Monografia Rafaela Strapasson Tosin - humanas.ufpr.br · 2 aspectos histÓricos da imigraÇÃo...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – SCHLA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – DECISO
RAFAELA STRAPASSON TOSIN
ETNICIDADE EM UM GRUPO DE DESCENDENTES DE ITALIANOS EM COLOMBO – PR: O QUE DIZEM OS PARTICIPANTES DO CIRCU ITO ITALIANO
DE TURISMO RURAL
CURITIBA,
2013
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – SCHLA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – DECISO
RAFAELA STRAPASSON TOSIN
ETNICIDADE EM UM GRUPO DE DESCENDENTES DE ITALIANOS EM COLOMBO – PR: O QUE DIZEM OS PARTICIPANTES DO CIRCU ITO ITALIANO
DE TURISMO RURAL
CURITIBA,
2013
Trabalho apresentado à disciplina de Orientação
Monográfica II, da área de Sociologia, como
requisito parcial à conclusão do curso de Ciências
Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
da Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Profº Dr.Márcio de Oliveira
3
RESUMO
O presente trabalho pretende discutir o aparente sentimento de ser étnico em um
grupo de descendentes de italianos, moradores da cidade de Colombo, Paraná. A
pesquisa e a análise foram realizadas a partir de uma exploração dos dados
coletados em entrevistas gravadas com os membros do Circuito Italiano de Turismo
Rural da cidade de Colombo entre 2011 e 2013. A orientação teórica dessa análise
se constitui de autores do campo das Ciências Sociais que possuem pesquisas
importantes da área da etnicidade. Para a construção do objeto de pesquisa e para
a análise dos dados, uma contextualização histórica foi realizada.
Palavras-chaves: Colombo – PR; etnicidade simbólica; Circuito Italiano de Turismo
Rural; grupo étnico.
ABSTRACT
The present study intends to discuss the apparent feeling of being ethnics in a
community of Italian descendants, residents of the city of Colombo, Paraná. The
research and analysis were conducted after an exploitation of data collected by
recorded interviews with the members of the Italian Circuit of Rural Tourism of the
city of Colombo between 2011 and 2013. The theoretical orientation is based on
authors of the Social Science field that have important researches on ethnicity. A
historical contextualization was made for the construction of the object of research.
Key-words: Colombo – PR; symbolic ethnicity; Italian Circuit of Rural Tourism; ethnic
group.
4
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – LOCALIZAÇÃO DA CIDADE DE COLOMBO (RMC) .......................... 27
FIGURA 2 – FACHADA DA CASA LARA DEL NONO ............................................ 33
FIGURA 3 – PRODUTOS DA CHÁCARA MORANGO NATURAL .......................... 34
FIGURA 4 – PRODUTOS DA CANTINA ................................................................. 34
FIGURA 5 – MOINHO DO ESTABELECIMENTO MOINHO ARTESANAL ............. 35
FIGURA 6 - TANQUES DO PESQUE-PAGUE COLHE-PAGUE GASPARIN E
FILHOS ................................................................................................................... 35
FIGURA 7 – TANQUE DO PESQUE-PAGUE SÍTIO DAS PALMEIRAS ................. 36
FIGURA 8 – ANTIGOS TONÉIS UTILIZADOS NA PRODUÇÃO DE VINHO NA
VINÍCOLA CAVALLI ................................................................................................ 36
FIGURA 9 – VINÍCOLA FRANCO ITALIANO .......................................................... 37
FIGURA 10 – VINÍCOLA GASPARIN ...................................................................... 38
FIGURA 11 – VINÍCOLA PEDRINHO STRAPASSON ............................................ 38
5
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – ESTABELECIMENTOS ASSOCIADOS AO CIRCUITO, 2007-2011 .... 29
Quadro 2 – LISTA DE ESTABELECIMENTOS POR RAMO DE ATIVIDADE (2012)30
Quadro 3: DESCENDENCIA ITALIANA NO CITUR A PARTIR DOS SOBRENOMES39
Quadro 4: DESCENDENCIA ITALIANA NO CITUR A PARTIR DAS ENTREVISTAS41
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
1 ETNIA.................................................................................................................. 10
1.1. MAX WEBER ................................................................................................... 11
1.2. FREDERICK BARTH........................................................................................ 12
1.3. ROBERTO CARDOSO DE OLIVEIRA ............................................................. 13
1.4. STUART HALL ................................................................................................. 14
1.5. HERBERT J. GANS ......................................................................................... 14
1.6. SÍNTESE .......................................................................................................... 16
2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA IMIGRAÇÃO ITALIANA .................................... 16
2.1. A IMIGRAÇÃO ITALIANA PARA O BRASIL .................................................... 17
2.2. A IMIGRAÇÃO ITALIANA PARA O PARANÁ .................................................. 18
2.2.2. Nos arredores de Curitiba ............................................................................. 20
2.2.1. Duas colônias importantes ............................................................................ 22
3 A CIDADE DE COLOMBO HOJE E O CIRCUITO ITALIANO ........................... 24
3.1. HISTÓRIA DE COLOMBO ............................................................................... 24
3.2. O MUNICÍPIO HOJE ........................................................................................ 26
3.3. O CIRCUITO ITALIANO DE TURISMO RURAL .............................................. 27
4 A ITALIANIDADE E O QUE FALAM OS PARTICIPANTES DO CITUR ............ 31
4.2. OS PARTICIPANTES DO CITUR E SUAS PROPRIEDADES ......................... 33
4.3. IMIGRANTES PIONEIROS E OS PARTICIPANTES DO CITUR DE COLOMBO: UMA INVESTIGAÇÃO ............................................................................................ 39
7
4.4. A CULTURA ITALIANA ONTEM E HOJE: O QUE FALAM OS PARTICIPANTES DO CITUR ............................................................................................................... 42
4.4.1. Elementos de história ................................................................................. 42
4.4.2. O interesse na Itália hoje ............................................................................ 45
4.4.3. Gestualidade e estilos de vida ................................................................... 46
4.4.4. "Nós" e "eles" .............................................................................................. 46
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 53
8
INTRODUÇÃO
A hipótese da qual se partiu para a realização dessa pesquisa é a de que
existiria em Colombo, dentre os descendentes de italianos, cujos bisavôs ou
tataravôs migraram para essa região, um sentimento de pertencimento a um grupo /
cultura, que chamaremos aqui, a partir de Barth (1969), de grupo étnico. Isso será
mostrado a partir de uma análise da história da imigração, do Circuito do Turismo
Rural e das entrevistas realizada com os participantes descendentes de italianos do
Circuito Italiano de Turismo Rural de Colombo.
O trabalho reunido nessa monografia iniciou com a minha entrada no Núcleo de
Estudos sobre Sociologia, Multiculturalismo e Migrações Internacionais no final de
2010 como bolsista no CNPq. Soube do grupo pela Franciele Aparecida Lopes1, já
integrante do grupo de pesquisa, que também era descendente dos italianos que se
instalaram na região de Colombo, Região Metropolitana de Curitiba, e, como eu,
tinha interesse em estudar as relações entre esse grupo de imigrantes e aqueles
que não eram descendentes. Esse foi o primeiro tema que despertou o nosso
interesse sociológico.
Assim que entrei no grupo, eu e a Franciele nos dedicamos a pesquisar sobre as
histórias de imigrantes, tanto na esfera mais ampla do nacional, quanto na mais local
que era a imigração para a região de Colombo. No final de 2011, o Wilson A.
Barbieri2 entrou para o grupo de estudos e, desde então, foram intensificados os
estudos sobre os descendentes de imigrantes italianos de Colombo, sobretudo os
participantes do Circuito Italiano de Turismo Rural. No mesmo ano aplicamos um
primeiro questionário, que rendeu um artigo escrito a oito mãos3, intitulado
“Imigrantes Italianos pioneiros em Colombo, PR (Brasil), associações étnicas e
atividades empresariais: uma análise exploratória”, apresentado no I Seminário
Arquivo Virtual Histórias Migrantes um mosaico da nacionalidade e múltiplas culturas
em 2012. Em 2013, elaboramos um novo questionário para aprofundar a nossa
análise, em cuja aplicação o meu colega de pesquisa Wilson A. Barbieri se mostrou
insubstituível.
1 Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná.
2 Graduando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná.
3 De autoria de Márcio de Oliveira, Franciele Aparecida Lopes, Rafaela Strapasson Tosin e Wilson A. Barbieri.
9
No primeiro capítulo dessa monografia, “Etnia”, serão apresentados os principais
autores no campo da etnicidade que vão ser úteis para a análise dos dados
coletados pela aplicação dos questionários. No capítulo 2, “Aspectos Históricos da
Imigração Italiana”, discorrerei sobre a história da imigração dos italianos para o
Brasil, para o Paraná e para Curitiba. No capítulo 3, “A Cidade de Colombo Hoje e o
Circuito Italiano”, farei uma breve história da imigração e do estabelecimento dos
imigrantes italianos para a região do município, assim como um mapeamento do seu
atual perfil. Em seguida, explicarei o que é o Circuito Italiano de Turismo Rural e
como ele foi formado. No quarto e último capítulo, “A Italianidade e o que Dizem os
Participantes do CITUR”, será apresentada a metodologia de pesquisa, assim como
as duas etapas da pesquisa de campo para essa monografia, juntamente com as
conclusões parciais e finais.
10
ETNIA
Por muito tempo as definições de etnia e tribo, na bibliografia das ciências
sociais, encontraram concordantes nos seus critérios comuns, como a língua, um
espaço, costumes, uma mesma descendência e a consciência de pertencer a um
mesmo grupo. O conceito de etnia permaneceu como um dos mais confusos do
vocabulário das ciências sociais, sendo muitas vezes confundido com os de
sociedade, cultura, formação social ou conjunto cultural (POUTIGNAT; STREIFF-
FENART, 1998, p.55/56).
Segundo Poutignat e Streiff-Fenart (1995), o conceito de etnicidade surgiu nos
Estados Unidos, retomando a década de 1960, sobretudo com a Escola de Chicago,
mas ele vai se impor realmente nas ciências sociais a partir da década de 1970,
correspondendo ao surgimento de um tipo de conflito e de reivindicações
qualificadas como étnica nas sociedades industriais e nas sociedades do Terceiro
Mundo, como regionalismos na França e na Grã-Bretanha, conflitos linguísticos no
Canadá e na Bélgica, tribalismos na África, etc. (POUTIGNAT; STREIFF-FENART,
1998, p.25). Para compreender esse fenômeno de competição e conflito nos quais
os grupos se opõem em nome de sua pertença étnica é que o conceito de etnicidade
ganha força, na tentativa de abranger o que tem em comum em todos esses
fenômenos.
Baseado em evidencias mais empíricas das unidades étnicas, Narroll (1964,
apud POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p.61-63) contribuiu para o debate
colocando algumas das ingenuidades das definições de unidade étnica da época. A
primeira delas é a de que se acreditava que para se definir uma unidade étnica seria
necessária uma lista de traços culturais. Ele defende que a questão não é estudar a
maneira pela qual os traços culturais estariam distribuídos, mas a maneira como a
diversidade étnica é socialmente articulada e mantida. A segunda delas era acreditar
que o isolamento geográfico e social estaria na base da diversidade étnica, porque,
segundo ele, a interpenetração e a interdependência entre os grupos são a própria
condição de sua perpetuação e não um motivo de dispersão das identidades
étnicas. A terceira delas foi relacionada à crença em que um rótulo étnico
corresponderia a um modo de vida que, por sua vez, corresponderia a um grupo real
11
de pessoas, quando, na opinião dele, todos esses três elementos deveriam ser
problematizados juntamente.
Essas críticas marcaram, desde o final da década de 1960, um avanço decisivo
na conceptualização dos grupos étnicos, caracterizado pela passagem da noção de
“tribo” para a noção de “grupo étnico”. O objetivo das pesquisas sobre etnicidade
passou do estudo das características dos grupos para o estudo das propriedades de
um processo social.
1.1. Max Weber
Weber (1999) é um dos clássicos da sociologia quanto se trata do fenômeno
da etnicidade. Segundo esse autor, grupo étnico são “aqueles grupos humanos que,
em virtude de semelhanças no habitus externo ou nos costumes, ou em ambos, ou
em virtude de lembranças de colonização e migração, nutrem uma crença subjetiva
na procedência comum, de tal modo que esta se torna importante para a
propagação de relações comunitárias” (WEBER, 1999, p.270), não importando se de
sangue ou não.
Alguns dos elementos importantes para que exista um sentimento de
afinidade étnica seriam 1) a comunidade linguística; 2) a homogeneidade de
regulamentação ritual da vida, condicionada por ideias religiosas parecidas - embora
a diferença de língua e religião não exclua de modo absoluto o sentimento de
comunhão étnica (WEBER, 1999, p.272 e 276); 3) as diferenças exteriormente
refletidas (como os trajes, a maneira de morar e se alimentar, de divisão do trabalho
entre os sexos).
Esse terceiro ponto é relacionado com tudo aquilo relativo à questão da
“decência”, da honra e dignidade sentidas pelo individuo, aquilo que Weber (1999)
chamou de honra “étnica”. Essa honra “étnica” se alimenta da convicção da
excelência dos próprios costumes e da inferioridade dos alheios. A honra étnica é a
“honra específica das massas por ser acessível a todos os que pertencem à
comunidade de origem subjetivamente imaginada” (WEBER, 1999, p.272).
12
A crença na afinidade de origem seria a criadora de uma comunidade4
apoiada em uma lembrança de migração real, um “sentimento de apego à terra
natal” 5 (WEBER, 1999, p.270). Esse tipo de comunidade costuma se manifestar, de
acordo com o autor, de modo puramente negativo: diferenciação, desprezo, medo
supersticioso (WEBER, 1999, Ibidem). O contraste nas formas de vida originado
pelos processos de migrações, especificamente, teriam a tendência a despertar a
ideia de “sangue estranho dos outros”, independentemente da realidade objetiva
(WEBER, 1999, p.273)
1.2. Frederick Barth
Barth parece ser o primeiro cientista social, em seu texto Grupos Étnicos e suas
Fronteiras (1998), originalmente publicado em 1969, a afirmar uma abordagem para
o estudo da etnia que incide sobre as negociações em curso de fronteiras entre
grupos de pessoas, tendo como ponto de partida uma aproximação interacionista.
Antes da década de 60 e do surgimento da teoria de Barth e seus seguidores,
antropólogos e outros cientistas sociais consideravam grupo étnico como 1) grupos
que se perpetuam biologicamente, 2) que compartilham valores culturais que se
manifestam em formas culturais como parentesco, língua, religião, etc., 3) que
formam um campo de comunicação e interação, e 4) os membros do grupo se
identificam e são identificados por “outros” como pertencentes a uma categoria
específica de interação (BARTH, 1995, p.189/190).
Desde Barth (1995), o aspecto fundamental para a formação de grupos étnicos,
não mais como isolados culturais, é justamente o quarto ponto, na autoidentificação
dos grupos e da identificação feita pelos outros como sendo parte de uma categoria
de interação. Dessa forma, o autor considera como sendo essencial para a
compreensão da etnicidade e da identidade étnica o processo de formação dos
4 Para Weber (1999) “uma relação social denomina-se de comunitária quando e na medida em que a atitude na ação social (...) repousa no sentimento subjetivo dos participantes de pertencer (afetiva ou tradicionalmente) ao mesmo grupo” (WEBER, ano, p.25). 5 Essa análise de Weber remete à de Eric Hobsbawn, na sua obra “A Invenção das tradições” (p.15, 2012), que depois de analisar o surgimento de tradições inventadas em diversos contextos, ele conclui que a invenção das tradições acontece como um processo de formalização e ritualização que se refere ao passado, mesmo que pela imposição da repetição, que visa inculcar certos valores e normas de comportamento.
13
grupos étnicos, não se considerando mais que esses grupos fossem possuidores de
uma lógica a priori à qual naturalmente pertenceriam.
A etnia se diferencia de cultura, para Barth (1995), porque aquela só existe em
situação de contato intercultural, existe apenas como processo de interação, que
tem como principio elementar a oposição entre grupos organizacionalmente
diferentes. Segundo Poutgnat e Streiff-Fenart (p. 13, 1998), seguidores de Barth na
sua conceptualização de etnicidade, a etnia é orientada pelo passado. Além disso,
os autores consideram como sendo a questão específica dos estudos de etnicidade
“a da fixação dos ‘símbolos indentitários’ que fundam a crença em uma origem
comum” (Idem, Ibidem).
1.3. Roberto Cardoso de Oliveira
Muito próximo das ideias de Barth (1969), o antropólogo brasileiro Roberto
Cardoso de Oliveira vê a identidade étnica como sendo uma “representação
coletiva” de um determinado grupo inserido numa situação de contato (CARDOSO,
1976, p.5, grifo meu). O grupo étnico seria antes uma forma de organização social
do que uma unidade portadora de cultura (CARDOSO, 1976, p. 2/3). Nesse sentido,
a etnia existiria em duas dimensões: 1) identidade (de caráter minoritário, ou seja,
cujos portadores pertenceriam a grupos minoritários atuais ou históricos); 2)
estrutura social (esses grupos comporiam um sistema social de dominação
caracterizado pelo conflito interétnico ou fricção interétnica). (pag??)
Ele defende que é a identidade contrastiva que constitui a essência da
identidade étnica, o “nós” frente aos “outros”6. Nas palavras de Cardoso (1976, p.5),
essa identidade contrastiva é em que “uma pessoa ou um grupo se afirmam como
tais, e o fazem como meio de diferenciação em relação a uma pessoa ou grupo com
que se defrontam. É uma identidade que surge por oposição. Ela não se afirma
isoladamente”. Essa ideia é muito parecida com a formulação que faz Barth, embora
ele não tenha trabalhado essa identidade como conceito e tampouco teoricamente
(CARDOSO, 1976, p.27).
6 Essa relação entre o “nós” e os “outros”, também encontra análise relevante em Norbert Elias, no seu livro
“Estabelecidos e Outsiders”.
14
A situação de contato interétnico, sobretudo quando acontece por meio de
fricção interétnica, é o que produziria a identidade étnica. Esse conceito de fricção
interétnica, criado por Cardoso, é “uma maneira de descrever a situação de contato
entre grupos étnicos irreversivelmente vinculados uns aos outros, a despeito das
contradições – expressas através de conflitos (manifestos) ou tensões (latentes) –
entre si existentes” (1976, p.27).
Em uma relação assimétrica de poder, num sistema social caracterizado pela
dominação, Cardoso pressupõe a existência de “ideologias de caráter etnocêntrico”,
capazes de representar as ações dos grupos em questão, essa identidade étnica
“negaria” a outra numa forma de etnocentrismo (CARDOSO, 1976, p.6).
1.4. Stuart Hall
Essa discussão sobre a etnicidade remete à análise feita por Stuart Hall (2011)
da identidade na pós-modernidade. Segundo o autor, as transformações associadas
à modernidade, como a globalização e as mudanças que ela tem ocasionado (HALL,
2011, p.15), as novas características temporais e espaciais (HALL, 2011, p.68), de
mudanças constantes, rápidas e permanentes, libertaram os indivíduos de seus
apoios estáveis nas tradições e nas estruturas (HALL, 2011, p.25). As identidades
modernas, portanto, estão sendo “descentradas”, deslocadas, fragmentadas, e esse
processo está formando novas identidades cujos aspectos surgem do nosso
“pertencimento” a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e nacionais (HALL,
2011, p.7-9).
Ainda como consequências possíveis dessa globalização sobre as identidades
culturais, Stuart-Hall defende que além de as identidades nacionais terem uma
tendência a se desintegrar, resultado de uma provável homogeneização cultural,
outras identidades “locais” ou particularistas estão sendo reinforçadas pela
resistência à globalização. Novas identidades estão tomando o lugar dessas
identidades nacionais em declínio. A identificação através dos grupos étnicos seria
mais uma das formas de fragmentação dessa identidade.
1.5. Herbert J. Gans
15
Essas ideias nessa perspectiva já ressoavam em 1979 com os trabalhos de
Herbert J. Gans sobre etnicidade. Segundo ele, a turbulência social, cultural e
política da década de 1970 teria posto em dúvida algumas das maneiras pelas quais
as pessoas de identificam e se diferenciam umas das outras. A etnicidade, para ele,
hoje respeitada e não mais causa de conflito, seria idealmente adequada para servir
como uma categoria diferenciadora (GANS, 1979, p.17).
Diferentemente de Stuart Hall, no entanto, Gans (1979) defende que não é um
renascimento das identidades étnicas que está ocorrendo, nem mesmo que elas
estão sendo reforçadas. No seu ponto de vista, o que está acontecendo é uma nova
forma do mesmo comportamento étnico que foi chamado por ele de etnicidade
simbólica. A terceira e a quarta geração de descendentes de imigrantes já não mais
necessariamente identificada como étnica. Isso significa que, caso haja o interesse
de continuar a sentir a identidade étnica, essas gerações devem fazer um esforço
para tornarem essa identidade mais explícita do que ela era no passado, e ainda
procurar por maneiras de expressá-la (GANS, 1979, p.9). A consequência disso para
o comportamento étnico seria 1) que a maioria dessas pessoas, já assimiladas e
aculturadas até certo grau, procurem maneiras fáceis e intermitentes de expressar
as suas identidades, de maneira que elas não conflitem com outras formas de vida;
e 2) que qualquer forma de identidade étnica é valida desde que aumente o
sentimento de “ser étnico” *GANS, 1979, p.9/10)
A hipótese de Gans (1979) é a de que há cada vez menos interesse na cultura
em si e nas organizações étnicas e cada vez mais interesse em manter a essa
identidade étnica e em encontrar maneiras adequadas de senti-la e expressá-la
(GANS, 1979, p.8). Isso porque nem a prática da cultura étnica nem a participação
em organizações étnicas são essenciais para o sentimento de ser étnico (GANS,
1979, p.15).
Segundo as ideias de Gans (1979), a tendência é a de que essa identidade
simbólica ainda persista até a quinta ou a sexta geração (GANS, 1979, p.18/19)
através dos símbolos, já que não é um fenômeno permanente. Alguns padrões que
contribuem para a formação de novos símbolos e que disponibilizam práticas fáceis
devem persistir até essas gerações. Da mesma forma, devem sobreviver
organizações que criam ou distribuem símbolos ou artigos étnicos, como gêneros
alimentícios ou materiais escritos, e que precisam de poucos administradores e
16
poucas despesas financeiras para funcionar. Essas associações deverão negociar,
principalmente, com símbolos, usando-os para gerar suporte para as demais
atividades étnicas (GANS, 1979, p.18). É dessa forma que a demanda por símbolos
étnicos atuais contribuem para a manutenção de pelo menos algumas das velhas
práticas culturais, seja em museus, seja por estudiosos que as mantêm vivas pelo
simples fato de estuda-las (GANS, 1979, p.18).
1.6. Síntese
A primeira ideia do que seria um grupo étnico elaborada por Weber (1913) está
relacionada com a existência de objetos étnicos reais, ou seja, ter “habitus externo”
e/ou costumes em comum. Embora ele considere a possibilidade de grupos étnicos
existirem a partir de “uma crença subjetiva na procedência comum”, como em casos
de colonização e migração, a existência da etnicidade baseada apenas em objetos
simbólicos e fluídos só surge, primeiramente com Barth e mais tarde, dentre outros,
com Cardoso (1976), sendo bastante aprofundado com Gans (1979).
Na pesquisa realizada nesse trabalho, os conceitos que foram mais
operacionais e que mais fizeram sentido, face aos dados que foram coletados, foram
os elaborados por esses três últimos autores. O pensamento de Barth sobre a
autoidentificação dos grupos étnicos, como sendo o bastante para a sua existência
coincide com as elaborações de identidade contrastiva de Cardoso (1976), o “nós”
frente aos “outros”, que ainda hoje é muito relevante para qualquer estudo sobre a
etnicidade. A essas reflexões, as ideias de Gans (1979) acrescentam, ainda, muito
diferentemente de Weber, a não necessidade dos étnicos de praticar uma cultura
específica, tampouco de participar em organizações étnicas para se sentirem
étnicos. É justamente esse sentimento étnico, apoiado pelos símbolos apenas, que
garante a existência de uma identidade étnica.
2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA IMIGRAÇÃO ITALIANA
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2.1. A imigração italiana para o Brasil 7
Em consonância com Oliveira (2009, p.219), podemos concluir que
independente do período histórico ou do modelo em pauta, o Brasil havia
estabelecido uma política de atração de imigrantes, desde os anos de 1820.
Contudo, os principais fluxos migratórios começaram a acontecer a partir de 1860 e
1870, com pico nos anos de 1890 e 1900.
Na história dos processos imigratórios do Brasil é possível perceber que
existiram diferenças nas políticas imigratórias de atração organizadas pelo Império e
pela República e pelas províncias e estados em cada região do país (OLIVEIRA,
2009, p.219). Desde o período imperial, os imigrantes que vinham para o Brasil já
eram destinados a pequenas propriedades para, entre outros fatores, proteger
regiões desabitadas (PETRONE, 1982, p.28).
Paralelamente a esta política, ainda no reinado de Dom Pedro II, a imigração
passou a ter a função de substituir a mão de obra escrava, visto que a escravidão
estava sendo cada vez mais questionada por países interessados na
industrialização, especialmente a Inglaterra. As plantações de café, que estavam se
tornando o novo triunfo econômico do Brasil, necessitavam cada vez mais de
trabalhadores (BEIGUELMAN, 1981, PETRONE, 1982). Já na década de 1840 os
cafeicultores paulistas passaram a disputar os imigrantes com as pequenas
propriedades (PETRONE, 1982, p.8).
Desta forma, a política imigratória brasileira passou a oscilar entre esses dois
modelos até a instauração da República: colonos em núcleos de pequena
propriedade ou imigrantes como trabalhadores agrícolas nas lavouras de café.
Sendo assim, cada província buscou atrair um perfil específico de imigrante.
Levando em conta esse panorama, a partir da década de 1850 o fluxo
imigratório tornou-se realmente significativo (PETRONE, 1982, p.11). Com o temor
de que os imigrantes ocupassem as áreas devolutas que pertenciam ao Estado, a
Lei de Terras foi estabelecida no ano de 1850 pelo governo e pela Assembleia
Geral, com a finalidade de restringir o acesso da população à terra (BEIGUELMAN,
7 Esse texto foi escrito a três mãos por Rafaela Strapasson Tosin (Graduanda em Ciências Sociais na UFPR e ex-
bolsista PIBIC/CNPq), Franciele Lopes (Bacharel em Ciências Sociais na UFPR) e Márcio de Oliveira (Professor
de Sociologia na UFPR e coordenador da pesquisa sobre imigração italiana em Colombo, Paraná).
18
1981). A partir de então, quem quisesse se tornar proprietário de um lote deveria
comprá-lo do governo. A medida previa que os imigrantes só poderiam adquirir
terras após dois anos de moradia no país e que os lotes não poderiam ser
comprados a prazo (BEIGUELMAN, 1981; CENNI, 1975).
Entre 1884 e 1903 entraram no país 1,7 milhão de pessoas (TRENTO, 2000,
p.34). O êxodo de massa, principalmente entre os italianos, que representaram 44%
do total da entrada de estrangeiros no Brasil entre os anos de 1887 e 1902, foi
favorecido pelos financiamentos governamentais já que esses permitiam a
emigração de todo o núcleo familiar e daqueles que não tinham a possibilidade de
pagar a sua passagem (TRENTO, 2000, p.26). Segundo Balhana (1978) a
emigração italiana atingiu 1.356.398 pessoas até 1914. A região da Itália de onde
saiu o maior número de emigrantes foi da Itália setentrional, sobretudo da região do
Vêneto, do qual saíram os imigrantes que foram se estabelecer na região de
Colombo.
Os imigrantes italianos que se instalaram nas colônias do sul seguiram caminhos
completamente diferentes dos que se dirigiram para as fazendas de café (TRENTO,
2000). Após o período da Primeira República - no qual as campanhas imigratórias
para colonizar as regiões desabitadas foram promovidas pelo governo central - cada
estado tornou-se responsável pela promoção da imigração para o próprio território.
Pela inexistência de latifúndios de café nesses estados, eles tomaram um caminho
diferente. Com o tempo as colônias do sul passaram a ter o objetivo de trazer
imigrantes para cultivar e produzir para o desenvolvimento e suprimento destas
localidades. As colônias passaram a estabelecer pequenos proprietários policultores,
que ajudariam no abastecimento das cidades (ALVIM, 2000; TRENTO, 2000).
2.2. A imigração italiana para o Paraná
Foi dentro desse contexto geral que a imigração para a Província do Paraná
se desenrolou. Desde a sua emancipação político-administrativa em 1853 que os
governantes do Paraná tentavam desenvolver uma política imigratória para criar
uma agricultura de abastecimento: “Ao contrário de outras regiões do Império, onde
a imigração se destinava a suprir a carência de mão-de-obra na grande lavoura de
exportação, no Paraná o problema imigratório foi desde logo colocado no sentido de
19
criar-se uma agricultura de abastecimento.” (BALHANA, 2002a: 367). A partir dessa
necessidade, o primeiro Presidente da Província, Zacarias de Góes Vasconcelos
(1853 - 1855), realizou a criação de núcleos coloniais para explorar melhor as terras
paranaenses, assim como para superar a falta de trabalhadores para a construção
de estradas. Segundo Balhana (2002a) ele recebeu instruções do Ministério dos
Negócios do Império para investir mais na criação desses núcleos de colonização
estrangeira.
Diferentemente das outras regiões no Império como São Paulo, o Paraná,
embora tendo grandes fazendas, estava sofrendo com a falta de produtos de gênero
alimentício produzidos na Província, tendo que receber da marinha e por preços
muito altos a maior parte dos produtos agrícolas.
Antes de a Província se separar de São Paulo foram criadas somente três
colônias: a colônia Rio Negro em 1829, a colônia Theresa em 1847 e a colônia
Superaguy em 1852. Elas foram formadas, nesse período inicial, com o objetivo de
povoar os “vazios demográficos”8 (BALHANA, 2002a; MOLETTA e FILHO, 2009).
Nesse mesmo período houve um movimento de reimigração espontânea de
imigrantes alemães de Santa Catarina que se estabeleceram ao redor de Curitiba
(BALHANA, 1987, 2002a).
Nos seus Relatórios anuais, os Presidentes da Província, em 1857 e 1858,
alegam que a Província não tinha uma indústria agrícola para colocar em prática o
sistema de parceria que estava sendo usado em São Paulo e reclamam das
condições de abastecimento, alegando que a vinda de colonos dedicados à
agricultura de subsistência seria a solução desses problemas (BALHANA, 2002a).
As primeiras colônias no litoral paranaense eram de particulares
subvencionados pelo governo Imperial responsáveis por introduzir e estabelecer os
colonos. A ideia de colocar os colonos no litoral veio da esperança de que a
proximidade com o porto de Paranaguá propiciaria produtos mais baratos para o
mercado europeu crescente (MOLETTA e FILHO, 2009).
O processo de colonização no Paraná teve um desenvolvimento maior a partir
de 1870. Nessa década, com Adolpho Lamenha Lins como Presidente da Província,
houve uma dinamização do processo de imigração, com o estabelecimento de 26
8 Lembramos que a ideia de vazios demográficos vincula-se à ocupação de população europeia, mas estava
relativamente povoada com populações quilombolas e indígenas.
20
novos núcleos, sendo a maioria deles na região de Curitiba (BALHANA, 2002a).
Uma nova estratégia foi adotada por ele logo depois de assumir, em maio de 1875: a
de fixar os colonos próximos da capital com a intenção de suprir o mercado local de
produtos agrícolas (MOLETTA e FILHO, 2009). Balhana afirma que:
“observando o êxito alcançado pela colonização espontânea, no rocio de Curitiba, que propiciou melhoras sensíveis nas técnicas agrícolas e aumento da produção, o governo Provincial elabora e põe em execução um plano colonizador, destinado a criar uma agricultura de abastecimento, atendendo às condições peculiares da Província” (BALHANA, 2002a:401).
2.2.1. Duas colônias importantes
Duas colônias foram marcantes na história da imigração italiana para o
Paraná: a colônia Alexandra e a colônia Nova Itália. A colônia Alexandra, em
Paranaguá, foi a que teve menos sucesso de todas. O proprietário foi o italiano
Sabino Tripotti, que ganhou um contrato do governo imperial logo depois que
chegou ao Brasil, em 1871, e mostrou ao Ministério da Agricultura o trabalho que
tinha realizado na Argentina (MOLETTA e FILHO, 2009). Em fevereiro de 1872 foi
fundada a colônia Alexandra. O terreno de má qualidade, os aspectos climáticos,
muito diferentes do que os imigrantes estavam acostumados, os insetos típicos do
clima tropical, que afetavam não somente os colonos, mas também suas plantações,
já eram fatores que dificultavam o progresso da colônia (BALHANA, 2002a).
Somado a isso, a principal cláusula do contrato não havia sido cumprida: a
construção da estrada que ligava a colônia ao porto não havia sido realizada.
Não bastassem todos esses complicadores, Tripotti alegou que havia
algumas falhas no contrato. Entre elas, não estava claro quem pagaria as despesas
iniciais até o assentamento dos colonos. Mesmo depois que o contrato foi reescrito,
houve um erro de cálculo que diminuía pela metade o reembolso dessas despesas
iniciais. Por conta disso, Tripotti racionou, dentre outras coisas, a comida dos
colonos que muitas vezes passaram fome. Essa situação precária da colônia,
juntamente com as revoltas dos imigrantes ainda na Itália contra os agentes de
Tripotti, que estavam cobrando metade das passagens dos imigrantes, fez com que
em 1877 o contrato fosse cancelado (MOLETTA e FILHO, 2009), além de todos os
seus bens confiscados pelo governador (BALHANA, 2002a).
21
Para resolver a questão do assentamento das famílias descontentes que
estavam abandonadas na colônia Alexandra, a colônia Nova Itália foi fundada no
ano de 1877 em Antonina. Mesmo assim, os colonos sofriam muito com o clima
quente do verão, com a febre amarela, com as moscas, os mosquitos e os bichos-
de-pé, com a falta de comida e agasalho, com o mau uso do dinheiro pelos
funcionários responsáveis pela colônia, etc. Segundo Alvin (2000), os abrigos
provisórios só começaram a ser construídos quando já havia mais de mil imigrantes
na colônia.
Depois de instalados, finalmente, nos lotes prometidos, os imigrantes
deveriam plantar e desmatar mil braças quadradas, construir uma morada
permanente de pelo menos 400 palmos quadrados, abrir caminho que delimitasse
seus lotes e manter um desmatamento periódico até o final dos primeiros seis
meses. Caso não cumprissem essas obrigações estabelecidas por contrato,
oficialmente, eles perderiam os melhoramentos e as parcelas já pagas. Como o
governo demorava até mais de seis meses para se quer demarcar os lotes, essas
exigências não eram cobradas rigorosamente. Além disso, os imigrantes que
conseguiram colher alguma coisa o faziam com a ajuda dos negros e caboclos, que
ensinavam aos recém-chegados técnicas de agricultura, davam-lhes alimentos e os
ajudavam na escolha da madeira e na construção de casas (ALVIN, 2000).
Por contrato, os imigrantes tinham o direito de trabalhar seis meses na
construção de estradas de ferro, que além de servir de renda para os imigrantes, era
mão-de-obra barata e local para os Presidentes da Província. Em alguns casos os
seis meses acabavam e os imigrantes ainda não estavam instalados em seus lotes,
e quando tomavam posse definitiva destes, já não tinham mais o direito de trabalhar
nas ferrovias. Sem nenhum tipo de renda, eles dedicavam-se exclusivamente para a
agricultura de subsistência, primeiro porque precisavam alimentar suas famílias, e
segundo porque, devido ao isolamento, não conseguiam comercializar seus
produtos (TRENTO, 1898; ALVIN, 2000).
Um episódio em especial, ocorrido na colônia Nova Itália, deve ser ressaltado,
não só porque se trata de uma demonstração do descontentamento dos colonos,
como também os atores foram justamente aqueles que se instalaram, mais tarde, na
região que hoje chamamos de Colombo. Exaltados com as medidas tomadas pela
Província para punir os responsáveis pelo desvio de verbas destinadas à colônia,
22
um grupo de imigrantes italianos nomeados de “a turma do padre Cavalli”, em 1877,
rebelaram-se para pedir a volta do conterrâneo agrimensor Ernesto Guaita que fora
demitido, acusado de mau uso do dinheiro. Este chegou a desafiar o agrimensor
brasileiro para um duelo alegando que só assim lavaria a sua honra (GROSSELI
apud MOLETTA, 2009, p.141).
Segundo Balhana (2002), o padre Angelo Cavalli, que liderava esse grupo, foi
proibido pelos seus superiores em sua terra natal de exercer as atividades pastorais.
Isso ocorreu pelo seu envolvimento no recrutamento de aproximadamente 200
famílias de sua região para sair da Itália em um período que a imigração ainda era
vista como sinal de miséria. A partir de 1870, grupos de intelectuais católicos
europeus passaram a debater amplamente a questão da imigração, o que levou à
alta hierarquia eclesiástica a prestar atenção a elas, que antes eram apenas de
âmbito do baixo clero. Como consequência desses debates, as elites leigas e
religiosas passaram, com o tempo, a aceitar o fenômeno imigratório sem
constrangimento ou vexame. A imigração deixa de ser vista, então, como indicador
de miséria que envergonharia a nação, e aqueles que partiam para o exterior não
deveriam mais ser ignorados pela comunidade eclesiástica ou rejeitados por aqueles
que permaneciam na pátria.
No final de 1877 mais de 800 famílias estavam na miséria na colônia Nova
Itália, sem roupas e sem sementes para plantas. Os colonos estavam muito
descontentes, alguns queriam voltar para a Itália, outros exigiam serem assentados
em outros locais. A Província do Paraná, provavelmente alertada pelo Consulado
Italiano do Rio de Janeiro de que muitas famílias desejavam voltar a sua terra natal,
disponibilizou carroças para que os imigrantes pudessem subir a serra pela Estrada
da Graciosa. Algumas poucas famílias ainda ficaram no litoral, enquanto outras
voltaram, de fato, para a Itália (MOLETTA e FILHO, 2009).
2.2.2. Nos arredores de Curitiba
A ideia de recolocar os imigrantes ao redor de Curitiba, como já mencionado
antes, era a de suprir uma demanda do mercado consumidor da capital por produtos
de primeira necessidade. Soma-se a isso o fato de que as colônias estabelecidas
23
anteriormente ao redor de Curitiba pela imigração espontânea estavam
prosperando.
Até 1873, 809 imigrantes chegaram espontaneamente na Província do
Paraná (Relatório de 1873). No Relatório de 1875, verifica-se que dos 2.633
imigrantes que viviam na Província até aquela data, 2.000 estavam localizados nos
arredores de Curitiba. Foi nesse momento que a figura de Lamenha Lins, presidente
da Província entre maio de 1875 e janeiro de 1878, fez-se crucial para a continuação
da imigração para Curitiba. Segundo Oliveira (2009), o Presidente atribuiu o sucesso
das primeiras colônias polonesas a sua proximidade com a capital, e agiu no sentido
de apoiar e direcionar essa imigração espontânea. Durante a sua presidência, ele
custeou a viagem dos novos imigrantes dos Portos de Paranaguá, no Paraná, e São
Francisco, em Santa Catarina, até Curitiba, estimulou a criação de novas colônias
nos arredores da capital e cuidou da sua infraestrutura e acesso. Por todos esses
motivos que:
Lins foi de fato o primeiro presidente de província a estabelecer, em termos econômicos e políticos, a relação positiva entre colonização do território, desenvolvimento rural e imigração. Mas não seria exagero dizer ainda que sua ação ideológica e prática rompeu, ainda que brevemente, com a dicotomia entre “imigração espontânea” e “imigração oficial”(OLIVEIRA, 2009:233).
Chegando ao planalto de Curitiba, as dificuldades não haviam acabado. As
hospedarias dos imigrantes em Curitiba eram precárias em sem conforto. Varias
pessoas passaram meses na hospedaria, sem serem transferidas para os lotes
prometidos, o que acabou, novamente, causando tensões, fazendo os imigrantes
pegarem em armas para exigir aquilo que lhes havia sido prometido (MOLETTA e
FILHO, 2009).
Mais tarde, em 20 de fevereiro de 1890, é fundada a Colônia Cecília, no
município de Palmeiras, considerada a primeira tentativa efetiva de implantação dos
ideais anarquistas no Brasil. O seu idealizador Giovanni Rossi vem, acompanhado
de alguns amigos, depois de ter tentado uma experiência de sociedade comunitária
na Itália, tentar fundar uma colônia anarquista. No ano seguinte a sua fundação, a
colônia já abrigava 150 habitantes. Faltava, no entanto, ferramentas de trabalho,
matérias-primas e dinheiro, e a ideia de uma organização anarquista, que estivera
24
na base da sua formação, não parecia ir adiante. Todos esses fatores levaram a
colônia a deixar de existir logo em 1894 (TRENTO, 1989).
Segundo Trento (1989), os imigrantes tinham de enfrentar, logo que
chegavam, a desorganização dos núcleos coloniais, tanto dos que eram públicos
quanto dos privados. Em primeiro lugar, o tempo de seis meses durante o qual os
colonos recebiam o subsídio começava a contar a partir do momento que os
imigrantes chegavam, e não depois que eles ocupavam o lote. Muitas vezes esse
benefício espirava antes que os colonos estivessem em seus lotes. Em segundo
lugar, além de demorarem muito para fazer a demarcação do corte dos lotes, o
pessoal técnico responsável não seguia critérios econômicos e geológicos na
subdivisão dos terrenos, que tinham todos a mesma área independentemente da
localização, fertilização do solo, facilidade de acesso, presença de rios, etc. Por fim,
mas não esgotando as dificuldades encontradas pelos colonos, as sementes para o
plantio e ferramentas demoravam para chegar, assim como atrasava o pagamento
pelo trabalho nas obras públicas.
Ciente das dificuldades encontradas pelos colonos, o governo era elástico na
cobrança das dívidas, deixando passar anos antes de cobrá-las. Por vezes, trechos
de estradas eram completados a altos custos para manter esses colonos
empregados nas obras públicas (TRENTO, 1989; BALHANA, 2002b).
3 A CIDADE DE COLOMBO HOJE E O CIRCUITO ITALIANO
3.1. História de Colombo 9
Os primeiros imigrantes italianos que se estabeleceram em Colombo eram em
sua maioria oriundos da região do Vêneto na Itália (86,6% segundo o Guia Histórico-
Cultural de Colombo, 2011). Eles chegaram em Paranaguá em 1877 e foram no
mesmo ano estabelecidos na Colônia Nova Itália, em Morretes. Conforme mostram
os registros de chegada disponíveis do Arquivo Público do Paraná10, o tempo de
permanência nas colônias litorâneas não excedeu aos 12 meses. Após se
9 Dois pesquisadores devem ser citados quando se fala da história da Colombo, embora não esteja presente neste trabalho, por seus esforços em estuda-la detalhadamente: MACHIOSKI, Fábio Luiz e MASCHIO, Elaine Cátia F. 10 http://www.arquivopublico.pr.gov.br/
25
recusarem a se estabelecer na Colônia Novo Tirol em Piraquara, esses imigrantes,
liderados pelo Padre Ângelo Cavalli, foram transferidos11 finalmente para a região de
Colombo em 1878, assim que o rancho (chamado de Barracão de Butiatumirin), que
os abrigaria temporariamente, ficou pronto (FERRARINI, 1992, p.113).
Essa primeira e principal colônia criada em Colombo, a Colônia Alfredo Chaves,
situada a 30 km do centro de Curitiba, recebeu originalmente 162 imigrantes (48
homens e 42 mulheres adultos e 72 crianças de ambos os sexos), para os quais
foram destinados 40 lotes urbanos e 40 lotes rurais. Todos eles eram originários de
colônias situadas no litoral do estado tendo desembarcado em Curitiba e
redirecionados a colônia Alfredo Chaves no correr do ano de 1878.
O governo autorizou imediatamente a construção de 40 casas para as famílias
abrigadas até então no rancho, mas, segundo o jornal “Dezenove de Dezembro” em
sua edição de 23/01/1879 , devido à demora na finalização dessas casas, os
colonos se apropriaram das madeiras do Governo e terminaram eles mesmos suas
casas (FERRARINI, 1992, p.118)
Com a melhoria da estrada que ligava a colônia a Curitiba, em meados do ano de
1880, a vida dos colonos melhorou bastante com a maior facilidade de vender seus
produtos nos mercados consumidores de Curitiba.
Em 1886, foi fundada uma segunda colônia na região de Colombo de nome
Colônia Presidente Faria, disponibilizando 50 lotes para 173 imigrantes de diferentes
nacionalidades, incluindo muitos italianos. Dois anos depois, outra pequena colônia
é criada: a Colônia Eufrásio Correa (atualmente bairro Capivari), intimamente ligada
à Colônia Alfredo Chaves devido a sua proximidade. Entre os anos de 1898 e 1899,
a região recebeu novos imigrantes e foi criada a Colônia Antônio Prado, formada por
italianos e poloneses, divididos em 37 famílias estabelecidas em 37 lotes dos 59
disponíveis (FERRARINI, 1992, p.183-224).
Em 1905, é fundada a “Sociedade Italiana Cristóvão Colombo”, sede da Escola
Italiana dedicada ao ensino, inicialmente ministrado em língua italiana até a
Segunda Guerra Mundial, quando o uso de línguas estrangeiras foi proibido
(FERRARINI, 1992, p.504). Os professores, “maestros”, eram escolhidos pelos
imigrantes dentre os seus. O primeiro deles foi João Baptista Lovato, segundo relato
11 Os registros históricos consultados no Arquivo Público do Paraná informam como “abandono Curitiba” em proveito da nova colônia criada.
26
de um dos imigrantes que era estudante na época (FERRARINI, 1992, p.466). Em
1909, Francisco Busatto, depois de ter sido naturalizado brasileiro, torna-se o
primeiro imigrante italiano a exercer o cargo de Prefeito de Colombo.
A participação dos colonos nas indústrias e na agricultura foi intensa.
Primeiramente dedicados à agricultura de subsistência, vendendo o que sobrava
para os mercados de Curitiba, a segunda geração de italianos contribuiu muito com
a industrialização, com a criação de moinhos de fubá, fábricas de louça, indústrias
de vidro, serrarias, entre outras. As mineradoras de calcário também foram
abundantes e são até hoje fonte de riqueza para o município.
3.2. O município hoje
Dentre os municípios da Região Metropolitana de Curitiba, Colombo foi o de
maior taxa de crescimento durante as décadas de 1970 e 80. A cidade recebeu uma
imensa quantidade de pessoas vindas de várias regiões do Brasil, mas sobretudo do
interior do Paraná. Essa população ocupa áreas loteadas contínuas de Curitiba em
bairros como o Alto Maracanã, Guaraituba e Jardim Osasco (Guia Histórico-Cultural
de Colombo, 2011). Atualmente a população do município é de 212.967 habitantes.
Muitas festas e eventos culturais, ainda hoje, indicam a manutenção de práticas
sociais, culturais e econômicas ligadas aos primeiros imigrantes italianos que
colonizaram a região: a Festa da Uva e a Festa do Vinho, as associações étnicas
(Associação Italiana Padre Alberto Casavecchia e Associazione Veneti nel Mondo
de Colombo12), festas de igrejas e outros eventos ligados à cultura italiana, como a
Settimana Italiana di Colombo, que acontece todo ano desde 2006.
FIGURA 1 – LOCALIZAÇÃO DA CIDADE DE COLOMBO (RMC)
12 LOPES, Franciele A. A (re)descoberta da italianidade: o papel das associações étnicas culturais na cidade de Colombo/PR. Monografia (Graduação em Ciências Sociais) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012.
27
Fonte: http://www.guiageo-parana.com/mapas.htm (13/05/2013)
3.3. O Circuito Italiano de Turismo Rural 13
Uma das primeiras iniciativas que buscaram valorizar e destacar a cultura local
do município de Colombo, transformando-a em um produto econômico e turístico, foi
a criação do Circuito Italiano de Turismo Rural. O Circuito foi implantado em
fevereiro de 1999 pela Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio
Ambiente de Colombo em parceria como a Coordenadoria da Região Metropolitana
(COMEC), EMATER-PR14 e as empresas públicas “Eco Paraná”15 e “Paraná
Turismo”16, com base em projeto desenvolvido pelo Estado do Paraná. O projeto
original gestado em 1998 previa a criação de um anel de turismo no entorno da
cidade de Curitiba. O município de Colombo foi assim escolhido através de estudo
que identificou de um lado, o potencial turístico de empresas, sobretudo restaurantes 13 Trecho de artigo escrito a oito mãos e apresentado no I Seminário Arquivo Virtual Histórias Migrantes (USP) por Rafaela Strapasson Tosin (Graduanda em Ciências Sociais na UFPR e ex-bolsista PIBIC/CNPq), Franciele Lopes (Bacharel em Ciências Sociais na UFPR) Wilson A. Barbieri (graduando em Ciências Sociais na UFPR) e Márcio de Oliveira (Professor de Sociologia na UFPR e coordenador da pesquisa sobre imigração italiana em Colombo, Paraná). 14
Criada em 1977 sob a denominação de Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural, teve seu regime jurídico alterado em 1995, passando a denominar-se Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural. Para maiores informações, ver o sítio www.emater.pr.gov.br 15 O Serviço Social Autônomo EcoParaná foi criado por lei estadual em 1998. Atua em conjunto com a Secretaria Estadual de Turismo do Paraná. Para maiores informações, ver o sítio www.ecoparana.pr.gov.br 16 Criada por lei estadual em 1995, a Paraná Turismo é uma empresa pública cuja função é executar a política estadual de turismo, estando subordinada à secretaria de estado de mesmo nome, SETU. Para maiores informações, ver o sítio www.setu.pr.gov.br.
28
e atividades afins, ali já instalados e, de outro, a fragilidade do ecossistema e a
presença de mananciais importantes para a região metropolitana de Curitiba. Em
termos oficiais, como se pode ler no sítio da Prefeitura de Colombo ainda hoje, seu
objetivo é “preservar o meio ambiente, geração de empregos e renda nomeio rural,
iniciando assim um processo de desenvolvimento através de ações de
comercialização de produtos e serviços na pequena propriedade, evitando o êxodo
rural”17.
A população rural de Colombo vem declinando continuamente nas últimas
décadas. Era de 18.166 habitantes em 1970 e não passava de 8.367 habitantes em
2000. Não obstante, o declínio das populações rurais nos municípios do estado é
fenômeno recorrente e, por si só, não justificaria a criação do Circuito. Com efeito,
embora pensado como um “circuito rural”, ou seja, um itinerário que o visitante pode
fazer a seu critério, o objetivo principal era fomentar a economia local através da
atração de novos consumidores e turistas. A questão étnica, segundo entrevistas
realizadas por Candiotto (2009; 2010) com os técnicos das empresas e órgãos
públicos que trabalharam na elaboração do projeto, nunca esteve presente18.
Contudo, no intuito de chamar atenção para o local, optou-se por colocar em
evidência, em ação de puro marketing, a imigração italiana.
Originalmente, diversos estabelecimentos privadas, já existentes e com potencial
turístico evidente, foram convidados pela Prefeitura de Colombo a ingressarem no
Circuito, o que se fazia sem custo algum. Treze estabelecimentos responderam
afirmativamente ao convite enquanto outros – como por exemplos as Vinícolas
Seccon e Cavalli – optaram para analisar os resultados da iniciativa antes da tomada
da decisão final. Como se pode ver no quadro abaixo, outras empresas de fato
associaram-se e logo mais de 40 pontos turísticos ofereciam aos visitantes a
oportunidade de conhecer lugares históricos e o museu da imigração, contemplar as
belezas naturais, realizar atividades recreativas, consumir produtos locais, comidas
típicas e vinho, além de conhecer a história e herança deixada pelos primeiros
imigrantes italianos através de seus costumes, religiosidade, arquitetura e folclore.
17 Informações extraídas da página web no sítio http://www.colombo.pr.gov.br/pagina.asp?id=169. 18 Esse autor identificou ainda interesse particular de alguns técnicos, também proprietários de estabelecimentos comerciais e terrenos imobiliários na região, em dinamizar a economia local, como forma de valorização de seus bens. Essa hipótese, contudo, não foi totalmente demonstrada.
29
Quadro 1 – ESTABELECIMEN TOS ASSOCIADOS AO CIRCUITO, 2007 -2011
2007 2011
1 Vinícola José Secon *
2 Vinícola Dirceu Cavalli Vinícola Dirceu Cavalli
3 Vinícola Odilon Cavalli Vinícola Odilon Cavalli
4 Vinícola Pedrinho Strapasson Vinícola Pedrinho Strapasson
5 Vinícola Franco-Italiano Vinícola Franco-Italiano
6 Chácara Morango Natural Chácara Morango Natural
7 É da Pam É da Pam
8 Sítio Mãe Terra Sítio Mãe Terra
9
Pesque-Pague e Colhe-Pague Gasparin e
Filhos
Pesque-Pague e Colhe-Pague Gasparin e
Filhos
10
Pesque-Pague e Parque Aquático Sítio das
Palmeiras
Pesque-Pague e Parque Aquático Sítio das
Palmeiras
11 Pesque-Pague do Didi *
12 Mundo Mel Espaço Rural *
13 RSR Chinchilas *
14 Parque de Eventos Sítio da Caqui *
15 Chácara Nativa *
16 Moinho Artesanal Moinho Artesanal
17 Restaurante e Vinícola Passárgada Restaurante e Vinícola Passárgada
18 Ristorante Grande Famiglia *
19 Restaurante Piato Nobile *
20 Casa Nostra Café Colonial *
21 Restaurante Bosque Italiano Restaurante Bosque Italiano
22 Art Plant *
23 Giardinho D'agostina Bromélias *
24 Chácara Gueno Chácara Gueno
25 Pousada Sítio da Alegria Pousada Sítio da Alegria
26 Estancia Roseira Estancia Roseira
27 Curitiba Parque Hotel *
28 Hotel e Churrascaria Bela Vista *
29 Hotel Estância Betânia *
30 Hotel Quintas de Bocaiuva *
31 * Vinícola Cavalli
32 * Vinícola Gasparin
33 * Paladar Vinhos e Queijos
34 * Pesque-Pague Morro das Pedras
30
35 * Chácara Engenho Verde
36 * Conservas Poli
37 * Da Cantina
38 * Casa Lare Del Nono
FONTE: Guia Circuito Italiano de Turismo Rural 2011; CAMARGO (2007);
CANDIOTTO (2010).
Embora tendo sido apresentado como italiano, o Circuito não pretendeu
restringir-se aos descendentes de italianos, seja do próprio município, seja ainda de
outras regiões do estado. Com efeito, o exame dos diversos estudos que
analisaram o Circuito, seja do ponto de vista da expansão do turismo local, seja
ainda procurando entender a mudança no padrão das atividades agrícolas e
comerciais (NITSHCE, 2000, 2010; LANNES, 2003; CAMARGO, 2007; ARTIGAS,
TEIXEIRA E ALVES, 2009; CANDIOTTO, 2009; 2010), a discussão sobre a questão
étnica ou mesmo sobre o resgate das origens italianas do município aparece, senão
ausente, como aspecto secundário, a maioria deles segue, justamente, a
perspectiva do turismo, mais especificamente do turismo rural. Apenas Candiotto
(2010) se aproxima da perspectiva sociológica, fazendo um estudo dos agricultores
participantes do Circuito e classificando-os em agricultores familiares ou empresários
a partir de critérios pré-estabelecidos por ele, mas a discussão sobre a questão
étnica ou mesmo sobre o resgate das origens italianas do município, que é o
interesse dessa pesquisa, também está ausente.
Em síntese, hoje, excluindo-se os estabelecimentos públicos como parques e
museu, o Circuito conta com 23 estabelecimentos particulares, em diversos ramos
comerciais conforme quadro abaixo.
Quadro 2 – LISTA DE ESTABELECIMENTOS POR RAMO DE ATIVIDADE (2012)
1 Vale dos Sonhos - Parque das Artes Chácara
2 Estância Roseira Chácara
3 Chácara Gueno Chácara
4 Vinícola Pedrinho Strapasson Vinícola
5 Vinícola Odilon Cavalli Vinícola
6 Vinícola Dirceu Cavalli Vinícola
7 Vinícola Franco Italiano Vinícola
31
8 Vinícola Gasparin Vinícola
9 Paladar Vinhos e Queijos Vinícola
10 Pesque-Pague e Colhe-Pague Gasparin e Filhos Pesque-Pague
11 Pesque-Pague Morro das Pedras Pesque-Pague
12 Pesque-Pague Sítio das Palmeiras Pesque-Pague
13 Casa Lare Del Nono Parque Aquático
14 Chácara Engenho Verde Produtos Orgânicos
15 Chácara Morando Natural Produtos Orgânicos
16 Sítio Mãe Terra Produtos Orgânicos
17 Pousada Sítio da Alegria Hotelaria
18 Conservas Poli Produtos Agroindustriais
19 Moinho Artesanal Produtos Agroindustriais
20 Da Cantina Produtos Agroindustriais
21 Restaurante Rural Bosque Italiano Restaurante
22 Restaurante Rural e Café Colonial É Da Pam Restaurante
23 Pasárgada Restaurante Rural & Vinícola da Colônia Restaurante
FONTE: Guia Circuito Italiano de Turismo Rural (2012)
Nota-se que as atividades agrícolas continuam sendo o enfoque principal do
Circuito, respeitando assim sua origem. Mas tanto em seu início quanto nos dias de
hoje, pertencer ao Circuito apresenta-se fundamentalmente como uma opção
econômica. Assim, é de se pensar se a italianidade teve de fato um papel importante
nas decisões dos proprietários dos estabelecimentos.
A análise teve por objetivo verificar o peso das questões culturais e étnicas na
decisão de ingressar e/ou de permanecer no Circuito, para além das vantagens
comerciais que estão na origem de sua criação. Da mesma forma, procuramos
estabelecer um paralelo entres os atuais proprietários de estabelecimentos e a lista
dos imigrantes que fundaram a cidade de Colombo, tendo por base os sobrenomes
dos proprietários dos estabelecimentos, em comparação com a lista dos imigrantes
pioneiros que reconstruímos na primeira fase da pesquisa19.
4 A ITALIANIDADE E O QUE PENSAM OS PARTICIPANTES DO CITUR
19
Em que pese problemas oriundos da grafia de certos nomes, a análise de nomes já foi testada em diversas
pesquisas no estado, sempre com bastante sucesso. Para maiores detalhes, ver Balhana (2003: 326, vol. 2).
32
Os participantes do Circuito Italiano de Turismo Rural foram escolhidos como
objeto de estudo desse trabalho para verificar se o fato de serem descendentes de
italianos teve alguma importância na hora de aderir ao Circuito e se o fato de ser um
Circuito Italiano é apresenta algum tipo de relevância, seja pessoal, seja cultural,
seja, ainda, econômica, para eles ou não.
Na primeira etapa da pesquisa, o Arquivo Público do Paraná foi investigado com
a intenção de encontrar as famílias, a origem e as datas de chegada dos imigrantes
na região. Foram investigados os livros nos quais os imigrantes eram cadastrados,
tanto na sua chegada ao porto de Paranaguá quanto às estalagens nas quais os
imigrantes ficavam antes de serem instalados em suas terras. A partir disso, criou-se
uma lista de sobrenomes das famílias italianas que se estabeleceram em Colombo
nesse período de grande imigração, entre as décadas de 1870 e 1890.
Na segunda etapa da pesquisa, foram aplicados, dentre os anos de 2011 e 2013,
dois questionários diferentes (Questionário 1 e Questionário 2) aos participantes do
Circuito Italiano de Turismo Rural que se disponibilizaram para tal. Na primeira parte
dessa segunda etapa (Questionário 1), foram aplicadas entrevistas pessoais com
base em um questionário padrão com questões fechadas e abertas a 20 dos 23
proprietários dos estabelecimentos participantes do Circuito20. O foco dessas
entrevistas era realmente para mapear de uma maneira geral os participantes, além
de fazer uma primeira investigação quanto aos motivos que levaram a cada um
participar desse Circuito, e se isso teve qualquer ligação com o fato de serem
descendentes italianos (quando o eram) ou se foram apenas motivações
econômicas.
Na segunda parte dessa etapa (Questionário 2), também foi utilizado um
questionário padrão de questões abertas e fechadas, mas aplicado somente aos
membros que eram descendentes de italianos, a fim de realizar uma análise mais
aprofundada sobre a possível existência da ligação com uma possível identidade
étnica por parte dos participantes, investigando seu conhecimento da história da
família, se tinham contato com a cultura italiana por rádio, televisão, jornal ou
20
A totalidade de entrevistas possíveis, em ambos os questionários não foi atingida devido à diversos motivos:
em um dos casos o proprietário estava viajando e só conseguimos entrar em contato com funcionários; em
outro caso, o proprietário não disponibilizou tempo para a entrevista; em outros ainda não se conseguiu entrar
em contato com um dos proprietários, embora tenham sido usados vários meios para tal, como telefone,
celular e e-mail.
33
internet, sobre quais seriam as características típicas de um descendente italiano e
se existia alguma diferença notável entre estes e os não descendentes, sobre o que
representaria para eles e elas ter descendência italiana, etc.
4.1. Os participantes do CITUR e suas propriedades
A Casa Lare del Nono era, antes de ser aberta ao público, primeiramente um
terreno para a agricultura de subsistência e alguns anos depois uma chácara de uso
exclusivo da família de Gisele Aparecida Mocelin Polli (45), atual proprietária e quem
foi entrevistada por nós. O terreno foi herdado do bisavô que era um dos imigrantes
italianos a se estabelecerem em Colombo. Hoje é um local para lazer, com piscinas,
campo de futebol, quadra de vôlei, churrasqueiras e restaurante para almoço,
abertos somente nos finais de semana.
FIGURA 2 – FACHADA DA CASA LARA DEL NONO
Fonte: http://www.casalaredelnono.com.br/ (13/05/2013)
A Chácara Morango Natural é do proprietário José Neuri Maschio (60), que
juntamente com sua esposa Vera Lúcia Maschio (56) há 18 anos trabalham com
produtos orgânicos. Segundo o relato dos dois, “desde sempre” trabalhavam com a
agricultura (há mais de 40 anos), e há quase duas décadas iniciaram a produção de
orgânicos, sobretudo o morango. A loja fica na mesma propriedade da a casa da
família, cujo terreno foi herdado dos avós imigrantes italianos de Neuri.
FIGURA 3 – PRODUTOS DA CHÁCARA MORANGO NATURAL
34
Fonte:http://diariodecolombo.com.br/2012/08/13/e-tempo-de-morango-em-colombo/
(13/05/2013)
A Da Cantina é hoje uma empresa de produtos artesanais, como geleias, sucos e
conservas, que além de vender os seus produtos nos demais estabelecimentos do
Circuito, tem uma parceria comercial com a empresa La Violetera. No início, a
proprietária Vera Lovato fazia doce e suco de uva em casa, porque, segundo ela,
assim que engravidou, por falta de transporte, não conseguiu ninguém para ajudar
no cuidado com o filho e com a casa. Por esse motivo ela começou a produzir em
casa para vender, depois expandindo para legumes em conserva, sobretudo a
alcachofra em conserva que ela diz ser “um produto bem italiano”. O terreno em que
hoje fica a fábrica costumava ser do bisavô de Vera, que era imenso, mas foi se
dividindo entre os filhos e netos, fazendo com que todas as famílias que habitam
naquela região têm Lovato como sobrenome.
FIGURA 4 – PRODUTOS DA CANTINA
Fonte: http://portal.colombo.pr.gov.br/?p=4628 (13/05/2013)
O Moinho Artesanal funciona há 23 anos, inaugurado pelo pai falecido da atual
proprietária, Denise Gasparin (33). Inicialmente possuía um pequeno moedor, mas
hoje já é utilizado um maior, mais mecanizado (ver na Figura 5). O principal produto
35
para a venda é a quirera e o fubá, inclusive o fubá de milho branco para a polenta
branca, tão comum entre os descendentes de italianos em Colombo.
FIGURA 5 – MOINHO DO ESTABELECIMENTO MOINHO ARTESANAL
Fonte: http://portal.colombo.pr.gov.br/?p=4628 (13/05/2013)
O Pesque-Pague Colhe-Pague Gasparin e Filhos atua nesse ramo desde 1994,
segundo o proprietário, com a ajuda, principalmente, da prefeitura e da EMATER.
Antes disso o proprietário José Adir Gasparin (67) trabalhava apenas com a
agricultura, no mesmo terreno, herdado do avô, em que hoje é o pesque-pague e
colhe-pague, e transporte com caminhões. Além de disponibilizar a pesca e os
produtos da agricultura, todos os sábados ele e a família (mulher, filhos, noras,
netas) servem almoço.
FIGURA 6 - TANQUES DO PESQUE-PAGUE COLHE-PAGUE GASPARIN E
FILHOS
Fonte: http://portal.colombo.pr.gov.br/?p=4618 (13/05/2013)
O Pesque-Pague Sítio das Palmeiras pertence a Pedro Antonio Rosenente (59).
O terreno onde fica esse estabelecimento foi, segundo Pedro, comprado de uma tia
sua. Antes de pertencer à tia, o terreno era do bisavô, imigrante italiano, passando
36
para o pai e para a irmã do pai. Inicialmente trabalhavam somente com a agricultura,
mudando para o pesque-pague como proposta para participação do Circuito.
FIGURA 7 – TANQUE DO PESQUE-PAGUE SITIO DAS PALMEIRAS
Fonte: http://portal.colombo.pr.gov.br/?p=4618 (13/05/2013)
A Vinícola Cavalli existe há 35 anos. O terreno onde ela se encontra era do
bisavô do atual proprietário, esposo de Regina Mottin Cavalli (56) com que
conversamos. Segundo ela, desde que o bisavô do marido ganhou as terras, já se
plantava uva e já se fazia a produção de vinho, tanto para consumo próprio como
para vender. A Vinícola vende hoje vinho, graspa, salames e outros produtos
terceirizados.
FIGURA 8 – ANTIGOS TONEIS UTILIZADOS NA PRODUÇÃO DE VINHO NA
VINÍCOLA CAVALLI
Fonte:http://www.nacozinhabrasil.com/2009/04/circuito-italiano-de-colombo-pr.html
(13/05/2013)
A Vinícola Franco Italiano surgiu da união dos pais de Fernando Camargo (32),
com quem conversamos. A mãe dele é descendente de italianos e o pai de
franceses, e ambas as famílias foram estabelecidas na região de Colombo e ambas
37
produtoras de vinho. Com a criação da vinícola, os dois terrenos continuam sendo
utilizados para o plantio da uva, embora eles tenham que comprar uva terceirizada
para a produção de vinhos específicos. A Vinícola Franco Italiano é uma das poucas
que produz vinhos finos, a maioria das vinícolas produz vinhos coloniais apenas. O
terreno onde é hoje a vinícola pertencia à parte francesa da família de Fernando.
Segundo ele, o bisavô, João Rausis Neto, possuía, em 1878, uma imensa
quantidade de terras, aproximadamente de aproximadamente 8 km de extensão na
direção da Rodovia da Uva. Isso se deu, segundo o relato de Fernando, devido a um
acordo com os cartórios de Curitiba, o que fez com que o bisavô possuísse a grande
maioria do total de terras em Colombo. De tanta terra que possuía, ela foi sendo
vendida por preços ínfimos ou mesmo apostada em jogos. Além da produção de
vinhos, a vinícola também produz espumante: o Fernando, juntamente com o
proprietário da Vinícola Gasparin, Igor Pavin, fez um curso de especialização na de
linha de espumantes, em Champange, na França. São vendidos no mesmo local
outros produtos, como o doce de uva produzidor por eles mesmo, conservas,
salames, etc.
FIGURA 9 – VINÍCOLA FRANCO ITALIANO
Fonte: http://portal.colombo.pr.gov.br/?p=4604 (13/05/2013)
A Vinícola Gasparin surgiu há cerca de 10 anos atrás, com o sogro falecido do
atual proprietário, Igor Pavin (33). Assim que o sogro faleceu, Igor saiu da empresa
em que trabalhava e veio continuar o trabalho na vinícola. O terreno onde fica a
vinícola pertencia ao Antônio Gasparin, bisavô da esposa de Igor, que recebeu
terras quando chegou da Itália. Com o tempo, essas terras foram de dividindo entre
os filhos e netos, acontecendo algo similar ao da família Lovato, em que todos os
38
terrenos da região pertencem a alguém da família Gasparin. Essa vinícola, como a
Franco Italiano, também produz vinhos finos, além dos coloniais.
FIGURA 10 – VINÍCOLA GASPARIN
Fonte: http://portal.colombo.pr.gov.br/?p=4221 (13/05/2013)
A Vinícola Pedrinho Strapasson pertence a Pedro Strapasson (56). Ele diz que
desde o tempo do pai, de 1945 até hoje, já era produzido o vinho para consumo
próprio e para a venda também. Na região onde é a vinícola hoje, muitas das
propriedades são de pessoas com sobrenome Strapasson, pelo processo similar ao
dos Lovato e Rausis (sobrenome francês do Fernando Camargo, Vinícola Franco
Italiano). A vinícola vende vinhos colônias, graspa e suco de uva de consumo
próprio, além de outros produtos terceirizados, como salames, compotas etc.
FIGURA 11 – VINÍCOLA PEDRINHO STRAPASSON
Fonte: http://portal.colombo.pr.gov.br/?attachment_id=4225 (13/05/2013)
39
4.2. Imigrantes pioneiros e os proprietários do CIT UR de Colombo 21: uma
primeira investigação (Questionário 1).
A primeira investigação sobre os imigrantes italianos que se estabeleceram em
Colombo partiu de uma lista de sobrenomes dos colonos feita por Machioski (2004)
a partir dos registros das igrejas de 1888 a 1910. Procuramos no sítio do Arquivo
Público22 do Paraná por todas essas famílias, mas encontramos nos livros que
registravam a chegada dos imigrantes no porto de Paranaguá e nas hospedagens
apenas 67% dos sobrenomes nos registros.
Cruzamos, então, os sobrenomes dos proprietários de estabelecimentos
participantes do Circuito com o dos imigrantes italianos e encontramos que 52,17%23
apresentaram ascendência italiana (Tabela 4), ou seja, mais da metade dos
participantes do CITUR tinham como antepassados os imigrantes italianos que se
estabeleceram em Colombo.
21
Essa pesquisa foi apresentada durante o evento do EVINCI em 2012 e apoiada pelo CNPq. 22
http://www.arquivopublico.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=78 23
Essa foi uma análise inicial, pré-entrevista, não incluindo as pessoas que não tinham o sobrenome italiano
embora fossem descendentes de italiano.
Quadro 3: DESCENDENCIA ITALIANA NO CITUR A PARTIR D OS SOBRENOMES
Nome
Sobrenome
Italiano Nome proprietário
Vale dos Sonhos - Parque das Artes Valmor Simoes Alano
Estância Roseira SPERANDIO Antônio Carlos Sperandio
Chácara Gueno GUENO Ivo Gueno e Julio Cesar Gueno
Vinícola Pedrinhos Strapasson
STRAPASSO
N Pedrinho Strapasson
Vinícola Odilon Cavalli CAVALLI Dilmara Cavalli
Vinícola Dirceu Cavalli CAVALLI Regina Cavalli
Vinícola Franco Italiano
Dirceu Rausis Camrgo e Fernado
Camargo
Vinícola Gasparin PAVIN Igor Pavin
40
Após as entrevistas (Questionário 1) com 20 dos 23 participantes do Circuito,
aumentou para 69,56%24 aqueles que apresentaram ascendência italiana, como
pode ser observado na Tabela 3. Esse aumento significativo se deu devido ao fato
de os proprietários terem descendência italiana, mas isso não estar aparente nos
sobrenomes, provavelmente pelo sobrenome vir de linhagem materna e terem
ocorrido casamentos com pessoas não descendentes.
24 Esse número inclui alguns dos proprietários que são descendentes de italiano, mas não daqueles que se instalaram na região de Colombo. Esse número cai para 65% se somente estes forem considerados.
Paladar Vinhos e Queijos Jose Arnaldo Pavin
Pesque -Pague e Colhe -Pague Gasparin
e Filhos GASPARIN
Jose Adir Gasparin e Edemar
Gasparin
Pesque-Pague Morro das Pedras GASPARIN Gilberto Gas parin
Pesque-Pague Sítio das Palmeiras Pedro Antonio Rosenente
Chácara Engenho Verde Rosane Alba
Chácara Morando Natural José Neuri Maschio
Sítio Mãe Terra Fátima Bianchini
Pousada Sítio da Alegria Cristina Schroeter Simião
Conservas Poli POLI e MOTIN Weaine Tedesco Poli e Waleria Motin
Moinho Artesanal GASPARIN Denise Gasparin
Da Cantina LOVATO Vera Lovato
Casa Lare Del Nono POLI Gisele Ap Mocelin Poli
Restaurante Rural Bosque Italiano
Ariovaldo Mello Junior e Denise Vianna
Amaral
Restaurante Rural e Café Colonial É Da
Pam
Anderson Almeida e Marlon Francisco
Mikóski
Pasárgada Restaurante Rural & Vinícola da
Colônia Nelson Gulart
41
Quadro 4 : DESCENDENCIA ITALIANA NO CITUR A PARTIR DAS ENTRE VISTAS
Nome
Sobrenome
italiano Nome proprietário
Vale dos Sonhos - Parque das Artes Valmor Simoes Alano
Estância Roseira SPERANDIO Antônio Carlos Sperandio
Chácara Gueno GUENO Ivo Gueno e Julio Cesar Gueno
Vinícola Pedrinhos Strapasson STRAPASSON Pedrinho Strapasson
Vinícola Odilon Cavalli CAVALLI Dilmara Cavalli
Vinícola Dirceu Cavalli CAVALLI Regina Cavalli
Vinícola Franco Italiano CECCON
Dirceu Rausis Camrgo e Fernado
Camargo
Vinícola Gasparin PAVIN Igor Pavin
Paladar Vinhos e Queijos PAVIN Jose Arnaldo Pavin
Pesque -Pague e Colhe -Pague
Gasparin e Filhos GASPARIN
Jose Adir Gasparin e Edemar
Gasparin
Pesque -Pague Morro das Pedras GASPARIN Gilberto Gasparin
Pesque -Pague Sítio das Palmeiras GASPARIN Pedro Antonio Rosenente
Chácara Engenho Verde Rosane Alba
Chácara Morando Natural SIMIONI José Neuri Maschio
Sítio Mãe Terra Fátima Bianchini
Pousada Sítio da Alegria Cristina Schroeter Simião
Conservas Poli POLI e MOTIN
Weaine Tedesco Poli e Waleria
Motin
Moinho Artesanal GASPARIN Denise Gasparin
Da Cantina LOVATO Vera Lovato
Casa Lare Del Nono POLI Gisele Ap Mocelin Poli
Restaurante Rural Bosque Italiano
Ariovaldo Mello Junior e Denise Vianna
Amaral
Restaurante Rural e Café Colonial É Da
Pam
Anderson Almeida e Marlon Francisco
Mikóski
Pasárgada Restaurante Rural & Vinícola
da Colônia Nelson Gulart
Dos entrevistados, 20 moram em Colombo e 14 nasceram no município. Do total,
16 são descendentes de italiano, mas somente 13 são descendentes daqueles que
42
migraram para a região de Colombo. Destes, 11 dizem falar ou entender a língua
vêneta25, aquela falado por seus ancestrais.
Quando perguntados se o fato de serem descendentes de italiano havia
influenciado na decisão de participar do CITUR, apenas 9 responderam
positivamente. Isso representa do total apenas 45%, o que levaria a crer que a
presença dessa possível identidade italiana é pequena ou mesmo insignificante no
Circuito como um todo. Se essa mesma relação for analisada dentro do universo de
descendentes de imigrantes italianos, apenas com aqueles que poderiam ter
qualquer identificação com a cultura, excluindo todos que não tem nenhuma relação
afetiva ou de parentesco com os colonos, no entanto, essa identificação com a
cultura italiana é bastante presente no grupo como um todo.
4.3. A cultura italiana ontem e hoje: o que falam o s participantes do
CITUR
4.3.1. Elementos de história
Todos os(as) entrevistados(as), com exceção de um(a), tem médio ou alto
conhecimento sobre como era a vida de seus bisavós e tataravós italianos na Itália,
na viagem para o Brasil e na colônia que se estabeleceu em Colombo. Isso significa
que a manutenção dessa memória se fez importante a ponto de sobreviver a quatro
gerações, inicialmente sem nenhum registro formal. Um(a) dos(as) entrevistados(as)
disse, orgulhosamente, saber da história da sua família “desde o começo”. Um(a)
outro(a) ainda disse:
Eu tenho orgulho de ser italiana, a gente não escolhe, cada um nasce com
a sua descendência, mas eu gosto de ser italiana, de ter vivido. Dos tempos
antigos, de como era Colombo, de como começou, de ficar lembrando dos
tempos antigos, de ter participado dessa época, quando todo mundo
conversava em italiano, lembrar dos nono, de como era a vida. Acho
bacana. (E7)
25
Muitas vezes chamada de dialeto, o Vêneto tem sido reivindicado como língua por motivos políticos,
sobretudo pela Associazione Veneti nel Mondo, que tem uma de suas sedes em Colombo – PR.
43
Muitos(as) dos(as) entrevistados(as), quando descobriam, ou previamente ou
durante a entrevista, que eu tinha sobrenome dos italianos de Colombo, se
mostravam visivelmente mais dispostos em responder às perguntas, além de se
interessarem muito por quem seriam os meus pais e avós. Um(a) dos(as)
entrevistados(as) ainda afirmou, ao fazer essa descoberta, que “se eu soubesse que
você era de Colombo tinha te atendido antes” (E8). Ser de Colombo nesse caso,
certamente, não significa qualquer pessoa moradora de Colombo. É muito comum
haver uma separação no discurso entre a região em que moram os descendentes de
italiano, Centro e regiões rurais, e a outra região mais desenvolvida da cidade, que é
o Maracanã. Em outras palavras, não é raro pessoas se referirem ao centro como
Colombo e ao Maracanã como se fosse outra cidade. É nesse contexto que, na
minha interpretação, esse(a) entrevistado(a) se referiu a Colombo.
Essa questão do sobrenome ainda surgiu na reunião de alguns participantes da
Associação Italiana Padre Alberto Casavecchia e alguns voluntários, no início do
ano de 2013, que se reuniram na sede da Associação para iniciar, cada um na sua
família (todos eram de famílias italianos), um levantamento da árvore genealógica e
as histórias que cada membro poderia compartilhar sobre a história da imigração e
da vida na colônia. A nova prefeita da cidade, recentemente eleita pelas eleições de
2012, assumiu a prefeitura e estava reorganizando os cargos de confiança. Essa
prefeita é de sobrenome italiano e nas suas administrações passadas contribuiu
muito com os grupos interessados na cultura e história dos imigrantes. Um dos que
participaram da reunião, aparentemente do mesmo grupo político dessa prefeita,
disse a outro, que já estava empregado na prefeitura e tinha acesso à lista de
antigos funcionários dos cargos de confiança, se referindo àqueles com sobrenomes
italianos, “ache [dentre os antigos funcionários da prefeitura] os sobrenomes bons,
só aqueles que interessam”, requerimento que se seguiu de gargalhadas de muitos
dos presentes. Aqueles que tivesses sobrenomes italianos, portanto, segundo essa
pessoa, seriam os que supostamente interessariam à nova administração.
O conhecimento da história dos antepassados e essa valorização do
sobrenome, que se transformou em uma das formas de capital social nesse contexto
(BOURDIEU, 1992), representam dois dos símbolos étnicos mais relevantes. O
conhecimento da história, por exemplo, por si só faz a manutenção do sentimento de
44
ser étnico (GANS, 1979), sem implicar em grandes mudanças nas vidas cotidianas
que já têm outros ritmos que não aqueles em que os imigrantes italianos viviam.
Ainda dentro desse conhecimento histórico, percebemos casos de nítida
invenção de tradições26. Por exemplo, o grupo Venuti dall’Italia é um grupo que faz
performances de danças típicas italianas, com o intuito de resgatar e manter a
cultura. Esse grupo incentiva que seus participantes estudem as “danças originais,
os trajes típicos, e língua italiana e a história da imigração em Colombo para
incentivar as pessoas a dar continuidade à cultura herdada dos antepassados que
construíram os alicerces da cidade”27. A música que se dança hoje não é aquela que
os participantes afirmaram terem dançado no passado. De fato há muita diferença
entre elas: a do passado era uma mescla gêneros locais com música caipira,
tradicional das pequenas cidades do interior dos estados do sul e sudeste. A que é
dançada atualmente é aquela que eles denominam de “música típica italiana”28, por
isso chamamos isso de tradição inventada, no sentido de produzida cotidianamente
ao longo do tempo. Um(a) dos(as) entrevistados(as) comentou sobre a música que
se escutava na época dos seus pais e avós:
Tinha alguma coisa de italiano, mas brasileiro também. Acho que era mais
música sertaneja, que eu lembro. A gente dançava valsa, na Casa
Casavecchia onde é agora, a gente se reunia, pros bailes. (E7)
Por fim, a religiosidade foi percebidas como sendo uma possibilidade de espaços
de sociabilização da cultura étnica para os(as) entrevistados(as). Muitos afirmaram
que a religião católica e acultura italiana estariam intimamente ligadas.
Eu acho que a religião católica é uma das coisas que os italianos mais
seguem, tem italianos que não sejam católicos, existem, mas poucos. O
católico é o que mais abrange os italianos” (E1)
26
HOBESBAWN E definem Invenção de tradições como “um conjunto de praticas, normalmente reguladas por
regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos
valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade
em relação ao passado” (2012, p.12) 27
Site da Associação Padre Alberto Casavecchia. Disponível em:
<http://www.associacaoitaliana.org.br/links/projeto/GrupoVenuti.htm>. Acesso em: 23/05/2013. 28
Ao nosso conhecimento, não há esse tipo de dança na região do Vêneto atual.
45
E o catolicismo tem muito da cultura italiana, né. (E8)
A religiosidade nesse sentido também apareceu no trabalho de Lopes (2012,
p.48) com os participantes de duas associações italianas de Colombo, a Associação
Italiana Padre Alberto Casavecchia e a Associazione Veneti nel Mondo – Colombo,
mencionada em sete das oito entrevistas realizadas pela pesquisadora como sendo
uma área importante na vida dos(as) entrevistados(as) de expressar sua
italianidade. Muito possivelmente a religião se constituiu como um desses espaços
porque ela foi durante muito tempo um elemento de identificação entre as primeiras
gerações de imigrantes (ZANINI, 2005, apud LOPES, 2012).
4.3.2. Interesse na Itália hoje
O processo de construção dessa italianidade, de acordo com as observações e
entrevistas realizadas, está intimamente ligado ao grupo aqui no Brasil e não à Itália,
já que ela aparece como muito pouco presente na vida dos(as) entrevistados(as).
Nenhum deles tem contato com a Itália de hoje, seja por TV, internet, rádio, ou
outros meios, o que justifica o quase completo desconhecimento sobre ela. Um(a)
entrevistado(a) ainda relatou: “o meu conhecimento da Itália hoje é quase zero, é
uma falha da gente mas a gente não procura conhecer” (E1).
Alguns, no entanto, têm interesse em viajar para lá, seja para conhecer a parte
vêneta de onde os avós e bisavós vieram, seja como porta de entrada para outros
países da União Europeia. Outros, ainda, têm interesse comercial nas possíveis
viagens futuras:
Eu quero conhecer a Itália, quero aprender mais sobre a cultura deles e
quero fazer algum curso de vinho lá, um curso específico sobre uvas
italianas. O proseco, por exemplo, é oriundo da região do Vêneto, vocês
sabiam? É uma coisa interessante de se resgatar aqui na nossa região,
começar o plantio dessas uvas”. (E9)
Isso
nos levou a crer que essa italianidade vem de uma realidade puramente local. Os
italianos que eles se referem são apenas os italianos do Brasil, de Colombo. É a
46
uma “Itália local”, um tipo de cultura italiana transformada localmente e através das
gerações.
4.3.3. Gestualidades e estilos de vida
Alguns dos(as) entrevistados(as) disseram serem capazes de identificar
elementos corporais para reconhecer aqueles que seriam descendentes do
imigrantes italianos e muitos deles afirmaram existir um “jeitão italiano” . Como
exemplo, quando perguntado se existiria alguma diferença corporal entre
descendentes de italianos e não desentendes, o(a) Entrevistado(a) 8 respondeu:
Sim, com certeza. A fisionomia, o jeito de andar, o jeito de se vestir, o
italiano anda com os ombros pra frente, assim, e com a mão no bolso. Tipo
assim, o italiano, o lavrador, anda assim, com os ombros assim e a mão pra
trás, e o italiano empresário, com as mãos no bolso [ele demonstra as duas
situações corporalmente], então você vê pelo tipo de se comportar. (E8)
Não se pode verificar com profundidade nessa pesquisa a existência ou não
de um habitus (BOURDIEU, 2003, p.64) imigrante, mas, sem a intenção de se
“comprar o discurso nativo”, essa afirmação dos(as) entrevistados(as) podem indicar
duas possibilidades: 1) que realmente existem práticas culturais que foram
internalizadas pelo corpo; ou 2) levando em consideração o número de vezes que
os(as) entrevistadas disseram serem capazes de distinguir corporalmente seus
pares, e supondo que esse habitus realmente não exista, que esse imaginário de
como um descendente de italiano seria corporalmente é compartilhado entre o grupo
e se faz importante nas relações sociais.
4.3.4. “Nós” e “eles”
Durante as primeiras décadas em que os colonos italianos se estabeleceram no
território colombense, eles ficaram praticamente isolados de qualquer contato com a
capital, Curitiba. As poucas vezes que havia o deslocamento da colônia para
Curitiba era para comercialização de produtos agrícolas. Mesmo nas gerações
47
seguintes, a exemplo da 4ª geração29, da qual fazem parte quase todos os
entrevistados, o acesso era praticamente limitado ao comércio, à compra de alguns
bens de consumo que não se encontravam na colônia (tecidos, por exemplo) e a
consultas médicas.
Os únicos grupos com que os imigrantes italianos tinham contato direto foram os
poloneses, também imigrantes, e os negros ex-escravos, que já estavam na região
mesmo antes da chegada dos imigrantes (FERRARINI, 1992, p.59-52). O tipo de
relação que os imigrantes mantinham com esses grupos era longe de ser amigável.
Aos negros, referiam-se como nigri sporchi, que quer dizer “preto sujo” na língua
Vêneta, e aos poloneses como “pretos virados do lado avesso”. Muito
provavelmente foi em oposição a esses grupos que a distinção entre italianos e
“brasileiros” começou a se formar, sobrevivendo até hoje, a semelhança das ideias
interacionistas de Barth (1969) ou das de “representação coletiva” de um grupo
inserido em situação de contato de Roberto Cardoso de Oliveira (1976).
Nenhuma das teorias de etnicidade ou de gripo étnico pós-Barth deixa de
considerar essa relação entre o “nós” e “eles”, a relação de fronteira entre os grupos.
Além disso, a ideia de uma fronteira em constante negociação ajuda a compreender
como ainda persiste a identificação desses descendentes com a cultura italiana
mesmo que alguns elementos dessa identidade tenham se diluído ou mesmo
mudado completamente30.
O pedaço de terras que esses imigrantes italianos ganharam ao chegar em
Colombo, vindos para o Brasil com quase nenhum pertence, representava a
promessa de aquisição de terras próprias e a possibilidade de se produzir alimento.
Muito provavelmente foi por esse motivo que um dos elementos de distinção que
mais apareceu nas entrevistas foi o da valorização da ascensão social através da
aquisição de outras terras, muitas vezes comprados dos “brasileiros”.
29
A primeira geração foi considerada aquela de imigrantes adultos que vieram para Colombo dentre as
décadas de 1870 e 1880. A quarta geração, portanto, são os bisnetos dos imigrantes italianos. 30
A exemplo da língua Vêneta, que quase não é mais utilizada. Poucos dos entrevistados ainda entendiam
razoavelmente e ainda menos deles conseguiriam se comunicar em Vêneto. Existe, no entanto, a intenção de
um grupo, sobretudo do ligado à Associação Padre Casavecchia, para que a língua seja resgatada, através da
disponibilização de cursos gratuitos de vêneto para a comunidade.
48
Essa categoria “brasileiros” foi o nome dado, em muitas entrevistas, àqueles
que já habitavam a região para qual foram os imigrantes, em sua maioria negros e
mulatos ex-escravos, também algumas vezes sendo referidos como “cabocos”
(caboclos). Essas distinções então relacionadas com a ideia de ascensão
social/melhoria que veio com os imigrantes que chegaram ao Brasil, e a manutenção
dessa reminiscência pode ter ocorrido porque o grupo ficou relativamente isolada de
outras influências.
A compra de terreno era, segundo os entrevistados, uma garantia de
estabilidade econômica no futuro. A frase “terreno não se vende, se compra” foi
usada muitas vezes pelos(as) entrevistados(as), um ensinamento que passou de
seus avós e bisavós através das gerações.
Como o terreno, por exemplo, o terreno os italianos não são de vender, são
de comprar, meu pai sempre me ensinou que essas coisas vende, se
compra. (...) O brasileiro não é de comprar muito, né. Italiano são de
poupar, guardar e comprar as coisas, eu sou dessa opinião. (...) O meu vô
veio, quer dizer, ele nasceu aqui, mas ele foi comprando, conforme ele foi
achando, ele comprava o terreno que era dos brasileiros (...) eles não
queriam [“tirar o que tinham em cima do terreno” para vender], queriam só
passear. E o que sobrou de um ali, não tem mais nada, moram num lotinho
e acabou. Ele se arrepende hoje, que é um dos mais novos, que é vivo
ainda, o único, falou ‘puxa, se meus irmãos, meu pai, não tivessem vendido,
eu era dono de tudo isso aqui’, eles foram vendendo, pra poder ir vivendo e
curtindo a vida, só que acaba, né? (E6.231)
[Os “brasileiros”] Trabalhavam hoje pra pagar o que comeu ontem. Por isso
que os brasileiros nunca foram pra frente. Então os Araújo, indo pra
Tamandaré, era tudo deles ali (a terra), tudo deles era, venderam tudo, só
venderam, e comeram o que tinha. Hoje não tem nada, olhe o que os Araújo
têm hoje, nada. Hoje a maioria deles só tem um lotinho só, por quê? Só
pensaram em vender. Vender e comer o dinheiro, vender e comer, vender e
comer. Eles nunca pensavam no dia de amanhã, o italiano, o italiano
pensava no dia de amanhã, entendeu? O meu pai fazia antigamente que
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Essa sigla será utilizada para representar anonimamente os entrevistados. Nesse caso em particular, duas
pessoas diferentes participaram da entrevista número 6 então foram classificadas em Entrevistado(a) 6,1 (E6.1)
e Entrevistado(a) 6,2 (E6,2).
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eram tudo pobre, né, se matava o porco, tinha o salame e o queijo, era só
pra olhar, não era pra comer. Era pra vender. Era polenta, pra crescer
(economicamente), entendeu? Nem pensavam em vender terra, só
comprar, pra adquirir patrimônio, e assim ia conquistando. (E10)
Em todas as ocasiões em que essa situação surgiu nas entrevistas, houve uma
comparação desse comportamento dos italianos e seus descendentes com o dos
“brasileiros”. Estes, supostamente, estariam mais interessados com o presente, com
viver bem no presente, do que planejar o futuro com segurança. Seria por esses
motivos, segundo os(as) entrevistados(as), que os “brasileiros” vendiam
frequentemente suas terras para os italianos.
Ademais, há uma grande valorização do trabalho, no sentido de que trabalhar
bastante seria presumidamente parte da cultura dos italianos, que ensinaram seus
filhos e netos a serem assim também. Novamente esse comportamento apareceu,
em quase todas as entrevistas, como sendo o oposto do que os “brasileiros”
supostamente fariam.
O italiano pensa na família, quer construir uma vida pra deixar pros filhos
depois. Se preocupa com o trabalho, os outros não, né. O brasileiro gasta
tudo antes, gasta o dinheiro que vai ganhar pelo trabalho do dia seguinte.
(E5)
O italiano é bom porque ele trabalha, brasileiro não é de trabalhar, brasileiro
ele quer serviço, não quer trabalho, quer emprego, entendeu? O italiano vai
em frente, qualquer coisa ele mete fixa, né. O brasileiro não. A diferença é
grande. Na verdade o brasileiro é mais sossegado (...) (E10)
Esse suposto comportamento dos “brasileiros” seria um dos principais motivos
de estes não terem ascendido economicamente. Alguns dos(as) entrevistados(as)
afirmaram que é devido a esses comportamentos que hoje os “brasileiros” teriam se
tornado operários das empresas gerenciadas pelos italianos, que hipoteticamente
planejariam mais o futuro.
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O povo brasileiro é muito bom, tem muito brasileiro aí que é gente boa.
Pode ver, esses que estão aí, são tudo gente boa, mas são empregados
dos italianos. Brasileiro quando ganha 100 reais num dia é capaz de gastar
os 100 reais no mesmo dia mesmo. A gente não, a gente prefere poupa, pra
ajudar a família, né, tentar melhor o quadro da família, do lugar (E5)
Outro elemento de diferenciação entre “brasileiros” e descendentes de
italianos apontado pelos(as) entrevistados(as) foi a suposta importância dada pelos
descendentes à família. A vontade de guardar o máximo de capital econômico e de
não vender as terras muitas vezes foi relacionado com a ideia de deixar melhorias
para a família.
O italiano pensa na família, quer construir uma vida pra deixar pros filhos
depois. Se preocupa com o trabalho, os outros não, né. O brasileiro gasta
tudo antes, gasta o dinheiro que vai ganhar pelo trabalho do dia seguinte.
(E5)
Além disso, segundo os(as) entrevistados(as), os italianos e descendentes de
italianos seriam mais ligados emocionalmente à família do que os “brasileiros”.
(...) o povo italiano gosta mais da família, já o povo brasileiro não
liga tanto, se precisar deixar pai e mãe pra morar fora. O italiano não, as
vezes deixa de estudar pra ficar plantando verdura e ficar em baixo da asa
da mãe e do pai, fazer alguma coisa perto. O povo brasileiro eu acho que já
não tem isso, vai mesmo, vai fazer outra coisa”. (E9)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vinda de imigrantes para o Brasil, sobretudo as grandes imigrações do
século XIX, causou, sem dúvidas, um grande impacto no perfil sócio-econômico-
cultural da sociedade brasileira. No Paraná as consequências dessas migrações se
fazem ainda mais notáveis, pelo grande número de imigrantes que se instalaram nas
terras paranaenses. Estudar as relações sociais que se formaram desde então, em
meio a esse cenário, se faz muito relevante, portanto, para tornar possível um
estudo mais amplo sobre a identidade brasileira, no qual não pode ser deixado de
lado a contribuição dos imigrantes que vieram para o Brasil.
No que diz respeito a esse grupo estudada em Colombo, Paraná, mais
especificamente aos participantes do Circuito Italiano de Turismo Rural, percebemos
que ele já não mais representa, com a intensidade que parecia representar quando
foi criado, uma memória do legado da cultura italiana. Por mais que muitos dos
estabelecimentos ainda se utilizem de objetos simbólicos da cultura italiana como a
uva e seus derivados, bem como a culinária, muitos já não oferecem mais produtos
ou atividades relacionadas com a cultura em si. Muitos participantes, de fato, não
são descendentes de italianos.
Já esperávamos, de certa forma, nos deparar com uma situação similar a
essa, visto que o Circuito é uma organização muito mais econômica do que cultural;
entretanto, isso não impediu que emergisse, por parte dos participantes
descendentes de italianos, uma identificação clara com a cultura italiana e os seus
objetos simbólicos. Percebemos com as entrevistas que essas pessoas estão mais
preocupadas em manter o sentimento de ser italiano e em encontrar maneiras de
sentir e expressar essa identidade do que com a própria conservação das práticas
culturais.
Ademais, ficou muito evidente a separação entre o “nós” e “eles” que é feita
por essa pequena parcela representativa entrevistada. Foi essa relação que
confirmou em definitivo a existência de um objeto de estudo relevante no campo da
etnicidade. Tão evidente é essa separação, que investigando o mesmo grupo
através dos participantes das associações étnicas, Lopes (2012, p.48) também
constatou a diferenciação feita pelos descendentes com relação à economia, a ideia
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de sempre pensar no amanhã, de poupar, como característica italiana em
contraposição aos “os brasileiros”
Posto que as relações baseadas no grupo étnico estejam se diluindo através das
gerações acreditamos que elas ainda persistirão em existir, mesmo que em
constante transformação e criação de novos símbolos étnicos, por mais gerações,
possibilitando que os estudos nesse grupo continuem por mais algumas décadas.
São inúmeras as possibilidades de pesquisa possíveis de serem realizadas,
além do aprofundamento da proposta nesse trabalho: a criação das empresas do
município e se isso tem, como mencionado nas entrevistas, ligação com os
imigrantes italianos e os seus descendentes; as relações de gênero nesse grupo
étnica e como ela se desenvolveu através dos anos; a esfera política e como os
imigrantes e seus descendentes se organizaram por esse meio, e como isso se
desenvolveu até hoje; as relações entre os descendentes de italianos que hoje
habitam, em sua maioria, as regiões do centro e das regiões rurais da cidade e as
pessoas que mais recentemente se mudaram para o município, sobretudo para o
bairro do Maracanã, mais próximo de Curitiba; as relações daqueles que são
descendentes e os que não são em espaços mais próximos, como nas escolas, nos
ambientes de trabalho, etc., atentando para a existência de capital social que
beneficiaria os primeiros; etc.
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