Monstros do Cosmos: Estrelas Gigantes, Pulsares e Buracos ... · das estrelas gera uma paixão...

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Monstros do Cosmos: Estrelas Gigantes, Pulsares e Buracos Negros Jonathan Tejeda Quartuccio Instituto de Pesquisas Científicas Aqui embaixo, olhando para o céu em uma noite estrelada, sem lua e sem nuvens, o fir- mamento parece silencioso. Transmite uma sensação de tranquilidade e paz. O brilho cintilante das estrelas gera uma paixão flamejante em nossos corações, fazendo com que nos sintamos pequenos, mas seguros diante da vastidão cósmica. Tudo parece silencioso visto daqui de baixo. Por vezes, é nítido uma estrela se movendo rapidamente no céu, deixando uma pequena cauda, um rastro, que dura frações de segundo. Silencioso, como fogos de artifício mais humanos. Se você começar a observar o céu logo no início da noite, verá pequenas estrelinhas se movendo rapidamente de um lado ao outro do horizonte. Por vezes, essas pequenas estrelinhas podem “explodir” num brilho intenso, enfraquecendo à medida que vão sumindo no céu. São satélites artificiais. Mas mesmo com um show de luzes, o céu continua silencioso. Chamativo. Amigável. Mas isso é apenas um número, uma ilusão para nossas mentes. Olhando daqui de baixo, não imaginamos os cenários avassaladores que existem no cosmos. Esses cenários são regidos por monstros cósmicos. Fenômenos naturais energéticos que podem criar ou destruir sistemas es- telares. Alguns desses monstros cósmicos foram observados por nós no decorrer da história. Em- bora, no início, não tínhamos ciência do que eram esses fenômenos hoje sabemos se tratar de explosões estelares, que chamamos de supernovas. A primeira supernova registrada por nós foi observada pelos chineses no ano de 185 da era cristã, entre as constelações de Centauro e do Compasso. Os chineses a descreveram dessa forma: “No segundo ano da Época Zhongping, na décima lua, no dia Kwei Hae (7 de dezembro), uma estranha estrela apareceu no meio de Nan Mun. Era como uma larga esteira de bambu. Exibiu as cinco cores, ao mesmo tempo agradável e diferente. Ela gradual- mente diminuiu. Na sexta lua do ano se- guinte, ela desapareceu” O que vemos hoje dessa supernova, conhecida como SN 185, é o resto do que sobrou da estrela, que chamamos de remanescente de supernova. Figura 1 – SN 185 fotografada em Infravermelho pelo telescópio espacial Spitzer Porém, ainda está cedo para observarmos esses eventos catastróficos distantes. Nem sempre esses monstros cósmicos constituem explosões estelares, mas podem ser eventos, ou

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Monstros do Cosmos: Estrelas Gigantes, Pulsares e Buracos Negros

Jonathan Tejeda Quartuccio

Instituto de Pesquisas Científicas

Aqui embaixo, olhando para o céu em uma noite estrelada, sem lua e sem nuvens, o fir-mamento parece silencioso. Transmite uma sensação de tranquilidade e paz. O brilho cintilante das estrelas gera uma paixão flamejante em nossos corações, fazendo com que nos sintamos pequenos, mas seguros diante da vastidão cósmica. Tudo parece silencioso visto daqui de baixo. Por vezes, é nítido uma estrela se movendo rapidamente no céu, deixando uma pequena cauda, um rastro, que dura frações de segundo. Silencioso, como fogos de artifício mais humanos. Se você começar a observar o céu logo no início da noite, verá pequenas estrelinhas se movendo rapidamente de um lado ao outro do horizonte. Por vezes, essas pequenas estrelinhas podem “explodir” num brilho intenso, enfraquecendo à medida que vão sumindo no céu. São satélites artificiais. Mas mesmo com um show de luzes, o céu continua silencioso. Chamativo. Amigável. Mas isso é apenas um número, uma ilusão para nossas mentes. Olhando daqui de baixo, não imaginamos os cenários avassaladores que existem no cosmos. Esses cenários são regidos por monstros cósmicos. Fenômenos naturais energéticos que podem criar ou destruir sistemas es-telares.

Alguns desses monstros cósmicos foram observados por nós no decorrer da história. Em-bora, no início, não tínhamos ciência do que eram esses fenômenos hoje sabemos se tratar de explosões estelares, que chamamos de supernovas. A primeira supernova registrada por nós foi observada pelos chineses no ano de 185 da era cristã, entre as constelações de Centauro e do Compasso. Os chineses a descreveram dessa forma:

“No segundo ano da Época Zhongping, na décima lua, no dia Kwei Hae (7 de dezembro), uma estranha estrela apareceu no meio de Nan Mun. Era como uma larga esteira de bambu. Exibiu as cinco cores, ao mesmo tempo agradável e diferente. Ela gradual-mente diminuiu. Na sexta lua do ano se-guinte, ela desapareceu”

O que vemos hoje dessa supernova, conhecida como SN 185, é o resto do que sobrou da estrela, que chamamos de remanescente de supernova.

Figura 1 – SN 185 fotografada em Infravermelho pelo telescópio espacial Spitzer

Porém, ainda está cedo para observarmos esses eventos catastróficos distantes. Nem sempre esses monstros cósmicos constituem explosões estelares, mas podem ser eventos, ou

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objetos, completamente diferentes. Voltaremos às supernovas, mas primeiro é mais sensato explorar nosso quintal, os arredores do nosso planeta Terra. E o primeiro objeto perigoso pró-ximo a nós é visível logo no ocaso ou então no alvorecer. Daqui de nossas casas vemos esse objeto como uma brilhante estrela próxima ao horizonte, e pelo horário em que é visível ela é popularmente conhecida como estrela d’alva (estrela da manhã) ou estrela vésper (estrela da tarde). Essa estrela é o terceiro objeto mais brilhante do céu, perdendo para a Lua e para o Sol. Mas embora nossos olhos nos enganem, a estrela d’alva não é, de fato, uma estrela. Trata-se de um mundo rochoso, de tamanho bem próximo ao da Terra. Esse mundo, que está a uma distân-cia de aproximadamente 40 milhões de quilômetros de nós, recebeu o nome da deusa romana do amor: Vênus.

Embora a menção à bela deusa, Vênus é um mundo completamente hostil. Maquiada pelo seu nome, Vênus é, na verdade, um objeto mortal. Um verdadeiro Hades. Uma camada espessa de nuvens de ácido sulfúrico impede que vejamos a superfície desse planeta, refletindo 60% da luz solar, de modo que sua análise é feita, principalmente, com a utilização de radar. Sabemos que a maior parte de sua superfície foi formada devido à atividade vulcânica, e que evidências apontam para erupções recentes. Crateras de impacto também marcam o relevo desse planeta, variando de 3 a 280 km de diâmetro.

Figura 2 – Uma cratera de impacto em Vênus

A atmosfera densa de Vênus consiste principalmente de dióxido de carbono (CO2) e nitro-gênio. E quão densa é essa atmosfera? Para comparação, a massa atmosférica de Vênus é 93 vezes maior do que a massa atmosférica terrestre, gerando uma pressão superior a 90 vezes a pressão que sentimos à nível do mar. Como Vênus é rica em CO2, além de possuir espessas nu-vens de dióxido de enxofre (SO2), ela gera o mais potente efeito estufa do sistema solar, fazendo com que a temperatura de sua superfície passe dos 460 °C. Lá não chove água como aqui, mas sim gotas sufocantes de ácido sulfúrico. Nada sobrevive em Vênus. Nem mesmo as sondas do programa venera foram páreo para o ambiente mortal desse planeta.

Entretanto, ao que tudo indica, nem sempre Vênus foi desse jeito. Talvez, logo em seu início, esse planeta tenha tido uma atmosfera semelhante à da Terra, podendo até mesmo ter água corrente. Isso nos faz pensar: será que, da mesma maneira como Vênus um dia foi igual a Terra, nosso planeta poderá se tornar igual Vênus?

Por sua beleza estonteante e seu apetite para destruição e morte, podemos classificar Vênus como nosso primeiro monstro cósmico. Mas não precisamos ir muito longe para encon-trar nosso segundo, e terrível, monstro. A uma distância de cerca de 780 milhões de quilômetros do Sol encontramos o gigante gasoso Júpiter. Esse é o maior planeta do sistema solar e um co-lecionador de luas (até o momento foram descobertas 69 orbitando esse planeta). Júpiter é tão grande que mais de 1.000 Terras caberiam em seu interior. Só isso já seria suficiente para mos-trar que esse enorme corpo é um monstro cósmico. Entretanto, o mais notável desse planeta é

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uma marca em sua superfície, uma mancha vermelha que foi observada pela primeira vez há mais de 300 anos.

A uma altitude de 22°S, a mancha vermelha, ou melhor, a grande mancha vermelha, é um anticiclone, a maior tempestade do sistema solar. Sua coloração pode ser fruto da existência de fósforo vermelho ou então de complexas moléculas orgânicas. Essa tempestade está em cons-tante rotação com ventos que ultrapassam os 500 km/h, e um diâmetro que abraçaria com fa-cilidade nosso planeta.

Figura 3 – Uma comparação entre o tamanho da Terra com a da Grande Mancha Vermelha

Sem dúvida, a grande mancha vermelha faz as grandes tempestades da Terra parecerem coisa de criança. Júpiter não é o único planeta a possuir grandes tempestades e ciclones. Seus irmãos gasosos também carregam consigo essa característica. Saturno, por exemplo, possui uma magnífica estrutura em formato de hexágono em seu polo norte. Mas isso não é nada compa-rado ao que está por vir. Embora Júpiter seja grande e possua enormes tempestades, além de levar o nome do deus supremo da mitologia romana, esse planeta está longe de dominar o es-paço à sua volta. Todos os planetas, asteroides, cometas e satélites são dominados por um único e poderoso corpo: o Sol.

O Sol é a estrela mais próxima de nós, situado há 150 milhões de quilômetros. Essa estrela é responsável por manter a vida aqui na Terra. Se o Sol apagasse repentinamente, teríamos meros 8 minutos de vida antes de nos entregarmos à escuridão total e caminharmos para a morte certa. O fato é que a luz do Sol demora 8 minutos para nos alcançar, percorrendo sempre a velocidade de 300.000 km/s. Embora um milhão e trezentas mil Terras caibam dentro do Sol, nossa estrela é pequena comparada ao que iremos ver. O Sol, assim como todas as outras es-trelas visíveis no céu, orbita o centro de nossa galáxia. A uma distância de 26 mil anos-luz desse centro, nossa estrela leva cerca de 250 milhões de anos para dar uma volta completa.

Figura 4 – Estrutura solar: 1 núcleo; 2 zona de radiação; 3 zona de convecção; 4 fotosfera; 5 cromosfera; 6 coroa; 7

mancha solar; 8 grânulos; 9 proeminência.

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Classificada como do tipo G2 V, o Sol é uma estrela anã amarela (embora sua cor visível, fora da atmosfera, seja branca) que está na fase de sequência principal. Estrelas na sequência principal estão continuamente produzindo energia através da fusão de núcleos de hidrogênio em núcleos de hélio, em um processo conhecido como fusão nuclear. A pressão originada pela fusão nuclear se iguala à pressão exercida pela gravidade, gerando um equilíbrio hidrostático.

O núcleo solar realiza a fusão nuclear a temperaturas elevadíssimas, que ultrapassam os 10 milhões de graus centígrados. O processo principal para gerar os núcleos de hélio é através da cadeia proton-proton.

Figura 5 – Ramificações da cadeia proton-proton

Por segundo, o Sol gera uma potência de 380 yotta-watts, o que equivale a 9,10 × 1010 megatons! Os fótons de alta energia provenientes da fusão nuclear são continuamente absorvi-dos e remetidos por outros núcleos atômicos presentes no plasma que compõem o Sol. Como consequência, um fóton pode demorar até 10 mil anos para alcançar a fotosfera, a parte visível da superfície solar.

Quando observamos o Sol utilizando filtros apropriados, podemos detectar em sua fotos-fera manchas escuras. Essas manchas escuras estão em constante variação, tanto em tamanho quanto em quantidade. Essa variação segue um ciclo de aproximadamente 11 anos. As manchas solares são regiões em que há intensas atividades magnéticas, que ocasionam uma resistência às correntes de convecção solar. Com isso, o transporte de energia vindo do núcleo é reduzido, o que ocasiona uma diminuição na temperatura da superfície nessas regiões mais escuras. Outra característica interessante de nossa estrela é a erupção solar. Essas erupções são explosões na superfície solar ocasionadas por variações abruptas do campo magnético. Se o material solar expelido por uma erupção fica retido em seu campo magnético, temos a formação de uma pro-eminência solar, uma ponte gigantesca de plasma. Erupções solares podem interferir nas redes de transmissão de todo o mundo. Em muitas erupções, um grande número de partículas é lan-çado para o espaço. Em 10 de março de 1989, uma grande erupção ocorreu. As partículas pro-venientes do Sol chegaram até nós três dias depois, produzindo uma corrente na atmosfera su-perior da ordem de 106 A (ampère), corrente essa chamada de eletrojato. Em 13 de março, o eletrojato fez com que o sistema elétrico de Quebec entrasse em colapso.

Dependemos do Sol para viver. Toda a energia que usamos depende, de modo direto ou indireto, do Sol. Sabemos, entretanto, que nossa estrela não irá durar para sempre. Na verdade, o Sol está na metade de sua vida de sequência principal. Daqui cerca de 5 bilhões de anos, o Sol irá tornar-se uma gigante vermelha, de modo que irá engolir Mercúrio, Vênus e nossa Terra.

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Nesse processo Marte será o novo planeta que poderá abrigar vida, pois a expansão de nossa estrela o colocará na região dos cachinhos dourados. Passamos um bom tempo acreditando e buscando por marcianos. Talvez os marcianos sejam nós mesmos, mas no futuro.

Figura 6 – Comparação de tamanho da Terra com uma proeminência solar

Comparando o tamanho de uma proeminência solar com a Terra somos levados a acredi-tar que nosso Sol é bem grande. Para nossos padrões usuais de medida, estamos corretos. En-tretanto, a própria classificação estelar coloca o Sol como uma estrela anã. Isso quer dizer que existem estrelas maiores. Bem maiores na verdade.

Situada a uma distância de 9500 anos-luz, na constelação do Escudo, temos um verda-deiro gigante estelar. UY Scuti é, até o momento, a maior estrela conhecida. Seu tamanho é tão grande que se essa estrela fosse colocada no lugar do Sol ela iria engolir todos os planetas ro-chosos e o gigante gasoso Júpiter. No próximo milhão de anos, UY Scuti iniciará os processos de fusão de elementos como o lítio, carbono, oxigênio, neon e silício, abrindo caminho para a pro-dução de núcleos de ferro. Quando se iniciar a produção desse elemento, UY Scuti chegará ao seu fim, em uma cataclísmica explosão.

Figura 7 – Comparação de tamanho do Sol com UY Scuti

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Quando núcleos de ferro são criados no interior de estrelas gigantes, como UY Scuti, um processo de fotodesintegração ocorre. Nesse processo, a energia liberada pela fusão irá fissionar os núcleos de ferro (56Fe) em núcleos de hélio (4He), consumindo a energia estelar. Basicamente, um núcleo de 56Fe é fissionado em 13 núcleos de 4He. Esse processo anula o equilíbrio hidrostá-tico de modo que o envoltório da estrela colapsa em direção ao seu núcleo. A densidade do núcleo é tão grande que a matéria ali presente se encontra no estado degenerado. Como o nú-cleo tornou-se denso e endurecido, o material estelar colapsante irá ricochetear, produzindo uma onda de choque direcionada para fora da estrela. Assim, temos a formação de uma super-nova! A energia liberada nesse processo é tão intensa que o brilho de uma supernova pode ser comparado ao brilho de toda a galáxia.

Figura 8 – Supernova que ocorreu na galáxia M82 e foi observada em janeiro de 2014

Figura 9 – Supernova SN 2011fe na galáxia M101

Supernovas são eventos energéticos, e são divididas em grupos de acordo com os tipos de elementos presentes em sua composição ou então de acordo com suas origens. Supernovas do tipo Ia surgem em sistemas binários, em que uma estrela é uma anã-branca e a outra é uma gigante vermelha. A expansão da gigante vermelha faz com que seu envoltório mais externo ultrapasse o lóbulo de Roche e seja atraído pela companheira anã. Devido ao limite de Chandra-sekhar, a anã-branca irá colapsar e assim formar a supernova. Se a matéria da estrela gigante é acretada em torno da anã de modo muito compacto, então fusões de hidrogênio poderão ocor-rer. Por conta disso, o brilho da superfície da anã-branca irá aumentar de modo drástico. A apa-rência é que uma nova estrela surgiu no sistema binário, e por conta disso esse fenômeno recebe

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o nome de Nova. Diferente da supernova, a Nova não destrói o material estelar da anã-branca. Supernovas do tipo Ia possuem intensas linhas de absorção correspondentes ao silício ionizado (Si II).

Se uma estrela supergigante vermelha colapsa, temos uma supernova. Se analisarmos o espectro dessa supernova e identificarmos linhas de absorção de hélio, então sabemos que essa é uma supernova tipo Ib. A estrela que originou essa supernova perdeu todo seu hidrogênio das camadas mais externas. Se não encontrarmos linhas espectrais de hidrogênio e nem de hélio, então temos uma supernova do tipo Ic. Além do hidrogênio, a estrela que originou esse evento perdeu todo o hélio de sua camada externa. Se as camadas externas de uma supergigante ver-melha permanecerem intactas, o espectro da supernova apresentará fortes linhas de hidrogê-nio. Temos assim uma supernova do tipo II. Em 1054 da era Cristã, astrônomos chineses e árabes (e talvez alguns nativos americanos) registraram uma supernova na constelação de Touro. Essa supernova, que sabemos ter sido do tipo II, é vista hoje como uma remanescente, os restos do que sobrou da explosão, denominada nebulosa do caranguejo.

Figura 10 – Nebulosa do Caranguejo, situada na constelação de Touro

A nebulosa do caranguejo sempre me chamou a atenção por conta de seu contexto his-tórico. O brilho dessa supernova foi tão intenso que era visível mesmo durante o dia, por um período de quase um mês, e ficou visível no céu noturno por quase dois anos antes de sumir. Hoje, nossos telescópios detectam apenas o que restou da estrela que colapsou. Entretanto, essa nebulosa guarda um segredo muito mais interessante do que uma mancha no céu. No co-ração da nebulosa do caranguejo existe um objeto pequeno, com 25 quilômetros de diâmetro, girando sobre seu próprio eixo 33 vezes por segundo. Esse objeto, um dos mais compactos que existem no cosmos, é uma estrela de nêutrons, ou então um pulsar. A emissão síncroton do pulsar produz a maior parte da energia da nebulosa, emitindo em comprimentos de onda que vão desde o rádio até o gama. Essa emissão de energia desacelera o pulsar cerca de 38 nanose-gundos por dia. Embora esse pulsar gire a quase 35 vezes por segundo, ele não é o mais rápido conhecido. Existem pulsares que podem girar em torno de seu eixo a uma fração de quase 700 rotações por segundo!

O raio típico de uma estrela de nêutrons é da ordem de 10 quilômetros, e sua densidade alcança a ordem de 1018 quilogramas por metro cúbico. Sua crosta interna abrange cerca de 600 metros e é composta de uma mistura de núcleos atômicos, elétrons e um superfluído de nêutrons. A composição do núcleo dessas estrelas é ainda um mistério, podendo ser formado de uma esfera endurecida de nêutrons ou até mesmo um condensado de píons. Essas estrelas são tão densas que a atração gravitacional em sua superfície pode ser até 200 bilhões de vezes mais intensa que a atração da Terra.

O que ocorre quando duas estrelas de nêutrons colidem?

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Sistemas binários de estrelas, sistemas que possuem duas estrelas compartilhando o mesmo sistema, são comuns em nossa galáxia. Se um sistema binário é composto por duas es-trelas de nêutrons, então a interação entre elas gera uma kilonova. Esse processo gera uma intensa radiação eletromagnética, originada principalmente do processo de captura de nêu-trons, denominado processo R. O efeito resultante se parece com uma fraca supernova, com uma curta duração. Além disso a fusão das duas estrelas de nêutrons gera ondas gravitacionais, que são ondulações do tecido espaço-tempo.

De fato, você não vai querer chegar perto de uma estrela de nêutrons. Mas esses corpos densos não são assim tão maléficos quanto o que está por vir. A massa típica de uma estrela de nêutrons é em média 1,5 massas solares. Entretanto, se após uma supernova a massa da estrela de nêutrons resultante superar 3 massas solares teremos a formação de um objeto muito mais compacto, muito mais assustador e muito mais letal: um buraco negro.

Previsto pela relatividade geral, um buraco negro é uma região tão densa e compacta do espaço que nem mesmo a luz, viajando a quase 300.000 km/s, consegue escapar de seu interior devido ao forte campo gravitacional. O buraco negro é cercado por uma região limite denomi-nada horizonte de eventos. O horizonte de eventos compreende uma esfera de raio 𝑅𝑆 em torno do buraco negro que depende de sua massa. Quanto maior a massa de um buraco negro, maior será o raio 𝑅𝑆 do horizonte de eventos. Esse raio também é denominado de raio de Schwarzs-child. Bem no centro dessa esfera que limita o horizonte de eventos temos a singularidade do buraco negro, um ponto de volume zero e, consequentemente, densidade infinita. Toda a massa do buraco negro está localizada na singularidade. Se um dia você quiser se aproximar de um buraco negro lembre-se que não deve ultrapassar para dentro do raio de Schwarzschild. Se fizer isso, não terá mais volta.

Um par de objetos interessantes é o sistema binário denominado Cygnus X-1. O maior membro desse par é uma estrela supergigante azul, com uma massa de 30 massas solares. O outro membro compreende um corpo compacto, com uma massa de 7 massas solares. Esse é um buraco negro. Esse buraco negro está continuamente capturando gás de sua companheira supergigante de modo a gerar em torno de si um disco de acreção. A fricção dos gases no disco de acreção emite radiação X.

Figura 11 – Sistema de Cygnus X-1, que compreende uma estrela supergigante azul e um buraco negro.

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Vejamos algo interessante que pode ocorrer com os buracos negros. De acordo com o princípio da incerteza cada posição do espaço cria pares virtuais de partículas e antipartículas, que estão constantemente se aniquilando. Como o processo é rápido e o produto final é um par de fótons, não podemos observar essas partículas. Entretanto, na região próxima do horizonte de eventos a realidade pode ser bem diferente. Suponha que um par virtual compreendendo um elétron e um pósitron seja criado no limite externo do horizonte de eventos. Uma dessas partículas pode vir a cair no buraco negro, de modo que sua companheira não poderá ser ani-quilada. Por conta disso, a partícula que ficou fora do horizonte de eventos deve se tornar uma partícula real. Para que a partícula virtual seja convertida em real é necessário que parte da energia gravitacional do buraco negro seja convertida em matéria. Quando isso ocorre, o buraco negro perderá uma quantidade de massa equivalente aquela fornecida à partícula virtual para torna-la real. Assim vemos que essa partícula, agora real, parece ter escapado do buraco negro, levando consigo parte da massa desse compacto objeto. Essa perda de energia, e consequente-mente de massa, do buraco negro é denominada radiação de Hawking. Dizemos que o buraco negro está evaporando.

Buracos negros formados pela morte de estrelas não são os únicos que existem no cos-mos. A maioria das galáxias abrigam em seus centros regiões compactas que superam em mi-lhões e até bilhões de vezes a massa do Sol. Com o que sabemos, não é de se espantar que exista um buraco negro no centro de uma galáxia. Os buracos negros que existem no núcleo das galá-xias são denominados buracos negros supermassivos. A região central da Via-Láctea, direcio-nada para a constelação de Sagitário, abrange um poderoso e compacto objeto denominado Sagittarius A*. Esse é uma forte fonte de emissão de rádio, alimentada por um buraco negro supermassivo.

Galáxias que emitem muita energia de suas regiões centrais, devido à existência de bura-cos negros supermassivos, são denominadas galáxias ativas. Essas, por sua vez, são as fontes mais luminosas do universo. Esses monstros cósmicos são classificados de acordo com algumas características. O primeiro tipo de galáxia ativa compreende o grupo de galáxias Seyfert. São galáxias espirais com núcleos pontuais extremamente brilhantes que variam sua luminosidade em curtos períodos de tempo.

Figura 12 – Galáxia Circinus, um exemplo de galáxia Seyfert.

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Outro tipo são as radiogaláxias, que, como o nome sugere, são galáxias com forte emissão de radiação na faixa do rádio. Um exemplo de uma radiogaláxias é Centaurus A.

Figura 13 – Essa é Centaurus A, uma das mais belas radiogaláxias.

O tipo mais brilhante de galáxia ativa compreende o grupo dos quasares, poderosos bu-racos negros que brilham mais do que uma galáxia inteira. As primeiras observações desses ob-jetos foram identificadas como estrelas azuis. Entretanto, a forte emissão de rádio mostrou que não eram, de fato, estrelas. Assim, os astrônomos batizaram esses objetos de quasares, uma abreviação para radio fonte quase estelar (Quasi Stellar Radio Sources).

Figura 14 – M87 é um notável exemplo de uma galáxia ativa. Um potente jato de radiação síncroton é projetado de

seu brilhante núcleo.

Objetos BL Lacertae (BL Lac), ou Blazar, são outro tipo de galáxia ativa. Esses objetos po-dem ser, na verdade, radiogaláxias cujo jato de radiação está direcionado diretamente na linha de visada do observador. Na verdade, é bem provável que galáxias Seyfert, radiogaláxias,

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quasares e blazares tenham a mesma origem: gás sendo acelerado por um buraco negro, de forma a liberar energia potencial na forma de radiação. Logo, a diferença entre esses tipos de galáxias ativas seja o ângulo de visada do jato de radiação, como mostra a figura 15.

Figura 15 – Todos os tipos de galáxias ativas podem ser, na verdade, um único tipo de fenômeno. A radiação emi-

tida pelos buracos negros supermassivos no centro das galáxias ativas forma jatos que abandonam o disco de acre-ção. Se esse jato é quase perpendicular à linha de visada, o observador vê uma radiogaláxias. Se o jato vem direto

para o observador, então é visto um blazar.

Embora nosso céu noturno pareça tranquilo e quieto, agora sabemos que existem violen-tos eventos ocorrendo entre as estrelas. As radiações emitidas por buracos negros e pulsares estão, em sua grande maioria, em uma faixa invisível do espectro para o olho humano. Se não fosse assim, veríamos o céu (e tudo a nossa volta) de modo muito diferente. Mas esses eventos cataclísmicos são a chave para a dinâmica do cosmos. Supernovas são as responsáveis por criar os elementos mais pesados, os quais respiramos e os quais formam a estrutura de nosso orga-nismo. Se você olhar a sua volta estará olhando diretamente para produtos de explosões este-lares. Cada átomo do seu corpo, cada átomo dos objetos que o cercam, teve origem no núcleo de uma estrela colapsante.