MONOGRAFIA quase pronta.doc

download MONOGRAFIA quase pronta.doc

of 50

Transcript of MONOGRAFIA quase pronta.doc

BENEDITO RENATO ALVES DA CRUZ

PAGE

BENEDITO RENATO ALVES DA CRUZOBRIGAO ALIMENTAR: EQUILBRIO ENTRE O DEVER DE TRATAMENTO IGUALITRIO AOS FILHOS E OS QUESITOS POSSIBILIDADE VERSUS NECESSIDADEUNITAU Departamento de Cincias Jurdicas

2010

BENEDITO RENATO ALVES DA CRUZ

OBRIGAO ALIMENTAR: EQUILBRIO ENTRE O DEVER DE TRATAMENTO IGUALITRIO AOS FILHOS E OS QUESITOS POSSIBILIDADE VERSUS NECESSIDADETrabalho de Concluso de Curso de Graduao em Direito, para apresentao ao Departamento de Cincias Jurdicas da Universidade de Taubat, como requisito obrigatrio para a obteno do ttulo de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Ribas Branco RomeiroUNITAU Departamento de Cincias Jurdicas

2010

BENEDITO RENATO ALVES DA CRUZ

OBRIGAO ALIMENTAR: EQUILBRIO ENTRE O DEVER DE TRATAMENTO IGUALITRIO AOS FILHOS E OS QUESITOS POSSIBILIDADE VERSUS NECESSIDADE

UNIVERSIDADE DE TAUBAT, TAUBAT, SP

Data:_____________________

Resultado: ________________

BANCA EXAMINADORA

Prof.: ______________________________

Assinatura: _________________________

Prof.: ______________________________

Assinatura: _________________________

Dedico este trabalho aos meus pais, que me ensinaram o valor da honestidade, minha esposa, que comigo dividiu o encargo decorrente do investimento necessrio aos estudos, e ao meu filho Pedro, que se viu privado do pai por grande perodo de sua infncia, mas compreendeu a importncia da empreitada, e cujo sorriso me faz acreditar que a vida dom divino.AGRADECIMENTOSAo Prof. Dr. Rodrigo Ribas Branco Romeiro, pelo empenho e dedicao com que exerce suas atribuies, e pelo respeito s limitaes deste seu aluno.Aos demais professores do nosso departamento, que muito alm de ministrarem aulas, conseguem no somente formar profissionais do Direito, mas formar cidados conscientes de seus direitos e deveres, e aptos para agregar valor nossa sociedade. A todos os funcionrios da casa, principalmente aqueles da biblioteca e do laboratrio de informtica, que sem o auxilio dos quais no seria possvel concluir este trabalho.E especialmente, Dra. Maria Francisca Alves da Cruz Gomes, minha irm, de onde extra o interesse pelo Direito, e cujo exemplo de persistncia e dedicao me fizeram ver que o limite do ser humano o limite de sua vontade."Masculino e feminino so dois princpios que constroem o humano na forma de homem e mulher. Subjacente s construes ticas agem tais princpios. A tica da justia se expressou melhor pelo caminho do masculino. A tica do cuidado pela via do feminino. Cuidado e justia so diferentes, mas complementares. Ambos corroboram para a construo de uma identidade pessoal e de uma sociedade verdadeiramente humanas. Propiciam mais equilbrio e possibilitam a felicidade possvel neste mundo"

Leonardo BoffRESUMOA obrigao alimentar quando prestada aos filhos pelo pai, no deve ser vista pelo obrigado como um elemento que substitui sua verdadeira funo. O dever de alimentos, que se firmou ao longo da histria da sociedade tem por finalidade garantir a subsistncia do indivduo que no pode faz-lo por seus prprios meios. E sendo o pai o provedor da famlia, sobre ele que ir recair tal obrigao em relao aos filhos menores. Na atualidade, devido velocidade intensa com que se firmam e se rompem os relacionamentos, vrios so os casos de irmos, filhos de um mesmo pai, que vivem em lares separados e dele dependem. Porm, por diversos motivos, esse pai tende a atender de forma privilegiada aquele que com ele reside, violando o princpio vigente do tratamento igualitrio aos filhos, sendo necessria a interveno jurisdicional para que se restabelea a igualdade, cabendo ao julgador avaliar este principio quando da fixao ou reviso dos alimentos, alm de atentar para os quesitos de possibilidade e necessidade. O equilbrio entre o dever de tratamento igualitrio aos filhos e os quesitos de possibilidade e necessidade tem por finalidade impedir que a relao entre pai e filho se resuma a uma prestao obrigacional.PALAVRAS-CHAVE: Alimentos; Filhos; Tratamento Igualitrio.Sumrio1 Introduo2 Alimentos: Do Poder Paterno Absoluto Ao Dever Entre Parentes

3 Da Autoridade Parental Ao Dever De Cuidado

3.1 Dever De Sustento: Finalidade Primeira Da Autoridade Parental

4 Obrigao Alimentar E Dever De Sustento

Diferenas E Conjugao Necessria Em Relao Aos Filhos

4.1 Contedo E Relevncia Do Dever De Sustento

5 As Mudanas Na Famlia E A Afetividade Nas Relaes Entre Pais E Filhos

5.1 A Famlia Moderna E Os Filhos

6 Prestao Alimentcia: Necessidade E Possibilidade

6.1 Da Mutabilidade Do Valor Fixado

7 O Dever De Tratamento Igualitrio Aos Filhos

8 Hiptese Estudada: Dois Filhos Em Lares Distintos

8.1 - Um Filho Sob O Mesmo Teto

8.2 Tratando Os Filhos Como Iguais

8.3 O Equilbrio Necessrio

9 Consideraes Finais

10 Referncias Bibliogrficas1 INTRODUOO presente trabalho foi elaborado com o intuito de abordar a obrigao alimentar, sob uma viso restrita prestao de alimentos aos filhos menores pelo pai, na hiptese de o alimentante ter outro filho (ou filhos) sob sua guarda.

Essa situao recorrente nos tempos atuais faz com que irmos sejam tratados pelo pai com diferenciao extrema, principalmente quando a ruptura do relacionamento dos pais se d de forma litigiosa, fazendo com que o pai rompa as relaes tambm com o filho que ficou sob a guarda da me. Isso ocorre de forma mais acentuada quando o pai constitui nova famlia e passa a privilegiar o filho que com ele convive, limitando-se em relao ao primeiro, a prestar a obrigao legalmente imposta.

Alm disso, na quase totalidade dos casos o pai se vale do argumento da constituio de nova famlia para pleitear a reduo da obrigao destinada ao filho, ainda que tal fato no lhe tenha reduzido a possibilidade de suportar o encargo.Visa chamar a ateno da sociedade como um todo, mas em especial, dos operadores do Direito para que no se agrida o princpio do dever de tratamento igualitrio aos filhos quando da fixao ou reviso do quantum destinado ao alimentante.Para tanto, apresenta em seus captulos 3 e 4 a evoluo histrica da obrigao alimentar e sua estreita relao com as mudanas ocorridas ao longo dos tempos na estrutura da famlia, e tambm a converso do ptrio poder em poder familiar, transformando o poder absoluto que o pai detinha em relao aos filhos em um poder-dever cuja finalidade propiciar a autoridade necessria para dar ao filho a assistncia de que precisa para seu pleno desenvolvimento.Em seu captulo 5 apresenta as diferenas entre a obrigao alimentar e o dever de sustento, a importncia deste dever e a necessidade de relacionar os dois institutos quando da prestao de alimentos aos filhos.No captulo 6, apresenta a evoluo das relaes familiares culminando com a afetividade como base, e o relacionamento entre pais e filhos na famlia moderna.Os captulos 7 e 8 tratam respectivamente dos quesitos de possibilidade e necessidade na fixao dos alimentos, e da necessidade de tratamento igualitrio aos filhos, por ser legal e moralmente necessrio.O captulo 9 trabalha a hiptese estudada, em que o pai tem dois filhos e presta alimentos a um deles, tendo o outro o convvio no mesmo lar e a necessidade de destinar igual ateno e cuidado a ambos.

E finalmente, se verifica nas consideraes finais a responsabilidade inerente ao privilgio de ser pai e a necessidade de fazer com que os filhos se sintam amados e se desenvolvam plenamente, sem que sofram maiores efeitos da instabilidade das relaes conjugais.

2 ALIMENTOS: DO PODER PATERNO ABSOLUTO AO DEVER ENTRE PARENTESNo Direito Romano que se firmou a obrigao alimentar, e tinha como fundamento, diversas causas, dentre as quais a conveno, o testamento, a relao familiar, a relao de patronato e a tutela, conforme relata Yussef Said Cahali observado por Segr:No direito romano, a obrigao alimentar foi estatuda inicialmente nas relaes de clientela e patronato, vindo a ter aplicao muito tardia (na poca imperial) nas relaes de famlia, por obra de vrios Rescritos mediante a cognitio dos Cnsules extra ordinem. (CALHI, 2006, p.38).Nos primrdios da legislao romana, no se menciona as relaes familiares como fonte da obrigao alimentar, e segundo a doutrina, isso se deve prpria constituio da famlia romana.

O direito aos alimentos tendo como base a relao de parentesco, no teria sentido algum uma vez que o nico vnculo entre os integrantes do grupo familiar advinha do ptrio poder, consagrado no paterfamilias, que concentrava nas mos do pai todos os poderes, sem que nada o obrigasse em relao aos seus dependentes, e sobre os quais detinha inclusive o direito de vida e morte.

Essa estrutura familiar privava os dependentes de exercer contra o detentor do ptrio poder qualquer pretenso de carter patrimonial, incluindo os alimentos, visto que, exceo do pai, todos eram completamente privados de capacidade patrimonial, sendo natural a recproca da inexigibilidade dos alimentos pelo pai em relao aos demais membros da famlia pelo fato dos mesmos no disporem de qualquer patrimnio.

Desta forma, no h como se determinar precisamente em qual momento da histria romana o reconhecimento da obrigao alimentar for institudo e aceito.Para alguns doutrinadores, acreditam que esse reconhecimento deu-se quando acreditou-se que era moralmente devido socorrer ao parente necessitado, fundando nesse valor moral a obrigao alimentar:A partir do principado, em concomitncia com a progressiva afirmao de um conceito de famlia em que o vnculo de sangue adquire uma importncia maior, quando ento se assiste a uma paulatina transformao do dever moral de socorro, embora largamente sentido, em obrigao jurdica prpria... (CALHI, 2006, p.41)Mas pelos relatos histricos, a relao de obrigao em relao aos alimentos fora mais expressiva no direito Justiniano representando um ponto de partida da reelaborao e aceitao do referido instituto.No Direito Cannico, as obrigaes alimentares aparecem desde os primeiros momentos, atravs do instituto da disciplina da Igreja, destacam-se alguns aspectos fundamentais, onde se extrai:No plano das relaes determinadas por vnculo de sangue, um texto, que em realidade se referia aos liberi naturales do direito juntinianeu, inexatamente interpretado, ter sido o ponto de partida para o reconhecimento do direito de alimentos tambm aos filhos esprios em relao ao companheiro da me durante o perodo de gravidez, sem que se pudesse invocar, para exclu-lo, a exceptio plurium concumbentium. ( CALHI, 2006, p.41).Ainda, em relao aos aspectos fundamentais do instituto na disciplina da Igreja, outros aspectos muito importantes foram analisados:A obrigao alimentar poderia originar-se, para alm do vnculo de sangue, de outras relaes quase religiosas, como o clericato, o monastrio e o patronato; a Igreja teria obrigao de dar alimentos ao asilado; questionava-se entre os canonistas se haveria uma obrigao alimentar entre tio e sobrinho, ou entre padrinho e afilhado, em razo do vnculo espiritual. ( CALHI, 2006, p.41).Diante desse quadro, podemos observa-se que a Igreja teve um papel fundamental na evoluo da obrigao alimentar, pois diferentemente do pensamento romano, o pensamento cannico passou a ampliar o conceito de obrigao alimentar, saindo do plano espiritual para o plano familiar.

No Direito Brasileiro o instituto da obrigao de prestar alimentos a quem dele necessita, comeou a ter seus traos pelas Ordenaes Filipinas, sendo este o texto com maior expressividade a respeito de tal obrigao.

Nessa fase, o documento mais importante foi representado pelo Assento de 09.04.1772, que, proclamando ser dever de cada um alimentar e sustentar a si mesmo, estabeleceu algumas excees quele princpio em certos casas de descendentes legtimos e ilegtimos; ascendentes, transversais, irmos legtimos e irmos ilegtimos, primos e outros consangneos legtimos, primos e outros consangneos ilegtimos. ( CALHI, 2006, p.42)Desta forma, o direito aos alimentos est presente no ordenamento brasileiro desde a Colnia. Disciplinado pela Lei n 5.478, de 25 de julho de 1968, que ainda se encontra em vigor, e que foi recepcionada pela Constituio Federal de 1988 e pelo Cdigo Civil de 2002, dispostos nos artigos de nmeros 1.694 at 1.710.

Desta evoluo conjunta entre Direito e sociedade, ocorreram significativas mudanas nas relaes familiares, sendo a principal delas, a transformao do ptrio poder em poder familiar, que mudou o contexto da autoridade, que outrora era absoluta em relao aos filhos e exercida exclusivamente pelo pai, passando a ser relativa, e devendo ser exercida por ambos os cnjuges.

E diante da nova conotao das relaes familiares tambm imps a todos os parentes o dever de mutua assistncia, sendo que aquele que no tem condies de prover o prprio sustento pode requerer a um seu parente ou cnjuge lhe proporcione as condies necessrias para subsistncia, sendo esta obrigao exigvel judicialmente.Quando exercido o direito de recorrer assistncia parental, esta se consolidar na forma de alimentos, que a forma pela qual o Estado delegou s famlias participao em uma obrigao que tambm lhe pertencente, de amparar o cidado. Tal obrigao se funda no princpio da dignidade da pessoa humana e no objetivo de se viver em uma sociedade alm de livre e justa, que tambm seja solidria.A imposio decorre da necessidade que o Estado tem de assistir a todo cidado, mas ante a dificuldade de prestar a adequada assistncia, repartiu a obrigao com as famlias, e por isso, segundo Gisele Leite:O Direito impe aos parentes do necessitado ou pessoa a ele ligada por um elo civil, o dever de proporcionar-lhe as condies mnimas de sobrevivncia no carter de obrigao judicial exigvel.

So alimentos tantos os naturais quanto os civis ou chamados de cngruos como educao, instruo e assistncia em geral. Podem ser legtimos (se derivam de lei), testamentais (se oriundos de declarao de ltima vontade), convencionais (se nascidos de estipulao negocial inter vivos), ressarcitrios (se visam indenizar a vtima de um ato ilcito) e judiciais (se estabelecidos por provimento judicial). Nosso legislador civil ptrio no conceituou alimentos mas deixa a entender que so prestaes peridicas destinadas a prover as necessidades bsicas de uma pessoa, indispensveis ao seu sustento, proporcionando-lhe uma vida modesta, porm digna. Podem os alimentos ser fixados provisoriamente, da o nome de alimentos provisrios ou sob a forma definitiva, e ento denominados de alimentos definitivos. Podem ser ainda provisrios se fixados liminarmente e se destinam ao sustento do alimentando durante o curso processual at final sentena, e, se ratificados se transformaro em alimentos definitivos Tais alimentos somente alterveis mediante a competente ao revisional, pois que a sentena que o fixou no faz coisa julgada material em face de possibilidade de mudana de condies tanto do alimentando quanto do alimentante. De qualquer forma, a obrigao alimentar atentar para o binmio necessidade-possibilidade. Desaparecendo a necessidade do alimentando no mais a ela far jus, podendo por iniciativa prpria suspende-la, ou quando o alimentante prova que outro lado se tornou economicamente capaz, no carecendo de ser sustentado. direito personalssimo concedido pessoa do alimentando que se encontra em estado de necessidade, s podem ser reclamados por direito prprio, admitindo-se em caso de menores que sejam estes representados por seus representantes legais. ( LEITE, 2009)

A possibilidade delegada a todos os membros do grupo de requerer alimentos aos demais s se concretizou devido ao conceito de solidariedade aceito pela sociedade como sendo elemento norteador das relaes familiares, que suprimiu o poder absoluto do pai, que outrora era detentor de poder inquestionvel, e construiu uma nova estrutura familiar pautada na igualdade entre seus membros. Essa igualdade entre os membros do grupo familiar e a possibilidade de exercerem reciprocamente o direito aos alimentos quando necessrio refletem a integrao do direito vigente com os princpios e valores que regem as relaes familiares no direito ptrio contemporneo, e deve-se essencialmente a nova estrutura familiar concebida e aceita como elemento de promoo da dignidade humana.Sobre a nova estrutura da famlia, seus efeitos no direito e sua funo na sociedade, Cristiano Chaves de Farias assim considera:O direito de famlia no Brasil atravessa um perodo de efervescncia. Deixa a famlia de ser percebida como mera instituio jurdica para assumir feio de instrumento para a promoo da personalidade humana, mais contempornea e afinada com o tom constitucional da dignidade da pessoa humana. No mais encerrando a famlia um fim em si mesma, finalmente, averba-se que ningum nasce para constitu-la (a velha famlia cimentada no casamento, no raro, arranjado pelo pai que prometia a mo de sua filha, como se fosse uma simples negociao patrimonial). Ao revs, trata-se do lugar privilegiado, o ninho afetivo, onde a pessoa nasce inserta e no qual modelar e desenvolver a sua personalidade, na busca da felicidade, verdadeiro desiderato da pessoa humana. Est a famlia da nova era. (FARIAS, 2004)

Como se observou, houve um aperfeioamento no direito, que acompanhou a prpria evoluo da sociedade no mbito das relaes familiares.

Assim sendo, como no princpio se concordava com o poder absoluto do patriarca, o direito espelhava a viso social predominante poca, e na atualidade, como caracterstica da sociedade, o direito passa a refletir o novo entendimento social, nesse processo de contnuo desenvolvimento entre sociedade e direito no qual ambos se moldam mutuamente de acordo com os anseios e necessidades sociais.

Com isso, viu-se nascer um novo direito de famlia, pondo fim quele que no princpio diferenciava as pessoas e permitia privilgios e depreciaes, e que tinha como aspecto predominante a conservao do patrimnio, para no presente se adequar a nova realidade vigente.

E a nova realidade esta que se molda pelo novo modelo de famlia, pautado no afeto, e cuja funo primordial garantir que cada membro encontre as condies de desenvolver e moldar sua personalidade e que culmina com a garantia a todos do direito a dignidade, por meio do dever recproco entre todos os membros do grupo familiar.3 DA AUTORIDADE PARENTAL AO DEVER DE CUIDADOSob a vigncia inconteste do ptrio poder, os filhos no podiam requerer nada ao pai, vez que sua atribuio consistia em gerir o patrimnio dos filhos, alm de represent-los ou assisti-los na prtica de atos jurdicos. A essncia dessa relao era predominantemente patrimonial, e o processo educacional e assistencial no tinha relevncia, uma vez que se embasava na autoridade paterna e no dever de obedincia do filho, sendo essa ascendncia autoritria natural e inquestionvel, que se fundava na desigualdade entre pais e filhos.Atualmente, essa concepo no mais subsiste. O contedo do poder familiar mudou porque tambm se transformou a relao parental que, hoje, pautada no afeto. No mbito de uma famlia solidarista, o autoritarismo cedeu espao afetividade. A autoridade conjugada com o amor. ( TEIXEIRA, 2005, p.128).As mudanas que ocorreram no mbito da famlia transformaram o contedo da autoridade parental, sendo a mais significativa o estabelecimento do exerccio conjunto do numus, como consequncia do Princpio Constitucional da Igualdade, constantes do artigo 5 e seu inciso I, e do artigo 226, em seu pargrafo 5, ambos da Constituio Federal, abaixo transcritos:Art 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:I homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes, nos termos desta Constituio;Art 226 A famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado.

5 Os direitos e deveres referentes sociedade conjugal so exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.Tais normas marcaram o fim do ptrio poder, e dispuseram competncia de ambos os genitores os poderes bsicos em relao aos filhos, de direo da criao e educao, de t-los em sua companhia e guarda, dar ou negar consentimento para o casamento, nomear-lhes tutor, alm de represent-los ou assisti-los.

Porm, o mesmo Princpio Constitucional da Igualdade fez com que se atribusse poderes a famlia, e em especial aos genitores, conferiu a estes deveres, os quais se encontram na primeira parte do artigo 229 da Constituio Federal, transcritos a seguir:Art. 229 Os pais tem o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carncia ou enfermidade.Alm disso, tal obrigao encontra correspondente no Estatuto da Criana e do Adolescente disposto na Lei 8.069, de 13 de julho de 1.990, que no seu artigo 22 determina:Art. 22 Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educao dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigao de cumprir e fazer cumprir as determinaes judiciais.Verifica-se ento que ouve significativa evoluo no modo de ser e de agir das famlias inseridas em sociedade, culminando com a evoluo do direito posto no sentido de atribuir direitos e deveres que se contrapem e se completam ao mesmo tempo.

O poder familiar mantm parte de sua funo originria do ptrio poder no sentido de permitir aos pais, hoje os detentores do poder necessrio gesto do grupo familiar que outrora cabia somente e ilimitadamente ao pai, gerir as questes familiares e determinar aos filhos menores as regras desejveis em suas relaes intrafamiliares.Contudo, est diretamente associada ao dever que cabe aos pais de dar o adequado tratamento aos filhos at que completem seu desenvolvimento, conforme se encontra disposto na doutrina:O poder familiar titulado pelo conjunto pai e me, e a ele se submete o filho, enquanto for menor.Trata-se de poder indelegvel exceto parcialmente entre os que o titulam que a lei concede aos pais para que possam dispor de instrumentos para o adequado cumprimento de sua importante tarefa de preparar o filho para a vida ( COELHO, 2006, p.187)O poder familiar se compreende melhor na definio de Maria Helena Diniz, e se verifica como este se diferenciou do ptrio poder, vigente em poca em que a mulher no tinha voz na sociedade, em um tempo em que o pai era o senhor dos rumos da famlia, e aos filhos s cabia a obedincia, sendo lhes vedada a manifestao de vontade que fosse de encontro a vontade do pai. A referida autora definiu o poder familiar como sendo:

Um conjunto de direitos e obrigaes, quanto pessoa e bens do filho menor no emancipado, exercido, em igualdade de condies por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurdica lhes impe, tendo em vista o interesse e a proteo do filho. (DINIZ, 2006. p. 528)A converso do ptrio poder em poder familiar se deu com a promulgao da nova constituio, que colocou um fim a famlia patriarcal e dividiu a autoridade e a responsabilidade pelas decises familiares entre homem e a mulher, ao estabelecer-lhes, em seu artigo 5, inciso I, a igualdade de direitos e deveres.

E nesse novo contexto de autoridade, seu exerccio passou a ser dividido por pai e me, porm com a roupagem de um poder-dever, o qual deve ser exercido como ferramenta necessria direo do grupo familiar com o intuito de garantir a todos os membros do grupo as condies de desenvolvimento com dignidade.

E a titularidade do poder familiar traz consigo a obrigao de exerc-lo. E o exerccio do poder familiar resulta para os pais na obrigao de cuidar dos filhos. Compete aos membros capazes da famlia (na tradicional famlia, o pai e a me) o exerccio do poder familiar, dirigindo e comandando a estrutura coletiva, com a possibilidade de garantir a seus integrantes o acesso e a possibilidade de aperfeioamento e desenvolvimento, para alcanar a ampla e irrestrita dignidade. Ou seja, o dever de assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade, e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-la a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso, como determina o art. 227 da Constituio Federal, antes uma obrigao que um poder propriamente dito, como sugere a definio legal. Ao agirem desta maneira, os responsveis pela famlia contribuem para o desenvolvimento da pessoa e, em ltima instncia, colaboram para edificar a dignidade humana, na criana ou adolescente que se encontra em estgio inicial de autoconhecimento e evoluo para a fase adulta, resultando da a importncia para o prprio Estado, pois se trata de princpio fundamental para a Repblica.(ANGELUCI, 2006)Assim, vindo substituir o autoritarismo presente no ptrio poder, sobreveio o poder familiar, que deve ser exercido em benefcio de cada indivduo do grupo que ao mesmo tempo em que est sujeito a esta autoridade, beneficirio do dever de cuidado que decorre deste mesmo poder.

3.1 Dever De Sustento: Finalidade Primeira Da Autoridade Parental A norma constitucional, assim como as suplementares, ao impor aos pais o dever de cuidado aos filhos menores, leva em considerao, primeiramente, a condio peculiar de pessoas em desenvolvimento, caracterstica inerente criana e ao adolescente, que mais complexa que o fato da criana no saber, no ter condies de saber e no ser capaz devido falta de discernimento. Neste sentido, a doutrina se posiciona da seguinte forma:Cada fase do desenvolvimento deve ser reconhecida como revestida de singularidade e de completude relativa, ou seja, a criana e o adolescente no so seres inacabados, a caminho de uma plenitude a ser consumada na idade adulta, enquanto portadora de responsabilidades pessoais, cvicas e produtivas plenas. Cada etapa , sua maneira, um perodo de plenitude que deve ser compreendido e acatado pelo mundo adulto, ou seja, pela famlia, pela sociedade e pelo Estado. ( COSTA, in PEREIRA, 1992, p. 39, apud TEIXEIRA, 2005, P.128)Assim, as diversas fases, as condies especficas e os nveis de desenvolvimento do menor requerem recursos e ateno distintos, devendo ser saciadas suas necessidades pelos detentores da autoridade parental, quais sejam, os pais, aos quais foi atribudo o poder-dever em relao aos filhos.

Na viso de Ana Carolina Brochado Teixeira, o verdadeiro contedo da autoridade parental o controle do desenvolvimento do menor, em todos os aspectos, por meio do zelo e da eficincia no atendimento s suas necessidades como pessoa, e assim escreve:

Desta forma, o menor deve ser tido no apenas como sujeito de direitos, mas principalmente como pessoa, merecedor de respeito de todos, inclusive dos pais. A doutrina italiana bastante atual ao ditar que, na educao, devem ser buscados os reais interesses dos filhos, independente de sua vontade, porm contemporaneamente, deve-se considerar o filho a ser educado como um potencial portador de valores pessoais conexos formao de um homem livre. medida que ele vai crescendo, o respeito a ele dirigido deve ser ainda maior, visto que os valores pessoais vo se sedimentando, e aumenta o leque de escolhas que o menor tem condies de fazer sozinho. (TEIXEIRA, 2005, P.128).Na mesma direo aponta Yussef Said Cahali, quando diz que a obrigao de sustento dos filhos tem a sua causa no poder familiar, conforme a transcrio que segue:Para permitir aos pais o desempenho eficaz de suas funes, a lei prov os genitores do poder familiar, com atribuies que no se justificam seno por sua finalidade; so direitos a eles atribudos, para lhes permitir o cumprimento de suas obrigaes em relao prole; no h poder familiar seno porque deles se exigem obrigaes que assim se expressam: sustento guarda e educao dos filhos. O poder familiar representa, nos tempos modernos, uma instituio destinada a proteger o filho e, desse modo, certos poderes ou certas prerrogativas so outorgadas aos pais, para, com isto, facilitar o cumprimento daqueles deveres. ( CALHI, 2006, p.349)E Fbio Ulhoa Coelho, confirmando a finalidade da atribuio do poder familiar, ao tratar da ddiva que ter um filho e contrabalanar as alegrias e benefcios com as responsabilidades de se gerar um novo indivduo, fala que ingente responsabilidade que os pais tm deve corresponder os meios para cumpri-la. ( COELHO, 2006, P.185)Assim sendo, o que se pode concluir que a autoridade parental subsiste, em primeiro lugar, para possibilitar aos pais o exerccio das obrigaes inerentes ao privilgio de ter um filho, pois se trata da ferramenta necessria ao exerccio da paternidade responsvel, apta a proporcionar as condies necessrias ao cuidado dos filhos.4 OBRIGAO ALIMENTAR E DEVER DE SUSTENTODIFERENAS E CONJUGAO NECESSRIA EM RELAO AOS FILHOSYussef Said Cahali (2006, p. 348-349) diferencia claramente o dever de sustento e a obrigao alimentar, expondo que o dever de sustento se origina do poder familiar, acarretando a presuno da necessidade do filho, que quando requer alimentos ao pai, torna desnecessria qualquer discusso que no seja relativa fixao do quantum, pois inquestionvel a obrigao de arcar com tal encargo. Por outro lado, a obrigao alimentar em sentido amplo, que se aplica no caso de pedido de alimentos entre parentes maiores, cnjuges ou companheiros, deve-se obrigatoriamente ser demonstrada a necessidade, uma vez que o alimentante no est incondicionalmente obrigado a suprir a necessidade alimentar, sob a presuno de que, por ser maior, o alimentante tem condies de suportar os encargos de sua subsistncia. O autor consegue expor com clareza o liame entre a obrigao alimentar e o dever de sustento ao dizer que:

Quanto aos filhos, sendo menores e submetidos ao poder familiar, no h um direito autnomo de alimentos, mas sim uma obrigao genrica e mais ampla de assistncia paterna, representada pelo dever de criar e sustentar a prole; o titular do poder familiar, ainda que no tenha o usufruto dos bens do filho, obrigado a sustent-lo, mesmo sem auxlio das rendas do menor e ainda que tais rendas suportem os encargos da alimentao: a obrigao subsiste enquanto menores os filhos, independentemente do estado de necessidade deles, como na hiptese, perfeitamente possvel, de disporem eles de bens (por herana ou doao) enquanto submetidos ao poder familiar. ( CALHI, 2006, p.349)E complementa afirmando que a necessidade de alimentos presume-se em favor dos filhos menores, competindo ao obrigado a prest-los provar que deles os mesmos no carecem ( CALHI, 2006, p.349), entendimento este extrado do contedo presente na deciso da 1 Cmara Cvel do TJDF: O fato de viverem pai e filho sob o mesmo teto no constitui bice concesso judicial de penso alimentcia para antes, que alegaram estar a passar necessidades, em decorrncia da sovinice daquele. (MS 3.566.93.18.05.1994DJU III 03.08.1994 apud CALHI, 2006, p.349)Tambm esclarece que o pai no pode se isentar de prestar alimentos alegando dificuldades financeiras, pois ainda que seja pobre ou esteja falido, deve contribuir para satisfazer as necessidades dos filhos, conforme se observa na deciso da 1 Cmara Cvel do TJPA, em cujo entendimento consta que a circunstncia de haver o pai sido declarado falido no o isenta do dever de prestar alimentos aos filhos menores. ( RT JPA 70/45 04.11.1996 apud CALHI, 2006, p.349)Ainda com relao s diferenas, Flvio Luis de Oliveira afirma que:Outrossim, enquanto o dever de sustento resulta da autoridade parental, a obrigao alimentar ostenta carter geral, vinculando-se, inclusive, relao de parentesco em linha reta, no que tange aos filhos maiores.

Portanto, podemos sintetizar as seguintes diferenas: a) a obrigao de sustento unilateral. Os devedores da obrigao de sustento so os pais; os credores, os filhos menores. Na obrigao de alimentos a determinao dos obrigados recproca. Assim, os descendentes devem alimentos aos ascendentes e reciprocamente; b) a obrigao de sustento devida aos filhos no obedece determinao do seu montante equao de proporcionalidade que prpria da obrigao de alimentos. Os alimentos, como vimos, so fixados na proporo das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Pelo contrrio, o montante da obrigao de sustento do filho assegurado pelas reais possibilidades econmicas de seus pais; c) ao contrrio do que ocorre com a obrigao de alimentos, a obrigao de sustento se executa in natura, pois os filhos menores vivem em comunidade com seus pais. ( CALHI, 2006, p.349)E tambm cita a doutrina para estabelecer o liame e o momento em que ao dever de sustento se converte em obrigao alimentar, qual seja, quando o pai (conforme o direcionamento do presente trabalho) no mais reside com o filho, sendo a obrigao alimentar imposta de forma substitutiva para fazer valer o dever de sustento em relao aos filhos menores.Assim, o dever de sustento define-se como uma obrigao de fazer, enquanto a obrigao alimentar consubstancia uma obrigao de dar. Apenas quando se verifica a impossibilidade de coabitao dos genitores, mantido o menor na companhia de um deles, ou de terceiros, que a execuo da obrigao de sustento poder se resolver na prestao do equivalente; e passa a representar assim uma forma suplementar colocada disposio do filho para obteno dos meios de subsistncia e educao. ( CALHI, 1994, p.406 apud OLIVEIRA, 2004, p. 168)Portanto, pode se concluir que o dever de sustento o substrato da obrigao alimentar para os filhos menores, sendo vedado ao pai se furtar de tal obrigao sob pretexto de no dispor de recursos, pois ainda que esteja falido ou no disponha de nada, deve, em razo do dever de sustento que subsiste em relao ao filho menor, proporcionar a este o necessrio as suas necessidades.4.1 Contedo e Relevncia do Dever de SustentoO dever de sustento est entrelaado aos deveres de criao e assistncia, sendo assim, portanto, inerentes ao poder familiar. Ambos surgem com a concepo, que a gnese da existncia da criana, e que perdura como obrigao jurdica enquanto o filho no atingir a maioridade.A criao se relaciona diretamente ao dever de suprir todas as necessidades do menor, sejam no campo psquico ou biolgico. Est condicionada satisfao das diferentes necessidades bsicas comuns s crianas, como estar abrigada, se vestir, se alimentar, receber cuidados na enfermidade e afeto em todos os momentos, receber orientao moral e acompanhamento espiritual.J se entendia, antes mesmo do advento da Constituio Federal, a complexidade e a inter-relao dos deveres de sustento e criao, segundo a definio de Jos Virglio Castelo Branco Rocha, que expe de forma a no deixar lacunas no que deve compreender o atendimento das necessidades do indivduo quando em fase de desenvolvimento, afirmando que criar significa manter, sustentar, alimentar, dar enfim ao indivduo as condies necessrias sobrevivncia. Na criao esto compreendidos os cuidados relativos sade, segurana e moralidade. (ROCHA, 1978 ,p.143 apud TEIXEIRA, 2005, P.128)Tamanha a relevncia do dever de sustento que deixar de satisfazer as necessidades de subsistncia de filho menor (alm de outros que no so objeto do presente trabalho), no lhe concedendo os recursos necessrios, ou at mesmo, deixando de pagar os alimentos acordados judicialmente de forma injustificada, constitui crime de abandono material, conforme positivado no artigo 244 do Cdigo Penal, no qual se l:Art. 244 Deixar, sem justa causa, de prover a subsistncia do cnjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente invlido ou maior de 60 (sessenta) anos, no lhes proporcionando os recursos necessrios ou faltando ao pagamento de penso alimentcia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:

Pena deteno, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salrio mnimo vigente no Pas.Pargrafo nico. Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou funo, o pagamento de penso alimentcia judicialmente acordada, fixada ou majorada.Pelo exposto acima se pode confirmar a importncia atribuda ao dever de sustento, este inerente ao dever de suprir a necessidade daquele que por si s no pode faz-lo, e que se baseia na necessidade de preservao da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos basilares de nosso Estado.5 AS MUDANAS NA FAMLIA E A AFETIVIDADE NAS RELAES ENTRE PAIS E FILHOSTudo na vida sofre constantes mudanas, e a vida em sociedade reflete e se amolda s condies de seu tempo, no sendo diferente para as relaes familiares e para a prpria constituio da famlia. Cada poca possui valores prprios, que determinam sua cultura, seus valores e crenas, e que interferem nas relaes jurdicas e sociais, transformando tambm os hbitos de vida, a forma de relacionamento com os filhos e as caractersticas das relaes humanas em todos os sentidos.

A prpria evoluo das relaes sociais se origina, historicamente, das mudanas que ocorrem no interior da entidade familiar. Isso ocorre porque o universo familiar no vivido de modo paralelo ao universo social como um todo, nos aspectos referentes cultura e as relaes polticas e econmicas, formando, famlia e sociedade, um corpo nico.Por outro lado, a forma constitutiva e de relacionamento familiar tambm afetada, de forma recproca, pelas transformaes ocorridas na sociedade. Isso porque a famlia um ma entidade ativa, que ao mesmo tempo em que determina os rumos sociais influenciada pelo meio social, numa evoluo conjunta e necessria ao prprio desenvolvimento e manuteno de ambas, estando esta interligao retratada no contexto histrico, devendo sempre ser observadas quanto ao momento histrico vivenciado, como observa Caio Mrio da Silva Pereira: Necessrio , todavia, registr-las, porque a condio atual da instituio da famlia um captulo de sua histria evolutiva no ciclo da civilizao ocidental, a que no faltam as contribuies da cultura bblica; da vida domstica nas Pennsulas helnica e itlica; a estrutura germnica que importamos indiretamente atravs de seu impacto sobre o Imprio Romano ao tempo das invases brbaras, e diretamente por intermdio da influncia visigtica da Pennsula Ibrica; da moral crist, que assinala e estes dois milnios; e da tendncia autonomista e liberal dos tempos modernos, especialmente deste sculo, marcado por duas guerras mundiais que na vida da famlia deixaram sinais inapagveis. (PEREIRA, 2004, p.1 apud TEIXEIRA, 2005, P.9)As mudanas nas relaes familiares provocaram, por consequncia, mudanas nas relaes entre parentes, o que se verifica quando se observa a estrutura da famlia romana em relao famlia atual, e se verifica a transformao ocorrida na sua estrutura. Na primeira, o pater famlias concedia ao seu detentor o poder de vida ou morte sobre a pessoa dos filhos, e na atualidade o que existe no mbito familiar uma verdadeira democracia, na qual todos, em especial os filhos, participam das decises do grupo familiar, numa harmonia que jamais se supunha sculos atrs, quando a autoridade paterna subjugava qualquer possibilidade de direito aos filhos.Na famlia romana, o patrimnio privado era colocado na escala de valores num patamar superior prpria vida humana, sendo o interesse econmico o fator determinante das relaes matrimoniais.A funo da famlia no era pautada na solidariedade, mas sim nos interesses econmicos, polticos e religiosos, e ao chefe da famlia se atribuam as decises em qualquer das esferas, sendo seu poder praticamente ilimitado em relao aos demais membros da entidade familiar, os quais, alienados de direito, se subordinavam ao detentor do poder sobre suas vontades.

Os filhos eram propriedade do pai, que deles poderia dispor da forma que lhe parecesse conveniente, alm de reivindic-lo de quem ilegalmente o detivesse, como se fosse uma coisa, e no uma pessoa. Dentre os poderes atribudos ao pai, estava o ius vitae et necis, que dava ao pai o direito de matar o prprio filho, devendo antes, to somente consultar os parentes sobre a convenincia de tal atitude.Tal direito somente foi abolido gradativamente a partir do sculo II, em razo das influencias do cristianismo, quando as constituies imperiais passaram a prever punies ao pai que matava o filho sem graves motivaes. Porm, ainda persistia a possibilidade de o pai abandonar o filho recm nascido em caso de alguma deformidade, justificado pela sua condio de chefe de uma unidade familiar de carter predominantemente econmico, agindo em benefcio dessa comunidade. Somente com o passar do tempo que essa conduta passou a ser considerada crime.A funo da famlia era preservar os direitos do pai, ainda que fosse contrrio qualquer pretenso ou necessidade de qualquer dos demais membros do grupo, podendo inclusive, prejudicar o filho em nome da manuteno de sua posio de membro mais importante do grupo.

O Direito brasileiro seguiu influenciado pela estrutura familiar romana, que nunca permitiu ao pai vender ou matar o filho, mas que mantiveram por longo tempo o ptrio poder, em razo da nossa origem portuguesa, cujas leis se embasavam no direito romano, conforme exposto por Ana Carolina Brochardo Teixeira:As Ordenaes Filipinas previam a perpetuidade do ptrio poder, at que o filho, legtimo ou legitimado, se tornasse independente do pai, no importando em qual idade tal fato ocorresse (Ord., Liv. IV, Ttulo 81:3), exceto se fossem casados (Liv. Iv, Ttulo 87:7). Tambm na Consolidao das Leis Civis de Teixeira de Freitas, em seu art. 201, a definio de filho-famlias era o que se encontrava sob o poder paterno, qualquer que fosse sua idade. (TEIXEIRA, 2005, p.25)Jos Virglio Castelo Branco Rocha listou as atribuies do pai quanto pessoa do filho, vigentes nessa poca. Conforme se poder perceber, as atribuies hoje vigentes so to somente embasadas nos termos que norteavam as relaes, que viriam ainda a sofrer severas mudanas decorrentes das modificaes ocorridas nas famlias, e que refletiram no mbito do direito nas relaes familiares.

Eram elas (as atribuies do pai em relao aos filhos(: a) educ-los e proporcionar-lhes uma profisso, de acordo com as condies econmicas do pai; b) castig-los moderadamente, com a faculdade de, se forem incorrigveis, entreg-los aos magistrados de polcia para recolh-los cadeia por tempo razovel, obrigando-se a sustent-los; c) busc-los da posse de quem os tiver subtrado e proceder contra os que o tiverem feito e concorressem para isso; d) exigir e aproveitar seus servios, sem salrio, salvo se lhe houver prometido; e) nomear-lhe tutor testamentrio e designar as pessoas que devero compor o conselho de famlia; f) substitu-los pupilarmente; g) defende-los em juzo ou extrajudicialmente; h) contratar em nome de filho impbere, quando o contrato pudesse vir em proveito do filho; i) intervir nos contratos do filho pbere com sua autoridade. (ROCHA, 1931, p. 360 apud TEIXEIRA, 2005, p. 25-26)Em decorrncia das mudanas pelas quais a sociedade passava continuamente, esse modo de relacionamento estruturado ainda no absolutismo paterno no mais representava o desejo social do brasileiro. Por conta disso, acompanhando a evoluo dos costumes e em harmonia com o interesse social, editou-se a Lei de 22/09/1828, associada Resoluo de 31 de outubro de 1831, que veio desvincular o fim do ptrio poder situao de dependncia dos filhos, tendo fixado que a maioridade civil ocorreria pessoa que completasse 21 anos de idade.Durante a Repblica, uma norma que representou uma mudana significativa na estrutura familiar foi o Decreto 181, de 24/01/1890, o qual garantia que a mulher viva que no se casasse novamente poderia exercer o ptrio poder, algo at ento inimaginvel, por ser prerrogativa eminentemente masculina.

Essa norma marcou muito pelo significado, pois, pela primeira vez, o ptrio poder deixou de ser prerrogativa masculina em nosso pas, ainda que continuasse prevalecendo na famlia brasileira a prevalncia do regime patriarcal herdada dos colonizadores, e que segundo a doutrina, se manteve por longo perodo fiel a sua estrutura.A famlia pr e ps-codificada era marcadamente patriarcal, patrimonializada, matrimonializada e hierarquizada. Seu lcus era uma sociedade eminentemente agrria. O pai, centro da grande famlia e detentor do patrimnio, tambm estava no topo da pirmide, decidindo qual seria qual seria o destino de todas as pessoas que lhe eram subordinadas: filhos, parentes e empregados. A famlia era desenhada em moldes semelhantes famlia romano-cannica. Esse foi o modelo de famlia assumido pelo Cdigo Civil de 1916, deixando marcas legislativas que perpetuaram at o final do sculo passado. (TEIXEIRA, 2005, p. 21)

A famlia como instituio possua tanta representatividade, e a ela foi dada tamanha importncia dentro de nosso ordenamento que Pontes de Miranda registrou que o Cdigo Civil representava um direito mais preocupado com o crculo social da famlia do que com os crculos sociais da nao. (MIRANDA, 1928, p. 49 apud TEIXEIRA, 2005, p. 21)O cdigo Civil de 1916 manteve presente a autoridade paterna sobre os demais membros do grupo familiar, e determinou mulher o exerccio apenas subsidirio do ptrio poder, e a prevalncia da estabilidade do ncleo familiar, em benefcio da qual era permitida inclusive a recusa em reconhecer filhos nascidos fora da relao conjugal.Para preservar a hierarquia domstica, foi estabelecido pelo Cdigo Civil de 1916 (Art. 233, I: O marido o chefe da sociedade conjugal, funo que exerce com a colaborao da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos.(, que o homem era o cabea-de-casal, chefe da sociedade conjugal. A ele cabiam todas as decises a respeito daquela famlia, bem como a representao daquela instituio, administrao dos bens comuns - inclusive os particulares da mulher -, fixao do domiclio da famlia, alm de autorizar a mulher a praticar alguns atos da vida civil.

A mulher estava totalmente margem da direo da famlia, que era exercida exclusivamente pelo marido. Seu espao era bastante restrito. Para comprovar tal afirmativa, basta citar que, com o casamento, ela perdia o direito de administrar os bens prprios, no podia exercer profisso sem autorizao do marido, alm de se tornar relativamente incapaz com a contrao de npcias. Apenas com o advento do Estatuto da Mulher Casada que ela passou a exercer algumas funes com a colaborao da esposa.

Alis, esta lei teve grande relevncia para as relaes jurdicas materno-filiais, visto que alterou a redao do art. 393 no Cdigo Civil de 1916, que estabelecia a perda do ptrio poder da me/viva, que se casasse novamente. Assim, com o novo casamento, nada mudava no relacionamento entre me e filhos, no se rompendo o vnculo jurdico e afetivo existente entre eles.

A mulher e os filhos deviam obedincia ao chefe da famlia. A esposa s exercia o ptrio poder de forma subsidiria. Tudo se justificava em razo da preservao da paz domstica e da instituio da famlia, inclusive a recusa ao reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento e a atribuio de direitos concubina. (TEIXEIRA, 2005, p. 21-22)No Cdigo Civil de 1916, o casamento era a nica forma pela qual a lei reconhecia a existncia de um ncleo familiar. Isso se fez dessa forma, segundo Silvio de Salvo Venosa, porque naquela poca a sociedade vislumbrava a entidade familiar como de natureza patriarcal, assim como o era na antiguidade, e por isso regulamenta as relaes nos moldes do direito romano, e absorve do direito cannico a obrigatoriedade do casamento como fato gerador da famlia, assim como sua idia de indissolubilidade.O Estado, no sem muita resistncia, absorve da igreja a regulamentao da famlia e do casamento, no momento em que esta no mais interfere na direo daquele. No entanto, pela forte influencia religiosa e como conseqncia da moral da poca, o estado no se afasta muito dos cnones, assimilando-os nas legislaes com maior ou menor mbito. Manteve-se a indissolubilidade do vnculo do casamento e a capitis deminutio incapacidade relativa, da mulher, bem como a distino legal de filiao legtima e ilegtima. (VENOSA, 2006, p. 16)O exposto se alinha com as observaes de Ana Carolina Brochardo Teixeira, que revela a carga de preconceito no tocante s relaes extraconjugais e na ausncia de respeito ao aspecto afetivo nas relaes, que se baseavam na proteo dos interesses econmicos e morais de fundo religioso.

O concubinato era tido como ralao margem da lei, tratado no mbito do Direito Obrigacional, como sociedade de fato. Era visto com tal carga de preconceito, que no recebeu disciplina no Cdigo Civil de 1916. Sempre que este fazia qualquer meno sobre o tema, referia-se ao concubinato adulterino, para repudi-lo, invalidando atos jurdicos praticados entre parceiros adlteros.

Permaneciam, assim, as imposies estatais no tocante validao de uma nica forma de famlia, instituda atravs do casamento, colocando os cnjuges numa posio passiva em relao s funes matrimoniais, identificadas, neste nterim, com as funes da prpria famlia. Impunha-se aos cnjuges o dever de procriar, do qual derivava o dever de manter relaes sexuais. Alm destes, subsistia tambm o dever de viverem juntos para o resto da vida, pois o casamento era indissolvel - situao que durou, no Brasil, at 1977. Tudo isto servia para mascarar a verdadeira funo do matrimnio, que se consubstanciava na proteo de interesses econmicos. Nesta famlia codificada, a afetividade tinha um papel irrelevante, tanto no casamento quanto nas relaes paterno-filiais. (TEIXEIRA, 2005, p. 25-26)Ainda assim, j era possvel observar, que mesmo com uma legislao que dava prioridade aos aspectos patrimoniais e marcados pelo autoritarismo e pela discriminao nas relaes familiares, a evoluo nas relaes j faziam aflorar novos princpios, surgindo um novo perodo que lhe caracterizou pelo predomnio da tolerncia e da afetividade, embora travestidas por marcas patriarcais e capitalistas. (PONTES DE MIRANDA, 1928, p. 487 apud TEIXEIRA, 2005, p. 27)Essa predominncia dos valores afetivos ganhou destaque quando da promulgao da nova Constituio de 1988, que segundo Silvio de Salvo Venosa, foi o marco da igualdade e do fim da discriminao nas relaes de famlia.No direito brasileiro, a partir da metade do sculo XX, paulatinamente, o legislador foi vencendo as barreiras e resistncias, atribuindo direitos aos filhos ilegtimos e tornando a mulher plenamente capaz, at o ponto culminante que representou a Constituio de 1988, que no mais distingue a origem da filiao, equiparando os direitos dos filhos, nem mais considera a preponderncia do varo na sociedade conjugal . (VENOSA, 2006, p. 16)Com o advento do Cdigo Civil de 2002, surgiram vrias mudanas no Direito de Famlia, adequando as normas s novas formas de relacionamento, pautadas no que determina a Carta Magna quanto igualdade. Isso se torna claro ao tratar da igualdade se referindo pessoa, termo mais abrangente e extensivo que entre homens e mulheres, permitindo inclusive que o marido adote o sobrenome da mulher. O novo cdigo renova tambm o conceito de famlia, que passa a abranger no somente aquela tida por legtima no Cdigo Civil de 1916, formada pelo casamento, mas a tambm a decorrente da unio estvel e a formada pela comunho de qualquer genitor com descendente, fazendo com que o casamento seja apenas uma das formas pela qual se constitui uma famlia.

Tambm tratou de extinguir o poder absoluto do pai por meio do poder familiar, que deve exerc-lo concomitantemente com a me, trazendo ainda a possibilidade de perd-lo por falta do devido cuidado com os filhos, os quais, tambm consonante Constituio, passam a ter entre si direitos iguais, acabando com a distino entre legtimos e ilegtimos presente no cdigo de 1916.Conforme observado, as relaes familiares evoluram de tal modo que na segunda metade do sculo XX foram se firmando os conceitos de afetividade como norteadores das relaes familiares e eliminados os traos preconceituosos em relao mulher e quanto a origem dos filhos. Com o passar dos tempos, vrias modificaes ocorreram, culminando com o advento da famlia nuclear, que tinha um modus vivendi diverso, com tratamento aos filhos de forma diferenciada, pois a afetividade ganhou um lugar prioritrio na famlia. (TEIXEIRA, 2005, p. 29).Como se observou, A relevncia do afeto nas relaes familiares mostrou-se varivel no decorrer da histria jurdica do ser humano. Em um primeiro momento, a presena do afeto era presumida nas relaes familiares e sua relevncia jurdica consistia em ser tomado como existente, excluindo sua discusso.

No entanto, a partir do momento em que a presena do afeto se tornou responsvel e essencial para dar visibilidade jurdica s relaes familiares, ele passou a ter outro sentido, ocupando um maior espao no Direito. A transformao na importncia da noo de afeto nas relaes familiares est intimamente ligada mutao ocorrida com a prpria noo de famlia. (DAROS, 2006, p. 14 apud GOMES, 2008, p. 10)5.1 A Famlia Moderna E Os FilhosNo final do sculo XX, a famlia encontrou diversas novas formataes, devido quebra da estrutura patriarcal proporcionada, entre outros fatores, pela revoluo feminista, a insero da mulher no mercado de trabalho e at mesmo o desenvolvimento cientfico.As pessoas reviram suas funes no mbito familiar em decorrncia da nova estrutura familiar, com o declnio acentuado da verticalidade das relaes patriarcais e a consequente implantao de uma relao igualitria entre seus membros.

Ademais, a valorizao da individualidade, associada busca da realizao pessoal sem apego aos valores morais outrora latentes, como a dedicao felicidade do cnjuge ou companheiro, criou uma instabilidade nas relaes afetivas que tem reflexo perverso na vida dos filhos, em espacial das crianas, que se vem separadas de seus pais com frequncia cada vez maior.E a maior das perversidades incidentes sobre a criana, conforme se pretende demonstrar, que quando do fim do relacionamento, o pai, via de regra, deixa o filho sob a guarda da me e separa-se, no sentido atribudo ao termo em relao ao casal, tambm do filho. E isso tem impacto ainda maior quando, ao deixar de amar a parceira, rompe os laos afetivos e estende o sentimento de indiferena quele que o ama incondicionalmente e que na maioria das vezes no tem discernimento para entender a situao em que se encontra.

Felizmente, cessando a vida em comum dos cnjuges, o dever de sustentar os filhos no se altera e tampouco se suspende o poder familiar daquele que no detm a guarda, mantendo-se os direitos e deveres relacionados prole, ainda que ingressem em novo relacionamento. Porm, dentro do contexto moderno de famlia, pautado na afetividade, no basta ao pai cumprir com o encargo monetrio estipulado em juzo, visto que para seu desenvolvimento, a criana requer cuidados que vo alm do campo da materialidade, e cabe ao pai, ao menos em parte, suprir as necessidades scio-afetivas necessrias ao pleno desenvolvimento do menor.

Nesse contexto, valido apresentar as palavras do doutor Cleber Affonso Angeluci, mestre em Direito na Fundao Eurpides Soares da Rocha, que nos diz que no nosso ordenamento jurdico as relaes familiares esto pautadas na afetividade, o que faz afirmando que:O princpio da efetividade (sic) especializa, no campo das relaes familiares, o macro princpio da dignidade da pessoa humana (art. 1, III, da Constituio Federal), que preside todas as relaes jurdicas e submete o ordenamento jurdico nacional. (ANGELUCI, 2006)O mesmo tambm salienta que no atual estagio das relaes familiares, no possvel aceitar que o simples cumprimento da obrigao alimentar garanta ao pai o desempenho de seu papel na vida do filho, ao falar da relevncia e do valor do afeto:Negar, nos dias atuais, o valor e a relevncia ao afeto, consiste negar sua necessidade para a implementao da dignidade humana, ou seja, negar o princpio fundamental do Estado brasileiro. No que respeita dignidade da pessoa da criana, o art. 227 da Constituio expressa essa concepo, ao estabelecer que dever da famlia assegurar-lhe com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-la a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. No um direito oponvel apenas ao Estado, sociedade ou a estranhos,mas a cada membro da prpria famlia. Assim, depreende-se que a responsabilidade no se pauta to-somente no dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princpio da dignidade da pessoa humana. (ANGELUCI, 2006)E ainda tratando-se da relevncia e do valor do afeto, em especial na relao pai e filho, Luiz Edson Fachin, j nos falava em sua obra de 1996 sobre o verdadeiro exerccio da paternidade:O pai pode ser aquele a quem a lei presuntivamente atribui a paternidade; essa verdade jurdica emerge da presuno pater is est, cujo carter praticamente absoluto foi consagrado pelo sistema clssico, deve ceder busca da verdadeira paternidade, do ponto de vista biolgico. Porm, a verdadeira paternidade pode tambm no se explicar na autoridade gentica da descendncia. Pai tambm aquele que se revela no comportamento cotidiano, de formas slidas e duradouras, capazes de estreitar os laos da paternidade numa relao psico-afetiva, aquele enfim, que alm de poder lhe empresta seu nome de famlia, o trata como sendo seu filho perante o ambiente social. (FACHIN, 1996, p.163)Pode se afirmar, portanto, que nos dias atuais as relaes familiares esto marcadas pelo valor fraterno e pela afetividade, o que fez com que se determinasse entre outras inovaes, um novo contexto de paternidade e de filiao:Atualmente, as sociedades, em sua maioria, j no consideram a filiao somente sob o aspecto biolgico, devendo esta ser compreendida tambm quanto ao elemento cultural. Pela atual orientao doutrinria, o pai e a me no se definem apenas pelos laos biolgicos que os unem ao menor e sim pelo querer externado de ser pai ou me, de ento assumir, independentemente, do vnculo biolgico, as responsabilidades e deveres em face da filiao, com a demonstrao de afeto e de bem querer ao menor. Partindo dessa premissa, pode-se definir a filiao do nascituro concebido por tcnicas reprodutivas artificiais, tanto pelo aspecto biolgico quanto pelo aspecto socioafetivo, levando-se em conta sempre o melhor interesse da criana. (MOTTA; OLIVEIRA, 2007)Contudo, apesar de as relaes familiares se pautarem no afeto e de ser imprescindvel atentar para o melhor interesse da criana, nos dias atuais a instabilidade das relaes e o individualismo de certos pais que geram filhos de forma inconsequente e irresponsvel, tambm confere famlia moderna situaes nas quais necessria a interveno do estado para que se garanta aos filhos o direito que lhes imprescindvel em relao famlia.6 PRESTAO ALIMENTCIA: NECESSIDADE E POSSIBILIDADEPara que se efetive a obrigao daquele pai que no detm a guarda do filho, com a separao surge a obrigao de prestar alimentos, o direito a visit-lo, assim como a obrigao de fiscalizar sua manuteno e educao.

A fixao do valor dos alimentos arbitrada pelo juzo levando-se em conta a necessidade do alimentante e os recursos do alimentante, conforme determina o pargrafo primeiro do artigo 1594 do Cdigo Civil:Art. 1694...;

1 Os alimentos devem ser fixados na proporo das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.O referido dispositivo na verdade, um embasamento jurdico, tendo em vista a dificuldade em se determinar a extenso dos conceitos de necessidade e possibilidade, fazendo com que a avaliao se d a cada caso concreto, almejando sua aplicao da forma mais justa, uma vez que no possvel a concepo de regras absolutas neste sentido.A regra de proporcionalidade flexvel e deve ser aplicada em razo das circunstancias, motivo pelo qual a lei somente apontou os parmetros para sua fixao. Yussef Said Cahali cita Silvio Rodrigues para melhor entendimento do dispositivo: no significa que, considerando essas duas grandezas (necessidade e possibilidade), se deva inoxeravelmente tirar uma resultante aritmtica, como, por exemplo, fixando sempre em um tero ou em dois quintos dos ganhos do alimentante. Tais ganhos, bem como as necessidades do alimentando, so parmetros onde se inspirar o juiz para fixar a penso alimentcia. O legislador quis deliberadamente ser vago, fixando apenas um standard jurdico, abrindo ao juiz um extenso campo de ao, capaz de possibilitar-lhe o enquadramento dos mais variados casos. ( RODRIGUES, apud CALHI, 2006, p.517)Tais parmetros de possibilidade e necessidade so os norteadores da fixao e da eventual modificao do quantum determinado monetariamente para representar e possibilitar o cumprimento da obrigao alimentar. Estes devem ser observados atentamente para que sejam estabelecidos valores condizentes com as reais condies daquele que est obrigado prestao dos alimentos, tendo ainda como contraponto, a capacidade de atender as necessidades do credor da obrigao.No caso de prestao da obrigao alimentar para os filhos, nos comentrios ao Cdigo Civil elaborados por Theotonio Negro e Jos Roberto Ferreira Gouva, se observa o seguinte com relao ao seu artigo 1.696, tambm transcrito a seguir:Art. 1.696 O direito prestao de alimentos recproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigao nos mais prximos em grau, uns em falta de outros.Art. 1.696:1 O dever de sustentar os filhos menores decorre do ptrio poder e deve ser cumprido incondicionalmente. Subsiste independentemente do estado de necessidade do filho, ou seja, mesmo que este disponha de bens, recebidos por herana ou doao. Cessa quando o filho se emancipa ou atinge a maioridade. Nesse caso, a exonerao automtica, no dependente da propositura de ao prpria para o seu reconhecimento(JTJ 260/282; a citao do voto do relator). No mesmo sentido, ressalvando que a penso cessa com a maioridade do filho, a menos que explicitamente se tenha disposto em contrrio ao ser feita. Todavia: O fato da maioridade nem sempre significa que no sejam devidos alimentos (STJ-3 Turma, REsp 4.347-CE-EDcl, rel. Min. Eduardo Ribeiro,j.11.12.90rejeitaram os embs., v.u., DJU 25.2.91, p.1.467). nesse caso, o pedido de alimentos, aps a maioridade, tem fundamento no art. 1.694 do CC, cabendo ao requerente provar suas necessidades e os recursos do pai ou da me. ( NEGRO; GOUVA, 2005, p.348)Em se tratando dos filhos menores, a obrigao se inicia independentemente dos quesitos determinantes do quantum, pois sendo o filho menor, os alimentos so devidos independentemente de seu estado de necessidade, e somente se o filho for maior que se avalia a possibilidade do pai em cumprir com os alimentos. 6.1 Da Mutabilidade Do Valor FixadoA prestao de alimentos se fixa em valor monetrio, constitudo do montante suficiente s necessidades do alimentante, de acordo com as possibilidades do credor, sendo estes fatores passveis de modificao ao longo do tempo. Em decorrncia disso, a doutrina afirma que se trata de uma obrigao que se encontra constantemente sujeita a modificaes em decorrncia das instabilidades impostas pelo prprio viver.

Diz-se mais, hoje tranquilamente, que a deciso ou estipulao de alimentos traz nsita a clusula rebus sic standibus: o respectivo quantum tem como pressuposto a permanncia das condies de possibilidade e necessidade que o determinaram; da a sua mutabilidade, em funo do carter continuativo ou peridico da obrigao. ( CALHI, 2006, p.651)Esta mutabilidade vivenciada na rotina dos tribunais, qual seja o enorme numero de aes revisionais que so propostas, as quais devem garantir a aplicabilidade da obrigao alimentar em conformidade com as premissas legais e com fundamento da obrigao.

Assim, verifica-se na prtica, por meio das decises firmadas nos tribunais, que a verdade real deve ser constatada a cada caso concreto, para que possibilite a aplicao do bom direito, em benefcio no somente das partes, mas para atingir a finalidade a que se destina o poder jurisdicional.

Pelo fato de o desfecho de uma lide depender da convico formada pelo julgador, temos a possibilidade de resultados antagnicos em situaes similares, conforme se observa nos seguintes julgados:

ALIMENTOS. Penso alimentcia - Fixao em ""quantum"" inferior ao que espontaneamente j era ofertado - Inadmissibilidade - constituio de nova famlia no justifica por si s a reduo da verba ou da assistncia material - recurso provido - o fato de deixar as filhas e a ex-companheira, constituindo nova famlia, inclusive desta unio j ter resultado um filho, no justifica, por si s, a reduo da penso ou da assistncia material que j vinha proporcionando s alimentrias. (TJSP - 2 Cm. Cvel; Ap. Cvel n 250.362-1/4; Rel. Des. Correia Lima; j. 15.08.1995; v.u.; ementa. BAASP, 1943/22-e, de 20.03.1996, RT, 722/155, 1995)ALIMENTOS - Penso alimentcia. Reduo pretendida em face da constituio concubinria de nova famlia, com prole, pelo alimentante. Admissibilidade. Circunstncia que, notoriamente, implica a reduo de sua capacidade financeira... (TJMS - Ap. 28.054-6 (segredo de justia) - 1 T - Rel. Des. Josu de Oliveira - J. 17.12.91) (RT 679/173).A constituio de nova famlia com o nascimento de novo filho, por si s, no justifica a reduo do pensionamento. Caso em que o contexto probatrio no evidencia uma diminuio das possibilidades do alimentante. Era nus do recorrente a prova da alterao do binmio necessidade/possibilidade, o que no logrou em fazer. Apelo desprovido. (Apelao Cvel N 70028058337, Oitava Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Jos Atades Siqueira Trindade, Julgado em 25/02/2009) EMENTA: APELAO CVEL. AO DE ALIMENTOS. QUANTUM FIXADO DE ACORDO COM O BINMIO ALIMENTAR. MANUTENO DA SENTENA. A obrigao alimentar tem como princpio norteador o binmio necessidade-possibilidade, cujo quantum deve ser fixado de acordo com as possibilidades do alimentante e as necessidades do alimentado, buscando-se sempre os critrios de razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do 1, do artigo 1694, do Cdigo Civil. Em ao de alimentos do ru o nus da prova acerca de sua impossibilidade de prestar o valor postulado. Concluso n. 37 do Centro de Estudos do TJRS. No demonstrada, pelo alimentante, a impossibilidade de arcar com a penso alimentcia fixada em primeiro grau (01 SM para dois filhos), bem como presumidas as necessidades dos alimentados - crianas de 06 e 08 anos de idade, sendo que uma delas portadora de paralisia cerebral, impe-se a manuteno da sentena. RECURSO IMPROVIDO. (TJRS, Apelao Cvel N 70023795784, Oitava Cmara Cvel, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 08/05/2008)

O que tambm se observa a manuteno dos parmetros determinantes da mutabilidade, presentes mesmo antes do advento do Cdigo Civil de 2002, e que a possibilidade de modificao se perpetua em virtude da continuidade obrigacional, visto que a deciso que fixa os alimentos no faz coisa julgada material, podendo ser alterada conforme se alterem ao longo do tempo as circunstancias de fato que determinaram sua fixao.Tambm se faz necessrio, nesse momento, retomando a finalidade primeira da presente monografia, que alertar a sociedade para a necessidade de no promover o tratamento diferenciado aos filhos, refletir sobre a busca da verdade real, para que o julgador faa prevalecer a verdadeira justia quando fixar ou revisar os alimentos ao filho cujo pai tem outro filho sob sua guarda. 7 O DEVER DE TRATAMENTO IGUALITRIO AOS FILHOSA evoluo do direito de famlia, no que tange a relao paterno-filial, trouxe consigo alm de direitos outrora inconcebveis no pensamento social, como direito aos alimentos, o direito de tratamento igualitrio aos filhos.Os doutrinadores ptrios, que no princpio pregavam em consonncia com os dispositivos do Cdigo Civil de 1916, que previa a desigualdade na filiao, diferenciando filhos como legtimos ou ilegtimos, conforme nascidos de relao matrimonial ou no, ou ainda se adotados, passaram a um entendimento de valorizao da igualdade entre os filhos, alm de reconhecerem o valor socioafetivo da relao entre pais e filhos.

Os valores fundados no matrimnio que nortearam a elaborao dessas normas hoje no subsistem. Deram lugar a um novo elemento, decorrente do respeito dignidade da pessoa, baseados no afeto, derrubando os conceitos de ilegitimidade e legitimidade, sendo este fato um reflexo positivo da evoluo do direito dignidade, conforme as palavras de Luiz Edson Fachin, que afirma que a busca da eliminao das desigualdades o trao dominante desse transcurso, uma longa evoluo da bastardia ao estatuto da unidade. ( FACHIN, 2003, p.17)

O Cdigo Civil de 2002 absorve, ainda que de forma implcita, o elemento socioafetivo que determina a filiao, em seu artigo 1593:Art. 1593 O parentesco natural ou civil, conforme resulte de consanginidade ou outra origem.E em seu artigo 1596, o Cdigo Civil de 2002 replica a ordem do artigo 227 da Carta Magna, que determina:

Art. 1596 Os filhos, havidos ou no da relao de casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao. Assim, conforme determina a lei e proclama a doutrina, refletindo algo que ao mesmo tempo uma necessidade social e um instrumento de valorizao e respeito dignidade da pessoa, o estado de filho depende no s da herana gentica, mas principalmente do afeto e da ateno que aquele que traz consigo a virtude de ser denominado pai disponibiliza ao seu filho.E desde a Constituio Federal de 1988, quando foi sepultada a diferenciao relativa origem dos filhos, no mais cabvel qualquer categorizao, tornado-se todos iguais, sejam adotados, nascidos do casamento ou de relaes extraconjugais, e ainda fruto de relaes entre solteiros, inseridas nessa igualdade as relaes familiares e patrimoniais. E se a vedao a qualquer tipo de discriminao se estende a toda a sociedade, no pode jamais ser permitido a um pai provocar tal distino. 8 HIPTESE ESTUDADA: DOIS FILHOS EM LARES DISTINTOSNos dias atuais, se verifica com uma freqncia cada vez maior a existncia de irmos vivendo em lares distintos. Isso se deve ao sem nmero de separaes entre os casais, e tambm em decorrncia da liberdade sexual presente no mundo contemporneo, que aliada ao descaso quanto concepo, faz com que as pessoas se tenham filhos sem qualquer preocupao com as condies de vida que estes recm chegados tero.Como conseqncia, temos crianas crescendo sem qualquer ateno e cuidado, em todos os aspectos necessrios ao seu desenvolvimento e a sua formao como pessoa. Os filhos merecem estar inseridos numa famlia com princpios, e se tornar no futuro parte integrante e formadora de uma sociedade justa.Temos tambm, conforme se pretende abordar, irmos, filhos de um mesmo pai, vivendo em lares distintos por conta da irresponsabilidade do pai, que se permitiu gerar filhos em um momento em que no tinha a pretenso de constituir famlia, vindo em outro momento constitu-la e gerando outro filho, este sim desejado e esperado.Ambos tm a mesma necessidade e expectativa em relao ao pai, mas infelizmente ao findar o relacionamento que deu origem ao primeiro, o pai se esquece daquela criana e no cria ou fortalece laos que por ventura j existiam em relao a ela quando termina sua convivncia com a me. Pior que isso, o que se v com maior freqncia so o descaso total e a indiferena para com o filho deixado com a me, s existindo na memria desses pais sem escrpulos por conta da obrigao alimentar. Para aquele no reside com o pai, quando no tem suas necessidades atendidas, resta a prestao jurisdicional, que deve aplicada de forma eficaz, porque muitas vezes, o nico modo de fazer valer o direito do filho ante a irresponsabilidade presente na conduta de seu genitor. Isso necessrio porque por diversas vezes os pais fazem do no cumprimento da obrigao alimentar o meio de se vingar, como se os filhos tivessem culpa pela obrigao imposta.Felizmente, conforme expe a nobre desembargadora Maria Berenice Dias, a obrigao alimentar no decorre da vontade, e uma vez imposta, devem ser os pais obrigados a prest-la, e assim nos fala:

Diferentemente dos devedores habituais, cujos dbitos se constituem pelo descumprimento de obrigao assumida livremente, o encargo alimentar surge por imposio legal, desvinculada da vontade. Dissolvida a unio, mas remanescendo o dever de subsistncia em favor do outro, ou de filhos que ficam na guarda do outro, o ressentimento se perpetua. O elo obrigacional pereniza-se no tempo, e mensalmente o alimentante lembra que, ao invs de devedor de alimentos, credor de afeto, de ateno. Culpa quem lhe subtrai a convivncia com os objetos de seu amor os filhos , e deixar de pagar a penso uma forma de se vingar.

A resistncia do devedor, na grande maioria das vezes, no decorre de dificuldades econmicas. Suas dificuldades so muito mais de natureza psquica, por ter que pagar quando se sente credor. Assim, no s a essencialidade da obrigao, que visa a garantir a sobrevivncia do alimentando, que faz com que a cobrana do encargo disponha de procedimento diferenciado. Nem a ameaa de priso atemoriza. Todos j ouviram a assertiva: vou para a cadeia, mas no pago! (DIAS, 2010)O pai que age dessa forma, no merece ser chamado pai, pois no tem dignidade, e est totalmente desprovido de brio e de bom senso. E quando tem consigo outro filho, do qual cuida de maneira adequada, temos a diferena fomentada por aquele que deveria, em primeiro lugar, zelar pela igualdade de seus filhos.

8.1 - Um Filho Sob O Mesmo TetoQuando um pai se separa do filho, deve continuar a cumprir com os deveres inerentes ao poder familiar, que surgem com a concepo, no se suspendem por conta da separao, conforme o entendimento doutrinrio:

Os encargos decorrentes do poder familiar surgem quando da concepo do filho, tanto que a lei pe a salvo desde a concepo os direitos do nascituro (CC, art. 4). Mesmo antes do momento em que o pai procede ao registro do filho, est por demais consciente de todos os deveres inerentes ao dever familiar, entre os quais encontra-se o de assegurar-lhe sustento e educao.Enquanto os pais mantm vida em comum, os deveres decorrentes do poder familiar constituem obrigao de fazer. Cessado o vnculo de convvio dos genitores, no se modificam os direitos e deveres com relao aos filhos (CC, arts. 1.579 e 1.632). Restando a guarda do filho com somente um dos pais, as obrigaes decorrentes do poder familiar resolvem-se em obrigao de dar, consubstanciada no pagamento de penso alimentcia. Logo, o genitor que deixa de conviver com o filho deve passar a alcanar-lhe alimentos de imediato, espontaneamente, mediante a entrega de dinheiro, ou por meio da ao de oferta de alimentos. Como a verba se destina subsistncia, os alimentos devem ser pagos antecipadamente. Assim, no dia em que o genitor sai de casa, deve depositar alimentos em favor do filho. O que no pode , comodamente, ficar aguardando ser citado para a ao e somente ento adimplir a obrigao de prover-lhe o sustento. (DIAS, 2010) Nesse sentido, o poder familiar est presente e apto para fazer com que o pai cumpra sua funo em relao ao filho. O problema que na maioria dos casos, s se verifica a eficcia deste dever quando lhe imposto pela via judicial.

E a situao deste filho que depende do amparo paterno tende a ser dificultada quando seu pai forma nova famlia, principalmente se nessa nova relao forem concebidos novos filhos, ou que a nova parceira j os tenha.

O que se espera de um pai quando este forma nova famlia e tem outro filho, que ele continue a prover aquele que ficou com a me com o subsdio necessrio para sua criao, sustento e educao, alm de fiscalizar o tratamento que lhe dispensado pela me e de acompanhar e participar do desenvolvimento intelectual e psicolgico.

Ao filho que convive sob o mesmo teto, comumente ele dedica toda ateno e cuidado, complementando inclusive por meio de atividades de lazer ou religiosas praticadas em conjunto, durante as quais se desenvolvem os valores morais e se estreitam os laos paterno-filiais, pautados na amizade e no cuidado recproco, evidenciados pelas mtuas demonstraes de afeto.

Sob pretexto dessa nova atribuio, muitos pais lutam para que seja fixado nfimo valor quando requeridos alimentos por aquele que ficou com a me, ou buscam em momento posterior a reduo do encargo sob o mesmo argumento, se este constitui fato novo.

compreensvel e desejvel, seno imprescindvel, que um pai deseje dar tudo de si para seu filho, porm o que no possvel conceber que este venha a entender como tal somente aquele que com ele convive, se esquecendo que ao outro filho cabe, por direito e por justia, igual tratamento e ateno, afinal, o pai deveria ser o primeiro a resguardar o tratamento igualitrio aos filhos perante toda a sociedade.

8.2 Tratando Os Filhos Como IguaisFilhos so filhos, no importando sua origem. E em sendo do mesmo pai, e sendo este o provedor de suas necessidades, devem receber deste, ateno e cuidado, pois no sentido abordado no presente trabalho, o pai quem representa a famlia descrita no artigo 227 da Constituio Federal, a qual foi colocada em primeiro lugar na ordem de responsabilidade pelas crianas e adolescentes, ora tratados por filhos:Art. 227 dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alem de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. E do dever de assegurar tais elementos, decorre a obrigao do pai de prestar alimentos aos filhos, obrigao esta que deve atender ao que preceitua o pargrafo sexto do mesmo diploma legal:Art. 227, 6, - Os filhos, havidos ou no da relao do casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao.Sendo assim, cumpre ao pai tratar sem distino tanto o filho que com ele coabita como aquele que no se encontra sob sua guarda e ao qual presta alimentos.E o fundamento deste tratamento igualitrio j foi abordado pelo colega Fernando Guidi Quinto Gomes, Da Universidade Federal de Santa Catarina, em seu trabalho de concluso de curso produzido no ano de 2008, ao falar das mudanas trazidas pelo atual texto constitucional da seguinte forma:

... uma das maiores inovaes e mudanas que o novo texto constitucional trouxe foi a de revogar qualquer dispositivo da legislao que tratasse de forma diferenciada os filhos, ou seja, a partir de 1988, filho simplesmente filho, sem qualquer distino. Desse modo, todos os filhos passaram a ter os mesmos direitos e deveres. O art. 227, 6, da Lei Fundamental claro ao dispor a seguinte redao: Os filhos havidos ou no da relao de casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao. A Constituio, portanto, revogou todas as disposies que estabeleciam discriminaes e desigualdades entre os membros da famlia, e, claro, entre os filhos, que ainda se encontravam em vigor no Cdigo Civil de 1916, assim como nas diversas legislaes esparsas.As mudanas relativas ao Direito de Famlia trazidas pela Carta Magna galgam-se, substancialmente, em seu art. 1, III, no qual est disposto um dos direitos fundamentais que merecem proteo do Estado: a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, e por meio dos princpios que tambm sero analisados, possvel se notar a clara preocupao do Estado em resguardar o ser humano por meio de umas das bases da sociedade: a famlia bem estruturada. ( GOMES, 2008, p.72).E para coroar a fundamentao do tratamento igualitrio aos filhos no princpio da dignidade da pessoa humana, cita a lio de Uadi Lammgo Bulos, que sobre o tema entende que:Este vetor agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituio de 1988. Quando o Texto Maior proclama a dignidade da pessoa humana, est consagrando um imperativo de justia social, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espao de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raa, cor, origem ou status social. O contedo vetor amplo e pujante, envolvendo valores espirituais (liberdade de ser, pensar, e criar etc.) e materiais (renda mnima, sade, alimentao, lazer, moradia, educao etc.). Seu acatamento representa a vitria contra a intolerncia, o preconceito, a excluso social, a ignorncia e a opresso. A dignidade da pessoa humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatrios incorporados ao patrimnio do homem. Seu contedo jurdico interliga-se s liberdades pblicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, polticos e sociais do direito vida, dos direitos pessoais tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogneos), dos direitos econmicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais etc. Abarca uma variedade de bens, sem os quais o homem no subsistiria. A fora jurdica do prtico da dignidade comea a espargir efeitos desde o ventre materno, perdurando at a morte, sendo inata ao homem. Notrio o carter instrumental do princpio, afinal ele propicia o acesso justia de quem se sentir prejudicado pela sua inobservncia (destaque no original) (BULOS, 2007, p. 389, apud GOMES, 2008, p.72-73). 8.3 O Equilbrio Necessrio Para um pai, prestar alimentos ao filho menor algo que decorre do dever de sustento, o qual se converte em obrigao alimentar quando o pai no mais convive com o filho. E no dever de sustento encontra-se inserido o dever de criao, cuja definio apresentada por Jos Virglio Castelo Branco Rocha em sua obra dos idos de 1978, j citada anteriormente, significa manter, sustentar, alimentar, dar enfim ao indivduo as condies necessrias sobrevivncia, e que compreende, alm disso, os cuidados relativos sade, segurana e moralidade.Atualmente, os alimentos devem compreender alimentao, vesturio, habitao, tratamento mdico, transporte, diverso, e, se a pessoa alimentada for menor de idade, ainda verbas para sua instruo e educao... ( DINIZ, 2006, v. 5, p.549).Porm, a forma e a intensidade com que o alimentante ter suprida suas necessidades de base predominantemente econmica, dependero diretamente das possibilidades do alimentante, avaliadas no binmio possibilidade-necessidade. Nesse momento, trazendo tona a hiptese estudada, de o alimentante ter outro filho sob sua guarda que se deve atentar para o dever de tratamento igualitrio aos filhos.

Os alimentos devem ser fixados ou modificados tambm com base no tratamento dispensado pelo pai a ambos os filhos, a fim de estabelecer o devido equilbrio entre o dever de tratamento igualitrio aos filhos e os quesitos de possibilidade versus necessidade. E a responsabilidade em dar efetividade a essa necessidade social recai sobre os operadores do direito, em especial sobre o julgador.Isso se baseia na verdade que:

Nada justifica livrar o genitor das obrigaes decorrentes do poder familiar, que surgem desde a concepo do filho. Como a ao investigatria de paternidade tem carga eficacial declaratria, todos os efeitos devem retroagir data da concepo, at mesmo a obrigao alimentar. Esta a nica forma de dar efetividade ao princpio constitucional que impe tratamento isonmico aos filhos, vedando tratamento discriminatrio (CF, art. 227, 6). O pai responsvel acompanha o filho desde sua concepo, participa do parto, registra o filho, o embala no colo. Deve a Justia procurar suavizar essas desigualdades e no acentu-las ainda mais. (DIAS, 2010) Portanto, em ltima anlise, cabe a justia restabelecer a igualdade quebrada por indivduos que se desgarram dos valores sociais que se firmaram ao longo da histria da sociedade e do Direito, valores estes indispensveis a natureza da pessoa, impedindo que crianas sejam tratadas pelos prprios pais como cidados de categoria diferenciada. 9 CONSIDERAES FINAISA presente monografia foi elaborada com o intuito de estudar a obrigao alimentar, a qual deriva do dever familiar, originrio da relao de parentesco, disposta nos artigos compreendidos entre o 1.694 e 1.710 do Cdigo Civil Brasileiro, porm, com uma abordagem da referida obrigao sob uma viso restrita prestao de alimentos aos filhos menores pelo pai, a qual apesar de expressa sob o mesmo ttulo funda-se no dever de sustento imposto aos pais em relao aos filhos menores, na hiptese corriqueira nos dias atuais de o alimentante ter outro filho sob sua guarda. Para tanto, fez uma retrospectiva da evoluo histrica da obrigao alimentar, verificando-se que a mesma se firmou no direito romano, e que a princpio no se fundava nas relaes familiares, porque na poca a estrutura familiar privava os dependentes de exercer contra o detentor do ptrio poder qualquer pretenso de carter patrimonial, incluindo os alimentos, sendo somente sob o governo do imperador Justiniano que se acredita tenha se iniciado a regulamentao dos alimentos. Verificou-se tambm que igreja foi responsvel pela efetivao dos alimentos no plano jurdico-familiar, por delegar famlia o dever de assistir aqueles ligados por laos consanguneos.

No Brasil, o direito aos alimentos est presente desde a Colnia, sendo disciplinado efetivamente em 1968 pela Lei n 5.478, que foi recepcionada pela Constituio Federal de 1988 e pelo Cdigo Civil de 2002, tendo se aperfeioada ao longo do tempo para se adequar ao princpio da dignidade da pessoa humana e no objetivo de se viver em uma sociedade alm de livre e justa, que tambm seja solidria.

Esse aperfeioamento resultou na converso do ptrio poder em poder familiar, que com constituio de 1988 adquiriu um aspecto de poder-dever, a ser exercido como ferramenta necessria direo do grupo familiar com o intuito de garantir a todos os membros do grupo as condies de desenvolvimento com dignidade, e imps aos pais o dever de cuidado aos filhos menores, permitindo concluir ser este o verdadeiro contedo da autoridade parental.Verificou-se que como tudo na vida, o Direito tambm sofre constantes mudanas, e a vida em sociedade reflete e se amolda s condies de seu tempo, no sendo diferente para as relaes familiares e para a prpria constituio da famlia. Cada poca possui valores prprios, que determinam sua cultura, seus valores e crenas, e que interferem nas relaes jurdicas e sociais, transformando tambm os hbitos de vida, a forma de relacionamento com os filhos e as caractersticas das relaes humanas em todos os sentidos.

E no que tange a paternidade, firmou-se conforme o entendimento doutrinrio, de que pai tambm aquele que conforme o comportamento capaz de estreitar os laos da paternidade numa relao de afeto, e que alm de emprestar ao filho seu nome de famlia, o trata como tal perante a sociedade.

Com relao prestao alimentcia, o nosso ordenamento prev que seja efetivada obedecendo aos critrios de possibilidade e necessidade, pois so estes os fundamentos que regulam a prestao obrigacional. Porm, para os filhos menores, no se faz necessria a comprovao da necessidade, pois a obrigao decorre do dever de sustento imposto pelo legislador, que se converte em obrigao alimentar quando, em se tratando do pai, este se afasta do convvio com o filho, apesar de ser avaliada como critrio de fixao ou reviso do valor atribudo prestao. Constatou-se tambm, que no processo evolutivo das relaes sociais e do direito, os filhos, que no princpio eram diferenciados quanto a sua origem, passaram a ter igualdade de direitos, sendo vedados a distino e o tratamento desigual entre os mesmos.Assim abordando-se a possibilidade recorrente no universo contemporneo, de um pai ter que prestar alimentos a um dos filhos, tendo o outro filho sob sua guarda, pretende-se alertar para que se estabelea um equilbrio entre o dever de tratamento igualitrio aos filhos e os quesitos de possibilidade versus necessidade quando a prestao ocorre nas circunstncias apontadas. Visa chamar a ateno da sociedade como um todo, mas em especial, dos operadores do Direito para que no se agrida o princpio do dever de tratamento igualitrio aos filhos quando da fixao ou reviso do quantum destinado ao alimentante.

O fato de o alimentante constituir nova famlia qual tenha de prover novos filhos, consangneos ou no, no deve privar quele que no reside no lar paterno da plena satisfao de suas necessidades, em benefcio dos que com ele esto. Ademais, necessidade maior tem aquele que foi privado do convvio paterno simplesmente por este fato.

O tratamento igualitrio aos filhos, antes de ser dever legal, dever moral. Assim, devem-se considerar outros fatores que determinam a adequada assistncia ao alimentante, alm do monetrio.

E no sendo o pai capaz de atender as necessidades de seus filhos de maneira adequada, cabe ao Estado, detentor do poder jurisdicional, aplicar a norma conforme o caso concreto, mas sempre atentando para a busca da verdade real, e assim promovendo o melhor equilbrio nas relaes sociais.

O que se pode concluir com o trabalho apresentado, que o direito caminha para uma valorizao cada vez mais intensa dos princpios que regem a sociedade, e que cabe aos operadores do direito zelar pala sua prevalncia.

E no que diz respeito relao entre pais e filhos, cabe dizer que:

O verdadeiro pai ama sobremaneira e incondicionalmente todos os seus filhos, e por eles zela de igual forma. A existncia de distino no tratamento dispensado a um filho em relao ao outro, proveniente de rancores oriundos do trmino de relacionamento entre os pais inaceitvel, e deve ser minimizada tanto quanto possvel por meio da conscientizao da sociedade e da aplicao do bom Direito, para que os pais no se tornem dos filhos, meros genitores-provedores.REFERNCIAS BIBLIOGRFICASFARIAS, Cristiano Chaves de (Org.). Temas at