Monografia (Versão Final)

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1 Faculdades Integradas da União Pioneira de Integração Social Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Direito CHARLES BARBOSA FERNANDES A NECESSIDADE DE ALIAR O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À POLÍTICAS PÚBLICAS EFICIENTES Brasília/DF 2015

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Monografia Jurídica Upis 2015

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Faculdades Integradas da União Pioneira de Integração Social

Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Direito

CHARLES BARBOSA FERNANDES

A NECESSIDADE DE ALIAR O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À POLÍTICAS PÚBLICAS EFICIENTES

Brasília/DF 2015

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CHARLES BARBOSA FERNANDES

A NECESSIDADE DE ALIAR O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À POLÍTICAS PÚBLICAS EFICIENTES

Monografia apresentada para obtenção de título de Bacharel em Direito pelo Programa de Graduação das Faculdades Integradas da União Pioneira de Integração Social - UPIS. Orientador: Prof. Cristiane Damasceno Leite Vieira.

Brasília/DF 2015

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CHARLES BARBOSA FERNANDES

A NECESSIDADE DE ALIAR O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE À POLÍTICAS PÚBLICAS EFICIENTES

Monografia apresentada para obtenção de título de Bacharel em Direito pelo Programa de Graduação das Faculdades Integradas da União Pioneira de Integração Social - UPIS. Orientador: Prof. Cristiane Damasceno Leite Vieira.

Brasília, ___ de ___________ de 2015.

Banca Examinadora

_______________________________________ Prof. Cristiane Damasceno Leite Vieira

Orientador

_______________________________________ Prof. Examinador

__________________________________________ Prof. Examinador

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Dedico o presente trabalho aos meus pais, pelo amor incondicional, por acreditarem em mim, e por toda ajuda e apoio que me deram para a conclusão deste sonho.

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AGRADECIMENTO

Agradeço, primeiramente, a Deus, o qual me concedeu o dom da vida, por

ter me permitido alcançar o final desta caminhada com saúde, por não me deixar

fraquejar nos momentos de dificuldade.

Aos meus pais, Maria Aparecida e Hermes, que me deram a base de

sustentação em todos os aspectos da minha vida, nunca permitindo que me faltasse

nada.

À minha família em geral, meus irmãos, Maurício e Vívian, primos, tios, avós,

e amigos, que sempre se fizeram presentes.

Aos colegas de faculdade, pelo compartilhamento de conhecimentos,

experiências, alegrias e apoio nos momentos de aflição, em especial àqueles que se

tornaram grandes amigos: Renata, Naira, Suênia e Juliane.

Aos colegas de trabalho, por todo auxílio prestado, pelas palavras de

incentivo, e carinho incondicional, especialmente às queridas: Andressa, Raquel,

Jurema e Camila.

À minha orientadora, Professora Cristiane Damasceno Vieira, pela paciência

sem igual, pelo apoio constante, pela guia segura, pelas indicações sempre

assertivas e fundamentações para a consecução deste trabalho.

Por fim, a todos aqueles que, de alguma forma, direta ou indiretamente,

contribuíram para que eu concluísse com êxito mais esta etapa em minha vida.

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"O fim do Direito é a paz; o meio de atingi-lo, a luta. O Direito não é uma simples ideia, é força viva. Por isso a justiça sustenta, em uma das mãos, a balança, com que pesa o Direito, enquanto na outra segura a espada, por meio da qual se defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a impotência do Direito. Uma completa a outra. O verdadeiro Estado de Direito só pode existir quando a justiça brandir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança."

Rudolf von Ihering , em A Luta pelo Direito (Der Kampf um's Recht )

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RESUMO

As discussões acerca da aplicação de medidas socioeducativas como

principal solução para o enfrentamento da violência praticada por crianças e adolescentes é tema que causa polêmica entre os mais diversos setores da sociedade moderna. Primeiramente, os direitos e garantias fundamentais concedidos às crianças e adolescentes serão analisados sob a ótica de sua evolução ao longo da história. Serão apresentados e esclarecidos os princípios que norteiam os direitos da criança e do adolescente, cuja fundamentação se encontra na Carta Magna e no Estatuto da Criança e do Adolescente, com fito de assegurar aos jovens proteção integral, todavia, de forma diferenciada no tocante às sanções penais aplicadas aos adultos. Em seguida, será feito um estudo comparado com o direito penal de outros países, buscando assimilar nosso próprio direito aos institutos jurídicos e as regras de outros países, no que tange à responsabilização penal aplicada ao menor. Ao se fazer uma correlação de todos os pontos abordados, ao final, ficará demonstrado que a forma mais eficiente de retirar o adolescente em conflito com a lei da situação de violência é através de uma regulamentação do Estatuto da Criança e do Adolescente com uma política pública eficiente no sentido de conferir maior legitimidade, mais preocupação e ter um pensamento voltado para a proteção integral desse indivíduo.

Palavras-chave: Adolescente infrator; Aplicação de políticas públicas; Melhor

interesse da criança e do adolescente; Reeducação do menor.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 1 CONTEXTO HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIA NÇA E DO ADOLESCENTE ....................................................................................................... 11 1.1 PERÍODO PÓS-CONSTITUCIONAL .................................................................. 14 1.2 DA SITUAÇÃO IRREGULAR À DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ......... 15 1.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ........................................................................................................ 18 1.3.1 Princípio Constitucional da Proteção Absoluta ................................................. 19 1.3.2 Princípio do Melhor Interesse do Menor ........................................................... 21 1.3.3 Princípio da Municipalização ............................................................................ 23 2 SISTEMA DE MEDIDAS APLICADAS À CRIANÇA E AO ADOLE SCENTE NO DIREITO COMPARADO ........................................................................................... 25 2.1 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ..................................................................... 25 2.2 CHINA ................................................................................................................. 28 2.3 COSTA RICA ...................................................................................................... 30 2.4 INGLATERRA ..................................................................................................... 32 3 A NECESSIDADE DE ALIAR O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À POLÍTICAS PÚBLICAS EFICIENTES ...................................... 35 3.1 AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PREVISTAS NO ECA ............................... 36 3.1.1 Advertência ...................................................................................................... 38 3.1.2 Obrigação de reparar o dano ........................................................................... 39 3.1.3 Prestação de serviços à comunidade ............................................................... 40 3.1.4 Liberdade assistida .......................................................................................... 41 3.1.5 Semiliberdade .................................................................................................. 42 3.1.6 Internação ........................................................................................................ 42 3.2 CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ............................................................. 45 3.3 TEORIAS DA SOCIALIZAÇÃO ........................................................................... 46 3.4 OS PLANOS DE AÇÃO/ESTRATÉGIA USADOS PARA AUXILIAR O PROCESSO DE REEDUCAÇÃO DO ADOLESCENTE ............................................ 49 CONCLUSÃO ......................................... .................................................................. 53 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 55

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico dispor-se-á à análise de uma mazela social

em constante crescimento na sociedade contemporânea, compreendida como a

inviabilidade da responsabilização penal do adolescente em conflito com a lei. O

objeto deste estudo abordará sobre as possibilidades de reeducar o adolescente

com personalidade criminosa, visando que este não adentre novamente ao mundo

do crime.

Segundo pesquisas recentes, a violência é um problema que já está presente

no universo das crianças e adolescentes, e podem se desenvolver das mais

variadas formas, a depender do meio em que elas crescem, da influência de sua

família, e da omissão por parte do Estado.

O silenciamento do Estado no tocante às garantias dos direitos da criança e

do adolescente é um dos fatores que mais corrobora para que estes indivíduos não

se identifiquem com os valores morais e éticos do meio social.

Neste sentido, a pesquisa buscará demonstrar os motivos que levam menores

ao mundo da criminalidade, com o escopo de alcançar uma potencial

fundamentação para sua reeducação, com base em uma intervenção estatal por

meio de políticas públicas, planos de ações, que servirão como norteadores para o

desenvolvimento do jovem.

A presente monografia não intenciona esgotar o tema, mas se preocupa em

discutir de forma refletida sobre o fenômeno da criminalidade juvenil e a possível

contenção da violência praticada por estes indivíduos por meio de programas

socioeducativos aliados a políticas públicas eficazes. No propósito de facilitar a

compreensão dos institutos que serão versados nesta monografia, esta foi

sistematizada em três capítulos.

Por tal razão, a pesquisa mais adequada e, portanto, adotada foi a dogmática

jurídica. Utilizando-se de ampla revisão bibliográfica, fez-se o estudo da norma e da

doutrina adequadas, à luz de instrumentos teóricos e conceituais, com o fito de

averiguar como a elaboração de políticas públicas aliadas a uma estrutura familiar

estável pode ajudar a conter a violência praticada por crianças e adolescente. Para

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tanto, a técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica, da espécie teórica e do tipo

explicativo.

O primeiro capítulo consistirá na contextualização histórico-social do Direito

da Criança e do Adolescente, a fim de que se possa averiguar o âmbito em que se

edificaram as bases jurídicas modernas que orientam a legislação aplicável a

crianças e adolescentes.

Deste modo, é de suma importância situar em qual momento histórico surgiu

a Doutrina da Proteção Integral e dos princípios que norteiam os interesses da

criança e do adolescente, destacando-se, o Princípio constitucional da Proteção

Absoluta, o Princípio do Melhor Interesse do Menor e o Princípio da Municipalização.

Em seguida, no capítulo segundo, será analisado o sistema de medidas

aplicadas às crianças e ao adolescente no direito comparado, visando à averiguação

dos direitos provenientes de outros países, que servirá como subsídio para melhor

compreensão do direito nacional.

Nesse sentido, buscar-se-á sempre uma comparação do sistema de

responsabilização penal destinada à criança e ao adolescente com as equivalentes

previsões do Sistema Penal aplicado aos adultos, com a intenção de demonstrar

que, na maioria dos casos, a restrição de liberdade imposta aos menores em conflito

com a lei é ineficaz, razão pelo qual a premissa da imputabilidade se mostra

absurda.

À luz deste entendimento, será possível avaliar se a ruptura do descrédito da

imputabilidade se deu apenas no âmbito jurídico, com a edição da normal da Lei

Maior e do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou se, de fato, se está evoluindo

para uma mudança no entendimento da sociedade no tocante ao necessário

diferenciamento legal no tratamento de crianças e adolescentes, especialmente no

que tange à reeducação por meio de medidas socioeducativas.

Por fim, observar-se-á a coexistência de dois grandes conflitos ligados ao

tema: um, juridicamente reconhecido, baseado na doutrina da proteção integral –

que defende o melhor interesse da criança e resultou na criação do Estatuto da

Criança e do Adolescente, que regulamenta a diferenciação de tratamento de

crianças e adolescentes perante a lei, enquanto seres humanos em peculiar

condição de desenvolvimento; e, outro, que reflete a realidade socialmente posta, a

partir do qual se defende a criminalização de condutas envolvendo adolescentes

contraventores.

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1 CONTEXTO HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DO ESTATUTO DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Vivemos um momento ímpar no campo do direito infanto-juvenil, onde

crianças e adolescentes passaram de mero objeto de “proteção” a detentores e

beneficiários de direitos. Houve imenso avanço na sociedade. Todavia, devemos

estar cientes que é necessário conhecer o passado para melhor compreender o

presente e construir o futuro.1

Nas civilizações antigas estabeleciam-se os laços familiares pelo culto à

religião e não pela afetividade e consanguinidade. A família romana se fundava no

poder paternal marital, sendo incumbido ao chefe da família a realização dos

deveres religiosos. A religião ditava as regras inerentes à família, estabelecia o

direito. A entidade familiar era vista como associação religiosa e não como

associação natural.2

Exemplos históricos de desproteção à criança são encontrados em toda

antiguidade. Leciona Azambuja que “[...] em Roma e na Grécia Antiga a mulher e os

filhos não possuíam qualquer direito. O pai, o Chefe da Família, podia castigá-los,

condená-los e até excluí-los da família. [...]”3.

Os filhos não eram detentores de direitos, mas sim objetos de relações

jurídicas. O pai exercia um direito de proprietário sobre os filhos, podendo decidir

acerca de questões como a morte e vida de seus descendentes.4

Na Grécia antiga eram deixadas vivas apenas as crianças fortes e saudáveis.

Também era comum entre os antigos, o sacrifício de crianças malformadas, doentes,

deficientes, que eram jogadas de desfiladeiros, retirando-se, assim, um “peso morto”

da sociedade. Essa prática não era permitida pelos Hebreus, que também o aborto.

Em Esparta, o pai transferia ao Estado o poder sobre a criação dos filhos, com o

1 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 3 2 Ibidem. p. 3 3 AZAMBUJA, Maria Regina Fay. Violência sexual intrafamiliar: é possível proteger a criança? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 181 4 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 3

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objetivo de criar novos guerreiros. As crianças eram tratadas como patrimônio do

Estado. No Oriente, crianças eram sacrificadas em razão de sua pureza.5

O tratamento entre os filhos era desigual. Os direitos de sucessão eram

concedidos apenas ao primogênito e desde que fosse do sexo masculino, Segundo

o Código de Manu.6

No mesmo sentido, ensina Tavares que, “entre quase todos os povos antigos,

tanto do ocidente como do oriente, os filhos durante a menoridade, não eram

considerados sujeitos de direito, porém servos da autoridade paterna”.7

Na Idade Média, o Cristianismo defendeu o direito à dignidade para todos,

inclusive aos menores, trazendo com isso grande contribuição para o

reconhecimento de direitos para as crianças, atenuando, por exemplo, a severidade

de tratamento na relação pai e filho. Entretanto, ainda havia muita discriminação,

conforme relata Andréa Rodrigues Amim:

“[...] Os filhos nascidos fora do manto sagrado do matrimônio eram discriminados, pois indiretamente atentavam contra a instituição sagrada, àquela época única forma de se constituir família, base de toda sociedade.”8

Já no Brasil Colonial, os direitos infanto-juvenis não eram assegurados, uma

vez que:

“As primeiras crianças chegadas ao Brasil (mesmo antes de seu descobrimento oficial) vieram na condição de órfãs do Rei, como grumetes ou pajens, com a incumbência de casar com os súditos da Coroa. Nas embarcações, além de “obrigadas a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos”, eram deixadas de lado em caso de naufrágio.”9

As condições dessas embarcações eram terríveis. Além das crianças serem

abusadas sexualmente com a desculpa de que não havia mulheres a bordo,

algumas viajavam trancafiadas, a fim de não fossem violentadas.10

5 VANNUCHI, Paulo de Tarso; OLIVEIRA, Carmen Silveira de. (apresentação). Direitos humanos de crianças e adolescentes – 20 anos do Estatuto. Brasília, D.F.: Secretaria de Direitos Humanos, 2010 6 TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 46 7 Ibidem. p. 46 8 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 4 9 BARROS, Nivia Valença. Violência intrafamiliar contra criança e adolescente. Trajetória histórica, políticas sociais, práticas e proteção social. Rio de Janeiro, 2005. 248f. Tese de Doutorado - Departamento de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Disponível em: <www.uff.br/maishumana/acervo/publicacoes/teses/viol_intraf1.pdf >. Acesso em: 13 de out. 2014 10 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 05

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Entretanto, em relação aos índios que viviam em nossas terras, a situação

mudava de rumo. Ao perceberem que era muito mais simples catequisar e educar as

crianças invés dos adultos, os jesuítas passaram a usá-las a fim de atingir os pais.

Desse modo, os filhos passaram a educar e adequar os pais à nova realidade

moral.11

Durante a fase imperial tem início a preocupação com os infratores, e o temor

das penas era a política repressiva mais utilizada, conforme ensinamentos de

Andréa Rodrigues Amim:

“[...] Vigentes as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal era alcançada aos sete anos de idade. Dos sete ais dezessete anos, o tratamento era similar ao do adulto com certa atenuação na aplicação da pena. Dos dezessete aos vinte e um anos de idade, eram considerados jovens adultos e, portanto, já poderiam sofrer pena de morte natural (por enforcamento). A exceção era o crime de falsificação de moeda, para o qual se autorizava pena de morte natural para os maiores de quatorze anos.” 12

O Código Penal do Império, de 1830, introduziu como medida para aplicação

da pena o exame da capacidade de discernimento. As crianças menores de

quatorze anos eram consideradas inimputáveis. Todavia, os compreendidos entre a

faixa dos sete aos quatorze anos poderiam ser encaminhados para as chamadas

casas de correção, onde permaneceriam até completar dezessete anos, caso fosse

entendido que possuíssem discernimento em seus atos.13

No ano de 1551 foi fundada a primeira casa de recolhimento de crianças do

Brasil, gerenciadas pelos jesuítas que procuravam isolar crianças índias e negras da

influência negativa de seus pais e seus costumes considerados bárbaros,

consolidando-se, assim, o início da política do recolhimento.14

“[...] Casas de recolhimento são inauguradas em 1906 dividindo-se em escolas de prevenção, destinadas a educar menores em abandono, escolas de reforma e colônias correcionais, cujo objetivo era regenerar menores em conflito com a lei.”15

A partir deste período, a influência do exterior e as discursões levaram a uma

fase de criminalização da infância pobre. Havia o entendimento geral de que o

11 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 05 12 Ibidem. p. 05 13 Ibidem. p. 06 14 Ibidem. p. 06 15 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 06

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Estado deveria proteger a população infanto-juvenil, mesmo que isso acarretasse na

supressão de suas garantias, o que, por sua vez, desencadeou na Doutrina da

Situação Irregular.16

Em 1926, foi publicado o Decreto nº 5.083, primeiro código de menores do

Brasil que cuidava das crianças e adolescentes expostos e abandonados, vindo a

ser substituído, em 1927, pelo Código Mello Mattos.17

No período de da década de 60 e 70, teve início discursões para reforma ou

criação de uma legislação menorista, sendo publicado em 10 de outubro de 1979 a

Lei nº 6.697, novo Código de Menores, que, mais tarde, consolidaria a doutrina da

Situação Irregular.18

1.1 PERÍODO PÓS-CONSTITUCIONAL

No campo político, houve uma necessidade de reafirmação de valores que

foram perdidos durante o regime militar. Passamos para um modelo inovador, que

enfoca na defesa da dignidade da pessoa humana. O binômio individual/patrimonial

é substituído pelo coletivo/social.19

Todo esforço fora recompensado, visto a aprovação dos textos dos artigos

227 e 228, da Carta Magna de 1988, resultado da junção de duas Emendas

Populares, que levaram ao Congresso as assinaturas de quase duzentos mil

eleitores e de mais de um milhão e duzentas crianças e adolescentes.20

Assim, expõe Andréa Amim:

“Coroando a revolução constitucional que colocou o Brasil no seleto rol das nações mais avançadas na defesa dos interesses infanto-juvenis, para as quais crianças e jovens são sujeitos de direito, titulares de direitos fundamentais, foi adotado o sistema garantista da proteção integral. Objetivando regulamentar e implementar o novo

16 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 07 17 Ibidem. p. 07 18 Ibidem. p. 07 19 Ibidem. p. 08 20 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 09

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sistema, foi promulgada a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, de autoria do Senador Ronan Tito e relatório da Deputada Rita Camata.”

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Em decorrência da evolução social que o país experimentava naquele

momento em que vários direitos estavam sendo resguardados pela Constituição

Federal criou-se força para regulamentação dos direitos essenciais a criança e ao

adolescente. O ECA adveio da juntura de três vertentes: o movimento social, os

agentes do campo jurídico e as políticas públicas. Verificar-se-á adiante o novo

modelo, democrático e participativo, no qual família, sociedade e Estado trabalham

juntos para garantir os direitos fundamentais das crianças e adolescentes em

desenvolvimento.22

1.2 DA SITUAÇÃO IRREGULAR À DOUTRINA DA PROTEÇÃO

INTEGRAL

De acordo com Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, doutrina tem como

definição conjunto de princípios que servem como alicerce a um sistema religioso,

político, filosófico, científico etc. Existe uma ideia central ou valor, desenvolvidos por

regras e princípios. Não se trata de tema exclusivo do mundo jurídico, porém comum

às varias ciências sociais.

A doutrina da proteção integral tem como fundamento o art. 277, da

Constituição Federal de 1988. Com essa doutrina, superou-se o Direito costumeiro,

que despercebia a criança como indivíduo e o Direito moderno do menor incapaz,

objeto de manipulação dos adultos. No pós-modernismo, a criança e o adolescente

são tratados como detentores de direitos em sua totalidade.23

“A Carta Constitucional de 1988, afastando a doutrina da situação irregular até então vigente, assegurou às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, direitos fundamentais, determinando à

21 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 09 22 Ibidem. p. 09 23 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010, p. 11

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família, à sociedade e ao Estado o dever legal e concorrente de assegurá-los.”24

Também chamada de Doutrina da Prioridade Absoluta, a doutrina da proteção

integral adotada pelo ECA constitui, em suma, em um novo modo de pensar, com o

objetivo de efetivação dos direitos indispensáveis da criança e do adolescente.

Tratou-se, em verdade, de uma mudança de modelos, ou de forma de atuação.25

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi promulgado com o fito de

regulamentar e buscar dar efetividade à norma constitucional. A doutrina da

proteção integral veio para substituir a doutrina da situação irregular, oficializada

pelo Código de Menores. Esta mudança na legislação de proteção da criança e do

adolescente trata-se, francamente, não de uma mera substituição terminológica ou

de princípios, mas sim de uma quebra de paradigmas.26

A doutrina da situação irregular era muito restrita, limitando-se a tratar

daqueles que se encaixavam nos moldes pré-definidos de situação irregular.

Restringia-se ao menor desprovido de condições necessárias à sua sobrevivência,

saúde e instrução obrigatória, em razão da falta, ação ou omissão dos pais ou

responsáveis; as vítimas de maus tratos; os que estavam em perigo moral por se

encontrarem em ambientes que iriam de encontro com os bons costumes; o que

havia cometido delito penal e, ainda, todos os menores que apresentarem desvio de

conduta, em consequência à não adaptação familiar ou social.27

O Código de Menores previa, em seu artigo 14, as medidas aplicáveis ao

menor:

“Art. 14. São medidas aplicáveis ao menor pela autoridade judiciária: I - advertência; II - entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade; III - colocação em lar substituto; IV - imposição do regime de liberdade assistida; V - colocação em casa de semiliberdade; VI - internação em

24 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 11 25 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 02 26 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010, p. 11 27 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010, p. 12

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estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado.”28

As funções jurisdicional e administrativa concernentes ao tema em comento

eram centralizadas no Juiz de Menores. Todavia, apesar de sabida a competência

da Vara de Menores, não se conhecia ao certo quais eram os limites de atuação do

Juiz.29

Corroborando com a tese acima, leciona Kátia Maciel:

“Apesar das diversas medidas de assistência e proteção previstas pela lei para regularizar a situação dos menores, a prática era de uma atuação segregatória na qual, normalmente, estes eram levados para internatos ou, no caso de infratores, institutos de detenção mantidos pela FEBEM. Inexistia preocupação em manter vínculos familiares, até porque a família ou a falta dela era considerada a causa da situação irregular. Em resumo, a situação irregular era uma doutrina não universal, restrita, de forma quase absoluta, a um limitado público infanto-juvenil.” 30

Assim sendo, não existia uma preocupação em estabelecer e garantir na

prática a concretização de direitos para as crianças e adolescentes de forma vasta e

completa, por não se tratar de uma doutrina ou estudo abrangente.31

A mudança constante na Carta Magna somente se iniciou com a mudança na

mentalidade da sociedade brasileira. A luta pela garantia dos direitos das crianças e

dos adolescentes brasileiros iniciava em se atingir o comprometimento político dos

constituintes, tendo importância vital nesta conquista de apoio, a Pastoral do Menor

da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento Nacional

Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), a Frente Nacional de Defesa dos Direitos da

Criança e Adolescentes e, especialmente, a Comissão Nacional Criança e

Constituinte, que estimulou um processo de sensibilização, conscientização e

mobilização coadunado aos constituintes e à avaliação do povo, principalmente

através da mídia, o que acabou por conquistar inclusive o apoio da iniciativa

privada.32

28 Brasil. Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979. Institui o Código de Menores. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1970-1979/L6697.htm. Acesso em: 13 de out. 2014 29 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 13 30 Ibidem. p. 13 31 Ibidem. p. 13 32 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 14

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O resultado de todo este esforço, duas emendas de iniciativa popular –

Criança e Constituinte e Criança: Prioridade Nacional – chegaram à Assembléia

Nacional Constituinte, dando origem ao artigo 227, caput, da Constituição Federal, in

litteris

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” 33:

Tal artigo funcionou como verdadeiro consolidador da doutrina da proteção

integral na legislação brasileira, ao incluir a expressão “prioridade absoluta”, no

tocante aos direitos das crianças e dos adolescentes, prioridade esta que deve ser

respeitada pela família, pela sociedade, e fundamentalmente pelo Estado, através

das políticas sociais de atendimento.34

1.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE

Os princípios estão baseados na Carta Magna e no ECA, e seu principal

objetivo é assegurar às crianças e os adolescentes as normas de proteção integral,

contudo, de forma diferenciada no que concerne à criminalização penal aplicada aos

adultos, visto que a Constituição Federal pontua bem no que diz respeito à

inimputabilidade dos menores de 18 anos.

33 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Dispõe sobre Direitos Fundamentais, organização do Estado Democrático Brasileiro de Direito, regula as demais normas internas. Diário Oficial da União, Brasília, n. 191-A, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 08 de maio de 2015 34 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 14

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Salomão Shecaira expõe que, “[...] quis o constituinte separar os direitos e

garantias das crianças e adolescentes do conjunto da cidadania com objetivo de

melhor garantir sua defesa”.35

Assim sendo, faz-se necessário observar e analisar os princípios mais

relevantes para que seja possível entendimento melhor e amplificado do tema

discutido no presente trabalho.

1.3.1 Princípio Constitucional da Proteção Absoluta

O Princípio da Prioridade Absoluta está estabelecido de maneira expressa no

artigo 227 da Lei Maior, que assim dispõe:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade , o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” 36 (grifou-se)

Desta forma, é evidente a diferenciação prestada à criança, tendo em visto

sua condição de indivíduo mais frágil e em situação de desenvolvimento. Além disto,

resta assentado neste princípio a primazia em favor deste grupo, em todos os graus

de interesse, quer no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar: o

interesse pelo bem estar da criança e do adolescente deverá sempre predominar.

O acatamento mister dos interesses da criança e do adolescente foi mais bem

demonstrado no art. 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da

Criança, ao instituir que “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por

instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades

administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente (com

35 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 137 36 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Dispõe sobre Direitos Fundamentais, organização do Estado Democrático Brasileiro de Direito, regula as demais normas internas. Diário Oficial da União, Brasília, n. 191-A, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 08 de maio de 2015

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preferência), o interesse maior da criança”37. Assim, a Convenção elucidou o

objetivo de ampliar a proteção à criança, de forma completa, integral, e com total

prevalência.

Nesse pensamento, Andréa Amin empregou perfeitamente um exemplo

comparativo. Por hipótese, se o administrador precisasse decidir entre a construção

de uma creche e de um abrigo para idosos, mesmo sendo ambos necessários, este

deverá optar obrigatoriamente pelo primeiro caso. Isso ocorre porque o princípio da

prioridade para os idosos e infraconstitucional, mencionado apenas no artigo 3º da

Lei nº 10.741/2003, enquanto a prioridade absoluta em favor de crianças e

adolescentes é constitucionalmente garantida. 38

Neste arrimo, assim articula Martha Machado:

“[...] ‘prioridade absoluta’, num plano maior de análise, tem no texto constitucional a acepção de ‘prioridade primeira’, de ‘prioridade número um’ da Nação, como meio de equilibrar a desigualdade fática decorrente da peculiar condição de pessoa em desenvolvimento e como meio de obtenção de dezoito anos, garantindo absoluta prioridade de seus direitos fundamentais, para que possam se desenvolver e atingir a plenitude do potencial que pode ser alcançado pelos Seres humanos, garantindo-se inclusive, o Princípio da igualdade, ao ofertar-lhes direitos e prioridades para efetivação de direitos fundamentais de forma a equilibrar suas peculiaridades com o desenvolvimento dos maiores de dezoito anos.” 39

Do mesmo modo, se o Poder Público precisar escolher se oferta vagas em

projeto de alfabetização tardia para adultos ou de aceleração escolar para jovens,

não existindo meios para custear ambos, deverá necessariamente decidir pela

última hipótese. Todavia, cumpre salientar que, como em qualquer norma, esta

deverá ser aplicada dentro dos limites da razoabilidade.

Portanto, o aparecimento da ideia de proteção integral explica-se, pois, sendo

crianças e adolescentes indivíduos ainda em formação, em construção de seu

caráter, pensamento intelectual, moral, social e psíquico, isso importaria na

necessidade de redobrada atenção por parte do Estado, sociedade e, principalmente

37INTERNACIONAL. Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989. Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. Adotada em Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, 1989. 38 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010, p. 20 39 NERY JUNIOR, Nelson; MACHADO, Martha de Toledo. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Novo Código Civil à luz da Constituição Federal: princípio da especialidade e direito intertemporal. São Paulo. Revista de Direito Privado. 2002, p. 108

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pela família, disposição essa defendida desde as políticas efetivadas pela

Organização das Nações Unidas até a promulgação do Estatuto de 1989.

Além dos apontamentos já mencionados, comenta-se, ainda, que o ECA

assegurou proteção às crianças no que diz respeito à criação de políticas públicas

com o escopo de dar prioridade à infância e ao jovem. Tal disposição está presente

no artigo 3º e no parágrafo único do supracitado Estatuto, assim colocado:

“Art. 4º [...]. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.”40 (Grifou-se)

Diante disto, quando o assunto for a destinação de recursos públicos para

quaisquer finalidades, novamente as necessidades de proteção infanto-juvenil

deverão predominar, consolidando mais ainda o princípio da prioridade absoluta.

1.3.2 Princípio do Melhor Interesse do Menor

O Princípio do Melhor Interesse da Criança foi implantado pelo direito inglês,

por uma norma denominada à época de parens patriae, que, numa tradução livre,

significa pai da nação.41

O conceito de parens patriae é determinado por Daniel Griffith como “a

autoridade herdada pelo Estado para atuar como guardião de um indivíduo com uma

limitação jurídica”.42

Este termo foi usado na Inglaterra como uma atribuição do Rei, que buscava

proteger todos aqueles que não podiam fazê-lo por si só, amoldando políticas de

40 BRASIL. Lei Nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm. Acesso em 08 de maio de 2015. 41 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010, p. 27 42 PEREIRA, Tânia da Silva. O Princípio do “melhor interesse da criança”: da Teoria à Prática. Disponível em <http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Tania_da_Silva_Pereira/MelhorInteresse.pdf>. Acesso em: 13 out. 2014

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proteção direcionadas de modo especial a crianças, loucos, deficientes mentais, e

às pessoas que não possuíam discernimento de seus atos de um modo geral.43

Anos depois, com a recepção pelo Brasil da Declaração dos Direitos da

Criança de 1959, o pensamento de dar prioridade aos assuntos da infância e

juventude já se encontrava presente, entretanto, de maneira diversa, não tão

acolhedora como nos padrões atuais.44

Com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela

Assembleia da ONU em 1989 e promulgada pelo Decreto nº 99.710/1990, o princípio

do melhor interesse fora realmente instaurado, aparecendo como direcionador da

doutrina da proteção integral. Isso pode ser visto mormente no artigo 100, inciso IV,

do ECA45, que assegura o encaminhamento de políticas públicas ao que vá de

acordo com o maior interesse das crianças. O princípio supramencionado está

exposto de forma mais clara na referida Convenção de 1989, em seu art. 3º, que

assim coloca:

“[...] Artigo 3 - 1. Em todas as medidas relativas às crianças, tomadas por instituições de bem estar social públicas ou privadas, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão consideração primordial os interesses superiores da criança. 2. Os Estados-partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis por ela e, para este propósito, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas apropriadas. 3. Os Estados - partes assegurarão que as instituições, serviços e instalações responsáveis pelos cuidados ou proteção das crianças conformar-se-ão com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, particularmente no tocante à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal, e à existência de supervisão adequadas.” 46

43 Ibidem. 44 Ibidem. 45 Artigo 100 da Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990: Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, proferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Parágrafo único: São também princípios que regem a aplicação das medidas: I – condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos [...]; II – proteção integral e prioritária [...]; III – responsabilidade primária e solidária do poder público [...]; IV – interesse superior da criança e do adolescente [...]; V – privacidade [...]; VI – intervenção precoce [...]; VII – intervenção mínima [...]; VIII – proporcionalidade e atualidade [...]; IX – responsabilidade parental [...]; X – prevalência da família [...]; XI – obrigatoriedade da informação [...]; XII – oitiva obrigatória e participação 46INTERNACIONAL. Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989. Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. Adotada em Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, 1989.

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Vale a pena salientar que a procura é pelo benefício daqueles que ainda não

desfrutam de suas absolutas capacidades como ser humanos, quer dizer, crianças e

adolescentes, não podendo se misturar o interesse destes com os de seus pais ou

responsáveis.

Averígua-se, deste modo, que o princípio em comento deve ser administrado

em qualquer área, em especial ao que se refere às decisões de quaisquer tribunais

nas oportunidades onde deva se decidir uma lide em que a criança/adolescente seja

parte. É necessário, ainda, que seja adaptado a mesma linha de pensamento no que

diz respeito à criação de nova legislação que esteja relacionada a infanto-

adolescência, esmerando-se o chamado Best Interest – o melhor interesse – do

grupo em ponto. 47

Deste modo, restou claro, tanto para o legislador, quanto para o aplicador da

lei, que é necessário buscar o cumprimento da proteção constitucional conferida aos

jovens, abrangendo também os demais princípios norteadores da doutrina da

proteção integral. À vista disso, hostiliza-se quaisquer meios de abuso e/ou violência

onde estes cidadãos possam constar como vítimas.

1.3.3 Princípio da Municipalização

Segundo Edson Sêda, “municipalizar, aqui, significa a União e o Estado

abrirem mão de uma parcela do poder que detinham até então nessa matéria. A

contrario sensu, significa o Município assumir poderes até então privativos daquelas

instâncias superiores da Federação brasileira”. 48

O Princípio da Municipalização cuida, especialmente, do atendimento

investido às crianças e adolescentes. Em conformidade com a Constituição Federal

de 1988, artigo 207, §7º, no relativo ao “atendimento dos direitos da criança e do

adolescente levar-se-á em consideração o disposto no artigo 204”, assim

preceituado:

“[...] Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social,

47 Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Princípio do Melhor Interesse. Disponível em <http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0510661_07_cap_02.pdf> Acesso em: 13 de out. 2014 48 SEDA, Edson. Política de Atendimento. Disponível em <http://www.promenino.org.br/Ferramentas/DireitosdasCriancaseAdolescentes/tabid/77/ConteudoId/3b451b8e-8b0d-494d-bb39-74c9b6cc74a3/Default.aspx>. Acesso em 13 de out. 2014

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previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.” 49

Quando incluído pelo ECA, o Princípio da Municipalização é alusivo à

concentração de políticas públicas de assistência nas esferas municipais, bem como

nas estaduais e federais, deixando de concentrar em um só ente as competências

da referida matéria. Pode-se notar sua colocação no artigo 88, em especial nos

incisos I a IV50, pelos quais resta clara e evidente a vontade de estabelecer

conselhos municipais que vistoriem de perto as adversidades da comunidade em

que vivem.

Os referidos artigos dedicam-se ainda da destinação do orçamento público às

atividades auxiliares que objetivam proteger os Direitos da Criança e do

Adolescente. À vista disso, foi sancionada uma política de descentralização político-

administrativa, envolvendo todos os entes – estaduais e municipais –, com o fito de

melhorar a realização das metas pré-determinadas, e, cada vez mais, obter

resultados mais satisfatórios.51

Assim sendo, é fundamental a imposição de que cada município positive a

elaboração de seus Conselhos Tutelares, com a adequada atuação do Ministério

Público, fiscalizando a elaboração de leis orçamentárias, a destinação dos recursos

49 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Dispõe sobre Direitos Fundamentais, organização do Estado Democrático Brasileiro de Direito, regula as demais normas internas. Diário Oficial da União, Brasília, n. 191-A, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 08 de maio de 2015 50 Art. 88 da Lei nº 8.069/1989: São diretrizes da política de atendimento: I - municipalização do atendimento; II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais; III - criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa; IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente 51 SEDA, Edson. Política de Atendimento. Disponível em <http://www.promenino.org.br/Ferramentas/DireitosdasCriancaseAdolescentes/tabid/77/ConteudoId/3b451b8e-8b0d-494d-bb39-74c9b6cc74a3/Default.aspx>. Acesso em 13 de out. 2014

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públicos, bem como, o cumprimento das políticas e dos programas sociais voltados

para o bem estar da criança e do adolescente.52

52 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 30

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2 SISTEMA DE MEDIDAS APLICADAS À CRIANÇA E AO

ADOLESCENTE NO DIREITO COMPARADO

A finalidade primordial do estudo comparado é uma busca por melhor

assimilar nosso próprio direito à luz de uma maneira que se resume em estudar,

analogamente, as regras e os institutos jurídicos de outros países.

Juntamente com o estudo diacrônico – algo que se fez no capítulo anterior,

analisando as transformações decorridas mediante as sucessões históricas –, o

estudo sincrônico propicia a comparação e a aproximação dos direitos provenientes

de outros países, examinando seu conhecimento, o que auxilia como subsídio de

compreensão do direito nacional.

Sob este prisma, aduz Shecaira:

“Muitas vezes tendências são forjadas em países vizinhos, com culturas semelhantes, ou mesmo dessemelhantes, e permitem buscar um norte que legislativo, quer de políticas públicas, para os mesmos problemas.” 53

Sendo assim, faz-se necessário, um estudo comparativo do sistema de

medidas aplicadas à criança e ao adolescente em diversos países e continentes.

2.1 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Nos Estados Unidos da América (EUA), verifica-se a presença de um

complexo sistema de justiça juvenil. No decorrer de 20 anos mudanças expressivas

foram feitas, convertendo o sistema de punição do indivíduo juvenil muito mais

severo.54

No decorrer do século XIX, houve imensa migração da população americana

das pequenas comunidades rurais para as grandes cidades, rendendo considerável

aumento nos casos de violação das leis nos centros urbanos. As penas primordiais

53 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 65 54 Ibidem. p, 96

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eram deveras rigorosas e as crianças e adolescentes eram penitenciados com a

mesma severidade dos adultos.55

Apenas no final do século XIX, mais pontualmente em 1899, o paradigma se

modificou. Surgiu, então, uma organização rigorosa de reforma sustentando, em

síntese, que a noção de crime com a posterior punição deveria ser renunciada.56

Corroborando com o entendimento acima esposado, Marcus entende que:

“Os jovens infratores deveriam ser “tratados” e “reabilitados”, em vez de institucionalizados num cárcere. A punição deveria ser substituída por uma perspectiva clínica.” 57

O grande modelo dessa época foi a The Illinois Juvenile Court Act of 1899,

que fundou a primeira grande Corte Juvenil, na cidade de Chicago, que foi usada

como parâmetro por diversas outras semelhantes em vários Estados americanos.58

Essa corte subordinava à competência do Juiz de Menores todos os atos

transgressores, bem como todos os atos antissociais, acometidos por infringentes

cuja idade não fosse superior a dezesseis anos.59

O principal propósito das cortes juvenis estabelecidas nesse período não era

sujeitar o jovem a uma punição, remetendo-se a uma reclusão, mas sim reabilitar os

infratores, convertendo-os em indivíduos produtivos para a sociedade.60

A partir de então, é estabelecida a idade de imputabilidade dos adultos em

dezesseis, dezessete ou dezoito anos de idade, a depender do Estado.

Shecaira, ainda aduz que:

“Nesse período, que compreendeu desde a criação da Justiça Tutelar americana até mais ou menos os anos 70 do século passado, o menor infrator era enviado ao reformatório por um período de tempo não superior a seis anos de reabilitação, conforme a gravidade da infração e dependendo da idade do cometimento do crime.” 61

Ínfimas eram as garantias do processo, visto que a Justiça Tutelar dava o juiz

da Corte de Menores ampla arbitrariedade em seus atos decisórios. As consecutivas

interferências da Suprema Corte resultaram por aproximar o informal processo antes

55 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 97 56 MARCUS, Paul. O sistema de justiça juvenil nos Estados Unidos. Relatório Americano para Congresso Preparatório da AIDP. Viena, 2002, p. 2 57 Ibidem, p. 02 58 Ibidem. p. 02 59 Ibidem. p. 02 60 Ibidem. p. 03 61 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 97

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existente ao sistema de persecução penal dos adultos, que se caracteriza como

procedimento mais formal.62

Os Estados Unidos, com a perturbação do seu Estado de Bem-Estar Social

que se exerce ao final dos anos 80 do século XX, e com a percepção de aumento na

criminalidade, vieram a empregar medidas mais rigorosas nos processos criminais

de contraventores juvenis (assim considerados aqueles menores de dezesseis

anos), ou adotando procedimentos próximos aos adotados para adultos, com penas

semelhantes, ou apenas incumbindo o julgamento dos menores para a Justiça

Comum.63

Em alguns Estados, essa transferência somente era permitida quando o autor

do ato infracional fosse maior de dez anos. Dentre os motivos que fundamentavam

tal transferência, Shecaira pontua que:

“Várias eram as causas justificadoras dessa transferência de julgamento e podemos destacar algumas: a seriedade da ofensa; o modo como o crime foi cometido; o envolvimento de violência contra a pessoa; a existência de criminosos adultos envolvidos no mesmo crime; a sofisticação e maturidade do autor do fato; os antecedentes do autor.” 64

Hodiernamente, conforme o Estado, os adolescentes maiores de doze anos

podem ser sujeitados as mesmas sancionatórias aplicadas aos adultos. Desse

modo, apenas a título de informação, dos 38 Estados americanos que admitem a

aplicação de pena de morte, 23 permitem que ela seja aplicada ao menor

transgressor, quando se tratar de crime doloso contra a vida.65

Situação parecida pode ser encontrada nos crimes cuja pena seja a prisão

perpétua, que, em alguns casos, funciona como situação subsidiária quando não é

permitida a pena de morte.

Shecaira, ainda, relata a situação dos EUA no tocante a aplicação de pena

consideradas desumanas, impiedosas aos jovens contraventores, in litteris:

“Convém mencionar que os Estados Unidos não ratificaram a Convenção das Nações Unidas para os Direitos da Criança, razão pela qual não têm compromisso com a eliminação das penas desumandas ou degradantes que possam ser aplicadas aos infratores juvenis.” 66

62 Ibidem. p. 97 63 Ibidem. p. 97 64 Ibidem. p. 98 65 Ibidem. p. 98 66 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 98

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29

Por fim, é de bom tom ressaltar que é praticamente nula a influência

empregada pelos Tratados Internacionais junto às Cortes Americanas que tratam

sobre o tema em tela.

2.2 CHINA

A legislação que versa sobre a responsabilidade dos menores na China é do

ano de 1979, havendo sido retificada em 1997. O art. 17, § 1º, do Estatuto Criminal

estipula: “a pessoa que alcançou a idade de dezoito anos e cometa um crime, será

criminalmente responsabilizada”.67

A responsabilização dos que tenham mais de quatorze anos e menos de

dezoito de anos pelos crimes mais danosos como homicídio, lesões graves

intencionais, estupro, roubo, tráfico de drogas, incêndio, explosão, envenenamento

etc. é elencada no § 2º do referido artigo.68

Quanto aos demais crimes, Xiarong afirma que:

“[...] especialmente aqueles cometidos sem violência, depois da reforma de 1997, a responsabilidade se dará aos dezesseis anos. Abaixo dessas idades (quatorze anos para crimes mais graves e dezesseis para os demais crimes) a ênfase deve ser a “educação, reciclagem pessoal e detenção”. 69

É importante pontuar que, necessariamente, as penas aplicadas aos adultos

são mais severas que as impostas aos menores de dezoito anos. Além disso, as

penas aplicadas aos jovens, em estabelecimento institucional, devem ser de caráter

ressocializatórias, com ênfase no atendimento educacional, abarcando a educação

secundária. 70

Observa-se, também, que o sistema de punição juvenil está esteado no

princípio da legalidade, de modo que ninguém poderá ser condenado sem ter

cometido ato infracional e sem lei anterior que o defina.71

67 Ibidem. p. 87 68 Ibidem. p. 87 69 XIARONG, Gu; XIANG, Guo. Criminal responsability of minors in national and international legal order. Relatório chinês para Congresso Preparatório da AIDA. Viena, 2002, p. 5 70 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 87 71 Ibidem, p. 88

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30

Quanto a prisão perpétua, não há um posicionamento majoritário por parte da

doutrina no tocante à sua possível aplicação, visto que o Código é omisso sobre o

assunto. Existe a tendência ao não acatamento da possibilidade de penas de prisão

perpétua, eis que está expresso no próprio Código previsão na acepção de que as

penas impostas aos menores de dezoito anos serão, sempre, mais brandas

possíveis.72

Entretanto, no que diz respeito a pena de morte, temos previsão legal

expressa no Código Criminal, conforme entendimento de Shecaira: “O art. 49, do

Código Criminal expressamente exclui o menor de uma pena de morte se, quando

do cometimento do delito, tinha idade inferior a dezoito anos”. 73

Destarte, o art. 44, da Lei de Prevenção assegura o foco deve ser a política

de educação, correção e induzimento, empregando o princípio da “educação

primeiro, punição depois”, o que no Brasil, corresponderia ao chamado princípio da

ultima ratio, no sentido de que a punição nem sempre seria a melhor saída para

resolver os conflitos de um adolescente delituoso, devendo-se, antes, intervir em sua

educação e valores morais. 74

Caso o adolescente infrator seja réu primário e o crime cometido por esse não

tenha sido de natureza gravosa, poderá cumprir medidas não institucionais, com a

retenção da sentença, mediante certas condições, em um órgão controlado pela

polícia.75

Corroborando com a tese acima elencada e abrangendo sobre o tema

referenciado, Shecaira leciona que:

“[...] As penas institucionais, por seu turno, são sempre cumpridas em estabelecimentos distintos daqueles destinados ao cumprimento da pena para adultos, mesmo quando haja pena cujo cumprimento obrigue a permanência por longo período encarcerado.” 76

Conforme o art. 45, da Lei de Prevenção, nenhum acontecimento que envolva

crimes praticados por adolescentes poderá ser alvo de reportagens, filmes,

programas de televisão, publicações de circulação aberta que autorize expor o

nome, endereços ou fotografias dos envoltos, ou quaisquer informações que

72 Ibidem, p. 88 73 Ibidem, p. 88 74 XIARONG, Gu; XIANG, Guo. Criminal responsability of minors in national and international legal order. Relatório chinês para Congresso Preparatório da AIDA. Viena, 2002, p. 8 75 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 89 76 Ibidem, p. 89

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31

propague suas identidades, asseverando, assim, o direito ao contraditório e ampla

defesa e do devido processo legal do menor.77

2.3 COSTA RICA

Em 1º de maio de 1996 começou a viger a Lei de Justiça Penal Juvenil da

Costa Rica, destacando-se como principal contribuição o Programa de Sanções

Alternativas para Adolescente, criado em agosto de 1996, cujo intuito principal foi a

composição de um modelo de atendimento integral para o jovem transgressor que

tivesse que cumprir medida diversa da privação de liberdade, por meio de artifícios

institucionais e comunitários existentes.78

Assim como acontece no direito brasileiro, o sistema de medidas de punição

de menores infratores da Costa Rica conduz sobre a idade da não imputabilidade

aos menores de dezoito anos, determinando os doze anos como a idade de

responsabilização ao jovem transgressor. Adolescentes menores de 12 anos não

terão qualquer tipo de responsabilidade criminal, ficando possível, apenas, medidas

protetivas.79

Existem duas vertentes no que tange ao sistema de sanções da costa Rica:

as sanções socioeducativas e as sanções estacionárias. Vejamos como funciona o

sistema de sanções socioeducativas à luz de Carlos Tiffer:

“São sanções socioeducativas aquelas que não possuem natureza institucional e que têm a clara finalidade de evitar o confinamento do adolescente em centros penitenciários. Podem ser destacadas as seguintes: admoestação, liberdade assistida (a liberdade é atribuída ao jovem sancionado, sob controle do juiz, ficando submetido aos programas educativos de orientação); prestação de serviços à comunidade (por meio de trabalho a ser prestado com o fim de eliminar o prejuízo causado); e substituição da reparação por uma soma em dinheiro.” 80

77 Ibidem, p. 89 78 MORA, Ada Luz. Programa de sanções alternativas para adolescentes: a experiência da Costa Rica. Defesa de adolescentes: o papel da universidade. Revista do ILANUD, nº 20, São Paulo, 2002, p. 65 79 Tiffer, Carlos. A sanção penal juvenil da Costa Rica. Defesa de adolescente: o papel da universidade. Revista do Ilanud, São Paulo, n. 20, 2002, p. 48 80 Ibidem. p. 49

Page 32: Monografia (Versão Final)

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Além disso, o país ainda conjectura, no tocante as sanções ditas “não

institucionais” as chamadas ordens de orientação e supervisão, que nada mais são

do que espécies de condições que deverão ser seguidas pelos jovens infratores.

Elas vão desde a proibição do jovem de se relacionar com certas pessoas, não

aparecer em lugares determinados ou residir em determinada área ou transferir seu

domicílio.81

Ademais, existem determinações como a de matricular-se em uma instituição

de ensino formal, de efetuar algum serviço, ainda como, em certos casos, de ser

internar-se em clínicas, com o fito de se desintoxicar ou suprimir a dependência de

drogas.

No tocante as sanções estacionárias, vejamos o que ensina Shecaira:

“[...] As sanções estacionárias, por seu turno, são assim designadas por restringirem a liberdade de circulação e o livre trânsito de pessoas, mantendo-as em determinado recinto durante o período determinado. São previstas três modalidades: internação domiciliar, internação durante o tempo livre (como a restrição de direitos de limitação de fim de semana) e a internação em um centro especializado. Esta sanção, por ser mais grave, reveste-se de um caráter de excepcionalidade. O quantum máximo da sanção de internação é determinado segundo a idade do jovem. [...]” 82

O prazo de internação para adolescente com idades de doze aos quinze anos

é de, no máximo, dez anos. Para aqueles que possuem idades entre quinze e

dezoito anos, este prazo aumenta para quinze anos. A determinação de internação

somente deve ser aplicada aos adolescentes que cometerem crimes dolosos do

Código Penal que tenham determinação de pena supressiva de liberdade excedente

a seis anos, ou no caso do jovem não ter realizado as sanções socioeducativas a ele

impostas.83

Os centros de recolhimento de adolescentes devem ter uma segmentação

diferenciada para os jovens entre doze e quinze anos, e outra divisão para aqueles

com idades entre os quinze e dezoito anos. Não devem, também, ficar juntos sob

mesmo ambiente aqueles menores infratores retidos temporariamente com os que

têm internação definitivamente estipulada.84

81 Ibidem. p. 49 82 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 92 83 Tiffer, Carlos. A sanção penal juvenil da Costa Rica. Defesa de adolescente: o papel da universidade. Revista do Ilanud, São Paulo, n. 20, 2002, p. 55 84 Ibidem, p. 56

Page 33: Monografia (Versão Final)

33

Tiffer leciona sobre as medidas a serem tomadas quando o adolescente

ultrapassa os dezoito anos, e estão alocados em centros de internação, in verbis:

“[...] quando um jovem ultrapassa a maioridade e está cumprindo a sanção de

internação em centro especializado, deve ser transferido a um presídio de adultos,

ficando, outrossim, física e mentalmente em recinto separado.” 85

Existem hipóteses em que há a possibilidade de aplicação de medidas que

não judicializadoras, como a conciliação entre as partes, sendo elas:

“[...] a insignificância do ato, a colaboração do adolescente para com a investigação, o sofrimento que o adolescente tenha tido com seu próprio ato (dano físico ou moral grave) e a desnecessidade do processo quando a sanção que se espera impor carecer de importância.” 86

Ademais, o jovem infrator deve ter patrono constituído ou nomeado, a fim de

que lhe seja garantido o direito ao contraditório e a ampla defesa. O procedimento é

acusatório, contando, ainda, com o remetimento do Ministério Público, devendo ser

confirmado pelo Juiz especializado.87

2.4 INGLATERRA

Na Inglaterra, o Direito Romano serviu como base para criação do método a

ser seguido para demarcação da responsabilidade penal do menor no direito

comum. Durante um grande lapso temporal, a responsabilidade penal atingia todos

os crimes cometidos por crianças com idade de até sete anos, com julgamento

fidedigno ao dos adultos, com sanções tão severas quanto às impostas na justiça

comum.88

Referências apontam para execuções de crianças de dez anos por furto de

cavalos no ano de 1784. As cortes juvenis foram formadas em 1908 e em 1933 a

Children and Young Persons Act elevou a idade mínima de responsabilidade penal

para 8 anos. No ano de 1969, houve edição de nova lei, versando sobre o mesmo

85 Ibidem, p. 56 86 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 93 87 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 93 88 Ibidem, p. 76

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34

assunto, Children and Young Person Act, que majorou a idade de responsabilidade

penal de 8 para 10 anos. 89

Com relação aos regimes vigentes, Shecaira elenca três categorias

primordiais:

“[...] Abaixo dos dez anos, não há qualquer responsabilidade penal por ato delituoso, não podendo um menor ser submetido a qualquer procedimento penal. Entre dez e quatorze existe a categoria de Child. [...] Entre quatorze e dezoito anos, presume-se que o jovem (Young Person) seja plenamente responsável por seus atos. Assim, a única diferença entre Children e Young Person está na quantidade de pena, que é diferenciada. Por fim, existe a categoria de jovens adultos, para aqueles com mais de dezoito e menos de vinte e um anos, que têm penas atenuadas.” 90

O regime penal é dotado de complexidade, podendo tanto ser determinado

pelas cortes juvenis (Juvenile Court), em situações de delitos de natureza leve,

quanto pelos tribunais comuns (Crown Court), em hipóteses de infrações mais

graves, ou na eventualidade do adolescente ter coautoria com adultos.91

Existem diferenças, previstas na em legislação, entre medidas e sanções. No

campo das medidas que não privam a liberdade do indivíduo, merecem destaques:

“[...] A liberdade sem condição (absolute discharge), cabível para os crimes de bagatela e quando o tribunal entender que não há perigo de reincidência; a multa, que pode variar de 250 a 1000 libras; a liberdade vigiada, executada com mais ou menos restrições, conforme a gravidade do ato; o programa intensivo de vigilância e supervisão. Mecanismo que exige do infrator um mínimo de 25 horas de contato entre o menor e a pessoa encarregada de supervisão; a suspensão da sentença mediante condições.” 92

Dentre as sanções alternativas à reclusão, citam-se:

“[...] A prestação de serviços à comunidade, de 6 a 8 horas semanais; a ordem de reparação do dano, usada como complemento da anterior; a ordem de compensação, por meio da qual são fixados valores a serem pagos para a vítima; a limitação à circulação, medida que obriga o infrator a permanecer em determinado lugar – tal sanção se faz, normalmente, por meio de vigilância eletrônica.” 93

Enfim, existem, também, diversas medidas convencionais, podendo ser de

duração reduzida, na concepção do short-sharp-shock, ou, em casos mais severos,

89 Ibidem, p. 76 90 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 77 91 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 77 92 Ibidem, p. 77 93 Ibidem, p. 78

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35

adquirir caráter de prisão perpétua. Tem-se, ainda, a possibilidade de aplicação de

penas não determinadas, com habituais revisões do Poder Judiciário94.

94 Ibidem, p. 78

Page 36: Monografia (Versão Final)

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3 A NECESSIDADE DE ALIAR O ESTATUTO DA CRIANÇA E

DO ADOLESCENTE À POLÍTICAS PÚBLICAS

Os direitos fundamentais são aqueles inerentes ao ser humano desde o seu

nascimento, são aqueles prescritos e vigentes no ordenamento jurídico pátrio.

Refere-se a uma ordem legal criada para resguardar a dignidade da pessoa humana

em todos os seus sentidos.95

Por conseguinte, com a conquista dos privilégios legais, as crianças e os

adolescentes obtiveram uma perspectiva normativa prevendo os direitos essenciais

assegurados de maneira ampla.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reiterou os direitos e garantias

previstos na Carta Constitucional das crianças e adolescentes, agora considerados

indivíduos detentores de privilégios, vieram a gozar e ter garantidos todos os direitos

difusos e coletivos, elencados nos artigos 5º, 6º e 7º, da Constituição Federal, além

dos artigos mencionados no ECA.96

João Roberto Elias define a proteção íntegra “como sendo o fornecimento à

criança e ao adolescente, de toda assistência necessária ao pleno desenvolvimento

de sua personalidade.”97

O artigo constitucional inerente às garantias e aos direitos essenciais da

população infanto-juvenil é o artigo 227, caput, da Lei Maior, abaixo transcrito:

“[...] É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao resp eito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária , além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...]” 98 (grifo meu)

95 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 31 96 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri: Manole, 2003, p. 7 97 ELIAS, João Roberto. Direitos fundamentais da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 2 98 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Dispõe sobre Direitos Fundamentais, organização do Estado Democrático Brasileiro de Direito, regula as demais normas internas. Diário Oficial da União, Brasília, n. 191-A, de 5 de outubro de 1988. Disponível em

Page 37: Monografia (Versão Final)

37

Todavia, no tocante em especial aos direitos fundamentais intrínsecos à

população infanto-juvenil, o legislador constitucional esmerou-se em catalogar os

outros dispositivos: os direitos fundamentais e cruciais para a perfeita formação de

uma pessoa em crescimento. Esses indivíduos em estágio de formação carecem de

maior apoio e de cuidado especializado, uma vez que a finalidade é preservar a

integridade física, moral e social das crianças e dos adolescentes.99

No próximo tópico, deve-se analisar as medidas socioeducativas e suas

espécies, com a finalidade de obter maior conhecimento sobre o material de estudo

e dar continuidade ao trabalho.

3.1 AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PREVISTAS NO ECA

As medidas socioeducativas elencadas no ECA foram arquitetadas com

fundamento nas normativas internacionais e nacional que embasaram a preservação

de atendimento justo e digno de crianças e adolescentes. As formas de intervenção

sobre os adolescentes infratores devem ser ajustadas de acordo com a seriedade do

fato e sua personalidade, e visar, especialmente, à reeducação do transgressor.

O ECA busca assentar um sistema de conservação da educação, sem deixar

de lado o interesse público. Fixa-se a sanção pelo fato praticado, porém as medidas

visam que esse jovem não retorne ao mundo do crime. Assim sendo, mas medidas

têm um caráter mais subjetivo que objetivo, mais educador que repressivo.100

Deste modo, as medidas socioeducativas trabalham concomitantemente em

duas vertentes: na guarda dos direitos do adolescente na desaprovação e na

prevenção do ato criminoso. Marli Renate, sobre o tema, se posiciona no sentido de

que:

“As medidas socioeducativas comportam aspectos de natureza coercitiva, uma vez que são punitivas aos infratores, e aspectos educativos no sendo da proteção integral e oportunização, e do

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 08 de maio de 2015 99 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 31 100 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude. – 2. Ed. Atual. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 90

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acesso à formação e informação. Sendo que em cada medida esses elementos apresentam graduação de acordo com a gravidade do delito e/ou sua reiteração.” 101

Destarte, o ECA prescreve, em seu artigo 112, as medidas socioeducativas

cabíveis aos jovens autores responsáveis por atos criminosos. Essas medidas

enumeradas no artigo 112 do Estatuto estão fracionadas em dois grupos distintos. O

primeiro grupo compreende as medidas que não privam a liberdade do menor

infrator; o segundo, abarca as medidas privativo-restritivas de locomoção.102

As medidas devem ser certas e determinadas, e, também, mencionada pelo

legislador com anterioridade à pratica do fato criminoso. Quer dizer, as medidas

devem estar conduzidas por dois arrimos primordiais: a tipicidade e a determinação

temporal. Nas palavras do doutrinador Válter Ishida, tem-se que “Trata-se de um rol

taxativo, aplicando-se no caso o princípio da legalidade, admitindo-se sanção

previamente estabelecida por lei”.103

As medidas socioeducativas são expressas conforme os artigos do Título III,

Capítulo IV, do ECA. Observemos o artigo 112, que lista e descreve essas medidas:

“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.” 104

Os incisos I a IV indicam as medidas socioeducativas a serem realizadas em

meio aberto e pouco limitam o direito de ir e vir do adolescente, muito menos o

101 ROESTER, Marli Renate von Borstel; BIDARRA, Zelimar Soares. Socioeducação: reflexos para a construção de um projeto coletivo de formação cidadã. Cascavel: EDUNIOESTE, p. 142 102 Ibidem, p. 142 103 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 13º ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 246/247 104 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 de JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acessado em: 16 de novembro de 2014

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sujeita ao desempenho de regras rígidas impelidas pelo programa de execução.

Enquanto que as medidas privativas de liberdade, elencadas nos incisos V e VI do

artigo supramencionado, acarretam na limitação do deslocamento do adolescente,

somente devendo ser impostas em casos mais graves e quando as demais medidas

se mostrarem falhas na mudança de comportamento do jovem.

Após esse breve intróito, faz-se necessário maior esclarecimento sobre as

medidas socioeducativas em espécie.

3.1.1 Advertência

A primeira medida socioeducativa fitada pelo ECA é a advertência, prevista no

art. 112, inciso I, do referido Estatuto, que nada mais é do que uma observação

verbal com caráter crítico, uma censura após uma análise de comportamento do

menor. Segundo o art. 115, do referido Estatuto, a advertência deverá ser cumprida

em audiência e, após, reduzida a termo. 105

O objetivo principal da medida em comento é fazer com que o menor perceba

a seriedade da conduta por ele cometida e os resultados que tiveram ou poderiam

ter tido. Na verdade, a advertência funciona como atemorização de sanção mais

severa na eventualidade de nova prática transgressora por parte do adolescente.

Tal medida deve não deve ser aplicada em prolongado espaço temporal em

relação à execução do crime, especialmente para que o jovem entenda que a

transgressão não passou despercebida. Ademais, somente deve ser usada nos

casos de atos delituosos leves e, especificamente, aos contraventores primários,

visto que seu êxito seria insignificante em casos mais graves.

Quanto a advertência é importante pontuar ainda que “é pouco recomendável,

porque pressupõe no adolescente um certo desenvolvimento intelectual para

entender seu alcance e grande força de vontade para ajustar a ela sua conduta no

futuro”.106

Por mais que o ECA admita a obrigação da medida de advertência sem prova

definitiva de autoria, conforma prevê o art. 114, parágrafo único, do mencionado

105 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 de JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acessado em: 16 de novembro de 2014 106 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude. – 2. Ed. Atual. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 92

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Estatuto, o juiz não deve fazê-la. Reforçando a proposição retro mencionada,

vejamos ensinamento de Roberto Barbosa Alves:

“A fórmula do ECA colide com os direitos à presunção de inocência e ao devido processo, consagrados constitucionalmente. Para que não se lesionem tais direitos, será sempre necessário operar com plenitude de provas.” 107

Deste modo, a determinação de qualquer medida, mesmo que uma simples

advertência, deverá admitir como hipótese a anterior veracidade da ação, sempre

pautada por prova suficiente.

3.1.2 Obrigação de reparar o dano

Prevista no art. 112, II, do ECA, a medida socioeducativa em comento

destina-se aos casos onde hajam reflexos patrimoniais, como por exemplo, delitos

de trânsito, abarcando as lesões culposas, o homicídio culposo, a direção perigosa e

a falta habilitação. 108

Pode estear-se na restituição de uma coisa ou em qualquer outra forma de

compensar o prejuízo a vítima em caso de impossibilidade de cumprimento da

medida, como em caso de falta de recursos financeiros por parte do menor infrator

(art. 116, do ECA).

O TJSP entendeu que, quando se tratar de estelionato praticado com

subtração de talonário de cheque, a melhor medida seria a de reparar o dano.109

107 Idem, p. 92 108 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 de JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acessado em: 16 de novembro de 2014 109 A r. sentença de fls. 66/67, cujo relatório fica incorporado, concedeu remissão à adolescente R. L. P. S., cumulada com medida sócio-educativa de advertência, nos autos da representação do Ministério Público, porque em data e horários não determinados a adolescente S. B. D. S. apropriou-se de um talão de cheques do Banco América do Sul, pertencentes a “C. D. F. E. L. S. Ltda.”, e, consorciada com a adolescente R. L., agindo com unidade de desígnios, dirigiram-se a vários estabelecimentos comerciais da Cidade e Comarca de Presidente Prudente e, preenchendo as cártulas previamente assinadas pela correntista, fizeram compras e gastos, recebendo trocos com o preenchimento de valores superiores, cabendo a R. L. parte do produto apropriado. [...] De tal arte, a medida de simples advertência em nada contribuiu para a reeducação da recorrida, pois o ideal é que a adolescente reconduza as coisas ao “status quo ante” ou, por outra forma, compense os prejuízos causados, na medida de sua contribuição para eles, salvo a manifesta impossibilidade de fazê-lo, o que ao juízo de origem competirá verificar.

A mera advertência passa a idéia de apatia da autoridade judiciária, devendo a medida sócio-educativa incutir na pessoa do adolescente, de vez que essa é a finalidade do Estatuto, a exata dimensão do prejuízo causado com o ato infracional, para desestímulo de eventual recidiva.

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No que diz respeito a responsabilidade civil dos pais ou responsáveis pelo

fato criminoso com reflexo pecuniário, a doutrina e jurisprudência majoritárias se

posicionam no sendo de que “é certo que predomina o entendimento da presunção

relativa dos pais, podendo apenas ser elidida pela provas destes que não atuaram

com culpa”.110

Destaca-se, também, posicionamento do doutrinador Airton Jacob Alvares, no

sendo de que “o art. 116 do ECA prevalece sobre o art. 928, do CC. Assim, embora

o filho seja o devedor principal, nada impede que a responsabilidade dos pais seja

solidária e não apenas subsidiária”.111

Por fim, a reparação não deve ser tratada como medida autônoma, porém

como uma circunstância visando a outorga de vantagens ao adolescente

transgressor, devendo provocar no menor “o senso de responsabilidade social e

econômica em face do bem alheio”. Tal medida necessita trazer a reparação do

dano suportado pela vítima face ao sentido educativo e ressocializador que se

destina. 112

3.1.3 Prestação de serviços à comunidade

Elencada no art. 112, inciso III, do ECA, a prestação de serviços à

comunidade respalda-se no exercício de atividades não-onerosas em prol da

sociedade, por lapso temporal não excedente a 6 meses, em entidades

assistenciais, hospitais, escolas, e outros estabelecimentos congêneres, ou

Todavia, a adolescente não deve suportar mais do que o equivalente à metade do deságio patrimonial provocado, respondendo sua comparsa pela metade restante, se for o caso. O ressarcimento deve ser feito de modo a não acarretar sacrifício desproporcional aos ganhos da adolescente, simples industriária, podendo ser parcelado, desde que se aproxime do integral equivalente à metade.

Isto posto, pelo meu voto, dá-se provimento ao recurso para o fim de ser à adolescente recorrida aplicada medida sócio-educativa de obrigação de reparar o dano, como acima explicitado, cuja viabilidade de execução deverá ser aferida no juízo de origem.

TJSP – Apelação Cível nº 28.888-0/6 – Comarca de Presidente Prudente – Apelante o Promotor de Justiça da Vara e da Juventude da Comarca – Apelada a menor R. L. P. S., sendo interessada a menor S. B. D. S. – v. u. – j. 7-11-1996 – Voto nº 1.754. 110 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 13º ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 255 111 ALVARES, Airton Jacob. A responsabilidade civil do representante legal do adolescente infrator e a obrigação de reparação do dano. Doutorado em direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 2008, p. 142 112 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 13º ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 253

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programas comunitários ou governamentais, com carga horária máxima de 8 horas

por semana, desde que não maleficie a frequência escolar ou trabalho, conforme

prescreve o art. 117 e parágrafo único do ECA. 113

Roberto Barbosa Alves posiciona-se no sentido de que:

“[...] A prestação de serviços à comunidade não pode ser imposta coercitivamente, mas depende do consentimento do adolescente e de seus representantes legais. O consentimento é necessário para eliminar o caráter de trabalho forçado que a medida possa significar, e que a Constituição Federal (art. 5º, XLVII, c) e o ECA (art. 112, § 2º) proíbem. [...]” 114

No que tange ao porte de uso de drogas pelo menor transgressor, é

perfeitamente admitido a utilizar a medida em tela, salvo nos casos de tráfico de

drogas. Assim como é recomendável a medida em comento na eventualidade de

jovem envolvido com o “jogo do bicho”, mesmo que antes já tenha sido lhe aplicada

medida de advertência pelo mesmo motivo. Impossível é a permuta da medida

socioeducativa de prestação de serviços por pena de pagamento de multa, conforme

entendimento jurisprudencial. 115

3.1.4 Liberdade assistida

A liberdade assistida está elencada no art. 112, inciso IV, do ECA, e é

aplicada nos casos em que tenha-se a obrigação de acompanhamento, auxílio ou

orientação para o adolescente (art. 118, do ECA). 116

A medida deve ser indicada pelo juiz, que indicará pessoa encarregada do

acompanhamento do adolescente, com o fito de articular a integração social do

jovem e de sua família, com o apoio de programas comunitários, quando necessário.

Luiz Ribeiro Machado, sobre a liberdade assistida, leciona que “[...] ela será

exercida por pessoa capacitada ou serviço especializado designado pelo juiz de

113 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 de JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acessado em: 16 de novembro de 2014 114 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude. – 2. Ed. Atual. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 92/93 115 “Menor – Infração – Medida socioeducativa – Prestação de serviços à comunidade – Substituição pena de multa – Inadmissibilidade – Figura inexistente entre as hipóteses do art. 112 do ECA – Recurso não provido.” (TJSP – C. Esp. – Ap. – Rel. Lair Loureiro – j. 22-12-94 – JTJ-LEX/115.) 116 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 de JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acessado em: 16 de novembro de 2014

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menores, que deve orientar sua situação junto ao menor, segundo as regras de

conduta que lhe forem ditadas.” 117

O prazo máximo que pode durar a medida de liberdade assistida é de 6

meses, permitindo sua prorrogação, exclusão ou substituição por medida diversa.

3.1.5 Semiliberdade

A medida de semiliberdade está elencada no art. 112, V, do ECA118 e, nada

mais é, do que a internação em estabelecimento adaptado conforme as

necessidades de cada adolescente, sem que este tenha que deixar de frequentar a

escola e realizar suas atividades fora do local de internação.119

Ainda sobre a medida em tela, Liberati aduz que:

“Revela-se a medida citada providência de alto valor terapêutico e eficaz para a integração social do adolescente, dando-lhe garantia e oportunidade de uma atividade útil e laborativa na comunidade, com o acompanhamento de equipe técnica especializada.” 120

Apesar de não possuir prazo certo, nunca poderá ultrapassar período maior

que três anos. Trata-se de uma maneira de transição para o regime semiaberto. 121

3.1.6 Internação

A medida de internação, fundamentada no art. 112, VI, do ECA, trata de

medida breve, atípica e de acordo com o status do adolescente de indivíduo em

evolução. É a medida mais grave dentre as vistas até o tópico. 122

O ECA, determina que o adolescente infrator deva permanecer, durante um

lapso temporal em um centro, sob regime de privação de liberdade. Está

117 RIBEIRO MACHADO, Antônio Luiz. Código de Menores comentado. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 52 118 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 de JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acessado em: 16 de novembro de 2014 119 Ibidem 120 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da criança e do adolescente. 10ª ed. Malheiros, São Paulo, 2006, p.101 121 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 de JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acessado em: 16 de novembro de 2014 122 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da criança e do adolescente. 10ª ed. Malheiros, São Paulo, 2006, p.121

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44

fundamentada em três princípios básicos: o da brevidade, o da excepcionalidade e o

do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.123

Roberto Barbosa Alves elenca os objetivos primordiais da medida em

comento:

“Seus objetivos fundamentais devem ser o de prevenção, para que não se instale definitivamente a inadaptação, e o de reestruturação da personalidade do adolescente, para alcançar um grau de maturidade pessoal que permita a vida em sociedade através de atividades educativas, laborais e de lazer. “124

A internação é decretada pelo período não pré-fixado e reavaliada a cada 6

meses, sem, contudo, exceder 6 meses, devendo, após o cumprimento da medida, o

adolescente, ser colocado em liberdade, em semiliberdade ou em liberdade

assistida.

O ECA, em seu art. 122, § 2º, determina que, quando houver possibilidade de

aplicação de medida menos gravosa, estas devem ser usadas no lugar da medida

em tela, o que configura o princípio da excepcionalidade.125

Por outro viés, o próprio ECA elenca as possibilidades de aplicação da

medida de internação, prescritas no art. 122, I e II, do Estatuto, mediante rol taxativo,

sendo elas:

“Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.” 126

O ECA assevera que a medida deve ser usada como ultima ratio, deixando

claro que esta só não deve ser aplicada em atos infracionais praticados sem

violência ou grave ameaça. O STJ sumulou entendimento sobre a medida em

comento, no sentido de que “O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si

123 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 13º ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 263 124 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude. – 2. Ed. Atual. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 93 125 Idem, p. 93 126 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 de JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acessado em: 16 de novembro de 2014 126 Ibidem

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só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de

internação do adolescente”.127

3.2 CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A política pública é um planejamento feito pelo Estado, a fim de que esse

possa executar algo que é de sua obrigação. Este planejamento é feito por meio da

escolha de pessoas capacitadas, geralmente servidores, para prestar consultoria ao

governo.

Rodolfo de Camargo Mancuso assemelha políticas públicas a condutas da

administração e elucida que:

“[...] a política pública pode ser considerada como a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle jurisdicional amplo e exauriente, especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados.” 128

Fábio Comparato reconhece formalmente políticas públicas como programa

de governo, conforme se observa: “[...] o critério classificatório das funções e,

portanto, dos Poderes estatais só pode ser o das políticas públicas ou programas de

ação governamental”129, bem como Maria Paula Dallari Bucci completa a sua

conceituação ao incentivar a participação da sociedade civil:

“Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.”130

Segundo Heidemann, política pública deve ter a abordagem multicêntrica, ou

seja, mais relevante do que formula a política, é a origem do problema a ser

127 BRASIL. Súmula 492 - DJe 13/08/2012 RSTJ vol. 227 p. 951 Decisão: 08/08/2012

128 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Controle judicial das chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Edis (coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 730 129 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. RT, São Paulo, n. 737, 1997, p. 15/17 130 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas: Saraiva, 2002, p. 241

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enfrentado, esse devendo ser de ordem pública, para atingir sua caracterização

essencial:

“[...] a perspectiva de política pública vai além da perspectiva de políticas governamentais, na medida em que o governo, com sua estrutura administrativa, não é a única instituição a servir à comunidade política, isto é, a promover “políticas públicas”.” 131

Políticas públicas são o engendramento de ação Estatal, por meio de

diretrizes da administração pública direta e indireta, com a finalidade de efetivação

dos projetos ou programas previstos em normas legais ou constitucionais,

subjugando-se a amplo controle judicial, e direcionando os recursos públicos e, por

que não, particulares, para a concretização das metas tidas como mais importantes

para a coletividade.

3.3 TEORIAS DA SOCIALIZAÇÃO

A socialização pode ser compreendida como uma área de averiguação que

examina as relações inseparáveis entre indivíduo e sociedade, podendo evidenciar

as instituições sociais como base da cultura do indivíduo, realçar técnicas de

transmissão, para atuar na modificação dos valores do coletivo, para posteriormente

estudar o processo de absorção das interferências sofridas pelo sujeito no decorrer

de suas práticas vividas.132

É possível que o processo de socialização determine métodos que visem

buscar soluções para a proposta apresentada mais extensa do que o processo de

educação tradicional. Esse último, por diversas vezes é visto como procedimento

intencionalmente agressivo e, por vezes, repetitivo, enquanto que aquele tem o

benefício de unificar os conceitos analisados anteriormente a diversas ações

inefáveis, passíveis de se atribuir a um grande número de indivíduos, de maneira

131 HEIDEMANN, Francisco G. Políticas Públicas e Desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. 2. ed. Editora Universidade de Brasília, 2010, p. 31 132 CORCUFF, Philippe. As novas sociologias: construções da realidade social. Bauru: EDUSC, 2001

Page 47: Monografia (Versão Final)

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não-sistemática, ou seja, ocorre hodiernamente através dos contatos primários,

podendo citar, como exemplo, a família.133

Estas ações, obtidas de forma natural na família, na escola, na orientação

religiosa, no ambiente laboral ou em grupos de amigos, de uma forma ou de outra,

acabaram por colaborar na construção dos indivíduos e da vida social.134

Para melhor compreensão do tema em estudo, é necessário maior elucidação

sobre os conceitos de coletivo/social, nas palavras da professora Maria Graça

Jacinto Stton:

“[...] A noção de coletivo ou social, distinto do individual ligado à psicologia, estaria na base da definição da sociologia; o coletivo remeteria à noção de constrangimento do universo exterior que, impondo-se aos agentes, teria um domínio de validade, no espaço e no tempo, ultrapassando consciências individuais. Dessa forma, a objetividade do mundo social teria uma consistência independente dos indivíduos que o compõem.” 135

A partir da década de 80, as novas sociologias passaram a assimilar o

conceito de indivíduos plurais, quer dizer, indivíduos formados como consequência

de diversas relações sociais. A partir de uma perspectiva construtivista, as novas

sociologias inclinar-se-iam a observar, por meio das produções humanas, as

realidades societárias como construções históricas e rotineiras entre protagonistas

individuais e coletivos.136

Martuccelli leciona que o maior desafio da sociologia contemporânea é

sistematizar um vínculo entre a “bagagem” que cada indivíduo carrega consigo e a o

meio social em que vive. A imagem de socialialização, entendida como “processo

progressivo de investimento no ator pelo social no qual ele se dotaria de

competências para viver em sociedade” começa a perder eficácia, vez que o ser

humano está cada vez mais submerso em uma diversidade de tendências

culturais.137

133 Ibidem 134 CORCUFF, Philippe. As novas sociologias: construções da realidade social. Bauru: EDUSC, 2001 135 SETTON, Maria Graça Jacintho. Teorias da socialização: um estudo sobre as relações entre indivíduo e sociedade. Educ. Pesqui. , São Paulo , v. 37, n. 4, Dec. 2011 . Acessado em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022011000400003&lng=en&nrm=iso>. access on 12 Nov. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022011000400003 136 CORCUFF, Philippe. As novas sociologias: construções da realidade social. Bauru: EDUSC, 2001 137 MARTUCCELLI, Danilo. Grammaires de l´individu . Paris: Gallimard, 2002, p. 29. Tradução e organização de Maria da Graça SETTON

Page 48: Monografia (Versão Final)

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Mas como seria possível capturar a particularidade de cada indivíduo no

momento em que a soberania cultural é tão diferenciada e os trajetos sociais não

dispõe de independência pertinente? Martuccelli disserta sobre o assunto:

“Por razões indissociavelmente teóricas e históricas, o processo de constituição dos indivíduos está se tornando, verdadeiramente, um elemento de base da análise sociológica. No contexto atual, e principalmente a partir das considerações do que chamamos frequentemente de maneira confusa globalização, o indivíduo é cada vez mais descrito como estando submetido a um conjunto de fenômenos abertos e contraditórios, onde se misturam, ainda uma vez, antigas certezas. A tarefa da sociologia será de dar conta dos laços ambivalentes entre esta situação global e a injunção de tornar-se um indivíduo.” 138

Deste modo, constata-se que a via socializadora não é simplória, nem

exclusiva, o íntimo de cada ser é derivado de uma sobreposição e multiplicidade de

costumes.139

Nesta linha de raciocínio, Martuccelli afirma que “[...] toda identidade é um

amálgama de estruturas históricas anteriores dando lugar a uma série de conflitos

internos, às vezes compreensíveis graças ao esclarecimento das diversas tradições

de onde provêm”.140

Assim sendo, Dubet explica que a experiência serve como fator determinante

para unir a força das bases sociais na formação do indivíduo. No multifacetado

conceito de socialização encontra-se uma variedade de perspectivas, e o indivíduo é

obrigado a buscar e sistematizar uma associação entre elas. 141

Neste esteio, depreende-se que é impossível inserir, na vida de um indivíduo,

uma medida, seja ela de transformação cultural, ou social, afastada de outras

temáticas de modificação que venham por coordenar e viabilizar os objetivos

propostos. Por exemplo, o ECA, objeto de estudo do presente trabalho, é

extremamente ineficaz na forma como vem sendo aplicado, eis que não deveria ser

empregado dissociado de políticas públicas eficazes, pois, afinal, o direito não pode

andar sozinho, deve sempre estar acompanhado de outras formas de abordagem.

A aplicação das medidas socioeducativas, visando maior eficácia, precisa

estar aliada a políticas públicas eficientes. O adolescente é produto do meio, e, por

138 MARTUCCELLI, Danilo. Grammaires de l´individu . Paris: Gallimard, 2002, p. 30. Tradução e organização de Maria da Graça SETTON 139 Ibidem, p. 30. 140 Ibidem, p. 30 141 DUBET, François; MARTUCCELLI, Danilo. En la escuela: sociologia de la experiencia escolar. Buenos Aires: Editorial Losada, 1998. Tradução e organização de Maria da Graça SETTON

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49

este motivo, precisa ser socializado e o Estado participa, ou melhor, contribui

ofertando condições alcançáveis para ele se socializar. O ECA não precisa ser

desconsiderado, mas, apenas, é necessário o auxílio de medidas, comprometimento

de profissionais, juntamente com os familiares, para atingimento do objetivo

primordial, qual seja, a melhoria do perfil social dos adolescentes contraventores.

3.4 OS PLANOS DE AÇÃO/ESTRATÉGIA USADOS PARA AUXILIAR

O PROCESSO DE REEDUCAÇÃO DO ADOLESCENTE

O educador social é figura de suma importância no campo dos especialistas

que tratam sobre a socioeducação, na medida em que são profissionais que

direcionam e orientam o processo de recuperação do adolescente em conflito com a

lei. 142

O papel dos educadores sociais é demasiadamente dispendioso e este, por

diversas vezes, deve enxergar no jovem transgressor uma possibilidade de

remodelação de condutas que, nem o próprio jovem, tampouco a sociedade,

acreditam ser possível, independente da conduta por ele acometida.143

Corroborando com a tese acima aduzida, Costa leciona que:

“O educador deve ser um dirigente. Abrir mão de uma postura diretiva no encaminhamento do processo é, no nosso ver, abrir mão do próprio papel de educador. É demitir-se da responsabilidade última pelo curso dos acontecimentos.” 144

É extremamente necessário traçar um plano de estratégia para lidar com o

adolescente autor de ato infracional, este pode ser assemelhado a um animal

acuado, que, após ter passado por diversas situações traumatizantes,

instintivamente, reagirá quando se sentir ameaçado por terceiros.

Casos de abandono, rejeição, podem deixar profundas marcas no indivíduo,

todavia, esta situação de fragilidade pode ser amoldada, como por exemplo, por

meio de terapia, por meio do acompanhamento de assistentes sociais,

142 ROESTER, Marli Renate von Borstel; BIDARRA, Zelimar Soares. Socioeducação: reflexos para a construção de um projeto coletivo de formação cidadã. Cascavel: EDUNIOESTE, 2011, p. 118 143 COSTA, F. L.; Castanhar, J. C. Avaliação de programas públicos – desafios conceituais e metodológicos. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 67 144 Ibidem, p. 67

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50

reaproximação de família, onde, o plano de ação consistirá na busca da recuperação

da estrutura moral do adolescente.

As unidades de atendimento devem propiciar um ambiente favorável ao

adolescente em estágio de reeducação, e continuar monitorando este após sua

saída, uma vez que de nada adianta realizar um procedimento perfeito com o jovem

no local de reabilitação, se este for colocado em uma situação de fragilidade quando

for reintroduzido na sociedade.

Todavia, devem ser evitadas práticas que referenciem e induzam a sanções

do sistema carcerário, pois a orientação a que será submetido o menor criminoso

deve ser construída com base no processo pedagógico socioeducativo, sem uso de

ferramentas tiranas.

Por este viés, o assistente social além de proporcionar um ambiente favorável

para o menor infrator, deve, também, prestar auxílio à família deste, que,

necessariamente, precisa, junto ao adolescente, ser reconstituída, visto que, se não

for realizado os procedimentos em conjunto, grandes seriam as chances deste

retornar ao status quo ante.

Hodiernamente, as instituições de recuperação de jovens contraventores,

onde são aplicadas as medidas de socioeducação estão cada vez mais cheias, e,

nem sempre os assistentes sociais conseguem dar a atenção particularizada que

necessitam os menores. Neste espeque, vale a pena salientar que o aumento do

número de profissionais também consta como medida do plano de ação de

recuperação do jovem.

Não é concebível, por exemplo, que um único assistente social cuide de

cinquenta adolescentes, como acontece em muitos Estados. Deve-se ter uma

média de um assistente para cada grupo de dez jovens, visto que o orientador social

cumpre diversas tarefas essenciais, como a triagem dos adolescentes, zelo dos

órfãos, além de ser de sua responsabilidade cuidar da liberdade assistida da criança

ou adolescente em conflito com a lei.

O processo de reeducação de jovens autores de atos infracionais, por meio

de execução de medidas socioeducativas é uma tarefa extremamente árdua, não

podendo ser realizado por um único especialista, ou vários especialistas, de um

mesmo campo de conhecimento, eis que é necessária uma aproximação

multidisciplinar para implantar as políticas que serão utilizadas nesse método.

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51

Esse trabalho em conjunto é uma atividade cada vez mais utilizada na

contemporaneidade no que tange ao auxílio socioeducacional prestados a esses

jovens. Deste modo, é importante trazer à baila, um conceito de equipe

transdisciplinar, ante sua fundamental importância:

“Entende-se por equipe transdisciplinar um coletivo de pessoas de distintas especialidades, que atuam e desenvolvem atividades de diferentes naturezas e agem como um colegiado articulado. As habilidades e competências individuais são extremamente relevantes para a conformação dessas equipes; na verdade, elas devem ser complementares, a fim de possibilitar uma integração real, demais de agregar percepções e saberes.” 145

De acordo com o ECA, segundo Título III- Da Prática de Ato Infracional,

Capítulo IV, a terapia aparece elencada como uma medida socioeducativa quando

verificado o ato criminal: Art.112, VII, o qual remete ao Art.101, V: “requisição de

tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou

ambulatorial.”146

Concordando com o Estatuto, tem-se a necessidade de um trabalho conjunto

entre psicólogos e psiquiatras, nas instituições de recuperação do adolescente em

conflito com a lei, uma vez que muitos adolescentes vão parar no mundo da

criminalidade, repletos de traumas, vários são filhos de pais usuários de drogas,

foram abusados sexualmente, e acabaram sendo prejudicados por causa desta

situação, devendo ter o devido acolhimento.

Outro ponto primordial no processo de reeducação do adolescente autor de

ato infracional é o incentivo que o assistente social deve fornecer para a realização

de variadas atividades no local de recuperação, como por exemplo, oportunidade

deste jovem retornar aos estudos, produção de trabalhos com arte, oficinas, pintura,

música, atividades recreativas, cursos de idiomas, debates em grupo, que auxiliarão

na concepção do desejo construtivo do próprio adolescente frente aos seus laços

sociais e familiares.

Destarte, um dos pontos de maior importância neste processo, é a educação,

conforme entendimento de Roesler:

145 RODRIGUES, Marcela Marinho. Revista Igualdade. Temática: Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. Vol. II. Curitiba, 2008, p. 207 146 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 de JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acessado em: 16 de novembro de 2014 146 Ibidem

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52

“A educação dos adolescentes é uma exigência democrática e requer um mecanismo/instrumento coletivo e articulado na busca da superação de sua condição. Essa educação deve ser compreendida sob uma perspectiva de totalidade, uma totalidade que garanta o envolvimento de diferentes processos educativos e não apenas como um processo que envolve a escolarização ou a profissionalização.”

147

Acredita-se que a reeducação do jovem infrator mediante das medidas

socioeducativas e, em conjunto com a figura dos educadores e assistentes sociais,

apesar de toda carência e necessidade de ampliação das práticas construtivas,

ainda é a medida mais eficaz para a diminuição dos índices de criminalidade,

problema que pode ser evitado quando tratada suas causas basilares através da

intervenção estatal por meio das políticas públicas e reordenamento familiar.

Desta forma, as imperfeições não derivam somente do Estatuto da Criança e

do Adolescente, mas sim da falta de preparo das instituições onde serão postas em

prática as medidas socioeducativas, elencadas no Estatuto em comento.

Conclui-se que o ECA apresentou os métodos para reeducar o adolescente

em conflito com a lei, mas, é necessário que este seja utilizado corretamente,

observando a realidade daqueles, e aplicado conjuntamente com outras ciências.

147 ROESTER, Marli Renate von Borstel; BIDARRA, Zelimar Soares. Socioeducação: reflexos para a construção de um projeto coletivo de formação cidadã. Cascavel: EDUNIOESTE, 2011, p. 120

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53

CONCLUSÃO

A busca pela compreensão no que tange aos direitos e garantias das crianças

e adolescentes, considerados enquanto indivíduos em desenvolvimento é uma

preocupação recente na história das civilizações civilmente organizadas, e trata-se

de uma quebra de paradigmas ao passo de que passaram a serem reconhecidos

como detentores de direitos em sua totalidade.

Observou-se, com a pesquisa realizada, que o Estatuto da Criança e do

Adolescente foi promulgado com o fito de regulamentar e buscar dar efetividade à

norma constitucional, e, juntamente com a Constituição Federal, consolidou a

doutrina da proteção integral na legislação brasileira, no tocante aos direitos das

crianças e dos adolescentes, mas sem deixar de lado a responsabilização penal

para o autor de ato infracional.

Existem inúmeras vantagens em adotar o sistema de responsabilização penal

diferenciada proposto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, polo viés de que

as medidas socioeducativas podem funcionar como efetivas sanções aos

adolescente em conflito com a lei sem abandonar o caráter protetivo norteado pelo

ECA.

Destarte, verifica-se que uma das maneiras mais eficazes de frear o problema

da criminalidade infantil é com uma intervenção do Estado por meio de políticas

públicas eficientes, onde ele atuará de maneira ativa na elaboração de dispositivos

que assegurarão às crianças e adolescentes a assistência integral às suas

necessidades primordiais com condições dignas de existência.

É extremamente necessário traçar um plano de estratégia para lidar com o

adolescente autor de ato infracional, uma vez que a utilização de sanções aplicadas

aos adultos, não fará, de forma automática, que se reduzam os índices de violência

praticada por crianças e adolescentes, podendo agravar ainda mais o caso, devido a

superlotação dos presídios em geral.

Muito mais eficiente é que se busque investir em medidas previstas no próprio

Estatuto, utilizando todo seu potencial garantista, a fim de que se promova uma

reeducação desses indivíduos.

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54

O Estado deve intervir por meio de políticas públicas voltadas para a

reestruturação familiar do adolescente em conflito com a lei, como fornecimento de

auxílio aos pais, orientação religiosa, acompanhamento da saúde mental,

guarnecimento de ambiente acolhedor, conjunto de profissionais capacitados, dentre

outros.

Além do mais, devem ser evitadas práticas que referenciem e induzam a

sanções do sistema carcerário, pois a orientação a que será submetido o menor

criminoso deve ser construída com base no processo pedagógico socioeducativo,

sem uso de ferramentas tiranas.

Foi permitido concluir que, já existe um sistema de medidas de

responsabilização de adolescentes em conflito com a lei, e que a reeducação do

jovem infrator através das medidas socioeducativas e, em conjunto com a figura dos

educadores e assistentes sociais, apesar de toda carência e necessidade de

ampliação das práticas construtivas, ainda é a medida mais eficaz para a diminuição

dos índices de criminalidade, problema que pode ser evitado quando tratada suas

causas basilares através da intervenção estatal por meio das políticas públicas e

reordenamento familiar.

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