Monografia - Maria Alexsandra Rodrigues Bezerra - Junho - 2014
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – IPANEMA
MARIA ALEXSANDRA RODRIGUES BEZERRA 07120055-3
FAMÍLIAS PLURAIS: Das lacunas da lei, suas consequências no direito patrimonial e sucessório à luz
da jurisprudência atual
MONOGRAFIA BACHARELADO EM DIREITO
RIO DE JANEIRO JUNHO DE 2014
MARIA ALEXSANDRA RODRIGUES BEZERRA
07120055-3
FAMÍLIAS PLURAIS: Das lacunas da lei, suas consequências no direito patrimonial e sucessório à luz
da jurisprudência atual
Monografia apresentada à banca examinadora da Universidade Candido Mendes – Ipanema, como exigência parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito.
Orientador: Professor Doutor Pedro Linhares
RIO DE JANEIRO JUNHO/2014
DEFESA DE MONOGRAFIA
BEZERRA, Maria Alexsandra Rodrigues. FAMÍLIAS PLURAIS: Das lacunas da lei, suas consequências no direito patrimonial e sucessório à luz da jurisprudência atual. Rio de Janeiro: UCAM – Ipanema, 2014. 112 fls. Bacharelado em Direito.
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________________ Professor Doutor Pedro Linhares
_______________________________________________________ Professor Doutor Felipe Braga
Defendida a Monografia: Nota: ________. Em: / /2014.
“Agradeço a Deus que iluminou meu caminho durante esta caminhada, me deu coragem e força para seguir em busca dos meus sonhos.”
RESUMO
O presente trabalho tem como escopo analisar a situação jurídico-social que vive atualmente a família brasileira e de sua redescoberta. As novas concepções sociais das entidades familiares e a relatividade de seus requisitos, das uniões estáveis paralelas em face da Lei, da doutrina e da jurisprudência pertinentes. O oportuno estudo terá como bússola noções de ordem técnica, em uma tentativa de conformação dos valores éticos nacionais (com foco situacional) com a tutela das famílias paralelas explanando essas uniões dentro dos princípios constitucionais. Para tanto, perpassa pela análise do concubinato e da união estável; a verificação se a monogamia é ou não um princípio, relatando assim, teorias históricas e biológicas condizentes com o caso proposto. A verificação dos novos rumos acerca do tema, com atenção à influência da pós-modernidade nos arranjos familiares. Explora também uma nova pesquisa psicológica sobre relações humanas, chamada poliamor. Versando, ainda, sobre os fins patrimoniais já concedidos a estes tipos de relações; Sobre as possibilidades de família monoparental e anaparental, à luz da jurisprudência. E sobre, também, tema ainda bastante polêmico, mas, de suma importância social, a união e adoção homoafetiva, buscando entender e direcionar os fins a que se pretende esta discussão tendo como guia os valores éticos e os princípios fundamentais do direito, como principalmente, a dignidade da pessoa humana. Espera-se, com esta produção acadêmica, chamar a atenção para o necessário debate teórico do assunto proposto, pautado em sua significação segundo um olhar ético e digno das relações existenciais. Busca, com isso, estabelecer qual seria o mais adequado para o Direito.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7
1. A REDESCOBERTA DA INSTITUIÇÃO FAMILIAR .................................................. 8
2. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NORTEADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA .......................................................................................................................... 10
2.1 Da Dignidade da pessoa humana x A necessidade de vínculo familiar ...................... 22
2.2 Princípio da Afetividade .............................................................................................. 31
2.3 Princípio da Igualdade e o Respeito às Diferenças.................................................... 399
2.4 Princípio da Autonomia da Vontade e da Menor Intervenção Estatal ...................... 422
3. DA PLURALIDADE FAMILIAR ................................................................................. 455
3.1 Evolução ou Revolução da Família? ......................................................................... 477
3.1.1 A Evolução Legislativa no Brasil (LÔBO, 2011, p. 40) ...................................... 55
3.2 Família monoparental, anaparental e reconstituída. .................................................... 61
3.2.1 O Princípio da Monogamia X Relações Concomitantes ....................................... 70
3.3 Relações Extraconjugais x O recém chegado chamado “Poliamor” ........................... 74
3.4 Família Paralela ........................................................................................................... 78
3.4.1 A União Estável x Concubinato e a Lei Intertemporal ......................................... 84
3.5 União Homoafetiva x Adoção de filhos menores ........................................................ 91
4. SENDO O BRASIL UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, NÃO DEVERIA, PORTANTO, ESTAR À FRENTE DA REALIDADE SOCIAL QUE CLAMA POR UMA LEI MAIS ACOLHEDORA, NO SENTIDO DE AMPARAR A FAMÍLIA, SEJAM QUAIS FOREM OS MEIOS QUE VIEREM A CONCEBÊ-LA? .......................................................................................................................................... 101
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 102
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 105
7
INTRODUÇÃO
A família é a base da sociedade e recebe especial proteção do Estado. Trata-se de
unidade social fundamental, necessária e insubstituível, proclamada continuadamente por
nossas constituições (art. 226 da CF). Nas palavras de Eduardo de Oliveira Leite - "De todas
as instituições criadas pelo espírito humano, a família e o casamento foram as únicas que
resistiram, de forma contínua e indestrutível, a marcha inexorável da humanidade" (LEITE,
1991)1
Mas de que família se refere e aponta o referido artigo amparado em nossa Carta
Magna, em seu aclamado art. 226?
Quando se pensa em família, no entendimento de Maria Berenice (DIAS, 2007)2,
sempre se imagina “um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos”.
Porém, a realidade já não é esta. Vemos surgir a cada dia novos modelos de
famílias, com características baseadas na Constituição, vindo a ser reconhecidas ou não. Neste
enfoque não há como fugir da seguinte questão, qual seja.
Sendo o Brasil um Estado democrático de direito, não deveria, portanto, estar à
frente da realidade social que clama por uma lei mais acolhedora, no sentido de amparar a
família seja quais forem os meios que vierem a concebê-la?
No sentindo de tentar responder a esta e outras questões, e a fim de buscar uma
solução metodológica, damos início a este oportuno trabalho.
1 LEITE, E. D. O. Tratado de Direito de Família. Juruá: [s.n.], v. I, 1991, p.3.
2 DIAS, M. B. Manual de Direito de Família. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 38
8
1. A REDESCOBERTA DA INSTITUIÇÃO FAMILIAR
É comum em nosso cotidiano ouvir-se que a família está em crise e que existem
forças poderosas contra ela, dizemos isso, pois podemos acompanhar nos meios de
comunicação, pela vulgar e insistente transmissão dos conflitos e infidelidades conjugais, da
rebeldia dos filhos e também na permissividade sexual indiscriminada e na ausência de
sentido moral de determinadas condutas humanas.
E em se tratando de relações conjugais e familiares, muitos assuntos vêm à tona
para revelar o quanto este tema é controverso.
Temas como dissolutivos, de separação judicial e do divórcio, que por sua vez
geram outros transtornos, sejam da guarda dos filhos e dos alimentos e, mais ainda, “o dever
de trabalhar e o repúdio ao ócio ou ao parasitismo do outro, além da união estável,
paternidade, sucessão”, dentre outros. (COMEL, s/d)3
Inegáveis as tendências de democratização da família, não só pelo afrouxamento
dos costumes rígidos que ainda permeiam, como pela proteção que paulatinamente vem o
legislador, dispondo às uniões entre um homem e uma mulher fora do casamento.
Vemos, também, surgir em pleno período pós-moderno uma nova visão
psicossocial chamada “Poliamor”, dando causa a novas formas de convívio e trazendo ao seio
da sociedade, novos ideais de família.
Á luz da jurisprudência vem, também, sendo reconhecida a união estável entre
pessoas do mesmo sexo, recentemente defendida pelo STF. Que apesar de andar a passos
lentos, vemos, tendenciosamente, surgindo a possibilidade no sentido de facilitar a inserção
familiar homoafetiva, sendo possível o reconhecimento legal da adoção. Agora amparado pelo
instituto da união estável.
3 COMEL, W. J. uepg, s/d. Disponivel em: <http://www.uepg.br/>. Acesso em: 03 maio 2014.
9
Nestas novas estruturas familiares, conforme Maria Berenice DIAS4, as quais
objetivam, “no atendimento do afeto, solidariedade, lealdade, confiança, respeito e amor.”
Acredita-se que fica ao legislador o ônus de implementar as medidas cabíveis para a
consecução da plena constituição e desenvolvimento das famílias, como a douta esclarece.
Se anteriormente o casamento era o marco identificador da família, prepondera
agora o sentimento e o vínculo afetivo. Assim, não mais se restringe aos paradigmas de
casamento sexo e procriação.
Deste modo, possivelmente se percebe que:
“o pluralismo das relações familiares ocasionou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento, mudando profundamente o conceito de família. A consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operaram verdadeira transformação na família.”5
Mas não podemos fechar os olhos para os rumos que inevitavelmente vêm se
apresentando em nosso judiciário, de uma lei que pouco se coaduna com a realidade social, e
clama por uma visão mais ampla e igualitária por parte do legislador.
E nessa mesma esteira, surgem diversas dúvidas quanto ao sistema sucessório, da
prestação de alimentos e repartição de bens.
Importante destacar também, a respeito da cobertura legal do concubinato, ora,
também, sob reflexão, na Lei n.º 8.971/94. O concubinato à brasileira, praticamente um semi-
matrimônio, porque tido como paritário e, agora, com a nova legislação, coloca-se em
condições de igualdade e na medida em que se o denomina de união estável (art. 226, § 3º,
CF).
Grande colheita jurisprudencial se prenuncia nessa nova jazida a ser explorada,
4 (Ibid. 2007, p. 34) 5 (Ibid. 2007, p. 39)
10
que se procura distinguir à margem da lei, esta ainda bastante escassa.
2. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NORTEADORES DO DIREITO DE
FAMÍLIA
Primeiramente, antes de discorrer a respeito do instituto, é importante destacar
que com o passar dos anos, dentro do seu conceito jurídico, a família foi um dos organismos
que mais sofreu alterações, em virtude da mutabilidade natural do homem.
Na época do Estado liberal, o Código Civil era tido como a Constituição privada,
regulando as relações entre pessoas com base numa igualdade formal, em que eram
assegurados os direitos denominados de primeira geração que “no âmbito dos direitos
fundamentais”, consignavam uma esfera negativa de proteção contra a ação do Estado
(OLIVEIRA)6
A separação entre o Estado e os indivíduos foi se modificando com o passar do
tempo com o surgimento dos direitos de segunda e terceira geração, de tal maneira que aos
poucos o Estado liberal foi cedendo espaço ao Estado social, face às necessidades sociais que
exigiam cada vez mais uma intervenção efetiva do Estado no âmbito privado, a fim de coibir
desigualdades.
Dessa forma até a chegada era do Estado Democrático de Direito e da autonomia
privada. Em que os direitos fundamentais, sobretudo o da dignidade humana e o da igualdade
material, são efetivamente expressados na Constituição, e que em sua “carga axiológica de
seus princípios subordina toda a codificação do Ordenamento e os denominados
6 OLIVEIRA, M. R. D. H. S. Reflexos da constitucionalização nas relações de família. In: LOTUFO, R. Direito Civil Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 284.
11
microssistemas.” (VIDAL, 2006)7
A intervenção do Estado nas relações do direito de família segue a mesma trilha
de proteção aos direitos fundamentais, aos valores da dignidade da pessoa e aos valores da
família como base da sociedade.
É através da Constituição da República que se estabelece uma direção para a
interpretação da legislação ordinária sobre direito de família, a ponto de superar qualquer
antinomia com a legislação infraconstitucional. Como exemplo, temos o princípio da
igualdade jurídica entre os cônjuges, expresso no artigo 226, § 5º da Constituição de 1988,
que suprimiu a norma inscrita no artigo 233 do Código Civil de 1916.
Com as alterações advindas no Código Civil de 2002, se buscou preservar a
coesão familiar e os valores culturais, conferindo à família um tratamento mais adequado à
realidade social, com o atendimento das necessidades dos filhos e levando em consideração o
vínculo afetivo entre cônjuges ou companheiros.
Contudo, é extremamente recente que o direito de família passou a seguir seus
próprios rumos. Este foi um marco, do momento em que deixou seu caráter canonista e
dogmático intocável no passado e adotou uma natureza contratualista, prevalecendo a
liberdade para manutenção ou não do casamento.
Tudo isto se deve às diversas transformações sofridas, sendo elas históricas,
culturais e sociais, permitindo sua adaptação à realidade. A força dos Princípios
Constitucionais da família, adotados na Constituição de 1988, culminou, portanto, uma
grande evolução no direito de família.
Como já afirmado anteriormente, o ‘novo’ Código Civil está imbuído deste
espírito de constitucionalização do direito de família, porém, como não podia deixar de
ocorrer num sistema jurídico no qual sempre há espaço para o aperfeiçoamento, surgem novas 7 VIDAL, M. R. Vidal Advogados. Vidal e Vidal Advogados Associados, 2006. Disponivel em: <http://www.vidaladvogados.com.br/news/noticia_det.asp?id=59>. Acesso em: 03 maio 2014.
12
questões controvertidas que colocam à prova o pensamento dos estudiosos.
A fim de tecer um breve conceito e aprofundar nosso estudo, temos o
entendimento do conceito de família nas palavras do aclamado civilista Caio Mário
(PEREIRA, 1997)8, que dispõe:
“(...) a família somente compreende as pessoas chamadas por lei a herdar umas das outras. Assim considerada, ora se amplia ora se restringe, ao sabor das tendências do direito positivo, em cada país e em cada época (...).”
A partir deste entendimento podemos perceber, conforme o próprio doutrinador
leciona, que o conceito de família pode variar dependendo da época e da região. E exatamente
por isso, foi necessária evolução da legislação neste ramo tão importante, para que suas
garantias jurídicas pudessem alcançar a todos, com enfoque nos princípios-valores que
permeiam a sociedade.
Percebemos também, que um dos resultados foi o reconhecimento de “famílias
alternativas”, como no caso da união estável, cujo reconhecimento jurídico ocorreu após um
longo período de transformações influenciado pelos costumes.
Como exemplo, vemos as uniões homoafetivas, que atualmente têm sido
reconhecidas na forma da união estável, gerando direitos civis e sucessórios de cunho
patrimonial. Mas que, no entanto, é tema ainda bastante divergente na doutrina.
Depois de observadas tais premissas sobre a constitucionalização do direito de
família, passemos então à individualização dos princípios constitucionais, observando que,
embora a Constituição de 1988 tenha reservado Capítulo especialmente à família, à criança,
ao adolescente e ao idoso em seus arts. 226 a 230, os princípios que regem o direito de família
são encontrados em diversos pontos da Carta Magna.
8 PEREIRA, C. M. D. S. Instituições de direito civil. 11ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. V, 1997, p. 31
13
A partir daqui, relevante para nossa análise é o apoio da doutrina sobre o tema.
Passemos, então, à exposição da visão dos doutos sobre a matéria:
Em levantamentos feitos por Maria Alice (LOTUFO, 2002)9 temos o seguinte
panorama de princípios constitucionais no direito de família:
1. A família que se origina pelo casamento continua prestigiada pelo Estado como
formadora da sua base social.
2. Reconhecimento e consequente proteção de outras formas de família, como a
monoparental, formada pelo pai ou mãe e seus respectivos descendentes, e a união
estável constituída entre o homem e a mulher.
3. Aceitação do planejamento familiar, onde homem e mulher decidem livremente se
terão ou como deverão criar os filhos, objetivando a paternidade e a maternidade
responsáveis, cabendo ao Estado propiciar os recursos necessários para a obtenção
desse fim.
4. Admissão do divórcio como meio de dissolver o vínculo do casamento.
5. Isonomia entre o homem e a mulher, abolindo as situações discriminatórias e
atribuindo-lhes os mesmos direitos e deveres em todos os atos da vida civil,
inclusive em relação ao direito matrimonial.
6. Igualdade de direitos entre os filhos, não havendo mais distinção entre os
advindos ou não do casamento e os adotivos. A filiação deve estar ligada à
afetividade, não se permitindo hierarquia entre filhos;
7. Ampla proteção à criança e ao adolescente, reconhecendo-lhes a prioridade de
direitos, com o objetivo de um desenvolvimento seguro, saudável e digno.
9 LOTUFO, M. A. Z. In: CAMBLER, E. Curso Avançado de Direito Civil. [S.l.]: Revista dos Tribunais, v. V, 2002. p. 21 - 22.
14
Enquanto isso, Maria Rita de Holanda OLIVEIRA10 enumera onze princípios
constitucionais, in verbis:
1) Reconhecimento da família como instituição básica da sociedade e como objeto
de especial proteção do Estado (art. 226, caput);
2) A existência e permanência do casamento, civil ou religioso, como base, embora
sem exclusividade, da família;
3) Competência da lei civil para regular os requisitos, celebração, eficácia do
casamento e sua dissolução;
4) Igualdade jurídica dos cônjuges (226, § 5º);
5) Reconhecimento, para fins de proteção do Estado, da entidade familiar formada
pela união estável entre homem e mulher, assim como a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes (226, §§ 3ª e 4ª);
6) Possibilidade de dissolução do vínculo matrimonial pelo divórcio (226, § 6º);
7) Direito de constituição e planejamento familiar, fundados nos princípios da
dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito (226, §
7º);
8) Igualdade jurídica dos filhos, proibidas quaisquer designações discriminatórias
(227, § 6º);
9) Proteção da infância, como o reconhecimento de direitos fundamentais à criança e
ao adolescente, e responsabilidade da família, da sociedade e do Estado por sua
observância (227 e parágrafos);
10) Atribuição aos pais do dever de assistência, criação e educação dos filhos (229); e
10
(Ibid. 2002, p. 284)
15
11) Proteção do idoso (230).
Carlos Alberto (BITTAR, 1991)11 exprime os princípios de forma mais precisa,
em que prepondera o seguinte:
São as seguintes as regras fundamentais introduzidas pelo texto constitucional:
a) a conceituação de família como base da sociedade e sob proteção do Estado (art.
226, caput);
b) a instituição da família pelo casamento (§ 1º);
c) a igualdade de direitos entre homem e mulher na sociedade conjugal (§ 5º);
d) a dissolubilidade do vínculo matrimonial pelo divórcio (§ 6º);
e) a paridade entre os filhos, havidos ou não no casamento, ou por adoção (art. 227,
§ 6º).
Destarte, a Constituição reconheceu como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes em seu art. 226, § 4º. Ou seja, toda vez
que uma pessoa passar a conviver com um filho, seja ele biológico ou não biológico, ainda
que sem a companhia de cônjuge ou companheiro, a regra incidirá para assegurar a
constituição de uma entidade familiar; em outras palavras, a norma constitucional incidirá
sobre esse suporte fático concreto e o converterá no fato jurídico por ela previsto, que passará
a produzir os efeitos jurídicos por ela tutelados.
Tal como foi reconhecida a união estável entre homem e mulher, esta para
proteção do Estado, a par de outras regras sobre deveres da família, sobre planejamento
familiar, sobre adoção e sobre mecanismos de defesa do menor e do idoso, arts. 226 e 227, e
11
BITTAR, C. A. O direito civil na Constituição de 1988. 2ª. ed. São Paulo: RT, 1991. p. 59 - 60.
16
seus parágrafos.
O princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros é um dos
pontos de maior destaque na lida dos princípios constitucionais, porquanto esse princípio foi
tratado de forma especial pelo legislador constituinte de 1988, estando intimamente ligado a
raízes históricas de domínio do sexo masculino.
Cabível, pois, são as ponderações emitidas por Lourival (SEREJO, 2004)12 sobre
a igualdade dos cônjuges e sua evolução. Que assim dispõe:
A Constituição de 1988 tratou seriamente o problema da igualdade dos cônjuges,
abrigando em seu texto essa exigência indiscutível em tempo de globalização.
O inciso I, do art. 5º, em consonância com o § 5º, do art. 226, reflete a disposição
do constituinte de 1988, em pôr fim a uma discussão que já se tornava ultrapassada pelos
fatos, de uma sociedade cada vez mais consciente de seus direitos.
Na visão de Alvin (TOFFLER, 2012)13, a conquista da igualdade plena é uma
reivindicação contemporânea, resultante de avanços sociais, da globalização dos meios de
comunicação, da interação de culturas e a efetivação dos direitos fundamentais. A mulher,
essencialmente do lar, na Segunda Onda, deu lugar a outro tipo de mulher, participante de
uma família mais dinâmica, a família da Terceira Onda. Nessa, não há lugar para a mulher
submissa ao marido e escrava de filhos.
Bem se faz lembrar que o poder anteriormente outorgado ao marido pelo Código
Civil de 1916, colocava a mulher em posição de indisfarçável submissão ao homem que
estava totalmente dissociado do princípio da igualdade consagrada na Constituição de 1988,
tornando-se, pois, inegável o seu progresso.
O Código Civil de 2002 (BRASIL), agora sob o prisma dos princípios
12
SEREJO, L. Direito Constitucional de Família. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 51. 13TOFFLER, A. A terceira Onda. 31ª. ed. [S.l.]: Record, 2012, p. 212.
17
constitucionais, mostra com clareza esta evolução ao estabelecer a simetria dos cônjuges (e
companheiros), onde as decisões familiares são tomadas em conjunto, conforme disposto nos
artigos 1.567 e 1.569.
Observe que essa paridade entre os cônjuges repousa não só nas questões pessoais
como também nas questões patrimoniais, consagrando a plenitude do princípio da igualdade
entre homem e mulher, desdobrada em igualdade entre os cônjuges e obediência a outro
preceito fundamental consubstanciado na dignidade da pessoa, princípio inviolável e
indisponível.
No que pese o princípio da Família como base da sociedade, art. 226, observemos em sua
simbiose no texto Constitucional: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado.”
Em exame a esse princípio na visão de Pietro (PERLINGIERI, 2002)14, a família
como formação social é garantida pela Constituição não por ser portadora de um direito
superior ou superindividual, mas por ser o local onde se forma a pessoa humana.
Em suas reflexões sobre a Constituição italiana, assevera da seguinte maneira:
“A família como formação social, como ‘sociedade natural’, é garantida pela Constituição (...), não como portadora de um interesse superior e superindividual, mas, sim, em função da realização das exigências humanas, como lugar onde se desenvolve a pessoa (...). A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem. O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas, que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida."
Podemos concluir, portanto, que a essência desse princípio repousa na promoção e
na proteção pelo Estado do amplo desenvolvimento da pessoa e da promoção da dignidade
14
PERLINGIERI, P. Perfis do Direito Civil. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 243.
18
dos membros da família, independentemente da sua forma de constituição.
Sobre o princípio da liberdade, Maria Helena (DINIZ, 2003)15 vai ao encontro das
observações feitas sobre o princípio da família como base da sociedade, na medida em que
consagra o poder de opção pela constituição de uma família pelo casamento ou pela união
estável, tanto que o artigo 1.513 do Código Civil de 2002 estabelece que “É defeso a
qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída
pela família”.
Na visão de Paulo (LÔBO, 2011)16, a liberdade diz respeito ao livre poder de
escolha ou autonomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem
imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre aquisição
e administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento familiar; à livre definição dos
modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde
que respeitadas suas dignidades como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no
respeito à integridade física, mental e moral.
Como já dito, anteriormente o direito de família era extremamente rígido e
estático, não admitindo o exercício da liberdade de seus membros, que contrariasse o
exclusivo modelo matrimonial e patriarcal. A mulher casada era juridicamente dependente do
marido e os filhos menores estavam submetidos ao poder paterno. Não havia liberdade para
constituir entidade familiar fora do matrimônio. Não havia liberdade para dissolver o
matrimônio, quando as circunstâncias existenciais tornavam insuportável a vida em comum
do casal. Não havia liberdade de constituir estado de filiação fora do matrimônio, estendendo-
se as consequências punitivas aos filhos.
As transformações desse paradigma familiar ampliaram radicalmente o exercício
15DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil. 18ª. ed. São Paulo: Saraiva, v. V, 2003. p. 21. 16
LÔBO, P. Direito Civil Famílias. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 70.
19
da liberdade para todos os atores, substituindo o autoritarismo da família tradicional por um
modelo que realiza com mais intensidade a democracia familiar. Em 1962 o Estatuto da
Mulher Casada emancipou-a quase que totalmente do poder marital. Em 1977 a Lei do
Divórcio (após a respectiva emenda constitucional) emancipou os casais da indissolubilidade
do casamento, permitindo-lhes constituir novas famílias. Mas somente a Constituição de 1988
retirou definitivamente das sombras da exclusão e dos impedimentos legais as entidades não
matrimoniais, os filhos ilegítimos, enfim, a liberdade de escolher o projeto de vida familiar,
em maior espaço para exercício das escolhas afetivas. O princípio da liberdade, portanto, está
visceralmente ligado ao da igualdade.
Face à Constituição e nas atuais leis, Paulo (LÔBO, 2009)17 enumera duas
vertentes essenciais:
a) Liberdade da entidade familiar, diante do Estado e da sociedade;
b) e liberdade de cada membro diante dos outros membros e da própria entidade
familiar.
A liberdade se realiza na constituição, manutenção e extinção da entidade
familiar; no planejamento familiar, que “é livre decisão do casal” (art. 226, § 7º, da
Constituição), sem interferências públicas ou privadas; na garantia contra a violência,
exploração e opressão no seio familiar; na organização familiar mais democrática,
participativa e solidária. O princípio da liberdade diz respeito não apenas à criação,
manutenção ou extinção dos arranjos familiares, mas à sua permanente constituição e
reinvenção.
Tendo a família se desligado de suas funções tradicionais, não faz sentido que ao
Estado interesse regular deveres que restringem profundamente a liberdade, a intimidade e a
vida privada das pessoas, quando não repercutem no interesse geral. 17 LÔBO, P. Scribd. A Nova Principiologia do Direito de Família e Suas Repercussões, 2009. Disponivel em: <http://pt.scribd.com/doc/199728846/A-Nova-Principiologia-Paulo-Lobo>. Acesso em: 02 maio 2014.
20
O princípio também se concretiza em normas específicas, como a do art. 1.614 do
Código Civil, que permite ao filho maior exercer a liberdade de recusar o reconhecimento
voluntário da paternidade feito por seu pai biológico, preferindo que no seu registro de
nascimento conste apenas o nome da mãe. Do mesmo modo, se o reconhecimento se deu
quando o filho era menor, pode este impugná-lo, ao atingir a maioridade, o que demonstra que
o estado de filiação não é necessariamente uma imposição da natureza.
Outro exemplo de valorização da autonomia ou da vontade livre é o direito
concedido aos que se utilizarem da inseminação artificial para concepção do filho, inclusive
da chamada inseminação artificial heteróloga, mediante o consentimento do marido para que
sua mulher utilize sêmen de outro homem, art. 1.597, V, do Código Civil.
Por outro lado, o princípio é violado em normas que restringem
desarrazoadamente a autonomia das pessoas, como se dá com o art. 1.641, II, do Código
Civil, que não permite que o maior de 70 anos possa, livremente, escolher o regime
matrimonial de bens.
Agora falando do princípio da dignidade da pessoa humana, este, portanto,
preceito fundamental basilar de todo o ordenamento jurídico positivo do Estado Democrático
de Direito, art. 1º, III, CF. E, além disso, é preceito globalizado presidido nas Declarações
Internacionais de Direitos do Homem.
Esse princípio tem sua matriz no pleno desenvolvimento de cada membro
componente da família, como aponta PERLINGIERI:18
Os direitos atribuídos aos componentes da família garantem, tutelam e promovem diretamente exigências próprias da pessoa e não de um distinto organismo deveres. A família não é titular de um interesse separado e autônomo, tanto, as várias teorias que discorrem sobre um “interesse familiar” superindividual, expressão de um interesse coletivo superior, fundamento de direitos e, de tipo público ou corporativo.
18
(ibid, 2002, p. 245)
21
Afirmou-se precedentemente a compresença da responsabilidade na liberdade
individual: nesta base insere-se a exigência de colaboração, de solidariedade e da
reciprocidade, sem que elas cheguem a constituir um separado interesse familiar que possa ser
oposto àquele individual. Pode-se imaginar o interesse individual de cada familiar, além disso,
somente em relação àquele dos outros familiares: diante da comunhão material e espiritual, o
interesse de cada um torna-se, o interesse dos outros; a convivência (e as necessidades que o
seu desenrolar manifesta) é interiorizada.
Mais uma vez LÔBO19, que descreve claramente sobre esta nova principiologia
do direito de família:
Um princípio, indica suporte fático hipotético necessariamente indeterminado e
aberto, dependendo, a incidência dele, da mediação concretizadora do intérprete, por sua vez
orientado pela regra instrumental da equidade, entendida segunda formulação grega clássica,
sempre atual, de justiça do caso concreto. Tome-se o exemplo do princípio da dignidade da
pessoa humana, referido expressamente no § 7º do art. 226 da Constituição; “o casal é livre
para escolher seu planejamento familiar, mas deve fazê-lo em obediência ao princípio da
dignidade da pessoa humana, cuja observância confirmará o intérprete apenas em cada
situação concreta, de acordo com a equidade, que leva em conta a ponderação dos interesses
legítimos e valores adotados pela comunidade em geral.”
No exemplo citado, um princípio constitucional (a dignidade) está a limitar e a
conformar outro princípio constitucional (a liberdade de escolha). Todavia, quase sempre os
princípios são dotados de mesma força normativa, sem qualquer hierarquia entre eles.
Quando um entra em colisão com outro (dignidade de uma pessoa versus
integridade física de outra), para que um seja prevalecente, resolvendo-se a aparente
antinomia, o caso concreto é que indicará a solução, mediante a utilização pelo intérprete do
19
(op. cit. 2009, p. 01)
22
instrumento hermenêutico de ponderação dos valores em causa, ou do peso que o caso
concreto provocar em cada princípio.
A família, numa visão focada nos princípios constitucionais, é o instrumento de
promoção da personalidade e pleno desenvolvimento material, intelectual e social de seus
membros, ficando o Estado responsável pela adoção de políticas que propiciem o ambiente
para a concretização desse desenvolvimento.
Nesse aspecto, concluímos que a evolução do pensamento da sociedade trouxe
como resultado a evolução das normas jurídicas aplicáveis à família, tendo chegado ao ponto
em que se pode afirmar a existência do Direito Constitucional de Família.
A família patriarcal cedeu lugar à família denominada pela doutrina de família
nuclear ou instrumental, vale dizer, aquela que prima acima de tudo pela dignidade de seus
membros e seu pleno desenvolvimento como pessoa.
Todos os princípios constitucionais listados estão estreitamente ligados uns aos
outros, de tal forma que se pode afirmar a existência de uma unidade de princípios. Em que os
mesmos coexistem em harmonia, como um escudo protetor contra qualquer violação pelo
ordenamento jurídico infraconstitucional.
2.1 Da Dignidade da pessoa humana x A necessidade de vínculo familiar
O homem é um animal social, já dizia Aristóteles. E em seu ponto de vista a
sociabilidade faz parte da natureza humana. Afirma:
“a cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza uma animal social, e que é por natureza e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade [...] Agora é evidente que o homem, muito mais que a abelha ou outro animal gregário, é um animal social. Como costumamos dizer, a natureza não faz
23
nada sem um propósito, e o homem é o único entre os animais que tem o dom da fala. Na verdade, a simples voz pode indicar a dor e o prazer, os outros animais a possuem (sua natureza foi desenvolvida somente até o ponto de ter sensações do que é doloroso ou agradável e externá-las entre si), mas a fala tem a finalidade de indicar o conveniente e o nocivo, e portanto também o justo e o injusto; a característica especifica do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais, e é a comunidade de seres com tal sentimento que constitui a família e a cidade.” (Política, I, 1253b, 15 (ALARIO, 2010)20
A partir deste foco introdutório sobre o tema, Eugênio MUSSAK21 comenta:
“Somos sociais não apenas porque dependemos de outros para viver, mas porque os outros
influenciam na maneira como convivemos conosco mesmos e com aquilo que fazemos.”
Ao falarmos da instituição familiar em compreensão ao princípio da dignidade
humana não vemos alternativa que não nos remeter a um período histórico anterior ao
surgimento do próprio Estado de direito. E isto se dá pelo fato que, desde as primeiras
verificações sobre a ocupação do homem no nosso planeta, pode-se perceber a existência de
um agrupamento de pessoas visando o auxílio mútuo e a perpetuação da espécie.
Como prova, podemos citar as denominadas pinturas rupestres, nas quais se faz
possível verificar desenhos representando homens e mulheres, adultos e crianças,
desempenhando das mais variadas atividades em conjunto.
Contudo, em face da escassez de documentos fáticos comprobatórios acerca da
origem da família no mundo Ocidental, não há como se traçar um linear histórico perfeito que
melhor exemplifique desde seus primórdios. Com isso citamos Caio Mário (PEREIRA,
2005)22, que dispunha:
20 ALARIO, R. projetophronesis. Projeto Phronesis, 2010. Disponivel em: <http://projetophronesis.com/2009/01/10/o-homem-e-um-animal-social-aristoteles/>. Acesso em: 20 fevereiro 2014. 21 Unsupported source type (DocumentFromInternetSite) for source EspaçoReservado1. 22 PEREIRA, C. M. D. S. Instituições de direito civil. 21ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 31.
24
“Quem rastreia a família em investigação sociológica, encontra referências várias a estágios primitivos em que mais atua a força da imaginação do que a comprovação fática; mais prevalece a generalização de ocorrências particulares do que a indução de fenômenos sociais e políticos de franca aceitabilidade.”
Para Marcassa (MARCASSA, s/d)23, um dos precursores a se aventurar nesta
seara foi Frederich Engels, em sua obra intitulada “A origem da família”, da propriedade
privada e do Estado, na qual descreve os três estágios pré-históricos pelo qual teria passado a
cultura e os respectivos modelos de famílias predominantes de cada época, que segundo a
concepção de Morgan são as seguintes: o Estado Selvagem, que preponderou a família
consanguínea, em que era comum a relação carnal entre os familiares; na Barbárie, deu-se
início às relações entre os grupos, originando as chamadas “gens”, em que a família tinha
origem na matriarca, sendo após, substituída pela família sindiásmica que era o matrimonio
por pares, mas presente ainda a figura da poligamia como direito exclusivo dos homens; e a
Civilização, que prevaleceu o modelo monogâmico de família.
Engels, no prefácio de sua obra de 1891, escreveu que o início do estudo da
história da família somente se deu por volta de 1860, com a obra de Bachofen, intitulada
Direito Materno. Bachofen sustentava a tese Matriarcal – Estado Bárbaro -, onde no estado
primitivo das civilizações, os grupos familiares tinham sua origem na matriarca, ou seja, a
família se originava da mãe. Naquela época, as mulheres se relacionavam com qualquer
homem que integrasse a tribo a que pertenciam, era a chamada endogamia, e, como
consequência, era possível se conhecer com certeza, apenas a mãe da criança gerada, arcando
sozinha a genitora com o sustento, zelo e carinho para com seu filho.
23
MARCASSA, L. A Origem da família, da propriedade privada e do Estado, São Paulo, p. 7 - 143, s/d. Disponivel em: <http://sare.anhanguera.com/index.php/reduc/article/viewFile/202/200>. Acesso em: 25 maio 2014.
25
E segundo explica Silvio (VENOSA, 2008)24, com o passar dos tempos, na vida
primitiva,
“[...] com as guerras, a carência de mulheres e talvez uma inclinação natural, os homens passaram a buscar relações com mulheres de outras tribos, antes que em seu próprio grupo”. Este fenômeno, “[...] os historiadores fixam como a primeira manifestação contra o incesto no meio social”. Levando o homem a constituir relações mais estáveis com as mulheres, com caráter de quase exclusividade, que fora o nascedouro das relações individuais, ou seja, da monogamia.
Formando, assim, a Família Sindiásmica, na qual o homem passa a viver com uma
mulher principal, porém, tal fato não aboliu a figura da poligamia e da infidelidade,
constituindo estes costumes, agora, em direitos exclusivos dos homens, sendo de outro norte,
exigido maior rigor no que tange a fidelidade das mulheres aos seus respectivos
companheiros, sendo elas cruelmente castigadas em caso de adultério. É a partir deste ponto
que se tem o nascimento do conceito de família patriarcal romana, modelo adotado pelo
mundo ocidental.
Em oposição ao que ocorre com a tese anterior, o modelo patriarcal - que até
muito perdurou em nossa sociedade – possui muitos e variados registros históricos que
contribuem para enriquecer em detalhes as várias etapas pelas quais esta forma de família
adquiriu ao longo do tempo.
Podemos concluir com essa visão histórica que, a família, portanto, é um evento,
facto, que se funda em dados biológicos, psicológicos e sociológicos, e que se demonstra
como instituição fundamental e sagrada, carecendo, portanto de proteção do Estado para lhe
conceder as necessárias condições para gerar um indivíduo apto ao convívio em sociedade.
A partir do ponto de vista genérico e biológico, o já citado douto. Caio Mário25,
24
VENOSA, S. D. S. Direito Civil: direito de família. 8ª. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 03. 25
(Ibid. 2005, p.25)
26
classifica:
“Considera-se família o conjunto de pessoas que descendem de um tronco ancestral comum. Ainda neste plano geral, acrescenta-se o cônjuge, aditam-se os filhos do cônjuge (enteados), os cônjuges dos filhos (genros e noras), os cônjuges dos irmãos e os irmãos dos cônjuges (cunhados).”
Contudo, para a maioria dos doutrinadores esta visão é equivocada, por
muito se assemelhar com a figura, já comentada, da Gens romana ou da Genos grega mais que
com a família de fato.
A partir da ótica antropológica e social, define Euclides Benedito (OLIVEIRA,
2003)26:
“Família é o ponto de convergência natural dos seres humanos. Por ela se reúnem o homem e a mulher, movidos por atração física e laços de afetividade. Frutifica-se o amor com o nascimento dos filhos. Não importam as mudanças da ciência, no comércio e na indústria humana, a família continua sendo o refúgio certo para onde correm as pessoas na busca de proteção, segurança, realização pessoal e integração no meio social.”
Em face disto, a Constituição de 1988 em contrapartida a todas as normas
discriminatórias, individualistas e extremamente patrimoniais que ainda perduravam nesta
época, abriu os horizontes ao instituto da família, vindo amparar suas reais necessidades,
protegendo as relações familiares não mais apenas enquanto instituto, mas para promover sua
própria funcionalidade, ou seja, busca-se agora promover a dignidade da pessoa humana
enquanto parte integrante de uma família.
A construção do conceito de dignidade humana teve como um dos seus
precursores o filósofo Kant, sendo tal conceito consubstanciado no ideal de liberdade e
26
OLIVEIRA, E. B. D. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. São Paulo: Método, 2003. p. 24.
27
igualdade. Denise Muller dos Reis (PUPO, 2006)27 ainda explica:
“[...] a liberdade é que determina a ação humana (moral) e a autonomia da vontade – essa entendida como a capacidade do indivíduo em deliberar sobre seus objetivos de vida e agir no sentido de sua realização – é o único princípio de todas as leis morais, gerando para o ser humano a responsabilidade por seus projetos existenciais. Tal perspectiva identifica liberdade e autonomia com individualidade e pluralidade: o ser humano é único e únicos são todos os seres humanos”.
A Constituição de 1988, considerada da Era Moderna, nasceu desta ideia, que era
um dos Princípios que norteavam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada
pelas Nações Unidas em 1948, que consagrou a dignidade como valor essencial do ser
humano, sendo adotada como um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de
Direito, e um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Guilherme Calmon Nogueira (GAMA, 2008)28 retrata brilhantemente a relevância
do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana para a nova ordem Constitucional, senão
vejamos:
“A dignidade da pessoa humana, colocada no ápice do ordenamento jurídico, encontra na família o solo apropriado para o seu enraizamento e desenvolvimento, daí a ordem constitucional dirigida ao Estado no sentido de dar especial e efetiva proteção à família, independentemente da sua espécie.”
Assim, a área da família, sem dúvida, era a que mais clamava por mudanças,
afinal, a norma jurídica maior do Estado já não conseguia mais cumprir a função que lhe era
27
PUPO, D. M. D. R. Proteção das famílias no judiciário: a experiência do núcleo de prática jurídica da PUC/Rio e as varas de família do tribunal de justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ambito Juridico, Rio de Janeiro, 2006. Disponivel em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7559>. Acesso em: 13 maio 2014. 28 GAMA, G. C. N. D. Princípios constitucionais de direito de família: guarda compartilhada à luz da Lei nº 11.698-08 : família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 25.
28
atribuída, qual seja, a de regular a vida em sociedade, pois grande era a disparidade dos
acontecimentos que vinham ocorrendo no meio social, desde os que buscavam
reconhecimento de suas uniões não advindas do matrimônio, das mães que sozinhas criavam
os filhos sem proteção alguma do Estado, aos filhos frutos de relacionamentos fora do
casamento que lutavam pelos seus direitos de reconhecimento e de tratamento igualitário.
Nota-se que em poucas décadas os paradigmas do direito de família foram
inteiramente modificados. E, em resposta a todos esses outros anseios sociais, com fatos e
valores agora absolutamente diversos daqueles encontrados do final do século XIX e início do
século passado - que era marcado por valores tradicionais como o respeito, obediência e
submissão -, foi elaborada e aprovada a Constituição de 1988, sendo descrita, em linhas
gerais, com maestria por Denise Muller dos Reis29:
“As relações informais ganharam tratamento jurídico através da construção doutrinária e jurisprudencial dos Tribunais que a partir do julgamento de casos concretos, tentava corrigir as injustiças que a falta de legislação específica impunha, concedendo, por exemplo, alguns direitos à concubina, como a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. As reiteradas decisões no mesmo sentido, que datam dos anos 60, deu origem a uma Súmula no Supremo Tribunal Federal - STF que passou a ser aplicada nos diferentes Tribunais brasileiros (Súmula 380 do STF, aprovada na Sessão Plenária de 3 de abril de 1964).”
Seguindo a ótica de LÔBO30, a dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial
que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero
humano, impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade. “Assim, viola o
princípio da dignidade da pessoa humana todo ato, conduta ou atitude que coisifique a
pessoa, ou seja, que a equipare a uma coisa disponível, ou a um objeto”.
29
(op. cit. 2006, p. 11) 30
(op. cit.2009, p. 03)
29
De acordo com a filosofia de Juguen (HABERMAS, 2004)31, para quem deve ser
feita distinção entre a dignidade da vida humana e a dignidade da pessoa humana, esta
garantida juridicamente a toda pessoa. As manipulações genéticas impulsionaram essa
distinção, pois o embrião não é pessoa, mas goza da dignidade da vida humana. “Somente a
partir do momento em que a simbiose com a mãe é rompida é que a criança entra num mundo
de pessoas, que vão ao seu encontro, que lhe dirigem a palavra e podem conversar com ela”.
A doutrina destaca o caráter intersubjetivo e relacional da dignidade da pessoa
humana, sublinhando a existência de um dever de respeito no âmbito da comunidade dos seres
humanos.
Na família tradicional, a cidadania plena se concentrava na pessoa do chefe, o
patriarca, dotado de direitos que eram negados aos demais membros, a mulher e os filhos,
cuja dignidade humana não podia ser a mesma. O espaço privado familiar estava vedado à
intervenção pública, tolerando-se a subjugação e os abusos contra os mais fracos.
No estágio em que vivemos, o equilíbrio civil tem matriz na garantia do pleno
desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que integram a comunidade familiar,
ainda tão duramente violada na realidade social. Em especial às crianças.
Assim como afirma LÔBO32, concretizar esse princípio é um desafio imenso, ante
a cultura secular e resistente. No que respeita à dignidade da pessoa da criança, o artigo 227
da Constituição expressa essa viragem, configurando seu específico “bill of rigths”, ao
estabelecer que é dever da família assegurar-lhe “com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, além de colocá-la “à salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Não é um direito oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a 31
HABERMAS, J. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 40 - 51. 32
(Id. 2009, p. 04)
30
cada membro da própria família. Temos assim uma espetacular mudança de paradigmas.
Já que na visão tradicional havia uma dissolução de direitos, que na verdade tinha
sua estrutura submetida ao poder do patriarca, não possuindo um âmbito adequado para
concretização da dignidade das pessoas.
Somente com o advento do Estatuto da Mulher Casada de 1962, da Lei do
Divórcio de 1977 e da Constituição de 1988, neste último século, houve uma mudança brusca,
no sentido de emancipação e revelação dos valores pessoais.
Atualmente, a família converteu-se em locus de realização existencial de cada um
de seus membros e de espaço preferencial de afirmação de suas dignidades. Dessa forma, os
valores coletivos da família e os pessoais de cada membro devem buscar permanentemente o
equilíbrio, “em clima de felicidade, amor e compreensão”.
Consumaram-se na ordem jurídica as condições e possibilidades para que as
pessoas, no âmbito das relações familiares, realizem e respeitem reciprocamente suas
dignidades como pais, filhos, cônjuges, companheiros, parentes, crianças, idosos, ainda que a
dura realidade da vida nem sempre corresponda a esse desiderato.
É este o novo modelo constitucional de uma entidade familiar que não é tutelada
para si, senão como instrumento de realização de seus membros.
No tocante aos direitos da criança, a Convenção de 1990 declara que a criança
deve ser preparada individualmente para uma vida individual em sociedade, respeitada sua
dignidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 tem por fim assegurar “todos os
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana” dessas pessoas em desenvolvimento (art.
3º) e a absoluta prioridade dos direitos referentes às suas dignidades (arts. 4º, 15 e 18).
O Código Civil de 2002, cuja redação originária antecedeu a Constituição, não faz
qualquer alusão expressa ao princípio; todavia, por força da primazia constitucional, este
como os demais princípios determinam o sentido fundamental das normas
31
infraconstitucionais. No sistema jurídico brasileiro, o princípio da dignidade da pessoa
humana está indissoluvelmente ligado ao princípio da solidariedade.
2.2 Princípio da Afetividade
Conforme LÔBO33, este princípio recebeu grande impulso dos valores
consagrados na Constituição de 1988 e resultou da evolução da família brasileira, nas últimas
décadas do século XX, refletindo-se na doutrina jurídica e na jurisprudência dos tribunais. O
princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípios constitucionais
fundamentais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, e entrelaça-se com os
princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que
ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família.
A evolução da família “expressa a passagem do fato natural da consanguinidade
para o fato cultural da afinidade” (este no sentido de afetividade).
A luz do entendimento da douta. Maria Berenice Dias, os vínculos afetivos não
são uma prerrogativa da espécie humana, pois como já vimos o acasalamento sempre existiu
entre os seres vivos, seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pela
verdadeira aversão à solidão. Tanto é que, se tem por natural a ideia de que a felicidade só
pode ser encontrada a dois, como se existisse um setor da felicidade ao qual o sujeito sozinho
não tem acesso. (TURKENICZ, 1995)34
A partir deste entendimento citamos Aristóteles, como visto antes, fundamenta
que “o homem é um animal social” dizendo que a união entre os homens é natural, porque o
homem é um ser naturalmente carente, que necessita de coisas e de outras pessoas para
alcançar sua plenitude, ele afirma: 33
(Ibid, 2009, p. 9-10) 34
TURKENICZ, A. A aventura do casal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. p. 6.
32
“As primeiras uniões entre pessoas, oriundas de uma necessidade natural, são aquelas entre seres incapazes de existir um sem o outro, ou seja, a união da mulher e do homem para perpetuação da espécie (isto não é resultado de uma escolha, mas nas criaturas humanas, tal como nos outros animais e nas plantas, há um impulso natural no sentido de querer deixar depois de individuo um outro da mesma espécie).” (Política, I, 1252a e 1252b, 13-4)35
Giselda Maria Fernandes Novaes (HIRONAKA, 1999)36 entende que, não
importa a posição ocupada pelo indivíduo na família, ou qual a espécie de grupamento
familiar a que ele pertence, o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele
idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores, e se sentir, por
isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade.
Mais uma vez no entendimento de Maria Berenice, mesmo sendo a vida aos pares
um fato natural, em que os indivíduos se unem por uma relação biológica, a família é muito
mais que um grupo cultural. Existe antes e acima do Direito. Dispõe de uma estruturação
psíquica em que cada um ocupa um lugar, possui uma função. Lugar do pai, lugar da mãe,
lugar dos filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente, e que
segundo Rodrigo da Cunha Pereira, alerta ser essa estrutura familiar a que interessa investigar
e trazer para o Direito.
Segundo LÔBO37, demarcando seu conceito, a afetividade é o princípio que
fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de
vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico.
“projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade, tendo em vista que consagra a família
35 (Id. ALARIO, 2010) 36 HIRONAKA, G. M. F. N. Responsabilidade Civil: Circunstâncias naturalmente, legalmente e convencionalmente escusivas do dever de indenizar o dano. In: DINIZ, M. H. Revista Atualidades Jurídicas. São Paulo: Saraiva, v. I, 1999. p. 8. 37 (op. cit. 2009, p. 06)
33
como unidade de relações de afeto, após o desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procracionais, econômicas, religiosas e políticas. [...] Pode ser assim traduzido: onde houver uma relação ou comunidade unida por laços de afetividade, sendo estes sua causa originária e final,
haverá família.” 38
A família recuperou a função que, por certo, esteve nas suas origens mais
remotas: a de grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida.
O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos
biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais, além do forte sentimento de
solidariedade recíproca, que não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses
patrimoniais. É o salto, à frente, da pessoa humana nas relações familiares.
Para se ter uma visão mais ampla e sistêmica sobre este princípio, apontamos
interessante pesquisa do conceituado Anthony Giddens (GIDDENS, 2003)39, em seu brilhante
trabalho sobre a transformação da família a partir da Globalização.
Gilddens, Demonstra três áreas principais em que a comunicação emocional, e,
portanto, a intimidade conjugado pela afetividade, estão substituindo os velhos laços que as
pessoas uniam as outras, são eles: os relacionamentos sexuais de amor, os relacionamentos
pais–filhos e também a amizade. Comparando-os, pois, com o estado de democracia no seu
ponto de vista mais abrangente.
Para um melhor entendimento utiliza-se a ideia do “relacionamento puro”.
Designando, um relacionamento baseado na comunicação emocional, em que as recompensas
derivadas de tal comunicação são a principal base para a continuação do relacionamento. Não
38
LÔBO, P. Entidades familiares constitucionalizadas: para além dos numerus clausus. Scribd, s/d. Disponivel em: <http://pt.scribd.com/doc/81892518/Entidades-familiares-constitucionalizadas-para-alem-de-numerus-clausus-Paulo-Luiz-Netto-Lobo>. Acesso em: 10 maio 2014. 39
GIDDENS, A. Mundo em Descontrole. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.
34
uma relação precipuamente sexual, pura. Nem mesmo algo que exista na realidade. Fala-se de
uma ideia abstrata, que nos ajuda a compreender mudanças que estão ocorrendo no mundo.
Cada uma dessas três áreas está tendendo a se aproximar desse modelo ideal.
“A comunicação emocional ou intimidade está se tornando a chave para tudo que elas envolvem. O relacionamento puro tem uma dinâmica completamente diferente da de tipos mais tradicionais de laços sociais. Depende de processos de confiança ativa – a abertura de si mesmo para o outro. Franqueza é a condição básica da intimidade. O relacionamento puro é implicitamente democrático. É de se notar a existência de um impressionante paralelo com a democracia pública.”40
Anthony afirma que há a busca de um ideal do “bom relacionamento”, muito
embora a maioria dos relacionamentos comuns sequer se aproxima dele, equiparando-se aos
princípios da democracia que são também ideais, e também eles se encontram com frequência
a uma distância grande da realidade.
Buscando se estabelecer entre iguais, em que cada parte tem iguais direitos e
obrigações. Num relacionamento assim, cada pessoa tem respeito pela outra e deseja o melhor
para ela. Baseado na comunidade, de tal modo que compreender o ponto de vista é essencial.
Funcionando através do diálogo. Sendo necessário haver confiança mútua, trabalhada, e não
pressuposta. Finalmente, um bom relacionamento é aquele isento de poder arbitrário, coerção
e violência.
“Nenhuma democracia pode funcionar sem confiança. E a democracia é
solapada se ceder ao autoritarismo e à violência”41
Ao aplicar esses princípios – como ideais – a relacionamentos, têm-se o que
Anthony chama de democracia das emoções na vida cotidiana. Uma democracia das emoções,
40
(op. cit. 2003, p. 70) 41
(Id. 2003, p.72)
35
sendo tão importante quanto a democracia pública para o aperfeiçoamento da qualidade de
nossas vidas.
Isto se aplica aos relacionamentos entre pais e filhos e tanto quanto a outras áreas.
Estes não podem, e não deveriam, ser materialmente iguais. Os pais devem ter autoridade
sobre os filhos, no interesse de todos. No entanto, esses relacionamentos deveriam pressupor
uma igualdade em princípio. Numa família democrática, a autoridade dos pais deveria ser
baseada num contrato implícito.
Ainda conforme GIDDENS, nas famílias tradicionais as crianças deviam – e
devem – ser vistas e não ouvidas. Muitos pais, talvez derrotados pela rebeldia dos filhos,
gostariam de ressuscitar essa regra. Mas não há como retornar a ela, e para o sociólogo nem
deveria haver. Numa democracia das emoções, as crianças podem e devem ser capazes de
responder.
A democracia das emoções não implica falta de disciplina ou ausência de respeito.
Simplesmente procura situá-los em bases diferentes.
Neste enfoque, a democracia das emoções não faria quaisquer distinções de
princípio entre relacionamentos heterossexuais e entre pessoas do mesmo sexo. Segundo o
sociólogo, os gays, e não os heterossexuais, foram os pioneiros na descoberta do novo mundo
dos relacionamentos e na exploração de suas possibilidades. Foram forçados a isso, pois
quando a homossexualidade saiu do armário, os gays não tinham como depender dos amparos
normais do casamento tradicional. “Defender a promoção de uma democracia emocional não
significa ser fraco com relação aos deveres familiares, ou com relação à política pública
voltada para a família”.42
A democracia significa a aceitação de obrigações, bem como de direitos
sancionados em lei. A proteção das crianças deve ser o aspecto primordial da legislação e da
42
(Id. 2003, p. 73)
36
política pública. Os pais deveriam ser legalmente obrigados a prover a subsistência dos filhos
até que se tornem adultos, sejam quais forem os arranjos de vida em que ingressem.
O casamento não é mais uma instituição econômica, no entanto, como um
compromisso ritual, pode ajudar a estabilizar relacionamentos que de outro modo seriam
frágeis. Se isto se aplica a relacionamentos heterossexuais, deve se aplicar também a
homossexuais.
Daí a necessidade para a proteção deste princípio progenitor e de última Geração
da sociedade: o valor afetivo-emocional, tão logo base essencial de direitos.
Na Constituição de 1988 este princípio está implícito. Encontrando-se
fundamentos essenciais constitutivos dessa aguda evolução social da família brasileira, além
dos já referidos:
a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º);
b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade
de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);
c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se
os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º);
d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta
assegurada à criança e ao adolescente (art. 227).
Em LÔBO43, a afetividade, como princípio jurídico, não se confunde com o afeto,
como fato psicológico ou anímico, porquanto pode ser presumida quando este faltar na
realidade das relações; assim, a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e
destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.
Deste modo como princípio jurídico da afetividade entre pais e filhos, este apenas
deixa de incidir com o falecimento de um dos sujeitos ou se houver perda do poder familiar.
43
(op. cit. 2009, p. 10)
37
Na relação entre cônjuges e entre companheiros o princípio da afetividade incide
enquanto houver afetividade real, pois esta é pressuposto da convivência.
Até mesmo a afetividade real, sob o ponto de vista do direito, tem conteúdo
conceptual mais estrito (o que une as pessoas com objetivo de constituição de família) do que
o empregado nas ciências da psique, na filosofia, nas ciências sociais, que abrange tanto o que
une quanto o que desune (amor e ódio, afeição e desafeição, sentimentos de aproximação e de
rejeição).
Na psicopatologia, por exemplo, a afetividade é o estado psíquico global com que
a pessoa se apresenta e vive em relação às outras pessoas e aos objetos, compreendendo “o
estado de ânimo ou humor, os sentimentos, as emoções e as paixões e reflete sempre a
capacidade de experimentar sentimentos e emoções”.
Contudo, é evidente que essa compreensão abrangente do fenômeno é
inapreensível pelo direito, que opera selecionando os fatos da vida que devem receber a
incidência da norma jurídica. Por isso, sem qualquer contradição, podemos referir a dever
jurídico de afetividade oponível a pais e filhos e aos parentes entre si, em caráter permanente,
independentemente dos sentimentos que nutram entre si, e aos cônjuges e companheiros
enquanto perdurar a convivência.
No caso dos cônjuges e companheiros, o dever de assistência, que é
desdobramento do princípio jurídico da afetividade (e do princípio fundamental da
solidariedade que perpassa ambos), pode projetar seus efeitos para além da convivência, como
a prestação de alimentos e o dever de segredo sobre a intimidade e a vida privada.
A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, no mundo do ter liberal
burguês, reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão de afeto, pouco
importando o modelo que adote, inclusive o que se constitui entre um pai ou mãe e seus
filhos.
38
A afetividade, cuidada inicialmente pelos cientistas sociais, pelos educadores,
pelos psicólogos, como objeto de suas ciências, entrou nas cogitações dos juristas, que
buscam explicar as relações familiares contemporâneas. Essa virada de Copérnico foi bem
apreendida por Orlando Gomes: “O que há de novo é a tendência para fazer da affectio a
ratio única do casamento”.44 Não somente do casamento, mas de todas as entidades
familiares e das relações de filiação.
A força determinante da afetividade, como elemento nuclear de efetiva
estabilidade das relações familiares de qualquer natureza, nos dias atuais, torna relativa e, às
vezes, desnecessária a intervenção do legislador.
A afetividade é o indicador das melhores soluções para os conflitos familiares. Às
vezes a intervenção legislativa fortalece o dever de afetividade, a exemplo da Lei n.
11.112/2005 que tornou obrigatório o acordo relativo à guarda dos filhos menores e ao regime
de visitas, assegurando o direito à companhia e reduzindo o espaço de conflitos, e da Lei n.
11.698/2008, que determinou a preferência da guarda compartilhada, quando não houver
acordo entre os pais separados.
A doutrina jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do princípio da
afetividade em variadas situações do direito de família, nas dimensões: a) da solidariedade e
da cooperação; b) da concepção eudemonista; c) da funcionalização da família para o
desenvolvimento da personalidade de seus membros; d) do redirecionamento dos papéis
masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade; e) dos efeitos jurídicos da
reprodução humana medicamente assistida; f) da colisão de direitos fundamentais; g) da
primazia do estado de filiação, independentemente da origem biológica ou não biológica.
A concepção revolucionária da família como lugar de realização dos afetos, na
sociedade laica, difere da que a tinha como instituição natural e de direito divino, portanto
44
FABRIS, S. A. O Novo Direito de Família. Porto Alegre: [s.n.], 1984. p. 26.
39
imutável e indissolúvel, na qual o afeto era secundário. A força da afetividade reside
exatamente nessa aparente fragilidade, pois é o único elo que mantém pessoas unidas nas
relações familiares.
O afeto é a mola que alavanca ou o cordão que une a família rumo ao sucesso do
fim a que se propõe. Ligado à dignidade humana, o afeto é um direito que preserva o
indivíduo e o protege através da união familiar. Um ser humano nutrido neste sentido é um ser
realizado pessoalmente e socialmente. O afeto alcançou valor jurídico, tornando-o
incompatível com apenas um modelo de família ou o tradicional modelo histórico, margeando
a possibilidade, por exemplo, da adoção homoafetiva, preservando o “Princípio do Melhor
Interesse do Menor.”
Concluindo este entendimento podemos colocar em prática o que pensou Michele
PERROT (FARIAS, 2009)45: “O que se gostaria de conservar da família, no terceiro
milênio, são seus aspectos positivos: a solidariedade, a fraternidade, a ajuda mútua, os laços
de afeto e de amor”.
2.3 Princípio da Igualdade e o Respeito às Diferenças
Ao falar deste precioso princípio o que nos vem a mente é a famosa frase: “Somos
iguais, Somos diferentes.”
Percebemos que nossas diferenças em geral são ponto de intercessão, que nos une
na dicotomia formada pelos relacionamentos, laços de afetividade e as consequências
advindas da vida em sociedade.
Devemos, portanto, respeitar as diferenças, procurando igualizar e tentar
harmonizar as gritantes desigualdades perpetradas no mundo material, dada a diversidade de
45
FARIAS, C. C. D. Revista Persona. A família da pós-modernidade: em busca da dignidade perdida, 2009. Disponivel em: <http://www.revistapersona.com.ar/Persona09/9farias.htm#_ftn8>. Acesso em: 27 março 2014.
40
raça, cor, sexo, idioma, religião, posição econômica, política, ou das minorias excluídas do
processo social, intelectual, e de toda ordem.
Com a revolução provocada pela Constituição Federal de 1988, este princípio
insere mais uma inovação que cortou no cerne a vigência de inúmeros dispositivos legais do
Código Civil de 1916.
O artigo 226, § 5º, da Constituição Federal de 1988 traz plasmado que os direitos
e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher.
A isonomia conjugal estatuída na Carta Magna provocou a ira de alguns juristas
que veem na medida a desagregação conjugal como resultado.
Maria Helena DINIZ, como bem preceitua Melo46, no entanto, assevera que a
regulamentação instituída no aludido dispositivo acaba com o poder marital e com o sistema
de encapsulamento da mulher, restrita a tarefas domésticas e à procriação. Destaca que o
patriarcalismo não se coaduna com a época atual, em que grande parte dos avanços
tecnológicos e sociais está diretamente vinculados às funções da mulher na família e
referendam a evolução moderna, confirmando verdadeira revolução social.
Carlos Roberto (GONÇALVES, 2009)47 comenta que com esse princípio
desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de família é substituída por um sistema em
que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre conviventes ou entre marido e
mulher, pois os tempos atuais requerem que a mulher e o marido tenham os mesmos direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal.
Ainda, “a posteriori”, o Código Civil de 2002, abandonou a formulação antiga do
de 1916, assumindo sua constitucionalidade, segundo o que fora determinado a partir de 1988.
46 MELO, E. T. D. jus. Jus Navigandi, 2006. Disponivel em: <http://jus.com.br/artigos/9093/principios-constitucionais-do-direito-de-familia>. Acesso em: 05 abril 2014. 47 GONÇALVES, C. R. Direito Civil Brasileiro. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 2009. p. 9.
41
Corrigindo as distorções advindas de ultrapassada legislação, já revogadas em sua maioria
pelo advento da nova Constituição.
Na verdade, a evolução tecnológica muito contribuiu para a atualização da
legislação e correção de distorções que vitimavam as mulheres ao longo de séculos. No
entanto, a mulher conquistou esta isonomia quando saiu para o mercado de trabalho,
assumindo uma carreira, casa, filhos, e provando capacidade, não raro muito maior que a dos
homens, pois talento e capacidade não têm dependência com o sexo da pessoa, e a mulher
sofria com o preconceito e inferioridade em relação aos homens.
Ocorreu a partir daí uma nova redivisão sexual do trabalho, alterando a economia
doméstica e de mercado, influenciando também as noções e os limites do público e privado,
têm, aos poucos, dado à mulher um lugar de cidadã. A reivindicação da igualização de
direitos é reivindicação de um lugar de sujeito, inclusive de um “lugar social”.
Assim, ao ganhar independência financeira, e muitas vezes sustentar a família,
nela incluído o próprio marido, ora vítima do desemprego, ora de salário inferior ao da
esposa, conquistou a isonomia jurídica conjugal, pois a isonomia social ela já havia
conquistado.
A mulher assumiu por fim seu papel na moderna sociedade de não apenas com
uma função socialmente secundária, mas sim também, na condição de detentora de parcela de
responsabilidade nesta união.
No tocante a igualdade dos filhos, plasmado na Constituição Federal de 1988
(BRASIL), em seu artigo 227, § 6º; e repetido no Código Civil de 2002, nos artigos 1.596 a
1.629, e, ainda, decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana, iguala a condição
dos filhos havidos ou da relação do casamento, ou por adoção, não mais se admitindo
qualquer diferenciação entre eles.
O referido princípio não admite distinção entre os filhos legítimos, naturais e
42
adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão; permite o reconhecimento a
qualquer tempo de filhos havidos fora do casamento; proíbe que conste no assento do
nascimento qualquer referência à filiação ilegítima e veda designações discriminatórias.
Tida como correções de distorções, a igualdade trouxe consigo outro princípio, a
liberdade, assegurando a liberdade em sentido amplo, garante-se também as liberdades
individuais, cai a sujeição e entra em cena a compreensão e o respeito entre os envolvidos na
relação familiar, principalmente entre o marido e a mulher.
O velho conceito de autoridade patriarcal cai por terra e surge um novo conceito
de “administração” familiar, o conceito da solidariedade entre pais na educação dos filhos e
manutenção da família.
2.4 Princípio da Autonomia da Vontade e da Menor Intervenção Estatal
A autonomia da vontade é um dos componentes essenciais da proteção à liberdade
tutelada constitucionalmente aos indivíduos, ela incide no âmbito das escolhas individuais, na
esfera atribuída pelo Direito para auto-regulação das relações privadas. É, portanto um dos
princípios basilares do direito privado. É “a pedra angular do sistema civilístico” segundo o
douto. Luiz Edson (FACHIN, 1998)48.
De um modo geral, como diz Amaral (NETO, 1998)49, o direito fundamental à
autonomia privada tem como base a compreensão do “ser humano como agente moral,
dotado de razão, capaz de decidir o que é bom e o que é ruim para si, e que deve ter
liberdade para guiar-se de acordo com suas escolhas, desde que elas não perturbem os
48
FACHIN, L. E. O ‘aggiornament’ do direito civil brasileiro e a confiança negocial. In: FACHIN, L. E. Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 119. 49
NETO, F. D. S. A. A autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica. São Paulo: Revista de Direito Civil, 1998. p. 154.
43
direitos de terceiros.”
Deste modo, não cabe ao Estado, à coletividade ou a qualquer outra entidade
estabelecer os fins que cada indivíduo deve trilhar, os valores que deve crer, as atitudes que
deve tomar. Cabe a cada ser humano definir os rumos de sua vida, em conformidade com suas
opções subjetivas.
Esta é a ideia da autonomia privada, constituindo-se, assim, como um dos
elementos fundamentais do direito mais amplo de liberdade do indivíduo.
Para Daniel (SARMENTO, 2006)50, a ideia de autonomia privada, “está
indissociavelmente relacionada à proteção da dignidade da pessoa humana”, haja vista que
negar ao ser humano a capacidade de decidir autonomamente de que forma prefere viver,
quais projetos deseja buscar, quais as formas de conduzir a sua vida privada, é, de certa
forma, “frustrar sua possibilidade de realização existencial.”
Discute-se bastante sobre se o direito de família faz parte do direito público ou do
direito privado. O primeiro, por causa do interesse do Estado em preservar sua base que é a
família; o segundo, por causa da autonomia do homem para decidir sobre sua vida privada.
Na Constituição de 1988, em seu art. 226, estabelece que o Estado deve endereçar
proteção especial à família. Mas qual é o limite dessa proteção?
Sem dúvida, anda melhor aquele que se respalda no princípio da menor
intervenção estatal, pois o direito de família é genuinamente um ramo do direito privado.
O princípio da mínima intervenção estatal encontra substrato no texto
Constitucional de 1988, no seu art. 226, § 7.º, que diz: "Fundado nos princípios da dignidade
da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do
casal...". Por sua vez, o Código Civil, no art. 1.513, estatui que "É defeso a qualquer pessoa, de direito
público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família".
50
SARMENTO, D. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 46.
44
Como o já citado douto. Fachin, por Rodrigo da Cunha (PEREIRA, 2004a)51, em
posicionamento esclarecedor, leciona:
"Não se deve confundir, pois, esta tutela com poder de fiscalização e controle, de forma a restringir a autonomia privada, limitando a vontade e a liberdade dos indivíduos. Muito menos se pode admitir que esta proteção alce o Direito de Família à categoria de Direito Público, apto a ser regulado por seus critérios técnico-jurídicos. Esta delimitação é de fundamental importância, sobretudo para servir de freio à liberdade do Estado para intervir nas relações familiares".
É certo que a família merece proteção estatal. Porém, não porque é uma
instituição alicerce do Estado, mas porque é no seio familiar que o indivíduo encontra as
lições iniciais para se desenvolver salutarmente. Ou seja, o foco da proteção constitucional da
família é o ser humano (art. 226, § 8.º, CF/88).
Portanto, respeitar a autonomia privada do indivíduo é obrigação do Estado. Do
contrário se estaria, infringindo o macro princípio da dignidade da pessoa humana.
51
PEREIRA, R. D. C. Concubinato e união estável. 7ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004a. p. 111.
45
3. DA PLURALIDADE FAMILIAR
Como já afirmado anteriormente a família não segue mais um modelo pré-
estabelecido, ou auto imposto pela sociedade, na nova era que agora vivemos este campo foi
o que mais sofreu mutações. Principalmente quando vemos a globalização atingir todos os
cantos do planeta. Diferentes formas de ver a vida em sociedade, a miscigenação de raças e
culturas, dando nova cara dentro do próprio seio familiar.
Agora se faz possível saber com detalhes as culturas e formas de convivência em
cada parte do globo. Uma nova consciência tomou espaço entre as pessoas, deixando elas
para trás os moldes de vida clássicos para se adaptarem às mudanças e desafios que foram
brotando, até mesmo para obter os possíveis lucros destas mudanças.
E de acordo com GIDDENS52, entre as incontáveis mudanças que vem
ocorrendo, nenhuma é sentida de forma tão intensa, nem tão importante quanto aquelas que
se desenvolvem nas vidas pessoais dos seres humanos (sexualidade, casamento, nas formas
de expressão e de afetividade).
A psicóloga e terapeuta familiar Cristina de Oliveira (ZAMBERLAM,
2001)53 afirma que “nunca antes as coisas haviam mudado tão rapidamente para uma parte
tão grande da humanidade. Tudo é afetado: arte, ciência, religião, moralidade, educação,
política, economia, vida familiar, até mesmo os aspectos mais íntimos da vida – nada
escapa”. A partir daí decorrem, naturalmente, alterações nas concepções jurídico-sociais
vigentes no sistema.
As pessoas em geral não se adequam mais as formas antigas de convivência, e
permeia certa inquietação, “insatisfação”, saudável ou não, em que se busca e se quer
52
(Op. cit., 2003, p. 61) 53
ZAMBERLAM, C. D. O. Os novos paradigmas da Família contemporânea – Uma perspectiva interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 11.
46
alcançar e melhorar, isso de um modo geral, desde a ciência até as relações entre pessoas.
Nesse passo, conforme o avanço da tecnologia, científico e cultural, dele decorre,
inevitavelmente, a eliminação de fronteiras arquitetadas pelo sistema jurídico-social clássico,
abrindo espaço para uma família contemporânea.
Vê-se, assim, uma porta de passagem para uma nova dimensão, na qual “a família
deve ser um elemento de garantia do homem na força de sua propulsão ao futuro”. 54
Se impõe, agora, a necessidade de traçar um novo eixo fundamental da família,
não apenas em harmonia com a pós-modernidade, mas, também, em sintonia com os ideais
de coerência filosófica da vida humana.
A exemplo tem-se a afetividade que abriu para si grande caminho, tendo por si só
justificado uma gama de relacionamentos e possibilidades na sociedade atual. Reconhecida e
protegida pela Carta Magna de 1988, é presumida no âmbito da família, e bem recebida em
face dos que buscam o reconhecimento da união estável, hoje reconhecida também entre
casais do mesmo sexo.
Demonstrada essa nova feição familiar, necessariamente plural, aberta,
multifacetária e democrática, estampado está a mais importante missão do cientista do novo
tempo.
O grande desafio da pós-modernidade, no que tange ao aspecto familiar, é
identificar os caminhos que devem ser trilhados para a garantia de uma realização dos
objetivos originalmente almejados. (BILAC, 2000)55
Há de se ter em foco nesse panorama, que o problema a se descortinar em nossos
olhos (muitos ainda atônitos) não é mais o de reconhecer os novos modelos familiares, mas
sim, protegê-los. Ou seja, a grande questão que se opera é a proteção a ser conferida aos
54
FARIAS, C. C. D. Revista Persona. A família da pós-modernidade: em busca da dignidade perdida, 2009. Disponivel em: <http://www.revistapersona.com.ar/Persona09/9farias.htm#_ftn8>. Acesso em: 27 março 2014. 55
BILAC, E. D. “Família: algumas inquietações”. In: CARVALHO, M. D. C. B. D. A família contemporânea em debate. São Paulo: Cortez, 2000. p. 29.
47
novos modelos familiares e, por via oblíqua, aos cidadãos.
Com a lição precisa de Gustavo Tepedino, a preocupação central de nosso tempo
é com “a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da
proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo,
em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas
e intensas do indivíduo no social”. (TEPEDINO, 2008)56
Idealmente predominando como modelo familiar eudemonista, afirmando-se a
busca da realização plena do ser humano. Tendo-se, finalmente, que a família é o locus
privilegiado para garantia da dignidade humana a fim de se permitir a realização plena do ser
humano.
Deste modo, ainda em TEPEDINO, alerta que a noção conceitual de família se
amolda ao cumprimento de sua função social, renovando-se sempre como “ponto de
referência central do indivíduo na sociedade; uma espécie de aspiração à solidariedade e à
segurança que dificilmente pode ser substituída por qualquer outra forma de convivência
social”.
Por fim, se avulta afirmar, como conclusão lógica, que a família cumpre
modernamente um papel funcionalizado, devendo, efetivamente, servir como ambiente
propício para a promoção da dignidade e a realização da personalidade de seus membros,
integrando sentimentos, esperanças e valores, servindo como alicerce fundamental para o
alcance da felicidade.
3.1 Evolução ou Revolução da Família?
56
TEPEDINO, G. Temas de Direito Civil. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 326.
48
Com enfoque à análise de Anthony GIDDENS57, sobre as mudanças do último
século a partir da globalização, percebeu-se que está havendo entre nós e em diferentes
regiões e culturas uma revolução global no modo como pensamos, sobre nós mesmos e no
modo como formamos laços com as pessoas ao nosso redor, revolução esta que avança de
maneira desigual e com muitas resistências.
Em que não sabemos ao certo sobre o resultado que virá dessas transformações,
decorrendo daí inúmeras perturbações.
Muito embora seja possível nos desligar de certos problemas, não é tão fácil e
nem somos capazes de escapar dessa turbulência que atinge diretamente o cerne de nossas
vidas emocionais.
E são poucos os países do mundo em que não se está desenrolando uma intensa
discussão sobre a igualdade sexual, a relação da sexualidade e o futuro da família.
Conforme pesquisas realizadas, muitos desses casos controvertidos são nacionais
ou locais, tal como, suas reações sociais e políticas.
Porém, tais transformações vão muito além das fronteiras de qualquer país, até
mesmo nos Estados Unidos da América onde se encontram tendências paralelas quase em
toda parte.
Numa visão geral a família é percebida como um local para as lutas entre tradição
e modernidade, mas também é uma metáfora para elas próprias.
Aparentemente há muita nostalgia em torno do santuário perdido da família.
Tanto é que políticos e ativistas diagnosticam rotineiramente o colapso da vida da família e
clamam por um retorno à família tradicional. Pois se tem a ideia de que “a família tradicional
tem muito de uma categoria que tudo abrange.”
57
(op. cit. 2003, p. 61-75)
49
GIDDENS58 afirma haver diversos tipos diferentes de família e sistemas de
parentesco em diferentes sociedades e culturas. Mas que, mesmo assim, a família em culturas
não modernas teve, e tem alguns traços que se vê quase em todo lugar.
Em períodos passados a família era acima de tudo uma unidade econômica. Em
que a produção agrícola normalmente envolvia todo o grupo familiar, ao tempo que entre a
pequena nobreza e a aristocracia a transmissão da propriedade era a principal base do
casamento.
Na idade média, mais precisamente na Europa, o casamento não era contraído
com base no amor sexual, tampouco era visto como um lugar em que esse amor deveria
florescer. Com base em estudos históricos, não havia lugar para “frivolidade”, paixão,
“fantasia” no casamento daquele tempo.
A desigualdade entre homem e mulher era intrínseca à família tradicional. Na
Europa as mulheres eram propriedades de seus maridos ou pais, ou seja, bens móveis, na
forma definida pela lei. E essa desigualdade se estendia também à vida sexual. Fazendo-se aí
um duplo padrão sexual. Diretamente ligado à necessidade de assegurar a continuidade na
linhagem e na herança.
Durante a maior parte da história, os homens fizeram um amplo, e por vezes
bastante ostensivo, uso de amantes, cortesãs e prostitutas. Os mais ricos tinham aventuras
amorosas com servas. Mas os homens precisavam ter certeza de serem eles os pais dos filhos
de suas mulheres. Com isso, o que era exaltado nas moças respeitáveis era a virgindade e, nas
esposas, constância e fidelidade.
Na família tradicional tanto as mulheres quanto as crianças careciam de direitos.
Em períodos pré-modernos, como hoje nas culturas tradicionais, as crianças não eram criadas
no interesse delas próprias, mas na satisfação dos pais. Podendo-se praticamente dizer que
58
(op. cit. 2003, p. 63)
50
não eram reconhecidas como indivíduos. Não significando que os pais não amassem seus
filhos, mas importavam-se mais com a contribuição que eles davam para a tarefa econômica
comum do que com eles próprios.
Em relação à sexualidade na família tradicional, com exceção de certos grupos
cortesãos ou os de elite, esta sempre foi dominada pela reprodução. Era uma questão de
natureza e tradição combinadas. A ausência de contraceptivo eficaz significava que, para a
maior parte das mulheres, a sexualidade estava, de maneira inevitável, estritamente vinculada
ao parto.
Pelo que já anteriormente colocado, a sexualidade era dominada pela ideia de
virtude feminina. O que se entende pelo duplo padrão sexual na verdade foi central em todas
as sociedades não modernas que envolvia uma concepção dualista da sexualidade feminina,
que se fazia distinção entre a mulher virtuosa por um lado e a libertina por outro.
O aventureirismo sexual era considerado em muitas culturas um traço definidor
da masculinidade.
No que se refere às atitudes relacionadas à homossexualidade, por exemplo,
também eram governadas por um misto de tradição e natureza. Levantamentos
antropológicos mostram que o número de culturas que toleravam ou aprovavam abertamente
a homossexualidade – em especial a masculina – era maior do que as que proibiam. A citar
como exemplo, em algumas sociedades os meninos eram encorajados a estabelecer relações
sexuais com homens mais velhos como uma forma de instrução sexual. Mas se esperava que
tais atividades cessassem quando os rapazes ficassem noivos ou casassem.
As sociedades que foram hostis à homossexualidade em geral a condenaram
como antinatural. No ocidente as atitudes foram mais extremas que as da maioria; menos de
um século atrás a homossexualidade ainda era amplamente encarada como uma perversão e
assim descrita nos livros de psiquiatria.
51
Muito embora essa hostilidade em relação à homossexualidade ainda seja
difundida e a visão dualista das mulheres ainda seja sustentada tanto por homens quanto
mulheres, ao longo das últimas décadas os principais elementos da vida sexual no Ocidente
mudaram de maneira fundamental. A separação entre sexualidade e reprodução está a
praticamente completa.
Pela primeira vez a sexualidade é algo a ser descoberto, moldado, alterado. A
sexualidade, que costumava ser definida mais estritamente em relação ao casamento e à
legitimidade, agora não tem tanta conexão com eles. A partir deste ponto deveríamos ver a
crescente aceitação da homossexualidade não apenas como um tributo à tolerância liberal.
Ela é um resultado lógico da separação entre sexualidade e reprodução. A sexualidade que
não tem conteúdo deixa por fim de ser dominada pela definição de heterossexualidade.
Hoje nos países ocidentais o que a maioria de seus defensores chama de família
tradicional é na verdade uma fase tardia, transicional, que teve lugar no desenvolvimento da
família na década de 1950. Esta foi uma época em que a proporção de mulheres que saía para
trabalhar ainda era relativamente baixa e que continuava sendo difícil, em especial às
mulheres, obter o divórcio sem estigma. No entanto, homens e mulheres eram nessa época
mais iguais do que haviam sido anteriormente, tanto de fato quanto legalmente. A família
havia deixado de ser uma entidade econômica e o casamento passou a ser visto como
fundamento no amor romântico e não mais como contrato econômico. Desde então a família
mudou ainda mais.
Conforme estudos de GIDDENS59, os detalhes variam de uma sociedade para
outra, mas as mesmas tendências são visíveis em quase toda parte no mundo industrializado.
Hoje, só uma minoria vive no que se poderia chamar de família padrão da década de 1950
(ambos os pais morando juntos com os filhos nascidos do seu casamento, sendo a mãe uma
59
(Ibid. 2003, p. 67)
52
dona-de-casa em tempo integral e o pai assegurando o sustento).
Em alguns países, mais de um terço de todos os nascimentos ocorreu fora do
matrimônio, enquanto a proporção de pessoas que vivem sozinhas elevou-se verticalmente e
parece tender a crescer ainda mais.
Em todos os países percebe-se que continua existindo uma diversidade de formas
de família. Nos Estados Unidos da América, muitas pessoas, em particular imigrantes
recentes, ainda vivem segundo valores tradicionais. A maior parte da vida familiar, porém,
foi transformada pelo surgimento do casal informal e da união informal. O casamento e a
família tornou-se o que se pode chamar de “instituições casca”: Ou seja, ainda são chamados
pelos mesmos nomes, mas dentro deles seu caráter básico mudou. (Na família tradicional, o
unido pelo casamento era apenas uma parte, e com frequência não a principal, do sistema
familiar. Laços com filhos e com outros parentes tendiam ser igualmente importantes, ou até
mais, na condução diária da vida social). Hoje o casal, casado ou não, está no cerne do que é
a família. O casal passou a se situar no centro da vida familiar à medida que o papel
econômico da família declinou e o amor, ou o amor somado à atração sexual, se tornou a
base da formação dos laços de casamento.
Um casal, uma vez constituído, tem sua história própria e exclusiva, sua própria
biografia. É uma unidade baseada em comunicação ou intimidade emocional. A ideia de
intimidade, como tantas outras noções familiares discutidas soa antiga, mas, é na verdade
muito nova.
Nunca no passado o casamento se baseou na intimidade – na comunicação
emocional. Isso era importante para um bom casamento, mas não era o fundamento. Para o
casal, é. A comunicação é o meio de estabelecer o laço, acima de qualquer outro, e é a
principal base para sua continuação.
Tem-se aí a transição da família como unidade econômica para uma compreensão
53
igualitária, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros,
reafirmando uma nova feição, agora fundada no afeto, no amor romântico. Seu novo
balizamento evidencia um espaço privilegiado para que os seres humanos se complementem
e completem.
A ideia de relacionamento, por exemplo, é recente em que se proporcionam agora
uma descrição mais acurada da arena da vida pessoal que as de “casamento e família”. O fato
de se estar em um relacionamento é mais importante que o status de casado.
Antigamente, na década de 1960, ninguém falava de “relacionamentos”, naquela
época o casamento era o compromisso, como o atesta a existência do casamento forçado.
Na família tradicional, o casamento se assemelhava um pouco a um estado de
natureza. Tanto para homens quanto para mulheres, era definido como um estágio da vida
que se esperava que a ampla maioria atravessasse e aqueles que ficavam de fora eram
encarados com certo desprezo ou condescendência.
Embora o casamento ainda seja a condição normal, para a maioria das pessoas
seu significado se transformou quase completamente. O casamento significa que o casal está
vivendo uma relação estável, uma vez que envolve uma declaração pública de compromisso.
No entanto, ele não é mais a principal base definidora da união.
A posição das crianças em tudo isto, por exemplo, também mudou de modo
interessante e um tanto paradoxal. Na família tradicional, os filhos eram uma vantagem
econômica. Hoje nos países ocidentais, ao contrário, o filho representa um grande encargo
financeiro para os pais. A decisão de ter um filho é muito mais definida e específica do que
costumava ser, e é guiada por necessidades psicológicas e emocionais.
Agora são presentes os temores acerca do efeito do divórcio sobre os filhos e a
existência de muitas famílias sem pai a ser compreendidos contra o pano de fundo das
expectativas muito mais elevadas que se tem em relação ao modo como as crianças deveriam
54
ser cuidadas e protegidas.
O bom relacionamento é tido como um ideal, que muito tem a ver com a
democracia. Pensando assim se tem a democracia das emoções em que todos são iguais em
princípios, estando presente o respeito mútuo. E tendo o diálogo aberto como propriedade
essencial e em substituição ao poder autoritário.
GIDDENS60 vai dizer; “Uma democracia das emoções, ao que parece, é
exatamente tão importante quanto a democracia pública para o aperfeiçoamento da qualidade
de nossas vidas”.
Assim vão surgindo diversas perguntas. A mais obvia é concentrada nas
tendências que afetam a família nos países ocidentais: Irão as mudanças observadas no
Ocidente tornar-se cada vez mais globais? Parece que sim e já estão se tornando. Não se trata
de saber se as formas existentes de família tradicional vão se modificar, mas quando e como.
E mais ainda, o que foi dito como uma democracia emergente das emoções está na linha de
frente da luta entre cosmopolitismo e fundamentalismo antes descrito. A igualdade dos sexos
e a liberdade sexual das mulheres, que são incompatíveis com a família tradicional, são
anátema para os grupos fundamentalistas. A oposição a eles é, de fato, uma das
características definidoras do fundamentalismo por todo o mundo.
GIDDENS61 conclui que há muito que temer em relação ao estado da família, nos
países ocidentais e em outros. Em que não é possível fazer qualquer juízo de valor entre uma
forma antiga de família com a nova, até porque a persistência da família tradicional, ou seus
aspectos, em muitas partes do mundo é mais inquietante que seu declínio. Pois as mais
importantes forças promotoras da democracia e do desenvolvimento econômico nos países
mais pobres são precisamente a igualdade e a educação das mulheres.
60
(Id., 2003, p. 72) 61
(Id., 2003, p. 74)
55
Por fim GIDDENS62 afirma que necessário para que isso se torne possível, acima
de tudo, é a família tradicional. Em que a igualdade sexual não é apenas um princípio
essencial da democracia, mas acima de tudo, é relevante para a felicidade e a realização
pessoal.
E que muito embora essas mudanças que a família está experimentando sejam
problemáticas e difíceis, levantamentos feitos nos Estados Unidos da América e na Europa
mostram que poucos querem retornar aos papéis masculino e feminino tradicionais, ou à
desigualdade legalmente definida.
3.1.1 A Evolução Legislativa no Brasil63
No Brasil, o direito de família refletiu as condições e modelos sociais, morais e
religiosos dominantes em toda sociedade.
Destacando-se três grandes períodos sob o ponto de vista do ordenamento
jurídico:
I — do direito de família religioso, ou do direito canônico, que perdurou por
quase quatrocentos anos, que abrange a Colônia e o Império (1500- 1889), de predomínio do
modelo patriarcal;
II — do direito de família laico, instituído com o advento da República (1889) e
que perdurou até a Constituição de 1988, de redução progressiva do modelo patriarcal;
III — do direito de família igualitário e solidário, instituído pela Magna Carta de
1988.
No primeiro período, o direito de família era considerado matéria reservada ao
62
(Id.,2003, p. 74) 63
LÔBO, P. Direito Civil Famílias. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 40.
56
controle da Igreja Católica que era a religião oficial tanto na Colônia quanto no Império.
E que era imposta à Colônia por Portugal seu próprio ordenamento jurídico,
mediante as Ordenações do Reino - Afonsinas, Manuelinas e Filipinas - que por sua vez
remetiam ao direito canônico da Igreja Católica, em matéria de família.
Tal modelo normativo não se alterou com a proclamação da Independência,
apesar de a Constituição de 1824 ser inspirada pelos ideais iluministas e liberais da Revolução
Francesa.
A ideia de se editar um Código Civil que se estabelecia na Constituição imperial,
inaugurando assim o direito de família laico, nunca veio a acontecer, perdurando à
duplicidade jurídica.
O controle da família resultou de arranjo político histórico entre o Reino de
Portugal e a então poderosa Igreja Católica romana, definindo-se aí os âmbitos de poder.
Essa interferência religiosa na vida privada foi marcante na formação do homem
brasileiro, vindo a repercutir na dificuldade até hoje sentida da definição do que é privado e
do que é público, do sentimento generalizado de que a coisa pública e as funções públicas
seriam extensões do espaço familiar.
Conclui-se, portanto, que o Estado seria o agrupamento de famílias, daí entende-
se como normal que o interesse público estivesse a serviço dos interesses familiares
hegemônicos.
Esse traço resistente da nossa cultura foi bem demonstrado pelos nossos
estudiosos.
Como exemplo tem-se o poder político do senhor de engenho, que decorria da
força da família que comandava, como um senhor absoluto.
LÔBO64 ainda propõe sob o ponto de vista da família, mais do que casa-grande e
64
(Id., 2011, p. 41 -42)
57
senzala (conforme cita a obra de Gilberto Freyre), deveria se falar de casa-grande e capela,
pois era exatamente desta que defluía os fundamentos de sua legitimidade e,
consequentemente, do poder político. Com outro enfoque, importante destacar, que é em
torno das capelas e igrejas que se formaram os núcleos urbanos.
Para Nestor Duarte, o “privatismo característico da sociedade portuguesa”
encontrou, no meio colonial brasileiro, condições excepcionais para o fortalecimento da
organização familiar, “que se constitui a única ordem perfeita e íntegra que essa sociedade
conheceu”. A casa-grande era uma “organização social extraestatal, que ignora o Estado, que
dele prescinde e contra ele lutará”. A Igreja, portanto, era a única ordem que conseguia
preencher o vazio entre a família e o Estado no território da Colônia. (DUARTE, 1997)65
Não havia distinção clara entre as normas de direito público e as relações de
direito privado nas Ordenações Filipinas, tornando difícil a tarefa de identificação de um
conjunto normativo dirigido à família, posto que o direito canônico regulava a vida privada
das pessoas desde o nascimento à morte, conferindo a seus atos caráter oficial. Ou seja, os
atos e registros de nascimento, casamento e óbito eram da competência do sacerdote. E os
cemitérios estavam sob o controle da Igreja.
Com a intenção de pôr ordem à confusa legislação existente, em meados do século
XIX, o governo imperial encomendou e autorizou ao jurista Teixeira de Freitas a elaboração
da Consolidação das Leis Civis, cuja 1ª Seção destinou-se aos direitos pessoais nas relações
de família, “cujas partes são o casamento, o pátrio poder, e o parentesco; completando-se pela
instituição supletiva das tutelas, e a curatela”.
Em 1869, Lafayette Rodrigues Pereira, em seu clássico Direitos de família,
deplorava um direito “organizado com elementos tão inconsistentes, sobre a base de uma
legislação escrita insuficiente, acanhada e cheia de omissões”.
65
DUARTE, N. A ordem privada e a organização política nacional. Brasília: Ministério da, 1997. p. 64 - 89.
58
Após a proclamação da República, em meados de 1889, um dos primeiros atos do
então governo foi a subtração da competência do direito canônico sobre as relações familiares
que se tornaram seculares ou laicas. Já em relação ao matrimônio, o casamento no religioso
ficou destituído de qualquer efeito civil.
Enunciando, por conseguinte, em sua Constituição de 1891: “A República só
conhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita” (art. 72, § 4º). Com o intuito de
reduzir a interferência religiosa na vida privada, vindo a estabelecer também que os
cemitérios tivessem caráter secular, e que nenhum culto gozaria de subvenção pública e o
ensino ministrado nos estabelecimentos públicos seria leigo.
No decorrer do século XX, até a aprovação da Magna Carta de 1988, foi-se
progressivamente reduzindo o conteúdo de caráter despótico no direito de família brasileiro, e
das desigualdades ali consagradas. A família patriarcal foi gradativamente perdendo sua
consistência, na medida em que se esvaneciam seus sustentáculos, a saber, o poder marital, o
pátrio poder, a desigualdade entre os filhos, a exclusividade do matrimônio e o requisito de
legitimidade.
No campo legislativo, três grandes diplomas legais transformaram esse
paradigma:
a) a Lei n. 883/49, que permitindo o reconhecimento dos filhos ilegítimos e
conferindo-lhes direitos que até então lhes eram negados;
b) a Lei n. 4.121/62, conhecida como Estatuto da Mulher Casada, que retirou a
mulher casada da condição de subalternidade e discriminação em face do marido, e da triste
condição de relativamente incapaz;
c) a Lei n. 6.515/77, conhecida como Lei do Divórcio, que assegurou aos casais
separados a possibilidade de reconstituírem suas vidas, casando-se com outros parceiros,
rompeu de uma vez a resistente reação da Igreja, além de ampliar o grau de igualdade de
59
direitos dos filhos matrimoniais e extramatrimoniais.
No mundo ocidental, a partir da década de 70 do século passado ocorreram várias
mudanças no direito de família, em que o Brasil fez parte, havendo inegáveis convergências
nas soluções adotadas, principalmente na realização do princípio da igualdade entre os
cônjuges e entre os filhos de qualquer origem.
Surgiu desse processo transformador um direito de família que pouco tem em
comum ao anteriormente conhecido, tudo por conta da intensa evolução das relações
familiares.
Conforme dita os grandes doutrinadores, agora em especial Paulo Lôbo, nenhum
ramo do direito privado foi tão renovado quanto o direito de família, que antes era
caracterizado como o mais estável e conservador de todos.
Contudo, muito embora o crescente avanço da legislação, com enfoque à Lei do
Divórcio, ainda assim perduravam normas de tratamento desigual entre marido e mulher e
entre os filhos, além de permanecer a vedação às entidades familiares não matrimoniais.
Somente com o advento da Constituição de 1988, em capítulo dedicado às
relações familiares, que se consumou o término da longa história da desigualdade jurídica na
família brasileira, “podendo ser considerado um dos mais avançados dentre as constituições
de todos os países”.
A partir daí iniciou-se uma nova era, com normas concisas e verdadeiramente
revolucionárias, em que se proclamou definitivamente o fim da discriminação das entidades
familiares não matrimoniais, que passaram a receber tutela idêntica às constituídas pelo
casamento (caput do art. 226), a igualdade de direitos e deveres entre homem e mulher na
sociedade conjugal (§ 5º do art. 226) e na união estável (§ 3º do art. 226), a igualdade entre
filhos de qualquer origem, seja biológica ou não biológica, matrimonial ou não (§ 6º do art.
227).
60
E assim, se consolidou a natureza igualitária e solidária da família e das pessoas
que a integram.
Conforme di-lo Maria Berenice DIAS66:
“A constituição de 1988, lembrando Zeno VELOSO (2007, p. 3), num único dispositivo, espandou séculos de hipocrisia e preconceito. Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações. Essas profundas modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não recepcionados pelo novo sistema jurídico. Como lembra Luiz Edson FACHIN (2007, p. 83), após a Constituição, o Código Civil perdeu o papel de lei fundamental do direito de família.”
Após a Constituição, foram editados importantes diplomas legais, como o Estatuto
da Criança e do Adolescente de 1990, as leis sobre a união estável de 1994 e 1996, o Código
Civil de 2002 e o Estatuto do Idoso de 2003.
O Código Civil de 2002, cujo Projeto tramitou no Congresso Nacional durante
três décadas, sendo anterior inclusive à Lei do Divórcio, que é de 1977, deu tratamento
confuso ao direito de família, pois seu texto foi resultado de difícil conciliação entre dois
paradigmas opostos.
Porque o Projeto de 1969-1975 era uma versão melhorada do que prevaleceu no
Código Civil de 1916, fundado na família hierarquizada e matrimonial, no critério da
legitimidade da família e dos filhos, na desigualdade entre cônjuges e filhos, no exercício dos
poderes marital e paternal.
Enquanto o paradigma da Constituição de 1988 aboliu as desigualdades, os
poderes atribuídos ao chefe da família, o critério da legitimidade e a exclusividade do
66
(Ibid. 2007, p. 30-31)
61
matrimônio e privilegiando a dignidade da pessoa humana. A adaptação do texto originário do
Projeto ao paradigma constitucional implicou mudanças radicais, mas que deixaram resíduos
do anterior, impondo-se a constante hermenêutica de conformidade com a Constituição.
Daí as inúmeras de emendas que sofreu, tendo sido bombardeado por todos os
lados, conforme afirma Maria Berenice, vários projetos de lei procuraram corrigi-lo,
modificando, acrescentando ou suprimindo matérias, total ou parcialmente. A mais
significativa delas decorre da nova redação dada ao § 6º do art. 226 da Constituição pela
EC/66, de 2010, que extinguiu a separação judicial e os requisitos subjetivos ou objetivos para
a realização do divórcio, importando revogação da legislação ordinária que tratava dessas
matérias.
Assim, como conclui a douta. “o novo Código, embora bem-vindo, chegou velho.
Por isso, imprescindível é que os lidadores do direito busquem aperfeiçoá-lo: proponham
emendas retificativas, realizem quem sabe até verdadeiras cirurgias plástica, para que adquira
o viço que a sociedade merece. Mas mudar era preciso. Preferir que as coisas fiquem como
estão – postura tipicamente humana, pelo medo do novo – é mais fácil. De outro lado, criticar
sem nada acrescentar é atitude estéril que em nada contribui para que algo seja melhorado.”
3.2 Família monoparental, anaparental e reconstituída.
Tratada pelo artigo 226, §4º, da Constituição Federal, a família constituída por
somente um dos genitores e sua prole é uma muito comumente vista no Brasil, e é
denominada família monoparental, que segundo Bravo (2001) teve esta expressão
inicialmente utilizada na França, muito embora tenha recebido atenção especial desde a
década de 60 na Inglaterra, com a denominação ‘lone-parents families’.
Este tipo de família passou a ter maior visibilidade com o declínio do
patriarcalismo e da inserção da mulher no mercado de trabalho, tendo um expressivo número
62
da presença da mulher na titularidade do vínculo familiar. Importante ressaltar, que por
muitos anos a monoparentalidade era associada ao fracasso pessoal, pois antigamente essa
constituição decorria, quase que em geral, pelo rompimento do vínculo matrimonial.67
As pessoas que resolvessem optar por essa forma de constituição familiar eram
consideradas em situação marginal (LEITE, 2003)68.
Porém, hoje, é fatídico que se trata de uma escolha, seja pelo fim de um
relacionamento, seja por uma viuvez, seja pela opção de ter um filho sozinha ou sozinho ou
até mesmo pela vivência do pai com o filho.
Nas palavras de Maria Berenice DIAS69, basta haver diferença de gerações entre
um de seus membros e os demais e que não haja relacionamento de ordem sexual entre eles
para se ter configurada uma família monoparental. Não é a presença de menores de idade que
permite o reconhecimento da família como monoparental. A maioridade dos descendentes não
descaracteriza a monoparentalidade como família – é um fato social.
Ainda em Maria Berenice o fim dos vínculos afetivos com a prole ainda é o
principal gerador de monoparentalidade. Quando da separação dos pais, normalmente os
filhos ficam sob a guarda de um dos genitores, na maioria das vezes, na companhia da mãe.
De modo geral, ocorre uma transitoriedade entre duas situações. Num primeiro momento, há
família biparental constituída. A separação gera uma família monoparental, por exemplo, a
mãe fica com o filho. Num terceiro momento, essa mãe constitui nova família biparental, ou
por um segundo casamento, ou através de uma união estável (COSTA, 2002)70. Com a nova
união, forma-se a chamada família reconstituída. Nessa estrutura familiar, ainda que formada
por um casal e o filho de um deles, persiste sendo uma família monoparental. Ou seja, o poder
67 (op. cit. 2007, p. 193) 68 LEITE, E. D. O. Famílias Monoparentais. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 20. 69 (op. cit., 2007, p. 194) 70
COSTA, D. D. D. Família Monoparentais: reconhecimento jurídico. [S.l.]: [s.n.], 2002. p. 24.
63
familiar permanece com os pais. Nem o casamento, nem a constituição de união estável do
genitor que está com a guarda geram qualquer vínculo do filho com o novo cônjuge ou
companheiros. Modo expresso, o poder familiar é exercido sem qualquer interferência do
cônjuge ou companheiro (CC 1636).71
É possível também, esta modalidade familiar, através da adoção, por força de
expresso dispositivo do ECA, em seu art. 42, apesar de ser assunto inquietante para os
doutrinadores conservadores, entende-se que é preferível que a criança tenha apenas um pai
ou uma mãe do que ninguém para chamar de pai ou mãe.72 Com esse reconhecimento também
quebra-se as discriminações que existiam contra as famílias monoparentais.
Já no caso de mães solteiras Maria Berenice vai dizer que a igualdade não admite
negar a uma mulher o uso de técnicas de procriação assistida somente pelo fato de ser solteira.
Até porque o planejamento familiar é direito constitucionalmente assegurado (CF 226 § 7) e
não comporta limitações. Ao depois, está comprovado que o filho não tem seu
desenvolvimento prejudicado por ter sido gerado por inseminação artificial. O interesse da
criança deve ser preponderante, mas isso não implica concluir que não possa vir a integrar
família monoparental, desde que o genitor isolado forneça todas as condições necessárias para
que o filho se desenvolva com dignidade e afeto.73
Também os parceiros homossexuais, a quem a justiça começou a admitir o direito
à adoção, têm, cada vez mais, feito uso dos métodos modernos de inseminação artificial para
constituírem sua família. As lésbicas utilizavam o óvulo de uma que, fertilizado in vitro, é
implantado no útero da outra. A parceira que dá à luz não é a mãe biológica, mas acaba sendo
a mãe registral. Como o vínculo jurídico se estabelece exclusivamente com relação àquela que
procedeu ao registro, juridicamente trata-se de família monoparental, ainda que a criança viva
71
(op. cit., 2007, p.194) 72
(op. cit., 2007, p.195) 73
(op. cit., 2007, p. 196)
64
no lar com duas mães. Os gays igualmente utilizam técnicas reprodutivas para terem filhos.
Muitas vezes é colhido esperma de ambos, até para não saberem quem é o pai da criança que
irá nascer. Feita a fecundação em laboratório, faz o par uso do que se chama de “barriga de
aluguel”. Ainda que o filho tenha dois pais, o registro do filho é levado a efeito somente por
um dos genitores, constituindo-se assim, no plano jurídico, uma família monoparental.
Há, na verdade, uma grande vacatio legis em relação à possibilidade de se
constituir família por meio da reprodução assistida (SOARES, 2000)74. A única normatização
existente é do Conselho Federal de Medicina, (Resolução 1.358/92), que não impõe qualquer
limitação à mulher solteira. Se ela é casada ou vive em união estável, é necessária a
concordância do cônjuge ou do companheiro para submeter-se a procedimento reprodutivo.
Aliás, a própria lei (CC 1597) autoriza a formação da monoparentalidade ao permitir a
utilização do esperma do marido pré-morto na fecundação post mortem.
A família deste novo século não se define mais pela triangulação clássica pai, mãe
e filho, como lembra Maria Cláudia C. Brauner. O critério biológico, ligado aos valores
simbólicos da hereditariedade, deve ceder lugar à noção de filiação de afeto, de paternidade
social ou sociológica. (BRAUNER, 1998)75
Neste sentido conclui Giselda Hironaka: biológica ou não, oriunda do casamento
ou não, matrilinear ou patrilinear, monogâmica ou poligâmica, monoparental ou poliparental,
não importa. Nem importa o lugar que o indivíduo ocupe no seu âmago, é estar naquele
idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores e sentir-se, por isso,
a caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal.76
Dentro desta nova realidade familiar, não apenas um dos pais e seus descendentes
74
SOARES, S. B. B. Famílias Monoparentais. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 555.
75
BRAUNER, M. C. C. A monoparentalidade projetada e o direito do filho à biparentalidade. São Leopoldo: Estudos jurídicos, 1998. p. 140.
76
(op. cit. 2007, p. 197)
65
se caracterizam como família monoparental. Quando um tio assume a responsabilidade por
seus sobrinhos, ou um dos avós passa a conviver com os netos, caracteriza-se, também, uma
família monoparental. Diante disto deve, mais uma vez, ser valorizados os vínculos de afeto
existentes, merecendo essas realidades familiares igual proteção estatal.
Inexistindo essa hierarquia entre gerações e o convívio não dispõe de interesse
sexual, o vínculo familiar que se constitui é de outra natureza; chama-se família anaparental, a
família constituída somente pelos irmãos, pois inexiste diferença de graus de parentesco entre
seus membros. Tanto são prestigiadas tais relações de parentesco que os ascendentes e os
parentes colaterais têm preferência para serem nomeados tutores (CC 1731).
Como exemplo tem-se os casos que surgem com a morte dos genitores, bem
demonstrado na moderna jurisprudência:
ADOÇÃO PÓSTUMA. FAMÍLIA ANAPARENTAL. Para as adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam, o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição. Ademais, o § 6º do art. 42 do ECA (incluído pela Lei n. 12.010/2009) abriga a possibilidade de adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante no curso do respectivo procedimento, com a constatação de que ele manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar. In casu, segundo as instâncias ordinárias, verificou-se a ocorrência de inequívoca manifestação de vontade de adotar, por força de laço socioafetivo preexistente entre adotante e adotando, construído desde quando o infante (portador de necessidade especial) tinha quatro anos de idade. Consignou-se, ademais, que, na chamada família anaparental – sem a presença de um ascendente –, quando constatados os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, § 2º, do ECA. Esses elementos subjetivos são extraídos da existência de laços afetivos – de quaisquer gêneros –, da congruência de interesses, do compartilhamento de ideias e ideais, da solidariedade psicológica, social e financeira e de outros fatores que, somados, demonstram o animus de viver como família e dão condições para se associar ao grupo assim construído a estabilidade reclamada pelo texto da lei. Dessa forma, os fins colimados pela norma são a existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que pode gerar para o adotando. Nesse tocante, o que informa e define um
66
núcleo familiar estável são os elementos subjetivos, que podem ou não existir, independentemente do estado civil das partes. Sob esse prisma, ressaltou-se que o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar a noção plena apreendida nas suas bases sociológicas. Na espécie, embora os adotantes fossem dois irmãos de sexos opostos, o fim expressamente assentado pelo texto legal – colocação do adotando em família estável – foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si como para o infante, e naquele grupo familiar o adotando se deparou com relações de afeto, construiu – nos limites de suas possibilidades – seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e emocionais, encontrando naqueles que o adotaram a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social de que hoje faz parte. Dessarte, enfatizou-se que, se a lei tem como linha motivadora o princípio do melhor interesse do adotando, nada mais justo que a sua interpretação também se revista desse viés. REsp 1.217.415-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/6/2012. (CEIJ, 2006)77 CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VALIDADE. ADOÇÃO CONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMILIA ANAPARENTAL. POSSIBILIDADE. Ação anulatória de adoção post mortem, ajuizada pela União, que tem por escopo principal sustar o pagamento de benefícios previdenciários ao adotado - maior interdito -, na qual aponta a inviabilidade da adoção post mortem sem a demonstração cabal de que o de cujus desejava adotar e, também, a impossibilidade de ser deferido pedido de adoção conjunta a dois irmãos. A redação do art. 42, § 5º, da Lei 8.069/90 - ECA -, renumerado como § 6º pela Lei 12.010/2009, que é um dos dispositivos de lei tidos como violados no recurso especial, alberga a possibilidade de se ocorrer a adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e a constatação de que este manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar.
Para as adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição.
O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta, buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores sociais, receber e dar amparo nas horas de dificuldades, entre outras necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas suas
77
CEIJ. Súmulas e Jurisprudências. CEIJ, 2006. Disponivel em: <http://www.tjsc.jus.br/infjuv/leg_jurisprudencia.htm>. Acesso em: 13 março 2014.
67
diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade.
A existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela norma e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas.
Restringindo a lei, porém, a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim perseguido pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que ofende o senso comum e reclama atuação do interprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei.
O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos familiares.
O fim expressamente assentado pelo texto legal - colocação do adotando em família estável - foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto, até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si, como para o então infante, e naquele grupo familiar o adotado se deparou com relações de afeto, construiu - nos limites de suas possibilidades - seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e emocionais, em suma, encontrou naqueles que o adotaram, a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social que hoje faz parte.
Nessa senda, a chamada família anaparental - sem a presença de um ascendente -, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, §2, do ECA.
Recurso não provido. (REsp 1217415 / RS RECURSO ESPECIAL 2010/0184476-0, 19/06/2012, Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) (Jus Brasil, 2010)78
Em geral as famílias monoparentais têm estrutura mais frágil. Acabam arcando
com encargos redobrados, pois além dos cuidados com o lar tem o dever e cuidado da prole,
sem contar, a necessidade de buscar meios de prover o sustento da família. Assim, imperioso
que o Estado atenda a tais peculiaridades e dispense proteção especial a esses núcleos
78
JUS Brasil. Jus Brasil, 2010. Disponivel em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22271895/recurso-especial-resp-1217415-rs-2010-0184476-0-stj/inteiro-teor-22271896>. Acesso em: 20 março 2014.
68
familiares. É necessário privilegiá-los por meio de políticas públicas.
Vale destacar que a jurisprudência passou a reconhecer as famílias monoparentais
como merecedoras das benesses da impenhorabilidade do bem de família.79
“EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI 8009/90.IMPENHORABILIDADE. MORADIA DA FAMILIA. IRMÃOS SOLTEIROS. OS IRMÃOS SOLTEIROS QUE RESIDEM NO IMOVEL COMUM CONSTITUEM UMA ENTIDADE FAMILIAR E POR ISSO O APARTAMENTO ONDE MORAM GOZA DA PROTEÇÃO DE IMPENHORABILIDADE, PREVISTA NA LEI8009/90, NÃO PODENDO SER PENHORADO NA EXECUÇÃO DE DIVIDA ASSUMIDA POR UM DELES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” (STJ. REsp 159851/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/1998, DJ 22/06/1998 p. 100). (STJ, 1998)80
Outrossim, para Maria Berenice Dias, a família anaparental é, como já
anteriormente conceituada, “[...] a convivência entre parentes, ou entre pessoas, ainda que não
parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito”, ou seja, ela não atribui o
conceito de família anaparental a qualquer convivência, pois um dos requisitos é que haja uma
identidade de propósito, vale dizer, que seja efetivamente a de constituir uma família, que
possua assistência mútua material e emocional.
E não só da parentalidade decorre a família anaparental, mas também da
convivência de pessoas, do mesmo sexo ou não, que, sem conotação sexual, vivem como se
família fossem. A exemplo de duas amigas aposentadas que resolveram compartilhar um
mesmo lar, e que, vivendo juntas por muitos anos, dividem alegrias e tristezas, e pelo esforço
mútuo acabam por adquirir bens na constância da convivência.
O Estado, similarmente ao que ocorre com a família composta pelos irmãos, não a
79 (op. cit. 2007, p. 197 – 198) 80
STJ. RESP 159851/SP, R. M. R. R. D. A. Q. T. J. E. 1. D. 2. P. 1. STJ. STJ, 1998. Disponivel em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?id=215969>. Acesso em: 13 abril 2014.
69
vê como uma entidade familiar. Mas não há como negar que essa união, bem como a existente
na família formada pelos irmãos, são sim, entidades familiares, afinal, todos os pressupostos
para se configurar uma família em ambas se fazem presentes.
Ademais, verifica-se nessa o elemento principal, que é o afeto e o carinho como
bases de sua constituição. E a família, para assim ser entendida, não precisa possuir aquela
estrutura clássica formada biologicamente por pai, mãe e filhos, hoje, as famílias não possuem
mais um molde pré-definido; eles vivem com amigos, primos, tios, enfim, vivem com aqueles
que melhor lhe proporcionem os meios para alcançar a realização pessoal, vivendo uma vida
digna, plena e feliz, o que, afinal, é o fim precípuo da família, e, alcançado este, é ela também
uma entidade familiar, merecedora da proteção especial do Estado.
Assim, necessário que estejam presentes os requisitos formadores de família, em
que se evidenciava o apoio mútuo, o respeito e o afeto. Havendo harmonia, onde todos os
componentes da família tenham uma vida digna e feliz, o Estado deverá proteger.
A aglomeração de pessoas que possuem todos estes requisitos é uma família
merecedora de proteção estatal, assim, não há como negar que a família anaparental é digna
de ser elevada a posição de entidade familiar. Pois nesta há a preservação e o respeito à
dignidade humana dos seus componentes em todos os aspectos, e primordialmente, o
elemento afetividade, que independentemente de laços consangüíneos, estes se mantém
unidos não pela obrigatoriedade, mas pelo afeto de uns para com os outros, sendo, portanto, o
elemento caracterizador da família anaparental.
E do reconhecimento desta, os integrantes que a formam passariam a auferir
outros direitos, tais como figurar na sucessão hereditária dos bens que onerosamente a
convivente sobrevivente ajudou na aquisição, isso no caso das duas amigas; já quanto ao
exemplo dos irmãos, o irmão sobrevivente seria chamado a suceder em concorrência com os
ascendentes que o de cujus possa vir a ter.
70
E passam também a ter o direito aos alimentos, que decorre da solidariedade
familiar, de sangue, bem como dos laços da afetividade, passando os ex-conviventes a figurar
entre os legitimados primeiros a prestar alimentos, quando o outro comprovadamente
demonstrar a necessidade pelo auxílio do outro.
A família anaparental assim como qualquer outra das alencadas no rol do artigo
226 da Constituição Federal, busca construir uma história, uma família que zela por valores
maiores, como a alegria, o amor, o apoio e o afeto entre seus componentes, garantindo uma
vida digna aos seus membros, o que certamente a faz merecedora de ser protegida pelo Estado
e digna do título de entidade familiar.
3.2.1 O Princípio da Monogamia X Relações Concomitantes
Conforme ideologia tradicional tem-se o seguinte entendimento:
“(...) o elemento basilar da sociedade não é o indivíduo, mas sim a entidade familiar monogâmica, parental, patriarcal, Isto é, a tradicional família romana, que veio a ser recepcionada pelo cristianismo medieval, que reduziu a entidade familiar à família nuclear e consagrou como família-modelo a Sagrada Família: pai (José). Mãe (Maria) e filho (Jesus).” (BARROS, 2001)81
“Em todos os países em que domina a civilização cristã, a família tem base estritamente monogâmica, que, no dizer de Clóvis, é o modo de união conjugal mais puro, mais conforme os fins culturais da sociedade e mais apropriado à conservação individual, tanto para os cônjuges como para a prole. A monogamia constitui a forma natural de aproximação sexual da raça humana.” (MONTEIRO, 2001)82
Dentre os deveres inerentes ao casamento e à união estável há a figura da
fidelidade, sendo utilizada no ocidente como distinção terminológica para o propósito 81
BARROS, S. R. Matrimônio e patrimônio. 8ª. ed. Porto Alegre: Revista Brasileira de Direito de Família, 2001. p. 8. 82
MONTEIRO, W. D. B. Curso de direito civil. 36ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 54.
71
monogâmico das relações afetivas, conforme esclarece a professora Patrícia Fontanella, sendo
a expressão “fidelidade” utilizada para identificar os deveres do casamento, enquanto na união
estável utiliza-se a “lealdade”, e incontroverso o seu sentido único que se concerne num
comportamento moral e fático dos amantes casados ou conviventes, que têm o dever de
preservar a exclusividade das suas relações como casal. (FONTANELLA, s/d)83
Conforme preceitua o disposto no artigo 1566, inciso I do Código Civil (Brasil,
2013): “São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca;” e em seu artigo 1724,
no que tange à união estável: “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos
deveres de lealdade, (...)”.
Importante, ainda, destacar o artigo 1.521, VI, do mesmo diploma legal, que prevê
que as pessoas unidas por vínculo matrimonial encontram-se impedidas de celebrar outro
casamento.
No que tange à união estável, o legislador, no artigo 1.723, § 1°, adota a
mesma regra, ao estabelecer que "a união estável não se constituirá se ocorrerem os
impedimentos do art. 1521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso da pessoa
casada se achar separada de fato ou judicialmente".
Com observância à ressalva contida na última parte da norma, acaba permitindo o
reconhecimento de união estável nos casos de separação judicial ou de fato.
Está claro que o objetivo real é evitar a ocorrência de envolvimentos
concubinários concomitantes ao efetivo gozo do casamento ou da união estável, e não a tutela
do matrimônio per si. Mas em contrapartida ao que foi demonstrado, e à medida que o tempo
passa, vemos inúmeros casos de famílias paralelas, trazendo ao meio social diversas
polêmicas a serem esclarecidas, reguladas e amparadas pelo Estado.
A exemplo temos o caso do famoso funkeiro Mr Catra, que conforme bastante 83
FONTANELLA, P. Scribd. União Estável e Concubinato: A doutrina e jurisprudência, s/d. Disponivel em: <http://pt.scribd.com/doc/189385873/Uniao-Estavel-e-Concubinato-1>. Acesso em: 05 maio 2014.
72
noticiado em várias emissoras televisivas e pela internet, possui 4 famílias, 21 filhos de 14
mulheres diferentes. E que, em entrevista ao site “iG” conta como é o dia a dia com as
mulheres e ainda afirmava que na verdade seriam 23 filhos, posto que naquela data em agosto
de 2012, duas de suas mulheres estavam grávidas. (BESSA, 2012)84
Assim, nos cabe elucidar sobre o que diz a doutrina sobre o tema: Lobo85, em seu
estudo sobre a nova principiologia, vem dizer que o tradicional princípio da monogamia, é de
origem canônica e vicejou no mundo ocidental acabou perdendo a qualidade de princípio
geral ou comum, em virtude do fim da exclusividade da família matrimonial. Persistindo
como princípio específico, apenas aplicável à entidade familiar constituída pelo matrimônio.
Para Maria Berenice DIAS a monogamia não se trata de um princípio de direito
estatal de família, mas de uma “regra restrita à proibição de múltiplas relações
matrimonializadas, constituídas sob a chancela do Estado”.86
E que mesmo havendo recriminação expressa na lei à quem descumpre o dever de
fidelidade, não há como considerar a monogamia como princípio constitucional, já que a
própria Constituição não a contempla.
Ainda para DIAS a Constituição ao contrário do que idealiza a lei civil e penal
acaba por tolerar a traição, tanto é que não permite que os filhos se sujeitem a qualquer
discriminação, mesmo em se tratando de prole nascida de relações adulterinas ou incestuosas.
Para o Estado é importante e há o interesse na mantença da estrutura familiar,
chegando ao ponto de proclamá-la base da sociedade. E é exatamente por isso, que a
monogamia é considerada função ordenadora da família.
Mas essa monogamia, conforme o entendimento da douta., só se aplica às
84 BESSA, P. iG - delas. iG, 2012. Disponivel em: <http://delas.ig.com.br/amoresexo/2012-08-16/mr-catra-e-a-poligamia-minhas-esposas-e-que-deveriam-arrumar-mulher-para-mim.html>. Acesso em: 01 junho 2014. 85 (op. cit., 2009, p. 03) 86 (op. cit., 2007, p. 58)
73
mulheres, já que no seu entendimento não foi, esta instituída em favor do amor, mas sim
sendo “mera convenção decorrente do triunfo da propriedade privada sobre o estado
condominial primitivo.”87
E continua, “a uniconjugalidade não passa de um sistema de regras morais, de
interesses antropológicos, psicológicos e jurídicos, embora disponha de valor jurídico.”
No preceito monogâmico considera-se crime a bigamia, conforme disposto no
artigo 235, do Código Penal, e como já exposto anteriormente as pessoas casadas são
impedidas de casar, em caso de violação torna imperativa a anulação do casamento, conforme
disposto no artigo 1548, II, do Código Civil.
Importante ressaltar que é anulável a doação feita pelo adúltero a seu cúmplice,
conforme artigo 550, Código Civil. E a infidelidade é usada como fundamento para a ação de
separação, já que é caracterizada violação severa aos deveres do casamento, tornando
insuportável a vida em comum, artigo 1572, do Código Civil, de modo a, por si só, comprovar
a impossibilidade de comunhão de vida (artigo 1573, I, Código Civil).
Percebe-se o esforço do legislador em não emprestar efeitos jurídicos às relações
não eventuais entre homem e a mulher impedidos de casar, chamando-as de concubinato,
artigo 1727, Código Civil.
Todavia, LOBO88 esclarece que até mesmo em relação ao matrimônio, esse
preceito tem sido atenuado pelos fatos da vida, na medida em que o direito brasileiro tem
admitido efeitos de família ao concubinato.
Para Maria Berenice DIAS89 elevar a monogamia ao status de princípio
constitucional autoriza que se chegue a resultados desastrosos. Pois se da ocorrência de
relações simultâneas, se deixar de emprestar efeitos jurídicos a um ou a ambos os
87
(op. cit., 2007, p. 58) 88
(op. cit. 2009, p. 03) 89
(op. cit. 2007, p. 59)
74
relacionamentos, “sob o fundamento de que foi ferido o dogma da monogamia, acaba
permitindo o enriquecimento ilícito exatamente do parceiro infiel. Resta ele com a totalidade
do patrimônio e sem qualquer responsabilidade para com o outro.” Ainda para a douta., esta
solução que vem sendo apontada pela doutrina e aceita pela jurisprudência acaba por afastar o
princípio primordial da dignidade da pessoa humana, chegando a um resultado que acaba por
afrontar a ética.
Por fim tem-se as palavras de PEREIRA90
“Não há dúvida de que o concubinato (adulterino) fere o princípio da monogamia, bem como a lógica do ordenamento jurídico ocidental e em particular o brasileiro. O mais simples e elementar raciocínio nos faz concluir isto. Aliás, é somente por causa desse princípio que foi possível à doutrina e jurisprudência construírem um pensamento para o concubinato não-adulterino e traze-lo para o campo do Direito de Família. Até que isto ficasse definitivamente esclarecido (Lei 8.971/94), fomos obrigados a conviver com os ridículos pedidos de indenização por serviços prestados, que era uma fórmula camuflada de se conceder alimentos, já que a união estável/concubinato não estava no elenco das fontes da obrigação alimentar e uma base principiológica para o Direito de Família não estava suficientemente assentada e forte como está hoje e a cada dia mais. Mas, se o fato de ferir este princípio significar fazer injustiça, devemos recorrer a um valor maior que é o da prevalência da ética sobre a moral para que possamos aproximar do ideal de justiça [...]. Ademais, se considerarmos a interferência da subjetividade na objetividade dos atos e fatos jurídicos, concluiremos que o imperativo ético passa a ser a consideração do sujeito na relação e não mais o objeto da relação. Isto significa colocar em prática o que disse antes, ou seja, que o Direito deve proteger a essência e não a forma, ainda que isto custe "arranhar" o princípio jurídico da monogamia.”
3.3 Relações Extraconjugais x O recém chegado chamado “Poliamor
Conforme já anteriormente afirmado, com a Constituição de 1988 o princípio da
afetividade, embora implícito, possui inestimável valor jurídico e com esse novo quadro
jurídico-social tornou-se figura basilar para a definição e abrangência de proteção de direitos
no campo do Direito das famílias.
90
(Ibid. 2004, p. 88)
75
Pode-se apontar o afeto como o principal fundamento das relações familiares
contemporâneas, e até mesmo como decorrência do princípio da dignidade humana.
Também, como já demonstrado, o vínculo familiar do último século se tornou
mais afetivo do que biológico, e assim tem-se visto formar diferentes tipos de relações desde
as de amizade até as mais íntimas, com intuito à constituição de vínculos de familiares.
O princípio do pluralismo das entidades familiares, guiado pelo princípio da
afetividade e pelo macro princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no texto
constitucional, em que o Estado reconhece a existência de possibilidades de arranjos
familiares variados, com base nos vínculos de afeto, percebe-se a possibilidade de relações
familiares simultâneas.
Trata-se de uma realidade deixada à margem do ordenamento jurídico e que foi
condenada à invisibilidade por muitos anos. Mas que, no entanto, acaba por assegurar
privilégios injustos e enriquecimento ilícito, em total afronta à ética que deve permear o
Direito de Família.
Em face desse quadro fático vem ganhando relevância para o Direito a teoria
psicológica do poliamorismo ou poliamor (tradução do termo em inglês polyamory), a qual
admite a possibilidade de coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas, em que
seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta.
A exemplo tem-se o caso publicado na internet, conforme se depreende abaixo, da
ocorrência de
“Um homem e duas mulheres, que viviam em união estável em Tupã, no interior de São Paulo, tiveram a relação reconhecida por uma escritura pública de união poliafetiva. Os três tinham interesse em declarar a situação publicamente para garantir seus direitos. Como não havia
76
impedimento legal, a declaração foi lavrada.” (Último Segundo, 2012)91
Na escritura ficou registrado da seguinte forma, também como aponta o noticiário:
“Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade.”92
De acordo com a psicóloga Noely Montes (MORAES, 2007)93
“a etologia (estudo do comportamento animal), a biologia e a genética não confirmam a monogamia como padrão dominante nas espécies, incluindo a humana. E, apesar de não ser uma realidade bem recebida por grande parte da sociedade ocidental, as pessoas podem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo.”
Já nas palavras do professor Pablo STOLZE (GAGLIANO, 2012):
“O poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta”94
Esse tipo de união pode vir a ser designado de diversas formas, ou seja,
‘poliafetiva’, ‘plúrima’, ‘concomitante’, ‘paralelismo afetivo’, ‘poliafeto’ ou ‘poliamorismo’,
91
ÚLTIMO Segundo. iG, 2012. Disponivel em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2012-08-23/uniao-afetiva-entre-tres-pessoas-e-reconhecida-em-tupa-no-interior-de-sao-paulo.html>. Acesso em: 01 junho 2014.
92
(Id. ÚLTIMO Segundo. iG, 2012) 93MORAES, N. M. O Fim da Monogamia? Galileu, p. 41, Outubro 2007. 94
GAGLIANO, P. S. Direitos da (o) amante - na teoria e na prática (dos Tribunais). Juris Way, 2012. Disponivel em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=9383>. Acesso em: 24 maio 2014.
77
mas que buscam definir um mesmo fenômeno social - da existência de vínculo afetivo entre
três ou mais pessoas, que formam uma unidade familiar, baseada no ideal de felicidade
pessoal de seus participes.
Na visão da douta Maria Berenice DIAS95 sobre o caso, “é preciso reconhecer os
diversos tipos de relacionamentos que fazem parte da nossa sociedade atual. Temos que
respeitar a natureza privada dos relacionamentos e aprender a viver nessa sociedade plural
reconhecendo os diferentes desejos.”
Para ela não há problemas em se assegurar direitos e obrigações a uma relação
contínua e duradoura, só por que ela envolve a união múltipla.
“O princípio da monogamia não está na constituição, é um viés cultural. O código civil proíbe apenas casamento entre pessoas casadas, o que não é o caso. Essas pessoas trabalham, contribuem e, por isso, devem ter seus direitos garantidos. A justiça não pode chancelar a injustiça”96
Com entendimento similar o advogado Erick Wilson (PEREIRA, 2012)97 afirma
inexistir qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade na referida relação afetiva triangular,
mostrando-se idônea a escritura lavrada na cidade de Tupã, interior do estado de São Paulo.
Dentre outros casos em defesa da viabilidade de união estável poliafetiva, tem-se também o
da advogada Ivone (ZEGER, 2012)98 que se manifestou ponderando sobre a necessidade de se
repensar acerca dos novos arranjos familiares.
95
DIAS, M. B. Notícias. IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2012. Disponivel em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/4862/novosite>. Acesso em: 01 junho 2014.
96
TARTUCE, F. Professor Flávio Tartuce - Direito Civil. professorflaviotartuce.blogspot, 2012. Disponivel em: <http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2012/08/escritura-publica-de-tupa-reconhece.html>. Acesso em: 01 junho 2014.
97
PEREIRA, E. W. Consultor Jurídico. ConJur, 2012. Disponivel em: <http://www.conjur.com.br/2012-ago-26/advogado-uniao-poliafetiva-nao-inconstitucional>. Acesso em: 01 junho 2014. 98 ZEGER, I. Consultor Jurídico. ConJur, 2012. Disponivel em: <http://www.conjur.com.br/2012-nov-01/ivone-zeger-unioes-poliafetivas-sinalizam-reviravolta-conceito-familia>. Acesso em: 01 junho 2014.
78
Carlos Eduardo Pianovski (RUZIK, 2005) ensina que
“a monogamia não é um princípio do direito estatal da família, mas uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, constituídas sob a chancela prévia do Estado. No entanto, descabe realizar um juízo prévio e geral de reprovabilidade contra formações conjugais plurais não constituídas sob sua égide. Isso não significa, porém, que alguém que constitua famílias simultâneas, por meio de múltiplas conjugalidades, esteja, de antemão, alheio a qualquer eficácia jurídica. Principalmente, quando a pluralidade é pública e ostensiva, e mesmo assim ambas as famílias se mantêm íntegras, a simultaneidade não é desleal.”99
Voltando ao veiculado caso noticiado na internet, e com raízes no instituto da
união estável, foi demonstrado que a tal escritura estabelece um regime patrimonial de
comunhão parcial, análogo ao regime da comunhão parcial de bens estabelecido nos artigos
1.658 a 1.666 do Código Civil Brasileiro.
Assim percebemos a dificuldade da lei quando da sua abrangência aos casos que
permeiam na sociedade.
3.4 Família Paralela
Nessa esteira, estão evidentes como as mudanças do último século são de um
avanço galopante no cerne da complexidade das relações em geral.
Cumpre-nos esclarecer, portanto, alguns pontos pertinentes a cerca da família
paralela. Mesmo que o tema possa parecer antipático diante dos olhos de uma gama de
pessoas, devido à tradição religiosa.
Sabemos que a presença de outros tipos de convivência familiar sempre existiu na
sociedade brasileira, mesmo na época dos patriarcas coloniais.
99
RUZIK, E. P. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 221.
79
Aos olhos de Pianovski a diferença daquelas para as de hoje “está na mudança do
status social que essas formações familiares adquiriram no século XX. Tornando comuns as
famílias informais, fundadas em uniões não matrimonializadas, fato social que trouxe novas
demandas ao sistema jurídico”, conforme já discorrido em tópicos anteriores100
Pertinente, portanto, é discorrer a cerca do triangulo formado a partir do
casamento e da união estável, embora existam outras formas de famílias.
Primeiramente é importante deixar clara a diferenciação entre os dois institutos,
de acordo com a norma legal:
Com previsão no § 1.º, do art. 226, da Constituição Federal de 1988, o casamento é conforme descreve Silvio Rodrigues "(...) o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência". (RODRIGUES, 2004)101
Já em relação à União estável, este bem descrito no Código Civil de 2002 e com
base na Carta Magna, "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e
a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o
objetivo de constituição de família" (art. 1.723).
E como já devidamente discorrido, o casamento e a união estável, equiparados em
direitos e deveres pelo Código Civil de 2002, tem como característica histórica, jurídico-
sociológico, de bases reconhecidas na monogamia.
Mas ao contrário do que prevê o texto legal vem sendo comum a ocorrência de
famílias simultâneas, que fica caracterizada quando o cônjuge ou companheiro mantém,
paralelamente à sua família legalmente constituída, outra família.
100
(op. cit. 2005, p.131) 101
RODRIGUES, S. Direito civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 19.
80
Nas palavras de Letícia (FERRARINI, 2010)102, “a ideia presente ainda hoje é no
sentido de conceber essas relações como estritamente adulterinas”, reprovadas e ainda
generalizadas, ignoradas no seu núcleo contextual.
Ainda na visão de FERRARINI103 as relações familiares paralelas ao casamento
ou a união estável são caracterizadas por um triângulo amoroso, onde o marido ou
companheiro é “vitimizado”, a esposa ou companheira é “santificada” e a “outra” é
“satanizada”.
Em outras palavras o infiel acaba sendo “premiado” com seu patrimônio
resguardado, enquanto a mulher que se dedica a ele, a “concubina”, ou “amante”, é
desmerecida de qualquer direito reconhecido, além de sofrer ao repúdio social.
E é esse o panorama que abarrota o judiciário, de casos similares, nas varas de
família de todo o país.
Em face dessa realidade vê-se a doutrina e jurisprudência paulatinamente tratando
das famílias paralelas de forma mais razoável, em consonância com os princípios que
norteiam o Direito de Família, mas ainda assim, longe de definição concreta e de fato justa.
A moderna doutrina de Direito de Família, embora pouco utilizada, vem
sustentando a possibilidade de reconhecimento da união estável paralela ou simultânea ao
casamento, em atenção ao principio da dignidade da pessoa humana, com o fim de prestigiar
os laços afetivos presentes e dar-lhes juridicidade, e evitar o enriquecimento ilícito (de algum
dos envolvidos). Até porque está estampado para quem quiser ver de casos a cada dia mais
frequentes.
Importante, portanto, é destacar alguns destes casos, como o do reconhecimento
da existência de duplas células familiares, ocorrido no Tribunal de Justiça do Estado do Rio
102
FERRARINI, L. Famílias Simultâneas e Seus Efeitos Jurídicos - Pedaços da Realidade em Busca da Dignidade. 1ª. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 89. 103
(Id., 2010, p. 89)
81
Grande do Sul, na Apelação Cível n.º 70010787398, em que ficou evidenciado,
“[...] o cidadão mantinha dois vínculos afetivos com duas mulheres simultaneamente, e isso não pode vir em benefício dele próprio ou de uma das conviventes. (...) O poder judiciário não pode se esquivar de tutelar as relações baseadas no afeto, inobstante as formalidades muitas vezes impingidas pela sociedade para que uma união seja “digna” de reconhecimento judicial. Dessa forma, havendo duplicidade de uniões estáveis, cabível a partição do patrimônio amealhado na concomitância das duas relações.(...)” (70010787398, 2005)104
No mesmo sentido, outra decisão proferida pelo mesmo Tribunal, Apelação Cível
n.º 70011258605, relator do acórdão Desembargador Alfredo Guilherme Englert, que não
somente reconheceu da união dúplice, como também determinou a triação dos bens existentes
entre o de cujus e as companheiras.
“não restou dúvidas de que a relação mantida pelo de cujus com H. não era a que melhor se ajustava à união estável, porquanto foi com E. que o de cujus teve uma filha, moraram juntos e quem o cuidou até os últimos dias de vida, dessa forma evidente que o de cujus tinha um convívio familiar bem mais consistente com E. do que com H. Não obstante, foi designado para o presente acórdão redator o Desembargador Rui Portanova, que ressalta estarmos diante de duas uniões estáveis e não um casamento civil e uma união estável. Ainda, não se pode perder de vista que tanto a sentença como o voto do eminente relator confirmam a existência de uniões estáveis dúplices que também podem ser chamadas de paralelas ou concomitantes.”105
Outro julgado peculiar e de grande relevância é o ementado:
104
70010787398, A. N. TJRS. vlex, 2005. Disponivel em: <http://tjrs.vlex.com.br/vid/-42151463>. Acesso em: 20 maio 2014. 105
BUCHE, G. Revita Eletrônica OAB Joinville. OAB Joinville, 2011. Disponivel em: <http://revista.oabjoinville.org.br/artigos/Microsoft-Word---Familias-simultaneas---Giancarlo-Buche---2011-06-17.pdf>. Acesso em: 01 junho 2014.
82
Embargos infringentes - União estável - Relações simultâneas. De regra, não é viável o reconhecimento de duas entidades familiares simultâneas, dado que em sistema jurídico é regido pelo princípio da monogamia. No entanto, em Direito de Família não se deve permanecer no apego rígido à dogmática, o que tornaria o julgador cego à riqueza com que a vida real se apresenta. No caso, está escancarado que o "de cujus" tinha a notável capacidade de conviver simultaneamente com duas mulheres, com elas estabelecendo relacionamento com todas as características de entidades familiares. Por isso, fazendo ceder a dogmática à realidade, impera reconhecer como co-existentes duas entidades familiares simultâneas. (TJRS, 4º Grupo Cível, Embargos Infringentes n.º 70013876867, rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, j. 10.3.2006; Desacolhidos embargos por maioria).106
E é esta a realidade que se afigura, e deve ser analisado conforme o caso que se
apresenta em seu contexto puro e relevantemente social. E é neste loco que deve permear o
direito, com enfoque ao princípio da dignidade da pessoa humana aplicado especificamente a
esses tipos de relações.
Conforme o entendimento de Farias e Rosenvald, quando existe a boa fé por parte
da “outra” mulher, ou seja, ela é induzida ao erro, é possível requerer ao juiz o
reconhecimento da putatividade, obtendo-se os efeitos concretos do casamento ou união
estável. Também para os mesmo autores, presente a boa-fé, é possível emprestar efeitos de
Direito de Família às uniões extramatrimoniais” (FARIAS e ROSENVALD, 2011)107.
Também com entendimento parecido, Tartuce e Simão vai dizer "(...) essa parece
ser a posição mais justa dentro dos limites do princípio da eticidade, com vistas a proteger
aquele que, dotado de boa-fé subjetiva, ignorava um vício a acometer a união.” (SIMÃO,
2012)108
106
70013876867, E. I. Jus Brasil. jusbrasil, 2009. Disponivel em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/20738641/pg-434-diario-de-justica-do-estado-de-pernambuco-djpe-de-16-09-2009>. Acesso em: 01 junho 2014. 107
FARIAS, C. C. D.; ROSENVALD, N. Direito das Famílias. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 456.
108
SIMÃO, F. T. E. J. F. Direito de Família. 7ª. ed. São Paulo: Método / Forense, v. V, 2012. p. 254.
83
Assim, conclui-se que, segundo parte da doutrina, sempre que um dos sujeitos
desse triângulo não souber que o parceiro possui impedimentos matrimoniais, ou, se caso o
saiba, esteja sendo induzido a erros, enganado, sob a boa-fé subjetiva, os efeitos jurídicos de
direito familiar se aplica em favor do companheiro inocente, decorridos e reconhecidos
sempre por meio de ato judicial.
Assim vale lembrar a opinião de Euclides de Oliveira que entende ser admissível
uma “segunda união estável (de natureza putativa), tal qual no casamento, quando presente a
boa fé por parte de um ou de ambos os conviventes”109.
Anderson Schreiber afirma: “Em obra celebre, Stendhal alude a um suposto Código do Amor do Século XII, cujo art. 1º determinava em tom solene: “a alegação de casamento não é desculpa legitima contra o amor”. É certo que o Código Civil brasileiro não possui dispositivo semelhante. Nem por isso se pode negar a ocorrência na realidade social de situações de genuína convivência familiar à margem do matrimonio, cuja permanência secreta ou declarada não pode afastar o imperativo de solidariedade familiar e de proteção à pessoa humana, sob pena de se optar deliberadamente pelo descompasso entre a lei e a realidade, descompasso que tão nefastos efeitos produziu, historicamente, no direito de família. Aqui, como em qualquer outro tema, é de se privilegiar a norma constitucional, onde o concubinato não encontrou guarida, tutelando-se a união estável, sem alusão a impedimentos ou exceções.”110
Cumpre transcrever trechos do voto-vista proferido pelo Ministro Carlos Ayres
Britto no julgamento do Recurso Extraordinário n. 397.762:
“Sabido que, nos insondáveis domínios do amor, ou a gente se entrega a ele de vista fechada ou já não tem olhos abertos para mais nada? Pouco importando se os protagonistas desse incomparável projeto de felicidade-a-dois sejam ou não, concretamente, desimpedidos para o casamento civil? Tenham ou não uma vida sentimental paralela, inclusive sob a roupagem de um casamento de papel passado? ... ainda que não haja tal desimpedimento, nem por isso o par de amantes deixa de constituir essa por si mesma valiosa
109
(op. cit. 2003, p.139-140) 110
SCHREIBER, A. Famílias Simultaneas e Redes Familiares. In: ______ Leituras Complementares de Direito Civil: Direito de Família. Salvador: Podium, 2010. p. 157.
84
comunidade familiar? ... Minha resposta é afirmativa para todas as perguntas... porque a união estável se define por exclusão do casamento civil e da formação da família monoparental. É o que sobra dessas duas formatações, de modo a constituir uma terceira via: o tertium genus do companheirismo, abarcante assim dos casais desimpedidos para o casamento civil, ou, reversamente, ainda sem condições jurídicas para tanto... Sem essa palavra azeda, feia discriminadora, preconceituosa, do concubinato.”. Prossegue o Ministro: “à luz do Direito Constitucional brasileiro o que importa é a formação em si de um novo e duradouro núcleo doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isto é família, pouco importando se um dos parceiros mantém uma concomitante relação sentimental a dois.”111
Por fim, cumpre ressaltar que o Estatuto das Famílias (Projeto de Lei n.
2.285/2007, do Deputado Sérgio Barradas Carneiro), projeto cuja elaboração bastante
contundente nos valores significativos do Direito de Família, com forte influência do
IBDFAM, estabelece em seu artigo 64, parágrafo único: “A união formada em desacordo
com os impedimentos legais não exclui os deveres de assistência e a partilha dos bens.”
3.4.1 A União Estável x Concubinato e a Lei Intertemporal
Pegando como parâmetro o entendimento da professora Patricia (FONTANELLA,
2010)112, estudiosa do assunto, foi difícil a delimitação de um único conceito ao chamado
concubinato em face da variação de relações e da evolução que as uniões foram sofrendo ao
longo dos anos.
Como os relacionamentos assumiram um novo conceito a doutrina passou a
conceitua-los como fenômeno de uniões livres, e distinguindo-as sob diversos aspectos, para
111
NOTICIA STF. STF.JUS, s/d. Disponivel em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE397762CB.pdf>. Acesso em: 02 junho 2014. 112
FONTANELLA, P. O Direito Intertemporal e as Leis da União Estável. patriciafontanella.adv, 2010. Disponivel em: <http://patriciafontanella.adv.br/wp-content/uploads/2010/12/Uni%C3%A3o-Est%C3%A1vel-e-direito-intertemporal.pdf>. Acesso em: 28 maio 2014.
85
que não se deixasse à margem da proteção legal muitas dessas uniões.
Neste enfoque, percebe-se que o legislador, no atual Código Civil, tratou a
matéria sob o prisma de cláusula aberta em seu artigo 1.723, a ver: “É reconhecida como
entidade familiar a união estável entre homem e a mulher, configurada na convivência pública
e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
Evitaram-se com isso rigorismos conceituais, deixando para que o juiz, diante de
cada caso concreto, pudesse analisar e reconhece-los ou não.
Contudo, a partir das definições doutrinárias acerca da união estável é possível
destacar e lhes fixar algumas características.
Tais tipos de relacionamentos são marcados pela ausência de regras ou
formalidades, em que duas pessoas podem simplesmente e por espontânea vontade, decidir
pela união e construção de suas vidas, assumindo perante a sociedade a intenção de
matrimônio, mesmo que em residências distintas e independentemente da existência de prole.
Tendo como base o “vínculo afetivo, entre homem e mulher, como se casados
fossem, com as características inerentes ao casamento e a intenção de permanência da vida
comum.” Conforme conceitua Francisco José (CAHALI, 1996)113.
Ressalte-se que relacionamentos sexuais, mesmo que contínuos, ou mesmo a
união adulterina não são reconhecidos como união estável, posto que lhes faltam os
componentes da comunhão de vida, notoriedade em relação à sociedade, exclusividade e
publicidade. Neste sentido há decisum do egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
APELAÇÃO CÍVEL. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. RELACIONAMENTO PARALELO AO CASAMENTO DO FALECIDO. Não se pode reconhecer união estável simultaneamente à hígida existência de casamento, se não restar
113
CAHALI, F. J. União Estável e Alimentos entre Companheiros. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 87 - 88.
86
cabalmente provada a alegada separação de fato. Só assim estará afastado o impedimento legal à constituição da união estável previsto no § 1º do art. 1.723. Isso porque o Direito pátrio consagra o princípio da monogamia e não tolera a concomitância de entidades familiares. Igualmente, não há falar em união estável putativa, pois ausente a boa-fé da recorrente, que conhecia a situação conjugal do de cujus.(...)
(SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70010479046, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 13/04/2005)114
Por tal razão, com base no Código Civil de 2002, que em seu artigo 1.727
reconhece como sendo concubinato a união não eventual entre duas pessoas impedidas de se
casar, uma união dessa natureza será discutida nas Varas Cíveis, baseado na teoria da
sociedade de fato.
Quando em virtude do crescente número de pessoas vivendo em união estável
acabou dando impulso à edição das súmulas 380 e 382 do STF, que dispõem, em sua ordem:
“Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos é cabível a sua dissolução judicial com partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.
“A vida em comum sob o mesmo teto ‘more uxório’, não é indispensável à caracterização do concubinato”
A partir daí a união estável foi elevada à esfera do Direito Obrigacional, criando a
teoria da sociedade de fato pela jurisprudência.
Este entendimento é aplicado em alusão ao Direito Comercial, quando nas
sociedades comerciais devidamente, legalmente, constituídas, seus sócios individualmente,
têm direito ao seu quinhão, proporcionalmente à participação na pessoa jurídica. Assim,
comparava-se o concubinato às sociedades de fato do Direito Comercial, visto que na
114
70010479046, A. C. Jus Brasil. JusBrasil, 2011. Disponivel em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/31600532/pg-1735-judicial-1-instancia-interior-parte-iii-diario-de-justica-do-estado-de-sao-paulo-djsp-de-19-10-2011>. Acesso em: 03 junho 2014.
87
sociedade não realizando seu registro funciona de fato e não de direito.
Neste diapasão tem-se que as leis regulamentadoras da União Estável (Leis
8.971/94 e 9.278/96), a partir da Constituição Federal de 1988, deram tratamento
manifestamente institucional à união estável, tanto é que a Lei 9.278/96 fixou a competência
jurisdicional, em caráter absoluto, como sendo da Vara de Família. E o Estado, tal como no
casamento, estabeleceu para a União Estável normas quanto aos direitos patrimoniais e não-
patrimoniais em geral.
Assim, percebe-se que tal aperfeiçoamento teve como escopo a adequação
continuada às renovadas necessidades de uma sociedade em permanente transformação.
Entretanto, relações jurídicas e direitos subjetivos foram criadas sob a égide da lei revogada, o
que cria a possibilidade de, não raro, duas leis sucessivas no tempo regularem a mesma
relação jurídica, ocasionando conflito de leis no tempo.
Anteriormente os tribunais pátrios negavam qualquer direito à companheira, então
conhecida concubina. Depois, passaram a considerar que o concubinato, por si só, justificava
o direito da concubina à meação com base na teoria do enriquecimento sem causa.
Por força das súmulas 380 e 382 do STF, os companheiros obtiveram o
reconhecimento do direito à partilha de haveres adquiridos pelo esforço comum, e mesmo o
fato de morarem em casas separadas não descaracterizava a união.
Comprovada a participação direta da companheira nos negócios do companheiro,
esta teria direito à partilha. Porém, na hipótese de inexistir tal pressuposto, a companheira
poderia apenas pleitear indenização por serviços prestados. Ressalte-se que os pedidos não
poderiam ser cumulados e sim alternativos, ou excludentes por si mesmos.
Nesse sentido, as uniões findas até 4 de outubro de 1988 devem pautar-se pelas
súmulas 380 e 382 do STF, em face do efeito imediato do texto constitucional.
A partir da promulgação da nova Carta, enquanto os preceitos por ela declarados
88
não são regulamentados por lei complementar ou ordinária regulamentadora, se estará diante
de uma lacuna que deve ser preenchida através da analogia, utilizadas as normas que o
sistema jurídico oferece para situações assemelhadas e, como leciona Gomes (CANOTILHO,
1993)115 "sempre que ocorrer uma coincidência axiológica significativa".
Contudo, o pensamento jurídico brasileiro não acompanhou o avanço da teoria
constitucional. Que da adaptação pretoriana da ordem jurídica às realidades emergentes do
meio social, acaba-se tirando o máximo proveito da Constituição, teoria esta amplamente
utilizada pelo direito anglo-saxão, que considera a Suprema Carta a fonte primeira dos
direitos.
Naquele sistema, as normas positivas são consideradas como um sistema vivo e
dinâmico, capaz de acomodar-se às realidades sociais, traduzindo os sentimentos e aspirações
da comunidade nacional.
Apesar de a Constituição Federal Brasileira de 1988 ter sido inspirada nas famílias
constitucionais do direito anglo-saxão, a formação dos operadores do Direito no Brasil é
fundamentada na teoria do direito privado, o que justifica o método de interpretação utilizado
e a consequente resistência em aplicar o comando constitucional.
Neste sentido, o mestre italiano Mauro (CAPPELLETTI, 1992)116 recomenda que:
"A norma constitucional, sendo também norma positiva, traz, em si, uma reaproximação do direito à justiça. Porque norma naturalmente mais genérica, vaga, elástica, ela contém aqueles conceitos de valor que pedem uma atuação criativa, antes, acentuadamente criativa, e, porque tal, suscetível de adequar-se às mutações, inevitáveis, do próprio valor"
115
CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional. 6ª. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993. p. 239. 116
CAPPELLETTI, M. O controle judicial de constitucionalidade das leis no Direito Comparado. Porto Alegre: [s.n.], 1992. p. 130.
89
Nesse mesmo caminho, o Magistrado gaúcho Ingo Wolfgang Sarlet conclui que "o abismo por vezes já quase intransponível entre norma e realidade há que ter como referência permanente os valores supremos e as circunstâncias de cada ordem constitucional (material e formal, razão pela qual deverá prevalecer, também aqui, a noção do equilíbrio e da justa medida"117
Para evitar a insegurança jurídica, bem como a perpetuação de dogmas
superados, torna-se necessário ao intérprete da lei encontrar no sistema jurídico a resposta
para as novas questões postas, aplicando as normas de que o sistema dispõe, em consonância
com os princípios gerais de direito e os valores emergentes da sociedade. A Lei de Introdução
ao Código Civil, em seu art. 4°, estabelece:
"Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”, recomendando também que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”
Logo após a promulgação da Carta Magna de 1988, foram criadas as Leis
8.971/94 e 9.278/96 com objetivo de regular direitos inerentes a União Estável, ali o
panorama sobre a conquista dos direitos dos companheiros após a surgimentos das leis
infraconstitucionais, era quase proporcional em relação aos direitos dos cônjuges.
Posteriormente, com o advento do novo Código Civil, a união estável foi tratada
em seu livro IV do direito de família, matéria que já era tratada pela jurisprudência e doutrina.
Contudo, a união estável é também matéria discutida no capítulo V no que trata
do direito sucessório dos companheiros, mais especificamente no art. 1.790 e incisos do CC,
que trata dentro das disposições gerais, deixando o companheiro sobrevivente fora da ordem
de vocação hereditária, ao contrário do que ocorria na lei 8.271/94 que inseriu o companheiro
sobrevivente na 3ª ordem de vocação hereditária especial, ocorrendo com isso retrocesso dos
117
SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 374.
90
direitos dos companheiros.
O direito sucessório do companheiro é restringido no art. 1.790 do CC atual, visto
que este só irá concorrer com bens adquiridos onerosamente na constância da união estável,
não fazendo jus aos bens particulares, cabendo a concorrência destes aos descendentes,
ascendentes e parentes sucessíveis do companheiro falecido.
Outro retrocesso sobre direitos dos companheiros, vem a ser a omissão do
legislador em relação ao direito real de habitação não contemplando o companheiro
sobrevivente o imóvel destinado a família, o que é totalmente incoerente com o preceito
constitucional tipificado no art. 226 § 3 da Constituição Federal que afirma que o Estado deve
proteger tanto o casamento, a família monoparental e a União Estável. Em relação à moradia
destinada à família deve-se continuar tal benefício conferido ao companheiro, mesmo
ocorrendo a revogação da lei 9.278/96.
Em relação à lei 8.971/94 não se aplicam mais os direitos inerentes ao usufruto e a
expressão da totalidade da herança, visto que o legislador ao redigir o Novo Código Civil,
tratou da sucessão do companheiro por inteiro.
Sobre a inferioridade do companheiro, em relação à questão sucessória, se
demonstra de forma que o legislador atendendo ao clamor da doutrina e da sociedade, elevou
o cônjuge ao patamar de herdeiro necessário, atribuindo-lhe direito real de habitação e a
reserva de ¼ da legítima e não estendendo ao companheiro sobrevivente tais benefícios e
consequentemente tratou a questão sucessória do companheiro fora do rol da sucessão
legítima, inserindo nas disposições gerais no capítulo que trata da sucessão em geral. Existe
atualmente a discussão de Projeto de Lei para a reforma do art. 1.790 CC. E que embora não
seja o nosso foco, importante destacar que o que ali se discute é aplicabilidade do direito real
de habitação e do usufruto e ainda tentar inserir o companheiro sobrevivente na ordem de
vocação hereditária junto com o cônjuge.
91
Outrossim, devemos lembrar do caso apontado em capítulo anterior que da
ocorrência de famílias paralelas não há qualquer disciplina legal concreta que venha apará-las
em caso de litígio, no exemplo do funkeiro Mr Catra, claro está que todas as famílias têm
conhecimento uma das outras, deste modo não se aplica o caso do concubinato putativo ou da
boa-fé subjetiva. Ademais a tutela jurídica não alcança a ‘poligamia’, que muito embora não
esteja efetivamente tida como crime, mesmo que tratada como conduta punível pelo Código
Penal, também não há qualquer proteção às famílias concomitantes, posto que sequer prevê a
lei de casos como este.
Portanto, conclui-se haver uma grande questão a ser solucionada pelo sistema
jurídico brasileiro, enquanto isso cabe aos Tribunais pátrios, através de decisões sensatas
tampar a lacuna deixada pelo legislador no Código Civil atual, aplicando de modo justo os
direitos dos companheiros, verificando o princípio da isonomia constitucional, onde trata que
todos somos iguais perante a lei entendendo neste caso, que não existe união inferior, e sim
opções diferentes.
3.5 União Homoafetiva x Adoção de filhos menores
Partindo do entendimento das sábias palavras da aclama professora, douta, Maria
Berenice, conforme vemos o passar dos tempos e mudanças de paradigmas nas sociedades
modernas, podemos perceber que cada época da história consagra valores culturais
determinantes, de modo que tudo o que foge da ideia do “correto” e “igual” acaba por ser
rotulado de “anormal”, gerando um sistema de exclusões estigmatizantes ao indivíduo.
Hoje, em uma sociedade plural e globalizada que estamos esta visão engessadora
não pode mais perdurar.
A história nos mostra que a homossexualidade sempre existiu. Com atenção ao
92
sentido da palavra, homossexual tem origem etimológica grega, que significa “homo” ou
“homoe”, que se exprime a ideia de semelhança, igual, análogo, ou seja, homólogo ou
semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter.118
Olhando para trás, na Grécia antiga, era normal como parte das obrigações do
preceptado “servir de mulher” ao seu preceptor, e isso sob a justificativa de treiná-lo para as
guerras, que não existia a presença de mulheres. (VECCHIATTI, 2008)119
Naquela civilização, os atletas competiam nus, exibindo suas belezas físicas, nas
Olimpíadas, em que era vedada a presença de mulheres na arena, pois acreditavam não ter a
capacidade para apreciar o belo.
E também nas manifestações teatrais os personagens femininos eram
desempenhados por homens travestidos ou com o uso de máscaras – tais manifestações
evidentemente homossexuais120.
A prática homossexual sempre foi presente na história da humanidade e também
aceita, havendo somente restrições à sua externalidade.
Contudo, o repúdio só passou a ser concebido pela sociedade sob influência de
ordem estritamente religiosa. Que promovia a ideia sacralizada de família com fins
exclusivamente procriativos levando à rejeição dos vínculos afetivos centrados no
envolvimento mútuo.
Toda relação sexual deveria tender à procriação. “Daí a condenação da
homossexualidade masculina por haver perda de sêmen, enquanto a homossexualidade
feminina era considerada mera lascívia. A Igreja Católica, ao pregar que sexo se destina
fundamentalmente à procriação, considera a relação homossexual uma aberração da natureza,
118
DIAS, M. B. Um novo direito: Direito Homoafetivo. Scribd, s/d. Disponivel em: <http://pt.scribd.com/doc/170042175/Berenice-Dias-Direito-Homoafetivo>. Acesso em: 03 junho 2014. 119
VECCHIATTI, P. R. I. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos. 1ª. ed. São Paulo: Método, 2008, p. 44 120
(op. Cit., VECCHIATTI, 2008, p. 35)
93
uma transgressão à ordem natural, verdadeira perversão, baseada na filosofia de São Tomás
de Aquino.”121
Mas o direito não deve ir contra o livre exercício da intimidade até porque feriria
princípios constitucionais, dentre eles o da menor intervenção do poder do Estado na vida
privada, independentemente de sexo e critérios religiosos e ideológicos.
A sexualidade é um direito fundamental que acompanha o homem desde o
nascimento, e isto decorre da própria condição humana, é inegável como direito individual, é
um direito natural, inalienável e imprescritível. Não há como realizar-se como ser humano se
não tiver assegurado o respeito à sua sexualidade, conceito este compreendido à liberdade
sexual e a livre orientação sexual.
A sexualidade é elemento inerente à própria natureza e abrange a dignidade
humana. Todos têm o direito de exigir respeito à própria sexualidade, conquanto exercida
privadamente. “Sem liberdade sexual, o indivíduo não se realiza, tal como ocorre quando lhe
falta qualquer outra das chamadas liberdades fundamentais.”
As normas constitucionais que consagram o direito à liberdade e igualdade
proíbem discriminar a conduta afetiva. O direito de tratamento igualitário é independente da
tendência sexual. A discriminação de um ser humano em virtude de sua orientação sexual
constitui, precisamente, uma hipótese de discriminação sexual (RIOS, 1998)122.
A orientação sexual adotada na esfera de privacidade não admite restrições, o que
configura afronta a liberdade fundamental a que faz jus todo ser humano.
Mais do que uma sociedade de fato, trata-se de uma sociedade de afeto, com o
mesmo liame que enlaça os parceiros heterossexuais. Como bem questiona Paulo LÔBO
sobre a tal teoria: Afinal, que “sociedade de fato” mercantil ou civil é essa que se constitui e
121
(Id. DIAS, s/d) 122
RIOS, R. R. Direitos Fundamentais e Orientação Sexual. Revista CEJ, p. 29, 1998. Disponivel em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewArticle/160/248>. Acesso em: 03 junho 2014.
94
se mantém por razões de afetividade, sem interesse de lucro?123
A garantia da justiça é o dever maior do Estado, que tem o compromisso de
assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana, dogma que se assenta nos princípios da
liberdade e da igualdade.
Deste modo, importante destacar o correr da doutrina e da jurisprudência neste
campo ainda bastante inquietante para a sociedade.
Ao Supremo Tribunal Federal brasileiro, em 25 de Fevereiro de 2008, foi
apresentada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 132, de autoria
do então Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, vindo a serem julgados no decorrer
dos dias 04 e 05 de Maio.
A ADPF se posicionou no sentido de indicar como direitos fundamentais
violados, o direito à isonomia, o direito à liberdade, desdobrado na autonomia da vontade, o
princípio da segurança jurídica, para além do princípio da dignidade da pessoa humana.
Em seu pedido principal foi apresentado requerimento da aplicação analógica do
art. 1723 do Código Civil brasileiro às uniões homoafetivas, com base na denominada
"interpretação conforme a Constituição". Requisitando que o STF interprete conforme a
Constituição, o Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de Janeiro e declare que as
decisões judiciais denegatórias de equiparação jurídica das uniões homoafetivas às uniões
estáveis afrontam direitos fundamentais. Como pedido subsidiário, pediu-se que a ADPF – no
caso da Corte entender pelo seu descabimento – viesse a receber como Ação Direta de
Inconstitucionalidade, o que no fim, terminou por acontecer.
Em Julho de 2009, a Procuradoria Geral da República propôs a ADPF 178 e veio
a ser recebida pelo então Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, como a ADI 4277,
tendo como principal objetivo que a Suprema Corte declarasse como obrigatório o 123 LÔBO, P. Entidades familiares constitucionalizadas: para além dos numerus clausus. Scribd, s/d. Disponivel em: <http://pt.scribd.com/doc/81892518/Entidades-familiares-constitucionalizadas-para-alem-de-numerus-clausus-Paulo-Luiz-Netto-Lobo>. Acesso em: 10 maio 2014.
95
reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, desde quando preenchidos os
mesmos requisitos necessários para a configuração da união estável entre homem e mulher, e
que os mesmos deveres e direitos originários da união estável fossem estendidos aos
companheiros nas uniões homoafetivas.
O julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277 foi acompanhado com
expectativa, não apenas pela comunidade LGBT ou pelos juristas. O Brasil viveu, durante
aqueles dias, um momento histórico, acompanhado vivamente pela Sociedade em geral, em
que representou incrível quebra de paradigmas e um avanço para o nosso Direito das
Famílias. Vindo a causar uma grande celeuma entre os opositores dos direitos LGBT.
O Supremo Tribunal Federal brasileiro por fim entendeu que a união homoafetiva
é entidade familiar, e que dela decorrem todos os direitos e deveres que emanam da união
estável entre homem e mulher.
As duas ações foram julgadas procedentes, por unanimidade, e grande parte dos
Ministros acompanhou na integralidade o sensível e juridicamente preciso voto do Ministro
Relator Carlos Ayres Britto. Ressaltado em todos os votos da postura consensual da Corte
contra a discriminação e o preconceito. A ver:
“O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão ‘família’, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por ‘intimidade e vida privada’ (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da CF de 1988 no plano
96
dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do STF para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.” (ADI 4.277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 5-5-2011, Plenário, DJE de 14-10-2011.)124
Claro ficou que o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo é possível, certo
que não foi esse o objetivo do referido julgado, mas sim um efeito direto ou natural da decisão
do STF em consonância com o art. 1.726 do Código Civil brasileiro que é bem claro e
explícito ao estabelecer que "a união estável poderá converter-se em casamento, mediante
pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil".
Conclui-se, portanto, que tais relações homoafetivas estão enquadradas
constitucionalmente como uma forma de família.
Nesse sentido convém destacar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já
havia decidido a favor do reconhecimento do vínculo familiar entre casais do mesmo sexo. A
decisão foi proferida pela então Desembargadora Maria Berenice Dias, reconhecendo como
entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo à luz da dignidade da pessoa humana e
igualdade:
“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando
124
No mesmo sentido: RE 687.432-AgR, rel. min.Luiz Fux, julgamento em 18-9-2012, Primeira Turma, DJE de 2-10-2012; RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-8-2011, Segunda Turma, DJE de 26-8-2011-TF.JUS.stf,2011.Disponivelem:<http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%202019>. Acesso em: 03 junho 2014.
97
os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo.” (Apelação Cível n° 70012836755, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, julgado em 21/12/2005)125
Além dessa decisão, já são diversos na jurisprudência de casos que equiparam a
relação homoafetiva à união estável devendo ser analisada à luz do Direito de Família. Além
de reconhecer a partilha igualitária dos bens do casal. Portanto, reconhecendo as relações
homoafetivas como sendo uma entidade familiar digna de tutela, pois não somente o
matrimônio acarreta a formação de uma família.
Nesse sentido, no que tange ao princípio do pluralismo e da planejamento
familiar, pode-se afirmar que a impossibilidade da adoção por casais do mesmo sexo fere
frontalmente o princípio da dignidade humana, visto que tal princípio não pode ser criado,
concedido ou retirado, embora possa ser violado, já que a dignidade da pessoa humana é
reconhecida e atribuída a cada ser humano126.
É fundamental para que se garanta o bem-estar dos menores que o vínculo
paternofilial seja estabelecido para ambos os genitores, ainda que sejam dois pais ou duas
mães. Nesse diapasão, Maria Berenice127 afirma que o direito a adoção por casais
homoafetivos tem fundamento de ordem constitucional, não sendo possível excluir o direito a
paternidade e à maternidade de gays e lésbicas sob pena de infringir o respeito à dignidade
humana, pois o mesmo é que sintetiza o princípio da igualdade e da vedação de tratamento
discriminatório de qualquer ordem.
A definição de paternidade que prepondera já não é a da família tradicional, e sim
125
70012836755, A. C. vlex. TJRS, 2005. Disponivel em: <http://tjrs.vlex.com.br/vid/-43044464>. Acesso em: 03 junho 2014. 126
(SARLET, op. cit, p. 50) 127
DIAS, M. B. Paternidade homoparental in Direito de Família e Psicanálise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 216.
98
a vinculada pelo afeto. A paternidade agora está condicionada à posse do estado de filho,
“(...) reconhecida como a relação afetiva, íntima e duradoura, em que uma criança é tratada como filho, quem cumpre todos os deveres inerentes ao poder familiar: cria, ama, educa e protege.”128
Como nem a família, nem a paternidade pode ser relacionada a critérios
biológicos, não se pode deixar á margem do direito as famílias homoparentais só por não
possuírem capacidade reprodutiva. Atualmente as saídas encontradas pelos casais que vivem
numa união homoafetiva para terem filhos são várias, citaremos algumas:
• O casal pode ter um filho que seja filho biológico de um dos parceiros em uma relação heterossexual anterior;
• O casal pode ter um filho que seja filho biológico de um dos parceiros através de reprodução assistida;
• O casal pode ter um filho que foi adotado por um dos parceiros
Nesse sentido, o Tribunal do Rio Grande do Sul decidiu acerca da possibilidade
da adoção por casal homoafetivo, observando que essas uniões são consideradas como
entidade familiar, mostrando que não há qualquer prejuízo à criança e adolescente de serem
adotados por um casal do mesmo sexo:
“APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes
128
(DIAS, op. cit 2003. p.273)
99
hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.” (TJRS, AC 70013801592, 7°. Câm. Cív., j. 05.04.2006, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos)129
Em 2006 a Juíza Sueli Juarez Alonso da Vara de Infância e Juventude de
Catanduva no Estado de São Paulo no processo n° 234/2006 permitiu a adoção em conjunto
de uma menina por um casal de homens. A menina já tinha sido adotada por um dos homens e
o parceiro pleiteou junto à justiça a adoção da criança, visto que o casal mantinham um
relacionamento estável há 14 anos.130
O Tribunal do Paraná também já se manifestou no sentido de possibilitar a adoção
por casais do mesmo sexo em seu Acórdão 529.976-1 tendo como relator o Desembargador
D` Artgnan Serpa Só em decisão proferida em 2009, afirmando que as uniões homoafetivas
são reconhecidas como entidade familiar merecendo tutela legal, não havendo, portanto
empecilho para a adoção por pares do mesmo sexo.
Pode-se verificar que as entidades familiares homoafetivas têm recebido um
tratamento digno por vários tribunais no que tange a possibilidade de adoção por casais
homoafetivos, em afirmação aos direitos previstos pelo princípio da dignidade humana.
É necessário observar que a adoção visa à proteção da criança e do adolescente de
todo e qualquer tipo de violência e discriminação. Para que ocorra tal objetivo, é necessário
observar se a inclusão de uma criança e adolescente no seio de uma família, seja homoafetiva
129
RS, A. C. . A. 7. TJ-RS. Jus Brasil, 2011. Disponivel em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20004490/apelacao-civel-ac-70039044698-rs/inteiro-teor-20004491>. Acesso em: 03 junho 2014.
130
CUNHA, A. M. O. Via Jus. viajus, s/d. Disponivel em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=2954&idAreaSel=2&seeArt=yes>. Acesso em: 03 junho 2014.
100
ou não, irá prejudicar o desenvolvimento do menor, de acordo com princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente (SALAZAR, 2006, p. 115), nos termos e dispositivos do
ECA.
Por fim conforme preceitua Maria Berenice Dias131
“Também a situação familiar dos pais em nada influencia na definição da paternidade, pois família, como afirma Lacan, não é um grupo natural, mas um grupo cultural, e não se constitui apenas por um homem, mulher e filhos, conforme bem esclarece Rodrigo da Cunha Pereira: a família é uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar, desempenha uma função, sem estarem necessariamente ligados biologicamente. Assim, nada significa ter um ou mais pais, serem eles do mesmo ou de sexo diferentes”.
“Negar a realidade, não reconhecer direitos só tem uma triste seqüela: os filhos são deixados a mercê da sorte, sem qualquer proteção jurídica. Livrar os pais da responsabilidade pela guarda, educação e sustento da criança é deixá-la em total desamparo.”
Nesse diapasão, não há como impedir que os homossexuais adotem uma criança e
adolescente por ter orientação sexual que não a heterossexual, tendo em vista que os
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade asseguram tal
direito. Além do que se o casal possuir equilíbrio emocional, estabilidade profissional,
capacidade de amar e educar seu filho a sua sexualidade não servirá de pretexto para
indeferimento da adoção.132
Por conseguinte, no Estado Democrático de Direito tudo deve ser regido pela
Constituição, pois se a mesma não prevê restrição expressa ou mesmo lei regulamentadora o
direito não poderá ser restringido. Ou seja, se não há proibição pela Constituição Federal
acerca da adoção por casais do mesmo sexo não poderão os mesmos ter tal direito
131
(DIAS, op. cit., p. 274-275) 132
MICHELON, M. A. B. E. M. Amor e Afeto - O Preconceito da Adoção para casais homossexuais: A lacuna Jurídica e Social. [S.l.]: [s.n.], 2008. p. 400.
101
restringindo tendo em vista a sua orientação sexual.
4. SENDO O BRASIL UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, NÃO
DEVERIA, PORTANTO, ESTAR À FRENTE DA REALIDADE SOCIAL QUE
CLAMA POR UMA LEI MAIS ACOLHEDORA, NO SENTIDO DE AMPARAR A
FAMÍLIA, SEJAM QUAIS FOREM OS MEIOS QUE VIEREM A CONCEBÊ-LA?
“A Justiça não é cega nem surda. Também não pode ser muda. Precisa ter
os olhos abertos para ver a realidade social, os ouvidos atentos para ouvir
o clamor dos que por ela esperam e coragem para dizer o Direito em
consonância com a Justiça.”133
As transformações que vem sofrendo o direito de família são aquelas trazidas
pelas próprias pessoas que em sociedade encontram diferentes formas de serem felizes.
Não somente as impostas pelo Estado, as pessoas procuram a felicidade,
independendo de sua forma e de como é vista pelo seu próprio meio social, em que é parte.
Até porque o ser humano é complexo, e mesmo que haja diversas formas de
buscar entendê-los, suas peculiaridades estão muito além do que se pode prevê a própria
ciência e logo o direito.
Vale citar concepção de Engels, que afirmou:
O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro;[.].É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar134
Diante do exposto, o que se percebe é que o entendimento ainda é incipiente e 133
DIAS, M. B. DJPR. Jus Brasil, 2013. Disponivel em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/52547466/djpr-01-04-2013-pg-380>. Acesso em: 03 junho 2014. 134
ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. In: ENGELS, K. M. E. F. Obras Escolhidas. São paulo: Alfa-Ômega, v. III, s/d. p. 135 - 136. Disponivel em: <http://sare.anhanguera.com/index.php/reduc/article/viewFile/202/200>. Acesso em: 01 junho 2014.
102
nada pacífico, tanto na doutrina como nos tribunais pátrios, sobre a viabilidade da existência
de famílias simultâneas e também da aplicação da lei nos casos das famílias homoafetivas, ao
tempo, que diante de tanta mudança, até a própria estrutura familiar que outrora conhecíamos,
não é mais a mesma.
A grande dúvida que perdura é se estaríamos nós amadurecidos para acolher toda
essa onda pacificamente a fim de iluminar o caminho das instituições familiares?
Na verdade, aparentemente não há escolha, a vida é complexa e logo o é os fatos
sociais, resta à lei proteger o que de fato importa que está na estrutura humana, que é sua
própria dignidade.
Necessário um novo pensar da lei em consonância com a realidade social.
CONCLUSÃO
Por fim tem-se que a sociedade evoluiu desde os modelos retrógrados de família
patriarcal, mas ainda somos banhados pelo ranço da moralidade, “cultura e religião”, mesmo
que isso resulte em injustiças e venha afetar a dignidade humana, àqueles que agem de boa fé.
Que fique claro, ao final, que o princípio da monogamia, da fidelidade, do
respeito e do afeto devem ser basilares nas relações familiares. Essa deveria ser a regra.
Contudo, quando da ocorrência de situações diversas das previstas na lei, não
pode o Direito se eximir de resolver tais demandas, correndo o risco de ser omisso e falhar na
sua maior finalidade que é a Justiça.
Seguimos o entendimento da professora Patrícia Fontanella, que admite a
“possibilidade de reconhecimento de uniões estáveis simultâneas, quando presente a boa fé
subjetiva, bem como quando a duplicidade de famílias for ostensiva perante os envolvidos”.
Tal como, acreditamos que os efeitos jurídicos de uma família simultânea, com enfoque a
cada caso, deve abarcar a possível concessão de alimentos, direito sucessório e previdenciário,
103
dependendo da análise pelo magistrado dentro do contexto em que ocorrem, no caso concreto.
Ainda, neste entendimento não podemos fechar os olhos para a realidade no que
tange ao direito das famílias socioafetivas e homoafetivas, estes últimos que sempre estiveram
a margem da lei, agora equiparados na união estável ainda enfrentam humilhantes
dificuldades na busca de respeito às suas dignidades, quando no fundo todos nós sabemos que
o que nos difere é o que nos torna semelhantes.
Lembrando aqui o afirmado por José Carlos Teixeira Giorgis: “De nada adianta
assegurar respeito à dignidade humana e à liberdade. Pouco vale afirmar que a igualdade de
todos perante a lei, dizer que homem e mulheres são iguais, que não são admitidos
preconceitos ou qualquer forma de discriminação. Enquanto houver segmentos alvos de
exclusão social, tratamento desigualitário entre homens e mulheres, e a homossexualidade
for vista como crime, castigo ou pecado, não se estará vivendo em um Estado Democrático
de Direito.”135
Em suma o assunto em voga exige uma posição mais imperativa por parte do
julgador, que deve estar à frente de seu tempo.
Descabido seria, até por vedação legal, que se deixe de julgar alegando falta de
previsão na lei.
Igualmente, é impossível fechar os olhos diante das referidas situações, da mesma
forma que tentar apagá-las do âmbito do direito é atitude conservadora e preconceituosa, além
de gerar injustiças e enriquecimento sem causa. Negar tais relacionamentos tem um efeito
injusto. Acoberta um ilícito beneficiando exatamente quem afrontou a moral e os bons
costumes.
Importante ressaltar que, simplesmente deixar de ver que há situações que se
135
GIORGIS, J. C. T. DJPR. Jus Brasil, 2013. Disponivel em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/52547466/djpr-01-04-2013-pg-380>. Acesso em: 03 junho 2014.
104
estabelecem à margem dos parâmetros não aceitos pela moral convencional, não as faz
desaparecer do mundo dos fatos. Via de consequência descabe singelamente deixar o sistema
jurídico de reconhecê-los. É inadmissível tentar não ver o que existe: dos relacionamentos em
que se detecta a presença da vinculação afetiva, é imperiosa a extração de efeitos jurídicos,
senão pelos deveres de mútua assistência preconizados na lei.
Por fim, não restam dúvidas que o Direito de Família brasileiro ainda há muito
que mudar e aperfeiçoar, nada mais justo que se faça um novo projeto menos conservador e
mais acordado à realidade em que vivemos, a pós-moderna.
105
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