Monografia "Para além do código: prazer e fruição em Pas de deux de Norman McLaren"

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 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas João Paulo Clemente PARA ALÉM DO CÓDIGO: prazer e fruição em Pas de deux,  de Norman McLaren Belo Horizonte 2011 

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Monografia realizada para conclusão do curso de Comunicação Social da UFMG.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

João Paulo Clemente

PARA ALÉM DO CÓDIGO: prazer e fruição em Pas de deux, de Norman McLaren

Belo Horizonte

2011 

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Para além do código: prazer e fruição em Pas de deux , de NormanMcLaren

Monografia apresentada ao Departamento de

Comunicação Social da Universidade Federal de

Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção

do título de Bacharel em Comunicação Social.

Orientador: Prof. Dr. César Guimarães

Belo Horizonte2011 

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RESUMO

Esta monografia procura compreender  – de maneira livremente exploratória  – 

algumas dimensões da experiência estética que o filme Pas de deux, de NormanMcLaren, pode proporcionar ao espectador. Se nos é vedado analisar como

efetivamente se dá a experiência estética (enquanto um fato positivo, passível de ser

descrito objetivamente) podemos, no entanto, esboçar hipoteticamente um modo

possível de relação entre a obra e o espectador, procurando identificar alguns

vetores que atraem a sensibilidade daquele que experimenta o filme. Assim,

partindo da especificidade do dispositivo cinematográfico e levando em conta a

peculiaridade do cinema de animação, imaginamos que as noções barthesianas de

prazer e de fruição  – transportadas para o universo fílmico  – poderiam ser

convocadas para descrever algumas direções prováveis tomadas pela interação

entre a obra e o espectador.

Palavras-chave: Prazer . Fruição . Cinema. Experiência Estética. Movimento. Tempo.

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“Diego no conocía la mar. El padre, Santiago Kovadloff, lo llevó a

descubrirla. Viajaron al Sur. Ella, la mar, estaba más allá de  los altos médanos, esperando. Cuando el niño y su padre 

alcanzaron por fin aquellas cumbres de arena, después de 

mucho caminar, la mar estalló ante sus ojos. Y fue tanta la 

inmensidad de la mar, y tanto su fulgor, que el niño quedó mudo 

de hermosura. Y cuando por fin consiguió hablar, temblando,

tartamudeando, pidió a su padre: -  Ayúdame a mirar”. 

Eduardo Galeano, El libro de los abrazos  

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SUMÁRIO

1  – INTRODUÇÃO .................................................................................................. 06

2  – A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ............................................................................. 082.1  – O prazer e a fruição em Roland Barthes ..................................................... 102.2  – O prazer e a fruição no texto do cinema ..................................................... 16

3  – O CINEMA E SEUS OPERADORES ................................................................. 213.1  – O movimento e o tempo no cinema ............................................................... 223.2  – Do espectador: Reconhecimento e Rememoração ................................... 30

4  – NORMAN McLAREN E O CINEMA PURO ...................................................... 334.1  – Homem do mundo, homem do cinema ..................................................... 334.2  – Ritmo e sinestesia ....................................................................................... 36

5  – O PRAZER E A FRUIÇÃO EM PAS DE DEUX ................................................. 395.1  – Os códigos da dança ................................................................................. 405.1  – A técnica de animação e os seus efeitos .................................................. 415.3  – A confluência da música e das imagens ................................................. 445.4  – Da probabilidade do prazer e da fruição ................................................. 45

6  – CONCLUSÃO.................................................................................................... 61

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 62

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1  – Introdução

Esta investigação se originou de uma experiência peculiar que, dada as suas

características singulares, proporcionou uma sensação de arrebatamento, arroubo.

Nas palavras de Gumbrecht, instaurou-se uma pequena crise 1, um deslocamento

que me permitiu tomar consciência da minha própria experiência. Um dia, em uma

aula de cinema, apagaram-se as luzes do auditório, projetou-se uma imagem na tela

e teve início o Pas de deux  de Norman McLaren, um pequeno filme de

aproximadamente treze minutos no qual dois bailarinos executam uma dança, um

balé.

O filme, que era didaticamente projetado a fim de elucidar a teoria explanada

naquele dia, em um dado momento transcendeu o seu caráter de exemplo e

apresentou-se sob outra configuração. Na experiência que ele me ofertava havia

como que um rearranjo do seu código, uma desvinculação do contexto conceitual e

material ao qual ele pertencia antes 2 que me convocava a uma sensação de prazer.

Assim, a investigação partiu do desejo e da inquietação de entender aquela

experiência. Diante dessa obra de arte, mais especificamente, diante deste  filme

quais foram as particularidades da experiência que permitiram o aparecimento da

crise? Dito de forma breve, o trabalho procura compreender o Pas de deux à luz dos

conceitos barthesianos de prazer e de fruição, procurando entender quais elementos

da experiência cinematográfica são responsáveis por levar o espectador a passar de

uma a outra, ou a oscilar entre esses dois regimes da experiência sensível.

Para isso organizamos nosso trabalho do seguinte modo: o primeiro capítulo

caracteriza inicialmente a experiência estética a partir de um ponto de vista

relacional, colocando a ênfase na relação entre a obra/objeto e o espectador/sujeito.Em seguida tentamos transportar os conceitos de prazer  e de fruição em Barthes,

pensados no domínio da literatura, para o campo da experiência cinematográfica.

1 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Pequenas crises: experiência estética nos mundos cotidianos . In:GUIMARÃES, César; LEAL, Bruno; MENDONÇA, Carlos. Comunicação e experiência estética . BeloHorizonte, UFMG, 2006. 

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GUMBRECHT, Hans Ulrich. Pequenas crises: experiência estética nos mundos cotidianos . In:GUIMARÃES, César; LEAL, Bruno; MENDONÇA, Carlos. Comunicação e experiência estética . BeloHorizonte, UFMG, 2006. 

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No segundo capítulo buscamos definir as particularidades da experiência do

espectador do cinema. Primeiramente, seguindo a perspectiva deleuziana,

indicamos como se estrutura a matéria expressiva do cinema, modelada pelo

movimento e pelo tempo. Em seguida esclarecemos como essa matéria expressiva

do cinema entra em relação com o espectador e discutimos os possíveis efeitos por

ela provocados. Mostramos como a imagem pode tanto convocar o espectador a

realizar operações de Reconhecimento e de Rememoração (nos termos de Jacques

Aumont), exigindo que ele acione sua memória visual, quanto colocá-lo diante do

novo absoluto , quando já não imperam nem Reconhecimento nem Rememoração.

O terceiro capítulo, a partir de uma abordagem histórica, caracteriza

brevemente a maneira como Norman McLaren pratica e pensa o cinema,enfatizando seu conhecido caráter experimental.

O quarto capítulo, enfim, se detém na forma do filme Pas de deux e descreve

como os efeitos estéticos que ela proporciona conduzem o espectador a uma

experiência de prazer e de fruição .

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2  – A Experiência Estética

Na esteira de Martin Seel e de John Dewey, entendemos que a experiência

estética nos permite compreender as interações comunicacionais entre os sujeitos e

os objetos do mundo a partir de um ponto de vista relacional. Ao deslocar o foco de

atenção da obra artística para a experiência, essa perspectiva coloca ênfase nos

processos da interação, nos quais obras, coisas, produtos, acontecimentos e 

paisagens atuam como vetores da experiência estética 3.

Segundo Dewey, o sujeito não está em relação com objetos e/ou eventos

isoladamente, mas experiencia o todo contextual da experiência4. Não há, assim, um

objeto ou evento isolado que inaugure uma experiência que irrompa, se desvincule,

e que exista em paralelo às situações habituais encontradas pelo sujeito. É a partir

da situação , das próprias experiências que atuam como uma espécie de estímulo

para que outras experiências apareçam que a experiência estética surge.

Ela surge no momento em que desperta em nós o desejo de detectar as condições 

(excepcionais) que a tornaram possível  5. O próprio Gumbrecht nos diz que a

experiência estética opera uma pequena crise ao ir de encontro ao curso da nossa

experiência cotidiana, quando um objeto qualquer deixa de ser visto como

meramente instrumental ou conceitualmente determinado, e passa a engendrar uma

nova configuração, na qual a dimensão da relação entre o sujeito e o próprio objeto

é agora estética. Esse objeto atua como médium da experiência, o que permite aos

sujeitos tomarem consciência da própria experiência6, pois ele opera uma

presentificação de uma série de outras experiências que estão nele objetivadas, e

que são atualizadas no momento da interação.

3 BRAGA, José Luiz. Experiência estética & mediatização . In: GUIMARÃES, César; LEAL, BrunoSouza; MENDONÇA, Calos Camargos (Orgs.). Entre o sensível e o comunicacional . Belo Horizonte,MG: Autêntica Editora, 2010. 

4 In: FILHO, Jorge Luiz Cunha Cardoso. Práticas de escuta do Rock: experiência estética, mediações e materialidades da comunicação . Tese de Doutorado do Programa de Pós-Graduação emComunicação Social, UFMG. Belo Horizonte, 2010.

5 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Pequenas crises: experiência estética nos mundos cotidianos . In:GUIMARÃES, César; LEAL, Bruno; MENDONÇA, Carlos. Comunicação e experiência estética . Belo

Horizonte, UFMG, 2006. 6 GUIMARÃES, César; LEAL, Bruno Souza; MENDONÇA, Calos Camargos (Orgs.). Entre o sensível e o comunicacional . Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora, 2010.

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A experiência estética aparece, portanto, no momento em que se dá uma re-

significação, um rearranjo dos códigos da obra, dos objetos, ou das imagens do

mundo, que desvincula o objeto/obra de seu contexto conceitual e material ao qual

pertencia normalmente7. A experiência estética ultrapassa largamente a

interpretação e/ou decodificação operada pelo sujeito, pois firma-se sobretudo na

situação , nos processos que a obra de arte pode evocar no momento de sua

apreensão sensorial e intelectiva pelo espectador.

Assim, por meio dessa perspectiva relacional, partimos de uma obra de arte,

um filme  – o Pas de deux, de Norman McLaren  –, a fim de compreender como

determinados elementos constitutivos da sua forma (tomados como vetores 

interacionais ), a saber, as imagens e os sons configurados pelo movimento e pelotempo, convocam o espectador a uma experiência estética singular de prazer e de

fruição. Lançamos mão das noções de prazer  e de fruição  em Roland Barthes  – 

mais especificamente encontradas em seu livro O prazer do texto  – que assumem

aqui o papel de operador analítico que nos permite estabelecer uma relação entre a

forma do filme e os seus prováveis efeitos no espectador. Inicialmente, é na forma

do filme que identificamos os “vetores interacionais (apenas probabilísticos) entre o 

gesto de elaboração e o gesto da fruição ”8,

mas essa forma, ela mesma, só podeser experimentada na relação que inaugura.

Nosso argumento é que o prazer  e a fruição  aparecem na relação entre a

obra e o espectador quando o filme, através de seus vetores interacionais , convoca

o espectador a um jogo no qual ele oscila entre o Reconhecimento/Rememoração e

o não-Reconhecimento/não-Rememoração.

Veremos mais adiante que o não-Reconhecimento e a não-Rememoração

têm lugar para além do código, na inauguração de um novo absoluto   – uma novaconfiguração formal –, na qual o movimento e o tempo adquirem um novo estatuto,

que situam o espectador diante de imagens e de sons puros, isto é, experimentados

em sua pura materialidade.

7 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Pequenas crises: experiência estética nos mundos cotidianos . In:GUIMARÃES, César; LEAL, Bruno; MENDONÇA, Carlos. Comunicação e experiência estética . BeloHorizonte, UFMG, 2006. 

8

BRAGA, José Luiz. Experiência estética & mediatização . In: GUIMARÃES, César; LEAL, BrunoSouza; MENDONÇA, Calos Camargos (Orgs.). Entre o sensível e o comunicacional . Belo Horizonte,MG: Autêntica Editora, 2010. 

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2.1  – O prazer e a fruição em Roland Barthes

Como pode um texto convocar o espectador a uma experiência de prazer  e

de fruição (ou gozo ) 9?

Diante da pergunta, e, sabendo que o livro de Barthes, no qual nos apoiamos

 –  O prazer do texto   – versa sobre um prazer que é primeiramente o do texto , e

ainda, do texto da literatura, é preciso, antes de tudo, definir o que é texto para o

autor. Jacques Aumont recorre a Raymond Bellour para explicar a acepção de texto  

em Barthes. Segundo ele, Bellour “relaciona o conceito de texto com a oposição 

formulada por Roland Barthes entre a ‘obra’ e o ‘texto’”. 10 Obra seria um objeto finito,

a materialidade que ocupa um espaço físico: “definida como um fragmento de substância, um objeto que cabe na mão (Roland Barthes pensa na obra literária),

sua superfície é ‘fenomenal’”  11. O texto, por sua vez, é a linguagem mesma, é uma

prática significante, uma travessia, comenta Aumont, seguindo os passos de

Barthes.

“Enquanto a teoria clássica enfatizava principalmente o ‘tecido’ acabado dotexto  – etimologicamente, texto é o tecido, a textura (...)  –, a teoria moderna 

do texto ‘desvia-se do texto-véu e procura perceber o tecido em sua textura,nos entrelaçamentos dos códigos, das fórmulas, dos significantes, dentro do qual o sujeito se desloca e se desfaz, como uma aranha que se dissolvesse sozinha em sua teia’ (Roland Barthes)”. 12 

A implicação primeira dessa teoria do texto  é a de que as obras de arte

(literárias) já não são simples promotoras de mensagens e enunciados, já não são,

em si, produtos acabados com significados cerrados, literais, mas produções 

perpétuas , enunciações que promovem uma nova prática, a leitura 13. Na acepção de

Barthes, o texto não é nunca a literalidade dos significados, mas um entrelaçamento  das configurações significantes. Quanto ao leitor, ele desloca-se por entre os

9 Usamos os dois termos, fruição e gozo , de maneira indiferenciada. Ambos significam uma espéciede prazer extremo que provém da posse de algo, prazer dos sentidos, usufruto.  

10 AUMONT, Jacques. “A estética do filme”. Campinas, SP: Editora Papirus, 2008. 

11 AUMONT, Jacques. “A estética do filme”. Campinas, SP: Editora Papirus, 2008, p. 206. 

12

AUMONT, Jacques. “A estética do filme”. Campinas, SP: Editora Papirus, 2008, p. 208. 13 AUMONT, Jacques. “A estética do filme”. Campinas, SP: Editora Papirus, 2008. 

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códigos, pois a leitura se dá no entrelaçamento dos significantes, e de maneira tal,

que ele reescreve o próprio texto na sua prática: 

“A teoria do texto traz a promoção de u ma nova prática, a leitura, ‘ aquelaem que o leitor não é nada menos do que aquele que quer escrever empenhando- se em uma prática erótica da linguagem’ (Roland Barthes)” 14. 

Aqui nos permitimos uma analogia, e tomamos o texto , segundo a definição

de Barthes, como aquele médium da experiência estética que permite ao espectador

presentificar outras experiências a partir da sua leitura/reescrita, pois é a partir da

relação do leitor com o texto, numa dada situação   – na prática da leitura  – que as

configurações significantes se apresentam como texto em travessia. É a relação oque permite, então, a reescrita do leitor no momento da sua apreensão do texto.

A partir de agora, em conformidade com o caráter relacional da experiência

estética, podemos definir como o prazer  e o gozo  aparecem no texto literário,

entendendo o texto como esse entrelaçamento de configurações significantes que

estão em estreita interação com o leitor e sua prática de leitura. Mais adiante,

faremos a transposição dessas noções para o âmbito do texto cinematográfico.

Barthes afirma que a própria distinção entre prazer e fruição se faz precária,

ambos por vezes se confundem, ou aparecem, de certa forma, simultaneamente.

Porém, podemos determinar o lugar em que um e outro podem surgir e estabelecer

suas diferenças. Um texto de prazer se caracteriza, sobretudo, por uma espécie de

busca, na qual o texto, de certo modo, procura um determinado leitor, realizando um

chamado ao prazer. O texto, escrito no prazer, não será lido necessariamente no

prazer15. Ele busca o seu leitor, lança suas configurações significantes. Tal busca se

dá entre duas margens instituídas que circundam um sítio fissurado. Isto é, pela

criação de um espaço de prazer que existe como possibilidade de uma dialética do 

desejo, de uma imprevisão do desfrute: que os dados estejam lançados, que haja 

um jogo 16. 

O gozo do texto aparece quando existe um jogo que opera certas rupturas da

linguagem, quando ela é redistribuída por um corte, quando, por assim dizer, as

14 AUMONT, Jacques. “A estética do filme”. Campinas, SP: Editora Papirus, 2008, p. 208. 

15 

BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004.  16 BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004, p.9.  

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configurações significantes (códigos) assumem outro estatuto discordante ao

imediatamente anterior e se relacionam e se confundem (códigos antipáticos ); ou

quando deixam de lado a normalidade do próprio código, por exemplo, na criação e

uso de neologismos; ou, ainda, quando os códigos estão organizados de tal modo

que as margens que limitam o espaço de fruição convivem muito próximas (por

exemplo, frases pornográficas que se mesclam ao prosaico da vida em passagens

misturadas num mesmo espaço significante indistinto):

“Sade: o prazer da leitura vem evidentemente de certas rupturas (ou decertas colisões): códigos antipáticos (o nobre e o trivial, por exemplo)entram em contato; neologismos pomposos e derrisórios são criados; 

mensagens pornográficas vêm moldar-se em frases tão puras que poderiam ser tomadas por exemplos de gramática”  17. 

Por essa lógica, o corte opera uma espécie de rasgo na linguagem que

determina duas margens traçadas: uma na qual a língua aparece em sua condição

canônica, tal como usada em seu estado de dicionário, no seu uso corrente pela

literatura, pela cultura, pela gramática; já a outra, existe na mobilidade, na procura,

no lugar onde se vislumbra o seu efeito18, fora da cultura, fora do código. É o jogo

que se dá no movimento oscilatório do texto de uma margem à outra, o que de fato

permite o aparecimento do prazer, pois, nas palavras de Barthes, nem a cultura nem

tampouco a sua destruição são eróticas, mas o caminho entre uma e outra. O que

realmente permite a sedução é a fenda que se abre. Como o erótico no corpo é o

que se entrevê entre duas peças de roupa  – o lugar intermitente onde a pele se

mostra precocemente, nem despida, nem castamente escondida, mas sutilmente

convidativa. É aí que o erotismo se deixa (entre)ver e que o texto convida o leitor ao

prazer.Entre uma margem e outra, a língua ora se dissipa e se petrifica, ora

extrapola e perverte os seus cânones, libertando-se das amarras da cultura. Porém,

mais do que uma perversão, o desfrute tem lugar na oscilação da fenda, na

encenação de um aparecimento-desaparecimento19.

17 BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004, p. 11.  

18 

BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004.  19 BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004.  

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Ainda que o prazer  e a fruição muitas vezes apareçam simultaneamente, é

possível distinguir um e outro, como veremos. Segundo Barthes, se dizemos que

entre um termo e outro não há senão uma distinção de grau, então é provável que

digamos também que a história está pacificada, que a vanguarda não é mais que a

sucessão previsível da cultura passada. Mas se compreendemos que a história é

conflituosa, contraditória, entendemos igualmente que o prazer e o gozo são forças

desencontradas, há entre elas uma incomunicação:

“(...) então me cumpre na verdade pensar que a história, a nossa história,não é pacífica, nem mesmo pode ser inteligente, que o texto de fruição surge sempre aí à maneira de um escândalo (de uma claudicação), que ele 

é sempre o traço de um corte, de uma afirmação (e não de um florescimento) e que o sujeito dessa história (...) nunca é mais do que uma ‘contradição viva’” 20.

O prazer pode ser dito, a fruição não. A fruição  tem lugar no que está inter-

dito, o prazer  no letramento da cultura. O sujeito que realiza a leitura do texto no

prazer acolhe a letra, os códigos canônicos, a cultura plasmada. Está na margem do

conhecimento, dos nomes reconhecidos e construídos historicamente. É no que

define a linguagem como ela é, no uso canônico de seus procedimentos gramaticais,

que o leitor encontra prazer , no reconhecimento e aceitação do código: “a letra é o

seu prazer; está obcecado por ela, como o estão todos aqueles que amam a 

linguagem” 21.

O prazer   é dizível, é sempre histórico ou prospectivo, “a apresentação da 

fruição lhe é interdita; sua matéria de predileção é portanto a cultura, que é tudo em 

nós salvo nosso presente”. 22  O prazer  aparece quando há um reconhecimento

seguro da língua, quando o leitor identifica, na presentificação de outras

experiências colocadas pelo texto, a cultura à qual pertence, os códigos plasmadosconsensualmente.

O gozo , por outro lado, é indizível. É o presente absoluto, insustentável. Não

se pode, segundo Barthes, falar sobre um texto de fruição , apenas podemos falar

“em” ele, pois que a fruição  tem lugar na presentação pura, é a perda abrupta da

20 BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004, p. 29.  

21

BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004, p. 28.  22 BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004, p. 29. 

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socialidade , da linguagem conhecida e canônica23. A fruição  tem lugar diante do

novo , pois só o novo  abala a consciência, inclina-se para a perda total, dos

paradigmas, do reconhecimento, da expectativa. O gozo reside nesta outra margem

da fissura, a margem na qual o código é abalado, pervertido. A partir do abalo, que

pode levar até à destruição do discurso, o novo surge como uma outra configuração

significante, e arrasta o leitor a uma experiência perturbadora que o desloca da

cultura.

A fenda entre as duas margens se dá exatamente no volume das linguagens,

não na sequência dos enunciados24. Não é a enunciação ou o sentido do que é dito,

o que permite o jogo, mas a significância. É a linguagem que convida o leitor ora a

reconhecer as práticas, situar e identificar os nomes, a cultura, os idioletos  nospróprios procedimentos significantes do texto; ora a perder-se, a abalar-se, a ser

arrebatado pelo novo absoluto que ignora os paradigmas da linguagem e instaura,

momentaneamente, a procura na perversão do código e dos nomes, na

redistribuição da linguagem.

Entretanto, parafraseando Barthes, como pode um texto, que é linguagem,

estar fora das linguagens? Como é que pode escapar da guerra das ficções, dos

socioletos, e convocar o leitor a uma experiência de gozo , que como vimos,corrompe a própria linguagem? 25 

A linguagem prevê o uso de códigos, de procedimentos formais, de estruturas

construídas historicamente. No entanto a fruição  emerge exatamente quando as

corrompe, quando as extenua. Segundo Barthes, a fenda se produz por um trabalho

progressivo de extenuação. Primeiramente o texto elimina toda a voz que porventura

possa ser encontrada por trás daquilo que é dito; logo, destrói até a contradição o

seu gênero, a categoria discursiva na qual foi criado, ultrapassa os procedimentosque o definem, é o cômico que não faz rir. E, finalmente, o texto pode atentar contras

as próprias estruturas formais que lhe sustentam.

“Trata-se, por transmutação (e não mais somente por transformação), de fazer surgir o novo estado filosofal da matéria linguareira; esse estado inaudito, esse metal incandescente, fora de origem e fora de comunicação,

23 BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004.  

24

BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004.  25 BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004.  

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15 

é então coisa de linguagem e não uma linguagem, fosse esta desligada,imitada, ironizada” 26 .

A fruição  aparece na perversão da linguagem. O prazer, no uso de seus

elementos canônicos. Entendemos, assim, que o leitor é convocado pelo texto aexperienciar o prazer  quando pode, na prática da leitura, reconhecer as

configurações significantes como códigos consensuais e identificar a cultura na

própria organização linguística do texto. Por outro lado, o texto convoca à fruição  

quando o leitor não reconhece os códigos, quando diante dele se apresenta o novo 

absoluto, que abala as estruturas canônicas da língua e que reorganiza de tal forma

as configurações significantes do texto que elas não podem ser identificadas pelo

leitor a partir do que conhece, ou do que re-conhece.Entendemos então, que ao serem traçadas duas margens, a da cultura e a da sua

perversão, e pensando que o cinema lida primordialmente  com imagens e sons,

podemos, talvez, identificar o prazer e a fruição no texto cinematográfico a partir de

categorias de percepção da imagem, definidas por Aumont como o Reconhecimento

e a Rememoração27 . Segundo Aumont, estando diante de imagens, o sujeito as

percebe lançando mão de seu repertório visual adquirido culturalmente. Desse modo

ele pode reconhecer formas e arranjos visuais que são parecidos (e que remetem) a

outras imagens de seu repertório  – isso seria o Reconhecimento; ou pode ainda,

identificar esquemas visuais estruturados a partir de um consenso, ou seja,

construídos historicamente e plasmados em esquemas, que, por sua vez remetem a

um conceito ou a uma outra imagem que está no exterior da imagem percebida  – o

que configura a Rememoração28 . Voltaremos a essas proposições de Aumont

quando tratarmos da experiência do espectador de cinema.

Por ora interessa notar que as categorias de Reconhecimento e de

Rememoração se situam na cultura, pois dependem da identificação de arranjos e

esquemas visuais conhecidos, já vistos e armazenados na memória, no repertório do

sujeito. O que implica dizer que no âmbito do texto cinematográfico o

Reconhecimento e a Rememoração seriam os lugares onde o prazer pode aparecer,

26 BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004, p. 39.  

27  “Ao estudar as imagens artísticas, Gombrich (1965) opõe duas formas principais de investimentopsicológico na imagem: o reconhecimento e a rememoração”. AUMONT, Jacques. A Imagem.

Campinas, SP. Papirus, 1993, p. 81. 28 AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993. 

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  já que se situam na cultura, pois as configurações significantes da imagem são

identificadas (em ambos) a partir do repertório visual adquirido socialmente. De outro

modo, o não-Reconhecimento e a não-Rememoração seriam os lugares onde

possivelmente a fruição surgiria, já que ela tem lugar no novo absoluto que abala as

configurações significantes.

Diante dessa aproximação abrupta entre as noções barthesianas e a

experiência do espectador, é preciso definir o que é o texto do cinema e quais são

as suas configurações significantes, para só então, a partir daí, tentar compreender

como as categorias de Reconhecimento e de Rememoração estão implicadas na

lógica do prazer e do gozo , segundo as definições de Roland Barthes.

2.2  – O prazer e a fruição no texto do cinema

É o próprio Barthes quem diz que, pelo fato do texto ser um desdobramento

significante, ser somente linguagem, todas as práticas significantes podem 

engendrar texto: a prática pictórica, musical, fílmica etc 29. Se assim é, o texto do

cinema é antes de tudo a própria linguagem cinematográfica em travessia , as suas

próprias configurações significantes em interação com o espectador.

Essa noção é entendida um pouco melhor quando verificamos a homologia

entre o “texto” para Barthes, e o conceito de “sistema do texto” em Christian Metz.

Segundo Aumont, a definição barthesiana de texto é amplamente homóloga ao que 

Christian Metz chama ‘sistema do texto’ :

“Essa homologia é particularmente manifesta quando Christian Metz define

o ‘sistema do texto’ como deslocamento, sublinhando a relação antagônicaque se estabelece entre a instância de código e  instância textual: ‘Cadafilme edifica-se na destruição de seus códigos (...), sendo próprio do sistema fílmico rejeitar ativamente como irrelevante cada um de seus códigos, no próprio movimento em que afirma sua própria lógica e porque a afirma  – afirmação que, forçosamente, passa pela negação do que não é ela e,portanto, dos códigos. Em cada filme, os códigos estão ao mesmo tempo presentes e ausentes: presentes porque o sistema se constrói sobre eles,ausentes porque o sistema só é assim na medida em que é outra coisa que não a mensagem de um código, porque só começa a existir quando esses códigos começam a não mais existir na forma de códigos, porque ele é esse próprio movimento de rejeição, de destruição- construção’” 30.

29

AUMONT, Jacques, “A estética do filme”. Campinas, SP: Editora Papirus, 2008, p. 208 30 AUMONT, Jacques, “A estética do filme”. Campinas, SP: Editora Papirus, 2008, p. 206, 207 

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O texto fílmico, na acepção de Barthes (ou o sistema fílmico segundo Metz) é

determinado pelas configurações significantes na medida em que estão em

movimento, quando não estão afixadas na materialidade do código, mas sim, em

travessia , em interação com o leitor (agora espectador), que realiza a prática da

leitura (que apreende o filme sensível e intelectualmente). Mas quais seriam então

as configurações significantes do cinema que interagem com o espectador na

situação da apreciação fílmica?

Num primeiro momento, identificamos que o filme é formado por imagens e

por sons. As imagens são justapostas e engendram uma forma visual que não é o

seu simples ordenamento sucessivo, mas uma configuração que detém em si umamétrica própria e que permite ao espectador perceber uma certa continuidade entre

a sucessão das imagens. Os sons, por outro lado, também se organizam em uma

forma estruturada, pautados por uma métrica31:

“Existe um ritmo de som, assim como o de imagem. (...) Não se constituindoo filme visual na mera fotografia em movimento de uma peça teatral, e como a escolha e o agrupamento das imagens constituem, para o cinema, um meio de expressão original, de idêntica maneira, o som, no cinema, não é a 

simples reprodução fonográfica de ruídos e de palavras, porém comporta uma determinada o rganização interna que o criador do filme deve inventar.”  32 

No entanto essas formas (visual e sonora) não são autônomas,

independentes uma da outra, mas convivem na confluência, determinando o

aparecimento de outra forma, indivisível, que é sonora-visual, uma totalidade nova e 

irredutível. (...) O vínculo entre som e imagem é muito mais estreito e esta última se 

transforma com a proximidade do som 

33

. A nova forma sonora-visual se desenvolvesegundo uma outra métrica própria, que não é somente a dos sons e não somente a

da forma visual, mas um ritmo construído pela forma total, nos entrelaçamentos

entre som e imagem.

31 MERLAU-PONTY, Maurice. O cinema e a nova psicologia. In.: A Experiência do cinema : antologia/ Ismail Xavier organizador. Rio de Janeiro, RJ. Edições Graal: Embrafilmes, 1993. 

32 MERLAU-PONTY, Maurice. O cinema e a nova psicologia. In.: A Experiência do cinema : antologia/ Ismail Xavier organizador. Rio de Janeiro, RJ. Edições Graal: Embrafilmes, 1993, p. 112. 

33 MERLAU-PONTY, Maurice. O cinema e a nova psicologia. In.: A Experiência do cinema : antologia/ Ismail Xavier organizador. Rio de Janeiro, RJ. Edições Graal: Embrafilmes, 1993. 

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Porém, ainda que organizadas segundo um ritmo, som e imagem são apenas

o material da expressão com o qual o cinema se constrói. Isto quer dizer que ambos

são de natureza material, sensível, são a materialidade mesma:

“Para Louis Hjelmslev, cada linguagem caracteriza-se por um tipo (ou uma combinação específica) de materiais da expressão. ‘Como seu nome indica,o material da expressão é a natureza material (física, sensorial) do significante ou, mais exatamente, do “tecido” no qual são recortados ossignificantes (sendo o termo significante reservado à forma significante)’” 34.

A imagem e o som não são, contudo, materiais da expressão específicos do

cinema. A imagem é também o material da expressão da fotografia, e o som (fônico

e não fônico) o da ópera, da música, do rádio. O material da expressão característicodo cinema de fato é a imagem mecânica que se move, múltipla e colocada em 

sequência 35.

A própria condição particular do cinema, a sucessão das imagens em

sequência, implica na construção de um movimento que é antes de tudo o

movimento sequencial das imagens no espaço. Mas também é existência das

próprias imagens no tempo, na medida em que uma se sucede à outra. A

materialidade peculiar do cinema se transforma em forma significante quando, pelasucessão das imagens, é criado o movimento e o tempo, quando entra em jogo o

espaço-tempo. Porém, tempo e movimento não estão encerrados no funcionamento

do mecanismo. “Fora da pessoa que está olhando, não há movimento, fluxo ou vida

nos mosaicos de luz e sombra que a tela mostra sempre fixos ”  36. É no meio mesmo

da interação entre o espectador e o texto do cinema que o movimento e o tempo

aparecem como forma que se dá a experimentar sensivelmente.

Deleuze concebe a existência de dois regimes no cinema: o da imagem-

movimento e da imagem-tempo. Seja em um ou em outro, o movimento não pode

ser reduzido à motricidade que o aparelho cinematográfico agrega à passagem entre

um fotograma e outro, fazendo com que as imagens entrem em movimento. Porém,

34 AUMONT, Jacques. “A estética do filme”. Campinas, SP: Editora Papirus, 2008, p. 193 

35 AUMONT, Jacques. “A estética do filme”. Campinas, SP: Editora Papirus, 2008. 

36 EPSTEIN, Jean. A inteligência de uma máquina  – excertos. In.: A Experiência do cinema : antologia/ Ismail Xavier organizador. Rio de Janeiro, RJ. Edições Graal: Embrafilmes, 1993, p. 288 

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sendo algo que opera um corte no Todo do universo 37, como explicaremos mais

adiante, a natureza do movimento muda entre um regime e outro, como veremos.

Essa concepção deleuziana do movimento será melhor apresentada mais adiante.

Por agora, é preciso sublinhar que o movimento no cinema, segundo Deleuze, não é

o que está entre um fotograma e outro, mas a própria continuidade do devir

possibilitada pelo todo do filme, pela montagem. Essa noção de movimento coloca

em jogo a percepção do espectador, pois só há movimento contínuo de fato no

interior do sujeito, quando ele apreende a forma do filme como um todo.

O tempo no regime da imagem-movimento é o tempo criado na dependência

do movimento/ação das imagens. Ele é uma abstração, é uma imagem indireta do

próprio tempo. É de certa forma um tempo que é proporcional aos deslocamentos eàs ações das imagens. No outro regime, no da imagem-tempo, o tempo deixa de

depender do movimento/ação, dos deslocamentos da imagem e passa a ser sentido

diretamente no plano, como duração. Do mesmo modo, o movimento, que antes era

o deslocamento/ação encadeado é agora dependente do tempo. O movimento é

aqui, uma espécie de movimento aberrante, que não se manifesta a partir do

encadeamento de ações, mas é a própria vibração da imagem, que por sua vez

pode ser percebida num mesmo plano. O movimento (vibração) é percebidoenquanto dura no tempo, enquanto permanece no plano como oscilação e não mais

como ações que se encadeiam.

Feito esse longo caminho, entendemos que o texto do cinema pode convocar

a uma experiência de prazer , especificamente no filme Pas de deux , quando é

possível localizar um movimento e um tempo que dependem da trajetória, do

deslocamento, do encadeamento de ações. Achamos que, trabalhados dessa

maneira, o movimento e o tempo ocupam o lugar da cultura, dos cânones dalinguagem, onde é possível Reconhecer e Rememorar estruturas e esquemas

visuais. Quando o filme se organiza segundo o encadeamento de ações e de gestos,

dá lugar, no nosso entendimento, ao domínio formal das configurações significantes

plasmadas culturalmente. É o gesto que significa, o tempo que pode ser medido

pelos deslocamentos, é o movimento dos personagens que pode ser intuído.

37 DELEUZE. Gilles. Cinema II: a Imagem-Movimento . São Paulo: Brasiliense, 1983.

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No entanto, a fruição  aparece quando o movimento e o tempo já não são

dependentes da ação, quando o tempo é sentido diretamente como duração,

quando não pode ser medido, e sim, simplesmente sentido. De maneira semelhante,

o movimento já não é o deslocamento no espaço que segue uma trajetória; não

pode ser intuído, esperado, mas apenas visto, percebido como vibração. Essa

configuração, que no filme Pas de deux  é possibilitada pela animação, como

veremos logo mais, inaugura o novo absoluto , aquilo que está fora da linguagem,

aquilo que ultrapassa o código, os cânones da própria linguagem, pois, no novo 

absoluto , não é possível medir o tempo, não é possível intuir deslocamentos. O

espectador não pode Reconhecer formas, não pode Rememorar arranjos visuais.

Está diante de imagens e de sons puros. Para além do código, a fruição é este lugardesconhecido.

Todavia, como bem sabemos, o que mantém vivos o prazer  o a fruição  no

texto cinematográfico, o que não deixa que um e outro se esgote, é justamente a

oscilação entre a margem da cultura e a margem do novo absoluto ; entre a margem

onde se situa o Reconhecimento e a Rememoração e a margem onde se situa o

não-Reconhecimento e a não-Rememoração. 

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21 

3  – O cinema e seus operadores

Lançar um olhar sobre o filme Pas de deux   –  tomado como texto

cinematográfico, na acepção barthesiana do termo  – tentando compreender o que

nele pode convocar o espectador a uma experiência de prazer, traz algumas

perguntas: em primeiro lugar é preciso compreender como o filme está organizado

formalmente e, para tanto, identificar quais são os seus principais recursos

expressivos, isto é, as suas configurações significantes, colocadas em interação com

o espectador. Em segundo lugar, trata-se de compreender o que está em jogo  – 

para o espectador – no momento em que se dá a “leitura” cinematográfica. Ou seja,

quais são os efeitos que as configurações significantes do filme podem provocar noespectador.

Vimos que, pela característica do dispositivo, pela sucessão de fotogramas

encadeados, um filme lida diretamente com o movimento. O encadeamento dos

fotogramas cria o que se chama comumente de ilusão de movimento . Para além do

fato mecânico da sucessão de 24 quadros por segundo na tela, o que implicaria no

efeito phi 38, entra em jogo aqui a utilização expressiva do movimento. Interessa-nos

saber como ele é percebido pelo espectador enquanto parte constitutiva da forma dofilme.

A sucessão dos fotogramas também assenta as imagens no tempo, pois elas

se transformam entre um fotograma e outro, movimentando-se e transformando-se

no espaço criado pela fotografia colocada em série, e, portanto, modificando-se

também no tempo, na montagem dos planos. Ele, o filme, se constrói basicamente

sobre duas categorias: o espaço e o tempo, que por sua vez são trabalhados no

plano e na montagem (através de cortes e rearranjos)39

.Sabemos que o material da expressão do cinema são os sons e as imagens

organizados nesses pedaços de espaço e de tempo, e que ambos conformam, por

38 O efeito phi se manifesta a partir incapacidade psíquica do ser humano de identificar as passagensentre um fotograma e outro, produzindo assim, no olho humano, a ilusão da continuidade domovimento. 

39  “(...) um filme é uma suce ssão de pedaços de tempo e de pedaços de espaço”. BURCH, Noel.Práxis do Cinema. São Paulo, SP. Perspectiva, 2006, p. 24  

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assim dizer, uma métrica estabelecida, um ritmo criado na sua confluência 40. No

mesmo caminho, achamos que em um filme não narrativo como o Pas de deux , no

qual a potência expressiva está em outro lugar que não na ação dramática ou no

encadeamento das ações, o espectador apreende, antes de qualquer coisa, o ritmo

construído.41Tal ritmo é criado no manejo da materialidade sonora-visual a partir do

movimento e do tempo.

3.1  – O movimento e o tempo no cinema

Para Deleuze existem dois regimes no cinema: o regime da imagem-

movimento e o regime da imagem-tempo. O que é interessante aqui não édeterminar quando um e outro aparecem no filme de McLaren e sim, tentar entender

como o movimento e o tempo ganham novas configurações na oscilação dos dois

regimes durante o filme. Além do mais, trata-se de compreender como essas

transformações, em interação com o espectador, convocam-no a entrar no jogo

delineado entre as margens da cultura (prazer ) e do novo absoluto (fruição ). Um jogo

que ora o convida a reconhecer os arranjos visuais e a esperar do movimento a sua

continuação consecutiva no espaço e no tempo (tempo que pode ser medido atravésdo movimento das imagens), ora a perder-se diante do novo absoluto que inaugura

um tempo que não pode ser medido e um movimento não sucessivo, não

encadeado.

Para entender o que é o movimento na imagem-movimento e na imagem-

tempo, é preciso remontar a Bergson, acompanhando a leitura de Deleuze. A crítica

que Bergson dirige ao cinema é que, nele, a ilusão do movimento é incapaz de

apreender as formas que assume o devir. Essa ilusão não lida propriamente com omovimento, pois não nos liga ao devir interior das coisas. O que ocorre,

simplesmente, é que o correr da fita cinematográfica cria mobilidade entre uma

imagem fotografada e outra. O movimento estaria então, entre os fotogramas, que,

40 MERLAU-PONTY, Maurice. O cinema e a nova psicologia. In.: A Experiência do cinema : antologia/ Ismail Xavier organizador. Rio de Janeiro, RJ. Edições Graal: Embrafilmes, 1993. 

41 “O ritmo não é uma sucessão definitiva ou regular no espaço, ou no tempo, mas a unidade que une 

todas as partes num todo ”. Richter Hans, citado em Lawder Standish, The Cubist Cinema, Op. Cit., p.52. In.: Cinema Abstracto: Da vanguarda européia às primeiras manipulações digitais da imagem.  CASTELLO BRANCO, Patrícia. Universidade Nova de Lisboa. www.bocc.ubi.pt. 

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por sua vez, são imóveis. O artifício do cinema é construído assim, através da

sucessão de imagens estáticas, de instantes imóveis colocados uns após os

outros42.

Deleuze, por sua vez, refuta Bergson a partir das próprias idéias

bergsonianas, ao reivindicar que o movimento no cinema não pode ser visto como a

ilusão criada a partir da imobilidade, isto é, a partir da motricidade agregada aos

fotogramas. Para ele, o filme deve ser entendido como um todo, como o resultado da

montagem entre os planos. O filme opera, assim, cortes móveis na duração. Ou

seja, o filme, para ele, ascende ao Todo do universo, à duração (o filme realiza um

recorte da duração), à continuidade movente do real, e, a partir disso, é possível

dizer que as imagens cinematográficas não estão somente em  movimento, masopera aqui o que ele chama de imagem-movimento43. O que de fato interessa é o

filme como um todo: o resultado da montagem permite ao cinema operar um corte

móvel na duração, um corte na continuidade movente do real.

Para entender então o que seria essa duração, ou o Todo, voltemos a Bergson. A

teoria bergsoniana tenta superar os dualismos colocados entre percepção e matéria.

A percepção é vista como o lugar do conhecimento, de onde parte a interpretação

do sujeito diante das imagens do mundo (coisa, matéria). De um lado está o sujeito ea percepção, tida como instrumento para a futura aquisição de conhecimento. Do

outro lado estão as imagens, ou as coisas do mundo, à espera de serem percebidas.

O que faz Bergson é dizer que existe todo um mundo de imagens, e que esse

mundo é, inicialmente, independente da percepção. Nesse mundo as imagens agem

umas sobre as outras e reagem provocando mudanças qualitativas entre elas, elas

são puramente vibrações44. Esse conjunto de imagens seria o que Deleuze chama

de plano de imanência (o Todo), no qual a imagem é igual a movimento.45

 O caminho da percepção, sob esse outro ponto de vista, seria distinto. A

imagem, sendo já movimento, estaria em constante vibração e mudança, e, no seu

42 GUIMARÃES, César.  Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte, Curso dePós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG, 1997.

43 GUIMARÃES, César.  Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte, Curso dePós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG, 1997.

44 GUIMARÃES, César.  Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte, Curso dePós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG, 1997.

45 DELEUZE. Gilles. Cinema II: a Imagem-Movimento . São Paulo: Brasiliense, 1983.

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movimento constante, encontraria o sujeito, que é nesse caso, também uma

imagem, mas uma imagem privilegiada (o corpo). Neste encontro, o sujeito  não

elaboraria apenas uma interpretação a fim de adquirir conhecimento, mas estaria

direcionado para a ação. A imagem, do ponto de vista bergsoniano, não é condição

para uma futura interpretação operada pelo sujeito, mas age sobre ele e provoca

uma reação em forma de ação. Contudo, não ocorre aqui o prolongamento

mecânico imediato em resposta a um estímulo exterior. O que faz o sujeito é

escolher, dentre um repertório de ações possíveis, aquela que melhor corresponda à

situação dada46.

Considerando que existe um mundo de imagens-movimento que agem umas

sobre as outras, causando mudanças qualitativas mútuas, e que o sujeito é umaimagem privilegiada que pode apreender e perceber as outras, é preciso agora

esclarecer como se dá a percepção dessas imagens. Segundo Deleuze, nesse

plano de imanência as imagens-movimento se propagam sem qualquer resistência.

Aqui não existe ainda representação, estamos na presença absoluta de imagens 47.

Quando estas encontram um anteparo – o corpo ou uma tela, justamente – o fluxo é

interrompido e aparece outro sistema. Não há somente aquele lugar onde elas agem

umas sobre as outras e reagem sobre todos os seus pontos elementares, mas aoesbarrar num anteparo, elas podem aparecer para alguém e serem percebidas. Elas

surgem como que esquartejadas. Contudo, a percepção aqui é criada, produzida. Na

medida em que as imagens esbarram num anteparo, sendo este uma imagem

privilegiada – o corpo – instaura-se outro sistema, onde elas variam principalmente

em direção a esse corpo. O que acontece aqui é que o corpo isola, enquadra,

esquarteja o Todo, opera um corte, selecionando certas imagens que porventura lhe

interessem e deixando-se atravessar por aquelas que não despertam a suaatenção48.

46 GUIMARÃES, César.  Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte, Curso dePós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG, 1997.

47 GUIMARÃES, César.  Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte, Curso dePós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG, 1997.

48 GUIMARÃES, César.  Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte, Curso dePós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG, 1997.

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“Eles [os seres vivos] se deixarão atravessar, de certo modo, por aquelas dentre as ações exteriores que lhes são indiferentes; as outras, isoladas,tornar-se- ão ‘percepções’ por seu próprio isolamento”. 49 

A percepção é então uma operação que ocorre no sujeito, que isola eenquadra, mas que, entretanto não depende exclusivamente dele. Instaura-se uma

relação dialética onde as imagens do Todo se abrem e se deslocam em direção ao

corpo que as enquadra.

“Esse momento em que uma imagem viva reflete uma outra imagem viva éexatamente a percepção. Por outro lado, como as reações executadas não correspondem imediatamente às ações sofridas (isoladas e ‘enquadradas’),elas são reações retardadas que, graças ao intervalo, têm tempo de 

selecionar seus elementos, de organizá- los e de ‘integrá-los num movimento novo, impossível de ser concebido através do mero prolongamento da excitação recebida’. A esse movimento genuíno dá- se o nome de ação”. 50 

Para Deleuze é dessa maneira que o cinema ascende à continuidade

movente do real, pois opera um corte (móvel) no Todo, na própria continuidade

movente. O movimento aqui é entendido como tendo duas faces: ele é o que passa

entre os objetos ou partes, ou seja, é a translação situada no espaço, e que por sua

vez modifica não só a trajetória, mas também a qualidade dos objetos, e é também

expressão ou recorte da duração, do Todo51. O cinema, ao livrar-se da imobilidade

da câmera, ao instituir-se a partir da montagem e ao separar os momentos da

filmagem e da projeção, adquiriu sua especificidade, o que fez o plano passar de

espacial a temporal, e o corte, de imóvel a móvel52. Nesse sentido, Deleuze

argumenta que uma das faces da imagem-movimento corresponde ao plano

cinematográfico: aqui o movimento estaria impresso nas transformações espaciais

dos objetos, nos seus arranjos no espaço, e nas mudanças qualitativas entre os

49 BERGSON apud GUIMARÃES, César.  Imagens da memória (entre o legível e o visível), BeloHorizonte, Curso de Pós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG, 1997, p. 96.

50 GUIMARÃES, César. Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte, Curso dePós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG, 1997, p. 96. 

51 GUIMARÃES, César.  Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte, Curso dePós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG, 1997.

52 GUIMARÃES, César.  Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte, Curso dePós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG, 1997.

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objetos 53; a outra face, correspondente à montagem entre os planos, ensejaria uma

notação e um recorte do Todo, da duração. É através da montagem, do todo do

filme constituído pela organização dos planos, que o espectador sente o tempo

indiretamente, pois que ele depende do movimento das imagens e da montagem

entre os planos.

A mobilidade da câmera coloca o novo em trânsito, sempre a ponto de ser

ativado. Institui-se o fora de campo como possibilidade virtual do visível e, no mesmo

caminho, permite-se ao espectador, além de perceber as mudanças espaciais das

imagens, prever, antecipar ou imaginar outro enquadramento que pode ser, a

qualquer hora, acionado. O enquadramento, retrabalhado na montagem dos planos

abre-se para uma duração imanente ao todo do universo 54, e é dessa forma que otempo aparece inscrito indiretamente no cinema da imagem-movimento. O tempo

aqui depende do movimento/ação das imagens, e é na medida em que os planos se

organizam que ele pode ser sentido. Porém, não é mais que uma imagem do tempo.

Não é o devir, não é a continuidade movente do real sentida diretamente, mas é um

retalho do Todo, representado, dependente do movimento e da montagem.

A montagem, desse modo, permite que o cinema opere cortes que são

móveis. O dispositivo não criaria somente uma ilusão agregando movimento àimobilidade de cada fotograma, mas, ensejaria o próprio recorte da continuidade

movente do real a partir da montagem. Uma primeira leitura da imagem-movimento

nos diz, então, que ante as suas duas faces, no movimento das imagens no espaço

e na montagem entre os planos, na sucessão de quadros diante da tela, o tempo é

construído e percebido de maneira abstrata, indiretamente.

“A imagem-movimento tem duas faces, uma em relação a objetos cuja posição relativa ela faz variar, a outra em relação a um todo cuja mudança absoluta ela exprime. As posições estão no espaço, mas o todo que muda está no tempo. Se assimilarmos a imagem-movimento ao plano,chamaremos de enquadramento à primeira face do plano, voltada para os objetos, e de montagem à outra face, voltada para o todo. Daí uma primeira 

53  “O movimento remete sempre a uma mudança, migração, a uma variação sazonal. É a mesmacoisa para corpos: a queda de um corpo supõe um outro que o atrai e exprime uma mudança no todo que compreende a amb os”. DELEUZE apud GUIMARÃES, César. Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte, Curso de Pós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG,1997, p. 105 

54 GUIMARÃES, César.  Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte, Curso dePós-Graduação de Estudos Literários/Editora da UFMG, 1997.

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27 

tese: é a própria montagem que constitui o todo, e nos dá assim a imagem do tempo”. 55 

O tempo no regime da imagem-movimento (segundo a acepção deleuziana) é

criado então, de forma indireta, e aciona no espectador a percepção de mudanças e

de categorias de duração, que se dilatam ou se comprimem de acordo com a

diegese  do filme. Um filme pode prolongar a sensação que o espectador tem do

tempo, através da montagem, pela repetição de uma mesma ação sob vários pontos

de vista distintos, por exemplo, como nos filmes de Eisenstein; ou, ao contrário, pode

comprimir a sensação da duração, por exemplo, suprimindo eventos/ações, ou os

reduzindo a instantes mínimos, instituindo assim um ritmo vertiginoso, como em O

homem da câmera, de Vertov.

Por outro lado, o tempo pode também ser construído desde outro lugar. Por

exemplo, a tensão dos planos de Tarkovski, que de certa forma dilatam o tempo

apreendido, provocando uma mudança na sensação da duração no espectador que

sente a dilatação, e incorpora a morosidade criada. Essa tensão, no entanto, recorre

não a uma reprodução abstrata do tempo, instituída na montagem, mas a outro

regime onde o tempo independe do movimento. Segundo Deleuze, no regime da

imagem-tempo, o tempo deixa de depender do movimento, e, de modo distinto ao dasua representação indireta, na qual as imagens-movimento encontravam um centro

no esquema sensório-motor, as percepções e as ações aqui deixam de se encadear,

os espaços já não se coordenam nem se preenchem56. O centramento operado pelo

esquema sensório-motor não atua mais na presença de situações óticas e sonoras

puras:

“‘O tempo sai dos eixos’: ele sai dos eixos que lhe fixavam as condutas nomundo, mas também os movimentos de mundo. Não é mais o tempo que depende do movimento, é o movimento aberrante que depende do tempo. Arelação  sensório-motora/imagem indireta do tempo é substituída por uma relação não-localizável situação ótica e sonora pura/imagem-tempo direta” 57.

55 DELEUZE. Gilles. Cinema II: a Imagem-Tempo . São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 48. 

56

DELEUZE, Gilles. Cinema II: a Imagem-Tempo . São Paulo: Brasiliense, 2005. 57 DELEUZE, Gilles. Cinema II: a Imagem-Tempo . São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 55. 

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28 

Na imagem-tempo, a percepção não está voltada para a ação, o corpo não

enquadra e aciona o seu repertório a fim de identificar esquemas e estruturas visuais

que apontam para o exterior do filme. Aqui o corpo está em presença absoluta de

sons e de imagens que não representam nada que seja exterior a elas mesmas. O

filme, no regime da imagem-tempo, não constrói indiretamente o tempo na

montagem dos planos, mas é no próprio plano e é na presença pura das imagens

não encadeadas na ação que o espectador identifica a duração. Verifica-se uma

ruptura, uma fissura. O tempo não depende mais das mudanças no espaço para se

fazer sentir, mas são as próprias mudanças - ou o movimento - que se manifestam

na duração, ou seja, é na duração sentida num mesmo plano que as imagens

variam e vibram.O regime da imagem-tempo nos interessa particularmente porque nele o

espectador pode manter uma relação puramente sensorial com as imagens e com

os sons do filme. Nessa condição, o espectador não efetua interpretações a fim de

desvelar uma representação que porventura possa estar na imagem, pois aqui as

imagens se apresentam em sua própria materialidade, duram sem manter uma

relação de subordinação com o movimento e não mantêm, umas com as outras,

encadeamentos sensório-motores.A ação na imagem-tempo flutua na situação, mais do que a arremata ou

encerra58. Como acontece na dança, por exemplo. É certo que os movimentos na

dança enceram uma trajetória em função da coreografia, da sincronia solicitada por

um possível parceiro ou parceira, ou ainda, em função da exatidão que os

movimentos codificados do baile requerem. A dança pode representar alguma coisa

exterior a ela mesma e operar segundo uma lógica de ação e reação entre os

bailarinos. Contudo, se pensarmos que a potência expressiva da dança está, antesde qualquer coisa, na plasticidade dos movimentos, na apresentação dos gestos e

dos corpos em sua própria corporeidade, podemos dizer que ela carrega consigo

uma espécie de execução do movimento que flutua na situação, que escorre pelo

espaço, que flui pelo tempo. Na dança, em seu cerne, os corpos se movimentam

tão-somente, sem o peso da ação encadeada, da representação, do código. Leves,

eles flutuam, assim, sobre a situação. É como se, no regime da imagem-tempo,

certos filmes permitissem ao espectador apreender a plasticidade, as imagens e os

58 DELEUZE, Gilles. Cinema II: a Imagem-Tempo . São Paulo: Brasiliense, 2005. 

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sons puros. Talvez aqui valesse aquilo que Deleuze escreveu em outro contexto:

“Nada mais há além de atitudes de corpo, posturas corporais que formam as séries,

e um gestus que as reúne como limite. É um cinema dos corpos (...)” 59. 

Para além de toda representação, o regime da imagem-tempo instaura o novo 

absoluto, pois rompe com o encadeamento de ações que permitiam ao espectador

prever e intuir os deslocamentos e as modificações das imagens, bem como as

ações dos personagens; “o problema do espectador torna- se ‘o que há para se ver 

na imagem?’ (e não mais ‘o que veremos na próxima imagem?’)”  60.

A imagem-tempo, desse modo, corresponde a uma das margens do jogo

entre o prazer  e a fruição . O jogo se abre, como vimos no primeiro capítulo,

exatamente entre duas margens, que no cinema, segundo nosso entendimento, sesituam entre a imagem-movimento e a imagem-tempo. Da imagem-movimento à

imagem-tempo há uma passagem necessária61. Talvez seja justamente nessa

passagem que se localiza a fissura, a fenda da qual nos fala Barthes. Deleuze diz

que de um regime a outro há um caminho a ser transposto, e que esse caminho

pode ser percorrido dentro de um mesmo filme. É preciso que a ação deixe de

demandar funções das imagens, e que estas últimas se libertem da funcionalidade e

vibrem com autonomia, para que a imagem-tempo apareça62

. O nosso argumento sesustenta na idéia de que a imagem-tempo inaugura o novo absoluto, já que nesse

regime o espectador está diante de imagens e de sons puros, diante do

desconhecido, pois não pode prever, não espera o que será visto na próxima

imagem. Na imagem-movimento, porém, o espectador pode intuir deslocamentos,

medir o tempo, prever ações e gestos, antecipar mudanças, pois nesse regime os

movimentos/ações se encadeiam uns após os outros. A imagem-movimento reside

na margem da cultura, do que pode ser re-conhecido. Ressaltemos, contudo, queessas distinções feitas por nós possuem um valor aproximativo, e não devem ser

vistas jamais como um divisor na história do cinema.

O que interessa saber, de fato, não é quando um regime e ou outro se situam

numa ou noutra margem. O que interessa saber é o modo como o movimento e o

59 DELEUZE. Gilles. Cinema II: a Imagem-Tempo . São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 327. 

60 DELEUZE. Gilles. Cinema II: a Imagem-Tempo . São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 323. 

61

DELEUZE, Gilles. Cinema II: a Imagem-Tempo . São Paulo: Brasiliense, 2005. 62 DELEUZE, Gilles. Cinema II: a Imagem-Tempo . São Paulo: Brasiliense, 2005. 

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tempo são manejados, como oscilam entre um regime e outro, e, principalmente,

como afetam o espectador. Partimos da idéia de que no filme Pas de deux, quando

o movimento pode ser intuído, quando as ações/gestos são esperadas, quando o

tempo pode ser medido, é despertado no espectador um de sistema de expectativas

com relação ao porvir das imagens cinematográficas, que, por sua vez, acionam

operações através das quais são emitidas hipóteses que serão em seguida

verificadas ou anuladas a partir do nosso conhecimento prévio do mundo63. Desse

modo o espectador aciona o seu repertório e localiza na memória imagens

conhecidas que são atualizadas no momento da apreensão. De outro modo, quando

o novo absoluto se instaura no filme, quando o tempo não pode ser medido, mas

somente sentido como duração, quando o movimento se manifesta na vibração puradas imagens e não se localiza no deslocamento espacial nem tampouco nas

ações/gestos encadeados, o espectador não encontra em seu repertório o

correspondente das imagens que vê. Está diante do desconhecido, ou melhor, do

não-conhecido.

É assim então que as nuanças, na maneira como o movimento e o tempo no

cinema são apreendidos pelo espectador, vão colocar em jogo a relação do próprio

espectador com as imagens cinematográficas a partir de duas formas de investimento psicológico na imagem 64: o Reconhecimento e a Rememoração.

3.2  – Do espectador: Reconhecimento e Rememoração

O espectador, ao isolar as imagens, lança um olhar projetivo sobre elas65. Isto

quer dizer que, ao estar diante das imagens enquadradas, ele as percebe

sensorialmente, lançando mão de um repertório imagético adquirido socialmenteque, por sua vez, permite o acionamento de sua memória visual. O seu olhar não é

fortuito. A forma como apreende sensivelmente as configurações significantes do

63  “(...) a percepção visual é um processo quase experimental, que implica um sistema de expectativas. (...) em nossa apreensão das imagens, antecipamo-nos, abandonando as idéias feitas sobre nossas percepções. O olhar fortuito é então um mito, e a primeira contribuição de Gombrich consistiu em lembrar que ver só pode ser comparar o que esperamos à mensagem que o nosso aparelho visual recebe”. AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993, p.86 

64

AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993. 65 AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993. 

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filme é determinada por um sistema de expectativas que o impelem a intuir,

completar, atualizar os estímulos recebidos segundo as suas próprias expectativas,

organizando-os a partir de seu repertório66. Importa saber que o espectador, ao

acionar o seu repertório diante dos estímulos recebidos, pode, segundo a definição

de Aumont, Reconhecer e Rememorar formas e arranjos visuais que remetem a um

mundo visual já visto, localizado na cultura plasmada e compartilhada.

Aumont recorre a Gombrich para dizer que “a imagem tem por função 

primeira garantir, reforçar, reafirmar e explicitar nossa relação com o mundo visual: 

ela desempenha papel de descoberta do visual”  67. Nesse sentido, estabelece que

existem duas formas de percepção: o Reconhecimento e a Rememoração. O

Reconhecimento opera segundo o que se pode re-conhecer visualmente nasformas, no que pode ser atualizado no repertório do espectador. Isto é, o espectador

reconhece as formas quando identifica semelhanças estruturais entre as imagens

enquadradas e as de sua bagagem visual.

O espectador percebe visualmente as formas identificando nelas o que

conhece do mundo, e completa a representação, reconhecendo formas através de

esquemas estruturais68. No entanto, não é preciso que haja a transposição da cópia

visual exata da coisa representada  – uma espécie de fotografia isenta de todadistorção –, pois ao acionar a memória visual do espectador, o dispositivo coloca em

  jogo certa espera que, satisfeita ou não, contribui para que ele crie a imagem

contextualmente. O espectador completa a imagem69.

Em outro sentido, a imagem também permite a ativação da memória por outra

lógica. A partir de arranjos simbólicos, ela veicula um saber sobre o real que deve

ser decodificado pelo espectador. Basicamente, a representação opera aqui através

de esquemas plasmados historicamente, consensuais, mas que não são imutáveis.Por essa lógica, qualquer arranjo visual pode representar qualquer parte da

realidade consensualmente. Esse é o domínio da Rememoração70.

66 AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993. 

67 AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993, p.81. 

68 AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993. 

69

AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993. 70 AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993. 

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Na experiência do espectador de cinema esses modos de percepção visual

permitem a identificação de formas e arranjos conhecidos e convocam o espectador

a atuar conforme as suas expectativas. Assim, ele percebe as imagens a partir dos

estímulos visuais que recebe e da ativação de sua memória, e, por sua vez, as

imagens atualizam o seu repertório e o modificam. Entretanto, nem todas são

reconhecidas ou rememoradas. É o que se dá, por exemplo, quando a imagem é

percebida pela primeira vez, quando não há na memória o equivalente ou a estrutura

visual similar ao que está sendo visto. Neste caso, o espectador pode apenas ver,

ele não identifica representações ou arranjos estruturais conhecidos.

É nesse sentido que aproximamos a maneira como o espectador investe

psicologicamente na imagem, atualizando sua cultura adquirida através doReconhecimento e da Rememoração, às noções barthesianas de prazer , à margem

da cultura e, por sua vez, à natureza do movimento e do tempo no regime da

imagem-movimento. O prazer encontraria refúgio no lugar do reconhecimento das

configurações significantes, no seu uso canônico, na margem onde o espectador

pode re-conhecer tais configurações. É um lugar seguro, de conhecimento. As

configurações significantes do Pas de deux , o movimento e o tempo, se organizam

de tal forma que ora permitem ao espectador intuir mudanças das imagens,deslocamentos, medir o tempo, ora o colocam diante de sons e imagens puras, lugar

no qual não pode intuir deslocamentos, prever mudanças, medir o tempo. É na

margem da cultura que o espectador intui os deslocamentos, mede o tempo, prevê

as ações e as mudanças nas imagens, pois é o lugar seguro do conhecimento, é o

lugar onde o filme aciona suas expectativas, onde o espectador lança mão de sua

bagagem visual adquirida.

Por outro lado, a fruição  é algo desconhecido, lugar instável, onde o novo absoluto desloca o espectador da segurança da cultura; a fruição está na margem

na qual o espectador não intui deslocamentos, não mede o tempo, não prevê ações,

não espera mudanças. Aqui o espectador não lança mão de seu repertório, pois está

diante de imagens e sons puros, do desconhecido. Ele não Reconhece, não

Rememora.

Só depois de ter percorrido esse caminho  – um pouco aos saltos,

reconhecemos – é que podemos nos voltar para o filme Pas de deux . 

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4  – Norman McLaren e o cinema puro

“ Qualquer filme para mim não passa de um tipo de dança, por isso a coisa mais importante num filme é o movimento”. 

Norman McLaren  

Assistir aos filmes de Norman McLaren é vivenciar uma experiência sensorial

na qual obra cinematográfica se apresenta em seu caráter mais emblemático,

através da organização rítmica de imagens e de sons puros.

Os seus filmes não se constroem a partir da narração, ou da figuração das

formas, ou ainda da ação dramática, mas se valem das características fundamentais

do cinema puro: o manejo de sons e de imagens em relação estrita com o

espectador, especialmente a partir do movimento, do ritmo.

Em McLaren as formas nos escapam antes que possamos dar-lhes nomes

conhecidos. É o devir, o contínuo movimento dos elementos sem nomes, é a dança

colorida dos rabiscos, desenhos e ranhuras sobre a película, o que ganha de fato

existência cinematográfica.

Norman McLaren foi um cineasta experimental e inventivo não só no manejo

das imagens e dos sons. Criou também inúmeras das técnicas de animação com as

quais trabalhava e aperfeiçoou outras existentes. Estava interessado, sobretudo em

experimentar; técnicas cinematográficas ou formas de expressão. Desse modo,

vamos tratar destes dois aspectos de sua trajetória no cinema: a técnica e a

expressão. Primeiramente traçamos um perfil histórico e logo damos conta da

estilística de McLaren.

4.1  – Homem do mundo, homem do cinema

Norman McLaren nasceu de uma família de pintores e decoradores em 1914,

na cidade escocesa de Stirling. Aos 18 anos entrou para a Glasgow School of Art,

onde estudou Design de Interiores sem, no entanto, concluir o curso. Lá teve o seu

primeiro contato com o cinema. Entre exibições de clássicos russos, como

Eisenstein e Pudovkin, McLaren exibia pequenos curtas que realizava com amigos

da Escola. Aos 19 anos, sem recursos suficientes para filmar, realizou o seu primeirotrabalho cinematográfico, desenhando diretamente na película de um velho filme

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comercial que conseguiu adquirir 71. Em entrevista dada a Gavin Millar, McLaren

lembra que, aos 19 anos andava insatisfeito com seus desenhos e com a sua

pintura:

“reparei que neles falt ava alguma coisa... e subitamente percebi que era a 

falta de movimento que me chocava. De forma curiosa, isso não aconteceu 

porque houvesse visto filmes de animação, mas sim por haver visto alguns 

clássicos russos silenciosos de Pudovkin e Eisenstein. Esses filmes me 

impressionaram... pois me revelaram exatamente o que um filme podia ser” 72.

McLaren teve inúmeras influências. Aprendeu desde cedo, vendo osclássicos russos, que o movimento era característica apriorística do cinema.

Questionava-se sobre a falta de movimento de suas pinturas, pensando já na

questão da representação do movimento, questionamentos característicos das

vanguardas do início do século XX. O futurismo, sobretudo, investigava formas de

expressão artística que dessem conta de reconstruir o tempo e o movimento. Além

disso, o próprio McLaren dizia ser influenciado também pelo surrealismo, e que o

que realmente lhe interessava no cinema era a possibilidade de transpor as imagenssurgidas em sua imaginação para o celuloide. Em entrevista dada a David

McWilliams 73, McLaren afirma que quando era adolescente, dormia ao som do

rádio, criando mentalmente formas e cores correspondentes aos sons que escutava,

num exercício imaginativo e sinestésico, no qual ao ativar a sua imaginação,

relacionava a música, uma arte estritamente temporal, a formas e cores, a estruturas

visuais dotadas de movimento. Em seus filmes, o som ou a forma sonora está

71 “Na escola de arte onde eu estudava, em Glasgow, na Escócia, havia um antigo projetor de cinemade 35mm. Consegui que me dessem um velho filme comercial para que eu aproveitasse o celulóide.Deixei-o de molho durante duas semanas na banheira de minha casa (e minha família ficou sem poder tomar banho 2 semanas!) para que pudesse retirar   toda a emulsão. Sobre o celulóide transparente fiz desenhos a nanquim com uma pena, colorindo-os depois com tintas transparentes.Assim, obtive formas e cores que dançavam ao serem projetadas, e fiquei tremendamente entusiasmado com o resultado.”  MILLAR, Gavin; MUNRO, Grant; BARROS, José Tavares de.Cinema de McLaren Folheto. Tradução do texto do filme O Olho e o Ouvido Vê. National Film Boardof Canada, 1970.

72 MILLAR, Gavin; MUNRO, Grant; BARROS, José Tavares de. Cinema de McLaren  Folheto.Tradução do texto do filme O Olho e o Ouvido Vê. National Film Board of Canada, 1970.

73 McWILLIAMS, David. O Processo Criativo de Norman McLaren . Gravação de vídeo. National FilmBoard of Canada, 1990.

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estritamente correlacionada à imagem, à forma visual. Desse modo, a separação

entre forma visual e forma sonora dá lugar à confluência sinestésica sonora-visual.

Ora os sons nos remetem às imagens, transformando-as, ora as imagens nos

remetam aos sons, modificando-os. A força expressiva dos filmes de McLaren vem

das possibilidades de diálogo entre sons e imagens.

Ainda na Glasgow School, McLaren realizou um pequeno documentário sobre

as atividades cotidianas da escola, Seven Till Five , filme que obteve relativo sucesso

num festival amador. Isto lhe permitiu obter dos diretores da escola subsídio para

filmar o seu próximo filme, Camera Makes Whoopee . Neste filme aparece outra vez

o caráter experimental de McLaren. No final do filme, vemos a câmera, cansada de

todo um dia de filmagem, ir para a cama sozinha, em stop motion , bem ao estiloreflexivo de Vertov. O trabalho de McLaren despertou a atenção do cineasta John

Grierson, que na época chefiava a Divisão de Cinema do Departamento de Correios

da Inglaterra (GPO Film Unit). Grierson, então, convidou McLaren a trabalhar com

ele.

Na Inglaterra, McLaren realizou quatro filmes, dois documentários e dois

filmes abstratos. Em um deles, Love on the Wing , uma propaganda do correio aéreo,

teve a chance de aperfeiçoar sua técnica de desenho direto sobre a película, o quelhe permitiu tomar consciência das possibilidades de improvisação que o desenho

direto sobre o celuloide potencializava. Nesta época começaram suas experiências

com o som sintético. Desenhando diretamente com uma pena a nanquim sobre a

banda sonora da película, influenciado por um filme científico alemão que havia visto

em suas sessões de cinema na Glasgow School74, McLaren conseguia extrair sons

sem a necessidade de gravá-los. Tinha então ao alcance de suas mãos todas as

ferramentas que necessitava para fazer cinema: pena e nanquim.Algumas dessas experiências já estavam sendo realizadas no cinema, mais

marcadamente por Oskar Fischinger e Len Lye. O primeiro, influenciado pelo

abstracionismo de Kandinsky e Malévtich, começou a realizar experiências no

campo do som sintético, fotografando formas que remetiam às ondas sonoras

74  Das Tönende Handschrift , produzido pelo engenheiro suíço Rudolf Pfenninger. “(...) ao invés deusar um conversor especial para transformar som gravado em imagens na faixa de som óptico, ele usava uma câmera modificada para fotografar imagens diretamente nessa faixa. Assim, qualquer 

 projetor de cinema comum poderia ler esse som óptico criado artesanalmente” . WERNECK, DanielLeal. Movimentos Invisíveis: a estética sonora do cinema de animação. Tese apresentada aoPrograma de Pós-Graduação em Artes da UFMG. Belo Horizonte, 2010. 

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diretamente na banda sonora do filme. Len Lye por sua vez, já realizava filmes

desenhando formas abstratas na película com pena e nanquim. Para além de suas

semelhanças no domínio e experimentação da técnica  – o que obviamente permitia

a exploração estética no cinema  –, esses três cineastas guardavam características

comuns também em relação à forma de seus filmes. Além do abstracionismo como

premissa, a libertação da dependência do aparato custoso do cinema tradicional

permitiu a exploração de uma forma fílmica livre da ação dramática como

prerrogativa. Já que era de fato possível experimentar e criar formas, sons e

movimentos, numa relação muito íntima do cineasta com a película, era possível

também a criação improvisada, o domínio total sobre o movimento.

Ainda na GPO Film Unit, Mclaren viajou até a Espanha, em plena guerra civil,acompanhando a Ivor Montagu, como cinegrafista. Em 1939, fugindo da guerra e

buscando novos horizontes para a sua criação, transferiu-se para Nova York, onde,

sem os recursos da GPO, encontrou dificuldades para realizar os seus filmes. Ele

conseguiu reunir restos de filmes virgens, e neles, usando e aperfeiçoando a sua

técnica de desenho sobre a película, produziu um cartão de natal para a NBC,

obtendo boa visibilidade. Em seguida produziu alguns curtas abstratos para o Museu

Guggenhein de Arte. Por essa época, John Grierson estava trabalhando no Canadá,a convite do governo canadense. Ele foi designado Comissário Governamental do

Cinema e criou um órgão que era encarregado de difundir a cultura do Canadá aos

canadenses, o que era feito por sua vez através de obras audiovisuais. Estava

criado o National Film Board of Canada (NFB). Foi então que convidou McLaren,

mais uma vez, a trabalhar com ele.

O NFB ganhou nome e formou, durante a sua história, diversos cineastas

internacionais, sobretudo animadores. Foi aí que McLaren produziu a maioriaabsoluta de seus filmes e ganhou reconhecimento internacional no meio

cinematográfico. E foi aí, finalmente, que em 1968, produziu umas das mais belas

experiências do cinema, o Pas de deux .

4.2  – Ritmo e sinestesia

Nos filmes de McLaren, em sua grande maioria animações desenhadas

diretamente sobre a película, quadro a quadro, as formas criadas não são

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governadas pela semelhança visual com algum objeto da realidade, não são

figurativas. São antes formas abstratas que se movimentam pelo quadro.

Ele desenhava uma a uma as formas que imaginava dentro de cada

fotograma. A cada desenho, a cada fotograma, ia modificando um pouco a forma

criada (sua posição no quadro ou o seu próprio formato) de maneira que, quando

corria a película pelo projetor, o que se percebia era um ritmo criado pela mudança

constante das formas, pelo movimento75. Muitas vezes ele não respeitava os limites

do próprio quadro, e desenhava formas que se estendiam a vários fotogramas. O

efeito obtido era a permanência na tela de uma forma infinita que se deslocava para

além dos limites do quadro. Em seus filmes as figuras se transmutam em outras

formas e borrões que duram, pulsando sempre, vibrando a cada passagem de umfotograma a outro. Elas parecem deslizar sobre o écran livremente.

Ao apreciar a obra de McLaren, estamos diante da presença pura de imagens

e de sons. Assistir aos seus filmes é uma experiência mais sensorial do que

intelectiva. Nesse sentido o ritmo e a sinestesia têm lugar de destaque em sua obra.

McLaren criava a partir da correspondência entre sons e imagens, na tentativa de

construir um movimento rítmico sonoro-visual. As imagens se transformam, em seus

filmes, segundo uma métrica estabelecida. Ora são os sons e a música os que ditamo ritmo a ser seguido pelas imagens, ora são as transmutações e os movimentos

das imagens os que motivam a composição sonora dos filmes. Seja quando

desenhava sobre a película segundo uma música predeterminada, fazendo com que

as formas vibrassem e se movimentassem na mesma cadência ou, ao contrário,

quando criava a música em consonância com a organização do movimento das

imagens sobre o celuloide, o ritmo resultante era, sobretudo, sonoro-visual,

alcançado pela confluência entre a forma visual e a forma sonora.O próprio McLaren dizia estar interessado na correspondência entre imagem

e som não a partir de critérios científicos, mas expressivos. Em vários filmes,

determinou que a cada nota musical corresponderia uma cor, e a cada duração da

nota no tempo, uma velocidade no movimento da forma 76. Som e imagem não se

75 McWILLIAMS, David. O Processo Criativo de Norman McLaren . Gravação de vídeo. National FilmBoard of Canada, 1990.

76 MILLAR, Gavin; MUNRO, Grant; BARROS, José Tavares de. Cinema de McLaren  Folheto.Tradução do texto do filme O Olho e o Ouvido Vê. National Film Board of Canada, 1970.

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somam, mas se multiplicam expressivamente ao confluírem diante do espectador.

Essa confluência está antes de tudo a serviço do ritmo, da organização de um todo

orgânico que muda em face das imagens ou dos sons que aparecem. Nessa

correlação, imagens e sons tem seus efeitos potencializados.

A esse respeito, filmes como Fiddle-de-dee , Begone Dull Care  e Blinkity 

Blank 77, são emblemáticos. Os três são animações desenhadas diretamente sobre a

película. McLaren realizou filmes lançando mão de inúmeras técnicas, como

animações feitas por recortes, pixilation, criou efeitos de zoom infinito na tela, utilizou

a técnica da cronofotografia, sobrepondo imagens consecutivas em intervalos muito

pequenos, enfim, experimentou sempre. Interessam-nos esses três filmes por seu

caráter sinestésico.Em Blinkity Blank ainda aparecem formas visuais figurativas. Nos outros dois,

entretanto, estamos diante da presença pura de imagens abstratas. Nesses, o

fotograma é preenchido por cores e rabiscos que vibram e se movem para os lados,

para cima e para baixo e para além dos limites do quadro no mesmo compasso que

a música. À medida que muda o ritmo da música, muda a configuração dos

desenhos no espaço, que ora apresentam um traço muito fino e uma velocidade de

movimento muito grande, acompanhando a aceleração da música, ora aparecempontos, espécie de círculos que explodem e se transformam em outras formas antes

de desaparecerem quando as notas musicais são mais pontuais. O quadro se

esvazia de cores e de formas quando o ritmo da música desacelera e quando

diminui o número de instrumentos que a executam.

Um pouco diferente, mas guardando ainda a mesma relação sinestésica, o

terceiro desses filmes, Blinkity Blank, incorpora uma profundidade de campo dada

pela perspectiva criada a partir do tamanho das figuras no espaço. Outra vez, ametamorfose das imagens acompanha os elementos musicais. Por exemplo,

escutamos sons que parecem ser de explosões, e um ponto colorido na tela explode

dividindo-se em vários outros pontos menores. Logo se expandem e desaparecem.

O cinema de McLaren é guiado pela abstração, pela organização de imagens

e sons puros. É desse modo que entendemos que o Pas de deux, ainda que nele

haja a figuração, é conduzido pelo ritmo, pelo movimento das formas no espaço e no

tempo e pela confluência sinestésica entre a música e as imagens.

77 Todos os filmes podem ser acessados no site do National Film Board of Canada(http://www.nfb.ca/ ) 

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5  – O Prazer e a fruição em Pas de deux  

O Pas de deux  é um pequeno filme, de aproximadamente 13 minutos,

realizado por Norman McLaren em 1968. Não por acaso, é um olhar sobre umadança. Dizemos que é um olhar, pois não é o registro puro e imediato da dança, mas

a sua re-construção cinematográfica, por meio da técnica de animação. Além da

dança dos corpos no espaço físico do palco (mise-en-scène ), McLaren cria uma

“dança” com as imagens e com os sons, que se multiplicam ritmicamente no espaço

e no tempo cinematográficos.

Vimos que o cinema de McLaren opera segundo a confluência sonora-visual,

explorando a particularidade do dispositivo, que reside na relação entre o movimentoe o tempo. A dança possui tanto características espaciais como temporais, pois se

organiza a partir de movimentos e gestos significantes que lidam com a

expressividade e a plasticidade que o corpo permite78.

A dança do filme Pas de deux, no entanto, mais que uma expressão

espontânea dos corpos através de movimentos, é um balé criado a partir de códigos

bem definidos e por meio de uma coreografia (no caso, elaborada por Ludmilla

Chiriaeff). Segundo Alberto Dallal, a coreografia é a codificação dos movimentosinstintivos da dança. Por meio dela a gestualidade espontânea ganha uma intenção,

uma funcionalidade significativa.

“Mientras que la danza es la realización del movimiento, o sea, es el movimiento con significación, acto o secuencia que llevan a cabo uno o más cuerpos humanos en el espacio, la coreografía es la composición, el arreglo más significativo y funcional de los espacios mediante los movimientos, con intención, de uno o más cuerpos humanos”. 79 

O balé, por sua vez, é codificado desde suas origens. Quando esse tipo de

dança passou a exigir maior dedicação por parte dos bailarinos, pois que os passos

se tornaram mais complexos, respeitando uma métrica estabelecida e, ao mesmo

tempo, as poses passaram a ser executadas de modo que a posição dos corpos se

78 “(...) a dança é uma arte criativa e cênica, que tem como objeto o movimento e, como ferramenta, ocorpo. Ela é imanente do corpo, impossível se separar a dança do corpo que dança” . AMARAL,Jaime. Das danças rituais ao ballet clássico . In.: http://www.revistaeletronica.ufpa.br/ 

79 DALLAL, Alberto. Anotaciones sobre el origen del arte coreográfico y su posible dinámica en México. UNAM – Instituto de Investigaciones Estéticas. In.: http://www.analesiie.unam.mx/ 

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assemelhava a esculturas, surgiram então as primeiras escolas e a partir disso

foram sistematizados alguns procedimentos. O balé profissionalizou-se80.

Desse modo, não se pode analisar o filme desconsiderando a codificação dos passos do

balé. Não identificamos aqui apenas a codificação das imagens, mas também a da dança e

a dos corpos. Ademais, o balé sempre esteve atrelado à música; ambos estão de tal forma

interligados, que a potência expressiva que o balé comporta só tem sentido quando o

identificamos como obra orgânica, feita da confluência entre a música e a dança 81. 

A música do filme foi criada por Maurice Blackburn, que já havia trabalhado

com McLaren em outros filmes. Muito mais que um acompanhamento da dança e/ou

das imagens, a música aqui é material expressivo, ela cria um clima de sutileza, o

seu movimento sonoro se interliga sinestesicamente às imagens. Faz-se necessáriopensar então: como ela está em confluência com a dança codificada no filme de

McLaren? De que maneira está em relação sinestésica com as imagens? Como

estão entrelaçadas a forma sonora e a forma visual no filme? E, o mais importante,

quais os desdobramentos estéticos dessa comunhão para o espectador? O que nos

interessa de fato é o outro tipo de dança que não aquele executado pelos corpos no

espaço físico filmado, apesar de que ela é essencial para a construção formal do

filme. Interessa-nos, sobretudo, a dança cinematográfica construída por McLaren.

5.1  – Os códigos da dança

O pas de deux é executado por uma figura masculina e uma figura feminina.

Ao dançar com um parceiro a figura feminina pode saltar mais alto, tomar posições

que ela nunca seria capaz de executar sozinha, e, de certa forma, flutuar,

deslizando sobre o palco nos braços da figura masculina. No pas de deux , o homem

age como um terceiro pé para a mulher, normalmente equilibrando, levantando e

girando a bailarina, que é quem executa de fato os movimentos mais significativos

da dança.

80 “No século XVII, foram estabelecidas as cinco posições básicas dos pés, por Pierre Beauchamps(1639  – 1705), estas, semelhantes às posições dos pés na esgrima (...) justamente no ano de 1674, a dança já tinha sua invenção da escrita, confirmando uma estrutura organizada como dança clássica (BOURCIER, 1987)”. AMARAL, Jaime. Das danças rituais ao ballet clássico. In:http://www.analesiie.unam.mx/ 

81 SOARES, Daniela Luciana Pereira. Diálogos entre música e dança: a formação musical do artistada dança. Belo Horizonte, 2011, UFMG.

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Existem quatro grandes movimentos no pas de deux : as promenades , as

elevações , os giros e os saltos . Uma promenade é um movimento no qual a mulher

se posiciona na ponta do pé e o homem anda em torno dela, sustentando-a pela

mão, fazendo-a girar. Uma elevação é um movimento no qual o bailarino levanta a

bailarina. Uma infinidade de elevações diferentes pode ser feitas no balé. Um par de

dançarinos pode fazer uma "pescada" por exemplo, quando o bailarino lança a

bailarina no ar e a pega em uma posição de arabesque , com a perna de baixo

dobrada, e com as costas arqueadas, (movimento chamado de cambré). Os giros  

são executados quase que exclusivamente pela bailarina. Ao realizar um giro  

comum no pas de deux , o bailarino fica atrás da bailarina e a ajuda a se estabilizar e

a girar, com as mãos na cintura dela. Desta forma, a bailarina pode executar muitomais giros do que normalmente seria capaz de conseguir sozinha. Saltos comuns

são aqueles onde a bailarina pula e o homem simplesmente a alça para fazê-la

subir. Alguns saltos  são mais complexos e podem ser descritos como “salto e

pegada”, seriam aqueles nos quais a mulher salta sozinha para os braços do

homem.82 

O Pas de deux de Norman Mclaren, ao acompanhar os passos do balé, é feito

de giros, elevações e saltos. De maneira metafórica, podemos identificar essesmovimentos do balé na própria estrutura do filme. Eles assinalam uma mudança

constante no modo como se configuram as imagens, os sons e o movimento. Estes

(sons, imagens e movimento) mudam de uma situação estável a uma situação

instável, saltando de uma a outra, efetuando de fato giros constantes na estrutura do

filme, mudanças que se caracterizam por um jogo no qual a estabilidade e a

instabilidade das formas oscilam no decorrer do próprio filme como veremos adiante.

5.2  – A técnica de animação e os seus efeitos

Vimos que McLaren sempre ousou experimentar, produzindo filmes a partir de

técnicas variadas. No entanto, foi o seu trabalho com a pena e o nanquim sobre a

película que ganhou notoriedade, e foi dessa maneira que ele aperfeiçoou o domínio

sobre o movimento das formas no cinema. Esse mesmo domínio é identificado em

82 As informações sobre o pas de deux foram encontradas em: http://www.the-ballet.com/ 

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vários outros filmes construídos com outras técnicas, inclusive em filmes feitos em

live action , que é a filmagem da ação direta de atores diante da câmera.

Pas de deux foi realizado da seguinte maneira: dois personagens, bailarinos,

um homem e uma mulher, vestidos com uma malha branca diante de um espaço

negro infinito, iluminados de maneira bem peculiar, com luzes laterais que deixam

ver apenas a silhueta dos seus corpos, movimentam-se e executam um pas de deux  

diante da câmera. O que distingue a maneira como McLaren trabalha o movimento

neste filme, é o fato de que aqui as formas se movimentam, assim como as figuras

desenhadas com pena e nanquim, a partir da filmagem fotográfica direta

retrabalhada na montagem. A animação é realizada na montagem, e não

diretamente sobre a película.McLaren usou uma técnica semelhante àquela que Marey empregou em suas

experiências cronofotográficas. Com o auxílio de uma impressora óptica, um

aparelho que consiste em um ou mais projetores de filme ligados à câmera, McLaren

filmou a execução da dança, fotografou o seu movimento contínuo. Às imagens

fotografadas, decompostas por sua vez em quadros, imprimiu  – em um mesmo

fotograma  – outras imagens obtidas entre instantes quaisquer que eram

minimamente distantes um do outro. O que obteve como resultado foi a repetiçãoincessante do movimento das figuras e das imagens, a sua decomposição e

recomposição em inúmeros deslocamentos consecutivos, inscritos no espaço e no

tempo. No filme parece haver a co-presença de um presente e de um passado nas

imagens. O efeito das sobreimpressões, na mistura quase indiscernível das figuras,

provoca no espectador a sensação de que o movimento das figuras no espaço

coincide com o movimento das figuras no tempo. Isto é, um presente instantâneo se

apresenta e convive com um passado feito de vestígios que permanecem impressosà medida que as figuras se movimentam, como podemos ver no exemplo abaixo.

1 2  

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3 4  Fotogramas 1- 4: presente e passado convivem nas imagens.

Identificamos na anamorfose das imagens o movimento contínuo da imagem

da bailarina filmada, e, também, no mesmo espaço, o movimento das figuras

copiadas (somadas ao plano pela animação) que repetem (com variações mínimas)o mesmo movimento da bailarina filmada. Através da colagem, da sobreimpressão, a

imagem, agora anamórfica, parece haver acumulado tempo 83. As figuras parecem

repetir-se, porém já não são dois instantes do movimento encadeados um após o

outro, não é uma reconstrução abstrata que cria a ilusão de um movimento que se

dá entre essas partes, mas as próprias partes se inscrevem como movimento

contínuo, como mudança que opera simultaneamente em todas as figuras, como se

elas fossem a única forma a se mover no espaço-tempo, e não formas decompostase calculadamente reconstruídas, mas a própria figura, ambígua e anamórfica, que se

apresenta no tempo e no espaço.

A animação parece dar conta daquilo que na dança a simples vista humana e

o registro linear e fotográfico não conseguem apreender. A repetição proporcionada

pela animação, que como vimos não é o simples ordenamento sucessivo das

figuras, consegue, de certa forma, perpetuar o movimento, torná-lo, mais que

contínuo, simultâneo, imantando-o à progressão das variadas figuras que seapresentam como uma só forma anamórfica. O movimento é apreendido em sua

totalidade como algo que se expande no espaço e nele deixa seus vestígios, seus

rastros. A animação não age decompondo o movimento simplesmente, mas

potencializa a sua apresentação como alguma coisa que se inscreve e deixa rastros,

que desliza sobre o espaço, que se apresenta como o deslocamento de um gesto, e

do vestígio visual que esse gesto deixa, prolongado para além do instante em que é

83  “Em todo caso a imagem terá de certo modo acumulado tempo, desdobrando-o espacialmente”. AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993, p. 237

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executado. Tentemos agora compreender como essa organização formal do filme

convoca o espectador a uma experiência de prazer e de gozo .

5.3  – A confluência da música e das imagens

O filme é guiado pela mudança constante, em um jogo de aparições e

desaparições. Nessa lógica, a imagem ora assume uma forma constante, isto é, ela

aparece como figura concreta e executa movimentos, por assim dizer, previsíveis

porque estáveis, ora desestabiliza-se, desaparece como figura construída, estável,

permanente, e aparece novamente em uma nova configuração, mutante, instável.

Através de mudanças, transfigurações e mutações, a imagem é já outra coisa, nãomais a primeira figura definida, mas algo distinto: torna-se a confluência de várias

figuras copiadas e reproduzidas umas após as outras pela animação; o movimento,

por sua vez, deixa de ser a sucessão de deslocamentos da primeira figura filmada

(bailarino ou bailarina; ou ambos em conjunto) e passa a operar segundo os

deslocamentos das cópias sobreimpressas, conforme a sua progressão consecutiva

(como vimos no exemplo anterior); é também o movimento de uma única imagem

formada pela conjunção das cópias (que chamaremos imagem total ), como umborrão de luz que se desloca pelo espaço. Tão logo se estabiliza essa nova

configuração, voltamos à anterior, para em seguida voltar à outra e assim por diante,

até o término do filme.

A própria música contém esse jogo de mudanças constantes. Algumas notas

aparecem e se expandem no tempo como um vestígio, estão como que em

suspensão, num plano distanciado84. São movimentos quase que exclusivamente

melódicos85

. Todavia, são notas que não se sustentam no tempo, não duram, nãopermanecem senão por alguns segundos. Os dedos nas cordas da harpa compõem

uma melodia através da execução de cada nota em separado, pela vibração de cada

corda, assim como a animação recompõe o movimento da imagem   total  na

84 Não usaremos aqui os termos técnicos da música, mas abordaremos suas configurações usandotermos coloquiais de maneira metafórica. Pensamos na sensação que a música pode causar noespectador.

85  “A melodia seria uma sequência de notas, de diferentes sons, organizados numa dada forma de 

modo a fazer sentido musical a quem escuta.”  SOARES, Daniela Luciana Pereira. Diálogos entremúsica e dança: a formação musical do artista da dança. Belo Horizonte, 2011, UFMG, p. 41.

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composição das várias figuras repetidas e plasmadas em uma única imagem

anamórfica e ambígua.

As notas que não duram senão como um resquício, como um estado

suspenso que não vão a lugar algum, pois que duram o mínimo instante e se

repetem causando assim a sensação de permanecerem como vestígio, carregam

em si uma leveza, uma sutileza que parece tirar o peso dos corpos, do código da

coreografia. Através da oscilação, do correr dos dedos pelas cordas da harpa, a

música acompanha sutilmente a oscilação dos corpos que se duplicam e

aparecem/desaparecem no espaço, em um movimento homólogo ao das imagens.

Ela ganha uma existência que marca um ritmo determinado, que vai e volta

sutilmente. É a sutileza o que tira o peso dos corpos. Em contrapartida, em outrosmomentos a flauta vai a um agudo extremo que se sustenta no tempo, um rasgo

sensorial, por assim dizer, como que uma pontuação sonora que permanece

enquanto o agudo vibra no ouvido do espectador, e que é acompanhado também

por um rasgar-se da imagem que salta aos olhos no momento de máxima

radicalização da anamorfose. A atenção sensorial é total, na medida em que o

estímulo sonoro é extremo e a transmutação da imagem é radical. O efeito é de um

arrebatamento, de uma cisão pela insistência, o código abandona a margem dosignificado porque é repetido até a sua incompreensão86. Há como que uma

homologia entre a música (os sons) e as imagens, ambos dialogam

expressivamente, efetuando em conjunto o vaivém entre aparição-desaparição,

estabilização-desestabilização. O que apreciamos, de fato, é a dança

cinematográfica, elaborada na confluência entre as imagens e a música.

5.4  – Da probabilidade do prazer e da fruição

É nesse espaço instável, entre aparição e desaparição, que o jogo entre o

prazer e a fruição opera. O espectador é convocado a perceber essas mudanças, e

é justamente isso que lhe permite se situar entre os regimes do prazer ou do gozo .

86  “A repetição engendraria ela mesma a fruição. Os exemplos etnográficos abundam: ritmosobsessivos, músicas encantatórias, litanias, ritos, nembutsu búdico etc.: repetir até o excesso é entrar na perda, no zero do significado. Somente que: para a repetição ser erótica, cumpre que ela seja 

formal, literal, e, em nossa cultura, essa repetição afixada (excessiva) volta a ser excêntrica e repelida   para certas regiões marginais da música”. BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP.Editora Perspectiva, 2004, p. 51. 

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Cremos que a constância das formas e do movimento produz, talvez, a estabilidade

que se esgota, quiçá a previsibilidade que aborrece; por outro lado, a mudança sem

fim, o jogo ininterrupto de transformações que não se estabilizam, lança a

indeterminação das formas e do movimento a um lugar onde não podem ser

apreendidos pelo espectador, o coloca à deriva, incapaz de estabilizar-se e de medir

sensivelmente tais mudanças. No entanto, é na oscilação entre a estabilidade e a

instabilidade, é na fenda que se abre entre elas, que reside o gozo  e o prazer ,

seguindo o pensamento de Barthes 87.

O jogo de aparições/desaparições começa logo no princípio do filme, nos

créditos inicias que aparecem e desaparecem sobreimpressos, quando as letras

tomam o lugar umas das outras pelo procedimento da fusão . Logo após, através deum fade in , aparece lentamente o corpo solitário da bailarina, em posição horizontal,

iluminado minimamente. O corpo da bailarina, nesse instante, não é mais que um

traço de luz, uma silhueta desenhada pela iluminação. Diante do fundo negro infinito,

a posição central que ocupa, a sua proporção no quadro (pequena em relação ao

todo) e o desenho de sua silhueta traçado pela luz, inaugura, logo de entrada, certo

modo de apresentar o filme que se dá como uma preparação, como um convite ao

espectador à apreciação do mundo visual do Pas de deux , minimalista, sustentadopela sutileza.

O equilíbrio da composição, com a figura exatamente sobre a linha áurea e a

economia de elementos, deixando ver a vastidão do quadro negro, parece ser o que

provoca prazer , já que a atenção está concentrada em um único ponto que

vagarosamente se movimenta, apresentando-se aos poucos como figura feminina, e

não mais somente como um traçado de luz. Reconhece-se a forma. O próprio corpo,

esboçado pela luz, mas reconhecido como corpo feminino, carrega em si umaexistência que permite o prazer pela contemplação. Desfruta-se o corpo. Estamos na

margem da cultura, do reconhecimento dos corpos e nos cânones da composição

áurea.

87 “Duas margens são traçadas: uma margem sensata, conforme, plagiária (trata-se de copiar a língua em seu estado canônico, tal como foi fixada pela escola, pelo uso correto, pela literatura), e uma outramargem, móvel, vazia (apta a tomar não importa quais contornos) que nunca é mais do que o lugar do seu efeito: lá onde se entrevê a morte da linguagem. Essas duas margens, o compromisso que

elas encenam, são necessárias. Nem a cultura nem a sua destruição são eróticas; é a fenda entre uma e outra que se torna erótica. BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. EditoraPerspectiva, 2004, p. 12 

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47 

A bailarina executa movimentos lentos e entra em jogo a plasticidade dos

gestos codificados do balé, acompanhados pelo espectador enquanto ela se desloca

pelo quadro. Seguindo a mesma serenidade dos gestos, a música permanece em

suspensão, cria um movimento sonoro que oscila repetindo as notas, o que contribui

para a criação de uma atmosfera especial, particular, íntima. Tal atmosfera convoca

o espectador a participar do filme com maior atenção, com mais proximidade. Em

seguida o corpo feminino é duplicado pela animação e sua cópia permanece estática

como uma imagem registro de uma situação, instantânea, enquanto a outra, a

original, continua o movimento, indiferente à imobilidade da cópia. É como se o

movimento fosse congelado em um ponto inicial e a partir desse ponto continuasse.

O movimento é o que vai do ponto inicial até o final da trajetória percorrida pelafigura original e é o que permanece estático na cópia. Perde-se o jogo gestual criado

anteriormente e aparece outro jogo que vai operar agora a partir da aparição dessas

cópias. Tem lugar a primeira mudança. Porém, McLaren vai voltar à pura

gestualidade dos corpos em outros momentos.

Neste filme verificamos a presença de várias configurações que se repetem e

se modificam, às vezes apenas mudando minimamente sua estrutura, outras vezes

completamente. Cabe, aqui, analisar as mudanças mais significativas, e nãosomente descrever todas elas. É nesse sentido que a gestualidade dos movimentos

codificados assume existência em várias ocasiões. Os gestos são codificados,

como os próprios movimentos do pas de deux : as promenades , os saltos , os giros e

as elevações. Mas não só nesses movimentos. Ora o corpo feminino é apresentado

em plano aproximado, executando movimentos que guardam semelhanças aos de

uma ave, por exemplo. É a representação pura e simples na gestualidade. Verifica-

se também a própria codificação das posições dos pés, da postura, do movimentodos braços; a gestualidade coreografada do balé.

Além da codificação proporcionada pela coreografia e pelas posições do balé, encontramos

também, em um dado momento, a representação a partir da gestualidade que nos remetem

à imagem de uma ave. Aqui, quando a bailarina assume posições e movimentos

semelhantes ao de uma ave, parece que o prazer encontra lugar na rememoração 88, na

identificação dessa representação, dos esquemas visuais que a definem, e, ainda, no

simples acompanhar dos gestos.

88 AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993. 

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48 

Em seguida, reencontramos a mesma configuração anterior na qual as cópias

se mantêm imóveis, mas agora, aos poucos, elas saem da imobilidade e repetem o

próprio movimento da imagem original, como um vestígio daquela primeira. O

movimento é estabilizado na cópia, prossegue no corpo original e a cópia, por sua

vez, vai ao encontro da primeira imagem como podemos ver adiante.

5 6 

7 8 

9 10 

Fotogramas 5-10: o movimento da cópia acompanha o movimento da primeira figura. 

O movimento é decomposto, momentaneamente imobilizado, para logo em

seguida prosseguir. A imagem primeira estabiliza-se até que sua cópia acompanhe e

complete o mesmo movimento da original. Parece existir prazer aqui, na expectativa

criada, quando o espectador pode intuir a trajetória da cópia e espera que ela

termine o movimento da imagem original e a reencontre.

Percebemos aqui a inauguração de uma lógica que vai aparecer durante todo

o filme, a lógica da perseguição, na qual uma imagem persegue a outra, seja a

original ou a cópia, e, mais adiante, a perseguição da figura feminina pela figura

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masculina. E disso resulta, uma vez mais, o prazer , pois que existe prazer na

procura, na busca, na perseguição, na atenção a uma trajetória que será percorrida

no encalço de outra imagem 89.

Tem lugar agora uma nova configuração que não se repete no filme. O corpo

feminino é apresentado em plano aproximado, no canto esquerdo do quadro,

movimentando-se em gestos codificados. Ao colocá-lo num dos lados do quadro,

McLaren concentra e direciona a atenção do espectador. Em seguida, aparece

lentamente uma cópia que não guarda simetrias dimensionais com a original e que

executa, dessa vez, movimentos dessemelhantes, porém ainda codificados. Logo, a

primeira imagem à esquerda desaparece lentamente, e a cópia agora assume

existência própria, e continua o movimento por si só. Esse momento funciona talvezcomo uma passagem de uma lógica à outra. A cópia agora adquire existência e se

replica mais adiante como uma imagem especular que vai executar movimentos

análogos aos seus. Não existe mais uma cópia que persegue a imagem original,

mas duas imagens que executam movimentos iguais e simultâneos, uma frente à

outra.

O prazer , nesse caso, parece advir do reconhecimento da simultaneidade dos

gestos nas duas imagens. Ademais, elas se mesclam quando em contato, passandoa existir em uma nova configuração. São, em pequenos momentos, duas imagens

misturadas no contato, uma sobreimpressa na outra, que parecem distanciar-se e

aproximar-se e, por fim, mesclar-se ao confluírem. Essa nova configuração, que

aparece e desaparece, convoca o espectador ao prazer  e ao gozo . O espectador

experiencia o prazer porque as formas são reconhecidas, as trajetórias podem ser

intuídas, a plasticidade do movimento é acompanhada, e tudo isso se constitui como

uma experiência de prazer , pois aciona no espectador a espera, a expectativa, oreconhecimento90. Ao mesmo tempo, ele é convocado a experienciar a fruição  

quando uma nova imagem é inaugurada, não mais composta de duas formas

separadas e redistribuídas uma diante da outra, mas tornada uma  única figura

anamórfica em gestação. A fenda começa a abrir-se na instabilidade, na

89  “toda a excitação (do prazer, não do gozo) * se refugia na  esperança de ver o sexo (sonho de colegial) ou de conhecer o fim da história (satisfação romanesca)”. BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004, p. 16.

*Grifo nosso 

90 AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993. 

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indeterminação dessas formas, e cria-se, nessa abertura, outra margem, a margem

do gozo , da fruição .91 A representação, os gestos, as figuras, ocasionalmente

deixam de ser reconhecíveis, por alguns momentos abandonam o código e passam

a ser apresentados sob uma nova configuração. Momentaneamente, as imagens

abandonam a figuração e apresentam-se como forma pura quando misturadas no

contato. Essa forma única, ambígua, coexiste com a sua própria decomposição em

duas formas idênticas, uma mesclada à outra. É ao mesmo tempo uma figura

delimitada e também duas figuras recompostas.

As duas figuras misturadas estão ainda distribuídas de maneira que ocupam o

canto inferior direito do quadro, concentrando a atenção do espectador e deixando

vazio um espaço negro à esquerda, preenchido pela entrada da figura masculina. Amúsica acompanha os movimentos das duas imagens da bailarina que, por sua vez,

giram cada uma em torno de seu próprio eixo. Os giros são ainda potencializados

quando as duas imagens se mesclam e realizam um movimento cíclico, girando

agora no eixo da figura composta pela imagem total das duas bailarinas. A música

parece copiar esse movimento circular, pois que trabalha com os sons pontuais da

harpa que vão e voltam, se repetem na medida em que os ciclos da imagem se

completam. Temos um novo estatuto sonoro que começa a despontar. A melodianão está em relação somente com a dança executada pelas imagens das bailarinas

isoladas, mas, sobretudo, vincula-se à dança das imagens mescladas. A dança

parece se potencializar na multiplicação e mistura das imagens.

A animação consegue que a imagem, formada agora por duas figuras

femininas, gire e vibre, executando movimentos de expansão e de retração. Esses

movimentos acompanham o movimento vestigial das notas, que sobem e descem.

Sinestesicamente, a música traduz a vibração da imagem em sons pontuais quecompõem, por sua vez, uma vibração sonora no tempo de similar duração às

91 “Text o de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura. Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas,culturais, psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças,faz entrar em crise sua relação com a linguagem.”  BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. SãoPaulo, SP. Editora Perspectiva, 2004, p. 20 e 21.

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transformações visuais das imagens. Nesta passagem o jogo de aparições e

desaparições, de prazer e gozo , se torna mais complexo.

No exemplo que se segue, McLaren inaugura várias novas configurações: a

imagem que se espelha (as bailarinas executando movimentos similares e

simultâneos), as imagens que se mesclam formando outra (a imagem anamórfica

formada no encontro das duas figuras da bailarina), os sons que agora guardam

relações de homologia com a dança das imagens multiplicadas e não somente com

a dança da imagem da bailarina isolada; e por fim, a entrada em quadro da figura

masculina. Esta aparece, primeiramente, como um traço de luz na tela, enquanto as

imagens femininas dançam uma com a outra. A silhueta masculina se forma aos

poucos, quando a indeterminação do traço de luz adentra o quadro lentamente, e otraçado da silhueta se completa ganhando forma e nome reconhecidos.

11 12 

13 14 Fotogramas 11- 14: a figura do homem adentra o quadro. 

Operam aqui várias nuanças de prazer  e gozo . Parece haver prazer  em

reconhecer aos poucos a figura masculina formada, a corporeidade que toma

existência, a descrição (cinematográfica) da situação 92 e, ainda, na espera de que

92  “Leio em Bouvard et Pécuchet  esta frase, que me dá prazer: ‘Toalhas, lençóis, guardanapos

  pendiam verticalmente, presos por pregadores de madeira a cordas estendidas’. Aprecio aqui umexcesso de precisão, uma espécie de exatidão maníaca da linguagem, uma loucura da descrição.” BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004, p. 34.

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ela adentre o quadro lentamente. O fora de campo é ativado: a partir dos limites do

quadro as figuras masculina e feminina podem aparecer e desaparecer. O fora de

campo permite intuir um deslocamento das figuras para além das linhas que limitam

o quadro e, mais do que isso, nos faz considerá-lo como parte do jogo de aparições-

desaparições, como vai ocorrer de fato nos minutos seguintes.

O homem vê a figura feminina e parece desejá-la. Lentamente vai ao seu

encontro. A música está em suspensão novamente, e tem início outro ciclo. A sua

sutileza tira o peso do caminhar do homem, como se acompanhasse a morosidade e

exatidão dos seus passos através da sucessão das notas. A narrativa conta-nos

agora a história de um homem que deseja uma mulher, que foge ou lhe escapa. A

mulher, a princípio, dança com a sua cópia, parece desejar dançar somente com asua imagem espelhada, como Narciso. Diante da insistência e da súplica do homem,

ela cede, e ambos ensejam por fim a dança, o enlace, o pas de deux . Há, nessa

pequena narrativa, o pano de fundo da conquista amorosa, do jogo de sedução que

culmina no enlace entre os amantes, entre os corpos.

Os códigos, aqui, estão em relação íntima com a gestualidade e com os

olhares. Não existem ações bem definidas e encadeadas, mas gestos significantes,

codificados93. Ao gesto do homem, sozinho e enquadrado em plano aproximado, eque com o braço, com o olhar e com a posição do corpo suplica, como um chamado

à dança, envergando-se até o seu objeto de desejo, corresponde, em outro plano,

que não é o contra-plano do primeiro, mas um plano aproximado da figura feminina,

o olhar da mulher que vacila, até que cede, por fim.

Para além do código, tem início uma nova experiência. As figuras do homem

e da mulher se multiplicam na tela, se mesclam. O movimento se decompõe e logo

se recompõe, como um retalho da continuidade do movimento que, todavia, continuasua trajetória consecutiva no espaço. Quando a figura feminina, em seu primeiro

movimento ao lado do homem, rompe com a normalidade da lógica dos passos do

pas de deux  e assume a posição dele, fazendo-o girar em seu próprio eixo,

executando uma promenade , multiplicam-se as imagens de ambos e aparece

novamente outra configuração. É o novo absoluto que desponta.

93  “O recurso básico da linguagem da dança é o movimento e o gesto, diferentes dos movimentos

motores usuais, pois se transformam em dança a partir de fatores espaciais, temporais, rítmicos,dinâmicos que exigem novas posturas e atitudes, o que poderíamos dizer, transformam-se a partir da intenção neles impressa.”  SOARES, Daniela Luciana Pereira. Diálogos entre música e dança: aformação musical do artista da dança. Belo Horizonte, 2011, UFMG, p. 36

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53 

As figuras começam a executar o giro e replicam-se, permanecendo imóveis

como um vestígio, localizadas no momento exato em que se deu a primeira cópia,

que parece uma sombra dessas figuras. Essa sombra permanece estática, enquanto

as outras cópias seguem o movimento até desaparecerem lentamente. A sombra,

por sua vez, sai da sua condição imóvel e persegue a trajetória das outras. O

movimento é algo que se imobiliza no tempo e se fixa no espaço, que continua

desdobrado na replicação e que segue depois na própria sombra, algo que oscila

entre a decomposição e a recomposição, que vibra em idas e voltas.

A partir daqui, como podemos ver abaixo, as imagens multiplicadas confluem

e se misturam, dando lugar a uma nova imagem anamórfica que executa um

movimento estranho, aberrante, que não é contínuo nem decomposto simplesmente,mas um movimento que se apresenta no mesmo plano como a continuação do

movimento das primeiras figuras do homem e da mulher filmadas e a inauguração

de um novo movimento mais complexo, das copias misturadas.

15 16 

17 18 

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54 

19 20 

21 22 

Fotogramas 15-22: um movimento aberrante. 

O movimento é algo que, num mesmo plano, se imobiliza, estaciona, e algo

que continua decomposto em várias cópias, até que as cópias reencontram de novo

a própria imobilidade, a sombra impressa e imobilizada na primeira imagem e logo,

sendo várias imagens em uma, reestabelecem o movimento.

É quase a metáfora da própria existência estrutural do cinema. A uma

imagem estática é agregada outras imagens decompostas que seguem o seu

movimento a partir do correr da fita cinematográfica, porém o movimento em ambos

os casos não é o que está entre uma figura e outra, mas o que as traspassa.

A imagem anamórfica já não é figura nem tampouco várias figuras colocadas

umas junto a outras, mas uma imagem ambígua em mutação, é pura luz. A imagem 

total é formada pela junção das cópias, se apresenta como um borrão luminoso que

mancha a tela e escorre, expandindo-se pelo espaço do quadro e imprimindo-se no

tempo. Porém, não é exatamente um fluir de uma imagem indivisível pelo espaço;

trata-se, antes, de um movimento decomposto, que claudica e que  – no mesmo

plano  – segue contínuo. É a coexistência anamórfica e fragmentada de réplicas

vestigiais dos corpos que confluem e conformam uma massa de luz ambígua, que se

desloca decompondo-se e recompondo-se. A imagem torna-se superfície, perde a

profundidade. Por momentos o espectador não pode identificar o volume dos corpos,

pois o que vê é a superfície das imagens mescladas, a luz. Perde-se arepresentação, ignora-se o código, abre-se uma fenda, inaugura-se o novo absoluto .

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55 

Aqui, vemos e ouvimos simplesmente. No entanto, é como num jogo de idas e

vindas, o novo não se sustenta por muito tempo, não permanece. McLaren sempre

volta ao ponto de partida, ao código, para dar início outra vez a uma nova

configuração.

Estabiliza-se a imagem e as figuras ganham nomes reconhecidos (corpo

masculino, corpo feminino), e os gestos se codificam outra vez. Logo as figuras se

desestabilizam em novas formas, e é exatamente esse ir e vir o que parece dar lugar

a possibilidade do gozo , abre-se a fenda, instaura-se uma pequena crise na

normalidade do cotidiano, abala-se o que vinha sendo percebido. A música

“agudiza” a metamorfose quando a mutação das formas se torna mais acentuada. A

flauta executa notas extremamente agudas que se sustentam no tempo até amáxima excitação do ouvido, para logo voltar à sutileza, à situação em que parece

estar em suspensão.

Escolhemos uma pequena sequência do filme na qual se pode detectar um

passo codificado do pas de deux , uma elevação , a fim de analisar mais

pormenorizadamente esse jogo de estabilização-desestabilização.

Primeiramente temos a estabilização no código. Os dois corpos executam

uma pose (fotograma 23), quase a representação de uma escultura. Não faz sentidopensar no prazer do espectador analisando a imagem imobilizada. Congelamos as

imagens apenas a fim de lançar sobre elas um olhar analítico, mais cuidadoso. O

prazer e o gozo no filme só têm sentido para o espectador, quando este está diante

da tela do cinema.

O prazer do espectador parece encontrar lugar, a princípio, quando os corpos

executam a pose, no reconhecimento das duas formas, masculina e feminina; na

identificação da cultura nos gestos e na posição escultural das duas figuras; naprópria composição do quadro: sobre um fundo negro infinito, estão traçadas

silhuetas de luz, contrastadas com o negro, que se situam exatamente no centro do

quadro deixando vazios na composição. O prazer  aqui surge na estabilização das

formas, do movimento, dos corpos, do quadro. A imagem imobilizada e a pose

permitem passear o olhar sobre o corpo desenhado e identificar alguns traços dos

músculos, o perfil do rosto, a descontinuidade do braço do homem que se apaga na

escuridão e volta a aparecer no lugar onde a mão é iluminada. Tem lugar aqui, a

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construção da representação no olhar projetivo do espectador94. Não é necessário

que a imagem contenha em si a perfeita transposição visual da coisa representada,

o espectador completa a representação. Ele vê silhuetas desenhadas, mas completa

o corpo inacabado do homem e da mulher. Além disso, parece haver aqui um tipo de

prazer  na contemplação do grão  das imagens, parafraseando Barthes 95, na

apreciação de sua materialidade.

À medida que avançamos no tempo, as duplicatas aparecem e se mesclam

(fotogramas 24, 25 e 26). É a anamorfose pura. O código já não têm sentido. As

figuras já não são reconhecidas. Forma-se uma nova imagem ambígua que é o

amálgama das várias cópias, é o novo absoluto que se apresenta96. A figura toda

vibra, mas as várias cópias se deslocam pelo espaço umas após as outras, comoque pulsando mecanicamente, tropeçando, fazendo do movimento alguma coisa

dupla, numa espécie de dejà vu , e que segue como bloco de movimento contínuo

formado por todas as figuras mescladas. No entanto, paradoxalmente, trata-se

também da vibração de uma só figura.

Aqui, o espectador é lançado para fora da cultura. O código se afrouxa. Para

além da representação, existe gozo  na desestabilização da imagem, no

aparecimento do novo absoluto . Estamos na outra margem da fenda 97. Acodificação, todavia, volta a aparecer. A própria oscilação da imagem (o vibrar)

parece ser a oscilação mesma entre a desestabilização-estabilização. A música

também funciona assim. As várias notas executadas duram pouquíssimo tempo,

mas, se agrupam, tecendo uma malha sonora que envolve o espectador num clima

de sutileza. A repetição das notas (entre agudas e graves) parece seguir no tempo

como um ciclo. Elas formam um todo, uma malha, um entrelaçado que vibra, pulsa.

Isso parece provocar no espectador a própria sensação da vibração, seja sonora ou

94 AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993. 95  “Basta com efeito que o cinema tome de muito perto o som da fala (é em suma a definição generalizada do ‘grão’ da escritura) e faça ouvir na sua materialidade, na sua sensual idade, a respiração, o embrechamento, a polpa dos lábios, toda uma presença do focinho humano (...) para que consiga deportar o significado para muito longe e jogar, por assim dizer, o corpo anônimo do ator em minha orelha: isso granula, isso acaricia, iss o raspa, isso corta: isso frui.”  BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004, p. 78.

96 “(...) a palavra pode ser erótica sob duas condições opostas, ambas excessivas: se for repetida a

todo transe, ou ao contrário se for inesperada, suculenta por sua novidade.”  BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004, p. 51.

97 BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004.  

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57 

visual. A música guarda uma relação de homologia sinestésica com a dança

proporcionada pela animação. À multiplicação das formas corresponde a sucessão

de notas que se entrelaçam.

Na sequência, as figuras se estabilizam mais uma vez e se preparam para

executar uma elevação (fotogramas 37, 38, 39 e 40).

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Fotogramas 23-52: elevação.

Aqui, no caso, será que temos uma elevação  de fato? O homem eleva

realmente a mulher? Ou seria a imagem e o som que elevam os corpos, deles

retirando seu peso e seu código? Supomos que a coreografia dos corpos dá lugar à

coreografia da imagem animada. O corpo, que por sua vez também é imagem,

porém uma imagem conhecida e reconhecida, dá lugar a uma imagem mutante que

não tem em si o peso da cultura, não é reconhecida. Elevam-se as imagens, pairam

os códigos gestuais por sobre a plasticidade da forma pura, que vibra. O agudo da

flauta, por sua vez, eleva a dança das formas, as suspende no ar, tira todo o peso

restante dos corpos. A leveza do movimento das imagens parece vir exatamente da

anamorfose permitida pela animação e pela suspensão operada a partir da

sinestesia entre a música e as figuras. À permanência do agudo da flauta

corresponde a permanência da duplicação das imagens e do movimento contínuo epulsante que executam. Quando o agudo se sustenta no tempo, parece não haver

limites para a multiplicação, ela parece se sustentar até  – se não exageramos  – o

infinito (fotogramas 43, 44, 45 e 46). O som da flauta parece não terminar, apesar de

durar realmente poucos segundos. O efeito do devir sonoro-visual se potencializa na

comunhão entre o baile da animação e a música.

Nesse momento, quando o homem levanta a mulher sobre os braços e

caminha, a música parece acompanhar essa elevação e sustentar o mesmo tipo demovimento (sonoro) que ocorre aqui. Imprime-se uma cópia que não vai ser mais

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que uma sombra. Detém-se o movimento nessa cópia. A partir dela, saem todas as

outras cópias, que seguem o movimento até parar outra vez. Logo a sombra

continua o seu movimento até reencontrar a primeira imagem copiada. Aqui, é onde

aquele movimento aberrante que descrevemos, que para, continua, e é perseguido

pela sombra, é mais notório. Os sons, nesse momento, executam no tempo um

movimento homólogo ao das imagens. O agudo se sustenta, estendendo-se por

vários segundos, continuando como algo que permanece no tempo, se

desenvolvendo enquanto as imagens se replicam seguidamente a partir da sombra

impressa. Ambos, imagens e sons, apresentam-se nesse momento como um tipo de

movimento que se sustenta indefinidamente.

Essa aparição/desaparição, ou estabilização/desestabilização, pareceencontrar o seu ponto mais alto nos últimos três minutos do filme. Quando as figuras

estabilizadas da mulher e do homem se preparam para executar um movimento

codificado, outra elevação , na qual o homem alça a mulher e essa passa a executar

movimentos lentos e os dois giram em seu próprio eixo, a música vai ao seu extremo

agudo e o plano se aproxima, as figuras se multiplicam ao infinito e giram.

As figuras aqui não são mais reconhecíveis, mas um amálgama anamórfico

que desliza e escorre, fundindo-se em novas configurações e novas formas, comose fossem outra vez mais uma única imagem, um rabisco de luz movimentando-se e

desaparecendo no limite inferior do quadro. Parece haver aqui a concretização

absoluta do enlace, o desfecho da sedução e da relação amorosa. Um fechamento

que convoca o espectador ao prazer , pois que se dá, por fim, o amálgama completo

entre os “amantes”, e a narrativa se completa. A expectativa criada é satisfeita. Aliás,

todo o filme parece se sustentar a partir desse enlace: dos corpos, dos sons com as

imagens, das próprias formas que se mesclam. Aqui, homem e mulher adquiremcomo que um mesmo corpo, entrelaçado. É o ponto final da narrativa fundada no

 jogo da aparição-desaparição, do enlace e da fuga.

Em seguida, o quadro negro vazio dura alguns segundos, para logo dar lugar

à aparição das formas enlaçadas, que preenchem completamente o vazio deixado.

Aqui parece operar o prazer  na espera: primeiro, de que desapareçam

completamente as formas anamórficas no limite inferior do quadro e logo a

expectativa criada pela sustentação do vazio por alguns segundos. O próprio

preencher do quadro, vagarosamente, pela luz que assume forma, permite que o

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prazer  opere na oscilação entre o quadro vazio e o quadro completo, na

contemplação do grão  da imagem98. A música permanece em um agudo que

acompanha a plasticidade do movimento aberrante das figuras recompostas, para

logo subir ainda mais à medida que as imagens se movimentam, abandonando o

quadro mais uma vez. Até que a música se estabiliza, permanecendo em suspensão

como no início. As imagens se estabilizam aos poucos: ora assumem a codificação

das figuras masculina e feminina, ora a mistura inseparável de luz, até que

reencontram a sua existência como representação do homem e da mulher, e

finalmente desaparecem, para dar lugar ao último jogo de aparições e desaparições

do filme, os créditos finais.

98BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004.

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6  – CONCLUSÃO

Feito o percurso proposto, vimos então que o prazer  e o gozo  em Pas de 

deux  ocorrem na relação entre o espectador e as configurações significantes da

obra, no momento em que se dá a prática da “leitura” (apreciação do filme), quando

o curso linear da experiência do espectador é abalado e ele toma consciência da

própria singularidade de sua experiência. Quando a forma do filme se apresenta de

modo que as suas configurações significantes ora se situam na cultura, a partir de

seu uso canônico, ora na perversão dos próprios cânones99, oscilando entre uma

margem e outra, o espectador é convocado a uma experiência de prazer  e/ou de

gozo .

No filme Pas de deux  a oscilação entre as margens se dá quando o

espectador ora reconhece as formas, intui os deslocamentos, mede o tempo a partir

de sua representação abstrata (algo próximo do regime da imagem-movimento), ora

desorienta-se, não reconhece as formas, não intui deslocamentos, não mede mais o

tempo, pois pode apenas senti-lo como duração, afetado pelas imagens e sons

puros (algo próximo do regime da imagem-tempo).

Para além do código, aquela experiência que na Introdução deste trabalho

chamamos de arrebatamento  aparece na relação do sujeito/espectador com a

obra/filme e excede em muito as operações de codificação e decodificação. A

experiência estética em Pas de deux surge na oscilação entre o uso canônico das

configurações significantes e sua perversão, quando sua matéria expressiva

organiza-se de tal maneira que o espectador é conduzido por entre os regimes do

prazer e da fruição .

99BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004.

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REFERÊNCIAS

AUMONT, Jacques. A estética do filme. Campinas, SP: Editora Papirus, 2008

AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP. Papirus, 1993

BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, SP. Editora Perspectiva, 2004

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