MORAIS, Rodrigo de Oliveira. Informacionalismo e ética hacker

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Escola de Comunicao Mestrado

rea de Concentrao: Comunicao e Cultura Linha de Pesquisa: Tecnologias da Comunicao e Estticas

Informacionalismo e tica Hacker Resistncias digitais na Sociedade em Rede

Rodrigo de Oliveira Morais

Prof. Doutor Henrique Antoun (Orientador)

Rio de Janeiro 2005

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Informacionalismo e tica Hacker: Resistncias digitais na Sociedade em Rede

Rodrigo de Oliveira Morais

Dissertao submetida ao corpo docente da Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro ECO-UFRJ, como parte integrante dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre.

Aprovado por: Prof. _________________________________________________ Henrique Antoun, ECO-UFRJ - Doutor em Comunicao e Cultura, ECO-UFRJ (Orientador) Profa. ________________________________________________ Ivana Bentes, ECO-UFRJ Doutora em Comunicao e Cultura, ECO-UFRJ Prof. _________________________________________________ Andr Lemos, FACOM-UFBA Doutor em Sociologia, Universit de Paris V Prof. _________________________________________________ (Suplente)

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Rio de Janeiro, 2005.

FICHA CATALOGRFICA

Morais, Rodrigo de Oliveira. 1974 Informacionalismo e tica Hacker: Resistncias Digitais na Sociedade em Rede/ Rodrigo de Oliveira Morais Rio de Janeiro, RJ: ECO-UFRJ, 2005. Dissertao (Mestrado em Comunicao e Cultura) Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, Escola de Comunicao ECO, 2005. Orientador: Henrique Antoun. 1. Hackers. 2. Informacionalismo. 3. Resistncia Digital. 4. Redes. 5. Internet. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Comunicao. II. Ttulo.

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RESUMO

MORAIS, Rodrigo de Oliveira. Informacionalismo e tica Hacker: Resistncias digitais na Sociedade em Rede. Orientador: Henrique Antoun. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO, 2005. Dissertao (Mestrado em Comunicao e Cultura).

A informatizao das sociedades industriais provoca uma reorganizao da atividade produtiva em torno das novas tecnologias da informao. Emerge, ento, um novo paradigma: o informacionalismo. Sua estrutura social tpica so as redes comunicacionais, que tm por eixo central a Internet. Portadores de uma tica que instaura uma nova relao com o trabalho e afirma a livre circulao do conhecimento, os hackers sero apontados como a fonte cultural da inovao tecnolgica em que se baseia o informacionalismo. Neste novo momento histrico, em que adquire preponderncia o trabalho imaterial, as mudanas no regime de produo afetam todas as relaes sociais, com reflexos na prtica poltica, em particular na resistncia ao capital informacional. Importantes manifestaes desta luta esto relacionadas questo da propriedade intelectual e ao direito liberdade de expresso no ciberespao. Nossa hiptese contempla na tica hacker uma nova perspectiva para problemas histricos. Interessa-nos especular sobre possveis desdobramentos desta tica de cooperao e compartilhamento como linha de fuga lgica do capital e pensar a comunicao mediada por computadores, nos termos de Negri e Cocco, como meio de difuso do saber e de emergncia do comum, condies para uma sociedade livre.

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ABSTRACT

MORAIS, Rodrigo de Oliveira. Informacionalismo e tica Hacker: Resistncias digitais na Sociedade em Rede. Orientador: Henrique Antoun. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO, 2005. Dissertao (Mestrado em Comunicao e Cultura).

The informatization of industrial societies provokes a reorganization of the productive activities around the new technologies of information. A new paradigm emerges: Informationalism. Its typical social structure are the communicational networks, having the Internet as their central axis. Bearers of an ethics that inaugurates a new relationship with work and affirms the free circulation of knowledge, hackers will be referred as the cultural source of technological innovation in which informationalism bases itself. In this new historical moment, where immaterial labor acquires preponderance the changes in the production regime affect all social relationships, having repercussion in the political praxis, and, in particular, in the resistance against informational capital. Important manifestations of this struggle are related to the issue of intellectual property and the right to freedom of speech in cyberspace. Our hypothesis contemplates a new perspective for historical problems in the hacker ethics. We are interested in speculate on the possible unfoldings of this ethics of cooperation and partaking as an scape line to the logic of the capital and to think the computer mediated communication in the terms set by Negri and Coco, as a medium for the diffusion of knowledge and the emergence of the common, these being considered conditions for a free society.

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Sumrio

INTRODUO...............................................................................................................01

1.Informacionalismo........................................................................................................04

2. Rede e trabalho imaterial.............................................................................................19

3. Internet, tica hacker e a questo da propriedade........................................................36

4. Web como arma: desobedincia e ativismo online.....................................................59

5. Os hackers na mdia americana aps o 11 de setembro..............................................78

CONCLUSO.................................................................................................................95

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..........................................................................102

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IntroduoA presente pesquisa tem por objetivo investigar formas de resistncia relacionadas tica hacker surgidas no informacionalismo, nome dado por Manuel Castells ao paradigma dominante na atualidade, que tem como estrutura social tpica as redes organizadas em torno das tecnologias comunicacionais da informao. Este novo paradigma foi historicamente moldado pela reestruturao do modo capitalista de produo ocorrido nas ltimas dcadas do sculo XX. No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de gerao de conhecimentos, de processamento da informao e de comunicao de smbolos. [1999, p.53] O informacionalismo, portanto, est ligado expanso e ao rejuvenescimento do capitalismo de onde a expresso capitalismo informacional como o industrialismo estava ligado constituio do capitalismo como modo de produo. Neste contexto, afirma o socilogo, a Internet, a rede, o ciberespao seria hoje o tecido de nossas vidas. Ao concluir a graduao, enfoquei a mdia como forma de governar, no sentido foucaultiano, ou seja, como capacidade de estruturar o eventual campo de ao dos indivduos. Pautava-me a questo do exerccio do poder como conduo de condutas, aes sobre aes possveis, delimitao do campo de possibilidades de comportamento. Concentrei-me, poca, nas mdias tradicionais, principalmente a televiso e o jornalismo impresso, mas apontei como objeto para uma pesquisa de mestrado o campo das chamadas novas tecnologias da informao. A idia para a atual pesquisa surgiu ao ler uma notcia sobre uma conferncia hacker. E a confirmao de que estava na trilha correta para perseguir as questes que me interessavam primordialmente veio ao ler um texto de Castells: O Informacionalismo e a Sociedade em Rede, posfcio do livro A tica hacker e o esprito da era da informao, de Pekka Himanen. Motivou-me, especificamente, o trecho final, em que Castells afirma a

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cultura hacker como componente fundamental do informacionalismo, a fonte cultural de sua inovao tecnolgica.No existem revolues tecnolgicas sem transformao cultural. Tecnologias revolucionrias tm de ser pensadas. Este no um processo incremental: uma viso, um ato de f, um gesto de rebeldia. (...) O informacionalismo foi parcialmente inventado e decisivamente moldado por uma nova cultura que foi essencial no desenvolvimento das redes de computadores, na distribuio da capacidade de processamento e no aumento da potencial inovao atravs da cooperao e do compartilhamento. O entendimento terico dessa cultura e de seu papel como fonte de inovao e de criatividade no informacionalismo a pedra fundamental para a nossa compreenso da gnese da sociedade em rede. [2001, p.

154] No primeiro captulo, procuramos entender o que representa a passagem do industrialismo para o informacionalismo, os modos como a predominncia deste ltimo se evidencia e a redefinio do papel da informao na economia transformada pela revoluo digital. O fenmeno da globalizao abordado com o objetivo de entendermos a dinmica da interao capital-informao e seus fluxos em um mundo interconectado pelas novas tecnologias. A organizao em redes e o trabalho imaterial so os temas que dominam o captulo seguinte. Nele abordamos desde o conceito de rede e a elaborao dos princpios de uma rede distribuda digital ao carter hbrido democrtico e oligopolista da infra-estrutura global de informaes da atualidade. Estudamos a redefinio das relaes de produo e das demais relaes sociais no informacionalismo e a emergncia do trabalho imaterial em sua potencial autonomia diante do capital. Entra em cena o modelo bazar de produo de software livre, introduzido por Linus Torvalds. Do Linux passamos ao paradigma ecolgico proposto por Fritjof Capra, conectados por valores comuns como a organizao em redes no-hierrquicas, parceria e cooperao. Veremos ainda o conceito de guerra em rede e suas implicaes no campo dos movimentos sociais. Abordaremos brevemente a teoria da complexidade, em que a rede concebida como o padro de organizao da prpria vida, e chegaremos compreenso do ciberespao como organismo complexo e auto-organizante, estrutura rizomtica, possibilidade de inteligncia coletiva. No terceiro captulo traaremos um rpido histrico do desenvolvimento da Internet para nos concentrarmos na tica hacker, em que um dos pontos cruciais uma nova relao

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com o trabalho, e no tema da propriedade intelectual. A partir dos valores afirmados pelos hackers veremos a problemtica contempornea da circulao do conhecimento e dos bens culturais, bem como diversas solues propostas no mbito da informtica e da cultura em geral, a exemplo do copyleft e do Creative Commons. A questo dos hackers, tidos como fonte cultural da inovao tecnolgica em que se baseia o informacionalismo, se far presente tanto em seu sentido mais estrito como no ampliado, quando os hackers se configuram como classe qual interessa a livre circulao da informao. A seguir, abordaremos conceitos como a desobedincia civil eletrnica e o hacktivismo. Veremos como hoje h uma percepo de que as lutas polticas devem ocupar o ciberespao como palco para suas reivindicaes e protestos. Estudaremos as relaes entre os conceitos de Zona Autnoma Temporria, proposto por Hakim Bey, e de mquina de guerra, elaborado pela dupla francesa Gilles Deleuze e Felix Guattari, em que so centrais as idias de bando e rizoma, e o papel que a rede pode desempenhar em sua efetivao. Apontaremos ainda a necessidade de distinguir entre as aes polticas legtimas no ciberespao e atos de terrorismo, confuso crescente aps os ataques de 11 de setembro. No penltimo captulo, partiremos de um estudo de Sandor Vegh que demonstra a tendncia presente na grande mdia impressa diria norte-americana que leva o pblico a perceber de forma distorcida as aes e as motivaes de hackers e ciberativistas. A anlise de um artigo da revista Newsweek confirmar as constataes de Vegh e, luz de uma viso crtica das teorias do risco fornecida por Deborah Lupton, procuraremos examinar o processo retrico de construo da Internet como objeto de risco e suas implicaes polticas, como o ataque s liberdades no ciberespao. Por fim, em nossa concluso, buscaremos demonstrar que a despeito de os hackers terem sido estigmatizados como viles contemporneos, sua tica e suas prticas podem ser indicativos de uma perspectiva renovada que vai ao encontro dos que pregam a necessidade de novas formas de resistncia, dado o esgotamento de prticas polticas tradicionais.

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1. InformacionalismoA Internet a tecnologia mais transformadora surgida nos ltimos 25 anos. Este o resultado de uma pesquisa realizada entre membros da comunidade cientfica norteamericana pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Em segundo lugar ficou o telefone celular, seguido pelo computador pessoal, pela fibra tica e pelo correio eletrnico. A escolha obedeceu aos seguintes critrios: amplo uso, reconhecimento imediato pelo pblico, impacto direto e perceptvel no cotidiano e/ou capacidade de afetar a vida humana dramaticamente no futuro. No foram consideradas as tecnologias relacionadas medicina. O resultado da enquete, encomendada pela CNN, foi divulgado em 18 de janeiro de 20051. As ltimas trs dcadas, de fato, testemunharam o surgimento de Tecnologias da Informao (TI) que esto no epicentro de mudanas to profundas nas sociedades humanas como aquelas que resultaram da Revoluo Industrial iniciada no sculo XVIII. A partir deste pressuposto, o socilogo espanhol Manuel Castells afirma que um novo paradigma sucedeu o paradigma industrial, tpico da modernidade. Viveramos hoje, portanto, no mais o industrialismo, mas uma nova era: o informacionalismo. O tipo de tecnologia desenvolvida numa sociedade tem importncia decisiva na configurao de sua estrutura material. Ao revolucionar a tecnologia da energia, inicialmente com a mquina a vapor e em seguida com a eletricidade, a Revoluo Industrial lanou bases para as novas formas de organizao produtiva, social e de consumo constituintes das sociedades industriais. Exemplos disso so o surgimento do trabalho fabril e das linhas de montagem, o acelerado processo de urbanizao e o consumo em massa. Mais do que uma analogia entre elas, o historiador Peter Burke v as revolues industrial e

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da comunicao como parte de um mesmo processo em que o homem, por meio da tecnologia, supera limitaes espaciais e temporais.Dentro dessa perspectiva, a revoluo industrial e a revoluo da comunicao podem ser vistas como parte do mesmo processo com a revoluo dos transportes em primeiro lugar na seqncia tecnolgica que parecia ter uma lgica prpria, principalmente depois que a eletricidade substituiu o vapor como nova fonte de energia (...). No sculo XX, a televiso precedeu o computador, do mesmo modo como a impresso grfica antecedeu o motor a vapor, o rdio antecedeu a televiso, e as estradas de ferro e os navios a vapor precederam os automveis e avies.

[BURKE e BRIGGS, 2004, p.114] Hoje, o paradigma informacional seria dominante em relao ao industrial, substituindo-o e absorvendo-o. A prova, argumenta Castells, estaria em seu desempenho superior no acmulo de riqueza e poder. Benjamin Barber [2004] aponta o poder da informao e das chamadas novas tecnologias, em lugar da economia tradicional base de bens materiais, como esteio de uma nova hegemonia global americana. Para ilustrar a importncia da chamada nova economia, termo que critica, Anbal Ford [2004] menciona o ndice Nasdaq2, bolsa em que so negociadas as aes de empresas de tecnologia. Criado em 1971, o Nasdaq tornou-se o primeiro mercado de aes dos Estados Unidos, como informa seu site3:Nasdaq o maior mercado eletrnico de aes dos EUA. Com aproximadamente 3.300 companhias, o que apresenta mais companhias e, em mdia, negocia mais aes por dia do que qualquer outro mercado americano. o lar de companhias que definem categorias e so lderes em todas as reas de negcio incluindo tecnologia, 4 varejo, comunicaes, servios financeiros, transporte, mdia e biotecnologia.

Somadas, as indstrias norte-americanas da Internet e de telecomunicaes superavam, em 1998, a de automveis. A duas primeiras, conforme estudo publicado pelo jornal Washington Post, geraram US$ 301 bilhes e US$ 270 bilhes, respectivamente. A terceira, US$ 350 bilhes. [FORD, 2004] Se a importncia econmica da telecomunicao antiga, remontando no caso norte-americano indstria do telgrafo, no deixa de ser significativo que os negcios relacionados Internet naquele ano a tenham ultrapassado, atingindo peso prximo ao do setor automobilstico, cuja relevncia histrica pode ser2 3

National Association of Securities Dealer Automated Quotation. Optamos por no usar itlico em termos caractersticos da informtica e amplamente incorporados ao nosso cotidiano como site, link e web. 4 consultado em fevereiro de 2005.

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medida no apenas em termos financeiros, mas pelo alcance do fordismo como modelo de produo capitalista. Os nmeros citados so anteriores ao estouro da bolha da Internet, ocorrido no fim dos anos 1990, quando o ciclo especulativo que deu origem chamada exuberncia irracional resultou em crash do mercado de empresas pontocom. Franco Berardi [2002] afirma que a crise da nova economia, ou semioeconomia, no apenas financeira, mas estrutural, uma expresso daquilo que Marx denominou como crise de superproduo, resultado do descompasso entre a produo semitica ilimitada em contradio com o mercado mental, o tempo de ateno socialmente disponvel. Esta crise, aponta Berardi, fundamental para a compreenso do movimento global surgido em Seattle, em1999, pois a partir dela o trabalho cognitivo (ou imaterial) na rede teria adquirido a feio de um movimento global de auto-organizao e de revolta. Em um longo artigo sobre a queda de produtividade da indstria americana, a edio de 21 de fevereiro de 2005 da revista Newsweek afirma ser opinio corrente que a nova economia teria morrido h pelo menos quatro anos. No obstante, conclui a reportagem, o investimento em tecnologias da informao ajudou os Estados Unidos a dobrar sua produtividade em 25 anos. A produtividade cresceu, em mdia, 1,5% anualmente entre 1973 e 1995. Saltou para 2,5% na segunda metade dos anos 1990 e continuou a subir depois que o boom terminou em 2000. O gasto com tecnologias da informao foi reduzido, mas a produtividade cresceu estonteantes 4,3% anuais entre 2001 e 2003. De acordo com a revista, a maioria dos economistas concorda que mais da metade deste crescimento se deve adaptao do mundo dos negcios para um melhor uso da tecnologia. A queda das taxas de crescimento de produtividade posteriores a 2003 lana uma pergunta: a nova tecnologia promoveu de fato um crescimento da produtividade a longo prazo ou o milagre chegou ao fim? Ningum, pondera a reportagem, pode ainda afirmar que o boom da tecnologia terminou. Um consultor do Morgan Stanley ouvido pela revista, porm, acredita que a transio corporativa para uma nova plataforma tecnolgica foi concluda e o nvel de investimento em tecnologia da informao atingiu seu limite. Entre 1995 e 2004, o percentual de gastos das companhias americanas em equipamento relacionado a tecnologias da informao cresceu de 36% para 58%. Mas h outras opinies. Na vida real, muitas firmas ainda no se reestruturaram em torno da revoluo digital. Ao

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mesmo tempo, tecnologias de ponta logo introduziro novos padres de eficincia (...), diz um dos personagens consultados. Um terceiro alto executivo do mercado financeiro embaralha o horizonte: Levar dez anos at que possamos dar uma explicao confivel para o que est acontecendo. Minha tendncia, por razes que ficaro claras no desenvolvimento desta pesquisa, concordar com as vises expostas pelos dois ltimos entrevistados. Estas questes, creio, no alteram substancialmente a situao de preponderncia do informacionalismo sobre o industrialismo. Se o acmulo de riqueza uma das formas de aferir tal preeminncia, vale mencionar o caso de Bill Gates. Em 2004 o fundador da Microsoft completou 11 anos no topo da lista dos homens mais ricos do mundo elaborada pela revista Fortune.5 Sua fortuna era avaliada em US$ 48 bilhes. Alm de Gates, outros trs magnatas da informtica esto entre os dez primeiros: Paul Allen, co-fundador da Microsoft, em terceiro com US$ 20 bilhes; em nono, Michael Dell, da empresa de computadores que leva seu sobrenome, com US$ 14,2 bilhes; por fim, na posio seguinte, Larry Ellison, principal executivo da Oracle, com US$ 13,7 bilhes. A revista revela ainda que a fortuna norte-americana, concentrada no incio da dcada de 1980 na costa Leste, principalmente em Nova York, migrou para a Califrnia, na costa Oeste, onde est o Vale do Silcio. Outro exemplo importante o Google, cujo lanamento de aes na Nasdaq, em agosto de 2004, foi considerado o maior desde o estouro da bolha da Internet. No primeiro dia de oferta as aes da empresa fundada por Larry Page e Sergey Brin tiveram valorizao de 20%, saltando de US$ 85 para US$ 101,71. Pelo preo inicial das aes, o Google valia US$ 23 bilhes. No dia seguinte, os papis aes eram vendidos a US$ 103,42, o que elevou o valor total do Google para US$ 28 bilhes. Assim, informou a BBC6, o Google superava a Ford (US$ 26 bilhes), mas ainda se situava em patamar inferior a seu principal competidor, o Yahoo (US$ 39 bilhes), e ao servio de leiles online eBay (US$ 53 bilhes). Em novembro, porm, a Folha de S.Paulo noticiava que os papis do Google tinham atingido US$ 185, o que, seguindo a projeo da BBC, elevou para US$ 50 bilhes o valor total da empresa. A valorizao teve por base os resultados financeiros positivos apresentados aos investidores. No balano divulgado pela primeira5

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vez desde que abriu seu capital, o Google disse ter lucrado US$ 52 milhes no terceiro trimestre do ano. O faturamento durante o perodo foi de US$ 805,9 milhes, contra US$ 393,9 milhes em 2003.7 As aes tiveram pico de US$ 200, ganho de 140% comparado ao valor de lanamento. Afirmamos acima a vigncia de um novo paradigma. Em sua pesquisa sobre as revolues cientficas, Thomas Khun estabelece dois critrios para definir um paradigma: realizaes sem precedentes, capazes de atrair um grupo duradouro de partidrios; e suficientemente abertas para abarcar toda espcie de problemas. [Khun, 1982, p. 30] Khun classifica como revolues cientficas os episdios nos quais um paradigma mais antigo total ou parcialmente substitudo por um novo. Tais revolues implicam uma alterao no prprio modo como entendemos o mundo e a tecnologia desempenhou muitas vezes papel vital no surgimento de novas cincias. Parece-me ser um consenso que estes critrios e classificaes so perfeitamente aplicveis aos acontecimentos das ltimas dcadas envolvendo as TI. Ao apontar um novo paradigma, Castells chama a nossa ateno para a remodelao das bases materiais da sociedade nas ltimas dcadas, comparvel, como j foi dito, ao impacto da Revoluo Industrial em termos de induo de um padro de descontinuidade na economia, sociedade e cultura. Ren Dreifuss [2004] chama de tecnobergs o conjunto de tecnologias e conhecimentos que esto na base da mudana econmica ocorrida a partir da dcada de 1980. Tecnoberg um acrnimo formado pelas primeiras letras das seguintes palavras e expresses: teleinfocomputrnica satelital; engenharia; cognio; nanotecnologia; optoeletrnica; biotecnologia; energias alternativas e novas; robtica; gentica; e servios inteligentes. A magnitude da mudana operada a partir dos tecnobergs, assinala o autor, corresponde a novas referncias civilizatrias no condicionamento e na estruturao da realidade, constituindo pilares para a emergncia do que denomina societalidade humana tecnologizada. Dreifuss tambm sustenta que os tecnobergs constituem novos modos de produo e de organizaes sociais de produo, o que deixa a economia industrial na memria do historiador. [DREIFUSS, 2004, p.111] A ps-modernizao econmica, afirmam Antonio Negri e Michael Hardt, definida pelo processo de informatizao da produo. A modernizao fora a passagem de6

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um paradigma primrio, em que a agricultura e a extrao de matrias-primas eram as atividades produtivas preponderantes, para um paradigma secundrio, o da atividade industrial. Ou seja, a industrializao est para a modernizao assim como a informatizao est para a ps-modernizao. Em 1979, no livro A Condio PsModerna8, o filsofo Jean-Franois Lyotard afirmava que a entrada das sociedades na idade ps-industrial e das culturas na idade ps-moderna, com a inevitvel informatizao das sociedades, alteraria o estatuto do saber (ou, se assim podemos dizer, os princpios que regem o saber). razovel pensar que a multiplicao de mquinas informacionais afeta e afetar a circulao dos conhecimentos, do mesmo modo que o desenvolvimento dos meios de circulao dos homens (transportes), dos sons e, em seguida, das imagens (media) o fez. [1979, p.4]. Lyotard, ento, apontava para a convergncia entre as redes da moeda e do conhecimento, mercado e informao. Em vez de serem difundidos em virtude de seu valor formativo ou de sua importncia poltica (administrativa, diplomtica ou militar), pode-se imaginar que os conhecimentos sejam postos em circulao segundo as mesmas redes da moeda (...). [1979, p.7] Pode-se ponderar que o fluxo de informao tradicionalmente segue o fluxo do comrcio. Em suas viagens, os antigos mercadores j promoviam tambm a circulao de informaes e o intercmbio de conhecimento. Lyotard, porm, anunciou uma transformao radical na natureza do saber, vinculada proliferao das mquinas informacionais, que implica a transformao do conhecimento em commodity. Convertido em mercadoria informacional e alado condio de principal fora de produo, o saber se torna o mais importante aspecto da disputa mundial pelo poder, com o conseqente aprofundamento de assimetrias entre pases dominantes e subordinados em decorrncia dos diferentes graus de desenvolvimento tecnolgico. Uma das manifestaes do problema so as excluses digital, informacional e comunicacional. Em 1999, os Estados Unidos possuam 805 televisores para cada mil pessoas. A Frana, 589. A Arglia, 89. A Etipia, 4,4. Dados do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 1998, indicavam a Sucia em primeiro lugar no nmero de telefones, com 681 linhas para cada mil habitantes. Os Estados Unidos tinham 626 e a Sua, 613. A ndia, 13. Em pases como Nepal e Bangladesh no chegavam a dez. A mesma desigualdade se reflete na concentrao de usurios da Internet. Os dados7

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indicam que 88% viviam em pases industrializados que representam 15% da populao mundial. O sul da sia, com 20% da populao mundial possua menos de 1% dos usurios. A frica, com 739 milhes de pessoas, tinha apenas 14 milhes de linhas telefnicas e um milho de internautas. O que Anbal Ford [2004] denomina desigualdades infocomunicacionais no se limita, porm, questo dos equipamentos, mas atinge tambm a qualidade da informao e os fluxos informacionais e culturais. A forte presena da computao e da Internet nos campos do trabalho e da educao torna o problema crtico. Os erros e a precariedade de dados sobre os pases pobres deteriora aquilo que Herbert Schiller denominava informao socialmente necessria e so um obstculo para o desenvolvimento (...). [2004, p. 89-90] Nesta geografia diferencial, alerta Castells, os retardatrios so penalizados tambm com condies menos favorveis de interveno sobre o contedo, a estrutura e a dinmica da Internet. [2004, p. 263] O tema da desigualdade e da excluso infocomunicacional tornou-se motivo de controvrsia entre a ONU e o Banco Mundial. Enquanto as Naes Unidas organizavam uma campanha para levar telecomunicao de alta tecnologia aos pases pobres como forma de promover a democracia e o desenvolvimento nestas regies, o banco divulgou um relatrio afirmando que os servios de telecomunicaes crescem rapidamente nestes pases. As pessoas no mundo em desenvolvimento esto ganhando acesso tecnologia com uma rapidez incrvel muito mais rpido do que elas tinham acesso a novas tecnologias no passado, sustenta o documento.9 Ecoando o pensamento de Lyotard, Hardt e Negri destacam o papel central da informao nos processos de acumulao primitiva em seu modo ps-moderno. Na psmodernidade a riqueza social acumulada cada vez mais imaterial; ela envolve relaes sociais, sistemas de comunicao, informao e redes afetivas. [2000, p. 279] Na economia informacional, a produo capitalista passa a exigir o acmulo de informaes. medida em que se torna propriedade, seja na forma de patentes ou copyrights, a informao ultrapassa a condio de suporte do capital, tornando-se ela prpria base de uma forma de acumulao. [WARK, 2004]

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Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2000. Abismo digital diminui, diz Banco Mundial, Folha Online, 25 de fevereiro de 2005.

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A pesquisa Quanta Informao? 2003, realizada na Universidade da Califrnia em Berkeley10, concluiu que a quantidade de dados produzidos globalmente dobrou na comparao entre 1999 e 2002, e cresce 30% a cada ano, isto , praticamente dobra a cada trs anos. O estudo oferece uma estimativa para o tamanho da Internet: 170 terabytes na superfcie, o que equivale a 17 vezes o volume da Biblioteca do Congresso dos EUA11. Dedicada a medir a quantidade de informao existente no mundo, a pesquisa estima que, em 2002, foram produzidos e estocados cinco hexabytes de dados em meios fsicos, ou seja, papel, filme, meios ticos e magnticos. Isso equivale ao contedo de 500 mil bibliotecas do Congresso Nacional dos Estados Unidos, cada uma delas com 19 milhes de livros e 56 milhes de manuscritos, compara o jornal. Ainda de acordo com a pesquisa, 92% da nova informao estocada em mdia magntica, principalmente discos rgidos de computadores. O papel representa 0,01% desse total. No obstante, a quantidade de dados em livros, revistas, jornais e outras formas de documentos impressos cresceu 43% em trs anos. Quando se fala no fluxo de informao por meios eletrnicos (telefone, televiso, rdio e Internet), a quantidade de novos dados produzidos salta para 18 hexabytes, dos quais 98% constitudo de conversas telefnicas. Cientistas dizem que a Humanidade est sendo engolida por um oceano de dados, afirma a reportagem. Convm notar que semelhante sensao foi causada na Europa no sculo XVI pela multiplicao de textos impressos, naquilo que foi chamado exploso da informao.No incio da Idade Mdia, o problema havia sido a falta de livros, a escassez. No sculo XVI, foi o oposto. Um escritor italiano queixou-se em 1550 de que havia tantos livros que no temos nem tempo de ler os ttulos. Os volumes eram uma floresta em que os leitores podiam se perder, de acordo com o reformador Joo Calvino (1509-64). Era um oceano no qual os leitores tinham de navegar, ou uma enchente de material impresso em que era difcil no se afogar.[BURKE e

BRIGGS, 2004, p. 29] Este dilvio informacional no ter fim e devemos aceit-lo como nossa condio, acredita Pierre Levy [1999]. Levantamento realizado pela Netcraft12, servio que desdeVolume de informao dobrou em trs anos, O Globo, edio de 4 de novembro de 2003. O sistema binrio reconhece apenas dois valores: 1 ou 0. O bit, abreviao em ingls para dgito binrio, a menor unidade de informao usada em computao. Um byte, normalmente, equivale a oito bits. No sistema binrio, um kilobyte equivale a 1.024 bytes. Um megabyte, a 1.024 kilobytes. Um gigabyte, a 1.024 megabytes. Um terabyte, a 1.024 gigabytes. Um petabyte, a 1.024 terabytes. E um hexabyte, a 1.024 petabytes. 12 Pereira, Robson, Internet segue colecionando recordes, jornal O Estado de S.Paulo, 12 de maio de 2004.11 10

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1995 atualiza a relao de condminos do ciberespao demonstra a impressionante expanso da rede. O primeiro milho de endereos na web foi registrado em 1997. Em fevereiro de 2000, foi ultrapassada a marca de 10 milhes de sites. Em setembro, j havia mais de 20 milhes de sites em atividade. Julho de 2001 viu ser vencida a barreira dos 30 milhes. Em maio de 2004 foi alcanada a marca de 50 milhes de sites. Um crescimento mdio de 25 mil novos endereos por dia desde os 40 milhes registrados em abril de 2003. A estimativa de que em dezembro de 2006, a rede disponha de cem milhes de endereos www. Isto sem falar no surgimento de novas redes, como a Internet II e a chinesa Cernet. No de espantar que um mecanismo de busca, cuja principal finalidade organizar a grande massa de informaes disponvel, tenha virado estrela da nova economia. Fundado em 1998, na Califrnia, o Google quatro anos depois tornou-se o site de buscas mais usado na rede (55% dos acessos para este fim), com mais de 3 bilhes de pginas indexadas. Em 2002 a empresa colocou no ar outros servios, como o Froogle, para pesquisa de produtos, e o Googlenews, para busca de notcias. No ano seguinte, comprou o Blogger.com. Em 2004, o nmero de pginas indexadas passava de quatro bilhes, alm de 880 milhes de imagens e 840 milhes de posts da Usenet. Naquele ano a empresa passou a oferecer tambm um site de relacionamentos virtuais, o Orkut, com grande sucesso no Brasil, e um servio de email, o GMail. Tudo gratuito para os usurios. Dando prosseguimento expanso, a empresa recentemente celebrou um acordo com bibliotecas para digitalizar e oferecer aos usurios, tambm gratuitamente, poro considervel de seus acervos. Fazem parte do acordo as universidades de Oxford, na Inglaterra, as de Michigan, Harvard e Stanford, nos Estados Unidos, alm da Biblioteca Pblica de Nova York. Como publicou o jornal Folha de S.Paulo:Os acervos das universidades de Michigan e Stanford, que, somados, chegam a 15 milhes de obras, devero ser totalmente digitalizados. O projeto em Harvard ser inicialmente limitado a 40 mil livros. Em Oxford, apenas livros publicados antes de 1900 sero escaneados, e a Biblioteca Pblica de Nova York s permitiu que materiais frgeis e sob domnio pblico sejam digitalizados.13

Apesar de ser possvel realizar pesquisas online em acervos de diversas bibliotecas do mundo e de muitos sites publicarem obras de domnio pblico, na maioria dos casos a13

Google por acervo de bibliotecas na internet, em 15 de dezembro de 2004.

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busca ainda limitada aos catlogos de bibliotecas fsicas, excluindo o acesso aos textos dos livros. No servio que o Google passar a oferecer, os internautas tero acesso gratuito s obras, em pesquisas por ttulo, autor, assunto e tambm por contedo. A empresa no divulgou o custo da digitalizao dos acervos, mas estima-se que gire em torno de US$ 10 por livro, em mdia. A tarefa deve ser concluda em dez anos e os lucros viriam, como de hbito, da publicidade. A notcia tambm foi publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, onde podemos ler o depoimento do presidente da Biblioteca Pblica de Nova York, Paul LeClerc. Se, por vrias razes, incluindo a distncia, as pessoas no podem vir at ns, agora ns iremos at elas.14 O jornal descreve a iniciativa como um plano sem precedentes e o mais ambicioso projeto do Google. Qualquer pessoa em qualquer parte do mundo com um computador ligado Internet poder acessar as enormes colees dessas instituies para, por exemplo, consultar um texto original do sculo 17, resume a reportagem. O mesmo texto informa que a Biblioteca do Congresso dos EUA e bibliotecas do Canad, Egito, China e Holanda anunciaram projeto semelhante para permitir acesso gratuito a um milho de ttulos. A questo central no informacionalismo, na viso de Castells, no o papel desempenhado pelo conhecimento e pela informao na gerao de riqueza, poder e significado, mas o impacto da tecnologia da informao na gerao e na aplicao do conhecimento. Conhecimento e informao, observa, foram decisivos para a gerao de riqueza, poder e significado em praticamente todas as sociedades historicamente conhecidas.Atravs da histria, conhecimento e informao, e seus suportes foram intimamente associados dominao poltico/militar, econmica e hegemonia cultural. Portanto, num certo sentido, todas so economias baseadas no conhecimento e todas as sociedades essncia, sociedades da informao. [CASTELLS, 2001, p. 140] tecnolgicos, prosperidade as economias so, em sua

Norberto Bobbio classifica o poder em trs categorias: poder econmico (riqueza), poder poltico (poder) e poder ideolgico (significado). Levando em considerao que essas trs formas de poder no existem isoladas e no cessam de interpenetrar-se, observemos suas definies: o poder econmico aquele exercido sobre a posse dos bens materiais14

Google ter biblioteca virtual de Harvard, Stanford e Oxford, em 15 de dezembro de 2004.

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necessrios vida; o poltico indissocivel do poderio militar , se exerce sobre os corpos. O ideolgico aquele exercido sobre as conscincias. Ou, nas palavras de Bobbio: (...) sobre as mentes pela produo e transmisso de idias, de smbolos, de vises de mundo, de ensinamentos prticos, mediante o uso da palavra (...) [1996, p.11]. Adiante, o autor acrescenta: (...) o principal meio do poder ideolgico a palavra, ou melhor, a expresso de idias por meio da palavra, e com a palavra, agora e sempre mais, a imagem. Bobbio argumenta que estas formas de poder sempre existiram, em todas as sociedades, o que confirma a observao de Castells a respeito da importncia do conhecimento e da informao ao longo da histria. O diferencial do paradigma tecnolgico informacional seria, ento, o aumento da capacidade humana de processar informaes. Trs caractersticas principais fariam das novas tecnologias da informao um evento revolucionrio de relevncia superior imprensa: a capacidade auto-expansvel de processamento em termos de volume, complexidade e velocidade; a habilidade permanente de novas combinaes; e a flexibilidade em termos de distribuio. Os ltimos trinta anos apresentaram um crescimento exponencial na capacidade de processamento de informao, crescimento jamais experimentado, combinado a um custo decrescente. Este princpio est expresso na clebre Lei de Moore. Em 1965, Gordon Moore, fundador da Intel, constatou que a cada 18 meses a capacidade dos processadores dobra e o preo permanece constante. Ou seja, a cada ano e meio, pelo mesmo custo, possvel comprar um chip com o dobro de capacidade de processamento. Mesmo tendo passado por revises, a lei ainda considerada vlida. Como informa a Wikipedia 15:Um nico telefone celular tem a mesma capacidade de processamento de todos os computadores usados na Segunda Guerra Mundial juntos. Em 1980, um aparelho capaz de armazenar um gigabyte custava milhares de dlares e ocupava o espao equivalente a um armrio comum. Hoje, a mesma quantidade de dados pode ser guardada em um dispositivo do tamanho de um carto de crdito que custa cerca de U$ 200.

Castells prev uma expanso ainda maior da capacidade de processamento em funo da nanotecnologia e do uso de novos materiais, inclusive biolgicos.

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Os limites atuais sero certamente suplantados por novas ondas de inovao em sua construo; e (isto crtico) quando e se os limites do poder de processamento com base nessas tecnologias forem encontrados, um novo paradigma tecnolgico surgir sob formas e com tecnologias que hoje no podemos imaginar (...).[CASTELLS, 2001, p. 142]

Na segunda caracterstica, a capacidade de combinaes que faz dela um grande hipertexto, reside o principal valor da Internet, afirma o socilogo. A combinao repetida a fonte da inovao, particularmente se os produtos resultantes tornam-se eles mesmos suporte para novas interaes, numa espiral de informao cada vez mais significativa. [Op. cit., p.143] A flexibilidade na distribuio significa que, cada vez mais, possvel e vivel acessar tal capacidade de processamento e de conexo em rede a partir de qualquer lugar, vide as tecnologias de conexo sem fio. O socilogo aponta para uma convergncia entre a microeletrnica e a engenharia gentica, definida como uma tecnologia da informao, dado seu principal objeto ser a decodificao e a reprogramao do DNA, o chamado cdigo da vida. Sustentam sua afirmao a existncia de campos de pesquisa como a bioinformtica ou biologia computacional, que usa programas de computadores e modelos matemticos para a soluo de problemas da biologia. As pesquisas de genoma, por exemplo, no seriam viveis sem a capacidade de simulao e de processamento de dados do computador. Ao mesmo tempo, avanam as pesquisas no campo da eletrnica molecular, que estuda o uso de molculas na construo de circuitos eletrnicos. Em A Sociedade em Rede16, Castells descreve um cenrio hipottico a partir do possvel incremento da capacidade de processamento baseada na eletrnica molecular:(...) uma era de computadores cem bilhes de vezes mais velozes do que o microprocessador Pentium: isso viabilizaria a compactao do poder de processamento de cem computadores de 1999 num espao do tamanho de um gro de sal. Com base nessas tecnologias, os cientistas da computao prevem a possibilidade de ambientes de processamento nos quais bilhes de microscpicos aparelhos de processamento de dados se espalharo por toda parte como os pigmentos da tinta de paredes. Se isso acontecer mesmo, ento as redes de computadores sero, materialmente falando, a trama da nossa vida. [2002, pp.

90-91].

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consultado em janeiro de 2005. So Paulo: Editora Paz e Terra, 2002.

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Recorrendo ao estudo histrico das revolues tecnolgicas, Castells conclui que elas apresentam como caracterstica a penetrabilidade. Isto significa que as tecnologias revolucionrias possuem a capacidade de penetrar todos os domnios da atividade humana, no como fonte exgena de impacto, mas como o tecido em que essa atividade exercida. [Op. cit., p.68] Um paradigma tecnolgico aquele que organiza o conjunto das tecnologias em torno de um ncleo que melhora o desempenho de cada uma delas. As TI foram centrais no processo de globalizao iniciado na dcada de 1990. Podemos entend-lo como resultado do triunfo histrico do capitalismo liberal sobre o modelo sovitico de socialismo. Com o fim da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS), em 1991, os EUA alcanam a condio de nica superpotncia mundial. Tambm em 1991, meses antes do colapso sovitico, os Estados Unidos, sob mandato da Organizao das Naes Unidas, lideraram seus aliados contra o Iraque na primeira Guerra do Golfo. Ainda no mesmo ano, vencidas as guerras Fria e do Golfo, o presidente dos EUA, George Bush, anunciaria a exemplo de Woodrow Wilson aps a Primeira Guerra Mundial a instaurao de uma Nova Ordem mundial. Desembaraado de sua nmesis vermelha, o capital passa a mover-se pelo globo de modo indito. O termo globalizao, ento, sintetiza o rumo a ser seguido pela comunidade das naes e, at mesmo, um destino. Em seu primeiro mandato (1995-1998), o presidente Fernando Henrique Cardoso se permitiu saudar a globalizao como um novo Renascimento, recorda Muniz Sodr.[2004] De fato, poucas palavras foram to repetidas ao longo da dcada passada. Zygmunt Bauman expressou o sentimento reinante: Para todos (...) globalizao o destino irremedivel do mundo, um processo irreversvel. [1999, p.7] Aqui, no podemos deixar de mencionar o papel do sistema miditico na legitimao propagandstica da ideologia globalitria, que ainda hoje persiste. Mas em que consiste a globalizao? Dois ingredientes so bsicos na receita: adeso ao mercado mundial sob os princpios do livre comrcio e conexo rede digital de transmisso global de dados, instrumento promotor de maior integrao de mercados. Como observou Bauman, a globalizao dos anos 1990 foi, primordialmente, globalizao dos mercados e da informao. No mesmo sentido, comenta Muniz Sodr [2004, p.23]: global mesmo a medida da velocidade de deslocamentos de capitais e informaes, tornados possveis pelas teletecnologias. A velocidade de circulao dos capitais

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financeiros proporcional velocidade crescente dos mecanismos de informao e comunicao no limite, a velocidade da luz. Tamanha velocidade necessria para a integrao dos centros mundiais de deciso financeira, a circulao instantnea dos capitais e bens imateriais e a acelerao das informaes que alimentam as decises dos executivos e influenciam os humores do mercado. Podemos afirmar que este processo de globalizao uma nova fase de um antigo fenmeno, como demonstra o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, que data de 1845:A burguesia, atravs de sua explorao do mercado mundial, deu um carter cosmopolita para a produo e o consumo em todos os pases. (...) As indstrias nacionais antigas foram destrudas ou seguem sendo destrudas dia aps dia. Elas so desalojadas pelas novas indstrias, cuja introduo torna-se questo de vida e morte para todas as naes civilizadas; por indstrias que no mais trabalham com matria-prima nacional, mas matria-prima extrada de zonas remotas; cujos produtos so consumidos no s no prprio pas, mas em todos os cantos do globo. Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pela produo do pas, encontramos novas necessidades, exigindo para satisfaz-las produtos de terras e climas distantes. No lugar da antiga recluso e auto-suficincia local e nacional, temos conexes em todas as direes, uma interdependncia universal de naes. E tanto em produo material, como tambm em produo intelectual. As criaes intelectuais de naes individuais tornam-se propriedade comum.(...) A burguesia, pelo aperfeioamento rpido de todos os instrumentos de produo, pelos meios de comunicao imensamente facilitados, arrasta todas as naes, at a mais brbara, para a civilizao.(...) Compele todas as naes, sob pena de extino, a adotar o modo de produo burgus. Compele-as a introduzirem o que chama de civilizao no seu meio, ou seja, a se tornarem burguesas. Resumindo, cria um mundo sua imagem. [1998, pp.14-15]

Ao lado desta fora centrpeta, Marx e Engels indicaram tambm duas outras caractersticas reveladoras do carter indcil do capital. A primeira a necessidade permanente que o capital apresenta de expandir os mercados para seus produtos, instalando-se em todos os lugares. A tendncia a criar o mercado mundial est includa diretamente no prprio conceito de capital. Todo limite aparece como fronteira a ser derrubada. [MARX, apud HARDT e NEGRI, 2001, p.242] A segunda caracterstica a necessidade constante de revolucionar os instrumentos de produo e, desse modo, [revolucionar] as relaes de produo e, com elas, todas as relaes da sociedade. [MARX e ENGELS, 1998, p.13]17 Note-se a importncia conferida ao aperfeioamento dos

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O grifo meu.

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meios de produo e s facilidades proporcionadas pelos meios de comunicao neste processo. Com a revoluo digital, os dois fatores convergem e se tornam uma mesma coisa: meios de comunicao e de produo. Observe-se, ainda, a indicao da tendncia de a produo intelectual tornar-se propriedade comum em uma era de conexo e interdependncia universal. A construo da nova infra-estrutura da informao j foi comparada construo de estradas no Imprio Romano, uma condio para a produo e o governo globais. Hardt e Negri estabelecem outra comparao, com a construo de ferrovias como instrumento de promoo dos interesses das economias imperialistas dos sculos 19 e 20. No entanto, no deixam de apontar uma diferena crucial entre o estabelecimento das redes de informao atuais e as malhas viria e ferroviria de outrora. As estradas romanas e as ferrovias tiveram apenas papel externo na produo, ampliando linhas de comunicao e transporte em busca de novos mercados, insumos e fora de trabalho. O mesmo no se d com a infra-estrutura da informao da atualidade, que, de fato, est embutida nos novos processos de produo (ou embute-os em si). No auge da produo contempornea, a informao e a comunicao so as verdadeiras mercadorias produzidas; a rede, em si, o lugar tanto da produo quanto da circulao. [HARDT e NEGRI, 2000, p.319] As tecnologias da informao, portanto, podem ser entendidas como o ncleo em torno do qual reorganizam-se as sociedades na atualidade. Passaremos, agora, ao estudo da rede, modelo de estrutura social inerente ao paradigma informacional, e do trabalho imaterial, uma nova modalidade de produo estreitamente associada ao informacionalismo.

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2. Rede e trabalho imaterialUma rede pode ser definida como um conjunto de ns interconectados. As redes sociais, observa Castells, so to antigas quanto a humanidade. Termos como rede e web, lembra o historiador Peter Burke, esto em uso desde o sculo XIX. Sob os fundamentos do informacionalismo, porm, a sociedade em rede emerge e se afirma no mundo como forma de organizao dominante em nossa poca. A sociedade em rede uma estrutura social formada por redes de informao, tpicas do novo paradigma, baseadas nas novas tecnologias comunicacionais. No informacionalismo, a sociedade inteira tende a ser integrada, de algum modo, s redes de produo de informaes. Um dos pioneiros da Internet o engenheiro Paul Baran. Trabalhando para a Rand Corporation na pesquisa para uma rede de comunicao capaz de sobreviver a um ataque nuclear, Baran desenvolveu, no incio da dcada de 1960, a tecnologia de comutao por pacotes [packet switching], princpio em que ainda hoje se baseia a Internet. O livro On Distributed Communications18, publicado em 1964, traz uma distino entre redes centralizadas e redes distribudas. Por mais variadas que sejam as redes projetadas, afirma Baran, elas sempre estaro encaixadas em uma destas duas categorias: centralizadas, tambm chamadas de estrelas; ou distribudas, alternativamente denominadas grades ou malhas. A rede centralizada obviamente vulnervel medida que a destruio de um nico n central destri a comunicao entre as estaes finais. Na prtica, as redes de comunicao podem ser formadas por um hbrido de redes centralizada e distribuda, as chamadas redes descentralizadas, na qual em vez de um ponto central h vrios pontos centralizadores, ou seja, uma estrela formada por estrelas menores. Ester tipo de rede continua sendo vulnervel medida em que a destruio de um pequeno nmero de ns inviabiliza sua operao. Grosso modo, em uma rede distribuda, o nvel de redundncia

As citaes foram extradas do link consultado em 22/2/2005.

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permite que, mesmo com a destruio de parte da rede, os pacotes de informao encontrem rotas alternativas para chegar ao seu destino.Em breve, estaremos vivendo em uma era na qual no poderemos garantir a sobrevivncia de um nico ponto. Entretanto, ainda podemos projetar sistemas que s podero ser destrudos se o inimigo destruir cada um dos pontos existentes. Se o nmero de pontos for suficientemente grande, pode ser demonstrado que sistemas com estruturas de alta sobrevivncia podem ser construdos mesmo na era termonuclear.

O desafio consistia em construir tais sistemas a baixo custo, fator que levou Baran a apontar a tecnologia digital como a mais indicada.Um atributo-chave da nova mdia que ela permite a formao de novas rotas a baixo custo, e ao mesmo tempo permite transmisses da ordem de um milho ou mais de bits por segundo, alta o bastante para ser econmica, mas ainda baixa o bastante para ser processada de forma barata com as tcnicas existentes de computao digital (...).

Em termos polticos, Negri e Hardt definem a infra-estrutura global de informaes atual como um hbrido, a combinao de um mecanismo democrtico com um mecanismo oligopolista. A rede democrtica um modelo horizontal e desterritorializado, cuja expresso maior a Internet, rede das redes. Um nmero indeterminado e potencialmente ilimitado de ns, interconectados, comunica-se sem ponto central de controle; cada n, independentemente de localizao territorial, se conecta a todos os demais atravs de uma imensa quantidade de rotas e rels. [2001, p.319-320] A rede democrtica no possui centro e pode continuar ativa mesmo parcialmente destruda. A arquitetura distribuda torna difcil o exerccio do controle sobre ela. Como nenhum ponto da rede necessrio para que os outros pontos se comuniquem, difcil para a Internet regulamentar ou proibir a comunicao entre eles. [2001, p.320] O modelo de rede democrtica, lembram os autores, relaciona-se ao que Deleuze e Guattari denominam rizoma, conceito que ser explorado adiante. Neste sentido, basta dizer que o rizoma pode ser definido, de forma resumida, como multiplicidade acentrada no-hierrquica. Se a rede democrtica rizomtica, a rede oligopolista, apresenta estrutura arborescente, definida como hierrquica e centralizada. A estrutura oligopolista se caracteriza pelos sistemas de difuso, nos quais h um nico ponto, relativamente fixo, de

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emisso e os pontos de recepo so potencialmente infinitos e territorialmente indefinidos. Exemplos disso so o rdio e televiso.A rede de difuso definida pela produo centralizada, pela distribuio em massa, e pela comunicao de mo nica. Toda a indstria cultural da distribuio de jornais e livros a filmes e videocassetes tem operado, tradicionalmente, dentro deste modelo. Um nmero relativamente pequeno de empresas (ou, em algumas regies, um nico empresrio, como Rupert Murdoch, Silvio Berlusconi ou Ted Turner) pode, efetivamente, dominar todas essas redes. [HARDT e NEGRI, 2001, p. 321]

A expanso da rede democrtica, ao mesmo tempo em que est inserida em um processo de hiperconcentrao dos oligoplios infotelecomunicacionais, abre neles um flanco. Diversos autores alertam para o fato de a mdia global estar nas mos de pouqussimos e gigantescos grupos. Robert McChesney [2004] recorda que, se at as dcadas de 1980 e 1990 os sistemas de mdia (basicamente rdio, televiso e jornais) eram indstrias nacionais, recentemente surgiu o mercado global de mdia comercial, de fato um oligoplio global, em processo semelhante ao que j ocorrera com as indstrias automobilstica e petrolfera no incio do sculo 20. Em velocidade espantosa de fuses e convergncias, afirma o autor, o mercado global de mdia passou a ser dominado por sete multinacionais: Disney, AOL-Time Warner, Sony, News Corporation, Viacom, Vivendi e Bertelsmann. Como outros autores, McChesney acrescenta que a tendncia de uma concentrao ainda maior e sublinha a dependncia das empresas de mdia de primeiro e segundo escalo (entre elas as Organizaes Globo) em relao a bancos de investimento, particularmente o Morgan Stanley e o Goldman Sachs, que sozinhos organizaram negcios de mdia e telecomunicaes no valor de US$ 433 bilhes em 1999 e de US$ 450 bilhes no primeiro trimestre de 2000. [MCCHESNEY, 2004, p. 221-231] Ao mesmo tempo, a Internet permitiu o surgimento de uma mirade de veculos noticiosos independentes e de modos alternativos de produo e circulao de bens culturais. Exemplos disso so a Indymedia19, fruto dos movimentos globais anticapitalistas, as redes de trocas gratuitas

Tambm responde por Centro de Mdia Independente. Rede global, no-corporativa, de produtores independentes de mdia. Seu meio bsico a Internet. Voltaremos a este ponto adiante.

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peer-to-peer (P2P)20 e a chamada blogosfera. Alm disso, uma das principais caractersticas das novas tecnologias, como frisa Andr Lemos [2002], sua apropriao pela socialidade, o carter agregador que propicia uma grande efervescncia comunitria, seja por meio de listas de email, chats, MUDs ou outros tipos de redes, formando o que definido por alguns como uma gora virtual, um novo espao pblico. Se aceitamos que os processos de modernizao e industrializao transformaram e redefiniram todos os elementos do plano social o que inclui a prpria natureza humana, os modos e processos pelos quais nos tornamos e nos reconhecemos humanos , natural aceitarmos que o mesmo volta a acontecer no momento em que a modernizao se esgota e os meios de produo passam pela revoluo digital, perodo de transio em que toda a produo tende a se tornar informacionalizada. Por este imenso poder transformador encerrado nas relaes produtivas, Hardt e Negri sentenciam que a verdadeira prtica revolucionria se refere ao nvel de produo. [2001, p.174] O uso cada vez mais amplo dos computadores nos mais diversos setores a penetrao omnitemtica do computador tenderia, mais uma vez, a redefinir as prticas e as relaes de produo, bem como todas as prticas e relaes sociais. Uma das conseqncias da transio para a economia informacional a alterao da natureza do trabalho. medida em que as novas tecnologias se tornam cada vez mais indispensveis s atividades laborais, essas prticas tendem a reproduzir o modelo das tecnologias de informao. Na transio para a economia informacional, a linha de montagem foi substituda pela rede como modelo de produo, alterando as formas de cooperao e comunicao dentro de cada lugar que produz e entre os lugares de produo. [HARDT e NEGRI, 2001, p.316] Neste contexto, toda atividade produtiva tende a ser dominada pela economia da informao e transformada por ela. Como afirma Castells, a Internet transforma o modelo de empresa.O que foi o fordismo, a grande empresa industrial baseada na produo estandardizada e na linha de montagem, hoje tem a capacidade de funcionar em rede, de articular diretamente o mercado, os insumos e provedores e a organizao interna da empresa on line em todas as tarefas.[2004, p. 269]Redes que conectam usurios individuais entre si e permitem o compartilhamento de arquivos. Tornaram-se extremamente populares com o Napster, programa usado para troca de arquivos de msica em formato MP3. Lanado em 1999, o Napster foi alvo de um processo da Recording Industry Association of America (RIAA) e acabou sendo fechado em 2000 para ser relanado, no ano seguinte, como um servio pago.20

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Outra conseqncia da informatizao da produo a homogeneizao dos processos laborais. Ou seja, ofcios radicalmente diferentes passam a ser executados por meio da mesma ferramenta, o computador. Por esta razo, Hardt e Negri vo cham-lo de ferramenta central, pela qual passam obrigatoriamente todas as atividades. A produo passa, ento, a existir dentro das redes do novo mercado mundial, no qual impera a produo informatizada de servios. Como os servios no produzem bens materiais e durveis, Negri define o trabalho envolvido nessas atividades como imaterial. Ou seja, trabalho que produz um bem imaterial, como servio, produto cultural, conhecimento ou comunicao. [2001, p.311] No site Rizoma encontramos a seguinte definio:Trabalho cognitivo ou imaterial o nome que se d nova configurao do trabalho na atual fase do capitalismo. Teorizado pelos ps-fordistas italianos, o trabalho imaterial o trabalho da linguagem, criao mental e afetiva. Tornou-se, em todos os setores, a base da produo.21

As variantes do modelo ps-fordista de trabalho constituem-se sobre o reconhecimento de um trabalho vivo mais intelectualizado que o do operrio fordista. O personagem chapliniano de Tempos Modernos, que se limita a repetir um gesto mecnico na linha de produo a ponto de comprometer, pela mecanizao, seu prprio corpo e sua subjetividade, tende a sair de cena para dar lugar a um trabalhador dotado de capacidade de deciso que opera a com base na gesto da informao, dentro de um modelo comunicacional. Neste novo trabalho, a base da produo e da riqueza no so mais o trabalho imediato nem o tempo trabalhado mas o desenvolvimento do indivduo social. [LAZZARATO e NEGRI, 2001, p.28] Na vigncia do trabalho imaterial torna-se mais difcil distinguir o tempo produtivo do tempo do lazer. O trabalho imaterial no se reproduz na forma de explorao, mas sim na forma de reproduo de subjetividade. Surge ento uma autonomia do trabalho diante do capital. Acima de tudo, portanto, a independncia progressiva da fora de trabalho intelectual e trabalho imaterial em face do domnio capitalista. [Op. cit., p.31]Considerado um dos melhores sites de contracultura em portugus. O trecho citado encontra-se em consultado em fevereiro de 2005.21

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Esta subjetividade autnoma se constitui, afirmam os autores, ao redor da chamada intelectualidade de massa. Uma das principais caractersticas do trabalho imaterial a necessidade de cooperao, a subordinao da fora de trabalho ao saber social geral. Aqui, Lazzarato e Negri introduzem a questo da subjetividade como transformao radical do sujeito na sua relao com a produo. Ao produzir, o homem produz a si mesmo. E no trabalho imaterial ele j no produziria, como dissemos, simplesmente subordinado ao capital, mas em termos de independncia com relao ao tempo de trabalho imposto pelo capital. [Idem, p.30]. Negri afirma que o circuito cooperativo se consolida na rede. Um exemplo paradigmtico so as redes de produo de software livre, das quais o Linux o grande emblema. Em A Catedral e o Bazar22, Eric Raymond define o Linux como subversivo, exatamente pelo modo como produzido. Pioneiro no software livre e um dos primeiros colaboradores no Projeto GNU23, Raymond acreditava que a atividade requeria um certo grau de centralizao. Os softwares mais importantes, pensava ento, deveriam ser construdos como as catedrais, habilmente criados com cuidado por mgicos ou pequenos grupos de magos trabalhando em esplndido isolamento. O modo de produo do Linux definido por Raymond como uma abertura ao ponto da promiscuidade alterou sua concepo. Nenhuma catedral calma e respeitosa aqui ao invs, a comunidade Linux pareceu assemelhar-se a um grande e barulhento bazar. Raymond considera que o grande feito de Linus Torvalds, o pai do Linux, foi a inveno de seu modelo de desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento em rede, aberto a uma grande base de co-desenvolvedores, oposto ao modelo de desenvolvimento catedral. Um dos modos de entender a diferena entre a catedral e o bazar o chamado efeito Delphi, segundo o qual a opinio mdia de uma massa de observadores um indicador mais seguro do que a opinio de um nico observador. Duas cabeas pensam melhor que uma, diria a sabedoria popular. A experincia relatada por Raymond, a quem retornaremos, a da reproduo bem-sucedida, sistemtica e consciente do mtodo Linux: o modelo bazar.

consultado em maro de 2005. Projeto iniciado por Richard Stallman para desenvolver softwares livres compatveis com o software proprietrio UNIX. O Linux usa amplamente softwares GNU, o que levou Stallman a reivindicar a denominao GNU/Linux para o projeto de Linus Torvalds.23

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Um projeto como o Linux, que envolve numerosos co-desenvolvedores espalhados pelo mundo, beneficia-se da descentralizao da produo, conseqncia geogrfica da passagem da economia industrial para a economia de informao. A informatizao da indstria e o crescente domnio da produo de servios tornaram, em muitos casos, desnecessria a concentrao fsica da produo da qual dependia a eficincia da economia industrial. Hoje, tornou-se comum a empresa virtual: no mais uma entidade fsica, mas um conjunto fluido de relaes reticuladas. [BARBER, 2004] Ou seja, os avanos nas telecomunicaes e nas tecnologias de informao tornaram possvel desterritorializar a produo, tendncia mais pronunciada nos processos de trabalho imaterial, que envolvem o manuseio de conhecimento e informao, como a produo de softwares. A comunicao e o controle podem ser eficientemente exercidos distncia. Produtos imateriais podem ser transportados por todo o mundo a custos mnimos. As tecnologias da informao tendem a tornar as distncias menos relevantes e a rede de cooperao no trabalho pode prescindir de territrio ou centro fsico. Creio que um exemplo significativo da precedncia do informacionalismo e da imaterialidade sobre o trabalho industrial, ainda que de outra natureza, aquilo que Naomi Klein, criticamente, batizou de corporaes ocas. A idia principal de que a marca transcende o produto. Logo, as empresas deixam o negcio da produo e investem no negcio das idias. Eis o paradigma da Nike. (...) Eles no possuem nenhuma de suas fbricas, nunca possuram. Tm setecentos fornecedores pelo mundo e gastam seu dinheiro em marketing e patrocnio (...). [2004, p.181] Como relata Klein, a Adidas, proprietria de fbricas sindicalizadas na Europa, aderiu ao modelo do concorrente. Fabricar no o que fazemos. Voc sabe que somos uma empresa de design e de marketing. Fabricar no nosso talento bsico, outras pessoas fazem isso melhor, disse jornalista canadense o exproprietrio da companhia, um publicitrio que comprou a Adidas aps ter sido contratado para transform-la em uma corporao oca. [KLEIN, 2004, p.182] No bazar de Linus Torvalds, ao contrrio do que ocorre nas corporaes ocas, vemos relaes estreitas com o novo paradigma vislumbrado por Fritjof Capra. Em A Teia da Vida, o fsico afirma que vivemos uma mudana de amplas propores na cincia, na tecnologia e na arena social. Para melhor expressar o que pensa sobre as mudanas no campo social, Capra adaptou a definio de paradigma cientfico estabelecida por Thomas

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Khun para a de paradigma social: Uma constelao de concepes, de valores, de percepes e de prticas compartilhadas por uma comunidade, que d forma a uma viso particular da realidade, a qual constitui a base da maneira como a comunidade se organiza. [CAPRA, 2003, pp.24-25] Neste novo paradigma, o mundo concebido como um todo integrado e no como uma coleo de partes dissociadas. Em outras palavras: [O mundo ] Uma rede de fenmenos que esto interdependentes. [Op. cit., p.26] Pesquisas citadas por Capra indicam a existncia de um padro de organizao comum a todos os seres vivos, padro este cuja propriedade mais importante ser um padro de rede. Logo, a rede seria o padro geral sob o qual a vida se organiza. E mais, a vida se estruturaria na forma de redes dentro de redes. Sempre que olhamos para a vida, olhamos para redes. [Idem, p.77] O crebro, por exemplo, pode ser entendido como uma rede de neurnios interconectados por sinapses. Cabe ressaltar que ecossistemas e sistemas sociais so aqui entendidos como sistemas vivos. A transio para este novo paradigma, batizado de paradigma ecolgico, pressupe uma nova escala de valores. Capra afirma haver duas tendncias de valores presentes em todos os seres vivos: a auto-afirmativa e a integrativa. A cultura industrial ocidental enfatiza a primeira em detrimento da segunda. Capra lista quatro valores autoafirmativos, aos quais correspondem outros tantos integrativos. Fazem parte do primeiro grupo a expanso, a competio, a quantidade e a dominao. No segundo encontramos a conservao, a cooperao, a qualidade e a parceria. As estruturas hierrquicas privilegiam os valores auto-afirmativos, a exemplo da competio e do exerccio do poder como dominao sobre outros. Um outro tipo de poder, mais apropriado ao novo paradigma, seria o poder como influncia de outros, para o qual a estrutura ideal a rede. A mudana de paradigma inclui, dessa maneira, uma mudana na organizao social, uma mudana de hierarquias para redes. [Ibid, p.28] Portanto, a exemplo de Hardt e Negri, Capra tambm valoriza as redes horizontais de cooperao e parceria, propondo uma nova forma de organizao social que, ao menos em um aspecto formal, coincide com o padro que Castells descreve como predominante no paradigma informacional. H um ponto muito claro de convergncia entre o pensamento de Capra e as concluses de Eric Raymond em A Catedral e o Bazar. Este afirma que um dos fatores fundamentalmente interconectados e so

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essenciais para o sucesso do Linux foi o desenvolvimento de um estilo de liderana e de formalidades cooperativas que permitiram aos desenvolvedores de software livre atrair codesenvolvedores. Este estilo de liderana e estas formalidades, argumenta Raymond, no poderiam estar baseados em relaes de poder hierrquico. Antes, remetem ao que ele chama de princpio da compreenso comum, expresso extrada de um texto do gegrafo anarquista Kropotkin. Este afirma que o princpio do comando funciona em estruturas rigidamente hierarquizadas, como a militar, mas no quando uma convergncia espontnea de esforos e de propsitos se faz necessria. Raymond ressalta que a cronologia do Linux coincide com o nascimento e a expanso da World Wide Web, isto , da rede. O esforo severo de muitos propsitos convergentes precisamente o que um projeto como o Linux requer e o princpio de comando efetivamente impossvel de ser aplicado entre voluntrios no paraso anarquista que ns chamamos de Internet. [Raymond, op. cit.] O autor de A Catedral e o Bazar tambm compara o universo Linux a uma ecologia, em que, a partir da interao de agentes autnomos, emerge uma ordem espontnea auto-evolutiva, mais elaborada e mais eficiente do que seria se submetida a um planejamento central. O que Capra denomina pensamento de rede uma das caractersticas principais da teoria da complexidade, tambm chamada de teoria dos sistemas dinmicos ou dinmica de rede, oposta viso mecanicista do mundo. Se antes a cincia buscava entender o todo pela anlise das propriedades de suas partes, a teoria sistmica afirma que as propriedades das partes so entendidas apenas a partir da organizao do todo.Na viso mecanicista, o mundo uma coleo de objetos. Estes, naturalmente, interagem uns com os outros, e portanto h relaes entre eles. Mas as relaes so secundrias (...). Na viso sistmica, compreendemos que os prprios objetos so redes de relaes, embutidas em redes maiores. Para o pensador sistmico, as relaes so fundamentais. [CAPRA, 2003, p.47]

Outra idia central para a viso sistmica a de auto-organizao, nome dado ao surgimento espontneo de padres ordenados, ou seja, emergncia espontnea de uma ordem. O conceito surgiu nos primeiros anos da ciberntica e tornou-se um importante campo de pesquisa a partir da dcada de 1950. Tais estudos convergiram para o estabelecimento de trs caractersticas comuns aos sistemas auto-organizadores. O primeiro a capacidade de criao de novas estruturas e de novos modos de comportamento no

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processo auto-organizador. A segunda aponta para o fato de que todos os modelos de autoorganizao lidam com sistemas abertos que operam afastados do equilbrio; necessrio um fluxo constante de energia e de matria atravs do sistema para a auto-organizao. A emergncia de novas estruturas e novos comportamentos s ocorre quando o sistema est afastado do equilbrio. A terceira caracterstica da auto-organizao a interconexidade no linear dos componentes do sistema, padro que resulta em laos de realimentao. A idia de que a vida se organiza em padres que emergem espontaneamente. A realimentao um conceito desenvolvido por Norbert Wiener, um dos criadores da ciberntica.Um lao de realimentao um arranjo circular de elementos ligados por vnculos causais, no qual uma causa inicial se propaga ao redor das articulaes do lao, de modo que cada elemento tenha um efeito sobre o seguinte, at que o ltimo realimenta (feeds back) o efeito sobre o primeiro elemento do ciclo. A conseqncia desse arranjo que a primeira articulao (entrada) afetada pela ltima (sada), o que resulta na auto-regulao de todo o sistema (...). [CAPRA,

2003, p.59] Wiener percebeu a importncia da realimentao, entendida como processo de causalidade circular, como um padro geral que poderia ser aplicado ao estudo de organismos vivos e de sistemas sociais. Capra observa que, se a primeira propriedade de qualquer rede a sua no-linearidade, pois ela se expande em todas as direes, uma mensagem pode viajar ao longo de um caminho cclico, que pode se tornar um lao de realimentao. Pelo fato de serem capazes de gerar laos de realimentao, as redes de comunicao podem, ento, regular a si mesmas. As conseqncias de um erro, por exemplo, se espalham por toda a rede e retornam fonte por laos de realimentao. Dessa maneira, a comunidade que se relaciona por meio dessa rede pode aprender com seus erros e corrigi-los, regulando e organizando a si mesma.Realmente, a auto-organizao emergiu talvez como a concepo central da viso sistmica da vida, e, assim como as concepes de realimentao e de autoregulao, est estreitamente ligada a redes. O padro da vida, poderamos dizer um padro de rede capaz de auto-organizao. [Idem, p.78]

Se todos os sistemas vivos so redes, a recproca no verdadeira: nem todas as redes so sistemas vivos. A caracterstica-chave de uma rede viva que ela produz

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continuamente a si mesma, ou seja uma rede autopoitica. Autopoiese significa criao de si mesmo. Capra nos alerta para o fato de que a maior parte dos estudos de autopoiese limitam-se a sistemas autopoiticos mnimos, como clulas simples e simulaes por computador. Portanto, poderamos apenas especular sobre a autopoiese em ecossistemas e sistemas sociais. A questo dos sistemas sociais como redes autopoiticas tem sido extensamente discutida e as respostas variam de autor para autor, frisa Capra. O principal problema o fato de a autopoiese ter sido definida com preciso unicamente para sistemas no espao fsico e para simulaes computacionais em espaos matemticos. Mas os sistemas sociais humanos, alm do domnio fsico, existem tambm em um domnio social simblico. H uma diferena crucial entre ambos: no domnio fsico, os comportamentos so governados pelas leis da natureza; no social, as regras so cdigos passveis de desobedincia. No obstante, o socilogo alemo Niklas Luhmann desenvolveu a concepo de autopoiese social, em que os processos de comunicao so o modo particular de reproduo autopoitica dos sistemas sociais. [cf. CAPRA, 2003] A auto-organizao e a complexidade tambm esto presentes na pesquisa sobre redes desenvolvida por Albert-Lszl Barabsi, que recorre ao Princpio de Pareto, tambm conhecido como regra 80/20 resultado de observaes empricas do socilogo Vilfredo Pareto para descrever o que ocorre na Internet. Barabsi observa que 80% dos links da web apontam para apenas 15% de pginas. O princpio aplicvel a diversos sistemas, em particular as redes complexas, que obedecem ao conceito matemtico de lei de potncia. Os sistemas submetidos s leis de potncia comportam a coexistncia de numerosos eventos pequenos ao lado de uns poucos extraordinariamente grandes. Seguindo o exemplo de Barabsi: se as alturas de habitantes de um planeta imaginrio seguissem uma distribuio de lei de potncia, a maioria das criaturas seria muito baixa. Mas haveria alguns poucos gigantes com centenas de metros de altura. Entre seis bilhes de habitantes haveria ao menos um com quase 2,5 km de altura. Como sabemos, isso no acontece ao menos na Terra porque, matematicamente, nossas alturas se distribuem em curvas em forma de sino. Os eventos extraordinariamente grandes, como um sujeito com 2,5 km de altura, so incompatveis com estas curvas. No caso da Internet, alguns ns da rede funcionam como esses gigantes no que se refere quantidade de links a eles relacionados.

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Estes ns so chamados por Barabsi de hubs, palavra que pode ser traduzida por centro. So os ns centrais da rede. O Google um bom exemplo de hub. A descoberta de que a Internet obedece a uma lei de potncia faz com que ela no seja uma rede aleatria. Em uma rede aleatria, a grande maioria dos ns possui o mesmo nmero de links e os ns que se desviam da mdia so muito raros. Assim, uma rede aleatria apresenta uma escala caracterstica de conectividade e um n tpico, aquele que apresenta o nmero mdio de conexes. O mesmo no ocorre nas redes que obedecem s leis de potncia, por esta razo batizadas de redes sem escala. Nestas, observamos uma hierarquia contnua de ns, desde gigantescos hubs, em menor quantidade, a numerosos ns minsculos. No h um n que possa ser apontado como o n tpico desta rede. Barabsi nos ensina que a maioria das redes complexas na natureza so redes sem escala. (...) cada rede sem escala ter diversos grandes hubs, fundamentais na definio da topologia da rede. [BARABSI, 2002, p.71] Como foi dito, as concluses de Barabsi puseram de lado o modelo de redes aleatrias no que se refere rede mundial de computadores. Um pressuposto deste modelo afirma que as redes possuem nmeros fixos de ns por toda a sua vida. Alm disso, todos os ns so equivalentes. Incapazes de distinguir entre um n e outro, linkamos de modo aleatrio. Ora, dir Barabsi, se h uma coisa que cresce a Internet. De fato, o crescimento uma caracterstica comum maioria das redes. Aliado ao fator crescimento, h um outro que determina parcialmente o surgimento de hubs. Os ns mais antigos, por sua prpria antigidade, tm mais chances de receberem links do que os mais recentes. Afinal, existem h mais tempo. Mais um fator concorrente para a existncia de hubs o que Barabsi define como conexo preferencial. A idia a seguinte: quando preciso escolher entre duas pginas, uma com o dobro de links da outra, aproximadamente duas vezes mais pessoas ficaro com a pgina mais conectada.(...) as pginas da web que preferimos acessar no so ns comuns. Elas so hubs. Quanto mais conhecidas so, mais links levam a elas. Quanto mais links atraem, mais fcil ach-las na web e mais familiarizados com elas ficamos. No fim todos ns seguimos uma tendncia inconsciente, acessando com maior probabilidade os ns que conhecemos, que inevitavelmente so os ns mais conectados da web. Ns preferimos os hubs. (...) Enquanto nossas escolhas individuais so altamente imprevisveis, como um grupo seguimos padres estritos. [BARABSI, op. cit., p.85]

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Disto resulta o abandono de uma outra caracterstica das redes aleatrias, seu carter democrtico, no no sentido em que Negri e Hardt classificam a rede como democrtica, mas no sentido de que todos os ns seriam equivalentes na capacidade de atrair acessos. Na prtica, de acordo com Barabsi, quanto mais popular um site, mais atraente ele se torna. As leis de potncia, na fsica, indicam a transio da desordem para a ordem, comportamentos emergentes, relacionados auto-organizao e complexidade, situando-se, nas palavras de Barabsi, no corao de importantes avanos conceituais da segunda metade do sculo 20 nas pesquisas sobre caos, fractais e transies de fase. Mas se uma lei de potncia o que determina a existncia de hubs, e a lei de potncia a marca de sistemas que transitam da desordem para a ordem, ou de uma ordem para outra mais complexa, que tipo de transio, pergunta-se o autor, ocorre nas redes complexas? A resposta de Barabsi diz que as redes no esto passando de um estado aleatrio para um estado ordenado. No esto tambm beira do caos e da desordem. Em vez disso, a topologia sem escala evidncia de princpios organizativos que agem a cada estgio do processo de formao da rede. Crescimento e conexo preferencial determinaro a topologia sem escala dominada por hubs. No artigo Estamos todos juntos na rede, escrito em 2003 por ocasio de um blecaute que atingiu os Estados Unidos, Barabsi observa que a interconectividade implica uma srie de benefcios, mas tambm novas vulnerabilidades, seja no que concerne s redes de distribuio de energia eltrica, ao mercado financeiro mundial, ameaa terrorista ou, simplesmente, Internet em si mesma.Os eventos dos ltimos dias indesejados efeitos colaterais de nossa sociedade em rede so apenas um dos lembretes peridicos de que vivemos num mundo globalizado. Enquanto comemoramos o fato de todos na Terra estarem separados de ns por apenas seis conexes eletrnicas, precisamos reconhecer que isso vale tambm para seus problemas e vulnerabilidades. A maioria das falhas surge e desaparece localmente, quase sem ser notada pelo resto do mundo. Algumas, no entanto, se infiltram em nossas densas redes tecnolgicas e sociais, atingindo-nos a partir das direes mais inesperadas. A menos que estejamos dispostos a cortar as conexes, a nica maneira de mudar o mundo melhorar todos os ns e ligaes.24

Os lados positivo e negativo das organizaes em rede no campo poltico e social esto presentes nos estudos de John Arquilla e David Ronfeldt, pesquisadores da Rand

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Corporation, como Paul Baran, que a partir do incio da dcada de 1990 desenvolveram os conceitos de ciberguerra (cyberwar) e de guerra em rede (netwar). A guerra em rede o resultado da emergncia das formas de organizao em rede, que, por sua vez, parcialmente o resultado da revoluo informacional computadorizada. um modo de conflito e de crime em que os protagonistas se organizam em redes, com doutrinas e estratgias especficas, e tecnologias tpicas da era informacional. Tais protagonistas, normalmente, consistem em organizaes dispersas, pequenos grupos e indivduos que se comunicam, se coordenam e conduzem suas campanhas usando redes de comunicao, freqentemente sem um comando central claro. De acordo com os autores, os conflitos baseados nas organizaes em rede tornar-se-o um fenmeno de amplas propores e diversos atores, de grupos terroristas internacionais a sindicatos criminosos, passando por piratas de propriedade intelectual, vm modificando suas estruturas e estratgias para obter vantagem a partir da organizao em redes. Isto inclui tambm, nas palavras dos pesquisadores, novas geraes de revolucionrios, radicais e ativistas que criam ideologias prprias era informacional. Grupos anarquistas e de hackers aparecem entre esses novos atores cujas identidades e lealdades no mais estariam ligadas a Estados-nao, mas ao nvel transnacional da sociedade civil global. Ressaltemos que o documento estudado, The Advent of Netwar (Revisited)25, foi escrito depois dos protestos ocorridos em Seattle em 1999, mas antes dos ataques do 11 de setembro de 2001. Arquilla e Ronfeldt destacam a rede distribuda como a mais difcil de organizar e manter, mas tambm como a que mais se fortalece a partir da revoluo da informao. Em seu desenho organizacional ideal, a rede distribuda no possui uma liderana nica e central, um comando ou quartel-general. O nvel de hierarquizao baixo ou inexistente. Logo, a tomada de decises e as operaes so descentralizadas, o que permite autonomia e iniciativa locais. Seu desenho pode ser algumas vezes acfalo e outras policfalo. Assim, tentar torn-la inoperante por decapitao pode tornar-se uma estratgia invivel. A capacidade de tais redes atuarem a longo prazo, sustentam os autores, depende da existncia de princpios, interesses e objetivos comuns. A coerncia ideolgica e operacional permite a descentralizao ttica. Assim, a efetivao do potencial destas redes requer a capacidade de manter densos fluxos informacionais e favorecida pelas novas24

O texto, publicado no jornal The New York Times, foi reproduzido em 18 de agosto de 2003 por O Estado de S.Paulo.

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tecnologias da informao, como o celular, o correio eletrnico e a Internet. No entanto, se as novas tecnologias proporcionam grandes vantagens para as organizaes em rede, estas tambm podem atuar por meio de tecnologias antigas ou por um sistema hbrido. Portanto, a guerra em rede no est restrita Internet. Ela no ocorre exclusivamente no ciberespao e seu desenlace depende fortemente do que ocorre no, digamos, mundo real.A guerra em rede no diz respeito unicamente guerra na Internet (assim como a ciberguerra no diz respeito apenas a guerra de informao estratgica) Os americanos tm a tendncia de ver o conflito moderno prioritariamente como um assunto tecnolgico em detrimento de organizao e doutrina. Em nossa viso, esta uma tendncia equivocada. Por exemplo, a guerra em rede social tem mais relao com um lder doutrinrio como o subcomandante Marcos do que com um hacker 26 solitrio como Kevin Mitnick. [ARQUILLA e RONFELDT, op. cit.]

Ao longo do documento, Arquilla e Ronfeldt mencionam diversas vezes o movimento zapatista como uma dos primeiros exemplos de guerra em rede. O prprio subcomandante Marcos, em 1999, afirmou que o conceito de guerra em rede descrevia com perfeio o zapatismo, definido como uma nova forma no-leninista de radicalismo poltico, diferente, por exemplo, do modelo revolucionrio cubano. Um dos aspectos destacados pelos autores no estudo da guerra em rede o swarming. Arquilla e Ronfeldt definem o swarming como um ataque aparentemente amorfo, mas estruturado, coordenado e estratgico, que converge para um determinado alvo a partir de todas as direes. Seu funcionamento timo se d a partir de uma rede de mltiplas pequenas unidades de manobra dispersas. Estas redes devem ser capazes de formar-se rpida e sub-repticiamente e tambm de dissolver-se para uma imediata recombinao. Este comportamento pde ser observado na chamada Batalha de Seattle. Arquilla e Ronfeldt ainda tm o cuidado de distinguir terroristas, guerrilheiros e criminosos de ativistas sociais. A guerra em rede, afirmam, pode servir ao bem ou ao mal, por meios pacficos ou violentos. Esta dualidade encarada como reflexo do que ocorre no ciberespao. Os pesquisadores vem no ativismo social no-violento uma dimenso mais puramente informacional da guerra em rede. consultado em janeiro de 2005. Mitnick foi preso diversas vezes e condenado duas. Invadiu, entre outros, o sistema de computadores do Pentgono. Caado pelo FBI durante dois anos, passou outros cinco na cadeia aps sua segunda condenao.26 25

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Outra questo diz respeito ao carter transnacional da guerra em rede, e a dificuldade encontrada por Estados-nao ao enfrentar movimentos e organizaes que transcendem suas fronteiras e legislaes, constituindo um novo desafio ao modo como as burocracias tradicionalmente costumam lidar com problemas. De fato, uma das principais concluses do estudo a de que as organizaes hierrquicas encontram grandes dificuldades para combater as redes, ou seja, a melhor forma de lutar contra uma rede usando outra rede. No documento Transcendental Destination Where Will the Information Revolution Lead27, publicado em 2000, pesquisadores da Rand Corporation abordam o tema da Noosfera, conceito elaborado pelo telogo jesuta Teilhard de Chardin nas primeiras dcadas do sculo XX.Teilhard anteviu que os seres humanos alcanariam um novo plano evolutivo caracterizado pela coordenao global das energias intelectual, social e espiritual. Ele chamou esse plano superior de noosfera, definindo-o como um domnio da mente que tudo abarca (do grego noos, ou mente). Teilhard vaticinou que este domnio eventualmente substituiria os domnios evolutivos prvios da geosfera e da biosfera como o supremo ambiente do esprito na Terra.

A idia a de que o ciberespao pode ser entendido como uma noosfera. Teilhard, afirma o documento, inspirou Arquilla e Ronfeldt a elaborar o conceito de noopolitik como estratgia de Estado para os EUA na era da informao. A noopolitik, diferentemente da realpolitik, opera por meio da difuso de idias, valores, leis e tica na noosfera que envolve o planeta. A realpolitik a poltica externa baseada na fora bruta de homens, msseis, armas e navios. A noopolitik enfatiza o fora suave da atrao em vez da coero. A realpolitik afirma que a fora faz o direito; a noopolitik, que o direito faz a fora. A realpolitik tende a ser amoral se no imoral. A noopolitik s tem sucesso se amparada em princpios compartilhados. As ONGs so apontadas como a vanguarda no uso da noopolitik e, uma vez mais, o movimento zapatista citado como exemplo. Os pesquisadores da Rand entenderam que a revoluo da informao alteraria no somente o comportamento das pessoas, mas essencialmente o modo como elas vem a siDepois tornou-se CEO da companhia de segurana Defensive Thinking. Seus defensores argumentam que a pena foi desproporcional aos danos causados. A histria inspirou livros e filmes. 27 consultado em maro de 2005.

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mesmas e organizam-se socialmente, culturalmente, politicamente, economicamente, governamentalmente, militarmente e mesmo espiritualmente. Da mesma forma, a revoluo da informao alteraria o comportamento das naes e sua compreenso de seus papis no mundo. A estratgia indicada pela Rand para os EUA a formao de uma rede cooperativa de governos aliados e ONGs em torno de valores globais. Tal estratgia no poderia estar limitada aos interesses e instituies americanos e a poltica externa dos EUA deveria ser reconsiderada nos casos de ampla oposio global. certo que a administrao Bush ignorou o conselho de Arquilla e Ronfeldt e adotou prioritariamente a velha realpolitik. Talvez tenha atentado para os riscos, apontados pelo prprio documento da Rand, de uma estratgia que limitaria sua liberdade de ao. Ao fim desta estratgia, entretanto, a hegemonia americana pode desaparecer. Mas h um consolo: a Amrica transcenderia a si mesma em nome de um bem maior global. No significa, porm, que a noopolitik tenha se tornado uma idia sem valor ou que se deva abandonar a idia de noosfera. Andr Lemos observa que o ciberespao-noosfera est em vias de expanso planetria como um tipo de oniscincia global [2002, p.144145], o que leva hiptese do ciberespao como inteligncia coletiva. Este seria, ento, um quarto espao, um espao do saber, aps a terra, o territrio e o mercado. A dinmica atual do ciberespao, continua Lemos, e seu crescimento exponencial o caracterizariam como um organismo complexo, interativo e auto-organizante, tambm chamado Cybionte, estrutura rizomtica, conceito a partir do qual o ciberespao compreendido como uma entidade quase biolgica, organismo hbrido, crebro planetrio formado pelo conjunto de crebros humanos e de redes conectadas por computador. Procuramos indicar neste captulo como, no informacionalismo, a organizao em rede se afirma e muda a face da produo e do trabalho, mas tambm dos movimentos sociais e polticos. O passo seguinte consiste em um olhar mais detido sobre a origem da Internet, eixo em torno do qual giram estas novas configuraes. A nfase estar na tica hacker, fonte cultural da inovao tecnolgica que est na base do novo paradigma, e na questo da propriedade intelectual.

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3. Internet, tica hacker e a questo da propriedadeA origem da Internet remonta ARPANET, rede de computadores criada em 1969 pela Advanced Research Projects Agency (ARPA), rgo do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Fundada em 1958, um ano depois de os russos terem lanado o Sputnik-1, primeiro satlite a entrar na rbita da Terra, a funo da agncia era fomentar a pesquisa cientfica com o objetivo de superar tecnologicamente a Unio Sovitica. Em 1962, foi estabelecido dentro da ARPA o Information Processing Techniques Office (IPTO), rgo voltado para a pesquisa em interconexo de computadores. Seu primeiro diretor foi um psiclogo e cientista da computao do MIT, Joseph Licklider. O IPTO promoveu a criao da ARPANET ligando centros e grupos que participavam da pesquisa e permitindo a eles conexo online. Os primeiros ns da rede estavam na Universidade da Califrnia em Los Angeles,