-se tão somente com os menores em situação irregular, o ECA

inovou [35] ao abranger toda criança e adolescente em qualquer situação jurídica,

rompendo definitivamente com a doutrina da situação irregular, assegurando que cada

brasileiro que nasce possa ter assegurado seu pleno desenvolvimento, mesmo que

cometa um ato considerado ilícito.

Com essa nova orientação, aboliu-se o termo estigmatizante ‘menor’, que passou a ser

tratado como ‘criança’ ou ‘adolescente infrator’, como sintetiza Wilson Donizeti Liberati

(2002, p. 15).

32

Na concepção técnico jurídica, "menor" designa aquela pessoa que não atingiu ainda a

maioridade, ou seja, 18 anos. A ele não se atribui a imputabilidade penal, nos termos do

art. 104 do ECA c/c art. 27 do CP. Se isso não bastasse, a palavra "menor", com o

sentido dado pelo antigo Código de Menores, era sinônimo de carente, abandonado,

delinqüente, infrator, egresso da FEBEM, trombadinha, pivete. A expressão "menor"

reunia todos esses rótulos e os colocava sob o estigma da "situação irregular".

Ou seja, a partir da entrada em vigor do ECA foram estabelecidas as diretrizes para

uma política pública que reconhece a condição especial de pessoa em

desenvolvimento, que as crianças e os adolescentes merecem, tanto que, em seu art.

1º, prevê:

Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

No entanto, é importante ressaltar que apesar do amplo sistema de garantias previsto

nessa lei, nem todos os seus objetivos foram imediatamente alcançados, porque a sua

efetivação depende de diversos fatores, tais como a existência de medidas públicas e a

diminuição da criminalidade e da miséria, como lembra Cláudio Augusto Vieira da Silva

(2001, p. 13), ao apresentar a IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente:

Nestes anos todos de implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, os índices

de violência aumentaram significativamente, assim como o empobrecimento da

população. Na mesma medida, crianças e adolescentes em um maior número estão

sujeitos a violações de múltiplas formas e o seu envolvimento em ações de conflito

coma lei numa relação direta tem aumentado.

Destarte, o ECA é uma legislação de acordo com todas as diretrizes internacionais

sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, e se não representa a solução para

todos os problemas que a infância e a adolescência brasileira encontram, certamente

indica o caminho, através da Doutrina da Proteção Integral.

33

2.8 O Perfil do Adolescente Infrator

A adolescência, do ponto de vista da Psicologia [37], é uma fase que além das

modificações do corpo humano, é caracterizada pela definição de identidades, através

de mudanças na fixação do caráter e da afirmação da personalidade do indivíduo, como

explica Miguel Moacir Alves Lima (2002, p. 373):

Além disso, a adolescência é uma fase evolutiva de grandes utopias que, no geral,

tendem a tornar mais problemática a relação do adolescente com o ambiente social,

porquanto sua pauta de valores e sua visão crítica da realidade, ora intuitiva ou

reflexiva, acabam destoando da chamada ordem instituída.

O ECA, com fundamento da Doutrina da Proteção Integral, bem como Nos critérios

médicos e psicológicos, considera o adolescente como pessoa em desenvolvimento,

prevendo que assim deve ser compreendida a pessoa que possui entre 12 e 18 de

idade [38].

Quando o adolescente comete uma conduta tipificada como delituosa no Código Penal

ou em leis especiais, passa a ser chamado de ‘adolescente infrator’, e não de ‘menor’,

como as legislações anteriores previam, bem como ainda diversos meios de

comunicação insistem em se referir, com manchetes do tipo ‘menor assalta criança’,

como esclarece João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 88):

Pela nova ordem estabelecida, não se admitem manchetes de jornal do tipo menor

assalta criança, de manifesto cunho discriminatório, onde a criança era o filho bem-

nascido, e o menor, o infrator. Esta espécie de manifestação, comum no Brasil, ainda

hoje, ainda presente na linguagem dos próprios Tribunais, se constitui em legítimo

produto de uma cultura excludente – norteador do anterior sistema – que distinguia

crianças e adolescentes de menores; que fazia uma divisão entre aqueles em situação

regular dos demais em situação irregular.

O adolescente infrator é inimputável perante as cominações previstas no Código Penal,

ou seja, não recebe as mesmas sanções que as pessoas que possuem mais do que 18

anos de idade, vez que a inimputabilidade penal está prevista no art. 227 [39] da

34

Constituição Federal, que fixa em 18 anos a idade de responsabilidade penal e no art.

27[40] do Código Penal, critério de política criminal que varia entre os países [41]:

A propósito de idade de responsabilidade penal, onde seguidamente os Estados Unidos

da América são invocados como paradigmas, cumpre destacar que em Estados como

Califórnia, Arkansas e Wyoming a idade de imputabilidade penal está fixada em 21

anos. Já países como índia, Paraguai e Egito estabelecem a idade de imputabilidade

penal em 15 anos (SARAIVA b, 2002, p. 54).

Apesar de ser inimputável, o adolescente infrator é responsabilizado pelos seus atos,

pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, através das medidas sócio-educativas.

Em pesquisa realizada no estado de Santa Catarina, Henriqueta Scharf

Vieira [42] constatou que entre os adolescentes infratores, o maior índice de atos

infracionais é praticado por adolescentes do sexo masculino, com idade entre 16 e 17

anos:

Constatou-se que, do total de adolescentes entrevistados, 181 eram do sexo masculino

(92,34%) e apenas 15 do sexo feminino (7,66%). No tocante à idade, verificou-se que a

maioria dos adolescentes estava na faixa de 16 e 17 anos de idade [...] O número de

adolescentes que cometem ato infracional aumenta gradativamente de acordo com o

progresso na idade cronológica, de forma bastante clara (VIEIRA, 1999, p. 23).

Aliás, essa é a situação do resto do país, como depreende-se do resultado da pesquisa

de Mário Volpi [43]:

Quanto ao gênero dos adolescentes privados de liberdade, 3.987 – 94,8% - pertencem

ao sexo masculino, enquanto 320 – apenas 5,2%, portanto – pertencem ao sexo

feminino [...] A permanência mais prolongada das meninas no lar tem sido apontada

como um dos fatores responsáveis pela sua maior frequência à escola, pela menor

presença das mesmas nas ruas e pelo seu menor envolvimento em ato infracional

(VOLPI, 1999, p. 57-58).

35

Apesar disso, de acordo com Simone Gonçalves de Assis e Patrícia Constantino (2002,

p. 20), nos Estados Unidos a taxa de crimes cometidos por adolescentes do sexo

feminino vem aumentando:

Dados do Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention para 1996 informam

que o percentual de prisões de jovens tem se tornado maior que o dos adultos e que a

taxa de crimes violentos cometidos por jovens do sexo feminino vem crescendo mais do

que a do sexo masculino (125% e 67%, respectivamente), entre 1985 e 1994. Mesmo

assim, o patamar masculino continua muito acima do feminino.

Desta forma, a adolescência está estabelecida objetivamente com início aos 12 anos e

término aos 18 anos, sendo que a maior parte dos atos infracionais é cometida por

adolescentes infratores do sexo masculino, na faixa etária entre 16 e 17 anos de idade.

2.9 CAUSAS DE IMPACTO NA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

As leis não podem se basear na exceção!

A maneira como a grande mídia cobre estes crimes bárbaros cometidos por

adolescentes nos dá a (falsa) impressão de que eles estão entre os mais

frequentes. É justamente o inverso. O relatório de 2007 da Unicef “Porque dizer

não à redução da idade penal” mostra que crimes de homicídio são exceção:

Dos crimes praticados por adolescentes, utilizando informações de um

levantamento realizado pelo ILANUD [Instituto Latino-Americano das Nações

Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente] na capital de São

Paulo durante os anos de 2000 a 2001, com 2.100 adolescentes acusados da

autoria de atos infracionais, observa-se que a maioria se caracteriza como crimes

contra o patrimônio. Furtos, roubos e porte de arma totalizam 58,7% das

acusações. Já o homicídio não chegou a representar nem 2% dos atos imputados

aos adolescentes, o equivalente a 1,4 % dos casos conforme demonstra o gráfico

abaixo.”

36

E para exibir dados atualizados, dentre os 9.016 internos da Fundação Casa,

neste momento apenas 83 infratores cumprem medidas socioeducativas por

terem cometido latrocínio (caso que reacendeu o debate sobre a maioridade penal

na última semana). Ou seja, menos que 1%.

Redução da maioridade penal não diminui a violência. O debate está focado nos

efeitos, não nas causas da violência.

37

Como já foi dito, a primeira reação de alguns setores da sociedade sempre que

um adolescente comete um crime grave é gritar pela redução da maioridade

penal. Ou quase isso: dificilmente vemos a mesma reação quando a vítima mora

na periferia (nesses casos, a notícia vira apenas uma notinha nas páginas

policiais). Mas vamos evitar leituras ideológicas do problema.

A redução da maioridade penal não resolve nem ameniza o problema da violência.

“Toda a teoria científica está a demonstrar que ela [a redução] não representa

benefícios em termos de segurança para a população”, afirmou em fevereiro

Marcos Vinícius Furtado, presidente da OAB. A discussão em torno da

maioridade penal só desvia o foco das verdadeiras causas da violência.

O Instituto Não Violência é bem enfático quanto a isso: “As pesquisas realizadas

nas áreas social e educacional apontam que no Brasil a violência está

profundamente ligada a questões como: desigualdade social (diferente de

pobreza!), exclusão social, impunidade (as leis existentes não são cumpridas,

independentemente de serem “leves” ou “pesadas”), falhas na educação familiar

38

e/ou escolar principalmente no que diz respeito à chamada educação em valores

ou comportamento éticos e finalmente, certos processos culturais exacerbados

em nossa sociedade como individualismo, consumismo e cultura do prazer”.

No site da Fundação Casa temos acesso a uma pesquisa que revela o perfil dos

internos (2006):

Site da Fundação Casa: www.fundacaocasa.com.br

Em linhas gerais, o adolescente infrator é de baixa renda, tem muitos irmãos e os

pais dificilmente conseguem sustentar e dar a educação ideal a todos (longe

disso). Isso sem contar quando o jovem é abandonado pelos pais, quando um

deles ou ambos faleceram, quando a criança nem chega a conhecer o pai, entre

outras complicações.

39

Claro que é bom evitar uma posição determinista, a pobreza e a carência afetiva

por si só não produzem criminosos. Mas a falta de estrutura familiar, de

educação, a exposição maior à violência nas periferias e a falta de políticas

públicas para esses jovens os tornam muito mais suscetíveis a cometer

pequenos crimes.

40

Especialistas afirmam que os adolescentes começam com delitos leves, como

furtos, e depois vão subindo “degraus” na escada do crime. De acordo com Ariel

de Castro Alves, ex secretário-geral do Conselho Estadual da Defesa dos Direitos

da Pessoa Humana (Condepe), muitos dos adolescentes que chegam ao

latrocínio têm dívidas com traficantes e estão ameaçados de morte, e isso os

estimula a roubar.

41

Vale aqui lembrar a falência da Fundação Casa, que em vez de recuperar os

jovens, acaba incentivando os internos a subir esses degraus do crime. Para

entender melhor sua realidade, recomendo a leitura da matéria “De Febem a

Fundação Casa” da Revista Fórum. Nela temos o relato do pedagogo Carlos

(nome fictício), que sofreu ameaças frequentes por contestar os atos abusivos da

direção: “A Fundação Casa nasceu para dar errado. Eles saem de lá com mais

ódio, achando que as pessoas são todas ruins e que não há como mudar isso.

São desrespeitados como seres humanos, são tratados como lixo. E isso faz com

que eles pensem que não podem mudar.”

Atuante na Fundação há onze anos, Carlos conta que os atos de violência contra

os adolescentes são cotidianos e descarados, apoiados inclusive pelo diretor,

que também “bate na cara dos meninos”. Essa bola de neve de violência só

poderia resultar em crimes cada vez mais graves cometido pelos garotos.

42

A redução da maioridade penal tornaria mais caótico o já falido sistema

carcerário brasileiro e aumentaria o número de reincidentes.

Dados objetivos: Temos no Brasil mais de 527 mil presos e um déficit de pelo

menos 181 mil vagas. Não precisamos nos aprofundar sobre a superlotação e as

condições desumanas das cadeias brasileiras, é óbvio que um sistema desses é

incapaz de recuperar alguém.

A inclusão de adolescentes infratores nesse sistema não só tornaria mais caótico

o sistema carcerário como tende a aumentar o número de reincidentes. Para o

advogado Walter Ceneviva, colunista da Folha, a medida pode tornar os jovens

criminosos ainda mais perigosos: “Colocar menores infratores na prisão será

uma forma de aumentar o número de criminosos reincidentes, com prejuízo para

a sociedade. A redução da maioridade penal é um erro.”

A Unicef também destaca os problemas que os EUA enfrentam por colocar

adolescentes e adultos nos mesmos presídios. “Conforme publicado este ano

[2007] no jornal The New York Times, a experiência de aplicação das penas

previstas para adultos para adolescentes nos Estados Unidos foi mal sucedida

43

resultando em agravamento da violência. Foi demonstrado que os adolescentes

que cumpriram penas em penitenciárias, voltaram a delinquir e de forma ainda

mais violenta, inclusive se comparados com aqueles que foram submetidos à

Justiça Especial da Infância e Juventude.” O texto em questão foi publicado no

New York Times em 11 de maio de 2007 e está disponível na íntegra na página 34

deste PDF da Unicef.

Ao contrário do que é veiculado, reduzir a maioridade penal não é a tendência do

movimento internacional

Temos visto muitos textos afirmando que o Brasil é um dos raros países que

estipulou a maioridade penal em 18 anos. Tulio Kahn, doutor em ciência política

pela USP, contesta esses dados. “O argumento da universalidade da punição

legal aos menores de 18 anos, além de precário como justificativa, é

empiricamente falso. Dados da ONU, que realiza a cada quatro anos a pesquisa

“Crime Trends” (Tendên-cias do Crime), revelam que são minoria os países que

44

definem o adulto como pessoa menor de 18 anos e que a maior parte destes é

composta por países que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos

seus jovens.”

Ainda segundo a Unicef “de 53 países, não contando o Brasil, temos que 42

deles (79%) adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. Esta fixação

majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência

de um sistema de justiça especia-lizado para julgar, processar e responsabilizar

autores de delitos abaixo dos 18 anos. Em outras palavras, no mundo todo a

tendência é a implantação de legislações e justiças especializadas para os

menores de 18 anos, como é o caso brasileiro.

O que pode estar acontecendo na grande mídia é uma confusão conceitual pelo

fato de muitos países usarem a expressão “penal” para tratar da

“responsabilidade especial” que incide sobre os adolescentes até os 18 anos.

45

“Países como Alemanha, Espanha e França possuem idades de inicio da

responsabilidade penal juvenil aos 14, 12 e 13 anos. No caso brasileiro tem inicio

a mesma responsa-bilidade aos 12 anos de idade. A diferença é que, no Direito

Brasileiro, nem a Constituição Federal nem o ECA mencionam a expressão penal

para designar a responsabilidade que se atribui aos adolescentes a partir dos 12

anos de idade”.

Alguns países vêm seguindo o caminho contrário do que a grande mídia divulga e

aumentado a maioridade penal. “A Alemanha restabeleceu a maioridade para 18

anos e o Japão aumentou para 20 anos. A tendência é combater com medidas

socioeducativas. Estudos apontam que os crimes praticados por crianças e

adolescentes, no Brasil, não passariam de 15%. Há uma falsa impressão de que

esses jovens ficam impunes, o que não é verdade, pois eles respondem ao ECA

(Estatuto da Criança e do Adolescente)”, argumenta Márcio Widal, secretário da

Comissão dos Advogados Criminalistas da OAB.

Também não vemos os grandes jornais divulgarem que muitos estados

americanos ( estadunidenses ) estão aumentando a maioridade penal .

Há ainda diversos argumentos contra a redução da maioridade penal, mas o texto

já se estendeu muito e vamos focar em mais dois. A medida é inconstitucional; a

questão da maioridade faz parte das cláusulas pétreas da Constituição de 1988,

que não podem ser modificadas pelo Congresso Nacional Seria necessária uma

nova Assembleia Constituinte para alterar a questão .

São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da

legislação especial” (Artigo 228 da Constituição Federal). Ou seja, todas as

pessoas abaixo dos 18 anos devem ser julgadas, processadas e

responsabilizadas com base em uma legislação especial, diferenciada dos

adultos.

Há ainda o clássico argumento de que o crime organizado utiliza os menores de

idade para “puxar o gatilho” e pegar penas reduzidas. Se aprovada a redução da

46

maioridade penal, os jovens seriam recrutados cada vez mais cedo. Se baixarmos

para 16 anos, quem vai disparar a arma é o jovem de 15. Se baixarmos para 14,

quem vai matar será o garoto de 13. Estaríamos produzindo assassinos cada vez

mais jovens. Além disso, “o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena e sim

a certeza de punição”, diz o advogado Ariel de Castro Neves. “No Brasil existe a

certeza de impunidade já que apenas 8% dos homicídios são esclarecidos.

Precisamos de reestruturação das polícias brasileiras e melhoria na atuação e

estruturação do Judiciário

3. CONCLUSÃO

Pelo exposto fica claro que não procede tal proposta para a diminuição da maioridade

penal como reforma factível e eficaz para os fins a que se propõe, o qual seria de

diminuir a violência criminal na sociedade. Vimos que nos países que reduziram a

imputabilidade penal, como exemplo o Japão, Alemanha e Estados Unidos Da América

(EUA), a medida não teve o condão de diminuir a violência juvenil nem a violência em

geral na sociedade. Pelo contrário, ocorreu efeito inverso, gerando resultados negativos

ao longo prazo, pois os jovens que sofreram aprisionamento em penitenciárias tiveram

mais reincidências em crimes ao longo do tempo.

Nos países citados que fizeram a redução da maioridade Japão e Alemanha

revogaram-na, retrocedendo ao status legal anterior. E como sabemos os problemas

juvenis nos Estados Unidos só tem aumentado, sendo que os índices de

encarceramento têm aumentado vertiginosamente, tendo a maior população carcerária

do mundo. Em sua maioria, cerca de mais de dosi terços os presos são oriundos das

classes pobres da sociedade, em geral afrodescendentes.

Tendo em vista que o no Brasil temos as piores condições carcerárias possíveis, como

bem colocado no corpo da pesquisa, e a já superlotação do sistema, onde há cada vez

mais falta de cumprir o papel de ressocialização dentro da exigências legais, e a

falência geral em garantir o cumprimento dos direitos humanos básicos, como garantir a

47

vida, a integridade física e prover o respeito {a dignidade da pessoa humana. Dentro

dos problemas relatados há milhares de mandados de prisão de condenados pela

justiça que aguardam serem cumpridos pelas Delegacias de Capturas que não são

cumpridos devido a falta de meios físicos nas cadeias. Nesse sentido fica óbvio que

gerar mais demanda de possíveis presos juvenis nesse sistema falido só vai gerar mais

um desastre social, pois essa medida não garantirá a melhora efetiva na vida de

ninguém, muito menos nos fará dormir mais tranquilos. O que efetivamente poderá, nos

esperança será o cumprimento das diversas políticas públicas como educação,

habitação, segurança pública e saúde, assim como política eficazes voltadas para a

juventude, essas sim, com o condão de semear na paz para colhermos um futuro com

jovens que venham a somar nos quadros mais vibrantes de nossa sociedade produtiva.

48

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2012

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Barbosa e Camila Agustini. Disponível:

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em 09 out. 2012

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http://jus.com.br/revista/texto/9520. Acesso em: 10 out. 2012.