Moral, Ética e Direito Em Kant - Uma Fundamentação Para o 1061 Pt

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1 FUNDAÇÃO DE ENSINO “EURÍPIDES SOARES DA ROCHA” CENTRO UNIVERSITÁRIO “EURÍPIDES DE MARÍLIA” – UNIVEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PAULO CEZAR FERNANDES MORAL, ÉTICA E DIREITO EM KANT UMA FUNDAMENTAÇÃO PARA O DANO MORAL E DIREITOS HUMANOS Marília 2007 PAULO CEZAR FERNANDES

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1FUNDAO DE ENSINO EURPIDES SOARES DA ROCHA CENTRO UNIVERSITRIO EURPIDES DE MARLIA UNIVEM PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO PAULO CEZAR FERNANDES MORAL, TICA E DIREITO EM KANT UMA FUNDAMENTAO PARA O DANO MORAL E DIREITOS HUMANOS Marlia 2007 PAULO CEZAR FERNANDES 2 MORAL, TICA E DIREITO EM KANT UMA FUNDAMENTAO PARA O DANO MORAL E DIREITOS HUMANOS DissertaoapresentadaaoProgramadeMestrado,comorequisito parcialparaobtenodottulodeMestreemDireitoreade concentrao: Fundamentos Crticos da Dogmtica Jurdica. Orientador: Prof. Dr. Oswaldo Giacoia Junior Marlia 2007 3AGRADECIMENTOS AoprofessorDr.OswaldoGiacoiaJunior,porhaveraceitadoadesafiadoraincumbnciadaminha orientao,epelabondadenotratocomminhasinumerveislimitaes,meapontandoosriscosque enfrentariapelocaminhonestaminhajornadainauguraljuntodafilosofia,sempreconciliandoaboa vontade prpria dos grandes homens e a inconteste responsabilidade tutorial dos grandes filsofos. Ao professor Dr. JaymeWanderley Gasparoto, que, na qualidade de coordenador do curso de mestrado, anuiu e incentivou esta pesquisa, e, como honrado professor, sempre zelou pela transmisso honesta dos ensinamentosmetodolgicosprecisosefundamentaisaobomdesenvolvimentodeumafrutfera investigao cientfica. AoprofessorDr.UbirajaraRancandeAzevedoMarques,que,nafunodecoordenadordoGrupode PesquisaEmTornodoIluminismoCNPQUNESP-Marlia,recebeu-meemeadmitiucomo membro,dividindooseuapuradoepreciososabernosdafilosofiadeImmanuelKant,mastambm recomendandoleituradosclssicosdafilosofiaocidental,semprebondosaerespeitosamente incentivando meus estudos e dividindo suas inestimveis experincias musicais e filosficas. Ao professor Dr. Leonel Ribeiro dos Santos, da Universidade de Lisboa, pelas bondosas e esclarecedoras lies acerca do universo que envolve o pensamento de Kant, e pela seleo e envio de textos prprios e de outros comentadores da filosofia kantiana, que muito me auxiliaram no desenvolvimento da pesquisa, e, mui especialmente, pela sincera amizade. Aosmeusamigosdoescritrio,FernandaCarvalho,AlanSerraRibeiroeRmuloBarretoFernandes, pelo apoio fundamental, e aos amigos da Faculdade de Filosofia da UNESP, pela generosa interlocuo e ensinamentos. Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nivel Superior CAPES, pelo suporte imprescindvel na concesso de bolsa de estudos CAPES/PROSUP, no perodo de fevereiro de 2006 a fevereiro de 2007. 4DEDICATRIA minha preciosa mulher e querida amiga Dilnei, pelo apoio inestimvel e irrestrito. Aos meus filhos, pais e irmos, pelo suporte incondicional e resignada renncia ao tempo em favor deste trabalhoe do meu crescimentoespiritual. 5APRESENTAO EstetrabalhotemcomoobjetivoprecpuoapresentarosconceitosdeMoral,ticaeDireito, segundoafilosofiadeImmanuelKant,sendoque,attulopropedutico,noPREFCIOGUISADE INTRODUO, procurei expor os principais conceitos da filosofia presentes em Kant, os quais entendo seremfundamentaisparasetentaracompanharsuasidiaseafimdepoderapresentar,deforma meramenteintrodutria,afilosofia,comoumametafsicacrtica,dessequeumdosmaisimportantes pensadoresdetodaahistriadahumanidade,quefiguraentreosprincipaisidealizadoresdoEstado contemporneo,equetambmuminflexveldefensordadignidadeedorespeitodevidosatodoSer Humano, pelo inestimvel valor que este carrega em si mesmo e que suplanta qualquer outro que se possa atribuir ao Homem, dignidade essa cuja demonstrao o principal objetivo da filosofia de Kant, o qual procurei apresentar, sucintamente, no CAPTULO PRIMEIRO. ALeiMoralapresentadanoCAPTULOSEGUNDOcomoaleiuniversaldeumaRazo prtica, e atravs da qual Kant busca demonstrar que o Homem deve ter um lugar de destaque na natureza porserdotadodeumacapacidaderacionalqueodiferenciariadosdemaismembros,equetem fundamentonaidiadaLiberdade,sendoestaltimadadaaconhecerpelaprpriaLeiMoral,aqual, atravsdarepresentaodoImperativoCategrico,seriaanicaquepoderiadaraconheceraprpria Liberdade,medianteAutonomiadaVontadefrentestendnciaseinclinaes,idiaessadeKantque busqueiapresentarnoCAPTULOTERCEIRO,ondeofilsofodeduzoconceitodeDever,cujo atendimento, faria do Homem, ainda segundo o filsofo, um ser que se destacaria dos demais, exatamente por deter em si mesmo uma dignidade.OCAPTULOQUARTObuscapelodesenvolvimentodaidiadeKantatravsdaqualo filsofoexpeadistinoentreLeiseMximas,investigandoarelaoentreLeiMoraleLiberdadee deduzindoseraAutonomiadaVontadeonicoprincpioprticodetodasasleismoraisedosdeveres conformes a elas, demonstrando a Liberdade em sua configurao positiva, o que at ento no havia sido possvel, vez que a Liberdade tinha sido apresentada apenas como uma idia que se mostrava unicamente atravsdesuaformulaonegativa,quepodiaserpostacomooelementoprincipaldoprocessode conhecimento desenvolvido pela Razo terica, mas, cuja possibilidade prtica era ainda inusitada. ApartirdoCAPTULOQUINTO,procuroacompanharopensamentodofilsofoquebusca pelaspossibilidadesderealizaodessamesmaidiadaLiberdade,agoranomaisapenasemsua configurao meramente negativa, mas, sim, segundo a perspicincia que cada ente racional dela pode ter na representao interna de si mesmo, como um ser que pode ser livre, pois capaz de apresentar em si mesmo e na representao de seu mundo exterior, portanto, no seu universo de relao com o outro, essa mesma idia da Liberdade, e, para isso, Kant investiga os conceitos de bom e mau e de bem e mal e como eles se relacionam com a Vontade, que a faculdade da Razo capaz de fazer de uma regra desta a causa motora de uma ao, na busca de um motivo para uma Vontade Autnoma. 6Com essa idia Kant sai em busca de um objeto para uma tal Vontade, que pudesse demonstrar apossibilidadedeaLiberdadeserefetivadanomundo,apesardaslimitaesecarnciasdohomem, sendo que, no CAPTULO SEXTO, busco apresentar a deduo de Kant acerca daquele motivo para uma Razoquepodeserprtica,ouseja,deumacausamotoraparaumaaodemoralidade,apresentando, para isso, o sentimento de respeito que conquistado pela Lei Moral mediante o tambm sentimento de humilhao que esta provoca em todo aquele que a descumpre. OCAPTULOSTIMOprocuraacompanharoraciocniodeKantnasuainvestigaoe exposiodaLeiMoralnaformadoDever,emcontraposiocomadoutrinadafelicidade,atravsdo qualbuscoexporasconclusesdofilsofoqueolevaramarefutaroEudemonismo,oudoutrinada felicidade, como uma possibilidade prtica para uma Razo universal, assim como sua deduo acerca da legalidadeedamoralidadenasaes,concluindoqueunicamenteoDever,noafelicidade,podeser fundamento de uma ao moral, portanto, de uma ao livre. NabuscapeladeterminaodesseDeverdemoralidade,apartirdoCAPTULOOITAVO procuroinvestigaroquepoderiaservir,paraKant,comoobjetodeumaRazoprticapura,pois,para umaaocomplenaliberdade,somentepodeseradmitidoumbemquesejatambmabsolutamente incondicionado,ouseja,totalmenteindependentedequalquercausasensvel,ou,mesmo,qualquer sentimento de prazer ou desprazer, deduzindo Kant, para isso, o conceito de um Sumo Bem possvel para uma tal Razo. Por fim, no CAPTULO NONO, procurei reproduzir um pensamento do filsofo, o qual chamei porPedagogiaMoral,quefoidesenvolvidoporKantnosentidodepoderorientartodaRazonabusca pelo domnio das tendncias da sensibilidade atravs do atendimento do Dever, mediante aquisio de um interessemoralpuroqueculminariacomoalcancedaprpriaLiberdade,encerrandoaPRIMEIRA PARTE deste trabalho. Na SEGUNDA PARTE, tendo por pressuposto que a Liberdade pode ser apresentada com todo seufulgoratravsdadeduodaLeiMoraleoatendimentodoImperativoCategrico,procuro demonstrar que tambm a tica e o Direito seguiro por ela iluminados, sendo apresentados os conceitos deticaeDireitonoCAPTULOPRIMEIRO,e,fechandoestapesquisa,noCAPTULOSEGUNDO, investigoumaperspectivaparaosDireitosHumanossegundoafilosofiaPrticadeKant,com fundamento no juzo determinante do Imperativo Categrico Moral e na prpria Liberdade. 7FERNANDES, Paulo Cezar. Moral, tica e Direito em Kant: Uma Fundamentao para o Dano Moral eDireitosHumanos.2007.241f.Dissertao(MestradoemDireito)FundaodeEnsinoEurpides Soares da Rocha, Marlia, 2007. RESUMO: OsconceitosdeMoral,ticaeDireito,investigadosnafilosofiaprticadeImmanuelKant,soaqui apresentados como conceitos por ele deduzidos a partir de duas idias cardinais: Liberdade e Lei moral. A primeira mostrada, inicialmente, como no impedimento, e seria realizadapor todo ente racional na buscadoconhecimentoobjetivo,e,asegunda,comoalegislaoquepodemostraraprpriaLiberdade emsuarealizaoprtica.TaisidiaspermitiriamaofilsofoadeduodoDevernaformado ImperativoCategricoMoral,comosendoarepresentaodeumaleiobjetiva,aLeiMoral,que,se incondicionalmenteatendida,medianteadoodemximasdeaounicamenteporRespeitoaoDever, mostraria uma verdadeira ao Moral e a efetiva Liberdade a todo Homem. A tica apresentada como umacinciadarealizaoprticadessamesmaLiberdade,queseriamostradaatravsda autodeterminaodaVontadeunicamenteporRespeitopelaprprialeiinterna,edar-se-iaatravsda adoodemximasdeaoquefossempostas,naprxissocial,unicamenteemconformidadecom aquelemesmoDeverMoral.Oterceiroconceito,odeDireitoapresentadocomosendoaformadese garantir aquela mesma Liberdade, no apenas por meio de uma legislao interna, mas tambm atravs de umalegislaoexterna,comoumanecessidadedaorganizaoPolticadosmesmosentesracionais.A possibilidadedefundamentaoparaoDanoMoraleDireitosHumanosinvestigadacomouma necessidadedesecriargarantiasquelaLiberdade,atravsdacoeroexternapropiciadapeloDireito positivo, quando, ento, sugiro o estabelecimento do seu fundamento objetivo no conceito de Respeito dignidade da pessoa, pensado a partir do Imperativo CategricoMoral, comoumDever do Estado, e a serconvertidonumaNormaFundamentalConstitucional,portanto,garantido,tambm,externamente.A investigaodapossibilidadedadefesadosDireitosHumanosemKantenfrentaodifcilproblemada Pena de Morte e da Escravido que, segundo autorizadas leituras, so tidos como mculas indelveis na obra daquele que foi um defensor incondicional do respeito dignidade humana. Na sua parte final, esse trabalho ousa apresentar uma chave alternativa para a leitura da filosofia Poltica de Kant, atravs da qual pretendolivr-lodortulodeescravocrataedefensordapenacapital,sugerindo,tambm,oImperativo CategricoMoralcomoaNormaFundamentalparaConstituiodetodoEstadoquesepretenda estabelecer como um Estado Democrtico de Direito, na garantia da Liberdade. Palavras-chave:ImmanuelKant.Moral.tica.Direito.LeiMoral.Liberdade.ImperativoCategrico Moral. Dignidade. Pessoa. Dano Moral. Direitos Humanos. 8FERNANDES, Paulo Cezar. Moral, tica e Direito em Kant: Uma Fundamentao para o Dano Moral eDireitosHumanos.2007.241f.Dissertao(MestradoemDireito)FundaodeEnsinoEurpides Soares da Rocha, Marlia, 2007. ABSTRACT: The concepts of Moral, Ethic and Right, investigated in the practical philosophy of Immanuel Kant, are presented here as concepts deduced by him from two cardinals ideas: Freedom and Moral Law. The first ispresented,initially,asanon-impediment,andrealizedbyeveryrationalBeinginthesearchofthe objectiveknowledge,and,thesecond,asthelegislationthatcanshowtheLibertyitselfinitspractical realization.SuchideaswouldallowthephilosopherthedeductionoftheObligationintheformofthe CategoricalMoralImperativeasbeingtherepresentationofanobjectivelaw,theMoralLaw,which,if unconditionallyobserved,throughtheadoptionofsubjectiveactioncommandsonlyforRespectto Obligation,wouldshowatrueMoralactionandaneffectiveFreedomtoHumanBeing.TheEthicis presentedasascienceofthepracticerealizationofthissameFreedom,whichwouldbeshownbythe self-determination of Will only for Respect of the self internal law, and would be given by the adoption of subjective action commands that would be put, in the social praxis, only in accordance with that same Moral Obligation. The third concept, the concept of Right, is presented as being the way to guarantee that sameLiberty,notonlythroughaninternallegislation,butalsothroughanexternallegislation,asa necessityofapoliticalorganizationofthesamerationalBeing.ThepossibilityoffoundationofMoral damages and Human Rights is investigated as a necessity of create guarantees to that Liberty, through the externalcoercionpropitiatedbythePositiveRight,establishingitsobjectivebasisintheconceptof Respect to the Persons Dignity, thought from the Categorical Moral Imperative, as an Obligation of the State,tobeconvertedinaConstitutionalFundamentalNorm,thuswarrantedtooexternally.An investigation of the possibility of the defense of the Human Rights in Kant confronts the hard problem of theCapitalPunishmentandtheSlaverythat,accordingtoauthorizedreadings,arehadlikeindelible maculas in the work from that which was an unconditional defender of the respect to the Human Dignity. In the final part, this work dares to present an alternative key to the reading of the Political Philosophy of Kant,throughtheonewhichIintendtoliberatehimofthelabelofslavocratanddefenderofCapital punishment,suggesting,also,theCategoricalMoralImperativeasaFundamentalNormtothe constitution of every State that intends to establish itself as a Democratic State of Right, in the guarantee of Freedom. Keywords:ImmanuelKant.Moral.Ethic.Right.MoralLaw.Freedom.CategoricalMoralImperative. Persons Dignity. Moral Damage. Human Rights. 9 SISTEMA DE CITAES E ABREVIAES Nesse trabalho vali-me de dois critrios para citaes tanto das obras de Kant, quanto dos demais autores, quepoderoserencontradasnointeriordoprpriopargrafo,noqualseapresentamentreaspas,ou destacadasnotexto,quandocontamcomrecuoespecial.AscitaesdostextosdeKantso especialmente identificadas pelas abreviaes das obras donde foram extradas, optando por tal referncia em lugar das notas de rodap, o que se fiz unicamente para favorecer maior fluncia da leitura. LISTA DE ABREVIAES DAS OBRAS DE KANT REFERIDAS NESTE TRABALHO, SEGUNDO CRITRIO APRESENTADO POR HOWARD CAYGILL (2000, p. XVI) A1798bAntropologia de um ponto de vista pragmtico CJ1790aCrtica da faculdade do juzo CRPr 1788bCrtica da razo prtica CRPB1787Crtica da razo pura, 2 edio DI1770[Dissertaoinaugural]Sobreaformaeosprincpiosdomundo sensvel e inteligvel FMC1785eFundamentao da metafsica dos costumes IHU1784aIdia de uma histria natural do ponto de vista cosmopolita MC I1797a MetafsicadoscostumesParteIPrincpiosmetafsicosdadoutrinado direito MC II1797aMetafsicadoscostumesParteIIPrincpiosmetafsicosdadoutrinada virtude P1783aProlegmenosatodametafsicafuturaquepossaapresentar-secomo cincia PI1790bPrimeira introduo Crtica da faculdade do juzo PP1795 paz perptua VPM1791bQuaissoosverdadeirosprogressosdametafsicadesdeostemposde Leibniz e Wolff? 10 SUMRIO PREFCIO GUISA DE INTRODUO: O CAMPO DE TRABALHO DE KANT.........11 PRIMEIRA PARTE: A MORAL..............................................................................................32CAPTULO PRIMEIRO: O OBJETIVO DA FILOSOFIA DE KANT...................................33CAPTULO SEGUNDO: A LEI MORAL COMO A LEI DA RAZO PRTICA.................58CAPTULO TERCEIRO: AUTONOMIA DA VONTADE E IMPERATIVO CATEGRICO NA DETERMINAO DO DEVER................................................................78CAPTULO QUARTO: A LEI MORAL PARA AUTONOMIA DA VONTADE..................102CAPTULO QUINTO: O BOM E O MAU O BEM E O MAL.............................................128CAPTULO SEXTO: O RESPEITO PELA LEI MORAL: MORALIDADE...........................140CAPTULO STIMO: A EXPOSIO DA LEI NA FORMA DO DEVER E A DOUTRINA DA FELICIDADE..................................................................................................150CAPTULO OITAVO: O OBJETO DE UMA RAZO PRTICA PURA.............................159CAPTULO NONO: UMA PEDAGOGIA MORAL................................................................166 SEGUNDA PARTE: A TICA E O DIREITO..........................................................................174CAPTULO PRIMEIRO: COERO INTERNA NA TICA E A EXTERIORIDADE DA COERO NO DIREITO...........................................................................................................175CAPTULO SEGUNDO: O DIREITO DE PROPRIEDADE E UMA FUNDAMENTAO PARA O DANO MORAL...........................................................................................................201CAPTULO TERCEIRO: UMA POSSIBILIDADE PARA OS DIREITOS HUMANOS......216 CONCLUSO..............................................................................................................................245REFERNCIAS...........................................................................................................................247BIBLIOGRAFIA CONSULTADA..............................................................................................251 11PREFCIO GUISA DE INTRODUO O CAMPO DE TRABALHO DE KANT Antes de ingressar na anlise propriamente dita dos conceitos de Moral, tica e Direito segundo o pensamento de Immanuel Kant, objetivo primeiro desta pesquisa, creio ser importante para a exposio do seu pensamento acerca da Moral, tica e Direito, tentar mostrar o campo onde Kant exerceu com tanta propriedade seu labor, a saber, a metafsica, que ele apresenta no como um sistema racional, mas como uma cincia dos limites da razo humana (HFFE, 2005, p. 17). Seoresultadoalcanadoporestatentativaintrodutriadarcontadeumatalproposta,na verdade, somente o tempo poder dizer, mas posso testemunhar que a dificuldade se mostra desde j to elevadaquantominhaambioemassumiressatarefa,queexigiuumesforosjustificadopelo entusiasmo despertado em mim pela filosofia kantiana, assim como pela inequvoca importncia histrica do seu pensamento, tanto para a filosofia moral quanto para filosofia poltica contempornea (HFFE, 2005,p.XXII),especialmenteporfigurarcomoumdosparticipantesmaisdestacadosdomovimento filosficoconhecidocomoracionalismoalemo,iniciadoporLeibniz(DELBOS,1969,p.12)e expressocomoaemancipaodoespritopelaculturacientficaeplenodesenvolvimentodo pensamento (DELBOS, 1969, p. 08). Contudo,oquejpudeconstataroincontestefatodequeningumqueselananosvastos campos da Moral e da Poltica, mormente da tica e o Direito, consegue ficar alheio filosofia kantiana, seja em sentido crtico, seja em sentido afirmativo (HFFE, 2005, p. XXII), seja por sua grandiosidade eimportncia,oumesmopelaindubitveldualidadedesentimentosque,porvezes,seupensamento provoca naqueles que o buscam. Assim, posso garantir que primeira sensao que tive no contato inicial com a filosofia de Kant foidefrustrao,pelaimensadificuldadedecompreensoqueelaoferece;asegunda, porm,apsdois anos de esforo e dedicao, consegui sair um pouco da superfcie e pude descobrir a sublimidade de um pensamento que faz da condio humana o seu motivo de existncia, pois Kant substituiu o princpio que faz depender todo julgamento sobre as coisas de uma concepo do Todo, pelo princpio que subordina todo julgamento sobre as coisas aos direitos da pessoa moral (DELBOS, 1969, p. 75).E foi esta caracterstica da filosofia de Kant que conservei como um focus imaginarius a nortear estetrabalho,quenelaesperaencontrarto-somenteumapossibilidadedecontribuioparauma fundamentaodosDanosMoraiseconstruodosDireitosHumanos,motivoessequeesperoassentar fundamentalmentenauniodedoisprincpiosdafilosofiaprticadeKant,asaber,aliberdadeealei moral (DELBOS, 1969, p. 35), esta ltima apresentada como uma lei objetiva que pode ser conhecida por ns no pela experincia, mas pela razo (WALKER, 1999, p. 07). 12Dequalquermaneira,diantedasindizveisdificuldadesapresentadasnospelostextosdo filsofo, mas tambm pela gigantesca barreira que existe atualmente entre os prticos do direito, como meu caso, e a filosofia, especialmente a filosofia kantiana, penso que talvez seja no apenas salutar, mas, tambmfundamentalparaestapesquisa,umaprviaintroduonoterrenoaplainadoporKantda metafsicacomocincia(HFFE,2005,p.XX),paraquepossaintentarapresentaroconceitode Moral, tica e Direito segundo o pensamento de Immanuel Kant. Paratanto,invocooprpriofilsofoalemonessatentativapreliminarparabuscaravanar, aindaquetemeroso,pelocampodeumaRazopura,dondeesperopodersairnosfortalecidopelos fundamentosdaMoral,daticaedoDireito,mastambmsemtercausadograndesprejuzossua maravilhosa obra: Fazerplanos,muitasvezes,umaocupaopresunosaejactanciosadoespritopela qual algum se atribui a si uma aparncia de gnio criador ao exigir o que pessoalmente nosepodedar,aocensuraroque,noentanto,noseconseguefazermelhoreao sugerir aquilo que por si mesmo no se sabe onde se encontra; no entanto, j o simples plano competente de uma crtica geral da razo exigiria mais do que se pode imaginar se no se tratasse apenas, como habitualmente, de uma declamao de desejos piedosos. S que uma razo pura uma esfera de tal modo parte, to completamente unificada em si, que no se pode tocar em nenhuma parte sem afectar todas as outras, e que nada se pode fazer sem primeiramente ter determinado o lugar de cada uma e a sua influncia sobreasoutras;porque,nadaexistindoforadelaquepossacorrigironossojuzo interior, a validade e o uso de cada parte depende da relao em que ela se encontra com as outras na prpria razo tal como, na estrutura de um corpo organizado, o fim de cada membro s pode deduzir-se do conceito geral do todo. (KANT, P, 2003, p. 20-21). Portanto,naelaboraodeumambiciosoplanocomoestequeestabeleci,Kantnosconvidaa percorreremprimeirolugarumlocaldesconhecidopelamaioriadoshomens,afeitosquesomosem atender, quase que exclusivamente, aos sentidos, com nossas necessidades e tendncias to prementes, a saber,ocampodaRazopura,conviteessefundamentalespecialmenteemprojetoscomooqueora estabeleci, pois, na elaborao de planos, muito raramente visitamos com a devida correo e previdncia este locus de trabalho to fecundo que o nosso prprio nimo (Gemt), uma faculdade da razo humana que no designa uma substncia (material ou ideal) mas a posio ou lugar das Gemtskrfte (as foras ou faculdades do Gemt) de sensibilidade, imaginao, entendimento e razo (CAYGILL, 2000, p. 25). Dessa forma, o filsofo convida-nos adentrar nossa prpria racionalidade, mediante uma crtica transcendentaldarazo(HFFE,2005,p.XX),e, no caso desta pesquisa, oscampos especficos onde situaaMoral,aticaeoDireito,osquais,apesardasluzesporelelanadashquasedoissculos, permanecemaindaignoradospelomaiorinteressado,oatualanimallaboransdodireito(FERRAZJR., 2001, p. 26), que se contenta com tbias, porm, ambiciosas, lamparinas do empirismo jurdico, e de uma tica discursiva que tem os olhos voltados para a prxis, mas, pagando alto preo por no condicion-las Razo. Assim, o convite para avanar comigo neste terreno difcil e inusitado da Razo pura, o qual, porissomesmo,nosprimeirospassosnosdeixaatordoados,paratentarmoscaminharmunidos unicamentedessafaculdadedadeterminaodoparticularpelouniversal(daderivaoapartirde 13princpios) (KANT, PI, 1995, p. 37), que a Razo, na busca pelo conhecimento independentemente da experincia (HFFE, 2005, p. XXI). AmetforadolocusserpormimutilizadaparaadentrarocampodetrabalhodeKant,onde buscareiacompanharadeduodofilsofodequeprincpiosprticossoencontradosexclusivamente paraalmdarealidadeemprica,pois,todososconceitosmoraistmseulugar(Sitz)eorigem (Ursprung)completamenteapriorinarazo(KANTapudNOUR,2004,p.08),etentareidemonstrar quedesprezaresselocus,comoinadvertidaetemerariamenteofazopositivismocientfico contemporneo, que, talvez no por outro motivo, enfrenta sria crise (LOPARIC, 2005, p. 01), no jamais recomendvel. Dessa forma, buscarei ao final apresentar a filosofia prtica kantiana como uma no desprezvel contribuioparaaconstruodosDireitosHumanos,noobstanteomenoscaboaelatributadoesua supostaimpotncianestecampo,denunciadapormuitosdostericoscontemporneosquelhededicam crticas essenciais (HFFE, 2005, p. XXII). Ummotivoqueeuapontariaparajustificaodestapesquisa,quepodeatserconsideradana contramodacinciapolticacontempornea,cadavezmaisenvolvidapelodiscursodeumnecessrio respeito legislao positivada e a um suposto Estado de Direito, a possibilidade de contribuio para esclarecimentodosensocomum,que,noafeitosinvestigaesdosprincpiosdascoisas,atribui insniadoshomensacausadastragdiasprovocadasaosDireitosHumanosnaatualidade,paraaqual Kant sugeriria uma investigao da Razo pura que, muito provavelmente, afastaria qualquer suspeita de desajustepatolgicodoslderespolticoscontemporneos,edemonstrariaacausaverdadeiradesuas nefastas aes, qual seja, o uso das suas faculdades racionais muito para fins particulares e egosticos de alguns homens e naes privilegiadas, e pouco para a idia de humanidade como um todo. SeparaosempiristasdoDireitoedaticacontempornea,umainvestigaometafsicada Moral,daticaedoDireito,comoaquipretendida,noatendedinmicaatualdasrelaessociaise polticas, nem tampouco premncia de um direito produto de labor, isto , objeto de consumo ou bem deconsumo(FERRAZJR.,2001,p.26),eque,portanto,sodispensveisprviasinvestigaes filosficasacercadaracionalidadedasmedidaspolticas,bemcomodasconseqnciasfuturasdeum casusmo legislativo, h que lembrar, contudo, que ahistria nos mostra, sempre e, inexoravelmente, os equvocosdasatitudesextremadas,assimcomoastristesconseqnciasparaahumanidadedeummau uso da Razo. Um fato, contudo, inconteste, ao menos para os que pressupem nos homens uma natureza de seresracionais,equeenxergamemnossasaesnomeramenteinstintivasmostrasdessanossa diferenciadacapacidade,qualseja,odenosencontrarmosimersosempensamentos,oceanoesseonde Kant desenvolveu sua cincia racional (HFFE, 2005, p. 02), na busca pela deduo da liberdade que nos diferenciaria dos demais animais. Essaimerso,sedevidamenteinvestigada,tarefaessaqueconsumiriatodaavidadeKant, poderia nos mostrar que at mesmo aquelas aes cujos resultados se nos apresentam como, a princpio, impensadas, tm, com efeito, sua fonte e origem nas idias, como nos atesta o admirvel Guimares Rosa 14emsuaobraGrandeSertesVeredas,porintermdiodeumapersonagemqueconhecebemarealidade sangrenta das aes extremadas, Riobaldo, um jaguno de reconhecida competncia no seu ofcio, e que doaltodesuasabedoriadocotidiano,deduz:Aes?Oqueeuvi,sempre,quetodaaoprincipia mesmoporumapalavrapensada.Palavrapegante,dadaouguardada,quevairompendorumo (GUIMARES ROSA, 1984, p. 166).Nessa passagem de um clssico da literatura mundial que apresenta magnfico retrato de nossas terrasbrasileiras,comaqualCelsoLaferencerrasuamagnnimaobraAReconstruodosDireitos Humanos,encontroinspiraoparaestapesquisa,revelando,assim,aomesmotempo,e,semnenhuma justificativa,senoconfessaadmirao,apretensodeidentificarestetrabalhoacercadosconceitosde Moral,ticaeDireitoemKant,comaquelaobra,unicamentepelomotivodestaqueidentificotambm naquela, a saber, a busca pelos fundamentos racionais dos Direitos do Homem. Assim, visando uma simples introduo metafsica de Kant na busca de fundamentos para os Direitoshumanos,iniciareiporinvestigaraobraProlegmenosaTodaaMetafsicaFutura,publicada em 1783 para inventar essa mesma cincia [e que] no so para uso dos principiantes (KANT, P, 2003, p.11),quefoiapresentadaentreasduasediesdasuamaisafamadaCrticadaRazoPura(1781e 1787); ela contm os princpios de um sistema total e definitivo capaz de compreender os dois objetos de toda a filosofia: a natureza e a liberdade (DELBOS,1969, p. 157), valendo destacar que, no prefcio segundaedioKantintegrouosProlegmenossuaCrtica,alcanandoassim,emalgumaspartes, uma clareza maior (HFFE, 2005, p. 41). Estaobra,Prolegmenos,realizariaumprofundocortenafilosofiamoderna(HFFE,2005, p. 21), principalmente porque constituiria, segundo Arthur Schopenhauer em O Mundo Como Vontade e Representao,omaisbeloemaiscompreensveldetodososescritoscapitaisdeKant,quemuito pouco lido, embora facilite extraordinariamente o estudo de sua filosofia (SCHOPENHAUER, 2005, p. 527). Dessaforma,osProlegmenosaTodaaMetafsicaFuturaseropormimutilizadospara adentrar o campo de investigao kantiano, a saber, o mundo da metafsica e da Razo pura unicamente ondesepoderiaencontrarafontedaMoral,daticaedoDireito,portanto,oqueKantdenominasua filosofiatranscendental,oucinciafundamentalfilosfica,e,paradiferenci-ladafilosofia transcendental medieval, pode-se falar de filosofia transcendental crtica (HFFE, 2005, p. 33), pois, no fundo,atradiopermanentedeseuespritoaconfiananumaracionalidadeprocedural (HABERMAS, 1989, p. 20), o estabelecimento de um racionalismo novo que conduz Crtica da razo pura (DELBOS, 1969, p. 159). Em primeiro lugar, no tocante s fontes do conhecimento metafsico, elas no podem, j segundooseuconceito,serempricas.Osseusprincpios(aquepertencemnosos seusaxiomas,mastambmosseusconceitosfundamentais)nuncadevem,pois,ser tirados da experincia: ele deve ser um conhecimento, no fsico, mas metafsico, isto , que vai alm da experincia. Portanto, no lhe serve de fundamento nem a experincia externa,queafontedafsicapropriamentedita,nemaexperinciainterna,que 15constituiofundamentodapsicologiaemprica.,porconseguinte,conhecimentoa priori ou de entendimento puro e de razo pura. (KANT, P, 2003, p. 23). Agrandedificuldadeenfrentadapelosestudanteseprticosdodireitonocontatocoma filosofia,afeitosquesomos,precipuamente,satividadesforensesqueexigem,quandomuito,apenas anlise dos fatos sociais e a tentativa de subsunodosmesmos legislaovigente, abandonarmoso hbito de enxergar o Direito como sendo a representao sinttica da inteno do legislador, formalizada nocdigodetrabalhoesubordinadaaoatendimentodalgicadasociedadedeconsumo,numatpica concepoempiristaque,contemporaneamente,transformouacinciajurdicaumverdadeirosaber tecnolgico (FERRAZ JR., 2001, p. 28). Ocorrequenosepodeconstituirseguramenteumadoutrinajurdicasemumaslidabase racional,poiscertoqueumatalestruturassedeveedificarsobrefundamentosquenosepode alcanarmedianteapenasinvestigaodarealidadeemprica,eoDireitoprivadodemoralidade,perde sentido,emboranopercanecessariamenteimprio,validade,eficcia(FERRAZJR.,2005,p.354), sendonecessriaumatalinvestigaoporqueumametafsicadoscostumessedistinguedeuma metafsicadanatureza,poisaquelaserefere,nosleisdoque,massleisdoquedeveserpela liberdade (DELBOS, 1969, p. 245), e, como nos dir o prprio Kant na sua Metafsica dos Costumes Princpios Metafsicos da Doutrina do Direito: Umadoutrinajurdicasemprica(comoacabeademadeiranafbuladeFedro) uma cabea que pode ser formosa, mas que lamentavelmente no tem crebro. (KANT, MC, 2004, p. 36). Assim,deacordocomafilosofiacrticadeKant,afonteprimriadaMoral,daticaedo Direitonodeveserbuscadanaexperincia,poisseencontraparaalmdoconhecimentoemprico,a saber, no conhecimento a priori ou deentendimento puro e de razo pura(KANT, P, 2003, p. 24), e, independentedeseuusoedasuaaplicaoexperincia,ofilsofodestacaqueaRazotemum contedoprprio,poisumafaculdadedeproduzireligarosconceitoseprosobjetosemidia, sobretudo,seapoiandonoconjuntodeconcepeselaboradaspeloracionalismotradicionaldePlatoe Leibniz (DELBOS, 1969, p. 160). Por isso, buscar atravs dela realizar a ligao desses dois universos: Natureza e Liberdade.Portanto,nosepodeestabelecerumpensamentocorretoacercadetaisconceitosnomundo empricodasmerasrelaessociaiscotidianas,mas,to-somentenomundoobjetivadoporumaCrtica daRazo,queaquiserchamadometafsico,noqualingressareimedianteinvestigaodosseus princpios fundamentais e das causas cujos efeitos se convencionou chamar Moral, tica e Direito, sendo esta uma necessidade da metafsica de Kant (HFFE, 2005, p. 34). Paraestaincurso,nestecaptulointrodutriotentareiapresentaralgunsconceitosdouniverso kantiano,osquaispensomuitoajudaronalocalizaoeposicionamentonestemundo,asaber,os conceitosdecrtica,metafsicaedeconhecimentoapriori,pois,quemdizmetafsica,diz conhecimentoapriori,porconceitospuros,deumobjeto(DELBOS,1969,p.244),semadentrar, 16contudo, uma investigao sobre ser esse conhecimento para Kant inato ou adquirido (MARQUES, 2005, p. 145). Assim, nos seus Prolegmenos a Toda a Metafsica Futura, dir Kant: Com efeito, assim como a intuio emprica nos torna, sem dificuldade, possvel alargar sinteticamentenaexperincia,pormeiodenovospredicadosqueaprpriaintuio fornece, oconceitoquenos fazemosde umobjetodaintuio,assimtambmofara intuio pura, s que com uma diferena: no ltimo caso, o juzo sinttico ser a priori certoeapodctico,mas,noprimeiro,sercertoapenasaposteriorieempiricamente, porqueestacontmapenasoqueseencontranaintuioempricacontingente,masa outraoquedeveencontrar-senecessariamentenaintuiopura,porque,enquanto intuio a priori, est indissoluvelmente ligada ao conceito antes de toda a experincia ou de toda a percepo particular. (KANT, P, 2003, p. 48). Segundoofilsofo,domesmomodoqueaintuioemprica,qualseja,aquelaquesed mediante os rgos dos sentidos, possibilita-nos alargar o conceito que temos de um objeto atravs de um juzo sinttico da experincia, que acrescenta sempre um novo predicado ao mesmo, e, assim, ampliarmos oconhecimentoacercadeumbemquenosinteressamedianteacrscimodeinformaesatravsda sensibilidade, Kant nos diz que podemos obter tambm acrscimo de conhecimento de um objeto atravs daintuiopura,umafontegenunadeconhecimento(HFFE,2005,p.18),e,pois,mediante investigao desse objeto unicamente na faculdade do Entendimento na Razo, antes de qualquer contato sensvel com o mesmo, exercendo um juzo sinttico a priori, a saber, um juzo que certo, apodctico e, pois,vlidoparatodoenteracional,portanto,objetivoenecessrio,equenosacrescentapredicados quele objeto. Nomesmosentido,maisaofinaldesuaproduofilosfica,possivelmenteem1793 (MOROinKANT,VPM,1995,p.09),intentandoparticipardeumconcursoabertopelaAcademia Real das Cincias deBerlim, Kantelaborou um texto que viria aser conhecido como Os progressos da metafsica, onde, a respeito dos conceitos a priori, afirma: Haver,pois,noentendimento,tantosconceitosapriori,sobosquaisdevemestaros objetosdadosnossentidos,quantassoasespciesdecomposio(sntese)com conscincia, isto , quantas as espcies de unidade sistemtica da apercepo do diverso dado na intuio. Ora, estes conceitos so os puros conceitos do entendimento de todos osobjetosquepodemapresentar-seaosnossossentidos;representadossobonomede categorias por Aristteles, [...]. (KANT, VPM, 1995, p. 32). Por a priori, Kant entende tudo o que antes de toda a experincia (KANT, P, 2003, p. 48), e, pois, independente da experincia (WALKER, 1999, p. 08), e, sendo o Entendimento uma faculdade da Razo pura, que realiza a sntese do mltiplo dado na sensibilidade, ou seja, que realiza a composio comconscinciadospredicadosapresentadospelosobjetosquechegaramataosrgosdossentidos, deve conter conceitos a priori, ou Categorias, para que uma sntese objetiva seja realizada, e, assim, as categoriasnosolimitadaspelascondiesdaintuiosensvel,elastm,aocontrrio,umcampo ilimitado (DELBOS, 1969, p. 160) no Entendimento. 17Nofosseassim,nenhumobjetocaptadopelosrgossensoriaisteriacondiesdeser investigado pelo Entendimento, nem se daria composio do mesmo e a sntese do seu conhecimento, de modo que, para Kant, a interrogao a respeito do conhecimento objetivo somente poder ser respondida a partir da deduo de fundamentos, que transcendem toda a experincia, portanto, que se encontram para alm de todo o emprico, mediante investigaometafsica, e, pois, alm (meta) da fsica, da natureza (HFFE, 2005, p. 34). Contudo,nestepasso,adificuldadepareceantescrescerdoquediminuir.Pois,a questo pe-se agora assim: como possvel ter uma intuio a priori? A intuio uma representaoquedependeimediatamentedapresenadoobjecto.[...]Noobstante, como que a intuio do objecto pode preceder o prprio objecto? (KANT, P, 2003, p. 49). Dessaforma,ofilsofoconfessadesdeoincioadificuldadededemonstraodeumatal assertiva, pois, como ele mesmo reconhece, a princpio, toda possibilidade de conhecermos um objeto s se apresentaria mediante a realizao emprica do mesmo, ou seja, somente aps experincia sensvel com umobjetodenossaatenoquepoderiaserrealizadaumainvestigao.Como,ento,possvela intuiodoobjetoprecederoprprioobjeto,semprecipitararazoemescuridoecontradies (KANT apud HFFE, 2005, p. 34)?Kant empreender, assim, na Dialtica Transcendental de sua Crtica da razo pura, uma luta pela metafsica como uma disputa entre o racionalismo e o empirismo (HFFE, 2005, p. 36), mediante o estabelecimento de um tribunal da Razo pura, onde so investigadas as suas fontes, extenso e limites, tudo a partir de princpios, onde a razo pura se julga a si mesma (HFFE, 2005, p. 38), pois, uma das concepes mais familiares do pensamento racionalista a distino de um mundo da aparncia e de um mundo da realidade, do mundo sensvel e do mundo inteligvel (DELBOS, 1969, p. 161). E,parasoluodeumtalaparentedilema,eleapresentaumargumentofundamentalparao desenvolvimentodoseupensamento,medianteaformulaodeumconceitoquemarcariaahistriada filosofia ocidental, a saber, o conceito de coisa em si, assumindo uma postura que provocaria na filosofia doconhecimentoumaviradacopernicanaparaosujeitotranscendental,ademonstraodeelementos apriorsticos em todo conhecimento e a distino entre fenmeno e coisa em si (HFFE, 2005, p. 40). Assim, na busca pelo sistema da Razo cognoscitiva o filsofo deduz o conceito de coisa-em-si, que concebida por Kant como a causa dos fenmenos dados na representao (DELBOS, 1969, p. 162), e um tal conceito irmarcara filosofia kantiana, pois, tambm segundo Arthur Schopenhauer: O MAIOR MRITO DE KANT A DISTINO ENTRE FENMENO E COISA-EM-SI com base na demonstrao de que entre as coisas e ns sempre ainda est o INTELECTO, pelo que elas no podem ser conhecidasconformeseriamemsimesmas(SCHOPENHAUER,2005,p.526),pois,ascoisasno chegamaointelectocomosoemsimesmasecomtodasassuaspropriedadesmateriais,mas, unicamentecomorepresentaesdestasedasuaforma.Hqueressalvar,contudo,queesteparecerde Schopenhauer no conta com a concordncia unnime dos filsofos que se seguiram a Kant. 18Assim, mediante o conceito de coisa-em-si, Kant pretende resolver a aparente antinomia, ou, figura de contradio (GIACOIA, 2006, p. 21), que surgiria da admisso da possibilidade de intuio de umobjeto,antesmesmodesseobjetonosserdadoaumdosrgosdossentidoseunicamenteno intelecto, aventando a possibilidade de soluo com o argumento que se segue: Se a nossa intuio fosse de natureza a representar coisas como elas so em si, no teria lugar nenhuma intuio a priori, mas seria sempre emprica. Pois, s posso saber o que est contido no objecto em si se eleme estiver presente eme for dado. Sem dvida, entoincompreensvelcomoaintuiodeumacoisapresentemadeveriadara conhecertalcomoelaemsi,vistoqueassuaspropriedadesnopodementrarna minhafaculdaderepresentativa;noentanto,admitidaestapossibilidade,umatal intuionopoderiaterlugarapriori,isto,antesmesmodeoobjetometersido apresentado; com efeito, sem isso, no pode conceber-se nenhuma causa da relao da minha representao com o objecto, e deveria apoiar-se na inspirao. (KANT, P, 2003, p. 49). Kantargumentaquenossossentidosnosoconstitudosparacaptarascoisascomoelasso em-si-mesmas,jquenossasfaculdadesintelectivasnoasapreendemconcretamente,vistoqueas propriedades materiais destas coisas no podem, com efeito, adentrar nossa faculdade racionalmediante apreensoelementardasmesmaspelacaptaopornossosrgossensoriais,e,assim,oquenoschega dos objetos so apenas suas representaes, no as suas propriedades constitutivas materiais. Se tal fosse vivel, ou seja, se fosse possvel captar as coisas como elas so em si mesmas, por conseguinte, seria impossvel ter uma intuio a priori de qualquer objeto, isto , uma intuio anterior apresentaodesseobjetosensibilidade,jqueapresenadomesmoemqualquerrgodossentidos seria, sempre, previamente necessria para que se desse toda intuio.Diante de tal argumento do filsofo, penso ser necessrio, antes da introduo dos conceitos de Moral,ticaeDireitoemKant,umligeirosobrevopelocampodesuasinvestigaesacercadas faculdadesracionaisdohomem,ondeofilsofobuscaestabelecerafonte,extensoeoslimitesdo conhecimentodosobjetosemgeral,mediantesuafilosofiatranscendental,naqualKantinvestigaa estrutura profunda, pr-empiricamente vlida de toda experincia (HFFE, 2005, p. 58), e onde procura demonstrar que uma doutrina dos princpios a priori do entendimento no apenas determina a estrutura a prioridoaparecimento[dosobjetosdoconhecimento],masjustificaprocedimentosparasolucionar, igualmente,problemasobjetuaisdocampodoaparecimento(LOPARIC,2005,p.06),para,somente apstalrpidaincurso,buscaraspossibilidadesparaosurgimentodosconceitosquemeinteressamprioritariamente nesta pesquisa.AnteriormenteaosseusProlegmenos,jnaprimeiraobradesuatrilogiacrtica,aCrticada RazoPura,noCAPTULOSEGUNDO,DOLIVROPRIMEIRODAANALTICA TRANSCENDENTALDADEDUODOSCONCEITOSPUROSDOENTENDIMENTO,Kant empreendeadeterminaodosprincpiosdetodaequalquerpossibilidadedeconhecimento,eprocura desenvolver,sistematicamente,umadivisodaanlisepossvelrelativamenteatodoobjeto,sejadoseu conhecimento sensvel, mediante experincia, seja do conhecimento meramente inteligvel e, pois, atravs da faculdade do Entendimento na Razo e do que considera intuio pura, transcendentalmente, portanto. 19Paratanto,investigandoaprpriacapacidadedesntesedetodoenteracional,ouseja,as prpriasfaculdadesdoconhecimentohumano,naesteiradoprincpio:Cogitoergosum,ou,eupenso, logo existo (DESCARTES, 2004, p. 62), Kant, assim deduzir: O eu penso deve poder acompanhar todas as minhas representaes; se assim no fosse, algoserepresentariaemmim,quenopoderia,demodoalgum,serpensado,queo mesmo dizer, que a representao ou seria impossvel ou pelo menos nada seria para mim. (KANT, CRP, 2001, p. 131). O que se pode apreender deste ensinamento, que, apesar de parecer inicialmente bvio, contudo, mereceprofundareflexo,aconclusodeKantdequetodoobjetoque,dadonasensibilidade, representadonasfaculdadescognitivas,possvelserconhecidoporque,antes,foipensadopelo INTELECTO(SCHOPENHAUER,2005,p.526),pois,seassimnofosse,ouarepresentaoseria impossvelounadaseria,poisnoencontrarianenhumarefernciaformalquepossibilitasseoseu conhecimento. TalanliseacercadarepresentaoeupensoseriafundamentalparaKantpoderinvestigara possibilidadesejadeconceitospurosdoEntendimento,ascategorias,sejadaintuiopura,oEspaoe Tempo,portanto,daspossibilidadesdoconhecimentoapriori,esobreelaseerguemospilaresda filosofia kantiana (KENNY, 1998, p. 326), como a grande descoberta que justifica a sensibilidade como faculdadedeconhecer,emqueelasupenosomenteumamatriafornecidapelamultiplicidadedas sensaes,masumaformaquecoordenaestamultiplicidadesegundoleis,eessaformaoespaoe tempo (DELBOS, 1969, p. 125).Porisso,aquelarepresentaoeupensoseriamaisdetidamenteanalisadapelofilsofo alemo, de tal modo que ele assim se pronuncia na sua Crtica da razo pura: Dou-lheonomedeapercepopura,paraadistinguirdaempricaouaindaode apercepooriginria,porqueaquelaautoconscinciaque,aoproduzira representaoeupenso,quetemdepoderacompanhartodasasoutras,equeumae idntica em toda conscincia, no pode ser acompanhada por nenhuma outra. Tambm chamo unidade dessa representao a unidade transcendental da autoconscincia, para designar a possibilidade do conhecimento a priori a partir dela. (KANT, CRP, 2001, p. 131). SegundoKant,porqueLaconscienceexisteoriginairementennous,ainsiquenousl`avons vu1(KANT,apudDELBOS,1926,p.585),nsefetivamenteconhecemos;ouseja,parteeledo pressuposto da autoconscincia de nossa faculdade racional como faculdade do conhecimento em ns, e, pois,dequesomosdotadosdeumacapacidadequenosdiferenciadosdemaisanimais,issoporque considera a Razo como uma faculdade, ao senso forte do termo, e no somente como o atributo de uma natureza dada como a faculdade de estabelecer as leis, que confere o ttulo de racionais a todos os seres que tm conscincia ou que dela participam (DELBOS, 1969, p. 253), e, pois, que tm vontade, e, falar das leis da vontade falar das condies que fazem com que a vontade humana seja determinada por leis 1 Todas as citaes de obras em francs foram traduzidas por mim: A conscincia existe originariamente em ns, como o vimos. 20(DELBOS,1969,p.253),etaiscondiesexigem,segundoKant,umaunidadetranscendentalda autoconscincia, que uma e idntica e toda conscincia.Tal conscincia nos possibilita a apercepo pura de um objeto antes mesmo de sermos por ele afetados sensivelmente, a qual se d pela relao da representao: eu penso um objeto, um cubo, por exemplo,comtodaadiversidadequedeverserapresentadaposteriormenteporumcubomediantea sensibilidade, o que uma exigncia inarredvel para que o verdadeiro conhecimento se d relativamente atalobjeto,umavezqueapenasasensibilidadepoderfornecer,ento,amatriaparaomesmo,oque noerapossvelunicamentepelaformaespacialdadaapriori,medianteoeupensopropiciadopelo Entendimento, sendo que a experincia que se dar, por exemplo, se este cubo for branco, com pontinhos pretos, o qual os homens convencionaram chamar dado. Porconseguinte,sdeumamaneirapossvelqueaminhaintuiosejaanterior realidadedoobjectoeseproduzacomoconhecimentoapriori,quandonadamais contmalmdaformadasensibilidadeque,nomeusujeito,precedetodasas impressesreaispelasquais eusouafectado pelos objetos.Comefeito, possosaber a prioriqueobjectosdossentidosapenaspodemserpercebidossegundoestaformada sensibilidade. (KANT, P, 2003, p. 50). Assim, para Kant, apenas mediante a forma dos objetos, somos capazes de apercepo pura dos mesmosindependentementedasuapresenaemnossosrgossensoriais,formaessaquedeverser, posteriormente, preenchida pelomltiplo constitutivo daquele objeto mediante experincia sensvel com o mesmo, quando poder se dar seu efetivo conhecimento, j que, apenas a forma possvel representar-senoEntendimentoparaapercepopuraanteriormenteaqualquersensao,e,pois,abstradade qualquermatria,umavezqueamatriaderivadiretamentedasensao;aformadadapelonosso entendimento o que permite ao caos do [objeto] que nos aparece tomar uma ordem (KENNY, 1998, p. 328). Neste sentido, no 1 da Crtica da razo pura, Kant esclarece: Douonomedematriaaoquenofenmenocorrespondesensao;aoque,porm, possibilitaqueodiversodofenmenopossaserordenadosegundodeterminadas relaes, dou o nome de forma do fenmeno. Uma vez que aquilo, no qual as sensaes unicamente se podem ordenar e adquirir determinada forma, no pode, por sua vez, ser sensao,segue-seque,seamatriadetodososfenmenosnosdadasomentea posteriori, asua forma deve encontrar-se a priori no esprito, pronta a aplicar-se a ela e portantotemquepoderserconsideradaindependentementedequalquersensao. (KANT, CRP, 2001, p. 62). Outrossim,defundamentalimportnciaparaabuscadosaberapriori,segundoKant,quea metafsicapossaseguirocaminhosegurodacincia,aqual,graasintuiofelizdeumshomem (KANT apud HFFE, 2005, p. 25), realizou uma revoluo no modo de pensar. Esta consiste na idia propostapelofilsofobritnicoBacon(1561-1626),massrealizanosexperimentosdeGalileiede Torricelli,dequearazosconhecedanaturezaoqueelamesmaproduzsegundooseuprojeto (KANT apud HFFE, 2005, p. 42).21AsugestodeKantparaquesepudesseestabelecerumametafsicadignacomocincia, promoveraquelajmencionadareviravoltanafilosofiadoconhecimento(MORUJOinKANT, CRP, 2001, p. XI), que se inicia com a seguinte postura do filsofo na sua Crtica da Razo Pura: At hoje admitia-se que o nosso conhecimento se devia regular pelos objectos; porm, todasastentativasparadescobrirapriori,medianteconceitos,algoqueampliasseo nossoconhecimento,malogravam-secomestepressuposto.Tentemos,pois,umavez, experimentarsenoseresolveromelhorastarefasdametafsica,admitindoqueos objectos se deveriam regular pelo nosso conhecimento, o que assim j concorda melhor comoquedesejamos,asaber,apossibilidadedeumconhecimentoaprioridesses objetos, que estabelea algo sobre eles antes de nos serem dados. (KANT, CRP, 2001, p. 19). Kant sugere, dessa forma, uma revoluo que veio a ser conhecida por revoluo copernicana1 poraventarapossibilidadedesebuscaroconhecimentodosobjetos,partindonodaapresentaodos mesmosmedianteosrgossensoriais,e,portanto,dasuarepresentaocomofenmenono Entendimento,mas,dedadoseminentementeformaispreviamentefornecidospelaprpriafaculdadedo Entendimento,ouseja,medianteasimplesformaprviadosobjetosexistenteemnossasfaculdades cognitivas, colocando o sujeito cognoscente numa relao criadora com o objeto (HFFE, 2005, p. 43). Por sua ousadia, a exemplo do que faria Coprnico com a investigao do nosso sistema solar ao estabeleceroheliocentrismo,reservandoTerra,queanteseraconsideradaocentrodouniverso, meramente uma condio de coadjuvante numa rbita em torno do Sol, a postura do filsofo crtico, para quem o conhecimento no deve mais se regular pelo objeto, mas sim o objeto pelo nosso conhecimento (KANT apud HFFE, 2005, p. 44), seria comparada com a revoluo realizada pelo famoso astrnomo. Assim, a revoluo copernicana de Kant significa que os objetos do conhecimento objetivo no aparecem por si mesmos, mas eles devem ser trazidos luz pelo sujeito (transcendental) (HFFE, 2005, p. 45), pois, de acordo com essa postura, os objetos devem ser investigados no mais a partir do diverso queapresentamaoEntendimento,masmedianteconhecimentoaprioridequeseriadotadotodoente racional, e das suas diversas fontes, a sensibilidade, o entendimento e a razo (KANT, P, 2003, p. 163), paradepoisseconfrontarasinformaesdadasaprioricomamatriafornecidaobjetivamentepela sensibilidade, assim se justificando o filsofo: Trata-seaquideumasemelhanacomaprimeiraidiadeCoprnico;nopodendo prosseguirnaexplicaodosmovimentoscelestesenquantoadmitiaquetodaa multidodeestrelassemoviaemtornodoespectador,tentousenodariamelhor resultadofazerantesgiraroespectadoredeixarosastrosimveis.Ora,nametafsica, pode-se tentar o mesmo, no que diz respeito intuio dos objetos. Se a intuio tivesse de se guiar pela natureza dos objetos, no vejo como deles se poderia conhecer algo a priori; se, pelo contrrio, o objeto (enquanto objeto dos sentidos) se guiar pela natureza danossafaculdadedeintuio,possoperfeitamenterepresentaressapossibilidade. (KANT, CRP, 2001, p. 20). 1 Para complementao ver: KENNY, Anthony, 1998, p. 326; CHAU, Marilena de Souza, Os Pensadores: Kant vida obra. So Paulo: Nova Cultural, 2005. p. 08; MORUJO, Alexandre Fradique, 2001, p. XI. 22OquedizKantque,separtssemos,nabuscapeloconhecimentodeumobjeto,dosdados previamentefornecidosunicamentepelomesmo,ouseja,seaintuiofosselimitadapelanaturezado objetoepelamatriafornecidapelomesmoaosrgosdossentidos,delenadasepoderiaconhecera priori,e,porconseguinte,impossvelmesmoseriaoseuconhecimento,pornosfaltaremelementos formaisdecomparao;aopassoque,secolocssemosoEntendimento,comseusconceitospurose, facultadas intuies puras como o espao e tempo, no centro da investigao, a partir do qual dar-se-ia a buscapeloconhecimentodoobjetodado,deixando-nosguiarpelafaculdadedeintuio,seria perfeitamentepossvelrepresentarumconhecimentoaprioriacercadetalobjeto,oqual,noentanto, deveria ser posteriormente confirmado mediante sensibilidade. Com efeito, a prpria experincia uma forma de conhecimento que exige concurso do entendimento, cuja regra devo pressupor em mim antes de me serem dados os objectos, porconseqncia,apriori,pelosquaistmdeseregularnecessariamentetodosos objectos da experincia e com os quais devem concordar.No tocante aos objectos, na medida em que so simplesmente pensados pela razo e necessariamente mas sem poderem(pelomenostaiscomoarazoospensa)serdadosnaexperincia,todasas tentativasparaospensar(poistmquepoderserpensados)sero,conseqentemente, umamagnfica pedra de toque daquilo que consideramos ser a mudana de mtodo na maneiradepensar,asaber,quesconhecemosaprioridascoisasoquensmesmos nelas pomos. (KANT, CRP, 2001, p. 20). Poressamanifestaodofilsofosepodeentenderqueaprpriaexperinciasensvelexigeo concursodafaculdaderacionaldoEntendimento,comopressupostodetodasasregraseconceitosa priorinelacontidos,antesmesmodenosseremdadososelementosmateriaisobjetivosparaa experincia. Conseqentemente, a prpria experincia sensvel exige regras a priori, pelas quais tm que se regular e concordar todos os seus objetos, sob pena de no se dar qualquer conhecimento; e, no tocante aos objetos, pelo simples fato de poderem ser pensados pela Razo, todas essas tentativas de pens-los j seriamumamagnficaformadeaferiodoqueconsideravaofilsofoumamudanademtodode investigao, pois, como esclareceu acima, s conhecemos a priori das coisas o que ns mesmos nelas pomos. Assim, na busca por estabelecer um mtodo transcendental para o conhecimento objetivo, Kant ir adotar o modelo de Isaac Newton para as cincias, segundo o qual, dentro do exame dos problemas cientficos ele faz preceder a sntese de anlise, buscando passar do composto ao simples e do movimento sforasqueoproduzem,eemgeraldosefeitosscausas,e,ainda,dascausasparticularessmais gerais. Tal o mtodo que tem o nome de anlise (DELBOS, 1969, p. 255).Destaforma,relativamenteaoconhecimentocientfico,asaber,aquelerealizadomediante experincia, para que o mesmo se d o filsofo deduz que: Pelascondiesdanossanaturezaaintuionuncapodesersenosensvel,isto, contmapenasamaneirapelaqualsomosafectadospelosobjetos,aopassoqueo entendimento a capacidade de pensar o objecto da intuio sensvel. Nenhuma destas qualidadestemprimaziasobreaoutra.Semasensibilidade,nenhumobjectonosseria dado;semoentendimento,nenhumseriapensado.Pensamentossemcontedoso 23vazios; intuies sem conceitos so cegas. Pelo que to necessrio tornar sensveis os conceitos (isto , acrescentar-lhes o objecto na intuio) como tornar compreensveis as intuies (isto , submet-las aos conceitos). (KANT, CRP, 2001, p. 89). Assim,emquepeseofatodepodermossimplesmentepensarosobjetosmedianteo Entendimento, anteriormente a que pudessem ser dados na experincia, pelas condies de nossa natureza de seres afetados pelos sentidos e, ao mesmo tempo, dotados de uma faculdade que permite o eu penso, portanto, de uma natureza sensvel e inteligvel, a intuio s pode ser sensvel e conter apenas a maneira quenosafetamosobjetos,enquantoqueoentendimentopermitepensaroobjetodamesma,numa relao de complementaridade e dependncia recproca, pois: Asensibilidadeareceptividadedosujeito,medianteaqualpossvelqueoseu estado representativo seja afectado de uma certa maneira em presena de algum objecto. Ainteligncia(aracionalidade)afaculdadedosujeito,medianteaqualelepode representaraquelascoisasque, dadaasuanatureza, no podemapresentar-se nosseus sentidos. O objecto da sensibilidade o sensvel; porm, aquilo que nada contm a no seroquedeveserconhecidopelainteligncia,ointeligvel.Oprimeiroeratidopor phaenoumenon nas escolas dos antigos, o segundo por noumenon (KANT, DI, 1984, p. 43). Contudo,nenhumadestasfaculdadesdaRazotemprimaziasobreaoutra,pois,pensamentos semcontedosovazios,portanto,necessitamdaconfirmaomediantergosdossentidos,e,porseu turno,intuiesdadasnosrgossensoriaissemquaisquerconceitossocegas,deformaquetantoos pensamentosprecisamdaintuio,quantoaintuioprecisadosconceitosdoEntendimentoe,pois,do pensamento, para serem compreendidas.EstenovomtododeinvestigaodeKantimplicariaque:paraalmdosaberaposteriori, extrado da experincia, haver um saber de outra ordem, saber a priori, que precede a experincia e cujo objectononospodeserdadopelaexperincia.Umobjectodestaordemseroprpriosujeito,a estrutura do sujeito, e esta estrutura que torna possvel a experincia (MORUJO in Kant, CRP, 2001, p. XI). Dessa forma, Kant nos convida atravs da sua Crtica da Razo Pura a tomar conhecimento de umnovoesegurocaminhoparaaMetafsica,entoexecradaporpartedoscticosematerialistas, perigosos para as escolas (KANT, CRP, 2001, p. 30), j que a crtica antes a necessria preparao paraoestabelecimentodeumametafsicaslidafundadarigorosamentecomocincia(KANT,CRP, 2001,p.31),epossibilita,medianteinvestigaoprviadasfaculdadescognitivasdosujeito,um conhecimentoaprioridosobjetos,poisfacultadefrontarprovassuficientesdaexistnciadeleisque,a priori, fundamentam o conjunto universal dos nossos objetos da experincia, a saber, a prpria natureza, o que era impossvel at ento. EmumcaptuloqueseencontraaofinaldaCrticadaRazoPura,masquedeveria,porsua importncianademonstraodametodologiakantiana,serpreviamenteestudadopelosinadvertidos navegadoresdesteprofundoeturbulentooceanodasuafilosofia,asaber,AARQUITETNICADA RAZOPURA,queumaconquista,noumdom,eseproduzaotermodalutaentreexperinciae razo (DELBOS, 1969, p. 49), o filsofo nos diz que: 24 Sobodomniodarazonodevemosnossosconhecimentosemgeralformaruma rapsdia,masumsistema,esomentedestemodopodemapoiarefomentarosfins essenciais da razo. Ora, por sistema, entendo a unidade de conhecimentos diversos sob umaidia. Esta o conceito racional da forma de umtodo, na medida em que nele se determinam a priori, tanto o mbito do diverso, como o lugar respectivo das partes. O conceito cientfico da razo contm assim o fim e a forma do todo que correspondente aumtalfim.[...]Otodo,portanto,umsistemaorganizado(articulado)enoum conjuntodesordenado(coacervatio);podecrescerinternamente(per intussusceptionem),masnoexternamente(per opositionem),talcomoocorpodeum animal,cujocrescimentonoacrescentanenhummembro,mas,semalterara proporo, torna cada um deles mais forte e mais apropriado a seus fins. (KANT, CRP, 2001, p. 657). O que objetivo com a apresentao preliminar desses conceitos e idias fundamentais de Kant, quepodemparecerdeslocadosdeumainvestigaoacercadoquesejaconformecomaMoral,coma tica e com o Direito, j que foram introduzidos em uma obra que tem como objetivo principal investigar leisdapossibilidadedoconhecimentoemprico,e nodoconhecimentoprticoondeestariaminseridos osobjetosdestapesquisa,,almdeforneceralgunspoucosconceitosdosmuitosadotadosou formulados com primazia pelo filsofo, apresentar tambm o seu locus de investigao, a saber, o modo especfico do saber da metafsica, isto , o conhecimento puro da razo (HFFE, 2005, p. 45). Pretendocomissotambmmostrarque,emborarealizadoatravsdeobrasdiversas,Kant edificou umsistema da Razoem quese encontram interligadastodas asfaculdades cognitivas prprias de todo ente racional, faculdades essas onde podem ser encontrados no s os conceitos fornecidos pela realizaoempricadaexperinciacognitiva,medianteafaculdadedoEntendimento,mastambm conceitos puros e intuies puras, como tambm as prprias idias da Razo, que permitem conhecer os campos e limites das aes realizadas em conformidade com aqueles conceitos.Assim, , pois, que da Crtica da razo pura Metafsica dos costumes, passando pela Crtica da razo prtica e pela Crtica da faculdade do juzo, funciona o mesmo tribunal da crtica, segundo os mesmos princpios, depois os mesmos critrios, porque no h outros (GOYARD-FABRE, 1975, p. 24). Portanto, penso que, para que possa tentar expor os conceitos de Moral, tica e Direito, segundo opensamentodeKant,necessrioseriapelomenosrecordarquetaisconceitosseencontraminseridos numtodosistematicamenteorganizado,ecujainvestigaoexige,porissomesmo,pelomenosum sobrevo, ainda que rasteiro, pela maior parte das obras do filsofo. Pois, um ajuizamento abrangente da filosofiaprticadeKantteriadeconsiderartambmtextoscomoaAntropologiadeumpontodevista pragmticooudepreleosobrePedagogia,naqualKantinterpretaoprocessoeducacionalcomouma espciedeponteentrenaturezaemoral,entreocarterempricoeocarterinteligveldohomem (HFFE, 2005, p. 187), mas tambm e, principalmente, por suas obras crticas das faculdades prticas da Razo, j que: Ningumtentaestabelecerumacinciasemterumaidiaporfundamento. Simplesmente,naelaboraodessacincia,oesquemaemesmoadefinio,que inicialmenteseddessacincia,raramentecorrespondemsuaidia,poisestareside narazo,comoumgrmem,noqualtodasaspartesestoaindamuitoescondidas, 25muitoenvolvidasedificilmentereconhecveisobservaomicroscpica.porisso quetodasascincias,sendoconcebidasdopontodevistadeumcertointeressegeral, precisam de ser explicadas e definidas, no segundo a descrio que lhes d o seu autor, massegundoaidiaqueseencontrafundadanaprpriarazo,apartirdaunidade natural das partes que reuniu. [...] Entendo neste caso por razo a faculdade superior do conhecimento e oponho, por conseqncia, o racional ao emprico. (KANT, CRP, 2001, p. 658). Meuinteresseimediato,comefeito,investigaroqueconformecomaMoral,aticaeo Direito em Kant; e, para tanto, penso ser necessrio buscar pelo locus onde se encontram os fundamentos desses conceitos e a idia que contm, em germe, todas as suas partes necessrias; e, conseqentemente, estainvestigaotemquepassar,aindaqueligeiramente,porumainvestigaodaprpriaRazo enquantofaculdadesuperiorhumana,comoselementosquepossibilitaramadivisopelofilsofoem conhecimentoracionaleconhecimentoemprico,poispensoqueessesconceitossoabsolutamente necessriosparademarcaodoterritrioondeKantbuscafundamentaoparaaMoral,aticaeo Direito, ou seja, seus princpios, pois: Seabstrairdetodoocontedodoconhecimento,objetivamenteconsiderado,todoo conhecimentoento,subjetivamente,ouhistricoouracional.Oconhecimento histrico cognitio ex datis e o racional, cognitio ex principiis. (KANT, CRP, 2001, p. 659). Estainformaoacercadoconhecimentosubjetivoedesuaformadeaquisio,que,segundo Kant, seria, ou histrica ou racional, justifica-se em face da pesquisa que intento pela busca da forma de aquisiooriginalpelaRazodosconceitosinvestigados,afimdeprocurarsabersetratamelesde conhecimentohistrico,e,pois,auferidosegundoumeventodatadonotempo,oudeconhecimento racional, portanto, adquirido unicamente mediante princpios, j que: Osconhecimentosdarazo,queosoobjetivamente(isto,queoriginariamente podem apenas resultar da prpria razo do homem), s podem tambm usar este nome, subjectivamente,quandoforemhauridosnasfontesgeraisdarazo,dondepode tambm resultar a crtica e mesmo a rejeio do que se aprendeu, isto , quando forem extrados de princpios. (KANT, CRP, 2001, p. 660). A mim importa neste captulo introdutrio destacar que, para Kant, os conhecimentos da Razo osoobjetivamente,ouseja,aquelesfacultadosatodoenteracionalnecessriaeoriginariamente mediante princpios, e s podem resultar da prpria Razo humana. O conhecimento que tem sua origem naexperinciaKantchama-odeaposteriori(posterior,porsebasearemimpressessensveis);eo conhecimentoqueindependentedetodaimpressodossentidoschama-seapriori(anterior,porque sua fundamentao independe de qualquer experincia) (HFFE, 2005, p. 46). Da que o par conceitual a priori a posteriori distingue os conhecimentos, segundo sua origem, em conhecimentos da razo ou da experincia (HFFE, 2005, p. 47).Porissomesmo,subjetivamente,ssepodeusaradenominaoconhecimentoracional, quandoforhauridotambmnasfontesgeraisdaRazo,isto,noconhecimentoprprioqueosujeito 26tenha dos princpios daquele saber racional, unicamente onde se pode tambm estabelecer uma crtica e a rejeio do que se apreendeu. Ora, todo o conhecimento racional um conhecimento por conceitos ou por construo de conceitos; o primeiro chama-se filosfico e o segundo, matemtico. [...] Entre todas ascinciasracionais(apriori)spossvel,porconseguinte,aprenderamatemtica, mas nunca a filosofia (a no ser historicamente); quanto ao que respeita razo, apenas se pode, no mximo, aprender a filosofar. (KANT, CRP, 2001, p. 660). Todooconhecimentoracional,pois,segundoKant,conhecimentoporconceitosoupor construodeconceitos.Oconhecimentoporconceitoschamadofilosficoeoporconstruode conceitossechamamatemtico.Destasqueseriamduascinciasracionaiseapriori,apenasos conhecimentosprpriosdamatemticasepodeensinareaprender,eseusconceitospodemser construdos; mas jamais os conhecimentos da filosofia exceto os conhecimentos da histria da filosofia, ou seja, os conhecimentos da filosofia marcados no tempo e no espao de um sistema filosfico ; quanto ao que respeita a cada Razo, subjetivamente, se poderia apenas aprender a filosofar. Assim, certamente possvel aprender pensamentos sem pensar por si mesmo e repeti-los sem implicarneles,atsemcompreender.Masentosepensaporprocurao.Ouseja,nosepensa.Kant mostrou isso: o conhecimento histrico parte dos dados de fato, enquanto o conhecimento racional parte dos princpios (FOLSCHEID; WUNENBURGER, 2002, p. 08). De modo que: Osistemadetodooconhecimentofilosficoentoafilosofia.[...]Destamaneira,a filosofiaumasimplesidiadeumacinciapossvel,queempartealgumadadain concreto,masdequeprocuramosaproximar-nospordiferentescaminhos,atquese tenhadescobertoonicoatalhoqueaconduz,obstrudopelasensibilidade,ese consiga, tanto quo ao homem permitido, tornar a cpia, at agora falhada, semelhante ao modelo. (KANT, CRP, 2001, p. 660). Para Kant, o sistema de um todo do conhecimento filosfico considerado como o que converte o conhecimento vulgar em cincia (KANT, CRP, 2001, p. 657), a filosofia como uma simples idia de umacinciapossvelqueempartealgumadadainconcreto;masanecessidadedebusc-la,ou,pelo menos, dela nos aproximarmos, se apresenta como um imperativo, tanto quanto se permite a um ser finito e sensivelmente afetado quanto o homem, tornar a cpia, at agora falhada, semelhante ao modelo. Mas qual modelo? O matemtico, o fsico, o lgico, por mais que possam ser brilhantes os progressos que os primeiros em geral faam no conhecimento racional e os segundos especialmente no conhecimento filosfico, so contudo artistas da razo. H ainda um mestre no ideal que osreneatodos,osutilizacomoinstrumentos,parapromoverosfinsessenciaisda razo humana. Somente estedeveramos chamar o filsofo;mas como ele prprio no se encontra em parte alguma, enquanto a idia da sua legislao se acha por toda a parte emtodaarazohumana,deter-nos-emossimplesmentenaltimaedeterminaremos, mais pormenorizadamente, o que prescreve a filosofia, segundo este conceito csmico*, do ponto de vista dos fins, para a unidade sistemtica. (*Nota de Kant: Chama-se aqui 27conceito csmico aquele que diz respeito ao que interessa necessariamente a todos [...]) (KANT, CRP, 2001, p. 662). Kant refuta, pois, a idia de que o matemtico, o fsico, o lgico, por mais que fossem brilhantes osprogressosporelesalcanados,osprimeiros(matemticosefsicos)notocanteaoconhecimento racionale,ossegundos(oslgicos),relativamenteaoconhecimentofilosfico,pudessemser considerados modelos, j que so apenas artistas da Razo.Afirmaqueh,contudo,eapenasnocampodaidia,ummestrequerenetodosos conhecimentos daqueles, e que os utiliza como instrumentos, para promover os fins essenciais da Razo humana e somente ao qual deveramos chamar o filsofo; porm, como ele prprio no se encontra em parte alguma, mas, contudo, a idia da sua legislao se acha por toda a parte em toda a Razo humana, Kantdizqueselimitabusca,maispormenorizadamente,dalegislaopostaporaquelemestrena Razo. Este me parece, inicialmente, um fim essencial de sua filosofia, a saber, a busca pela legislao da Razo humana. Mas: Osfinsessenciaisnosoainda,porisso,osfinssupremos;spodehaverumnico fimsupremo(numaunidade sistemticaperfeitada razo).Portanto, os finsessenciais soouofimltimo,ouosfinssubalternos,quepertencemnecessariamenteaofim ltimocomomeios.Oprimeironooutracoisaqueodestinototaldohomemea filosofia desse destino chama-se moral. Por causa dessa prioridade que a filosofia moral tem sobre as outras ocupaes da razo, entendia-se sempre ao mesmo tempo e mesmo entreosantigos,pelonomedefilsofo,omoralista;emesmoaaparnciaexteriorde autodomniopelarazo,fazcomqueaindahoje,porumacertaanalogia,sechame algum filsofo, apesar do seu limitado saber. (KANT, CRP, 2001, p. 662). H,pois,segundoKant,umnicofimsupremodaRazo.H,igualmente,umfimltimoe outros fins subalternos, que pertencem ao fim ltimo como meios para este, sendo que o fim ltimo no outracoisasenoodestinototaldohomem,cujafilosofiasechamamoral,pelaprioridadequea filosofia moral tem sobre as outras ocupaes da Razo.PensoseresclarecedorofatodequeportrintaanosKantintentouintitularseusistematico MetafsicadaMoral(traduonossa)(WOODinMARKTIMMONS,2004,p.02),sistemaesseque passouadenominarMetafsicadosCostumes,provavelmenteexpressandosuarejeiodateoriado senso moral de Shaftesbury e Hutcheson (traduo nossa) (WOOD in MARK TIMMONS, 2004, p. 02).Contudo,justificandoavalorizaonecessriadaqueletermomestrefilsofo,Kantdizque, equivocadamente,osantigosentendiampelonomedefilsofo,omoralista,etalequvocopermanece athojequandosechamafilsofoalgumdeaparenteautodomniopelaRazo,apesardoseulimitado saber,oquedemonstraozelodofilsofoalemopelafilosofiamoral,sendoporissotambmquena Fundamentao da metafsica dos costumes e na Crtica da razo prtica, Kant pretende mostrar apenas o que j est sempre contido, ainda que confusamente, na conscincia da ao moral. (HFFE, 2005, p. 186). Nesta minha tentativa vestibular de demarcar o locus onde buscarei percorrer o pensamento de Kant,pensosernecessrioavanarumpoucomaisnasuaconceituaodefilosofia,enquantosistema nico do conhecimento racional: 28 A legislao da razo humana (filosofia) tem dois objetivos, a natureza e a liberdade e abrangeassim,tantoaleinaturalcomotambmaleimoral,aoprimeiroemdois sistemasparticulares,finalmentenumnicosistemafilosfico.Afilosofiadanatureza dirige-se a tudo o que ; a dos costumes somente ao que deve ser. Toda a filosofia , ou conhecimentopelarazopuraouconhecimentoracionalextradodeprincpios empricos.Oprimeirochama-sefilosofiapura,osegundo,filosofiaemprica.(KANT, CRP, 2001, p. 662). Dessaforma,paraKantafilosofiapodeserdivididaemfilosofiadanaturezaefilosofiados costumes: a filosofia da natureza dirige-se a tudo o que , ou seja, a tudo que pode ser apreendido pelos sentidos, e, a filosofia dos costumes, ou filosofia prtica, isto , que assenta na liberdade (KANT, CRP, 2001,p.309),aoquedeveser.Porisso,todaafilosofiaprticadeKantnadamaisdoqueuma filosofiadaliberdade(HERRERO,1991,p.10),sendoqueaorigemdamoralencontra-sena autonomia,naautolegislaodavontade.Vistoqueaautonomiaequivalenteliberdade,oconceito-chave da poca moderna, a liberdade, obtm atravs de Kant um fundamento filosfico (HFFE, 2005, p. 184). EmboraestapesquisaselimiteainvestigarosconceitosdeMoral,ticaeDireitoe,portanto, conceitos prticos, ou seja, relativos a tudo aquilo que possvel pela liberdade (KANT, CRP, 2001, p. 636),e,assim,procuretratarexclusivamentedeumafilosofiadoscostumes,importa,contudo,neste captulointrodutrio,mostraraestreitaligaodosdoisobjetivosdeumamesmafaculdadedarazo pura(KANT,CRPr,2003,p.319),queseriamabrangidosfinalmentenumnicosistemafilosficode umaRazoque,pornatureza,arquitectnica,isto,considerariatodososconhecimentoscomo pertencentesaumsistemapossvele,porconseguinte,sadmitiriaprincpiosque,pelomenos,no impeamqualquerconhecimentodadodecoexistircomoutrosnumsistema(KANT,CRP,2001,p. 426).Por isso mesmo, vale destacar que, na busca por uma demonstrao da unidade da Razo, Kant deduz que: Afilosofiadarazopuraoupropedutica(exercciopreliminar),queinvestigaa faculdadedarazocomrespeitoatodooconhecimentopuroaprioriechama-se crtica,ouento,emsegundolugar,osistemadarazopura(cincia),todoo conhecimentofilosfico(tantoverdadeirocomoaparente)derivadodarazopura,em encadeamento sistemtico e chama-se metafsica; este nome pode, contudo, ser dado a todaafilosofiapura,compreendendoacrtica,paraabrangertantoainvestigaode tudo o que alguma vez pode ser conhecido a priori, como tambm a exposio do que constituiumsistemadeconhecimentosfilosficospurosdessaespcie,masquese distinguedetodo ousoempricocomotambmdousomatemticodarazo.(KANT, CRP, 2001, p. 662). V-se,pois,queparaKantafilosofiadaRazopurasededicaainvestigaroconhecimentoa prioriechamadacrtica,porquerealizaumapropedutica,umapreparaoparaoconhecimento,ou, ento, o sistema da Razo pura, ou seja, da Razo que busca pelo conjunto do saber filosfico derivado da Razo pura, exposto em encadeamento sistemtico, e chamada metafsica, sendo a razo o poder de subsumir o particular a princpios universais (ALMEIDA, 1998, p. 54). 29Eis, pois, o que considero, para os objetivos desta pesquisa, como o campo da filosofia de Kant, asaber,umametafsicacrticaqueinauguradapelofilsofoalemoparaumnovosistemade conhecimentosfilosficos,precedidos porumacrticacomoumacinciatranscendentalquenovisaa ampliao dos nossos conhecimentos a priori e sim a avaliao da nossa capacidade cognitiva como tal (LOPARIC, 2005, p. 10).Porissopode-seconcluirquearazoprticanonenhumaoutraquearazoterica;sh umarazo,queexercidaouprticaouteoricamente.Demodogeralarazosignificaafaculdadede ultrapassar o mbito dos sentidos, da natureza. A ultrapassagem dos sentidos pelo conhecimento o uso terico da razo, na ao o uso prtico da razo (HFFE, 2005, p. 187). ParatalinvestigaoKantdesenvolveomtodotranscendental,queumadescrio principiolgica das estruturas apriorsticas do conhecimento, da moral assim como do direito e descobre sempre,emltimaanlise,oeupensocomoprimaeultimaratiodetodaobrahumana(GOYARD-FABRE, 1975, p. 24). Desse modo, a metafsica, segundo a diviso transcendental de Kant, pode ser apresentada como metafsica da natureza e metafsica dos costumes (moral): A metafsica divide-se em metafsica do uso especulativo e metafsica do uso prtico da razopurae,portanto,oumetafsicadanaturezaoumetafsicadoscostumes.A primeira contm todos os princpios da razo, derivados de simples conceitos (portanto comexclusodamatemtica),relativosaoconhecimentotericodetodasascoisas;a segunda,osprincpiosquedeterminamapriorietornamnecessriosofazereono fazer. (KANT, CRP, 2001, p. 663). Comoprocureiressaltarnestecaptulopropedutico,essapesquisatemporobjetonicae exclusivamenteousoprticodaRazopurarelativamenteaosconceitosdeMoral,ticaeDireito, segundoopensamentodeKant,ouseja,temporobjetivoumainvestigaodametafsicaqueconcerne diretamenteaodesenvolvimentodessesconceitos,asaber,ametafsicadoscostumese,aindaassim, unicamente a exposio dos princpios que determinam a priori e tornam necessrio o fazer e o no fazer, moral,ticoejurdico,emboraoprpriofilsofoentendaqueserianomuitoadequadochamara metafsica dos costumes, propriamente, metafsica, pois nos costumes se trata propriamente da Moral: Ora,amoralidadeanicaconformidadedasaceslei,quepodeserderivada inteiramente a priori de princpios. Por isso, a metafsica dos costumes , propriamente, amoralpura,ondenosetomaporfundamentonenhumaantropologia(nenhuma condio emprica). A metafsica da razo especulativa , ento, o que no sentido mais estrito se costuma chamar metafsica. (KANT, CRP, 2001, p. 663). Dessa forma, Kant denomina moralidade a conformidade das aes com a Lei moral, sendo essa anicaposturahumanaquepodeserderivadainteiramente apriorideprincpios,pois,dizerquealei moralracional,ouconhecidapelarazopuraprtica,significadizerqueelaconhecidaapriori (WALKER, 1999, p. 31). Assim, pode-se deduzir que a metafsica dos costumes , propriamente, a moral pura, deixando KantparaosistemacompletodaRazoespeculativae,pois,doconhecimentodanatureza,a 30denominao estrita metafsica, indicando, contudo, para o campo da antropologia moral ou pragmtica (LOPARIC, 2003, p. 477 s) a investigao de toda realizao emprica da moralidade, a saber, das aes exeqveis livremente (LOPARIC, 2003, p. 477). Como j disse, uma investigao emprica da moralidade no ser, absolutamente, objeto desta pesquisa,jqueumadoutrinamoral,porqueelarecusaperspectivasantropolgicase,afortiori, antropocntricas, no poderia ser reduzida a uma doutrina do bem (GOYARD-FABRE, 1975, p. 35), e, embora mesmo a prudncia de vida e a arte da vida tenham seu lugar no pensamento de Kant; todavia, emconformidadecomoprincpiodaautonomia,afastam-sebastantedocentro;seulugarencontra-se desdeKantnaperiferiadaticafilosfica(HFFE,2005,p.187),e,seriam,assim,objetoda antropologia e da psicologia, no, porm, da filosofia. Cumpre-me,contudo,procurandoidentificaredelimitaromaispossvelolocusdafilosofia kantiana por onde caminharei e desbastar um pouco mais esse terreno para mim inusitado, esclarecer uma vezmais com LOPARIC, que: A metafsica, por outro lado, a apresentao (Darstellung) do sistema completodeconhecimentospurosapriori.Estesistemadarazopuratemumaparteterica, denominadametafsicadanatureza,eumaparteprtica,chamadametafsicadoscostumes. (LOPARIC, 2005, p. 10). Reconheoporfim,queobedecerinteiramenteaestapropeduticamelevariaaumdilema,j que,propondo-meinicialmenteapresentarapenasconceitosformuladosporKantemsuasobras imediatamenterelativassfaculdadesprticasdaRazo,contudo,nestecaptulovestibularbusquei tambmauxlionaobraCrticadarazopura,que,arigor,diriarespeitoapenasaoconhecimento terico, pois no trata do conceito de liberdade na sua formulao positiva, j que tal foi objeto da Crtica da razo prtica. Assim procedi, no entanto, porque entendo fundamental, para a exposio dos conceitos objetivados nesse trabalho, apresentar pelo menos as linhas gerais dessa diviso. Confesso,assim,que,comestaempresa,pelomenosumdilemafoiinevitvel,pois,separa alguns leitores, essas necessrias ponderaes preliminares exigem esforo incomum para delas se extrair algumacompreenso,aindaquemnima,acercadouniversodasuafilosofiacrtica,noentanto,paraos especialistasemKant,certamentecausar,apenasoreconhecimentodeumesforo,oque,emborame levaacorreroriscodesuportarcertopejo;contudo,estetalvezvenhaasejustificarpelainequvoca contribuio que Kant pode trazer para os ensinos jurdicos, j que: damaiorimportnciaisolarosconhecimentosque,pelasuaespcieeorigem,so distintosdeoutrosconhecimentoseimpedi-loscuidadosamentedesemisturare confundircomoutros,comosquaisseencontramordinariamenteligadosnouso.[...] Por isso, a razo humana, desde que comeou a pensar, ou melhor, a refletir, no pode prescindir de uma metafsica, embora no a tivesse sabido expor suficientemente liberta detodooelementoestranho.Aidiadeumatalcinciatoantigacomoarazo especulativadohomem;equalarazoquenoespecula,sejamaneirados escolsticos, seja ao jeito popular? (KANT, CRP, 2001, p. 663). EssaminhatentativadeabordaraMoral,aticaeoDireitonocampodametafsicased justamente por entender que, pelo uso que de tais conceitos se tem feito contemporaneamente, muito nos 31afastamos das suas origens e finalidades, as quais espero poder alcanar mediante o pensamento de Kant e,paratanto,osnicospropsitosdesteprembuloso,emprimeirolugar,adentrarnoestudoda metafsica com certa segurana e, em segundo, tentar dar acesso aos meus colegas estudantes do Direito, nestecampoimpalpveldaRazopura,que,pelasuainvisibilidadeaparente,nosedeixaapreciarno cotidianodosbancosacadmicosedosbalcesdosTribunais,masque,contudo,fundamentalpara nortear os rumos que devem tomar as aes conformes com o Direito, pois: Quandosediziaqueametafsicaeraacinciadosprimeirosprincpiosdo conhecimentohumano,nosedesignavaumaespcieparticulardeprincpios,mas somenteumgraumaiselevadodegeneralidade,peloqualametafsicanosepodia distinguirclaramentedoqueemprico.[...]Todooconhecimentopuroapriori constitui,assim,graasfaculdadeparticulardeconhecimentoondetem exclusivamente a sua sede, uma unidade particular e a metafsica a filosofia que esse conhecimento deve expor nesta unidade sistemtica. (KANT, CRP, 2001, p. 664). Assim,oimpalpvelcampodeumametafsicacomocinciaserconsideradonestetrabalho comoocampoondeKantedificouseusconceitosdeMoral,ticaeDireito,eserbuscadocomouma condiomaiselevadaparaaPolticacontempornea,inclusivee,especialmente,paraasuaarmade frente,oDireito,numasingelatentativadecontribuioparaaconstruodosDireitosHumanos,de modoque,aostcnicosjurdicoscomoeu,recomendvel,apartirdesteponto,abandonaras enferrujadas ferramentas do direito, j que com elas no conseguiremos alcanar as razes da Moral, da tica,nem,conseqentemente,doDireitoemKant,almdoque,aoxidaodasmesmasimpedir refletirem o brilho dourado e, por isso mesmo, incmodo, da sua filosofia. Ametforadolugar(campo)ondepretendofixar-menessainvestigao,emborano inteiramente adequada para um trabalho como o ora empreendido, posta mais como uma tbia tentativa dedemonstraraadmiraoeapreopelofilsofo,umavezque:Oreconhecimentodalinguagem metafrica na filosofia de Kant foi praticamente inexistente at ao ltimo quartel do sculo XIX e veio a encontrar a sua consagrao quando Vaihinger, em 1902, sugeriu que, a par do Kant metafsico que, graassobretudoaostrabalhosdePaulsen,comeavaaserpostoemrealce,deveriarelevar-se igualmente o Kant metafrico (SANTOS, 1994, p. 64). 32 PRIMEIRA PARTE A MORAL 33CAPTULO PRIMEIRO O OBJETIVO DA FILOSOFIA DE KANT O propsito deste captulo mostrar a difcil, porm grandiosa, empresa que Kant admitia como fimltimodafilosofia,asaber,contribuirparaafelicidadeuniversal,aqualpoderseralcanadapela dignidadequehemtodohomem(DELBOS,1969,p.38),medianteumabuscapelasfontese princpiosque,segundoele,facultamatodoenteracionalfazerusoplenodaRazopura,e,pois,da Liberdade,equepodemconduzirtoda ahumanidadeaocumprimentodoDeverdemoralidade,e,desta forma,alcanarumafelicidadeobjetivaquesedarcomoresultadoeacabamentodeumprojetode Esclarecimento, o qual a sada do homem de sua menoridade (KANT, PP, 2002, p. 11). Inicialmente,pensopoderserimportanteinformarqueduasdasidiascardinaisdafilosofia kantiana,RazoeLiberdade,sosimultaneamenteosmotivoschavesdaeradaRevoluoFrancesa (1770 1815) (HFFE, 1985, p. 15), sobre as quais ele pretende, dentro da esperana otimista do seu sculo, demonstrar a necessidade de se constituir uma sociedade de seres racionais (DELBOS, 1969, p. 39).Para tanto, o conceito de Dever ganha na filosofia de Kant um destaque fundamental, sendo que, diantedavastidoeprofundidadedesuaobra,minhainvestigaoserlimitadaaapenasalgunstextos indispensveis,demodoqueotrabalhobuscarseguir,inicialmente,oquedizofilsofonasuaobra Fundamentaodametafsicadoscostumes,ondeprocurareidemonstrarqueosconceitosora investigadosseencontramemumcampomuitoalmdarealidadeempricadosprticosdoDireito contemporneo. Assim, intentarei neste captulo apenas uma apresentao dos conceitos de metafsica e de juzo a priori, alm de uma ligeira introduo ao conceito de Dever, que receber, posteriormente, deduo em captuloprprio,poisvisoaquiapenasapresentaralgunsdosinstrumentosutilizadosporKantnoseu projetoracionalista,buscandonasindicaesfeitaspeloprpriofilsofo,umcaminhoqueporventura possa vir a ser seguido, com olhos voltados para osDireitos Humanos emirando o seu projeto junto do iluminismo (Aufklrung), pois Aufklrung , ontem e hoje, o processo que tem em vista levar a termo a histria inconsumada da liberdade humana (HERRERO, 1991, p. 06). Nosprximostrscaptulos,valer-me-eidoquedizKantemsuaobraFundamentaoda metafsica dos costumes, iniciando por: Todoconhecimentoracional:oumaterialeconsideraqualquerobjeto,ouformale ocupa-seapenasdaformadoentendimentoedarazoemsimesmasedasregras universaisdo pensaremgeral,semdistinodosobjetos.Afilosofiaformalchama-se Lgica; a material porm, que se ocupa de determinados objectos e das leis a que eles esto submetidos, por sua vez dupla, pois que estas leis ou so leis da natureza ou leis daliberdade.Acinciadaprimeirachama-seFsica,adaoutraatica;aquela 34chama-se tambm Teoria da Natureza, esta Teoria dos Costumes. (KANT, FMC, 2004, p. 13). Os conceitos de que me ocupo nesta pesquisa foram investigados por Kant como parte de uma filosofia material, e esto submetidos a leis da liberdade, e, como o prprio filsofo afirma, tm origem eminentementeracional.EmborasetratedabuscaporconceitosdeMoral,ticaeDireitoque,parao entendimentocomum,sodeverasabstratos,contudo,estoinseridosnocampodeumainvestigao filosficamaterial,portanto,paraalmdasimplesLgica,poisseocupadedeterminadosobjetosedas suasleis,quetantopodemserleisdanatureza,comotambmleisdaliberdade,enquantoaLgicase ocupa apenas da forma do conhecimento no Entendimento e na Razo em si mesmos. ALgicanopodeterparteemprica,istoparteemqueasleisuniversaise necessrias do pensar assentassem em princpios tirados da experincia, pois que ento noseriaLgica,isto,umcnonepara oentendimentoouparaarazoquevlido paratodoopensarequetemdeserdemonstrado.Emcontraposio,tantoaFilosofia natural como a Filosofia moral podem cada uma ter a sua parte emprica, porque aquela temdedeterminarasleisdanaturezacomoobjetodaexperincia,estapormasda vontade do homem enquanto ela afectada pela natureza; quer dizer, as primeiras como leis segundo as quais tudo acontece, as segundas como leis segundo as quais tudo deve acontecer,masponderandotambmascondiessobasquaismuitasvezesno acontece o que devia acontecer. (KANT, FMC, 2004, p. 13). Dessaforma,pode-severqueosconceitosorainvestigadosdeMoral,ticaeDireito,esto inseridos no campo de uma filosofia moral, que, portanto, busca leis para a determinao da autonomia da vontadedohomemenquantoente,aomesmotempo,livree,noentanto,afetadotambmsensivelmente pela natureza, pois, a razo prtica, como ela mais abreviadamente se chama, significa a capacidade de escolher sua ao independentemente de fundamentos determinantes sensveis, os impulsos, as carncias e paixes, as sensaes do agradvel e desagradvel (HFFE, 2005, p. 188). Essa filosofia moral tem, inclusive, uma parte emprica, como sendo um campo onde se podem identificar leis segundo as quais tudo deve acontecer, mas ponderando tambm as condies sob as quais muitas vezes no acontece o que devia acontecer e, a respeito daqueles que no conseguem distinguir os doispapisdafilosofiamoralpuradaemprica,Kantdiz:oque(talprocedimento)produzuma miscelnea(Mischmasch)repulsivadeobservaesdesegundamoeprincpiossemi-racionaiscomos quais se regalam os cabeas-ocas, porque isso algo que pode ser usado na tagarelice da vida cotidiana (KANT apud HARE, 2003, p. 216), porm, no em uma filosofia pura. Saliento, contudo, que, embora uma investigao dos porqus dos deveres no cumpridos seja deverasimportanteparaahistriadahumanidade,nocabenoslimitesdestapesquisa,aqual,todavia, no pode ser realizada sem a busca pelo esclarecimento da existncia de uma faculdade da Razo pura no homem,comoanicafontedosconceitosdeMoral,ticaeDireito,equetalvezpossafigurarcomo paradigmaparaacontemporaneidade,pois,emnomedaRazo,Kantreivindicaoprogressoda tolerncia e um tratamento mais justo ao homem segundo sua dignidade (DELBOS, 1969, p. 41). 35Pode-se chamar emprica a toda a filosofia que se baseie em princpios da experincia, quela porm cujas doutrinas se apiam em princpios a priori chama-se filosofia pura. Estaltima,quandosimplesmenteformal,chama-seLgica;masquandoselimitaa determinados objectos do entendimento chama-se Metafsica. Desta maneira surge a idia duma dupla metafsica, uma Metafsica da Natureza e uma Metafsica dos Costumes. A Fsica ter portanto a sua parte emprica, mas tambm uma parte racional; igualmente a tica, se bem que nesta a parte emprica se poderia chamar especialmenteAntropologiaprtica,enquantoaracionalseriaaMoralpropriamente dita. (KANT, FMC, 2004, p. 14). V-se,pois,queosconceitosdeMoral,ticaeDireito,orainvestigados,nopodemser inseridos numa filosofia emprica, pois esto sendo buscados, no segundo sua prxis, mas, to-somente medianteinvestigaodanicacondiopossvelparaumafundamentaoracionaldessesconceitos,a saber, a Liberdade, a fim de se poder aferir, caso seja bem sucedida a pesquisa, o paradigmtico projeto iluministakantiano,frentestentativascontemporneasdeformataodocotidiano,tantonocampoda tica,quantonocampodoDireito,sem,contudo,avanarnumatentativadesubsunodetaisprxis quela metafsica dos costumes, j que isso implicaria uma Antropologia prtica, que, segundo Kant, seria a parte emprica de uma tica, o que no caberia aqui. No tendo propriamente em vista por agora seno a filosofia moral, restrinjo a questo postaaopontoseguinte:-Noverdadequedamaisextremanecessidadeelaborar um dia uma pura Filosofia Moral que seja completamente depurada de tudo o que possa ser somente emprico e pertena Antropologia? Que tenha que haver uma tal filosofia, ressalta com evidncia da idia comum do dever e das leis morais. Toda a gente tem de confessarqueumaleiquetenhadevalermoralmente,istocomofundamentoduma obrigao, tem de ter em si uma necessidade absoluta; que o mandamento: no deves mentir, no vlido somente para os homens e que outros seres racionais se no teriam queimportarcomele,eassimtodasasrestantesleispropriamentemorais;que,por conseguinte, o princpio da obrigao no se h-de buscar aqui na natureza do homem ounascircunstnciasdomundoemqueohomemestposto,massimapriori exclusivamente nos conceitos da razo pura? (KANT, FMC, 2004, p. 15). PorestasindagaesdeKant,pode-seconstatarqueafundamentaodeumaFilosofiaMoral no pode ser encontrada no mundo emprico, j que h que confessar toda a gente, que, uma lei que seja o fundamentodeumaobrigaotemdevaleruniversalmente,porsimesma,comoabsolutamente necessria,semnenhumcontedoextradodanaturezasensvel,enosepode,pois,encontrarna naturezamaterialdohomemounascircunstnciasdomundoe,porconseguinte,nodecorreda experincia, mas, se acha apenas a priori nas idias da Razo, como uma obrigao, e posso adiantar que estacrticadoconceitodeobrigaopontuadesdejadistinoqueKantfariamaistardedasduas espciesdeimperativos,osimperativoshipotticoseosimperativoscategricos(DELBOS,1969,p. 84). Constata-se,outrossim,queumafundamentaodaverdadenopodeserencontradaemoutro lugar, a no sermedianteuma lei quedetermineabsolutamenteo dever de nomentir, e tal evidencia o conceitodeobrigao,umdospilaresdoDireitocontemporneo,oqualnopodeserencontradoem qualquercircunstnciadomundoemqueohomemestpostoenquantofenoumenon,massimapriori exclusivamente nos conceitos da Razo pura. 36 Asleismoraiscomseusprincpios,emtodoconhecimentoprtico,distinguem-se portantodetudoomaisemqueexistaqualquercoisadeemprico,enosse distinguemessencialmente,comotambmtodaaFilosofiamoralassentainteiramente nasuapartepura,e,aplicadaaohomem,norecebeummnimoquesejado conhecimentodohomem(Antropologia),masfornece-lhecomoserracionalleisa priori.verdadequeestasexigemaindaumafaculdadedejulgarapuradapela experincia, para, por um lado, distinguir em que caso elas tm aplicao, e, por outro, assegurar-lhesentradanavontadedohomemeeficcianasuaprtica.(KANT,FMC, 2004, p. 16). Dessa forma, pode-se constatar que Kant tem a racionalidade humana como um pressuposto de sua filosofia, de modo que, segundo o filsofo, todos os princpios extrados das leis morais distinguem-se de tudo o que possa existir no mundo emprico, assim como toda a Filosofia moral assenta inteiramente napartepuradetodooconhecimentoprtico,asaber,aqueleconhecimentofundadounicamentesobre leis da Liberdade, como o caso da Moral, da tica e do Direito. UmaMetafsicadosCostumes,,pois,indispensavelmentenecessria,nospor motivosdeordemespeculativaparainvestigarafontedosprincpiosprticosque residemapriorinanossarazo,mastambmporqueosprprioscostumesficam sujeitosatodaasortedeperversoenquantolhesfaltaraquelefiocondutorenorma suprema do seu exacto julgamento. Pois que aquilo que deve ser moralmente bom no bastaquesejaconformeleimoral,mastemtambmquecumprir-seporamordessa mesma lei; caso contrrio, aquela conformidade ser apenas muito contingente e incerta, porque o princpio imoral produzir na verdade de vez em quando aces conformes leimoral,masmaisvezesaindaacescontrriasaessalei.(KANT,FMC,2004,p. 16). Kant justifica, assim, a construo de uma Metafsica dos Costumes, tendo em vista a imperiosa necessidadedeseinvestigarafontedosprincpiosprticos,ouseja,daquelesprincpiosqueassentam unicamentesobreaLiberdade,jquenosepodeencontr-losemoutrolugarsenoapriorinanossa Razo,etalinvestigaospossvelmedianteumacrticaeinvestigaoparaalmdaexperincia sensvel,ouseja,numametafsica,evitando-se,aomesmotempo,