MONOGRAFIA NOVA LEI ADOÇÃO

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Monografia Nova Lei de Adoção (Lei nº 12.010/09)

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GRUPO SER EDUCACIONALFACULDADE BAIANA DE CINCIASCURSO DE GRADUAO EM DIREITO

JORGE ALEXANDRE DOS SANTOS JNIOR

NOVA LEI DE ADOO: AVANOS E RETROCESSOS

Lauro de Freitas 2010

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JORGE ALEXANDRE DOS SANTOS JNIOR

NOVA LEI DE ADOO: AVANOS E RETROCESSOS

Monografia apresentada ao curso de graduao em Direito, Faculdade Baiana de Cincias, como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Daniel Ruy de Castro Velloso.

Lauro de Freitas 2010

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TERMO DE APROVAO

JORGE ALEXANDRE DOS SANTOS JNIOR

NOVA LEI DE ADOO: AVANOS E RETROCESSOS

Monografia aprovada como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Direito, Faculdade Baiana de Cincias, pela seguinte banca examinadora:

Aprovada em 29 de novembro de 2010.

Banca ExaminadoraDaniel Ruy de Castro Velloso- Orientador__________________________________

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me proporcionado o dom da vida e guiado os meus passos nesta extenuante jornada acadmica. A meu pai, Jorge Alexandre dos Santos (in memoriam), pelo exemplo, lio de vida e dedicao famlia. A minha me, Ivone de Jesus Andrade Santos, pelo amor, perseverana, conselhos e apoio nos momentos difceis. A minha esposa, Rosana Guedes, que com seu amor, dedicao e cumplicidade, tornou-se a minha maior incentivadora, fazendo com que eu pudesse vencer os desafios e percalos encontrados ao longo desta jornada. A minha filha, Mirella, que sempre torceu pelo meu sucesso. A minha irm, Jorvane Andrade, pelas dicas e emprstimos bibliogrficos. A Lala, pela companhia nas noites insones em que passava debruado sobre os livros. Ao Prof Daniel Ruy de Castro Velloso, pela inestimvel orientao na elaborao deste trabalho. Ao Prof Peter Barros, pela extenuante orientao nos meandros das normas metodolgicas. Ao Prof Milton Vasconcellos, que generosamente prestou grande colaborao na concretizao desta monografia. Aos familiares e amigos, pelo incentivo, confiana e compreenso quando da minha ausncia nos eventos e encontros, decorrente dos estudos e trabalhos acadmicos. Aos colegas, companheiros desta jornada, pelas amizades e trocas de experincia.

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O que se faz agora com as crianas o que elas faro depois com a sociedade. Karl Manheim

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RESUMO

Esta monografia teve como escopo verificar os avanos e retrocessos advindos com a denominada nova lei de adoo, Lei n 12.010, de 03 de agosto de 2009, que teve como objetivo tornar mais clere o processo de adoo no pas. O objetivo principal foi analisar as implicaes positivas e negativas surgidas com o advento da Lei n 12.010/09, que com seu advento introduziu mudanas no Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990), no que concerne s questes relacionadas a adoo, verificando a efetividade destas mudanas no incremento do nmero de adoes no Brasil. O tema em anlise muito sensvel diante de aspectos culturais de nossa sociedade, que ainda resistente em adotar crianas e, principalmente, adolescentes, alegando empiricamente que no iro inserir no seu seio familiar crianas e adolescentes dos quais no se conhece a origem ou to somente o fazem se estes atenderem requisitos baseados em caractersticas tnicas semelhante aos de origem nrdica. Portanto, parte-se da Lei em comento e verificam-se as consequncias sociais e jurdicas na questo da adoo no Brasil aps a aplicao prtica da mesma. Para embasar este trabalho foi utilizado o mtodo documental e bibliogrfico, visto que so os mais adequados para responder as questes formuladas no bojo deste projeto, atrelado ao fato de que estes mtodos iro proporcionar uma anlise do posicionamento de autores e doutrinadores acerca da adoo no pas com o advento da nova lei de adoo. Os resultados deste trabalho demonstraram que a referida lei, muito embora se denomine lei de adoo, prioriza a manuteno da criana ou adolescente na sua famlia natural ou extensa, configurando-se a adoo como ltima medida a ser utilizada diante situao ftica que demande esta medida. Conclui-se, portanto, que uma lei, por si s, no suficiente para mudar conceitos e preconceitos enraizados na sociedade se no houver primeiramente mudanas paradigmticas nas pessoas, com vistas a proteger estes seres to frgeis que so as crianas e adolescentes e muito mais, em razo da situao de abandono afetivo em que se encontram e que ensejam a atuao atravs da proteo legislativa materializada no Estatuto da Criana e do Adolescente, mediante o cumprimento das medidas preconizadas pela inovaes trazidas pela Lei n 12.010/09.

Palavras-chave: Crianas e adolescentes, Direitos das crianas e adolescentes. Adoo.

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SUMRIO

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INTRODUO

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2 2.1 2.2 2.3 2.3.1 2.3.2

NOES GERAIS ACERCA DO INSTITUTO DA ADOO CONCEITO DE ADOO NATUREZA JURDICA ANTECEDENTES HISTRICOS No mundo No Brasil

11 11 12 14 15 17

3 3.1

ENFOQUE JURDICO-DOUTRINRIO DA ADOO NO BRASIL CORRENTES DOUTRINRIAS DE PROTEO DA INFNCIA E JUVENTUDE NO BRASIL

22 22

3.2 3.3 3.3.1 3.3.2 3.3.3 3.4 3.4.1 3.4.2

ADOO NO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO REQUISITOS PARA A ADOO Em relao ao adotante Em relao ao adotado Outros requisitos EFEITOS JURDICOS DA ADOO Efeitos pessoais Efeitos patrimoniais

26 29 29 32 34 37 37 38

4 4.1 4.2

AVANOS E RETROCESSOS DA LEI N 12.010/09 PRINCPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA PRINCPIO DO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANA E DO ADOLESCENTE

40 40 42

4.3 5

AVANOS E RETROCESSOS DA NOVA LEI DE ADOO CONCLUSO

43

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REFERNCIAS

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1 INTRODUO

A famlia considerada a clula mater da sociedade, e diante deste aspecto deve ter a proteo integral do Estado com o objetivo de preserv-la e fortalec-la. Como ente integrante e perpetuador da famlia, os filhos devem merecer tratamento protetivo objetivando que estes perpetuem o ncleo familiar. Porm, nem sempre isso ocorre, pois algumas crianas e adolescentes so ceifados deste convvio familiar em face de inmeras razes: como o abandono perpetrado pelos genitores, decorrente de tragdias ou mesmo motivado por fatores que desaconselhem a sua permanncia nesta famlia. O Estado, almejando a insero destas crianas e adolescentes em famlia substituta, ao longo dos anos foi evoluindo neste sentido, culminando com uma nova legislao que buscou a plenitude desta proteo, ampliando a rede protetiva para que estas possam ser inseridas em um lar substituto, com maior celeridade e responsabilidade diante da fragilidade das crianas e adolescentes envolvidos neste processo. O presente trabalho tem como escopo a anlise do instituto da adoo face as inovaes trazidas no bojo da nova lei de adoo (Lei n 12.010/2009), que foi sancionada em 03 de agosto de 2009 e entrou em vigor em data de 03 de novembro do mesmo ano. Diante deste objetivo, surge o problema que norteia este trabalho e que refere-se s implicaes positivas e negativas surgidas com o advento da Lei n 12.010/09, no Brasil. O tema em anlise muito sensvel face aos aspectos culturais que permeia a sociedade brasileira, em que os seus integrantes tm resistncia em adotar crianas e, principalmente, adolescentes, alegando empiricamente que no iro inserir no seu seio familiar crianas e adolescentes dos quais no se conhece a origem ou to somente o fazem se estes atenderem requisitos baseados em caractersticas tnicas que se assemelham s encontradas nos pases nrdicos.

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A nova legislao, objeto deste estudo, possui algumas inovaes que facilitam e ampliam a rede protetiva sobre as crianas e adolescentes que se sujeitam aos ditames desta lei, atrelada ao fato que a adoo deve ter como fundamento, prioritariamente, a criana e o adolescente nesta frgil situao. Por outro lado ainda resta melhorar em outros aspectos, em face de omisses legislativas que deveriam disponibilizar um tratamento mais condizente com a evoluo da nossa sociedade, dentre eles a adoo por pares homoafetivos, que, hodienarmente, ainda no tolerada pela sociedade, principalmente nos setores religiosos. O objetivo geral do trabalho analisar as implicaes positivas e negativas surgidas com o advento da Lei n 12.010/2009, no Brasil. Portanto, parte-se da Lei em comento e verificam-se as consequncias sociais e jurdicas na questo da adoo no Brasil aps a aplicao prtica da mesma, verificando como esta foi implementada e suas conseqncias. Para atingir esse desiderato, torna-se necessrio analisar de que forma as mudanas introduzidas pela nova Lei de Adoo contribuem para o incremento do nmero de adoes no Brasil, avaliando se esta lei motiva queles que tm interesse em adotar uma criana ou adolescente a concretizar este objetivo. Alm disto, importante identificar os bices encontrados no bojo da referida lei que dificultem a adoo, bem como verificar se a esta lei corrige distores encontradas at o advento desta, no que se refere a questes de adoo no pas. O tema a ser desenvolvido possui importncia em face de tal lei buscar resolver as questes sociais e legais inerentes adoo de crianas e adolescentes, como forma de facilitar e ampliar o nmero de adoes no pas, face aos bices encontrados neste procedimento. A pesquisa se presta a estudar o tema sob o ponto de vista dos avanos e retrocessos advindos com a edio desta nova lei, atrelado ao aspecto do problema social decorrente das crianas e adolescentes excludas nos processos de adoes, devidos a fatores culturais, antropomtricos e tnicos. No obstante esta lei ser recente, o tema possui viabilidade, pois, alm de ter parmetros da lei anterior para comparar com a atual, com vistas a identificar os

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avanos e retrocessos no campo da adoo no pas, ser realizada uma exaustiva pesquisa com o intuito de alcanar os objetivos deste trabalho. Os mtodos documentais e bibliogrficos mostram-se os mais adequados para o desenvolvimento desta monografia, visto que so os apresentam condies para responder as questes formuladas no bojo deste trabalho, atrelado ao fato de que estes mtodos iro proporcionar uma anlise do posicionamento de autores e doutrinadores acerca da adoo no pas com o advento da nova lei de adoo. As fontes a serem utilizadas nos mtodos documentais e bibliogrficos tm como finalidade explorar o presente tema de forma coerente e objetiva, sendo coletados dados histricos, normas e doutrinas para atingir essa finalidade. Desencadeando este trabalho, no captulo primeiro ser desenvolvida as noes gerais acerca do tema adoo, incluindo o seu conceito, natureza jurdica e os antecedentes histricos no mundo e no Brasil. No segundo captulo ser aprofundado o enfoque jurdico-doutrinrio da adoo, explanando-se sobre as correntes doutrinrias de proteo da infncia e juventude que ocorreram ao longo da histria, bem como sua evoluo no ordenamento jurdico brasileiro at os dias atuais, sob a gide da Lei n 12.010/2009, tema de estudo deste trabalho e que deu uma nova amplitude ao Estatuto da Criana e do Adolescente ECA (Lei n 8.069/90), aambarcando, modificando ou inserindo melhorias no corpo do referido estatuto. Ainda neste captulo ser definido quais os requisitos necessrios para se efetuar a adoo, ou seja, quem pode adotar e ser adotado, alm de outros requisitos dispostos no ordenamento jurdico, mais precisamente na Lei de Adoo e no Cdigo Civil Brasileiro. Outrossim, haver a anlise dos efeitos jurdicos da adoo, principalmente no aspecto do Direito de Famlia, com as suas nuances especficas e as consequncias advindas com a insero da criana/adolescente no seio da nova famlia, no que diz respeito ao aspecto jurdico. O terceiro captulo versa sobre os avanos e retrocessos que exsurgem da nova lei no pas, alm de ser analisado os princpios da dignidade da pessoa humana e o do superior interesse da criana e do adolescente, verificando as suas consequncias no referido ordenamento jurdico.

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Por fim, no captulo que trata da concluso, pretende-se confrontar se os objetivos especficos do referido trabalho foram alcanados, fazendo uma anlise crtica acerca do contedo apresentado e comparando-as com a realidade, alm de elaborar um balano da importncia da Nova Lei de Adoo no ordenamento jurdico brasileiro quanto ao aspecto do alcance efetivo a que se prope, qual seja, a de garantir a convivncia da criana e do adolescente na sua famlia de origem e quando impossibilitado desta, em uma famlia substituta, que ter na adoo a sua materializao deste processo.

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2 NOES GERAIS ACERCA DO INSTITUTO DA ADOO

Dentre as questes tratadas pelo Direito Civil, mas precisamente na parte pertinente ao direito de famlia, a adoo constitui-se em um tema sensvel que envolve as crianas e adolescentes e sua colocao em um novo lar, que ao longo dos anos transmutou-se no sentido de valoriz-las como sendo a parte mais frgil deste instituto, conforme pode-se observar na evoluo legislativa que trata deste assunto.

2.1 CONCEITO DE ADOO

No existe um conceito definitivo do termo adoo, nem tampouco uma conceituao doutrinria nica acerca deste tema. De acordo com Daher (2001, p. 1) o vernculo adoo tem origem no latim ad=para e optio=opo e conota a idia de opo deliberada. Na lngua portuguesa, adotar um verbo transitivo direto, sendo que na definio de Ferreira (1989, p.12), adotar significa [...] Atribuir (a um filho de outrem) os direitos de filho prprio[...]. Em relao s contribuies doutrinrias que visam definir o significado da adoo, Bevilqua (1954 apud PICOLIN, 2007, p. 14), o define como sendo o ato civil pela qual algum aceita um estranho na qualidade de filho. J para Gomes (2001, p. 369 apud PICOLIN, 2007, p.15), a adoo o ato jurdico pelo qual se estabelece, independentemente do fato natural da procriao, o vnculo de filiao. No entendimento de Rodrigues (2002, p. 380 apud FURLANETTO, 2006, p. 4) a adoo se constitui como o ato do adotante, pelo qual traz ele, para a sua famlia e na condio de filho, pessoa que lhe estranha.

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Na definio de Ribeiro, Santos e Souza (2010, p. 72):A adoo compreende ato jurdico que faz nascer, entre adotante e adotado, uma relao de paternidade e filiao, anloga que nasce da natureza e do lao de sangue, estendendo o vnculo de parentesco aos parentes do adotante, como se tratasse de uma famlia natural.

Segundo Diniz (1993, p. 67 apud GRANATO, 2010, p. 29):[...] podemos definir a adoo como insero num ambiente familiar, de forma definitiva e com aquisio de vnculo jurdico prprio da filiao, segundo as normas legais em vigor, de uma criana cujos pais morreram ou so desconhecidos, ou, no sendo esse o caso, no podem ou no querem assumir o desempenho das suas funes parentais, ou so pela autoridade competente, considerados indignos para tal.

Verifica-se nesta ltima definio os principais pressupostos e a finalidade da adoo, do ponto de vista atual, qual seja, encontrar uma famlia que atenda as necessidades reais da criana sob o prisma principiolgico do melhor interesse da criana e do adolescente.

2.2 NATUREZA JURDICA

Para explanar acerca da natureza jurdica da adoo, torna-se necessrio verificar os principais ordenamentos jurdicos que abarcavam o instituto nas diferentes pocas da histria do pas. A adoo inserida no Cdigo Civil de 1916 apresentava a natureza jurdica contratual, visto que para a sua formalizao apenas era necessrio o ato volitivo unilateral entre as partes, sem a interferncia estatal, porm com obedincia aos critrios nelas estabelecidos, como afirma Gomes (2001, p. 373 apud

FURLANETTO, 2006, p. 5). Com a entrada em vigor do Cdigo Civilista de 2002, passou a adoo a ser do interesse do poder pblico, visto que esta passa a ser imbuda de uma funo social, que era a colocao da criana em famlia substituta:

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Assim, dentro de uma nova perspectiva, o instituto se constitui na busca de uma famlia para a criana carente, abandonado, portanto, a concepo tradicional civil, em que prevalecia sua natureza contratual e significava a busca de uma criana para uma famlia. (PEREIRA, 2003, P. 152 apud FURLANETTO, 2006, p. 5).

Fundamentalmente, o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), de 13 de julho de 1990, assim como a nova lei de adoo (Lei n 12.010/09), j possuem como preponderncia a proteo s crianas e adolescentes desamparadas, promovendo assim, um lar para as mesmas. Tal assertiva ratificada por Picolin (2007, p. 16):No Estado Democrtico de Direito, a adoo define-se como uma instituio jurdica de ordem pblica com a interveno do rgo jurisdicional, para criar entre duas pessoas, ainda que estranhas entre elas, relaes de paternidade e filiao semelhantes s que sucedem na filiao legtima.

Quando comparada a natureza jurdica da adoo no cdigo civil de 1916 com a do ECA, verificam-se distines, como bem acentua Venosa (2008, p.265):[...] havendo duas modalidades distintas de adoo no Direito brasileiro, de acordo com o Cdigo Civil de 1916 e de acordo com o Estatuto da Criana e do Adolescente, cada uma delas apresenta nitidamente natureza jurdica prpria. A adoo do Cdigo Civil de 1916 realava a natureza negocial do instituto, como contrato de Direito de Famlia, tendo em vista a singela solenidade da escritura pblica que a lei exigia (art. 375). Por outro lado, na adoo no Estatuto da Criana e do Adolescente, no podemos considerar somente a existncia de simples bilateralidade na manifestao de vontade, porque o Estado participa necessria e ativamente do ato, exigindo-se uma sentena judicial, tal como tambm faz o Cdigo Civil de 2002. Sem esta, no haver adoo[...].

Ainda no que se refere ao aspecto da concepo da natureza jurdica da adoo Pereira (2002, p. 136 apud CAVAGNOLI, 2006, p. 25), assinala que:A adoo destaca-se entre as medidas de colocao familiar. Dentro de uma nova perspectiva, o instituto se constitui na busca de uma famlia para uma criana, abandonando a concepo tradicional, civil, em que prevalecia a sua natureza contratual e significava a busca de uma criana para uma famlia.

Ainda, segundo o mesmo autor, hodiernamente a adoo apresenta trs aspectos: primeiramente no possui efetivamente mais o carter contratualista, visto que o poder pblico intervm no processo de adoo, seguindo os ditames constitucionais. Outro aspecto diz respeito vedao de referncias discriminatrias em relao aos filhos adotivos, como resultado da filiao, que neste caso estes passam a possuir a mesma designao, que anteriormente eram diferenciados pejorativamente com os ditos naturais.

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Por fim, no art. 227, a Constituio Federal, estabelece como sendo dever da famlia, da sociedade e do Estado, prover prioritariamente s crianas e adolescentes o amparo, o sustento, proteo e a dignidade humana. (BRASIL, 2010). Com o advento da Lei n 12.010/09, a adoo passa a ter um novo fundamento, rompendo com as concepes doutrinrias pretritas, ampliando o alcance deste instituto visando muito mais a situao dos desamparados. A adoo sob a gide dessa lei, cumprindo o ritual previsto no cdigo civil de 2002 e ECA, tem como base para formalizao do ato no somente uma bilateralidade volitiva, mas uma participao fundamental do Estado, atravs de uma sentena judicial que confere legalidade e existncia adoo. Corroborando a afirmao anterior, quanto declarao de vontade, Granato (2010, p. 31), declara que:Na adoo regulada pelo Estatuto da Criana e do Adolescente h exigncia de vrias declaraes de vontade: a dos pais biolgicos, a dos pais pretendentes adoo, a do adolescente, se j tiver completado doze anos e finalmente a manifestao judicial, atravs da sentena.

Verifica-se, portanto, que atualmente pacfico o entendimento que a proteo aos direitos das crianas e adolescentes devem visar prioritariamente a condio inerente s mesmas, no aspecto de se constiturem em seres humanos em desenvolvimento, merecendo a guarida de parte de toda a sociedade e mais incisivamente da legislao ptria.

2.3 ANTECEDENTES HISTRICOS

Ao longo da histria no se delineia um marco inicial do instituto da adoo, visto que em diversas passagens da humanidade existem referncias em relao adoo, inseridas no contexto da sociedade da poca.

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2.3.1 No mundo

Dentre as primeiras citaes que versam sobre a adoo, pode-se elencar o Cdigo de Hamurabi, obra do rei babilnico Khammu-rabi, que dentre outras normatizaes em relao sociedade babilnica do sculo XVIII a.C, estabeleceu regras em relao adoo, sendo que no art. 185, previa que se algum d seu nome a uma criana e a cria como filho, este adotado no poder mais ser reclamado. (PRADO, 2004, p. 09 apud RIBEIRO; SANTOS; SOUZA, 2010, p. 53). Em relao ao que dispe o referido cdigo, Weber (2006, p. 40 apud GUIMARES, 2008, p. 12), comenta que:O Cdigo autorizava uma mulher estril a cuidar dos filhos nascidos de seu marido com outra mulher que ela prpria escolheria. Este cdigo revela que os membros daquela cultura tinham preocupaes com questes sobre os riscos na adoo, muito prximas das atuais: no conseguir desenvolver um lao afetivo entre adotante e adotado; tratar os filhos biolgicos de maneira diferente dos adotivos; o trauma causado para a criana com a separao da sua primeira figura de apego; a questo da procura pelos pais biolgicos: nesses casos, o adotado era devolvido a seus pais biolgicos, mas estes no tinham o direito de pedir a volta de seu filho depois de t-lo dado em adoo; se houvesse alguma agresso do adotado para com o adotando, este seria devolvido famlia biolgica.

Ainda na antiguidade, o Cdigo de Manu, elaborado entre o sculo II a.C e II d.C, considerado a legislao mais antiga da ndia, que dentre outras normas, previa no Livro IX, 10, que aqueles a quem a natureza no deu filhos, pode adotar um para que as cerimnias fnebres no cessem. (ALVIM, 200-?). Na Bblia (1993) existem inmeros relatos de adoo, situao comum entre os hebreus, sendo o mais conhecido o caso de Moiss, que fora adotado pela filha do Fara e de Jac que adotou Efraim e Manasss, seus netos, filhos de Jos. Em relao s passagens bblicas referentes adoo, Sznick (1999, p. 8 apud CALDAS, 2008, p. 11), expe que:Pelos livros bblicos se podem examinar algumas dessas noes do instituto: podiam adotar tanto o pai como a me, e a adoo s se dava

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entre os parentes; os escravos eram considerados como parte da famlia (Esther, II, 7; Ruth, IV, 16). A mulher estril poderia adotar os filhos da serva que ela havia conduzido ao tlamo do seu marido (Gnesis, XVI, 1-2; XXX, 1-3).

No contexto histrico, at ento analisado, a adoo era vista somente como uma forma de perpetuar o ncleo familiar, atrelada ao aspecto religioso deste ato, conforme afirma Coulanges (2001 apud RIBEIRO; SANTOS; SOUZA, 2010, p. 54):Adotar um filho era, portanto, ser cioso com a perpetuidade da religio domstica, com a salvao do fogo domstico, com a continuao das oferendas fnebres, com o repouso dos manes dos ancestrais. No havendo outra razo de ser para a adoo salvo a necessidade de impedir a extino de um culto, segue-se que a adoo s era permitida para aquele que no tinha filho.

Nesta evoluo, destaca-se o papel preponderante desempenhado pela civilizao romana, em que sua herana se constituiu na base deste instituto nos dias atuais, pois a partir deste momento que a adoo se transmuta em um mecanismo de simples perpetuao da famlia para assumir um carter de direito pblico, como bem expe Cretella Jnior (2001 apud RIBEIRO; SANTOS; SOUZA, 2010, p. 54):.[...] grande importncia tem a adoo, entre os Romanos, servindo, entre outras coisas, para dar herdeiro a quem no os tem, por motivos de famlia (continuao dos sacra privata) ou polticos (assegurar sucessor ao prncipe, como no caso de Justiniano, adotado por Justino); para transformar plebeus em patrcios; para atribuir o jus civitatis a um latino.

No Direito Romano existiam duas modalidades de adoo, a ad-rogatio e a adoptio ou adoo em sentido estrito. Segundo Picollin (2007, p. 6-7) na ad-rogatio ocorria a extino da famlia do adotado, sendo que este passava a ser submetido ao ptrio poder da nova famlia mediante um ato solene, que investigava antecipadamente os pretendentes e somente se consumava com a concordncia das partes e do povo. Na adoptio as regras para adoo foram simplificadas, bastando to somente uma declarao dos interessados diante do magistrado para que ocorresse a transmisso do ptrio poder do pai natural para o pai adotivo, desde que respeitados alguns requisitos, como a diferena de idade entre eles. Durante a Idade Mdia, a adoo entrou em desuso em face deste instituto no ser de interesse da Igreja Catlica e dos senhores feudais, visto que contrariavam os preceitos bblicos do matrimnio e da formao da famlia, bem como ameaavam os direitos dos senhores feudais sobre os feudos, conforme expe Alvim (200-?).

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Com o advento da Idade Moderna, o instituto da adoo ressurgiu com destaque no Cdigo Francs de 1807, denominado de Cdigo de Napoleo, sendo que esta adoo apresentava um carter contratualista e peculiaridades para sua eficcia plena, assim como, restringia o sujeito passivo da adoo aos maiores de idade, diferentemente do que ocorre nos dias atuais, conforme destaca Picollin (2007, p. 10).

2.3.2 No Brasil

O Brasil, no obstante tenha sofrido influncias do direito portugus, como nas Ordenaes Filipinas, as referncias adoo no eram muito detalhadas, reflexo do desuso do instituto na Europa durante a Idade Mdia, conforme detalha Miranda (2001, apud RIBEIRO; SANTOS; SOUZA, 2010, p. 55):As Ordenaes Filipinas permitiam a adoo; mas no se tendo regulado convenientemente a matria, as questes deviam ser decididas pelo direito romano [...] e estrangeiro, subsidirio das Leis ptrias. O instituto caiu, contudo, em tal desuso, que alguns escritores o suprimiram de seus tratados [...].

Em relao s crianas abandonas, poca da colonizao do Brasil existiam instituies que cuidavam destas crianas desamparadas, como bem explica Justo (1997, p. 71 apud CAMARGO, 2005, p. 4):As instituies asilares comumente denominadas Orfanatos, Lar Casa da Criana persistem ainda hoje, embora com menor expresso que me outros tempos, como um dos lugares da infncia, a saber, infncia daquelas crianas que, por diversos motivos, foram desalojadas guarda e do amparo familiar. ou do da da

Mesmo com uma legislao incipiente, no perodo do Brasil Colnia j ocorria uma preocupao por parte do governo em cuidar das crianas e adolescentes, ainda que no existisse uma finalidade de incentivar a adoo das mesmas, que segundo Ferreira e Carvalho (2002, p. 138 apud CAMARGO, 2005, p. 4), [...] a primeira medida oficial sobre cuidados infncia carente no Brasil data de 1533, quando o

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Rei D. Joo II determinou que as crianas rfs tivessem alimentao garantida pelos administradores da Colnia. [...]. A primeira lei brasileira que teve um vis protetivo em relao s crianas foi a Lei do Ventre Livre de 1871, que tinha como foco os filhos de escravos, apresentando no seu bojo dispositivos considerados hodiernamente como uma afronta ao direito, como resumidamente expe Azevedo (2008, p. 45):[...] a me escrava tem direito a criar seu filho at os 7 anos. Quando a criana completa 7 anos, surgiam duas alternativas: o Estado brasileiro indenizava o dono da escrava num valor de alguns mil ris, e a criana era retirada da me e colocada num orfanato ou seja, deixa de ser escrava para ser abandonada , ou continuava na companhia da me, trabalhava como escrava at os 21 anos, quando ento alforriada.

Ainda no perodo imperial, o jurista Teixeira de Freitas, no art. 217 da Consolidao das Leis Civis, abordou o tema determinando que aos juzes de primeira instncia compete conceder cartas de legitimao aos filhos sacrlegos, adulterinos e incestuosos e confirmar as adoes procedendo s necessrias informaes e audincias dos interessados, havendo-os. (GRANATO, 2010, p. 43). Somente com o surgimento do Cdigo Civil de 1916, o instituto da adoo foi sistematizado no ordenamento jurdico brasileiro, sendo reconhecida a sua importncia no direito de famlia, no obstante alguns detalhes ainda pouco eficientes para dinamizar o processo, existia uma preocupao mais com o adotante do que com os adotados, como pode-se observar no artigos que compem o Captulo V, que trata deste tema neste cdigo:Art. 368. S os maiores de cinquenta anos, sem prole legtima ou legitimada, podem adotar. Pargrafo nico. Ningum pode adotar, sendo casado, seno decorridos 5 anos aps o casamento. Art 369. O adotante h de ser, pelo menos, 16 anos mais velho que o adotado. Art. 370. Ningum pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher[. Art. 371. Enquanto no der contas de sua administrao,e saldar o seu alcance, no pode o tutor, ou curador, adotar o pupilo, ou o curatelado. Art. 372. No se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou nascituro. Art. 373. O adotado, quando menor, ou interdito, poder desligar-se da adoo no ano imediato ao em que cessar a interdio, ou a menoridade. Art. 374. Tambm se dissolve o vnculo da adoo: I quando as duas partes convierem; II nos casos em que admitida a deserdao. Art. 375. A adoo far-se- por escritura pblica,em que se no admite condio nem termo.

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Art. 376. O parentesco resultante da adoo (art. 336) limita-se ao adotante e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, a cujo respeito se observar o disposto no art. 138, ns. III e V. Art. 377. A adoo produzir os efeitos, ainda que sobrevenham filhos ao adotante, salvo se, pelo fato do nascimento, ficar provado que o filho estava concebido no momento da adoo. Art. 378. Os direitos e deveres, que resultam do parentesco natural, no se extinguem pela adoo, exceto o ptrio poder, que ser transferido do pai natural para o adotivo. (BRASIL, 1916).

Atravs do Decreto n 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, surgiu o primeiro cdigo de menores do pas, denominado de Cdigo Mello Mattos em homenagem ao jurista baiano Jos Cndido de Albuquerque Mello Mattos, personalidade que encampou a luta em prol dos menores. Existia neste diploma legal uma preocupao, ainda que incipiente, de proteo s crianas e adolescentes, destacando-se que institua a grande legislao, assim, a primeira estrutura de proteo aos menores, com a definio ideal para os Juizados e Conselhos de Assistncia, trazendo clara a primeira orientao para que a questo fosse tratada sob enfoque multidisciplinar, como afirma Arajo e Coutinho (2008, p. 1). Em 1957, surgiu a Lei n 3.133, de 08 de maio de 1957, tendo como objetivo atualizar os dispositivos relativos adoo previstos no Cdigo Civil de 1916. Dentre essas alteraes pode-se citar a reduo da idade do adotante, que passou de maiores de cinquenta para maiores de trinta anos. Quanto aos casais, estes somente poderiam adotar quando decorridos cinco anos de casados. Tambm ocorreu a reduo da diferena de idade entre adotante e adotados, que passou a ser de dezesseis anos, alm de ser possvel a dissoluo da adoo por meio de conveno entre as partes, No que concerne aos direitos sucessrios, poderia ocorrer a deserdao, nas situaes que eram admitidas por lei, sendo que no caso do adotante possuir filhos de qualquer espcie (legtimos, legitimados ou reconhecidos), a relao de adoo no se confundiriam com a sucesso hereditria, conforme expe Ribeiro, Santos e Souza (2010, p. 57). Com a Lei n 4.655, de 2 de junho de 1965, ocorreu uma melhoria no que se refere a adoo de crianas expostas, cujo pais no sejam conhecidos ou que optaram por v-los adotados, bem como aquelas crianas, com menos de sete anos de idade, cujos pais haviam perdido o ptrio poder. Alm destas modificaes, foi legitimada a adoo de crianas, menores de sete anos, que no perodo de um ano no tenham

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sido reclamada por algum parente e daquelas que, possuindo genitora, esta no apresenta condies de sustent-la, como bem assevera Ribeiro, Santos e Souza (2010, p. 57-58). A legitimao adotiva, que surgiu no bojo desta lei, tinha como caracterstica o seu carter irrevogvel, cessando o vnculo de parentesco com a famlia natural, porm, dependendo de deciso judicial para sua efetividade, conforme destaca Dias (2010, p. 475) Nota-se, portanto, que at o advento desta lei, as legislaes no priorizavam as crianas e adolescentes, pois a adoo no era uma proteo s mesmas, com vistas a lhes proporcionar um novo lar, sendo utilizada somente como uma forma de dar uma prole queles que no poderiam gerar filhos. Esta viso foi mitigada com o surgimento da Lei n 6.697, de 10 de outubro de 1979, denominada de Cdigo de Menores, pois foi a partir desta que as crianas e adolescentes tiveram um tratamento mais condizente com a sua fragilidade, muito embora no tivessem como fundamento o princpio da maior proteo da criana e do adolescente, que somente foi plenamente adotada na Constituio Federal de 1988 e no Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990), posteriormente editadas, conforme acentua Ribeiro, Santos e Souza (2010, p. 58):Em 1979, com o Cdigo de Menores, a tendncia de real modificao no esprito do instituto da adoo principiada pela Lei 4.655/65 se acentuou, servindo de base para a forma e contedo que se apresenta hodiernamente.

Neste desiderato, Souza (1992, p. 46 apud ALVIM, 200-?, p. 7), afirma que:O art. 5 do Cdigo de Menores preceituou que a proteo aos interesses dos menores sobrelevaria qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado. Desta forma, conclui-se que o legislador deixou de se preocupar com o bem-estar dos adotantes, como se fazia, para voltar a lei (sic) interesse do adotado, favorecendo-o naquilo que for possvel.

No contexto deste ordenamento, existiam duas formas de adoo, a adoo simples e a plena. A adoo simples, tambm denominada de restrita, correspondia aos menores em situao irregular e dependia de autorizao judicial, sendo semelhante quela prevista no Cdigo Civil de 1916. Quanto definio de menor em situao irregular, fundamento da adoo simples, embora tal termo apresente pejoratividade,

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a sua definio est descrita no art. 2 do Cdigo de Menores, transcrito por Ribeiro, Santos e Souza (2010, p. 59):Art. 2. Para os efeitos deste Cdigo, considera-se em situao irregular o menor: I privado de condies essenciais sua subsistncia, sade e instruo obrigatria, ainda que eventualmente, em razo de: a) falta, ao ou omisso dos pais ou responsvel; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsvel para prov-las;[...]

Estes autores comentam que a adoo plena proporcionava ao adotado a condio de filiao, abstraindo-se a consaguinidade com a famlia original, excetuando-se as circunstncias impeditivas do matrimnio. Nota-se, portanto, que a adoo plena implementada pelo Cdigo de Menores, nada mais do que a legitimao adotiva prevista pela Lei n 4.655/65, apresentando as mesmas caractersticas, como afirma Diniz (2010, p.524). O Cdigo de Menores representou um marco, visto que a partir de sua edio ocorreu a priorizao dos adotados e no to somente visando a condio dos adotantes que no poderiam ter filhos. Esta preocupao ir nortear as aes desta lei, protegendo as crianas e adolescentes na frgil condio de abandonados, dentre outras normas que visem o seu bem estar (ALVIM, 200-?). Vale salientar que este cdigo, foi o primeiro a inserir no seu bojo a questo da adoo por estrangeiros, restringindo a adoo plena somente queles domiciliados no pas, porm sendo facultada a adoo na forma simples, desde que fosse autorizada em forma de colocao familiar, como observa Granato (2010, p. 48). Verifica-se, portanto, que a evoluo histrica das legislaes que tratam do instituto da adoo sofreu um incremento ao longo dos anos, pois nos primrdios o foco recaa sobre os adotantes, sendo que, posteriormente, os adotados ganharam cada vez mais relevncia neste processo culminando com a proteo integral inserida na Constituio Federal de 1988 e base do Estatuto da criana e do adolescente de 1990 e, por fim, na nova Lei de Adoo (Lei n 12.010, de 3 de agosto de 2009).

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3 ENFOQUE JURDICO-DOUTRINRIO DA ADOO

A contextualizao do enfoque jurdico e doutrinrio tem importncia fundamental no sentido de situar o tema adoo na seara do direito, bem como o seu posicionamento ante a legislao atual que versa acerca deste instituto.

3.1 CORRENTES DOUTRINRIAS DE PROTEO DA INFNCIA E JUVENTUDE NO BRASIL

Ao longo da histria do pas, no que se refere proteo da infncia e juventude, destacam-se trs momentos bem delineados e com caractersticas prprias, que foram suplantadas no decorrer da evoluo doutrinria, culminando com a atual doutrina de Proteo Integral que enviesa todo o ordenamento jurdico que tem como tema os direitos das crianas e dos adolescentes. A primeira doutrina que versava sobre as crianas e adolescentes, denominava-se Doutrina do Direito Penal do menor e tinha como foco a deliquncia perpetrada pelos menores, estando inserida nos Cdigos Penais de 1830 e 1890. Segundo esta doutrina, o parmetro para verificar se o menor praticara um ato delituoso com dolo, baseava-se na pesquisa do discernimento deste jovem, conforme ressalta Jasmim (1986, p. 32 apud PEREIRA, 2008, p. 13), imputava-se a responsabilidade penal ao menor em funo de uma pesquisa da sua conscincia em relao pratica da ao criminosa.. Com a entrada em vigor da Lei n 6.697 de 10 de outubro de 1979, denominado de Cdigo de Menores, a problemtica do menor deixa de ser um caso de polcia, pois agora o que se pretende ampliar a tutela dos menores e adolescentes e no to somente estabelecer punies queles em conflito com a lei.

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Este Cdigo, no obstante ter ampliado a tutela s crianas e adolescentes, ainda denominados de menores, no satisfazia plenamente proteo necessria aos mesmos, como expe Lima (2001, p. 59):A nova legislao no era to inovadora quanto podia parecer. Na verdade, inseria-se na continuidade da tradio menorista, que tinha como premissa a diviso da populao infanto-juvenil em dois segmentos, os menores regularmente inseridos na famlia e na Sociedade, e os menores em situao irregular, sendo apenas estes ltimos os seus destinatrios.

Torna-se fundamental para o entendimento deste cdigo, entender o significado da expresso menores irregulares, que representa o cerne desta doutrina. Menor irregular, segundo Cavalieri (1990, p. 13 apud LIMA, 2001, p. 60) diz respeito ao [...] estado de patologia jurdico-social abordado por normas jurdicas, atravs de diagnstico ou definio, terapia ou tratamento, profilaxia ou preveno.. Menores irregulares, portanto, eram aqueles que estavam inseridos nas seis situaes de fato elencadas no referido cdigo no seu art. 2, (BRASIL, 1979):a. Menor privado de condies essenciais de subsistncia, sade e instruo obrigatria, ainda que eventualmente em razo de falta, ao ou omisso dos pais ou responsvel e manifesta impossibilidade de os mesmos prov-las. b. Menor vtima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsvel. c. Menor em perigo moral devido a encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrrio aos bons costumes, e na hiptese de explorao em atividade contrria aos bons costumes. d. Menor privado de representao ou assistncia legal, pela falta eventual dos pais ou responsvel. e. Menor com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptao familiar e comunitria. f. Menor autor de infrao penal.

Verifica-se que o referido ordenamento jurdico apresenta um vis de somente cuidar das conseqncias advindas de um conflito j instalado, no se preocupando com a preveno. O aludido cdigo no adotava a proteo das crianas e adolescentes como fundamento normativo, contrariando assim normas positivadas e reconhecidas mundialmente que traziam no seu bojo a referida proteo, como por exemplo, a Declarao Universal dos Direitos das Crianas, aprovada pela Organizao das Naes Unidas (ONU) em 20 de novembro de 1959, contando inclusive com a participao do Brasil na sua votao.

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Outro destaque negativo diz respeito rotulao de menores em situao irregular, pois esta definio tinha um carter pejorativo em relao queles includos no rol exemplificativo do artigo 2 do referido cdigo, quando comparado aos menores considerados normais (BRASIL, 1979). Portanto, a doutrina jurdica do menor em situao irregular no considerava as crianas e adolescentes como sujeitos de direitos, mas to somente como objeto do direito, que Lima (2001, p. 64), esclarece que:[...] nesta, como na fase anterior, o Direito do Menor, era uma ordem jurdica essencialmente repressiva, contrria aos mais elementares princpios do Estado de Direito. Uma espcie de maquinaria jurdico-penal kafkiana, diante da qual os menores irregulares eram destitudos de sua dignidade humana e lacerados pela lmina fria da uma legislao que sequer se subordinava aos preceitos do Direito Constitucional.

Com a promulgao da Constituio Federal em 1988, foi adotado a Doutrina de Proteo Integral, que apresenta o conceito aceito mundialmente e que posteriormente norteou todo o ordenamento jurdico que versava sobre a proteo dos direitos das crianas e adolescentes, principio fundamental que rompeu definitivamente com o menorismo no Brasil, e que embasou o ECA e por conseguinte a nova legislao de adoo, recentemente aprovada. Acerca da definio de proteo integral, pilar basilar da referida doutrina, Lima (2001, p. 69), assim se posiciona:A expresso "Proteo Integral" significa que devemos assegurar em favor de crianas e adolescentes em geral, com prioridade absoluta, o pleno gozo ou exerccio dos Direitos Fundamentais comuns a toda pessoa humana e dos Direitos especiais de que so titulares em razo de sua condio peculiar de pessoas em desenvolvimento. Tambm significa que devemos assegurar-lhes o atendimento de suas Necessidades Bsicas, de modo que lhe sejam propiciadas, em todos os contextos e situaes sociais, o que for necessrio ao seu desenvolvimento integral (fsico, mental, moral, espiritual e social), em condies de liberdade e dignidade. Por fim, significa que devemos coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, violncia, crueldade e opresso.

Esta doutrina no surgiu recentemente, pois foi reflexo de uma evoluo legislativa mundial, fruto da conscientizao dos povos em proteger as crianas e adolescentes em toda a sua plenitude. Neste diapaso pode-se elencar as normas internacionais que fundamentaram esta doutrina, como sendo aquelas adotadas a partir da Conveno Internacional sobre os Direitos das Crianas, aprovada pela ONU em 1989, consagrando a doutrina jurdica de proteo integral e rompendo com as

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doutrinas anteriormente vigentes no ordenamento jurdico brasileiro, que eram a doutrina do direito penal do menor e da situao irregular do menor. No obstante a referncia a proteo integral s crianas e adolescentes ter sido consagrada no plano internacional a partir da Conveno Internacional sobre os Direitos das Crianas e Adolescentes, realizada no ano de 1989, a Constituio Federal do Brasil, promulgada em 1988, no seu art. 227, j fornecia as bases da aludida doutrina, que fora aceita internacionalmente, como o resumo da referida conveno aprovada pela ONU no ano seguinte. (BRASIL, 2010a). No que diz respeito a definio da acepo proteo integral, Garrido de Paula (2002, p. 31 apud PEREIRA, 2008, p. 20) salienta que a locuo proteo integral' auto-explicativa, indicando-a como finalidade poltica do Direito da Criana e do Adolescente e que ela faz parte de sua prpria essncia.[...]. Outro ponto fundamental desta doutrina refere-se que, opondo-se a teoria do menor irregular, o direcionamento desta doutrina amplo, como afirma Amaral e Silva (1989, p. 10 apud PEREIRA, 2008, p. 24):A doutrina jurdica da proteo integral preconiza que o direito do menor no deve se dirigir apenas a um tipo de menor, mas sim, a toda juventude e a toda infncia, e suas medidas de carter geral devem ser aplicveis a todos os jovens e a todas as crianas.[...].

A doutrina de proteo integral apresenta os seguintes elementos estruturais, como elenca Lima (2001, p. 152):a) o valor intrnseco da criana e do adolescente como seres humanos e cidados, do que decorre as sua legitimidade supra-legal para serem titulares incontestes de direitos fundamentais gerais e especiais; b) o reconhecimento das singularidades bio-psicolgicas, sociais, culturais da criana e do adolescente, na sua condio peculiar de pessoas em desenvolvimento; c) o reconhecimento de que a criana e do adolescente so portadores de valor prospectivo, na medida em que representam a possibilidade objetiva de continuidade do seu povo e da prpria espcie humana; d) o reconhecimento das condies especiais de vulnerabilidade a que esto expostos a criana e o adolescente, o que os torna credores de cuidados gerais e especiais, para que possam conviver, nos diversos contextos sociais, com as situaes mais adequadas ao seu desenvolvimento fsico, mental, moral, espiritual e social, em condies de liberdade e de dignidade.

Diante destes elementos estruturais, verifica-se que a adoo deve atender os referidos requisitos visando a parte mais vulnervel desta relao, que so as crianas e adolescentes. Desta forma a referida doutrina, atualmente em voga,

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rompeu com as tradies menoristas advindas da doutrina penal do menor e do menor em situao irregular, em que os mesmos somente eram reconhecidos como objeto do direito para serem imputadas penalidades ou visando agir nos casos dos conflitos j instalados e nunca alcanando a proteo das crianas e adolescentes, inserindo medidas de carter preventivo, dentre outras aes com o mesmo vis.

3.2 ADOO NO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO

A partir da promulgao da Constituio Federal de 1988, ocorreu uma ruptura com o tratamento legislativo do Cdigo de Menores de 1979, no que se refere aos direitos mais amplos proporcionados pela Carta Magna s crianas e adolescentes, que receberam esta definio em oposio ao termo menor, constante no cdigo menorista revogado. A Constituio de um pas pode ser ilustrada como sendo uma bssola a nortear a democracia, servindo como parmetro para o fiel exerccio do direito. Seguindo este ditame, a Carta Magna passa a considerar as crianas e adolescentes como sujeitos de direitos, estabelecendo no seu art. 226, a especial proteo a ser proporcionada pelo Estado famlia, incluindo-se proteo integral criana e ao adolescente, alm da previso dos deveres elencados no art. 227 (BRASIL, 2010a): dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.

Mais detalhadamente a Constituio Federal, no que se refere adoo, institui no pargrafo 5 do art. 227 que a adoo ser assistida pelo Poder Pblico, na forma da lei, que estabelecer casos e condies de sua efetivao por parte de estrangeiros. Ainda neste mesmo artigo, no pargrafo 6, ficou estabelecida a igualdade de direitos, livres de qualquer discriminao, inclusive de designaes

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relativas filiao dos filhos havidos ou no da relao do casamento, ou por adoo. (BRASIL, 2010a). Abstrai-se, portanto, que o art. 227 da Constituio Federal estabeleceu as bases que deram origem ao Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n 8.069/90), que ao entrar em vigor revogou expressamente o Cdigo de Menores de 1979. (BRASIL, 2010a) O Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), que completou vinte anos, considerada um marco na proteo dos direitos das crianas e adolescentes em todo o mundo, pois a partir do advento desta lei, estas passaram a ser reconhecidas como sujeitos de direitos, alm do que a proteo proporcionada por ela alcana todos os menores de 18 anos e no somente aqueles em situao irregular, conforme era previsto no cdigo menorista revogado. Desta forma o Estatuto da Criana e do Adolescente, construdo sobre a doutrina da proteo integral, exige obedincia estrita condio peculiar de seus destinatrios, pessoas em processo de desenvolvimento, e garantia de prioridade absoluta [...](PEREIRA JNIOR, 2007, p. 4). No que concerne a adoo, o ECA se constituiu em uma mudana paradigmtica no tratamento desta questo, como explicita Weber (2001, p. 15 apud CAMARGO, 2005, p. 5):Esta lei, de nmero 8.069/90, traz um significativo avano na concepo de assistncia infncia brasileira e, de modo especial, em relao adoo, tornando-se um importante marco na histria e na cultura da adoo no Brasil, representando a transio entre o perodo da chamada adoo clssica, cujo objetivo maior fixava-se na satisfao das necessidades dos casais impossibilitados de gerar filhos biologicamente, para a chamada adoo moderna, que privilegia a criana no sentido de garantir-lhe o direito de crescer e ser educada no seio de uma famlia.

Os dispositivos que tratavam da adoo estavam elencados no ECA, dos artigos 39 ao 52, na subseo IV, sendo que alguns foram revogados e outros acrescidos ou modificados, em face da Lei n 12.010/09. (BRASIL, 1990). Com o advento do novo cdigo civil em 2002, o cdigo civilista anterior que datava de 1916 foi revogado, levando consigo a divergncia doutrinria acerca da adoo, visto que o ECA regulava a adoo de menores de 18 anos e o Cdigo Civil, muito

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embora regulamentasse a adoo de maiores de idade, apresentava dispositivo que versava sobre a adoo de menores, como comenta Dias (2010, p. 476):[...] O ECA regulava de forma exclusiva a adoo de crianas e adolescentes, mas a lei civil trazia dispositivos que faziam referncia adoo de menores de idade. Esta superposio foi corrigida pela Lei da Adoo que, modo expresso, delega ao ECA a adoo de crianas e adolescentes e manda aplicar seus princpios adoo dos maiores de idade[...].

Verifica-se, portanto, que o atual cdigo civilista praticamente teve todo o captulo IV, relativo adoo revogado pela nova lei de adoo, restando to somente dois artigos que tratam deste tema, sendo que o art. 1618 delega exclusivamente ao ECA a adoo de crianas e adolescentes e o art. 1619 trata da adoo de maiores de idade (BRASIL, 2002). Em data de 03 de agosto de 2009, foi sancionada pelo Presidente da Repblica, a Lei n 12.010, denominada de Nova Lei da Adoo. O objetivo primordial desta lei foi tornar mais clere o processo de adoo, atendendo os ditames da doutrina de proteo integral no interesse das crianas e dos adolescentes, figuras principais e prioritrias a serem tutelados por esta norma. A nova lei de adoo tem como fundamento reafirmar a doutrina de proteo integral, j preconizada pelo ECA bem antes do surgimento desta lei, alm de assegurar outros direitos, como bem assevera Ribeiro, Santos e Souza (2010, p. 68-69):A nova lei observa e aprofunda, na sua funo de conformao, os fundamentos constitucionais e sociais do ECA, entre outros, principalmente no que se refere garantia do direito convivncia familiar, a proteo integral da criana e do adolescente, e a prioridade de observncia do melhor interesse destes.

No que concerne sua efetividade, observa-se que no obstante a nova lei possuir apenas oito artigos, ela modificou 227 artigos do ECA, alm de acrescentar dois pargrafos no art. 2 da lei que regula a investigao oficiosa da paternidade - Lei n 8.560/92 (BRASIL, 1992) Alm desta modificao, revogou os pargrafos 1, 2 e 3 do art. 392-A, da Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), no que se refere a extino dos prazos diferenciados para a concesso da licena-maternidade, que anteriormente era levada em conta a idade do adotado (BRASIL, 2010b).

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Ainda em relao s mudanas advindas da Lei n 12.010/09, ela deu nova redao aos artigos 1.618 e 1.619 do Cdigo Civil, revogando-se todos os artigos referentes adoo inseridos no Captulo V desta lei, passando a ser de exclusividade do ECA a adoo de crianas e adolescentes. (BRASIL, 2002).

3.3 REQUISITOS PARA A ADOO

Como a adoo versa sobre o futuro de crianas e adolescentes, fragilizadas devido situao em que se encontram, devem existir parmetros legais para orientar e definir os requisitos necessrios para a formalizao deste processo to importante para as mesmas.

3.3.1 Em relao ao adotante

Como a adoo um ato jurdico e como tal exige-se a capacidade para efetivao deste, a Lei n 12.010/10, em consonncia com a capacidade civil estabelecida pelo Cdigo Civil de 2002, que passou a ser de dezoito anos, assim tambm fixou este limite etrio para o adotante. Portanto, somente podem adotar os maiores de dezoito anos, independentemente do seu estado civil, como prev a nova redao do art. 42 do ECA (BRASIL, 1990). Qualquer pessoa pode adotar, como solteiros, divorciados, vivos, apenas ressaltando que exige-se a capacidade plena para formalizao deste ato jurdico, como explica Lbo (2003, p. 148 apud GONALVES, 2009, p. 348):[...] Assim, no podem adotar os maiores de 18 anos que sejam absoluta ou relativamente incapazes, como, por exemplo, os que no tenham discernimento para a prtica deste ato, os brios habituais e os excepcionais sem desenvolvimento completo, mesmo porque a natureza do

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instituto pressupe a introduo do adotando em ambiente familiar saudvel, capaz de propiciar o seu desenvolvimento humano.

Caso ocorra a adoo por apenas uma pessoa solteira ou que no possua companheiro, reca-se no exemplo de famlia monoparental, previsto no art. 226, 4, da Constituio Federal de 1988, que tambm teve reconhecimento no ECA. (BRASIL, 2010a). A famlia monoparental, constitui-se em uma famlia em que existe apenas um ente, seja uma figura paterna ou um ente materno, como expe Diniz (2020, p. 11):A famlia monoparental ou unilinear desvincula-se da idia de um casal relacionado com seus filhos, pois estes vivem apenas com um dos seus genitores, em razo de viuvez, separao judicial, divrcio, adoo unilateral, no reconhecimento de sua filiao pelo outro genitor, produo independente, etc.

No que concerne a adoo efetivada por casais, a lei prev que adoo possa ser realizada unilateralmente ou em conjunto pelo casal, desde que estes sejam civilmente casados ou vivendo em unio estvel, comprovada a estabilidade da famlia. A estabilidade da famlia pressupe que:[...] o casal tenha um lar onde reina a harmonia no relacionamento e exista segurana material, possibilitando a concluso de que a idade reduzida de um deles no representa risco responsabilidade decorrentes da paternidade ou maternidade. (GONALVES, 2009, p. 353).

Ainda em relao a adoo por casais ou vivendo em unio estvel Dias (2010, p. 479), afirma que quem casado ou vive em unio estvel tambm pode adotar, sendo que a adoo no precisa ser levada a efeito pelo casal. Como a lei no probe que somente uma pessoa adote, o que no proibido permitido. Basta haver a concordncia do cnjuge ou companheiro [...]. A adoo unilateral, tambm chamada de hbrida, est prevista no 1 do art. 42, do ECA e refere-se ao caso de um dos cnjuges ou conviventes efetuar a adoo do filho do outro. Neste caso, deferida a adoo, permanece o vnculo de filiao existente entre o adotado e um dos pais naturais e seus parentes. (BRASIL, 1990). Para dirimir dvidas, Santini (1996, p.66 apud FURLANETTO, 2006, p. 8) explica que a substituio da filiao acontecer, apenas, na linha materna ou paterna, no perdendo o cnjuge ou companheiro do adotante o seu poder familiar, que ser exercido conjuntamente..

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Um tema bastante polmico refere-se adoo por homossexuais. No bojo da lei de adoo no existe nenhum ressalva ou proibio de se efetivar a adoo meramente em face da opo sexual do adotante, pois se assim o fizesse estaria contrariando frontalmente a livre orientao sexual, prevista no art 5 da Constituio Federal (BRASIL, 2010a). A adoo por homossexual somente admitida de forma individual, ou seja, apenas um dos indivduos pode ser o adotante, sendo que esta proibio no tem nenhuma implicncia de orientao sexual, mas to somente que o ordenamento jurdico ptrio somente admite a unio estvel entre homem e mulher. Em relao aos divorciados, ao juridicamente separados e aos ex-companheiros, a nova lei de adoo deu nova redao ao art. 42, 4 do ECA ao estabelecer a possibilidade de adoo conjuntamente, desde que o estgio de convivncia tenha se iniciado na constncia do perodo de convivncia do casal e que esteja acordado entre os mesmos a questo da guarda do adotado e o regime de visitas, salientando que a excepcionalidade desta concesso deve ter como fundamento, devidamente comprovado, a afinidade e afetividade do adotado com o no detentor da guarda. (BRASIL, 1990). Foi mantido no ECA, a proibio de adoo entre irmos ou entre ascendentes, no estando expresso na referida lei a adoo entre colaterais, portanto existindo a possibilidade de efetivao da adoo entre parentes, como admite Picolin (2007, p. 27). Desta forma poder ocorrer a adoo dos sobrinhos pelos tios ou dos sogros adotarem a nora ou o genro, aps o falecimento do filho ou da filha. A proibio de adoo entre ascendentes, como no caso do av adotar o neto, segundo Chaves (1995, p. 253-254 apud GONALVES, 2009, p. 351), [...] no faz sentido e que, na maioria das vezes, a pretenso no tem outra finalidade seno a de fraudar o Fisco no tocante ao pagamento de imposto da transmisso causa mortis.. Ainda em relao a adoo por ascendentes ou entre irmos, a lei probe a sua efetivao, porm disponibiliza a preferncia dos mesmos em relao a concesso da guarda ou tutela das crianas e adolescentes que se enquadrem na situao de fato ensejadora desta guarda ou tutela.

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Quanto aos tutores e curadores adotarem o pupilo ou curatelado, o ECA no seu art. 44 admite tal possibilidade, desde que os mesmos se desincumbam do seu mister atravs da prestao de contas de sua administrao, sob a fiscalizao do Ministrio Pblico. (BRASIL, 1990). Esta exigncia de fundamental importncia, como admite Dias (2010, p. 480):Como o tutor e curador tm a obrigao de prestar contas (obrigao que inexiste em se tratando dos pais), no exigir o adimplemento de tal encargo poderia dar margem busca da adoo como subterfgio para simplesmente serem dispensados do encargo: bastaria adotar o tutelado ou curatelado.

Vale observar que se durante o processo de adoo, o adotante vier a falecer antes da prolatao da sentena, porm confirmando-se que o mesmo externou em vida de forma inequvoca a sua vontade em adotar a criana ou o adolescente, a adoo ser deferida, configurando-se a denominada adoo pstuma, como se tivesse sido adotado em vida pelo de cujus. Neste sentido Rodrigues (2004, p. 343 apud GONALVES, 2009, p. 355-356), assim se posiciona:[...] a adoo s no se aperfeioou em razo da morte do adotante. Por isso que a lei fala no curso do procedimento'. Se o pedido foi formulado, mas a instncia por qualquer motivo se extinguiu e, aps sua extino, houve o bito do requerente, no se defere a adoo, porque a morte subsequente ao pedido no se deu no curso do procedimento. Ocorrendo esses pressupostos, o juiz deve deferir o pedido de adoo, gerando a sentena todos os efeitos daquela.

No que diz respeito aos direitos sucessrios da criana e do adolescente configurado no caso da adoo pstuma em comento, Granato (2010, p.95), citando o art.47, 7 do ECA, afirma que os efeitos da adoo, neste caso, retroagem data do bito, coincidindo com a abertura da sucesso.

3.3.2 Em relao ao adotado

Antes do advento da nova lei de adoo, a adoo de maiores era regida exclusivamente pelo Cdigo Civil, enquanto que a adoo de menores e adolescentes era regulamentada pelo Cdigo Civil e supletivamente pelo ECA.

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Atualmente, a adoo de menores de dezoito anos de competncia exclusiva da Justia da Infncia e da Juventude, como prev o art 1.618 do Cdigo Civil (BRASIL, 2002). Atualmente a redao deste artigo foi modificado pela Lei n 12.010, sendo que todo o procedimento est definido no ECA. Quanto a idade do adotando o ECA dispe que este deve contar com no mximo dezoito anos, salientando que pode ocorrer a adoo por maior de dezoito anos, quando este j estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes, como prev o art. 40 do ECA, que no sofreu nenhuma alterao pela Lei n 12.010. (BRASIL, 1990). Neste caso (adoo de maiores), deve-se observar o procedimento previsto no art. 1.619, do Cdigo Civil em que tal processo, assim como nos casos de menores de dezoito anos, deve contar com a assistncia do Ministrio Pblico, para se aperfeioar. (BRASIL, 2002). A diferena de idade entre o adotante e o adotado deve ser de dezesseis anos. Este limite etrio tem como fundamento que a adoo imita a natureza, portanto como expe Gonalves (2009, p. 359-360) que [...] imprescindvel que o adotante seja mais velho para que possa desempenhar eficientemente o poder familiar [...]. Quando o adotando contar com mais de doze anos, prev o ECA, no art. 45, 2, que este deve consentir em ser adotado, para que o processo se concretize (BRASIL, 1990). Em relao a este consentimento, Kauss (1993, p. 54 apud GRANATO, 2010, p. 7475), assim se posiciona:Entretanto, esse consentimento deve ter um valor relativo na apreciao a ser feita pelo juiz na sentena. A sua concordncia ou discordncia, por si s, no deve representar o deferimento ou indeferimento da adoo [...]. [...] a concordncia ou discordncia do menor deve ser confrontada com as vantagens ou desvantagens para si, da adoo [...]. [...] No se pode esquecer a cautela com que sempre se houver a Justia, nas causas de famlia, com relao a depoimentos de menores, nem se deve consider-los isoladamente, mas em conjunto com as outras provas ou elementos formadores de convico. A adoo moderna sempre conferida de acordo com os altos interesses dos menores, que eles nem sempre sabem aquilatar.

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Diante do exposto, verifica-se que embora seja obrigatrio o consentimento do adotado, quando este possuir mais de doze anos de idade, esse consentimento, por si s, no enseja o deferimento ou indeferimento da adoo.

3.3.3 Outros requisitos

Primeiramente, a adoo tem que fundamentalmente se revestir em reais vantagens para o adotando, exigncia que se baseia no princpio do melhor interesse da criana e baseada em motivos legtimos, conforme exposto no art.43, do ECA (BRASIL, 1990). Segundo Albergaria (1996, p. 52 apud FURLANETTO, 2006, p. 9), a verificao das reais vantagens da adoo ter como base o estudo da personalidade dos adotantes, como do ambiente familiar, e situao econmica e material dos requerentes. O interesse do adotando deve sobrepujar qualquer outro interesse, como ratifica Furlanetto (2006, p. 9-10), ao afirmar que:A finalidade da prvia constatao das reais vantagens na adoo ir evitar, ou ao menos prevenir o seu insucesso, visando rastrear eventuais riscos que podem ocorrer na relao entre adotantes e adotandos. Por fim, vale dizer que as reais vantagens para o adotando sero aniquiladas de forma cuidadosa pela equipe interprofissional, que atua junto ao Juizado da Infncia e Juventude, mediante estudo da personalidade dos sujeitos da relao adotiva, do ambiente familiar e comunitrio e do estado material e econmico do lar do adotando.

No que se refere aos motivos legtimos, deve-se observar os motivos que ensejaram o interesse dos adotantes em querer adotar a criana e/ou adolescente. Como dispe Marmitt (1993, p. 89 apud FURLANETTO, 2006, p. 10) os motivos legtimos devem ser fundados na inteno primordial de oferecer uma famlia ao adotando, e no, por exemplo, o suprimento de carncias do adotante, tais como a necessidade de companhias e de afeto.

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A adoo deve ser efetivada mediante um processo judicial, que somente se aperfeioa se este processo tiver a assistncia do Ministrio Pblico, inclusive na adoo de maiores de dezoito anos. Granato (2010, p. 102), acerca do procedimento relativo ao processo de adoo, afirma que:[...] pode-se extrair, das diversas disposies esparsas na lei, que o procedimento ser de jurisdio voluntria quando houver consentimento dos pais naturais ou estes j tiverem sido destitudos do poder familiar. Ser contencioso quando os pais estiverem no exerccio do poder familiar e no consentirem expressamente na adoo. Em sendo contencioso, o processo segue o rito ordinrio do Cdigo de Processo Civil.

O Estatuto da criana e do adolescente probe a adoo efetivada atravs de procurao, sendo que este requisito constituiu-se em uma formalidade que visa estabelecer um contato entre o adotante e o adotado, para que se crie um vnculo entre ambos, bem como visa levar a presena do magistrado todas as pessoas interessadas, ensejando ao julgador constatar com maior eficincia as vantagens e desvantagens do pedido, que concretiza a filiao entre as partes, a qual, aps sentena constitutiva a torna irrevogvel. (MARMITT, 1993, p. 13 apud FURLANETTO, 2006, p. 9). A necessidade do consentimento, quando se tratar de adotando maior de 12 anos, j foi tratada no subtpico anterior. Em relao ao consentimento para adoo de menor de doze anos ou incapaz, prev o art. 45 do ECA que esta deve contar com a anuncia dos pais ou responsveis, sendo dispensado de tal consentimento se os pais forem desconhecidos ou tiverem sido destitudos do poder familiar, como aduz o 1, do mesmo artigo. (BRASIL, 1990). Pela modificaes introduzidas pela nova lei de adoo, pessoas interessadas em adotar devem se cadastrar previamente em juzo, ou seja, seus nomes contaro em uma lista de pretendentes em cada Comarca ou Foro Regional, bem como ser elaborado um registro de crianas e adolescentes em condies de serem adotados, conforme expe o ECA no art. 50 (BRASIL, 1990). Para atingir o mister a que se prope o referido artigo, o Conselho Nacional de Justia (CNJ), atravs da Resoluo 54/08 criou o Cadastro Nacional de Adoo, ferramenta de fundamental importncia para dinamizar o processo de adoo no pas. (BRASIL, 2008).

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Acerca deste cadastro, Granato (2010, p. 83), dispe que este tem como finalidade:[...] possibilitar o encontro de pessoas interessadas em adotar, com crianas e adolescentes que possam ser adotados podendo assim haver a concretizao de adoes que no ocorreriam, no fosse a oportunidade aberta pelo cadastro nacional de adoo. Na verdade, o intercmbio de informaes, formando uma verdadeira rede nacional de dados entre os estados, poder potencializar o nmero de adoes, uma vez que ensejar o encontro entre pretendentes que querem adotar e crianas e adolescentes que desejam conviver em uma famlia.

No obstante seja obrigatrio o prvio cadastramento do pretendente a adotar uma criana ou adolescente, o 13 do art. 50, do ECA admite uma exceo a esta regra, no caso em quem detm a guarda legal de criana maior de trs anos ou adolescentes, desde que o lapso de convivncia demonstre que se estabeleceu um lao de afinidade e afetividade entre adotante e adotado, bem como no exista mf neste ato. (BRASIL, 1990). Alm da m-f, o referido artigo se reporta a outras situaes que se constituem crimes previstos no ECA, e que motivam o indeferimento da adoo, estando elencados no art. 237 e 238, referindo-se a subtrao da criana ou adolescente para colocao em um lar substituto e prometer a entrega de filho a terceiro, mediante pagamento ou recompensa. (BRASIL,1990) Outro requisito inerente adoo se refere a obrigatoriedade do estgio de convivncia entre adotante e adotado, que segundo Ribeiro, Santos e Souza (2010, p. 129):[...] o perodo no qual a convenincia da adoo ser avaliada pelo juiz e seus auxiliares, com base nas relaes desenvolvidas cotidianamente entre adotante e adotado. Considerando a seriedade da medida e, ainda, que a adoo irrevogvel, o estgio de convivncia visa possibilidade de anlise da adaptao da criana ou adolescente ao seu novo lar.

O estgio de convivncia poder ser dispensado se o adotando j estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante, salientando que deve ser observado se o lapso temporal em que a criana ou adolescente permaneceu sob a guarda ou tutela do adotante foi possvel avaliar a convenincia da constituio de vnculos afetivos entre eles, como prev o 1, do art. 50 do ECA (BRASIL, 1990). A adoo por se tratar de uma medida excepcional, que somente deve ser efetivada quando esgotados todos os recursos para a manuteno da criana ou do adolescente na famlia natural ou extensa, como dispe o art. 39, 1 e 2 parte do

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ECA, deve se revestir de carter irrevogvel, considerando a importncia deste ato, principalmente para os adotados, que desta formam entram de forma definitiva na famlia do adotante. A irrevogabilidade desta deciso perdura, inclusive, com a morte do adotante, condio que no enseja o restabelecimento do poder familiar aos pais naturais, conforme previso do art. 49, do ECA. (BRASIL, 1990)

3.5 EFEITOS JURDICOS DA ADOO

A sentena proferida que concede a adoo tem o condo de modificar o status quo, atribuindo ao adotado a condio de filho e acarretando consequncias jurdicas de ordem pessoal e patrimonial.

3.5.1 Efeitos pessoais

O efeito imediato advindo da adoo a constituio do vnculo de filiao, ou seja, a criana e o adolescente ao serem adotados passam a fazer parte de uma nova famlia, estabelecendo-se um novo vnculo de filiao com os pais adotivos. Neste sentido o ECA estabelece no art. 41 que a adoo atribui a condio de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessrios, desligando-o de qualquer vnculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. (BRASIL,1990), Desta forma, Marmitt (1993, p. 49 apud FURLANETTO, 2006, p. 15), afirma que:[...] ocorre a introduo do adotando na famlia substituta, de forma completa, rompendo de forma definitiva a filiao biolgica. Destarte, o ptrio poder transferido integralmente ao adotante em face da ruptura dos laos de parentesco com a famlia natural, inclusive com a morte do adotante, razo pela qaul os pais naturais no tero direito sucessrio em relao ao adotado.

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Ressalta-se, portanto, o carter irrevogvel da adoo, o que impede o restabelecimento do poder familiar dos pais biolgicos e como consequncia, o retorno da criana ou do adolescente ao lar original ou as instituies de acolhimento. Existe uma ressalva quanto ao estabelecimento dos laos de parentesco entre o adotante e o adotado, no que se refere aos impedimentos decorrentes do matrimnio, previstos no Cdigo Civil, mais precisamente no art. 1.521, I, II, III e IV, como forma de evitar relaes incestuosas e atentatrias moral e aos bons costumes, do lar e da sociedade como um todo. (BRASIL, 2002). Outro aspecto inerente aos efeitos pessoais decorrente da adoo refere-se ao nome e sobrenome do adotado, que assume aps a decretao da adoo o sobrenome ou patromnico da famlia em que est sendo inserido, suprimindo o sobrenome de sua famlia biolgica. Quanto ao prenome, poder ser requerida a modificao, devendo ser ouvido o adotado quando este j possua capacidade de entender tal modificao, com vistas a externar a sua opinio em efetuar a modificao, conforme previso do 5 do art. 47, do ECA (BRASIL, 1990).

3.5.2 Efeitos patrimoniais

No aspecto patrimonial, so dois os efeitos que se sobressaem na adoo: os direitos sucessrios e a prestao de alimentos recproca entre adotante e adotado. No que diz respeito aos direitos sucessrios, o pargrafo 6 do art. 227, da Constituio Federal indubitavelmente atribui aos adotados a equiparao com os filhos advindos do parentesco consaguneo, portanto, possuem legitimidade para entrar na cadeia sucessria do de cujus.(BRASIL, 2010a), Alm dos direitos sucessrios, outro aspecto atinente aos efeitos patrimoniais da adoo, refere-se a obrigao alimentar recproca entre adotante e adotado, de forma idntica obrigao existente entre pais e filhos biolgicos. Vale salientar que

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o sentido da palavra alimentos muito mais abrangente do que a comida, como expe Cahali (1993, p. 177 apud GRANATO, 2010, p.100):[...] a palavra alimentos vem a significar tudo que necessrio para satisfazer os reclamos da vida, so as prestaes com as quais podem ser satisfeitas as necessidades vitais de quem no pode prov-las por si; mais amplamente, a contribuio peridica assegurada a algum, por um ttulo de direito para exigi-la de outrem, como necessrio sua manuteno.

Desta forma, deve ser assegurada entre adotante e adotado as condies para que estes possam se manter adequadamente, sendo que em face do adotado ser parente do adotante, a obrigao de fornecer alimentos se estende aos parentes do mesmo (do adotante).

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4 AVANOS E RETROCESSOS DA LEI N 12.010/09

Muito embora a Lei n 12.010/09 tenha surgido com a designao de nova lei de adoo, ela no criou uma legislao especfica a tratar deste tema, mas to somente instituiu novos artigos e na grande maioria modificou e acrescentou outros ao ECA, com o objetivo de tornar mais clere o processo de adoo e por conseguinte, aumentar o nmero de adoes aps o advento da mesma. No obstante ter o escopo de ampliar as adoes de crianas e adolescentes no Brasil, esta legislao trouxe no seu bojo avanos e retrocessos acerca do tema em questo. A adoo, antes de se constituir em uma soluo para os problemas das crianas e adolescentes nas situaes que necessitem da aplicao deste instituto, deve-se levar em considerao se esta medida encontra-se em consonncia com um dos princpios fundamentais inseridos na Carta Magna, que o da Dignidade da Pessoa Humana e portanto a adoo, primeiramente e prioritariamente deve atender o preconizado neste princpio, para que seja efetivada a adoo. Alm deste, o Princpio do Superior Interesse da Criana e do Adolescente, busca valorar o interesse destas, atribuindo-lhe uma condio superior frente a quaisquer outro que venha colidir com este, no interesse destes entes fragilizados por natureza e que desta forma necessitam da guarida proporcionada por este princpio deveras importante.

4.1 PRINCPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Dentre os princpios constitucionais, o da dignidade da pessoa humana constitu-se em um dos pilares da Carta Magna, estabelecendo diretrizes a nortear todo o ordenamento jurdico da nao, que deve respeitar este princpio, que encontra-se

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inserida no rol dos princpios e garantias individuais da Constituio Federal, como afirma Pereira (2008, p. 150):Esta foi, portanto, a orientao da Carta Constitucional de 1988 ao garantir o respeito dignidade humana como fundamento da Repblica Federativa do Brasil, no apenas no sentido de assegurar um tratamento humano e no degradante e tampouco conduzir ao mero oferecimento de garantias integridade fsica do ser humano.

A dignidade da pessoa humana, na opinio de diversos doutrinadores, no se refere a um direito, mas sim a uma condio inerente ao ser humano, pois segundo Souza Jnior (2009, p. 1):Trata-se de um atributo que todo ser humano possui independentemente de qualquer requisito ou condio, seja ele de nacionalidade, sexo, religio, posio social etc. considerada como o nosso valor constitucional supremo, o ncleo axiolgico da constituio.

No Estatuto da Criana e do Adolescente, este princpio est incluso no art. 4, que estabelece que: dever da famlia, da comunidade, da sociedade em geral e do poder pblico assegurar, com absoluta prioridade, a efetivao dos direitos referentes vida, sade, alimentao, educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria. (BRASIL, 1990, grifo nosso).

Neste desiderato, acerca do dever configurado no art 18 do ECA, observa-se que: importante salientar que dever de todos velar pela dignidade da criana e do adolescente. Esta funo no se limita aos pais e aos responsveis legais, estendendo-se a qualquer pessoa que tenha conhecimento de algum abuso ou desrespeito dignidade da criana ou adolescente [...]. (MARQUES, 1976, p. 80 apud PEREIRA, 2008, p. 167).

Diante do exposto verifica-se o quanto importante a dignidade do ser humano e em especial s crianas e adolescentes, que devido a sua situao de fragilidade, deve ter a proteo integral, conforme previso normativa e que esta se materialize tendo toda a sociedade como guardi desta norma constitucional.

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4.2 PRINCPIO DO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANA E DO ADOLESCENTE

Outro princpio relevante para a proteo dos direitos das crianas e dos adolescentes o do superior interesse, que foi fruto da evoluo normativa e teve reconhecimento doutrinrio que a partir da implementao deste princpio passaram a ser sujeitos de direito, rompendo com a tradio menorista presente na doutrina do menor irregular, que os consideravam to somente como objetos de direito. Acerca do carter emancipatrio deste princpio, ao romper com a tradio menorista, em voga at o advento do ECA, Lima ( 2001, p. 264), considera que:Este princpio afirma a prevalncia dos interesses de crianas e adolescentes em face de quaisquer outros. Deve ser interpretado e aplicado numa perspectiva tica, jurdica, social e poltica fundada no reconhecimento de que a criana e do adolescente so sujeitos de direitos comuns e especiais. Estes direitos devem ser concebidos, necessariamente, como critrios de Poltica Jurdica lato sensu. Em razo disso, devem incidir em todos os contextos e nveis em que ocorre a criao e a aplicao do Direito da Criana e do Adolescente espaos pblico e privado, funes legislativa, administrativa e judiciria etc.

Portanto, verifica-se que na aplicao do direito inerente s crianas e adolescentes, alm dos outros princpios norteadores deve-se levar em conta o superior interesse a suplantar interesses individuais ou mesmo coletivos que venham de encontro a satisfao dos legtimos direitos inerentes s crianas e adolescentes presentes nas Convenes Internacionais que tratam deste tema e do ECA. Ratificando este ditame, Buol (1998, p. 108 apud LIMA, 2001, p. 279) afirma que a aplicao deste princpio:Requer uma anlise conjunta dos direitos afetados e dos que possam vir a ser afetados pela resoluo da autoridade. Sempre dever ser tomada aquela medida que assegure a mxima satisfao dos direitos possvel e a menor restrio dos mesmos, e isto no somente considerando o nmero de direitos afetados, mas tambm sua importncia relativa.

Desta forma, no processo de adoo no deve ser verificada to somente a condio material do adotante ou aqueles que buscam uma criana ou adolescente para suprir uma carncia afetiva, mas sim que esta adoo se transmute em reais

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vantagens para o adotando, preservando, assim o seu superior interesse, que segundo Ribeiro, Santos e Souza (2010, p. 71):[...] mais relevante a felicidade da criana e do adolescente que a mera situao jurdica alcanada pela verdade registral, desacompanhada de laos de afeto, ou, a adoo que se realiza no interesse exclusivo do adotante, sem alcanar sua verdadeira vocao de prioridade da pessoa em formao.

No ECA, este princpio vem explcito no Captulo II, que trata das medidas especficas de proteo s crianas e adolescentes, ao estabelecer que:Art. 100. Na aplicao das medidas levar-se-o em conta as necessidades pedaggicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vnculos familiares e comunitrios. Pargrafo nico. So tambm princpios que regem a aplicao das medidas: IV - interesse superior da criana e do adolescente: a interveno deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criana e do adolescente, sem prejuzo da considerao que for devida a outros interesses legtimos no mbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; (BRASIL, 1990).

Ao especificar no referido artigo o princpio do superior interesse da criana, almejou o legislador demonstrar a importncia do referido princpio, assim como os demais contidos no mesmo dispositivo, para que sirvam de parmetros para o adequado cumprimento da norma estatutria. Mesmo atendendo aos ditames principiolgicos, uma lei em razo de sua falibilidade decorrente da natureza humana que a elaborou, atrelada ao fato da sociedade ser composta de diversos estratos que apresentam desejos complexos e colidentes e, que por isso, tm posicionamento divergente acerca de diversos temas, dentre eles o que est em estudo neste trabalho, torna-se necessrio elencar e desenvolver os avanos e retrocessos advindo com a entrada em vigor da Lei n 12.010/09 e suas implicaes na questo da adoo no Brasil.

4.3 AVANOS E RETROCESSOS DA NOVA LEI DE ADOO

Ante o advento da nova lei de adoo, verifica-se que a finalidade precpua desta nova lei no somente ampliar o nmero de adoes no pas, mas sim, criar

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mecanismos para que as crianas e adolescentes no se afastem do convvio familiar, to salutar para o desenvolvimento psicossocial das mesmas. A ultima ratio, neste sentido a colocao das crianas e adolescentes em famlia substituta, como bem aduz o 1 do art. 39 do ECA (BRASIL, 1990): 1 A adoo medida excepcional e irrevogvel, qual deve se recorrer apenas quando esgotados os recursos de manuteno da criana e do adolescente na famlia natural ou extensa, na forma do pargrafo nico do art. 25 desta Lei.

Verifica-se, portanto, que a lei pretende promover e fortalecer o convvio da criana e do adolescente na sua famlia natural ou na famlia extensa, que a denominao que se d quela formada por parentes prximos, desde que as mesmas convivam com eles e mantenham vnculos de afinidade e afetividade, excepcionando assim, a adoo como soluo para a situao ftica das crianas e adolescentes em vias de serem adotadas. Neste aspecto da excepcionalidade da adoo, Granato (2010, p. 71-72), afirma que:Por essa redao deixa o legislador escapar um certo antagonismo para com a adoo, contrastando com o sentimento generalizado exposto nos Encontros e Congressos de Grupos de Apoio Adoo, que at ento viam na adoo a soluo para a criana afastada da famlia de origem, propiciando-lhe a garantia de uma criao tranquila e saudvel.

Dentre os requisitos para que se possa efetivar a adoo est o cadastramento prvio do pretendente a adotar uma criana ou adolescente, na comarca ou foro regional. Alm do cadastramento do interessado, tambm existe um cadastramento de crianas e adolescentes aptos adoo. Este requisito, encontra-se previsto no 5 do art. 50, do ECA (BRASIL, 1990). Visando unificar nacionalmente os cadastros de todas as comarcas, promovendo a dinmica e amplitude dos referidos cadastros, o Conselho Nacional de Justia (CNJ), envidou esforos e editou a resoluo n 54/08, criando o Cadastro Nacional de Adoo, alm de implantar Banco Nacional de Adoo, com a mesma finalidade. (BRASIL, 2008).

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Muito embora o cadastro nacional procure promover com maior amplitude o encontro entre adotantes e adotandos, visto que o referido cadastro tem alcance nacional, na prtica tal mister no alcanado, como afirma Granato (2010, p. 83-84):[...] apesar do grande nmero de crianas abrigadas, muito pequeno o nmero daquelas que j esto disponveis para a adoo[...] Alm do mais, como o cadastro no e nem pode ser pblico, a ele tendo acesso somente as autoridades estaduais e federais em matria de adoo, como diz o 7 do art. 50 do ECA, sua eficcia se torna consideravelmente reduzida.

Ainda, segundo a mesma autora, a burocracia do cadastro de adoo tambm provoca o efeito contrrio a que esperava o legislador:Ademais, as exigncias para o cadastro so excessivas. No se pode esquecer que o cadastramento da pessoa significa, apenas, que ela integra um cadastro, com muitas pessoas sua frente e que, diferentemente do que parece se ler na lei, que a pessoa vai ser logo chamada para adotar, s vezes a demora de anos, quando, ento, as condies do pretendente j se modificaram, perdendo aquele trabalhoso cadastro a sua utilidade.

O ECA, antes das modificaes introduzidas pela Lei n 12.010/09, estabelecia um prazo fixo para o denominado estgio de convivncia, que poderia ser de trs anos no caso de legitimao adotiva prevista na Lei n 4.655/65 ou um ano quando correspondesse a adoo plena do cdigo de menores. Atualmente a fixao do referido prazo discricionariedade do juiz, que, inclusive pode dispens-lo quando se tratar de criana com menos de um ano de idade ou que esteja em companhia dos adotantes por um perodo de tempo em que seja possvel verificar se a adoo conveniente para que seja legalmente estabelecida. (BRASIL, 1990). Segundo Tavares (2005, p. 57 apud RIBEIRO; SANTOS; SOUZA, 2010, p. 130):O estgio de convivncia propicia condies de conhecimento mtuo entre aqueles que se preparam para a srie e grave vinculao familiar, completa e definitiva. Destina-se ao aferimento dos atributos pessoais, compatibilidades ou incompatibilidades.

Quanto ao estgio de convivncia, no caso de adotantes estrangeiros, residentes ou domiciliados fora do pas, o 3 do art. 46 do ECA estabelece taxativamente que este deve ser de no mnimo trinta dias, salientando que este estgio dever ser cumprindo no pas. (BRASIL, 1990).

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Fundamentalmente o estgio de convivncia deveras importante no processo de adoo, porm a fixao do prazo, quando se tratar de adoo por estrangeiros, revela-se um bice adoo, como bem afirma Silva (1995, p. 110 apud FIGUEIREDO, 2009, p. 40):[...] a verdade que o prazo de permanncia do estrangeiro no Brasil acaba por estender-se alm dos 30 dias (trinta por conta do estgio de convivncia, 10 por conta do trnsito em julgado da sentena de adoo). Ora, esse fato, isoladamente considerado j constitui motivo suficiente para obstar a adoo de crianas brasileiras por casais ou pessoas estrangeiras. O candidato adoo geralmente no apresenta disponibilidade temporal para permanecer no Brasil por perodo superior a 30ndias. Ele h de ter seus afazeres profissionais no pas de origem e, por essa razo, no poder ficar no territrio brasileiro por 40 dias.

Desta forma, as medidas que versam sobre a possibilidade de adoo por estrangeiros inclusas no ECA tm como objetivo de que deva ser a ltima forma de adoo das crianas e adolescentes, visto que at na possibilidade de existir um adotando apto sendo preferido por um brasileiro no cadastrado, residente no pas, e um estrangeiro cadastrado, o brasileiro ter a preferncia na adoo em detrimento ao estrangeiro. Por outro lado, os entraves burocrticos para que seja materializada uma adoo por estrangeiros tem prejudicado sobremaneira quem a lei pretende proteger, pois com a nova legislao esta modalidade de adoo tornou-se bastante complicada a sua efetivao, como esclarece Dias (2009, p. 486):Com a chamada Lei de Adoo, o ECA passou a regulamentar de forma exaustiva a adoo internacional [...]. Mas imps tantos entraves e exigncias que, dificilmente, conseguir algum obt-la. At parece que a inteno foi de vet-la. Os labirintos que forma impostos transformaram-se em barreira intransponvel para que desafortunados brasileirinhos tenham a chance de encontrarem um futuro melhor fora do pas.

Muito embora o legislador na sua nsia protetiva de que os adotantes permaneam na sua famlia natural ou extensa, almeje o melhor interesse da criana e do adolescente, pois como ressalta Ribeiro, Santos e Souza (2010, p. 152) a ptria perde um filho, porque no deu conta dele, que passar a uma outra cultura, um outro idioma e uma outra legislao, esta no alcanada, pois, verifica-se que com essa medida a legislao est excluindo aquelas que possuem uma idade superior daquela pretendida pelos adotantes (adoes tardias), atreladas a fatores tnicos, como por exemplo a cor da pele, que so observados pelos brasileiros

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quando da escolha dos adotandos, diferentemente dos estrangeiros, visto que para eles pouco importam as qualificaes das crianas e adolescentes aptas a serem adotadas. Outra situao, advinda da inovao trazida pela nova lei de adoo, refere-se a questo da colocao da criana e do adolescente em acolhimento institucional. O acolhimento institucional, assim como o acolhimento familiar so medidas excepcionais e transitrias de colocao das crianas e adolescentes em um local at que possam retornar ao lar de origem, quando possvel, ou inseridas em famlia substituta, conforme estatudo no ECA (BRASIL, 1990). No se confunde o acolhimento familiar com a figura da famlia substituta, visto que o primeiro, na definio de Ribeiro, Santos e Souza (2010, p. 88):[...] compreende programa pelo qual uma pessoa ou casal (denominada famlia acolhedora) recebe em sua casa, temporariamente, criana ou adolescente que no esteja com sua famlia natural, por razes vrias, e aguarda colocao em famlia substituta. [...] corresponde figura da guarda, essencialmente transitria, por que a antessala da colocao em famlia substituta, como ocorre com o acolhimento institucional.

Neste sentido, a nova lei ao criar a figura do acolhimento familiar, buscou evitar o acolhimento institucional, que no obstante tenha sua atividade prevista pelo referido ordenamento, com obrigaes e finalidades especificadas nesta norma e com a fiscalizao do poder pblico, no se constitu em um ambiente propcio ao desenvolvimento psicosocial das crianas e dos adolescentes, como encontrado em um ambiente familiar, mesmo que transitrio, visto que o drama central da vida da criana institucionalizada incide, justamente, sobre os referenciais em relao aos quais possa criar sua prpria identidade pessoal e ancorar as diferenciaes bsicas enumeradas de sua singularidade e de sua localizao no mundo [...], na viso de Justo (1997, p. 72-73 apud CAMARGO, 2005, p. 5). Portanto, a institucionalizao das crianas e adolescentes, que a partir da modificao introduzida no ECA pela nova lei de adoo, passam a ser denominados de acolhimento institucional, em substituio ao termo abrigo, apresenta-se como ltimo local a serem destinadas as crianas e adolescentes inseridas no rol daquelas desprovidas do amparo familiar e que ainda no tenham

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sido inseridas em uma famlia substituta. Neste aspecto, Justo (1997, p. 71 apud CAMARGO, 2005, p. 04) afirma que:As instituies asilares esto ainda presentes na sociedade porque se tornaram mecanismos de uma pseudo-a