Moore, G.E. - Prova de Um Mundo Exterior

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CAPIfUW VII Prova de urn mundo exterior No prefacio da segunda edi~io da Crftica da Raziio Pura de Kant ocorrem algumas palavras que, na tradu~io do Professor Kemp Smith, sio traduiidas como se segue: . Ainda permanece como urn escandalo para a filosofia ... que a exis- tencia de coisas exteriores a nos ... devam ser aceitas simplesmente como artigos de fe, e que, se alguem acha born duvidar de sua exisrencia, somos incaf'azes de enfrentar suas duvidas com qualquer prova satisfat6ri/i. 1 Parece evidente a partir destas palavras que Kant pensava ser uma questio de alguma importincia dar uma prova de "a existenda de coisas exteriores a n6S" ou talvez melhor ainda (pois parece-me possivel que a for~a das palavras alemis e melhor expressa desta maneira) de "a existencia das coisas exteriores a nos"; pois se ele nio tivesse pensado ser importante que uma prova fosse dada, dificil- mente ele chamaria de urn "escandalo" 0 fato de que nenhuma prova foi apresen- tada. E parece claro tambem que ele pensava que a apresenta~io de tal prova era uma tarefa que caia apropriadamente no interior da provincia da filosofia; pois, se ela nio caisse, 0 fato de que nio se apresentou nenhuma prova nio poderia ser um escandalopara afllosofla. . Ora, mesmo que Kant estivesse enganado nessas duas opinioes, parece-me nio existir nenhuma duvida de que e uma questio de alguma importancia e tam- bem uma questio que cai /ipropriadamente no campo da filosofia, a de discutir 0 tipo de prova, se e~iste alguma, que se pode dar de "a existencia de coisas exterio- res a nos". E discutir esta questio era meu intuito quando comecei'a escrever a presente conferencia. Mas, posso dizer imediatamente que, como verificaremos, fui somente, quando muito, hem sucedido em dizer uma paite muito pequena do que deveria dizer a respeito dela. . As palavras "ela ... permanececomo urn escandalopara a filosofia ... que somos incapazes. . :'; implicariam, tomadas estritamente, que, no momento em que ele as escrevia, 0 proprio Kant era incapaz de produzir uma prova satisfa- tOria do ponto em questao. Porem, penso que e inquestionavel que 0 proprio Kant nao pensava que fosse pessoalmente incapaz naquele momento de produzir tal 1 B XXXIX, Kemp Smith, po 34. As palavras alemiis siio: so bleibt es immer ein Skandal der Philoso- phie. . o. das Dasein der Dinge ausser uns 0 0 0 bloss auf Glauben annehmen zu miissen. und wenn es jemand einfillt es zu bezweifeln. ihm Keinem genugtuenden Beweis entgegenstellen zu K6nnen. (No do A~) I Ii

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CAPIfUW VII

Prova de urn mundo exterior

No prefacio da segunda edi~io da Crftica da Raziio Pura de Kant ocorremalgumas palavras que, na tradu~io do Professor Kemp Smith, sio traduiidascomose segue: .

Ainda permanececomo urn escandalopara a filosofia . .. que a exis-tencia de coisas exterioresa nos ... devam ser aceitas simplesmentecomo artigos de fe, e que, se alguem acha born duvidar de sua exisrencia,somos incaf'azes de enfrentar suas duvidas com qualquer provasatisfat6ri/i. 1

Parece evidente a partir destas palavras que Kant pensava ser uma questiode alguma importincia dar uma prova de "a existenda de coisas exteriores a n6S"ou talvez melhor ainda (pois parece-me possivel que a for~a das palavras alemise melhor expressa desta maneira) de "a existencia das coisas exteriores a nos";pois se ele nio tivesse pensado ser importante que uma prova fosse dada, dificil-mente ele chamaria de urn "escandalo" 0 fato de que nenhuma prova foi apresen-tada. E parece claro tambem que ele pensava que a apresenta~io de tal prova erauma tarefa que caia apropriadamente no interior da provincia da filosofia; pois, seela nio caisse, 0 fato de que nio se apresentou nenhuma prova nio poderia ser umescandaloparaafllosofla. .

Ora, mesmo que Kant estivesse enganado nessas duas opinioes, parece-menio existir nenhuma duvida de que e uma questio de alguma importancia e tam-bem uma questio que cai /ipropriadamente no campo da filosofia, a de discutir 0tipo de prova, se e~iste alguma, que se pode dar de "a existencia de coisas exterio-res a nos". E discutir esta questio era meu intuito quando comecei'a escrever apresente conferencia. Mas, posso dizer imediatamente que, como verificaremos,fui somente, quando muito, hem sucedido em dizer uma paite muito pequena doque deveria dizer a respeito dela. .

As palavras "ela ... permanececomo urn escandalopara a filosofia . . .que somos incapazes. . :'; implicariam, tomadas estritamente, que, no momentoem que ele as escrevia, 0 proprio Kant era incapaz de produzir uma prova satisfa-tOria do ponto em questao. Porem, penso que e inquestionavel que 0 proprio Kantnao pensava que fosse pessoalmente incapaz naquele momento de produzir tal

1 B XXXIX, Kemp Smith, po 34. As palavras alemiis siio: so bleibt es immer ein Skandal der Philoso-phie. . o. das Dasein der Dinge ausser uns 0 0 0 bloss auf Glauben annehmen zu miissen. und wenn es jemandeinfillt es zu bezweifeln. ihm Keinem genugtuenden Beweis entgegenstellen zu K6nnen. (Nodo A~)

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prova. Ao contrario, na senten~a imediatamente precedente, ele declarou queapresentou, na segunda edi~io de sua Critica, para a qual ele esta escrevendo 0Prefacio, uma "prova rigorosa" dessa mesma coisa; e acrescentou que esta suaprova e"a unica prova possivel". Everdade que nesta senten~a precedente ele niodescreve a prova que apresentou como uma prova "da existencia de coisas exte-riores a nos" ou "da existencia das coisas exteriores a nos", mas descreve-a, aoinves disso, como uma prova."da realidade objetiva da intui~io exterior". Contu-do, 0 contexto nio deixa nenhuma duvida de que ele esta usando estas duasexpressaes, "a realidade objetiva da intui~io exterior" e "a existencia de coisas(ou "das coisas") exteriores a nos", de tal maneira que qualquer que seja umaprova da primeira sera tambem necessariamente uma prova da segunda. Deve-mos, portanto, supor que quando ele fala que nos somos incapazes de dar umaprova satisfat6ria, ele nio significa que ele proprio, assim como outros, sejamnaque/e momenta incapazes; porem, ao contrario, que, ate que ele descobrisse aprova que apresentou, tanto ele proprio como todas as pessoas eram incapazes.Obviamente, se ele esm certo em perisar que apresentou uma prova satisfat6ria, 0estado de coisas que ele descreve chegava ao fim assim que sua prova fosse publi-cada. Quando qualquer pessoa que a lesse fosse capaz de dar uma prova satisfa-tOria, repetindo simplesmente 0 que Kant apresentou, 0 "escandalo" para a filoso-fia seria removido de uma vez por todas.

Se, portanto, fosse correto que a prova do ponto em questio, apresentadapor Kant na segunda edi~io, e satisfat6ria, seria correto que se pode dar pelomenos uma prova satisfat6ria; e tudo que restaria da questio que eu ,disse que meproporia discutir seria, em primeiro lugar, a questio com rel~io a que tipo deprova e esta prova de Kant, e em segundo lugar a questio de saber se (contraria-mente Ii propria opiniio de Kant) nio podem talvez existir outras provas, domesmo ou de outro tipo, que tambem sejam s_tisfatOrias. Penso porem que de

.modo algum e certo que a prova de Kant seja satisfat6ria. Penso que de modoalgum e certo que ele teve sucesso em remover de uma vez por todas todo 0 estadode coisas que ele considerava ~erurn escandalo para a filosofia. E penso, portanto,que a questio de saber se e possiveldar qua/querprova satisfatOriado ponto emquestio ainda mereceser discutida. ,

Porem,qual e a opiniio em questio? E pensoque se deveadmitirque aexpressio "coisas exterioresa nos" e uma expressiobastanteimpar, e umaexpressio cujo significadocom certeza nio e perfeitamenteclaro. Pareceriamenos impar se, ao inves de "coisas exteriores a nos'~ eu dissesse "'coisas exterio-res", e talvez tambem 0 significado' desta expressio pareceria ser mais claro; epenso que tornamos 0 sign,ificado de "coisas exteriores" mais claro ainda se expli-camos que esta expressio foi regularmente usado pelos filosofos como abreviaeriode "coisas extern as a nossas mentes'~ 0 fato e que existiu uma longa tradic;:io filo-s6fica, de acordo com a qual as tres expressoes "coisas exteriores", "coisas exte-riores a nos" e "coisas exteriores a nossas mentes" foram usadas como equiva~lentes entre si, 'e cada uma delas foi usada como se nio precisasse de nenhuma

explicac;:io. Nao conhec;:oa origem deste uso. Jll ocorre em Descartes; e u~a vez

que ele usa as expressaes como se eJas nio precisassem de nenhuma explicac;:io,presumivelmente foram usadas com 0 mesmo significado antes. Das tres expres-saes, parece-me que a expressio "exterior a nossas mentes" ea mais clara, umavez que ela deixa claro pelo menos que 0 que se significa nao e "exterior a nossoscorpos '~ enquanto que poder-se-ia considerar que as outras duas expressoes signi-ficam isto: e, contudo, houve muita confusio, mesmo entre os filosofos, com res-peito a relaerio das duas concepc;:oes"coisas exteriores" e "coisas exteriores a nos-sos corpos'~ Porem, mesmo a expressio "coisas exteriores a nossas mentes"parece-me estar longe de ser perfeitamente clara; e se devo deixar realmente claroo que significo por "prova de existencia de coisas exteriores a nos", nio possofazer dizendo simplesmente que por "exteriores a nos" significo "exteriores a nos-sas mentes".

Ha uma passagem (Kritik der Reinen Vernutift, A 373) na qual 0 proprioKant diz que a expressio "exterior a nos" "traz consigo uma ambigiiidade inevim-vel'~.Ele diz que "algumas vezes ela significa alguma coisa que existe como umacoisa em s;'distinta de nos, e algumas vezes que pertence simplesmente a aparen-cia exterior"; ele chama as coisas que sio "exteriores a nos" no primeiro destesdois sentidos de "objetos que se poderiam chamar exteriores no sentido transcen-dental", e coisas que sio no segundo sentido de "objetos empiricamente exterio-res'~ e ele diz finalmente que, para remover tOOaincerteza com relac;:aoIi61timaconcepc;:io, distinguira empiricamente os objetos exteriores dos objetos que sepoderiam chamar "exteriores" no sentido transcendental "chamando-os &emexce-erio coisas que se devem encontrar no espafo'~

Penso que esia 61tima expressao de Kant, "coisas que se devem encontrar noespac;:o",indica de modo totalmente 'claro qual e 0 tipo de coisas com relaerio asquais desejo investigar em que tipo de prova, se existe alguma, pode acontecer que

, eXistam algumas coisas' daquele tipo'. Meu corpo, os oorpos de outros homens, osc;orpos dos animais, as plantas de todas as esp6cies, as pedras, as montanhas, 0sol, a lua, as estrelas e os planetas, as casas e outras construc;:Oes,os artigos manu-'faturados de todos os tipos - as cadeiras, as mesas, as folhas de papel, etc., sioto~os eles "coisas que se devem encontrar no espac;:o".Resumindo, todas as coisasdo tipo que os filosofos se habituaram a chamar de "objetos fisicos", "coisasmateriais" ou "corpos" estio, obviamente, enquadradas neste item. Porem, pode-se entender naturalmente a expressio "as coisas qu'e se devem encontrar no espa-ero" como aplicando-se tambem a casos em que os nomes "objeto fisico", "coisamaterial" ou "corpo" dificilmente se podem aplicar. Por exemplo, devem-seencontrar algumas vezes sombras no espac;:o,embora elas dificilmente poder-se-iam chamar "objetos fisicos", "coisas materiais" ou "corpos"; e, embora em umuso do termo "coisa" nio seja apropriado chamar uma sombra de uma "coisa",ainda assim pode-se entender a expressio "coisas que se devem encontrar no espa-ero" como sinonimo de "tudo que se pode encontrar no espac;:o",e esta eumaexpressao que se pode entender perfeitamente bem como incluindo as sombras.Desejo que se entenda a expressio "coisas que se devem encontrar no espa90"neste sentido amplo; de "tal forma que se se puder encontrar uma prova de que

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sempre existiram duas sombras diferentes, segiiir-se-a imediatamente que existi-ram pelo menos duas "coisas que se deveriam encontrar no espayo", e esta provasera uma prova tao boa do ponto em questao como 0 seria uma prova de que exis-tiram pelo menos dois i'objetos fisicos", nao importando 0 tipo deles.

Pode-se, portanto, entender naturalmente a expressao "coisas que se devemencontrar no espayo" como tendo urn significado muito amplo _ urn significadoate mesmo mais amplo do que 0 significado de "objeto fisico" ou "corpo", pormais amplo que seja 0 significado destas ultimas express5es. Porem, amplo comoe seu significado, ele nao e, em urn aspecto, tao amplo quanto aquele de outraexpressao que Kant usa como se ela fosse equivalente a esta; e penso que umacomparayao entre as duas servini para deixar ainda mais claro qual e a especie de .

coisas com relayao a qual desejo perguntar qual e a prova, se existe alguma, quese pode dar de que existem tais coisas.

A outra expressao que Kant usa como se ela Fosseequivalente as "coisas quese devem encontrar no espayo" e usada por ele na sentenya que precede imediata-mente aquela previamente citada na qual ele declara que a expressao "coisas exte-riores a nos" "traz consigo uma ambigiiidade inevitavel" (A 373). Nesta sentenyaprecedente diz que urn "objeto empirico" "se chama exterior se se apresenta (vor-gestellt) no espa90': Ele trata, portanto, a expressao "apresenta-se no espayo"como se ela fosse equivalente a "deve-se encontrar no espayo". Contudo e facHencontrar exemplos de "coisas" das quais dificilmente se pode negar que elas "seapresentam no espayo", mas das quais se poderia, com muita naturalidade, negarenfaticamente que se "devem encontrar 00 espayo". Consideremos, por exemplo,a, seguinte descriyao de urn conjunto de circunstancias sob as quais se pode obtero que alguns psic6logos chamaram de uma "imagem-posterior negativa" eoutrospsic6logos de urna "sensayao-posterior negativa". "Se, ap6s olharmos firmementepara uma mancha branca numa base preta, voltarmos os olhos para uma basebranca, veremos uma mancha cinza durante algum tempo." (Text-book of Physio-logy de Foster, IV, iii, 3, p. 1266; citado no Manual of Psychology de Stout, 3.8ed., p. 280.) Lendo recentemente estas palavras, tive 0 trabalho derecortar numafolha de papel branco uma estrela de quatro pontas, para coloca-Ia numa basepreta e "olha-Ia fixamente" e para fixar entao meu olhar numa folha de papelbranco: e verifiquei que via uma mancha cinza durante algum tempo _ nio sOvia uma mancha cinza, mas a via na base branca, e tambem esta mancha cinzaera quase da mesma forma que a estrela branca de quatro pontas para a qual"olhei fixamente" urn pouco antes - ela era tambem uma estrela de quatro pon-tas. Repeti este experimento simples com sucesso varias vezes. Ora, cada umadestas estrelas de quatro pontas cinzas, que vi em cada experimento, era 0 que sechama uma "imagem-posterior" ou unia "sensayao-posterior"; e alguem p(jdenegar que se possa dizer com propriedade que cada uma destas imagens foi "apre-sentad,a no espayo"? Vi cada uma delas num fundo bran co real, e, se assim (j e,cada uma delas "apresenta-se" Dum fundo branco real. Porem, embora sejam"apresentadas no espayo" penso que todas as pessoas sentiriam ser um mal-enten-dido grave dizer que se "deveriam encontrar no espayo". A estrela branca para a

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qual "olhei fixamente", a base preta na qual a vi, e a base branca na qual vi asimagens-posteriores, obviamente, "dever-se-iam encontrar no espayo": elas eram,de fato, "objetos fisicos" ou superficies de objetos fisicos. Mas uma diferenyaimportante entre elas, por urn lado, e as imagens-posteriores cinzas, por outro,pode-se natural mente expressar dizendo-se que as ultimas nilo "deveriam serencontradas no espayo". E uma razao para que isto aconteya eevidente. Dizerque "se deve encontrar no espayo" tal cOlsa em urn t,empo dado sugere natural-mente que existem condiyoes tais que qualquer pessoa' que as satisfaya poderia ter"percebido" a "coisa" em questao - poderia te-Ia visto se ela fosse urn objetovisivel, te-Ia sentido se ela fosse urn objeto tangivel, te-la ouvido se ela fosse urnobjeto sonoro, ter-Ihe sentido 0 odor se ela fosse urn odor. Quando digo que aestrela de quatro pontas de papel branco, para a qual olhei fixamente, era urn "ob-jeto fisico" e devia "ser encontrada no espayo", estou implicando que qualquerpessoa, que esteve na sala naquele momenta e que tivesse uma visao normal e urnsentido de tato normal, poderia ve-Ia e senti-Ia. Porem, no caso daquelasimagens-posteriores cinzasque vi, nao se concebe que ninguem alem de eu pro-prio veria alguma delas. E, obviamente, concebivel que outras pessoas, se estives-sem na sala comigo naquele momenta e tivessem efetuado 0 mesmo experimentoque efetuei, teriam visto imagens-posteriores cinzas muito parecidas a uma daque-las que eu vi: nao ha nenhum absurdo em supor ate mesmo que elas poderiam tervisto imagens-posteriores exatamente parecidas a uma daquelas que eu vi. Mas h8algo absurdo em supor que qualquer uma das imagens posteriores que vi pudessetambem ser vista por alguma outra pessoa: em supor que duas pessoas diferentessempre podem ver exatamente a mesma imagem-posterior. Uma razao, entao,para dizermos que nenhuma dessas imagens-posteriores cinzas que vi se deve "en-contrar no espayo", embora cada uma delas certamente se "apresenta no espayo"para mim, e simplesmente que nenhuma delas poderia teoricamente ser vista poralguma outra pessoa. E natural entender de tal modo a expressao "ser encontradanq espayo", que dizer de alguma coisa que urn homem pe~cebeu que se deviaencontra-Ia no espayo e dizer que ela deveria ser percebida por outros assim comopelo homem em questao. .

As imagens-posteriores negativas do tipo descrito sao, portanto, um exemplode "coisas" que, embora se deva admitir que sac "apresentadas no espayo", nilose deve entretaIito "encontra-Ias no espayo", e nilo SaD"exteriores a nossas men-tes" no sentido com 0 qual estamos preocupados. Podem ser dados dois outrosexemplos.importantes. .

o primeiro e este. Sabe-se que as pessoas algumas vezes veem as coisasduplicadas, uma ocorrencia que [oi tambem descrita pelos psic61ogos,dizendo-se

.que elas tinham uma "imagem duplicada", ou duas "imagens", de algum objetopara 0 qual estavam olhando. Em tais casos seria muito natural dizer que cadauma das duas "imagens" se "apresenta no espayo": elas sac vistas, uma em umlugar e a outra em outro lugar, exatamente no mes~o sentido em que cada umadaquelas imagens-posteriores cinzas que eu via foram vistas em um lugar particu-lar no [undo branco para'o qual eu estava olhando. Mas seria totalmente antina-

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tural dizer que, quando tenho uma {magem duplicada, eada uma das duas ima-gens deve "ser encontrada no espa~o". Ao contrario, e quase certo que as duasnao devem "ser encontradas no espa~o". Se as duas fossem, seguir-se-ia que algu-ma outra pessoa poderia ver exatarnente as mesmas duas imagens que vejo; e, em-bora nao seja absurdo Supor que outra pessoa poderia ver um par de imagens exa-tamente similar a um par que vejo, existe um absurdo na suposi~ao de que algumaoutra pessoa poderia ver um mesmo par identico. Em todos os casos, entao, emque alguma pessoa ve alguma coisa dupIieada, temos urn exemplo de pelo menosuma "eoisa" que, embora "apresentada no espa~o", eertamente nao Cleve"serencontrada no espa~o".

E 0 segundo exemplo importante eeste. Pode-se dizer, .em geral, com bas-tante propriedade, que as dores corporais sac "apresentadas no espa~o". Quandotenho uma dor de dente, sinto-a em uma regiao particular de meu maxilar ou emum dente particular; quando fa~o urn corte fundo em meu dedo, colocando-Iheiodo sinto a dor em urn lugar particular de meu dedo; e Urnhomem cuja perna foiamputada pode sentir uma dor em urn lugar em que seu pe poderia estar se nao 0tivesse perdido. Com certeza, e perfeitamente .natural eotender a expressao "apre-sentada n.o espa~o" de tal modo que se, no sentido ilustrado, se sente uma dor emurn lugar particular, aquela dor e "apresentada no espa~o". E, todavia, seria bas-tante antinatural dizer que as dores devem "ser encontradas no espa~o", pelamesma razao que no caso das imagens-posteriores ou das imagens duplicadas. ~concebivel que outra pessoa sentisse uma dor exatamente parecida Ii que eu sinto,mas hit Urn absurdo na suposi~ao de que ela poderia sentir numericamente amesma dor que sinto. E as dores sao de fato urn exemplo tfpico do tipo de "coi-sas" das quais os filosofos dizem que niio sao "exteriores" a nossas mentes, masque estao "dentro" delas. Eles diriam de qualquer dor que eu sinto que ela niio enecessariamente exterior a minha mente mas que esta em ela.

E finalmente penso valer a pena mencionar uma outra classe de "coisas" quecertamente nao sac objetos "exteriores" e que certamente nao "sao encontradosno espa~o", no sentido em que estou preocupado, mas que no entanto alguns filo-sofos estariam incIinados a dizer que sac "apresentados no espa~o", embora naosejam "apresentados no espa~o" em quase 0 mesmo sentido em que as dores, asimagens dupIicadase as imagens-posterioresnegativasdo tipo que descrevi0 sao. .

Se olhamos para uma lampada eletrica e entao fechamos os olhos, acontece algu-mas vezes que vemos, durante algum tempo pequeno, contra 0 fundo preto quecomumente vemos quando nossos olhos estao fechados, uma mancha brancasimilar na forma a lampada para a qual estllvamos olhando. Tal mancha .clara, senos a vemos, e outro exemplo do que alguns psic6logos chamaram de "imagens-posteriores" e outros psic6logos de "sensa~oes-posteriores"; mas, de forma dife-rente das imagens-posteriores negativas das quais falamos anteriormente, ela evista quando nossos olhos estao fechados. Desta imagem-posterior, vista com osolhos fechados, alguns filosofos poderiam estar incIinados a dizer que tambemesta imagem se "apresentava no espa~o", embora certamente nao deva "serencontrada no espa~o". Estariam inclinados ~ dizer q~e ela se "apresenta no espa-

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~o" porque ela certamente se apresenta como se estivesse a pequena distancia dapessoa que a esta vendo: e como uma coisa se pode apresentar como se estivessea pequena distancia de mim sem ser "apresentada no espa~o"? Entretanto, hauma diferen~a importante entre essas imagens-posteriores, vistas com os olhosfechados, e as imagens-posteriores do tipo que previamente deserevi - uma dife-ren~a que poderia levar outros fiJosofos a negar que essas imagens-posteriores,vistas com os olhos fechados, se "apresentam no espa~o" de alguma maneira.Trata-se de uma diferen~a que se pode expressar dizendo que quando nossos olhosestao fechados, nao estamos venda de modo algum qualquer parte do espa~ofisi-co - do espa~o a que nos referimos quando falamos de "coisas que se devemeneontrar no espafo'~ Uma imagem-posterior vista com os olhos fechados certa-mente apresenta-se em urn espa~o, mas pade-se questionar se eapropriado dizerque ela se apresenta no espafo.

Penso, entao, que esta claro que de modo algum se pade dizer naturalmentede tudo que se "apresenta no espa~o" que e tambem "uma coisa que se deveencontrar no espa~o". Algumas das "coisas", que se apresentam no espa~o, demodo muito enfatico nQosac encontraveis no esparro: ou, usando outra expressao,que se pade usar para transmitir a mesma norrao,elas nQosao enfaticamente "rea-Iidades fisicas". A concep~ao "apresentada no esparro" eportanto, em urn aspec-to, mais ampla do que a concep~ao "ser eneontrada no esparro": muitas "coisas"entram na primeira concep~ao sem entrar na segunda - muitas imagens-poste- .riores, pelo menos urn dos pares de "imagens" vistas quando alguem ve duplica-do, e muitas dores corporais, sac "apresentadas no espa~o", embora nenhumadelas deve ser encontrada no espa~o. Do fato de que uma "coisa" se apresenta noesparro nao se segue de modo algu~ que se deva encontni-la no esparro.Mas assimcoino a primeira concep~ao e, em urn aspecto, mais ampla do que a segunda, emoutro aspecto, a segunda e mais ampla do que a primeira. Pois hit muitas "coisas"encontraveis no esparro, das quais nao e verdade que se apresentem no esparro.Dofato de que se deve encontrar uma "coisa" no "esparro" nao se segue de modoalgum que ela se ilpresenta no esparro. Considerei que "ser encontrada no espa~o".impliea, como penso que naturalmente pade implicar, que se poderia perceber

. uma "coisa"; mas do fato de que sepoderiaperceberuma coisanao se seguequeela e percebida; e se ela nao e realmente percebida, entao nao sera apresentada noesparro. ~ caracterfstico dos tipos de "coisas";incluindo-se as sombras, que des-erevi como "sendo eneontradas no espa~o", que nao ha nenhum absurdo emsupor com rela~ao a qualquer uma delas que e,num momento dado, percebida,tanto (1) que ela poderia existir exatamente naquele momento, sem ser percebida;(2) que ela poderia existir em outro momento, sem ser percebida naquele outromomento; como (3) que durante todo 0 perfodo de sua existencia, ela nao precisater existido em qualquer tempo. .Nao existe, portanto, nada de absurdo na suposi-yaOde que muitas coisas, que deveriam em urn momenta ser eneontradas no espa-yO,nunca fossem "apresentadas" em qqalquer momento, e que muitas coisas quese devem .eneontrar agora no esparro, nao sao agora "apresentadas", tambemnunea 0 foram e nunea serao. Usando uma expressao kantiana, a coneeprrao de

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"coisas que se devem encontrar no espa~o" engloba nao somente os objetos daexperiencia real, mas tambem os objetos da experiencia posslvel; e do fato de queuma coisa e ou foi urn objeto da experiencia posslvel, nao se segue de modo algumque ele foi ou e ou sera "apresentado" em absoluto.

Espero que 0 que eu disse agora possa ter servido para deixar suficiente-mente claro a que tipo de "coisas" eu estava originalmente referindo-me como"coisas exteriores a nos" ou "coisas exteriores a nossas mentes". Eu disse quepensava que a expressao kantiana "coisas que se devem encontrar no espa~o"indicava de modo totalmente claro os tipos de "coisas" em questao; e tentei tomarainda mais claro 0 conjunto dessas coisas, apontando que esta expressao somenterealiza seu propOsito se (a) a entendemos em urn sentido no qual muitas "coisas",por exemplo, imagens-posteriores, imagens duplicadas, dores corporais, das quaisse poderia dizer que se "apresentam no espa~o", nao devem ser reconhecidascomo "coisas que se devem encontrar no espa~o", e (b) percebemos claramenteque nao existe nenhuma contradi~ao na suposi~ao de que existiram e de quedevem "ser encontradas no espa~()" coisas que nunca foram, nao sac agora enunca serao percebidas, nem na suposi~ao de que entre aquelas que foram emalgum momento percebidas existiram muitas em momentos em que nao estavamsendo percebidas. Penso que agora estara claro para todos que, uma vez que naoreconhe~o como "coisas exteriores" as imagens-posteriores, as imagens duplica-das e as dores corporais, eu tambem nao devo reconhecer como "coisas exterio-res" qualquer uma das "imagens" que freqiientemente "vemos com 0 olho damente" quando estamos acordados, nem qualquer uma das "imagens" que vemosquando estamos dorm indo ou sonhando; e tambem que eu estava usando aexpressao "exterior" de tal forma que do fato de que urn homem esteja em urnmomento dado tendo uma alucina~ao, seguir-se-a que ele estava vendo naquelemomento alguma coisa que nao era "exterior" Ii sua mente, e do fato de que ele es-tava em urn momento dado tendo uma alucina~ao' auditiva, seguir-se-a que ele es-tava naquele momento ouvindo urn som que nao era "exterior" Ii sua mente.Porem, certamente nao tomei meu uso destas expressoes, "exterior a nossas men-tes" e "ser encontrada no espa~o", tao claro que no caso de toda especie de"coisa" que se pudesse sugerir, seriamos capazes de dizer imediatamente se eu areconheceria ou nao como "exterior a nossas mentes" e como uma "coisa" a "serencontrada no espa~o". Por exemplo, nao disse nada que tome claro se uma retle-xao que vejo num espelho deve ou nao ser considerada como "uma coisa que sedeve encontrar no espa~o" e como "exterior a nossas mentes", nem disse nada quetornasse bastante claro se 0 ceu deve ou nao ser assim considerado. No caso doceu, penso que todas as pessoas sentiriam que seria bastante improprio falar delecomo "uma coisa que se deve encontrar no espa~o"; e penso que a maioria daspessoas sentiria uma forte relutancia em afirmar, sem qualifica~ao, que as retle-xoes que as pessoas veem nos espelhos devem "ser encontradas no espa~o". Eentretanto nem 0 ceu nem as retlexoes vistas nos espelhos estao na mesma posi~aoque as dores corporais ou as imagens-posteriores no aspecto que enfatizei comouma razao para dizer destas ultjmas que nao se devem encontra-Ias no espa~o _

a saber, que existe urn absurdo na suposi~ao de que exalamente a mesma dor quesinto pudesse ser sentido por alguma outra pessoa ou que exalamente a mesmaimagem-posterior que eu vejo pudesse ser vista por alguma outra pessoa. No casodas retlexoes nos espelhos usariamos de modo bastante natural, em certas circuns-tancias, a tinguagem que imp!ica que outra pessoa pode ver a mesma retlexao quenos vemos. Poderiamos de modo muito natural dizer a urn amigo: "voce ve aquelaretlexao avermelhada na agua? Nao posso distinguir do que ela e uma retlexao",assim como poderiamos dizer, apontando para uma vertente de uma colina dis-tante: "voce ve aquela mancha branca ali sobre a colina? Nao posso distinguir 0que e ela". E no caso do celi, nao e obviamente absurdo dizer que outras pessoaso veem tao bem quanta eu.

Deve-se, portanto, admitir que nao tomei meu uso da expressao "coisas quese devem encontrar no espa~o", nem portanto 0 uso de "exteriores a nossas men-tes", que a primeira tentava explicar, tao claro que, no caso de todo tipo de "coi-sas" que se possa mencionar, nao houvesse nenhuma duvida se as coisas daqueletipo deveriam ou nao "ser encontradas no espa~o" ou seriam ou nao "exterioresa nossas mentes". Contudo, esta falta de uma defini~ao precisa da expressao "coi-&asque se devem encontrar no espa~o" nao tern importancia, ate onde posso ver,para meu propOsito atual. Penso ser suficiente para meu propOsito atual deixarclaro, no caso de muitos tipos de coisas, que estou usando a expressao "coisas quese devem encontrar no espa~o" de tal forma que, no caso de cada urn desses tipos,da proposi~ao de que existem coisas desse tipo, se siga que ha coisas que se devemencontrar no espa~o. E, de fato, apresentei uma !ista (embora de modo algum umalista exaustiva) dos .tipos de coisas que se relacionam com meu uso da expressao"coisas que se devem encontrar no espa~o" dessa maneira. Mencionei entre outrosos corpos dos hornens e dos animais, as plantas, as estrelas, as casas, as cadeirase as sombras; e desejo enfatizar agora que estou usando "coisas que se devemencontrar no espa~o" de tal forma que, no caso de cada urn destes tipos de "coi-sas", da proposi~ao de que ha "coisas daquele tipo, se siga que ha coisas que sedevem encontrar no espa~o: por exemplo, da proposir;ao de que ha plantas ou deque as plantas existem segue-se que ha coisas que se devem encontrar no espa~o,da proposi~ao de que as sombras existem, segue-se que ha coisas que se devemencontrar no espa~o, e assim por diante, nq caso de todos os tipos de "coisas" quemencionei em minha primeira lista. E suficiente para meu propOsito que isto fiqueclaro, porque; se isto estiver claro, entao tambem estara claro que, como sugerianteriormente, se provarmos que duas plantas existem, ou que uma planta e umcao existem, ou que urn cao e uma sombra existem, etc., etc., teremos provadoipso facto que ha coisas que se devem encontrar no espa~o: nao exigiremos lam-hem que se de uma prova separada de que da proposi~ao de que ha plantas segue-se que ha coisas que se devem encontrar no espar;o.

Ora, com rela~iio it expressao "coisas que se devem encontrar no espar;o"penso que se acreditara prontamente que posso estar usando a expressao em talsentido que nao se requer nenhuma prova de que de "as plantas existem" siga-se"ha coisas que se devem encontrar no espar;o"; mas penso que 0 caso e diferente

III

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...11' , ,.1.'-...... hSCKHUS lLUSU H:.:US IL:I

com rela9ao a expressao "coisas exteriores a nossas mentes". As pessoas podemestar inclinadas a dizer: "nao consigo ver de modo muito claro que da proposi9ao"pelo menos dois caes existem no momenta presente" siga-se a proposi9ao "pelomenos duas coisas devem ser encontradas no espa90 no momenta presente", de talforma que se pudermos provar que ha dois caes em existencia no momenta pre-sente teremos ipso facto provado que pelo menos duas coisas devem ser encon-tradas no espa90 no momenta presente. Posso ver que nao se requer tambem umaprova separada de que de "dois caes existem" siga-se "duas coisas devem serencontradas no espa90"; e obvio que nao poderia haver urn cao que nao se deveriaencontrar no espa90. Mas nao me e de modo algum tao claro que se se puder pro-var que ha dois caes ou duas sombras, ter-se-a ipsofacto provado que ha duas coi-sas exteriores a nossas mentes. Nio e possivel que urn cao, embora certamentedeva ser "encontrado no espa90", pudesse noo ser um objeto exterior - um obje-to exterior a nossas mentes? Nao se requer uma prova separada de que qualquercoisa que se deve encontrar no espa~o deve ser exterior a nossas mentes? Obvia-mente, se se esta usando "exterior" como urn simples sinonimo para "ser encon-trado no espa~o", nao sera necessaria nenhuma prova de que os caes sao objetosexteriores: neste caso, se se puder provar que existem dois cies, ter-se-a ipsofacloprovado que existem algumas coisas exteriores. Mas acho dificil acreditar queeles, ou qualquer outra pessoa, usem realmente "exterior" como urn simples sino-nimo de "ser encontrado no espa~o"; e se nio se usa a expressio desse modo, niose requer alguma prova de que tudo aquilo que se deve encontrar no espa~o deveser "exterior a nossas mentes"?

Ora, Kant, como vimos, afirma que de fato se usam as expressOes "exteriora nos" ou "exterior" em dois sentidos diferentes; e com rela~io a urn destes doissentidos, aquele que ele chama 0 sentido "transcendental", e que ele tenta expli-car dizendo que e urn sentido em que "exterior" significa "existindo como uma

coisa em si distinta de nos", e notOrio que ele proprio sustentava que as coisas quese devem encontrar no espa~o noo sio "exteriores" naquele sentido. Ha, portanto,segundo ele, urn sentido de "exterior", um sentido em que os filosofos comumenteusaram a palavra - tal que, se "exterior" for usado nesse sentido, enta~ daproposi~ao "dois caes existem" noo se seguira que ha algumas coisas exteriores.Qual eeste suposto sentido nio penso que 0 proprio Kant tenha sido bem suce-dido em explicar claramente; nem conhe~o qualquer razao para supor que os filo-sof~s tenham usado "exterior" em urn sentido, tal que naquele sentido as coisasque devem ser encontradas no espa90 noo sio exteriores. Mas 0 que acontece como outro sentido, no qual, segundo Kant, a palavra "exterior" foi comumente usada- aquele sentido que ele chama "empiricamenteexterior"? Como se relacionaesta concep~ao a concep9ao "ser encontrado no espa90"? Pode-se notar que, naspassagens que citei (A 373), 0 proprio Kant nao nos diz claramente qual ele consi-dera ser a resposta apropriada para esta questao. Ele faz somente 0 enunciadobastante estranho de que, para remover toda a iocerteza com rela9ao.a conce~ao"empiricamente exterior", ele distinguira os objetos aos quais ela se aplica daque-les que se poderiam chamar "exteriores" no sentido transcendental, "chamando- .

os de modo completo coisas que devem ser encontradas no espa90': Estas pala-vras singulares certamente sugerem, como uma possivel interpreta9ao delas, quena opiniao de Kant a COnCeP9aO"empiricamente exterior" e identica Iiconcep9ao"ser encontradono espa90"- que ele pensa que "exterior", quando usada nestesegundo sentido, e um simples sinonimo de "ser encontrado no espa90". Mas, seeste e seu significado, acho muito dificil acreditar que ele esta certo. Os filosofossempre usaram, de fato, "exterior" como um simples sinonimo de "ser encontradono espa90"? Ele proprio faz assim?

Nao penso que eles tenham feito isto, nem que ele proprio 0 fa9a; e, paraexplicar como a usaram, e como as duas concep9<>es"exteriores a nossas mentes"

.e "ser encontrado no espa90" estao relacionadas entre si, penso que e importantechamar a aten9aO expressamente para um fato que ate aqui referi apenas aciden-talmente: a saber, 0 fato de que aqueles que falam de certas coisas como "exte-riores ~" nossas mentes falam, em geral, como esperariamos naturalmente, de ou-tras "coisas", com as quais desejam contrapor a primeira, como "em" nossasmentes. Obviamente, apontou-se com certa freqiiencia que quando "em" e assimusado, seguido por "minha mente", "tua mente", "sua mente", etc., "em" estasendo usado metaforicamente. E ha alguns usos metaforicos de "em", seguidos detais expressOes, que ocorrem no discurso comum, e que todos nos entendemosbastante bem. Por exemplo, todos nos entendemos expressOestais como "eu tinhavoce em mente quando fiz aquele arranjo" ou "eu tinha voce em mente quando

. disseque hi algumaspessoasquenao suportamtocm:numaaranha".Nestescasos pode-se usar "eu estava pensando em voce" para significar 0 mesmo que"eu tinha voce em mente". Mas e bastante certo que este uso metaforico particularde "em" nao e aquele que os filosofos estao usando quando contrap5em 0 que esta"em" minha mente com 0 que e"exterior" a ela. Ao contrario, em seu uso de "ex-terior", voce sera exterior Ii minha mente mesmo em um momenta em que tenhovoce em mente. Se queremos descobrir qual e este uso metaforico peculiar de "em

minha mente", que e tal que nada, que e, no sentido com 0 qual estamos agorapreocupados, "exterior" Ii minha mente, pode estar "em" ela, penso que precisa-mos considerar exemplos do tipo de "coisas" que eles diriam que estio "em"minha mente neste sentido especial. Ja mencionei tres destes exemplos, que pensoque sio suficientes para meu presente propOsito: qualquer dor corporal que sinto,qualquer imagem-posterior que vejo com meus olhos fechados, e qualquer ima-gem que "vejo" quando estou dormindo e sonhando, SaDexemplos upicos do tipode "coisa" do qual os filosofos falaram como "em minha mente". E penso que nioha nenhuma duvida de que quando falaram de coisas tais como meu corpo, umafolha de papel, uma estrela - resumindo,"objetos fisicos" de modo geral -como "exteriores", pretender am enfatizar alguma diferen9a importante que sen-tern existir entre coisas tais como essas e "coisas" tais como uma dor, umaimagem-posterior vista com olhos fechados e uma imagem-de-sonho. Mas quediferen9a? Que diferen9a eles sentem existir entre uma dor corporal que sioto ouuma imagem-posterior quevejo com os olhos fechados, por um lado, e meu pro-prio corpo, por outro lado - que diferen9a que os leva a dizer que enquanto a dor

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ESCRITOS FILOs6FICOS 127

corporal e a imagem-posterior estao "em" minha mente, meu proprio corpo nilaesta "em" minha mente - nem mesmo quando 0 estou sentindo, venda ou pen-sando? Ja disse que uma diferenc;aque ha entre os dois e que meu corpo deve serencontrado no espac;o,enquanto a dor corporal e a imagem-posterior nao deverri.Porem penso que seria errado dizer que esta e a diferenc;a que conduziu os filoso-fos a falar das duas ultimas como "em" minha mente, e do meu corpo como nila"em" minha mente. .

A questao de qual e a diferenc;a que os levou a falar dessa maneira, pensonao ser de modo algum uma questao facil de responder; mas tentarei dar, numesquema abreviado, qual penso ser a resposta correta.

Penso que se deveria notar , antes de mais nada, que 0 uso da' palavra"mente", que se esta adotando quando se diz q~e todas as dores corporais quesinto estao "em minha mente", e urn uso que nao esta em muita concordfmcia comqualquer uso comum no discurso ordinario, embora estejamos muito familiari-zados com ele na filosofia. Penso que ninguem diria que as dores corporais quesinto estao "em minha mente", a menos que estivesse tamb~m preparado paradizer que ecom minha mente que sinto dores corporais; e dizer esta ultima coisanao esta, segundo penso, muito de acordo com 0 uso nao-filos6fico comum. Esuficientemente natural dizer que ecom minha inente que lembro, penso, imaginoe sinto dores menIals - por exemplo, desilusOes, mas nao penso ser tao naturaldizer que ecom minha mente que sinto dores corporals, por exemplo uma fortedor de cabe~a; e talvez menos natural ainda dizer que e com minha mente quevejo, ou~o, sinto 0 odor e degusto. Ha, entretanto, urn uso filos6fico bem estabele-cido segundo 0 qual ver, o~vir, sentir odores, degustar e ter uma dor corporal sacexatamente ocorrencias ou processos tao mentals quanto 0 sac lembrar ou pensarou imaginar. Penso que os filosofos adotaram este usa, porque viam uma seme-Ihan~a real entre enunciados tais como "vi urn gato", "ouvi um estrondo de tro-vao", "senti urn forte cheiro de cebola", "meu dedo doia terrivelmente", por urnlado, e enunciados tais como "lembro te-lo visto", "eu estava inventando urn

piano de a~ao", "pintei a cena para mim mesmo", "senti-me profundamentedesapontado", por outro lado - uma semelhan~a que coloca todos esses enuncia-dos numa mesma classe, como opostos a outros enunciados em que se usa "eu"ou "meu:', enunciados tais como, por exemplo, "eu tinha menos de dois metros dealtura", "eu estava deitado de costas", "meu cabelo era muito comprido". Qual ea semelhan~a em questao? E uma semelhanc;a que se poderia expressar dizendoque todos os oito primeiros enunciados sac 0 tipo de enunciados que fornecemdados para a psicologia, enquanto os ultimos tres nao sac deste tipo. E tambemuma semelhanc;a que se pode expressar, de uma maneira agora comum entre osfilosofos, dizendo que no caso de todos os primeiros oito enunciados, se tornamosmais especifico 0 enunciado acrescentando-lhe um dado, obtemos um enunciadotal que, se e verdadeiro, entao segue-seque eu "tendo uma experiencia"na dataem questao, enquanto isto nao vale para os.tres ultimos enunciados. Por exemplo,se e verdade que vi um ga~o entre meio-dia e meio-dia e cinco minutos, hoje,segue-se que estava "tendo alguma experiencia" entre meio-dia e meio-dia e cinco

minutos, hoje; enquanto que da proposiC;aode que eu tinha menos do que dois me-tros de altura em dezembrode 1877,nao se segueque eu tinha algumasexperien-cias em dezembro de 1877. Mas este uso filosofico de "ter uma experiencia" e urnuso que precisa de explica~ao, uma vez que nao e identico ~ qualquer uso daexpressao que se estabelece no discurso comum. Penso, todavia, que uma explica-~ao que e adequada para 0 propOsito pode ser dada dizendo-se que um filosofo,que estivesse seguindo este use, diria que eu estava em urn tempo dado "tendouma experiencia" se e somente se ou (1) eu estava consciente naquele tempo ou (2)eu estava -dormindo naquele momento ou (3) alguma outra coisa era verdadeirapara mim naquele momento, que se parecia ao que e verdadeiropara mim quandoestou consciente e quando estou sonhando, .num certo aspecto bastante obvio noqual 0 que e verdadeiro para mim quando estou dormindo parece 0 que everda-deiro para mim quando sou consciente, e no qual 0 que seria verdadeiro paramim, se em qualquer momento, por exemplo, eu tivesse uma visao, pareceriaambos. Esta explica~ao, obviamente, e em algum grau vaga; mas penso que esuficientemente clara para nosso propOsito. Importa em dizer que, neste use filo-s6fico de "ter uma experiencia", seria dito de mim que eu nao estava, em urnmomenta dado, tendo nenhuma experiencia, se eu nao estava no momenta nemconsciente nem sonhando nem tendo uma visao nem alguma outra colsa do t!po;e, obviamente, isto e vago na medida em que nao se especificou 0 que mais seriado tipo: deixa-se isto ser apreendido a partir das instancias dadas. Porem pensoque isto e suficiente: freqiientemente Ii noite quando estou dormindo, nao esto~nem consciente nem sonhando nem tendo uma visao nem alguma outra colsa dotipo - 0 que quer dizer, nao estou tendo nenhuma experiencia. Se esta explica~aodeste uso filos6fico de "ter uma experiencia" e suficientemente clara, entio pensoque 0 que se significou dizendo que qualquer dOfque sinto ou qualquer imagem-posterior que vejo com meus ollios fechados esta "em minha mente", pode-seexplicar dizendo-se que 0 que se significa e, nada mais nada menos, que existiriauma contradi~io na suposi~ao de que exatamente a mesma dor ou exatamente amesma Imagem-posterlor existiriam em urn momento no qual eu nio estava tendonenhuma experiencia; ou, em outras palavras, que da proposi~io, com rela~io aalgum tempo, que aquela dor ou aquela imagem-pOsterior existiram naqueletempo, segue-se que eu estava tendo alguma experiencia no tempo em questao. Ese assim 0 for, entao podemos dizer que a diferenya sentida entre dores corporaisque sioto e imagens-posteriores que vejo, por urn lado, e meu corpo por outrolado, que levou os filosofos a dizerem que qualquer dessas dores ou imagens-pos-teriores esta "em minhahlente", enquanto meu corpo nunca esm mas esta sempre"fora de" ou "exterior a" minha mente, e exatamente isto, que enguanto existeuma contradiyio em supor uma dor que sinto ou uma imagem-posterior que vejoexistir em um tempo quando nio estou tendo nenhuma experiencia, nao existenenhuma contradic;ao em supor que meu corpo existe em urn tempo-oemque naoestou tendo nenhuma experiencia; e podemos ate mesmo dizer, segundo penso,que. exatamente isto e nada mais e 0 que eles significaram por estas expressOesenigmaticas e enganadoras "em minha mente" e "exterior a mioha mente".

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Mas agora, ao dizer de alguma coisa, por exemplo, de meu corpo, que ele eexterior a niinha mente significa simplesmente que de uma proposiyao para 0 efei-to de que ele existiu em urn tempo especifico de modo algum segue-se que eu esta-va tendo uma experiencia no tempo em questao, entao dizer de alguma coisa queela eexterior, a nossas mentes, significari analogamente que de uma proposiyaocom 0 efeito de que ele existiu em urn tempo especifico de modo algum se segueque qualquer urn de nOs estivesse tendo experiencias no tempo em questao. E separ nossas mentes se significar, como penso que 0 e comumente, as mentes dosseres humanos que vivem sabre a terra, entao seguir-se-a que todas as dores cor-porais que os animais podem sentir, todas as imagens-posteriores que eles podemver, todas as experiencias que podem ter, embora nao sejam exteriores a suas men-tes, sio entretanto exteriores as nossas. E isto toma imediatamente evidente comoe diferente a concepyio de "exterior a nossa mente" da concepyio de "ser encon-trada no espayo"; pois, obviamente, as dores que os animais sentem 'ou asimagens-posteJ;iores que eles veem nio se devem encontrar no espayo mais do queencontrariamos as dores que nOs sentimos ou as imagens-posteriores que nosvemos. Da proposiyio de que existem objetos exteriores - objetos que nio estioem nenhuma de nossas mentes, nao se segue que hlt coisas que sio encontradas noespa90; e, portanto, "exteriores a nossas mentes" nio e um simples sinonimo de"ser encontrado no espa90": isto e, "exteriores a nossas mentes" e "ser encon-trado no espa90" sio duas concepyaes diferentes. E a relayio verdadeira entreestas concepyaes parece-me ser esta. Jlt vimos que sempre hlt muitos tipos de coi-sas, tais que, no caso de cada um destes tipos, da proposi9io de que existe pelomenos um,a coisa daquele tipo segue-se a proposi9io de que hlt pelo menos umacoisa que deve ser encontrada no espa90: por exemplo, isto se segue de "hlt pelomenos uma estrela", de "hit pelo mcnos um corpo humano", de "hit pelo menosuma SOmbra", etc. E penso que podemos dizer isto de toda eSpCciede coisa daqual isto e verdadeiro, e tambem verdade que da proposi9io de que exist,epelomenos uma "coisa" daquele tipo segue-se a proposi9io de que existe pelo menosuma coisa exterior a nossas mentes: por exemplo, de "ha pelo menos uma estrela"

segue-se nio apenas "M pelo menos uma coisa que se deve encontrar no espayo"mas tambem "M pelo menos uma coisa exterior", analogamente em todos os ou-

tros casos. Minha razio para dizer isto e a que segue. Considere-se qualquer tipode coisa, tal que alguma coisa daquele ti:ix>,se hlt alguma coisa desse tipo, devaser "encontrada no espayo": por exemplo, considere-se 0 tipo "bolha de sabio".Se digo de alguma coisa que estou percebendo,' "aquilo e uma bolha de sabio",parece-me que estou certamente implicando que nio haveria nenhuma contradi-9io em af1I11larque ela existiu antes que eu a percebesse ~ que ela continuara aexistir, mesmo se deixo de percebe-la. Isto parece-me ser parte do que se significa

' dizendo-se que ,eIa e uma bolha de sabio real, enquanto distinta, por exempIo, deuma alucina9io de uma bolha de sabio. Obviamente, nio se segue de modoalgum que, se ela realmente euma bolha de sabio, ela de fato existiu antes que eua:percebesse ou continuara a existir depois que deixo de percebe-Ia: as bolhas desabia sio um exemplo de um tipo de,"objeto fisico" e "coisa que se deve encon- ,

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,trar no espayo", em cujo caso e notorio que especimesparticulares do tipofreqiientemente existem apenas na medida em que sao percebidos por.uma pessoaparticular. Mas Uma coisa que percebo nao seria uma bolha de sabao a menos que'sua existencia em qualquer momenta dado fosse logicamente independente deminha percepyio dela naquele tempo; isto e, a menos que, da proposi9io, comrelayao a urn tempo particular, de que ela existiu naquele tempo, nunca se segueque eu a percebi naquele tempo. Porem, se e verdade que ela nio seria uma bolhade sabio, a menos que pudesse ter existido em algum tempo dado sem ser perce-

, bida por mim naquele tempo, certamente e tambem verdade que ela nio seria umabolha de sabao, a menos que ela pudesse ter existido em qualquer momenta dado,sem ser verdadeiro que eu estava tendo alguma experiencia de algum tip<>notempo em questio: ela nio seria uma bolha de sabio, a menos que, qualquer queseja 0 tempo que tomamos, da proposiyio de que ela existiu naquele tempo nao sesiga que eu estava tendo qualquer experiencia naquele tempo. Em outras palavras,da proposiyio com relayio a qualquer coisa que estou percebendo de que ela eurna bolha de sabio, segue-sea proposiyio de ela e exteriora minhamente.Masse, quando digo que alguma coisa que eu percebo e uma bolha de sabio, estouimplicando que ela e exterior a todas as outras mentes: estou implicando que elanio e uma coisa de urn tipo tal que as coisas desse tipo podem somente existir emurn tempo em que alguem esta tendo uma experiencia. Penso, portanto, que dequalquer proposiyio da forma "M uma bolha de sabio I", realmente segue-se aproposi9io "ha um objeto exterior!", "M urn objeto exterior a totlas as nossasmentes I" E, ,se isto e verdadeiro para 0 tipo "bolha de sabio", certamcnte e tam-hem verdadeiro para qualquer outro tipo (incluindo-se 0 tipo "unic6rnio") que etal que, se ha algumas coisas daquele tipo, segue-se que M algumas coisas a seremencontradas no espaCjo.

Penso, portanto, que no caso de todos os tipos de "coisas", que sio tais quese existe um par de coisas, ambas as quais sio de um desses tipos, ou urn par decoisas uma das quais ede um deles e uma delas do outro, entio seguir-se-aimediatamente que existem algumas coisas a serem encontradas no espa90, e ver-dade tambem que se posso provar que existe um par de coisas, urna das quais e de

,urn desses tipos. e a outra d~ outro, ou urn par do qual as.duas coisas sio deurn desses tipos, entio terei ipsofacto provado que ,existem pelo menos duas "coi-sas fora de n6s". Em outras palavras, se posso provar que existe agors, tanto umafolha de papel como uma mao human a, terei provado que existem agora "coisasfora de n6s"; se posso provar que existe agora tanto urn sapato como urna meia,terei provado que existem agora "coisas fora de n6s"; etc.; e analogamente te-Io-eiprovado, se posso provar 'que existem agora duas folh~s de papel, ou duas mioshumanas, ou dois sapatos, ou duas meias, etc. Obviamente, entio, existem milha-res de coisas diferentes tais que, se, em aIgum tempo, posso provar aIguma delas,terei provado a existencia de coisas fora de n6s. Nio posso provar alguma destaseoisas?

Parece-me que, longe desta opiniio ser verdadeira, como Kant a declara ser,que M somente uma prova possivel da existencia de coisas exteriores a n6s, a

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saber a prova que eJe apresentou, posso agora apresentar urn grande numero deproVlilsdiferentes, cada uma das quais e uma prova perfeitamente rigorosa; e queem muitos outros tempos e,stiveem uma posi~ao de dar muitasoutras. Posso pro-vB;ragora, por exemplo, que duas maos humanas existem. Como? Segurando mi-nhas duas mao~ e dizendo, Ii medida que fa~o urn certo gesto com a mao direita,"aqui esta uma mao", e acrescentando, Ii medida que fa~o urn certo gesto com aesquerda, "e aqui esta a outra". Ese, fazendo isso, provei ipso facto a existenciade coisas exteriores, todos nos veremos que posso tambem faze-Io de varias outrasmaneiras: nao existe nenhuma necessidade de multiplicar os exemplos.

Mas acabei de provar agora que duas maos humanas estavam ent~o em exis-tencia? Quero insistir que provei; que a'prova que apresentei foi uma prova perfei-tamente rigorosa; e que etalvez imposslvel dar uma prova melhor ou mais rigo~rosa de qualquer outra coisa. Obviamente, nio teria side uma prova a menos quetres ,condi~oes estivessem'satisfeitas; a'saber, (1), a menos que a premissa que

.acrescentei como prova da conclusio fosse diferente da conclusao para a qual aacrescentei como prova; (2), a meQosque a premissa que acrescenteifosse algumacoisa que eu sabia ser 0 caso, e nio simplesmente alguma coisa na qual eu acredi-tava mas que nio era de modo algum certa,ou alguma coisa que, embora fosse defato verdadeira, eu nio sabia que era; e (3), a menos que a conclusio realmente se.seguisse da premissa. Mas minha proya satisfazia de fato todas estas tres condi-~es. (1) A premissa que acrescentei na prova era com certeza <liferenteda conclu-sio~ pais a conclusio era -simplesmente "duas mios humanas' existem 'oestemomento"; mas a premissa era alguma coisa muito mais especifica do que isto-alguma coisa que expressei mostrando-lhes miDhas mios, fazendo certos gestos, edizendo as palavras"aqui estA uola mio, e aqui esta outra". :e bastante evidenteque as duas eram diferentes, porque e muito obvio que a conclusio poderia serverdadeira, mesmo se a premissa fosse falsa. Ao afirmar a premissa eu estava afir-.mando muito mais do que estava afirmando ao afirmar a conclusao. (2) Eu certa-mente sabia naquele momento aquilo que expressei pela combina~io de certosgestos com a pronUncia das palavras "ha uma mio e aqui estAa outra". Eu sabiaque havia uma mio no lugar indicado combinando Urncerto gesto com miDha pri-meira afirJna~ao de "aqui" e que havia outra no lugar diferente indicadb combi-nando urn certo gesto com minha segunda afinna~ao de "aqui". Como seriaabsurdo sugerir que eu nio a cOnhecia, mas que somente acreditava nela, e quetalvez ela nao fosse 0 caso! Poderiamos sugerir tambem que Dio sei que estouagora parado e que estou falando - que talvez afmal das contas nio estou, e quenio e muito certo que estou! E, finalmente, (3) e muito cei'to que a conclusio seseguiu da premissa. Isto e tao certo como 0 e que, se ha uma mio aqui e outraaqui agora, entao segue-se que ha duas mios em existencia agora.

Minha prova, entio, da existencia de ,cofsas exteriores a nos satisfazia tresdas condi~es necessanas para uma prova rigorosa. Existem quaisquer outrascondi~es necessanas para uma prova .rigorosa, tais que talvez ela nao satisfizesseuma delas? Talvez possa existir; nio sei; mas quero enfatizar que, ate onde possover, todos nos tomamos constantemente provas deste tipo como provas absoluta~mente conc1usivas para certas conc1usoes - como finalmente estabelecendo cer-

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tas questoes, com rela~ao as quais estavamos previamente em duvida. Suponha-mos, por exemplo, que fosse uma questao de saber se existiram ate tres erros deimpressao em uma certa pagina de urn certo livro. A diz que existem, B esta incli-nado a duvidar disso. Como poderia A provar que esta certo? Certamente elepoderia prova-Io pegando 0 livro, virando ate chegar Iipagina, e apontar nela treslugares separados, dizendo "ha um erro de impressao aqui, outro aqui e outroaqui": certamente este eurn metoda pelo qual isso poderia ser provado! Obvia-mente, A nao teria provado, fazendo isso, que havia pelo menos tres erros deimprensa na pagina em questao, a menos que estivesse certo que havia urn erro deimpressao em cada urn dos lugares para os"quais apontou. Mas dizer que elepode-ria prova-Io dessa maneira, e dizer que ele poderia estar certo de que havia treserros. E se uma coisa tal como essa pudesse ser certa, enmo com certeza era certoexatamente agora que havia uma mio em urn dos lugares que indiquei e outramio em outro.

Acabei entao de dar uma 'prova de que havia enttio objetos exteriores; eobviamente, se 0 .fiz, poderia enttio ter dado muitas outras provas do mesmo tipode que havia objetos exteriores entao, e poderia agora dar muitas provas do.rnesmo tipo de que h8.objetos exferiores agora.

Mas, se 0 que me pedem para fazer eprovar que os objetos exteriores existi-ram no passado, entio posso dar.muitas provas diferentes disto tambem, mas pro-vas que sio em aspeCtos importantes de urn tipo diferente daquele que acabamosde apresentar. E quero enfatizar que, quando'Kant diz que eum escandalo nio ser :capaz de dar iuna prova (fa existencia dos objetos ,exteriores, uma prova de sua'existencia no passado certamente ajudaria a remover 0 escindalo do qual ele estafalando. Ele diz que se ocorresse a alguem questionar sua existencia, deveriamosestar 'aptos a enfrentA-Iocom umaprova satisfat6ria. Porem, por uma pessoa quequestionasse sua existencia, ele certamente nio significa apenas uma pessoa quequestionasse se existem alguns no momenta em que se fala, mas uma pessoa quequestionasse se alguma vez existiram alguns; e uma prova de que alguns existiramno passado certamente seria portanto relevante para parte do que tal pessoa estaquestionando. Como posso el)tao provar que existiram objetos exteriores no pas-sado? Aqui esta 'uma prova. Posso dizer: "eu 'mantive minhas maos sobre esta. .' . ,escrivaninha h8. muito pouco tempo; portanto duas mios existiram h8. algumtempo; portanto pelo menos dois objetos exteriores ,existiram durante algumtempo no passado. Q. E. D.". Esta e perfeitamente uma boa prova, desde que eusaiba 0 ,que afirmeina premissa. Mas eu sei que coloquei duas maos sobre estaescrivaninha h8.bem pouco tempo. De fato, neste caso todos nos 0 sabemos tam-bem. Nao hi, nenhuma duvida de que 0 fiz. portaiito, apresentei uma prova perfei-tamente conclusiva de que os objetos exteriores existiram no' passado; e todos nosveremos imediatamente que, se esta e uma prova conclusiva, eu poderia ter apre- .sentado .muitas outras do mesrno tipo, e posso agora apresentar muitas outras.Po rem, e tambern bastante obvio que este tipo de prova difere em aspectos impor-tantes do tipo de prova queacabei de apresentar de que havia duas maos existindo-~. .

Apresentei, entao, duas provas conclusivas da existencia dos objetos exterio-

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res. A primeiraera uma prova de que dual' maos humanas existiramno momentaem que apresentei a prova; a segunda era uma prova de que duas maos humanasexistiram num momenta anterior aquele em que apresentei a prova. Estas provaseram de urn tipo diferente em aspectos importantes. E apontei que poderia terapresentado, entao, muitas outras provas conclusivas desses dois tipos. E tambemebvio que eu poderia dar muitos outros dos dois tipos agora. De tal forma que, seestas forem a especie de prova que se requer, nada e mais facil do que provar aexistencia de objetos exteriores.

Mas agora estou perfeitamente consciente de que, apesar de tudo 0 que disse,muitos fil6sofos sentirao ainda que nao apresentei qualquer prova satisfa«!ria doponto em questao. E desejo, brevemente, como conclusao, dizer alguma coisa domotivo par.que se sentiria esta in~atisfa\(io com minhas.provas.

Penso que uma das razc'5es dessa insatisfa~~o e a seguinte. Algumas pessoasentendem por "prova de um mundo exterior" como incluindo uma prova de coisasque nao tentei provar e que nao provei. Nio e muito facH dizer 0 que elas querem

. que se prove- 0 que eque etal que a menosque tenhamobtido uma prova dele,nio diriam que tiDham uma prova da existencia de coisas exteriores; mas possofazer uma tentativa para explicar 0 que pretendem dizendo que se eu tivesse pro-vado as proposi~oes que usei como premissas em minhas duas provas, entio elestalvez admitiriam que cu tinha provado a existencia de coisas exteriores, mas, naausencia de tal prova (que, obviamente, nem apresentei nem tentei apresentar),dirio que nio apresentei a que eles significam por uma prova da existencia de coi-sas exteriores. Em outras palavras, requerem urna prova do que eu afirmo agoraquando segura minhas mios e digo "aqui esta minha mio e aqui esta a outra"; e,no ouu:o easa, rcquercm uma prova do que aflrmo agora quando digo "eu mantiveduas mios acima desta cscrivaninha exatamente agora". Obviamente, a que elcsrealmente requerem nio e apenas uma prova destas duas proposi~es, mas algu-ma coisa parecida a urn cnuneiado geral de como se pode provar quaisquer propo-si~es deste tipo. Isto, obviamente, nio roi apresentado; e nao acredito que sepossa apresentar: se isto e 0 que se significa por prova da existencia das coisasexteriores, nio aeredito que e possivel qualquer prov~ da existencia de coisas exte-riores. Obviamente, em alguns casas 0 que se- poderia chamar uma prova deproposi~es, que sio parecidas a estas, pode s~ obtida. Se alguem suspeita:va queurna de minhas mios era artificial, poder-se-ia dizer que ele consegue uma provade minha proposi~io "aqui esta uma mio e aqui esta outra", vindo e examinandoa mio suspeita mais de perto, talvez tocando-a e' pressionando-a, e estabelecendodessa maneira que ela realmente era urna mao humana. Contudo, nao acreditoque alguma prova seja possivel em quase todos os casos. Como provarei agoraquoe"aqui esta minha mao e aqui esta a outra"? Nao acredito que possa faze-Io.Para faze-Io, eu precisarei provar primeiro, como Descartes mostrou, que naoestou agora sonhando; tenho evidencia conclusiva de que estou acordado: masisto e urna coisa muito diferente de ser capaz de prova-Io. Eu nao poderia dizer-lhes qual etoda a.minha evidencia; e eu requereria a realiza~ao de pelo menos istopara dar-IhesurnaprQva. .

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Porem, outra razao pela qual algumas pessoas se sentiriam insatisfeitas comminha prova penso ser nao apenas que elas querem uma prova de alguma coisaque nao provei, mas que elas pensam que, se nao posso apresentar tais provasextras; entao as provas que apresentei nao sac de modo algum provas conclusi-vas. E penso que este eurn erro definitivo. Elas diriam: "se nao se pode provar apremissa de que aqui esta uma mao e aqui esta outra, entao do sabemos a pre-missa. Porem admitiu-se que, se nao se sabia a premissa, entao a prova rtao eraconclusiva. Portanto a prova nao era, como se dizia que era, uma prova conclusi-va". Esta perspectiva de que, se nao posso provar coisas tais como essas, eu naoas sei, penso ser a perspectiva que ~ant estava expressando na senten~a que citeino come~o desta conferencia, quando ele afirmava que na medida em que naotemos nenhuma prova da existencia das coisas ex~eriores,deve-se aceitar sUfiexis-tencia meramente como uma questio de fl. Penso que ele pretende dizer que senio posso provar que existe uma mao aqui, devo aceita-Iasimplesmentee,omouma questio de Ie - nilo posso conhece-Ia. Penso que se pode mostrar que talvisio, embora tenha side muito comum entre os filesoros, esta errada - emborase possa mostrar apenas pelo uso de premissas que nio se sabe serem verdadeiras,a menos que saibamos da existencia de coisas exteriores. Possa saber coisas quenio posso provar; e entre as coisas que eu certamente sabia, mesmo que (comopense) naQ pudesse prova-Ias, estavam as premissas de minhas duas provas. Eudiria, portanto, que aqueles, se existem alguns, que nio cstio satisfeitos com estasprovas simplesmente com base em que eu nio sabia suas premissas, nio possuemuma boa razio para sua insatisfa~io.

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